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http://www.nethistoria.com.br/index.php?secao=conteudo.php&sc=2&id=346&cp=534 Acesso 26/09/2012 15:00 hsA Guerra de Secesso: uma guerra entre irmos

por Gilson Gustavo de Paiva Oliveira

A Guerra de Secesso, tambm chamada de Guerra Civil Americana foi o confronto onde mais americanos morreram. Somando-se os americanos mortos nas duas Guerras Mundiais, na Guerra da Coria e na Guerra do Vietn, no se atinge o nmero aproximado de 618 mil mortos da Guerra de Secesso.

Durante quatro anos, americanos que defendiam a Unio lutaram contra americanos que defendiam a Confederao em uma guerra fratricida que considerada como a primeira guerra moderna por vrios motivos: uso de ferrovias para o transporte de tropas e materiais, novos armamentos, como a metralhadora e as minas aquticas, guerra de trincheiras, envolvimento da populao civil nos preparativos e em sua participao, navios a vapor protegidos por chapas de ferros, ambulncias, telgrafo, bales de observao e at o submarino.

O texto que voc ir ler no se limita aos eventos ocorridos durante os quatro anos de guerra. Ele est dividido em 17 captulos que abordam vrios assuntos, que julgamos essenciais para uma melhor compreenso da guerra. Os dois captulos iniciais (2 e 3) trazem um descrio socioeconmica do Norte e do Sul, que genericamente eram os inimigos no campo de batalha.

Os captulos 4,5,6,7,8 e 9 abordam as principais questes que colocavam essas duas regies em campos opostos. Desses seis captulos, cinco so dedicados s discusses sobre a escravido nos Estados Unidos, que foi a questo que mais exaltou os nimos antes da guerra.

A guerra em si ocupa oito captulos (10 ao 17) que tratam da eleio de Abraham Lincoln, da crise de secesso, das vantagens e desvantagens que cada lado tinha e das principais aes polticas e militares durante o conflito.

O ltimo captulo enfoca o que os americanos chamam de Reconstruo, a fase do ps-guerra onde os estados rebeldes foram reintegrados Unio e as mudanas econmicas, sociais e polticas surgidas com o fim da escravido.Numa propriedade, a maior prova de riqueza do dono o nmero de escravos que tem.A posse mais desejada, para uma renda compensadora, so os escravos.A propriedade mais indicada para deixar para os filhos,e da qual se desfazem a custo, so os escravos.Da o fato de os fazendeiros investiram tudo o que podem em escravos.Thomas R. Cobb

Para compreendermos os motivos que deflagraram a Guerra de Secesso fundamental o estudo das principais caractersticas socioeconmicas das regies representadas pelos exrcitos da Unio e da Confederao. O confronto no foi apenas uma guerra civil que ops dois grupos, ela teve um importante componente geogrfico, onde cada exrcito representou, genericamente, uma regio dos Estados Unidos, com a Unio representando, o Norte e a Confederao, o Sul.

Esse componente geogrfico no se tornou importante apenas para guerra. A diviso entre o Norte e o Sul teve sua origem na forma como o territrio das 13 colnias, que formaram os Estados Unidos na segunda metade do sculo XVIII, foi colonizado.

O incio da colonizao inglesa na Amrica do Norte ocorreu com a fundao de Jamestown, em 1607, na colnia da Virgnia, que juntamente com Maryland, Gergia e as Carolinas do Sul e do Norte formaram o ncleo das colnias do Sul.

Os ingleses que aportaram naquelas colnias encontraram condies geogrficas diversas do que estavam acostumados na Inglaterra.

O oceano proporcionava abundncia de nuvens, as nuvens ao atingir as montanhas (Apalaches) davam chuva abundante; a chuva, lavando as montanhas durante milhares de anos, acumulara uma vasta plancie de solo frtil. Os rios que tinham trazido as chuvas eram profundos perto das montanhas, mas perto da costa eram largos e mansos, com profundidade suficiente para que os pequenos barcos da poca navegassem milhas e milhas dentro do pas. Era um terra situada bem no sul, o bastante para que os veres fossem quentes [...] (HUBERMAN, 1987, p.17).

Essas condies geogrficas direcionaram a economia sulista para a produo agrcola em larga escala para a exportao. Aps um incio, onde a esperana na descoberta de ouro, prata e pedras preciosas existiu, os colonos partiram para a produo de gneros agrcolas de alto valor comercial, como o tabaco (fumo), que teve seu plantio iniciado em 1612, por John Rolfe, o futuro marido de Pocahontas. Este incio deixaria marcas profundas no Sul, marcando-a como uma regio de latifndios monocultores produtores de tabaco, anil, arroz, cana-de-acar e algodo. Mesmo dominada pela monocultura, outras atividades agropecurias tiveram destaque, como a produo de milho, trigo, feno e cnhamo e as criaes de porcos e galinhas.

Para realizar esse trabalho, os proprietrios usaram o trabalho compulsrio de brancos, e principalmente, de negros. Os primeiros foram bastante utilizados durante o sculo inicial da colonizao, o sculo XVII, trabalhando como servos por contrato (criados ajustados). Segundo os autores de Amrica: passado e presente, somente na Virgnia e Maryland, de 70 a 80% dos homens brancos que foram para essas regies deviam quatro ou cinco anos de trabalho como pagamento de suas viagens (DIVINE et al., 1992, p.66). Contudo foi a escravido negra, juntamente com o latifndio e a monocultura, que formariam o trip econmico dos futuros estados sulistas.

O algodo Rei

A escravido negra no Sul dos Estados Unidos comeou em 1619, quando a primeira carga de escravos foi introduzida. Todavia, somente no sculo XVIII, o trfico e a escravido se tornariam importantes. Nmeros fornecidos por R.C. Simmons (Apud DIVINE et al., 1992, p.83) nos do conta que em 1720, os negros eram 54.098 (39% da populao do Sul) e 14.781 (5% nas colnias da Nova Inglaterra e do Centro) e em 1760 j eram 284.040 (65% da populao do Sul) e 41.776 (os mesmos 5% da populao do Norte e Centro), apontando um crescimento de 525% nas colnias do Sul e 282% nas colnias do Norte e Centro.

Quando as 13 colnias ficaram independentes da Inglaterra, algumas mudanas ocorreram na economia estadunidense, especialmente para o Sul. O rompimento das ligaes colnia-metrpole trouxe vrias restries ao comrcio do tabaco, que aliada a um longo perodo de queda nos preos do tabaco no mercado internacional, causou a runa de vrios plantadores de tabaco e danos economia dos jovens Estados Unidos, que tinha no tabaco, o seu principal produto de exportao.

A soluo para os problemas econmicos dos Estados Unidos, particularmente do Sul, veio com um produto conhecido dos americanos, desde a poca colonial: o algodo. Isso ocorreu com o advento da Revoluo Industrial, na segunda metade do sculo XVIII, que impulsionou a produo txtil, aumentando a procura por essa matria-prima. Para suprir essa demanda, os latifundirios aumentaram a rea plantada com algodo, transformando-o na em sua tbua de salvao.

A cotonicultura, desde o perodo colonial, foi praticada ao largo da costa da Carolina do Sul e Gergia produzindo um fio da alta qualidade. Entretanto, o algodo era de fibra longa e este tipo, por suas caractersticas, no conseguia ser plantado em outras regies do Sul. Os plantadores resolveram este problema, plantando um outro tipo de algodo, o de fibra curta, que diferia do de fibra longa de duas maneiras importantes: suas frutas continham sementes que eram muito mais difceis de extrair mo e podia ser cultivado em quase todos os lugares do sul da Virgnia e do Kentucky o requisito principal era a garantia de 200 dias livres de geadas por ano. A inveno do descaroador de algodo em 1793 terminou com o problema de extrao das sementes e fez do algodo de fibra curta a maior lavoura do Sul (Apud DIVINE et al., 1992, p.258).

O algodo no foi somente a maior lavoura do Sul. Ele foi o principal produto da economia estadunidense at a Guerra de Secesso e transformou os Estados Unidos no maior produtor mundial. Sua expanso geogrfica iniciou-se na Virgnia, Gergia e nas Carolinas do Sul e do Norte e durante o sculo XIX, expandiu-se para oeste atingindo o Alabama, Mississipi, Arkansas, Louisiana e o leste do Texas. medida que a expanso geogrfica ocorria, a produo tambm crescia, saindo 13.000 fardos(1) em 1792 para 349.000 em 1819, saltando para 1.350.000 em 1840 e atingindo 4.800.000 fardos no anterior ao da Guerra de Secesso (DIVINE, et al. 1992, p.259, MAY; SELLERS; McMILLEN, 1990, p.119), representando 7/8 da produo mundial (EISENBERG, 1982, p.23) e 63% do valor das exportaes dos Estados Unidos entre 1836 e 1840 (ROBERTSON, 1967, v.1, p.144).(2) As vsperas da dcada de 1860, um senador da Carolina do Sul, James Hammond, resumiu o que o algodo era para o Sul dos Estados Unidos: o algodo Rei (THE CIVIL, 1997).

Uma sociedade de senhores e escravos

Para realizar todo esse trabalho, os latifundirios tambm expandiriam a utilizao da mo-de-obra escrava. Mesmo proibida desde 1808, os latifundirios sulistas continuaram importando escravos ilegalmente at 1860, num total estimado de 250.000 nesse perodo (ROBERTSON, 1967, v.1, p.149). Esse nmero era acrescido do trfico interno das reas do Alto Sul (Virgnia, Maryland e Kentucky) para o Baixo Sul e do nascimento dos filhos de escravos. Assim, em 1850, um censo (Ver Tabela 1) apontou 3,5 milhes de escravos e seis ou sete milhes de brancos no Sul (HUBERMAN, 1987, p.147).

A sociedade surgida no Sul foi uma sociedade de senhores e escravos. No obstante, os senhores nunca foram numerosos. O mesmo censo citado anteriormente mostrou, que s 347.525 brancos possuam escravos, representando 5% ou 6% da populao branca.

Devemos lembrar, que desse universo de senhores, somente alguns foram donos de verdadeiras plantations. U.B. Phillips sugeriu ser a plantation uma unidade que operava com um mnimo de vinte trabalhadores do campo, o nmero menor de escravos com relao aos quais daria lucro manter um feitor. (ROBERTSON, 1967, v.1, p.153) Voltando aos dados da tabela, conclui-se, que 37.662 brancos eram donos de plantations, menos de 1% da populao branca do Sul.

Vrios autores ainda no lembram, que mesmo o fazendeiro, dono de 20 a 50 escravos, no podia levar uma vida aristocrtica. Isso s foi possvel para os fazendeiros que possuam, no mnimo, 50 escravos, ou seja, 7.929 fazendeiros em 1850. Estes aristocratas viviam em grandes manses, andavam em belas carruagens, participavam de bailes servidos por vrios criados e resolviam suas disputas por meio de duelos. Eram eles que influam nos negcios de suas vizinhanas, eram eleitos para posies importantes nos governos do estado e do pas, elaboravam leis favorveis escravido e aos senhores de escravos. Possuam ou controlavam os jornais sulistas; os mdicos, advogados, ministros religiosos, professores e as classes inferiores aprendiam a aceitar o que eles diziam como a nica Verdade. (HUBERMAN, 1987, p.147).

Abaixo do grupo de senhores com mais de 20 escravos estavam os 99% dos proprietrios de escravos. Includos na parcela dos chamados senhores, esses lavradores no possuam uma grande riqueza, mas almejavam conquist-la. Para eles, a ascenso social s seria possvel com a aquisio de mais escravos Trabalhavam duramente em suas propriedades e muitas vezes lavravam sua terra ao lado de seus escravos. Mesmo assim, no eram menos preconceituosos do que os aristocratas e no conseguiam imaginar os negros em outra posio, que no fosse a de escravo.

O mais numeroso grupo social do Sul, aps os escravos, era formado pelos pequenos lavradores sem escravos, que habitavam regies prximas s montanhas e pntanos, locais aonde a cotonicultura no chegava. Viviam do cultivo de milho, da criao de sunos e da produo de outros alimentos para sua subsistncia por meio do trabalho familiar e algumas vezes, da contratao de algum ajudante.

O grupo social mais pobre era formado por brancos, que viviam nas propriedades abandonadas pelos latifundirios aps a exausto do solo. Trabalhavam duramente para conseguir retirar algo da terra ou se empregavam temporariamente com algum lavrador que precisasse de sua mo-de-obra.

O mundo do Sul era um mundo rural e agrcola.

A indstria do Sul engatinhava em comparao com o Norte, e se concentrava principalmente no beneficiamento de produtos agrcolas. Engenhos de acar, moinhos de arroz, milho, trigo e serralherias para a confeco de tbuas, telhas, barris e aguarrs, ao lado de algumas poucas fbricas de linha e pano de algodo, praticamente esgotam a lista. [...] Em 1860, o Sul detinha apenas 15% da capacidade industrial nacional e apenas 5% dos escravos foram empregados fora das lavouras (EISENBERG, 1982, p.25).

Sua cidade mais importante era Nova Orleans com 168 mil habitantes em 1860. Nada comparvel Nova York com 1,08 milho ou os 565 mil da Filadlfia.(3) Por tudo isso, inexistiam classes mdias importantes.

Notas

(1) Fardo de algodo= 227 Kg.

(2) Segundo Robertson, o algodo superou o tabaco como principal produto americano em 1815. Entre 1816 e 1820 representou 39% do valor das exportaes e entre 1840 e 1860 a porcentagem foi paulatinamente diminuindo, mas ficando sempre acima dos 50%.

(3) U.S. Bureau of the Census (http://www.census.org). Population of the 100 Largest Urban Places: 1860.

"Queremos bblias, vassouras, baldes e livros, e nos dirigimos ao norte; queremos penas, tinta, papel, biscoito e envelopes, e nos dirigimos para o norte; queremos chapus, lenos, guarda-chuvas e canivetes, vamos para o norte; queremos brinquedos, cartilhas, livros escolares, modas, mquinas, remdios, Lages para tmulos, e mil outras coisas, e a nos dirigimos para o norte.Hinton R. Helper, autor deImpending Crisis of the South, em 1857

A colonizao da regio norte iniciou-se alguns anos mais tarde em relao ao sul e teve caractersticas diversas. Os primeiros colonos foram as famlias do navio Mayflower que deveriam se dirigir Virgnia, mas devido ao mau tempo aportaram na regio de Massachusetts, fundando Plymouth, em 1620. Alm de Massachusetts, Connecticut, Rhode Island e Nova Hampshire formariam as colnias do Norte ou da Nova Inglaterra.

Envoltos em muitas lendas, esses primeiros colonizadores so conhecidos como os Pilgrims Fathers (Pais Peregrinos), que fugindo das perseguies religiosas da Europa fundaram uma nova sociedade nas terras da Amrica do Norte. Na realidade, tenho dvidas, se os peregrinos houvessem chegado Virgnia, teriam realmente desenvolvido uma sociedade diferente ou se teriam sido incorporados pela tica do mercantilismo e iniciado suas plantaes de tabaco para a exportao, como fizeram os demais colonos do Sul. Entretanto, no foi isso que ocorreu. A regio norte das 13 colnias tinha um clima semelhante ao encontrado na Inglaterra, com invernos rigorosos e veres amenos, que por um lado facilitou a ocupao, mas por outro impediu o enriquecimento rpido proporcionado por uma cultura tropical. O solo frtil, mas pedregoso, exigia horas de trabalho para poder prepar-lo. Os rios curtos e estreitos eram velozes e interrompidos por cataratas. Como se v, a geografia condicionou a ocupao da regio.

A soluo para o Norte foi a produo para a subsistncia em pequenas propriedades. Nelas os colonos desenvolveram uma policultura de cereais (principalmente o milho), frutas e verduras e a criao de rebanhos bovinos e ovinos.

Mesmo trabalhando para a subsistncia, os colonos nortistas encontraram novas possibilidades econmicas. Habitando uma regio com grandes florestas e prximos ao litoral, eles desenvolveram a pesca de baleias e bacalhau e a produo de barcos. A inexistncia de metais precisos foi compensada pelas jazidas de ferro, que proporcionaram o surgimento de pequenas fundies. Desta forma, [...] j no comeo do sculo XVIII as pequenas comunidades rurais do norte viram surgir um vigoroso comrcio de carne seca e bacalhau, de produtos derivados de baleia como sebo e velas, de provises de barcos e de farinha de trigo e cereais (EISENBERG, 1982, p.12).

Para trabalhar em suas pequenas propriedades, os fazendeiros do Norte utilizavam seus prprios familiares e servos por contrato. Tentaram, como seus conterrneos do Sul, usar a mo-de-obra escrava negra, mas uma srie de motivos impediu sua utilizao rentvel, e o mais importante foi o clima.

Sempre que se comprava o trabalho de um homem por uma soma fixa de dinheiro, era necessrio que ele ficasse ocioso o mnimo possvel durante o ano. Poucos eram os dias no sul em que se tirava um escravo do trabalho em virtude dos rigores do inverno, enquanto no norte o trabalho ao ar livre podia ser impossvel durante dias e dias (ROBERTSON, 1967, v.1, p.67).

As colnias do Centro

Entre o Norte e o Sul surgiu um outro grupo de colnias batizadas como colnias do Centro, constitudas por Nova York, Nova Jersey, Pensilvnia e Delaware. O povoamento dessa regio comeou em 1624, mas no por ingleses, e sim, pelos holandeses contratados pela Companhia Holandesa das ndias Ocidentais para fundar duas povoaes, que serviriam de entrepostos comerciais para o comrcio de peles com os indgenas. A primeira foi Forte Orange, que daria origem a Albany e a segunda, Nova Amsterd, que aps ser conquistada pelos ingleses foi rebatizada como Nova York.

A regio das colnias centrais possua caractersticas do Norte e do Sul, mas se assemelhava mais com a Nova Inglaterra.

Aqui a plancie se estendia por 100 milhas, desde a costa, at alcanar os Apalaches; o solo era frtil e a poca de cultivo bastante extensa; os rios, largos e profundos; a chuva abundante; a geografia, mais uma vez, decretou que esta regio devia ser de lavoura e foi assim mesmo. As colnias centrais, pouco tempo depois, j comearam a ser conhecidas como Colnias do Po. A se cultivava o trigo, e tambm a cevada, centeio e frutas; bem como havia criao de gado vacum, ovino e suno (HUBERMAN, 1987, p.27).

Essa produo, que inicialmente era para a subsistncia das famlias, aos pouco gerou excedentes que foram comercializados. No ltimo quarto do sculo XVIII, o comrcio desses produtos atingiu pela primeira vez um mercado externo, as Antilhas, que compraram trigo e farinha de trigo produzidos nas colnias centrais.

Da mesma maneira que na Nova Inglaterra, tentou-se implantar o trabalho escravo nas colnias do Centro. No entanto, o clima tambm se tornou o maior impeditivo para uma aplicao lucrativa da mo-de-obra escrava nas plantaes (4). Por isso, normalmente os proprietrios usavam a prpria fora de trabalho de seus familiares conjugada com o trabalho dos servos por contrato. No Centro, tambm se desenvolveu um setor artesanal paralelamente a um setor comercial que produziu e comercializou produtos semelhantes aos produzidos no Norte.

Uma sociedade de pequenos proprietrios

Ao contrrio do Sul, que continuou economicamente agrcola, o Norte e o Centro passaram por transformaes que levaram a regio para uma economia industrial aps a Guerra de Secesso. A sociedade formada, principalmente por pequenos proprietrios se diversificou durante a primeira metade do sculo XIX, tendo como um de seus componentes principais a imigrao de europeus, que a partir de 1828 superou a mdia anual de 30.000, elevando-se gradualmente at atingir a mdia anual de 260.000 entre 1850 e 1860 (EISENBERG, 1982, p.19). Originrios principalmente da Irlanda, Alemanha e Inglaterra, estes imigrantes ao lado dos americanos tornaram-se mo-de-obra assalariada para as manufaturas, as primeiras fbricas, para a construo de canais e estradas de ferro, construo civil e comrcio, originando a classe operria dos Estados Unidos.

O grupo social mais numeroso no Norte e no Centro continuava com suas razes no campo. Eles formavam uma classe mdia de pequenos e mdios proprietrios rurais, que vivenciava a expanso da rede de transportes e o crescimento do mercado interno americano, praticando uma agricultura comercial que produzia trigo, farinha, milho, carnes de porco e de vaca, frutas, verduras, aves e produtos lcteos que abastecia as cidades do Norte em troca de produtos manufaturados.

As classes mdias urbanas tambm surgiram com o crescimento urbano do pas. Elas eram formadas pelos donos das oficinas artesanais, os advogados, mdicos, professores, jornalistas, funcionrios pblicos e uma srie de outras atividades que ganhavam impulso com a expanso urbana do Norte e do Centro.

O grupo mais rico e influente era formado por uma burguesia de empresrios do comrcio de importao e exportao, financistas, banqueiros, manufatureiros e os primeiros industriais que formavam uma elite de 1% da populao e que detinha, segundo Eisenberg, 27% da riqueza da regio (EISENBERG, 1982, p.21).

Por essas e outras semelhanas, muitos historiadores, no utilizam o termo Centro para designar as colnias e/ou estados dessa regio, preferindo utilizar unicamente o termo Norte. Para facilitar a compreenso dos acontecimentos que provocaram a Guerra de Secesso, a partir de agora ao falarmos sobre o Norte, estaremos nos referindo a regio formada pelas colnias da Nova Inglaterra e do Centro e os estados que se incorporariam na expanso ao Oeste.

Notas

(4) Das colnias centrais, a exceo foi o Delaware, que se tornou escravista.

"O senhor pensa que a escravido um direito, e que ela dever ser ampliada;ao passo que ns pensamos que um erro e deve ser restringida.Este, presumo eu, o motivo. por certo, a nica diferena substancial que existe entre ns.Lincoln em carta ao sulista Alexander Stephens,futuro vice-presidente da Confederao,sobre as diferenas entre nortistas e sulistas. 22 de dezembro de 1860

A guerra fratricida que ops a maior parte dos estados sulistas aos estados nortistas teve vrios motivos. O principal, sem sombra de dvida, foi a escravido, no entanto, outras questes colaboraram para acirrar os nimos. At o incio da guerra, essa questes foram discutidas, sendo parcialmente resolvidas, por meio de acordos. O primeiro ponto conflituoso foi a questo da tarifas aduaneiras. Desde a aprovao, pelo Congresso Federal, da Lei de Tarifa em 1816, os donos das manufaturas e das nascentes indstrias, localizadas na regio Norte dos Estados Unidos, desejavam a elevao das tarifas aduaneiras para protegerem sua produo da concorrncia externa, principalmente britnica, conseguindo garantir o mercado interno para suas mercadorias. Por sua vez, os plantadores sulistas, que exportavam seus produtos agrcolas, lutavam por baixas tarifas aduaneiras, que os favoreciam na aquisio dos manufaturados que o Sul praticamente no fabricava e tanto precisava.

Entre 1816 e 1827, o protecionismo defendido pelos representantes dos nortistas no Congresso foi mantido e em 1828, o Congresso americano aprovou uma nova lei que elevou as tarifas alfandegrias, provocando uma reao enrgica dos representantes da Carolina do Sul, que batizaram-na como a Tarifa das Abominaes. Indignados com a lei, os polticos daquele estado convocaram uma conveno estadual, que aprovou a nulidade da tarifa na Carolina do Sul, alegando que qualquer estado tinha o direito de anular uma lei federal. Durante as discusses, o vice-presidente dos Estados Unidos, John Calhoun, querendo defender seu estado, renunciando ao cargo, rompendo sua ligao com o presidente, Andrew Jackson, que era contra a deciso da Carolina do Sul.

A crise s foi resolvida em 1833, com a aprovao de uma nova lei alfandegria, o Compromisso Tarifrio, que reduziu gradualmente, em dez anos, as tarifas at atingir a alquota de 20% sobre todos os produtos. A partir da, as tarifas oscilariam entre 20 e 30% at a guerra, causando discusses sempre que uma proposta de um aumento ou reduo delas era apresentada.

A questo bancria: banco nacional ou bancos estaduais?

O segundo ponto conflitante foi a questo da funo dos bancos e da emisso de dinheiro. Desde o final do sculo XVIII, havia controvrsias sobre a criao de um Banco dos Estados Unidos e por duas vezes ele foi criado e depois fechado. A primeira entre 1791 e 1811 e a segunda entre 1816 e 1833.

A discusso era o resultado, em parte, da ineficincia do governo federal na emisso das moedas. Segundo a Constituio estadunidense, apenas o governo federal podia emitir moedas, porm, at a primeira metade do sculo XIX, o governo no lanava papel-moeda, mas apenas moedas em ouro e prata, que no eram suficientes diante do crescimento da economia americana. A situao era to difcil, que as moedas espanholas de prata e, posteriormente, as moedas francesas de cinco francos de prata constituam a principal moeda metlica em circulao at 1834 (ROBERTSON, 1967, v.1, p.191).

A dificuldade em suprir a necessidade monetria foi parcialmente preenchida pela criao de inmeros bancos particulares e estaduais. Estes comearam a ser criados durante a Guerra de Independncia, como o Banco da Pensilvnia, fundado em 1781. O crescimento desse tipo de instituio foi rpido e em 1811, j existiam 89 bancos e 250 em 1816 (ROBERTSON, 1967, v.1, p.198).

Os bancos emitiam notas bancrias com a promessa de substitu-las por moedas em ouro e prata, assim que seu portador desejasse. Ainda assim, as constantes emisses de notas bancrias transformaram a situao em um caos monetrio, com a existncia no ano de 1860 de mais de nove mil tipos de notas bancrias produzidas por mais de 1.500 bancos (ROBERTSON, 1967, v.1, p.216). Segundo Ross M. Robertson (1967, v.1, p.216) Algumas eram to boas como ouro; mas a maioria s era aceitvel com desconto, e quem ignorasse o valor real de uma nota estava sujeito a ter prejuzo.Notasde bancos quebrados ou liquidados amide permaneciam em circulao por longos perodos e as falsificaes inundavam continuamente o pas.

Nesse contexto, a idia de um banco, que agisse como um banco central teve apoio de financistas nortistas que desejavam um banco nacional com exclusividade para emitir dinheiro, o fim da multiplicidade de notas bancrias e uma moeda forte, que tivesse o valor real igual ao valor impresso na cdula. Contudo, esses objetivos eram atacados pelos fazendeiros do Sul e do Oeste, que desejavam a manuteno da situao existente, pois com uma maior flexibilidade para emisses, o dinheiro inflacionado facilitava o pagamento de suas dvidas e tambm porque inflacionando o mercado com os milhares tipos de notas, facilitava a troca do dinheiro estrangeiro conseguido com as exportaes por um volume maior de notas bancrias americanas.

O Oeste: terras baratas ou caras?

Uma terceira questo conflituosa esteve na ocupao do Oeste. Para os americanos, o Oeste nunca foi uma regio definida, ela foi se modificando medida que a expanso colonizadora se dirigia rumo ao oeste. No sculo XVIII, o Oeste significava a regio entre os Montes Apalaches e o rio Mississipi, mas durante o sculo XIX, a fronteira oeste foi se movendo at atingir a costa do Pacfico.

A expanso estadunidense para o Oeste comeou antes mesmo da Independncia, quando os colonos cruzaram os Apalaches e fundaram povoamentos. Contudo, foi o tratado assinado com a Inglaterra em 1783, que iniciou as polmicas sobre a ocupao do Oeste. Pelo tratado, os Estados Unidos viram seu territrio se estender dos Apalaches at o Mississipi. Sete dos 13 estados fundadores da nova nao reivindicaram terras nessa rea, mas o Congresso Federal insistiu na transformao daquelas terras em bem pblico para posterior diviso. E foi assim que aconteceu. A Virgnia foi o primeiro estado a abandonar sua pretenso territorial em 1781, e at 1802, todos os 13 estados abdicaram das terras em favor da Unio.

A cesso do territrio para a Unio colocou vrias questes em discusso e entre elas, a questo da venda das terras. As opinies se dividiram em dois grupos: os que achavam que as terras deveriam ser caras para a obteno de altas receitas para o governo e os que achavam que elas deveriam ser vendidas com preos baixos e com facilidades para que todos pudessem compr-las.

No primeiro grupo estavam os manufatureiros do Norte, que temiam que os trabalhadores abandonassem seus trabalhos para adquirir terras baratas no Oeste e que isso, forasse o aumento dos salrios.

O segundo grupo foi formado pelos pequenos proprietrios, trabalhadores das manufaturas nortistas e os latifundirios sulistas. Os pequenos proprietrios desejavam terras mais baratas para suas lavouras e de seus descendentes; os trabalhadores das manufaturas desejavam iniciar uma nova vida no Oeste ou pensavam, que a facilidade em compr-las levaria os imigrantes para o Oeste, diminuindo a concorrncia no mercado de trabalho urbano, j os latifundirios desejavam adquirir terras para a expanso de suas lavouras de exportao.

As discusses no Congresso levaram aprovao do primeiro Estatuto da Terra em 1785, que determinava que o acre(5) custaria o valor mnimo de 1 dlar e que a parcela mnima para a compra seria de 640 acres, o que impossibilitou sua aquisio pela maioria dos pioneiros, que no possua o valor que deveria ser pago vista e no tinha interesse em comprar uma poro de terra que no conseguiria cultivar, mesmo com a ajuda de sua famlia.

O estabelecimento desses critrios e as lutas contras os indgenas dificultaram a ocupao das terras, que foi ainda mais dificultada pela aprovao de uma nova lei, em 1796, que elevou o valor mnimo do acre para 2 dlares.

A mobilizao do grupo a favor da terra barata conseguiu modificar a tendncia de dificultar a aquisio de terras, com a aprovao de novas leis em 1800, 1804, 1820 e 1832, que reduziram gradativamente a extenso da parcela mnima para 40 acres e seu valor para 1,25 dlares.

Uma outra vitria dos partidrios da terra barata ocorreu em 1841, quando foi aprovada a Lei de Preempo, que concedia a quem estivesse ocupando terra j demarcada, mas ainda no posta venda, o direito de comprar 160 acres pelo preo mnimo quando se realizasse o leilo (ROBERTSON, 1967, v.1, p.139).

As discusses em torno do destino das terras de pior qualidade resultaram em uma nova vitria dos defensores das terras baratas. Em 1854, foi aprovada a Lei da Graduao, onde as terras que no fossem vendidas em um prazo de trinta anos teriam seu valor reduzido gradativamente, durante esse perodo, at atingir o valor de 12 cents o acre.

Mas foi durante a dcada de 1850, que os grupos se reorganizaram com manufatureiros nortistas trocando de lado com os latifundirios sulistas. Os manufatureiros nortistas perceberam que o crescimento do Oeste significava maior oferta de alimentos para o Norte, a reduo do custo de vida nas cidades, a possibilidade de manter os salrios menos elevados e mercado para a venda de seus produtos. Do outro lado, os latifundirios sulistas perceberam as dificuldades geogrficas para a expanso da lavoura algodoeira e passaram a temer que o Oeste se tornasse um local cheio de antiescravistas, abandonando a defesa das terras baratas.

Os defensores das terras baratas, aps vrias vitrias, passaram a lutar, durante a dcada de 1850, por uma lei mais ousada, que regulasse a cesso de terras aos colonos. No entanto, somente durante a Guerra de Secesso uma lei desse tipo seria posta em prtica.

Os "melhoramentos internos": financiamento privado ou pblico?

Outra questo que acirrou os nimos tratava do aperfeioamento das rotas e dos meios de transporte. Conhecida como melhoramentos internos, a discusso sobre a participao do governo federal na construo de estradas, canais e ferrovias permaneceu vrias dcadas como um importante debate poltico opondo nortistas e sulistas.

Inicialmente, quando os Estados Unidos comearam a se expandir para o Oeste, milhares de pessoas se defrontaram com a questo das escassas vias de comunicao com esta regio. Para melhorar esta comunicao, que facilitaria o fluxo de pessoas e incrementaria o comrcio dos estados americanos, procurou-se aperfeioar as estradas. Em 1789, teve incio um perodo de construo de estradas pavimentadas com pedras britadas, como a de Filadlfia-Lancaster. Essas estradas eram empreendimentos privados que recebiam licenas dos governos estaduais para cobrar pedgios em troca da construo e manuteno dessas vias. Porm, a mais importante estrada foi uma obra do governo federal, a Estrada Nacional (Estrada de Cumberland), iniciada aps intensos debates em 1811, concluda em 1818 e estendida em 1834.

Mas no eram apenas as estradas que estavam melhorando a ligao entre os estados. Desde 1792, empresas particulares abriam canais com a inteno de melhorar as rotas fluviais. No entanto, a extenso deles no ultrapassava 160 Km. A partir de 1817, a construo de canais mudaria de patamar com a concesso do estado de Nova York para a construo do Canal Erie, que ligaria Albany, no rio Hudson at Buffalo, nas margens do Lago Eri. A obra gigantesca teve a extenso de 600 Km, com 12 metros de largura, 1,2 m de profundidade e 84 eclusas. Concludo em 1825, reduziu o custo dos transportes para 1/12 do valor anterior (NEVINS; COMMAGER, 1986, p.270) e o pedgio pagou seu custo de aproximadamente 7 milhes de dlares em apenas nove anos (MAY; SELLERS; McMILLEN, 1990, p.122-23, ROBERTSON, 1967, v.1, p.166). O sucesso do canal provocou um boom na construo de canais, que s foi interrompido com a introduo das ferrovias.

A ferrovia chegou aos Estados Unidos por intermdio dos ingleses e em 1830, a Baltimore & Ohio Railroad inaugurou a primeira estrada com 20 Km. Estados que investiram pesadamente em canais, como Nova York e Pensilvnia, inicialmente investiram poucos recursos nas ferrovias, mas os outros investiram grandes quantidades e em 1840, a malha ferroviria j era quase igual extenso total dos canais, mas concentrada no Norte.

Trem da Union Pacific Road esperando capitalistas, jornalistas e outros convidados para um passeio em Omaha, territrio do Nebraska. Foto de John Carbutt em 1866.

O avano das ferrovias foi impetuoso e provocou uma mudana que no podia ser comparada aos outros meios de transporte usados at ento. Segundo Peter L. Eisenberg (1982, p.17), A estrada de ferro gozava de grandes vantagens sobre os canais, como as de no congelar no inverno, de no depender de nveis variveis de gua, de no oferecer perigo algum para a navegao noturna, de poder subir ou penetrar atravs de tneis as montanhas mais altas, de ter uma velocidade alta constante e a fora de puxar cargas enormes e de possibilitar a construo de ramais at as portas das fbricas e das fazendas. O crescimento das ferrovias foi intenso e em 1850, j existiam 14.481 Km de estradas (ROBERTSON, 1967, v.1, p.172), enquanto os canais somavam 5.120 Km (EISENBERG, 1982, p.17) e em 1860, ela totalizava 48.270 Km. Como comparao, segundo dados do Ministrio dos Transportes, o Brasil tinha, em 1997, 29.907 Km de ferrovias.(6)

O debate iniciado com a construo da Estrada Nacional, sobre as fontes de financiamento dos melhoramentos internos ocorreu durante toda a primeira metade do sculo XIX, se estendendo para a construo dos canais, e principalmente, das ferrovias. De um lado estavam os nortistas e os moradores do Oeste, que desejavam ampliar as rotas de comunicao com financiamento do governo federal. Do outro estavam os sulistas, alegando a inconstitucionalidade das aes federais, mas temendo na verdade, que tivessem que pagar uma parte dos custos dos melhoramentos internos, com a elevao das tarifas alfandegrias.

Notas

(5) Acre= 4.047 m = 0,4047 ha

(6) Ministrios dos Transportes (http://www.transportes.gov.br). Anurio Estatsticos das Ferrovias.

No h dvida que a presente questo constitui um prembulo a pgina de rosto de um grande e trgico volume.John Quincy Adams, ex-presidente americano, aps o Compromisso Missouri

A questo mais importante para a deflagrao da Guerra de Secesso foi a escravido. Houve discordncias polticas sobre vrias questes, como as tarifas alfandegrias, a criao de um banco nacional, a participao do governo federal nos melhoramentos internos e a venda das terras do Oeste, mas nada inflamou mais o debate poltico, do que a questo da escravido e de sua expanso pelos Estados Unidos.

As primeiras discusses que tentaram colocar um fim na escravido ocorreram durante a Conveno Constitucional na Filadlfia, em 1787. Os delegados dos estados nortistas desejavam que a escravido acabasse nos Estados Unidos, mas sabiam que ela no poderia se extinta da "noite para o dia" e por isso, pensaram em maneiras para limit-la e que forassem gradativamente sua extino. Mesmo com toda cautela, os delegados nortistas temiam que qualquer proposta que tocasse na escravido provocasse uma reao imediata dos delegados sulistas, dificultando a aprovao da Constituio e sua ratificao pelos 13 estados.

O primeiro debate realizou-se quando se discutiu a ocupao do territrio ao norte do rio Ohio e ao leste do rio Mississipi, recebido pelo tratado com a Inglaterra, em 1783. A discusses aconteceram em torno do nmero de estados que seriam criados nele e se a regio poderia receber escravos. Os debates resultaram no Regimento do Noroeste, determinando a criao do territrio do Noroeste, que abrigaria no mnimo, trs e no mximo, cinco estados e onde a escravido seria proibida. Para aprovar o regimento, os nortistas aceitaram a criao de uma lei que determinava que os escravos fugidos para aquele territrio seriam devolvidos aos seus donos.

O segundo debate ocorreu quando representantes dos estados nortistas propuseram a extino do trfico negreiro para o Estados Unidos. Essa proposta foi repelida pelos sulistas, que dependiam do comrcio de escravos para abastecerem suas plantaes. Sem conseguir chegar a um acordo e com medo de no conseguir o apoio dos representantes sulistas para a Constituio que estava sendo feita, os nortistas firmaram um acordo, onde essa questo voltaria a ser discutida aps 20 anos. O projeto voltou a ser discutido em 1807, por deciso do presidente Thomas Jefferson e desta vez, foi aprovado, entrando em vigor a partir de 1808. Na realidade, os sulistas s cederam aos nortistas porque entenderam, que mesmo com a existncia da lei, seria praticamente impossvel impedir o contrabando de escravos para os Estados Unidos. E foi isso que ocorreu. Os latifundirios sulistas ignoraram a lei e continuaram importando escravos ilegalmente at 1860.

A ltima discusso durante a Conveno Constitucional de 1787, envolvendo a escravido ocorreu quando se discutiu a carga tributria e a representao dos estados na Cmara dos Representantes. Ambas as discusses tinham como base, o nmero de habitantes de cada estado. Para cobrar impostos, os nortistas queriam que a carga tributria de um estado fosse dividida pelo nmero de habitantes dele, no entanto, os sulistas no queriam que os impostos fossem cobrados com base nesse nmero, pois, se isso ocorresse, a carga tributria sobre os brancos sulistas seria mais alta em relao ao Norte, j que eles teriam que pagar por seus escravos.

Do outro lado, para a representao na Cmara, os sulistas queriam que todos os habitantes, inclusive os escravos, fossem contados para determinar o nmero de representantes de cada estado na Cmara, mas os nortistas queriam que s os homens livres fossem contados, o que daria uma vantagem expressiva no nmero de deputados em relao aos sulistas, j que os escravos no seriam contados. O dilema foi resolvido com uma medida conciliatria, que determinou que os escravos seriam contados, tanto para o clculo de deputados, como para os impostos, mas em uma proporo onde um escravo valeria 3/5 de um homem livre.

O Compromisso Missouri

Aps a Conveno da Filadlfia, as discusses em torno da escravido ficaram contidas por mais de 30 anos e durante esse perodo, nove estados entraram para a Unio, totalizando 22 estados, 11 estados livres e 11 estados escravocratas.(7) No entanto, a calma foi quebrada em 1819, quando uma parte do territrio comprado da Frana, o Missouri, pediu sua admisso na Unio como estado escravista. Com exceo da Louisiana, o Missouri era a primeira parte desse territrio a pedir a admisso na Unio e a possibilidade do surgimento de outros estados escravistas nesse mesmo territrio assustou os nortistas. Um congressista de Nova York, James Tallmadge props a proibio da entrada de novos escravos no Missouri e a libertao gradual dos que estavam l. Os escravistas no aceitaram, alegando que no havia na Constituio, algo que proibisse a entrada de um novo estado escravista. Percebendo a gravidade da situao, o ex-presidente Thomas Jefferson, disse que a controvrsia era o som de um alarme de incndio no meio da noite (DIVINE et al., 1992, p.210).

O impasse s foi resolvido quando os habitantes do Maine pediram sua admisso como estado livre. Aps vrias discusses, o Compromisso Missouri foi firmado em 1820, determinando:

- a admisso do Missouri como estado escravista;- a admisso do Maine como estado livre;- a proibio da escravido, acima da latitude de 3630, no restante do territrio comprado da Frana;- a priso e a devoluo de qualquer escravo fugitivo encontrado no territrio acima dessa latitude.

Aps a aprovao do acordo, Thomas Jefferson opinou novamente sobre a situao: Est mudo, de fato, por ora. Mas apenas um adiamento, no uma deciso final. Uma linha geogrfica, coincidente com uma diviso de princpios, morais e polticos, concebida e mantida pelas tempestuosas paixes dos homens, nunca ser destruda e cada nova irritao a aprofundar mais (NEVINS; COMMAGER, 1986, p.191). Como veremos, ele estava certo.

Notas

(7) Estados escravocratas: Virgnia, Carolina do Sul, Carolina do Norte, Gergia, Maryland e Delaware (estados originais), Kentucky (1792), Tennessee (1796), Louisiana (1812), Mississipi (1817), Alabama (1819). Estados livres: Massachusetts, Nova York, Pensilvnia, Nova Jersey, Nova Hampshire, Connecticut e Rhode Island (estados originais), Vermont (1791), Ohio (1803), Indiana (1816) e Illinois (1818).

Matem, ou sejam mortos.David Walker, jornalista e abolicionista negro.

Paralelamente s discusses no Congresso Federal sobre o equilbrio entre os estados escravistas e livres, ocorreu na sociedade americana o crescimento de aes que lutavam pela liberdade dos escravos. claro, que os primeiros a lutar por ela foram os prprios escravos, que desde o perodo colonial, resistiram escravido desenvolvendo uma resistncia, que passou pela lentido no trabalho, por fingimento de doenas, roubo de alimentos, sabotagem de ferramentas, maltrato dos animais, fugas e at o envenenamento da comida de seus senhores. Porm, o que os brancos, senhores ou no, mais temiam eram as revoltas dos escravos.

Revoltas de escravos ocorreram no Sul em 1800, 1811 e 1822, mas a mais importante foi a Revolta de Nat Turner, ocorrida em 1831, na Virgnia. Nat Turner acreditava que era o escolhido de Deus para libertar os escravos. Em 21 de agosto, ele e cerca de 75 escravos se rebelaram e durante 48 horas, aterrorizaram a populao branca de Southampton, matando 51 brancos at serem esmagados pela milcia do estado. Nat Turner conseguiu escapar, mas foi capturado seis semanas depois, sendo enforcado em 11 de novembro de 1831. Aps a revolta, uma onda de histeria percorreu o Sul. Multides de brancos em vrios estados perseguiram, espancaram e mataram negros livres e escravos acusando-os de terem ligaes com os revoltosos. Aos poucos, a histeria perdeu sua fora, mas serviu para enterrar as poucas vozes sulistas que acreditavam, na abolio gradual da escravido. A partir daquela revolta, os brancos tiveram a certeza que era impossvel o convvio sem ressentimentos com os negros e que a melhor forma para evitar esse mal, era defender a escravido contra qualquer ataque.

O abolicionismo

Excetuando-se a resistncia dos escravos escravido, uma outra forma de luta surgiu nos Estados Unidos durante o sculo XIX, o abolicionismo. Iniciado por brancos, o abolicionismo foi inspirado inicialmente pela religio, mas at 1830, foi pequeno e ineficaz. Esses primeiros abolicionistas, utopicamente esperavam convencer os senhores de escravos a alforriarem seus escravos apelando para explicaes morais. Quando muito, desejavam uma libertao gradual com indenizaes para os senhores de escravos, como Benjamim Lundy, fundador do jornalThe Genius of Universal Emancipation. Outros, como o reverendo presbiteriano Robert Finley, com medo da convivncia entre brancos e negros escravos ou livres, defendiam que a nica soluo seria a emigrao dos negros. Ele e outros fundaram, em 1816, a Sociedade Americana de Colonizao, que at a guerra levou 12 mil negros para a frica, onde, em 1821, criou-se a colnia da Libria.

Um outro tipo de abolicionismo mais combativo surgiu a partir da dcada de 1830 e entre os vrios abolicionistas brancos do perodo, destacou-se William Lloyd Garrison, fundador do jornal abolicionistaThe Liberator, que entre 1831 e 1865 defendeu a impopular idia de uma emancipao rpida e sem indenizaes. Para concretiz-la fundou, em 1833, a Sociedade Americana Antiescravido dedicada a promover a libertao imediata de escravos. Considerado radical em sua poca, Garrison nunca pregou a rebeldia dos escravos, defendendo o pacifismo e a no-resistncia.

Os negros livres tambm participaram ativamente na luta pela liberdade dos escravos. Em 1830, existiam 50 sociedades antiescravistas organizadas por negros livres e antes da Guerra de Secesso 17 jornais abolicionistas eram publicados no Norte por negros livres (MAY; SELLERS; McMILLEN, 1990, p.132). O panfleto mais radical surgiu em 1829, oAppeal... to the Colored Citizens of the World, but in particular and very expressly to those of the United States of America, de David Walker, que incentivava os escravos a atacarem seus senhores para conquistar a liberdade. Outros se destacaram nos comcios abolicionistas por sua eloqncia, como Frederick Douglass, que tambm publicou o jornalNorth Star, Henry Highland Garnet, Sojourner Truth e Harriet Tubman, que juntamente com Josiah Henson, se tornou a principal maquinista da Ferrovia Subterrnea (Underground Railroad) levando escravos fugitivos para o Norte, o Mxico, e depois de 1850, para o Canad, por meio de uma rede de estaes, casas e esconderijos mantidos por negros e alguns brancos, que recebiam os fugitivos e se encarregavam de ocult-los. Segundo Eisenberg (1982, p.27), a Ferrovia Subterrnea ajudou mais de 50 mil escravos escaparem de seus donos.

O preconceito racial no era uma questo regional

Mesmo com uma participao ativa, os negros livres no deixaram de sofrer o preconceito racial da sociedade estadunidense, inclusive dentro do prprio movimento abolicionista, onde os abolicionistas brancos adotaram prticas paternalistas, que colocavam os negros livres em papis secundrios no movimento. Esse, alis, foi um dos motivos pelos quais o abolicionismo das dcadas de 1830 e 1840 no conseguiu atingir seus objetivos. Alm disso, o abolicionismo enfrentou uma conspirao do silncio, que impedia, pela indiferena, que a escravido fosse discutida em praa pblica. Havia muito medo por parte dos trabalhadores do Norte, que a abolio trouxesse uma enxurrada de negros para a regio, aumentando a concorrncia pelos empregos e a reduo dos salrios. Por outro lado, as camadas sociais mais altas do Norte, que tinham interesses comuns com o Sul na produo e no financiamento do algodo, temiam pelos seus investimentos, caso a abolio ocorresse. Por ltimo, existiam aqueles que achavam, que a discusso do tema pudesse provocar a destruio da Unio. No obstante s foras contrrias, os abolicionistas conseguiram sua maior vitria ao romper essa conspirao, levando a questo da escravido, dos debates poltico-partidrios do Congresso, para as praas pblicas das cidades norte-americanas.

No Sul, as aes abolicionistas enfrentaram maiores dificuldades do que as existentes no Norte. At a dcada de 1830, grande parte dos sulistas considerava a escravido como um mal necessrio, como algo, que eles infelizmente no podiam abandonar, mas com as publicaes mais radicais, como as de David Walker e William Lloyd Garrison, e a Revolta de Nat Turner, esse comportamento foi modificado e a escravido passou a ser um bem positivo que foi justificado com trs explicaes:

A primeira e mais importante era a de que a escravatura representava um status natural e prprio para as pessoas de descendncia africana. Os negros, dizia-se eram geneticamente inferiores aos brancos e prprios apenas para ser escravos. [...] Segundo, dizia-se tambm que a escravatura era sancionada pela Bblia e pelo cristianismo [...] Finalmente, faziam-se esforos para mostrar que a escravatura estava de acordo com o esprito humanitrio do sculo XIX. As grandes fazendas eram consideradas como uma espcie de asilo onde se providenciava orientao e cuidados para uma raa que no tinha meios de governar a si prpria (NEVINS; COMMAGER; 1986, p.270).

Paralelamente a esses argumentos, houve uma poltica de cerceamento da informao, com publicaes sendo proibidas, com invases de agncias de correios para destruio de propaganda abolicionista e leis que proibiram a alfabetizao de negros escravos e livres.

Na realidade, tanto o Sul, como o Norte eram racistas. Para a maior parte da populao, os negros eram inferiores aos brancos, fossem eles, livres ou escravos. Os negros livres tinham dificuldades para se empregar, no conseguiam matrcula nas escolas pblicas e somente em Massachusetts, podiam testemunhar em aes que envolvessem brancos. No Sul, os negros livres sofriam ainda mais, sendo obrigados a andar com a documentao que comprovava sua liberdade e estavam proibidos de se reunirem e de se organizarem.

Se a agitao continuar, a mesma fora,agindo com crescente intensidade, finalmente arrebentar todas as cordas,quando nada restar para manter os Estados juntos a no ser a fora.John C. Calhoun, senador sulista, em discurso durante os debates de 1850

O Compromisso Missouri conteve a controvrsia sobre a escravido no Congresso Federal at 1846. At aquela data, a Unio admitiu mais quatro estados:trs escravistas, Arkansas (1836), Flrida e Texas (ambos em 1845) e um livre, Michigan (1837).

No entanto, a possibilidade de uma nova expanso territorial norte-americana despertou as paixes nortistas e sulistas. Naquele ano, os Estados Unidos provocaram uma nova guerra contra o Mxico para conquistar uma regio de cerca de 800 mil quilmetros quadrados. A confiana na vitria era to grande, que trs meses aps o seu incio, o Congresso j discutia a lei que reservaria verbas para o pagamento das perdas territoriais que o Mxico teria.

Os nortistas ficaram preocupados como o destino do novo territrio. Se ele ficasse aberto escravido, outros estados escravistas poderiam surgir. Com isso em mente, o debate sobre as verbas comeou e durante ele, David Wilmot, um congressista da Pensilvnia, props uma emenda que impedia a escravido nos territrios conquistados ao Mxico. A reao dos sulistas foi imediata. John Calhoun argumentou, que da mesma forma que havia uma proposta para impedir a expanso da escravido, ele propunha a implantao da escravido nele.

A Clusula Wilmot

Aprovada na Cmara de Representantes, mas recusada no Senado Federal, os debates em torno da Clusula Wilmot pareciam no ter fim. Alguns polticos propuseram alternativas de conciliao. O presidente, James Polk, props que a linha do Compromisso Missouri na latitude de 36 30 fosse estendida at o Pacfico, mas os defensores do territrio livre no aceitaram porque a maior parte do territrio cedido pelo Mxico ficaria dentro dos limites do escravismo. Uma outra proposta, chamada de soberania popular, foi sugerida por Lewis Cass, um dos senadores de Michigan. Segundo ele, quem deveria decidir se um estado seria livre ou escravista, seriam os prprios moradores do territrio, e no o Congresso. Novamente os nortistas se opuseram proposta. Nesse clima tenso, iniciou-se a campanha presidencial de 1848, onde pela primeira vez, a questo da escravido tomou o centro da campanha.

Desde a dcada de 1830, dois partidos nacionais disputavam o poder poltico nos Estados Unidos: o Partido Democrata e o Partido Whig, tambm chamado de liberal. Estes dois partidos tiveram at 1848 o apoio de todas as regies dos Estados Unidos, independentemente de serem escravistas ou livres. Dessa maneira, elegeram congressistas que eram a favor ou contra a escravido. Segundo Eisenberg (1982, p.46-47), era a falta de uma identificao com apenas uma regio, que possibilitou que [...] o Congresso Federal debatesse, repetidamente, todos os pontos de atrito entre as regies, e encontrasse resolues parciais entre os representantes do Norte, Sul e Oeste.(40) Entretanto, a eleio de 1848 mostraria que os partidos comeavam a perder essa caracterstica, o que os levaria ruptura, provocando o surgimento de novos partidos e extino do Partido Whig, alguns anos mais tarde.

Para a eleio, os whigs adotaram uma postura j conhecida de indicar um heri militar com candidato presidncia. Zachary Taylor, general da Guerra Mexicana e latifundirio escravista da Louisiana foi o escolhido, porm preferiu no adotar nenhuma posio poltica sobre a escravido.

No Partido Democrata, o indicado foi o prprio criador da idia da soberania popular, o senador Lewis Cass, que a usou como plataforma poltica. A surpresa foi a fundao de um novo partido por nortistas descontentes de ambos os partidos. O Partido do Solo-Livre (Free-Soil) defendeu a Clusula Wilmot e indicou o ex-democrata e ex-presidente Martin Van Buren como o candidato do primeiro partido organizado sob um ideal regional: impedir a expanso da escravido. O vencedor foi Taylor, com Van Buren em segundo lugar.

Zachary Taylor tomou posse em 1849. Naquele momento o Tratado de Guadalupe Hidalgo entre Mxico e Estados Unidos j estava assinado desde o ano anterior. Precisando resolver a situao do territrio da Califrnia, que pela corrida do ouro estava sendo rapidamente povoado, tomou uma atitude que surpreendeu seus correligionrios. Para a surpresa de todos, Taylor pediu ao Congresso, que a Califrnia fosse admitida como um estado livre. Os sulistas que temiam que o Novo Mxico tambm acabasse sendo admitido como estado livre, reagiram acusando o presidente de querer aplicar a Clusula Wilmot de uma outra forma. A situao ficou to tensa, que a eleio para presidente da Cmara dos Representantes levou trs semanas e 63 votaes para ser decidida.

O Compromisso de 1850

A soluo veio com uma proposta do senador Henry Clay, o principal articulador do Compromisso Missouri, que tentava conciliar os dois lados. Os termos eram os seguintes:

a Califrnia (8) seria admitida como estado livre; o restante das terras cedidas pelo Mxico seria organizado em dois territrios, Utah, ao norte, e Novo Mxico, ao sul, deixando-se que seus habitantes decidissem o status da escravido. [...] o Texas devia renunciar s suas reivindicaes rea do Novo Mxico, em troca do que os Estados Unidos lhe assumiriam a dvida pblica; o trfico de escravos, mas no a escravido, seria abolido no Distrito de Colmbia; e a velha Lei do Escravo Fugitivo de 1790, cujo cumprimento fora crescentemente contestado e impedido no Norte, seria reforada (MAY; SELLERS; McMILLEN, 1990, p.174).

A proposta de Clay desagradou o presidente, Zachary Taylor, e os extremistas de todos os partidos, que diziam ser prejudicados pela proposta. Num golpe do acaso, a resistncia presidencial foi eliminada, quando no mesmo ano, o presidente, Taylor, faleceu e seu sucessor, Millard Fillmore no se ops ao acordo. Faltava romper a resistncia no Congresso, que foi conseguida, quando um senador democrata de Illinois, Stephen Douglas, habilmente dividiu o projeto e conseguiu aprovar cada uma das medidas, negociando-as separadamente. A aprovao do Compromisso de 1850, em 31 de maro, foi um alvio para os moderados do Norte e do Sul e aparentemente colocava um fim nas discusses, tanto que na campanha presidencial de 1852, a escravido foi deixada de lado como tema poltico. O eleito foi um democrata de Nova Hampshire, que apoiava o acordo, Franklin Pierce.

Notas

(8) Entre a admisso da Flrida e do Texas na Unio em 1845 at a entrada da Califrnia, mais dois estados livres foram admitidos em 1848: Iowa e Wisconsin, restabelecendo o equilbrio entre os estados.

Celebram uma vitria momentnea, mas as repercusses que suscitam nunca terminaro enquanto a prpria escravido no acabar.Charles Sumner, senador nortista aps a aprovao da Lei Kansas-Nebraska

O ano de 1852 foi um ano importante para os abolicionistas. Nele foi lanado o livroA Cabana do Pai Toms(Uncle Toms Cabin) de Harriet Beecher Stowe, que mostrou com cores vivas os horrores da escravido. O livro se tornou a principal obra do abolicionismo literrio e uma arma contra os escravistas porque atingiu um pblico no alcanado pelo discurso poltico. Seu sucesso provocou sua proibio no Sul, mas no Norte vendeu mais de um milho de exemplares em dois anos e recebeu vrias montagens em vrios teatros.

O sucesso do livro de Harriet Beecher Stowe serviu para mostrar aos defensores da escravido, que a dcada de 1850 no seria tranqila. Politicamente, desde 1848, com a tentativa de aprovao da Clusula Wilmot, os sulistas percebiam que no conseguiriam equilibrar as aes polticas na Cmara dos Representantes. Isso porque a populao do Norte j atingia 14,21 milhes de habitantes, enquanto o Sul tinha 8,98 milhes, significando que, se os sulistas conseguissem eleger somente deputados pr-escravido no Sul, mas no conseguissem manter a eleio de deputados pr-escravido no Norte, a Cmara se tornaria uma instituio potencialmente antiescravista.

Em segundo lugar, ficava claro para os sulistas, que dentro das fronteiras norte-americanas no haveria locais para estados escravistas porque segundo o Compromisso Missouri, o restante do territrio comprado da Frana deveria ser livre; o Oregon e Minessota(9) por se localizarem perto da fronteira com o Canad, provavelmente tambm seriam livres e o Novo Mxico e o Utah ficavam numa regio onde se acreditava que a escravido no seria economicamente rentvel.Para resolver o problema poltico, os sulistas contavam com o equilbrio no Senado, j que, cada estado tinha dois senadores, independentemente do tamanho de sua populao, e como o nmero de estados escravistas e livres era quase igual, se os sulistas pudessem continuar elegendo senadores pr-escravido nos estados do Norte, seria possvel equilibrar as aes polticas.

Uma provvel soluo para o problema territorial viria com a expanso externa. Conquistando novos territrios, os latifundirios poderiam levar seus escravos para suas novas fazendas. Com a ajuda do governo estadunidense pensou-se na compra de Cuba da Espanha, mas a publicao de um documento em 1854, o Manifesto Ostend, pelos diplomatas americanos na Gr-Bretanha, Frana e Espanha sugerindo a anexao da ilha, caso ela no fosse vendida, gerou uma reao do Norte e da Espanha, causando o abandono do projeto. Mesmo assim, alguns sulistas financiaram novas expedies militares e ilegais para conquistar a Baixa Califrnia e Nicargua (1855) e Honduras (1860). No entanto, todas fracassariam.

Rompendo o acordo: a Lei Kansas-Nebraska

Foi nesse contexto, que o senador democrata Stephen Douglas, do Illinois, sugeriu a entrada dos territrios do Kansas e Nebraska para Unio. Douglas era o presidente da Comisso dos Territrios do Senado e estava interessado na admisso rpida dos dois territrios na Unio, facilitando o incio da construo de uma ferrovia que passaria por essas regies e teria seu terminal leste em seu estado, Illinois. Contudo, para que isso ocorresse, os territrios deveriam ser admitidos como estados livres, pois pertenciam ao restante do territrio comprado da Frana, onde, segundo o Compromisso Missouri, era proibida a escravido. Para conseguir o apoio dos sulistas, Douglas usou a idia da soberania popular e props que os habitantes de ambos os territrios decidissem como seriam admitidos na Unio, ignorando o Compromisso Missouri.

A reao foi intensa. Muitos nortistas acusaram os sulistas de estarem rompendo um compromisso sagrado ao permitirem que a populao decidisse, se o estado seria ou no escravista. O Partido Whig ficou dividido sobre a proposta, enquanto os democratas do Norte temiam perder o apoio em seus estados, caso aprovassem a proposta de Douglas. O presidente, o democrata Franklin Pierce, entrou na disputa e pressionando seus correligionrios do Norte conseguiu a aprovao do projeto, em 30 de maio de 1854, ficando conhecido com a Lei Kansas-Nebraska. A vitria democrata se mostraria uma Vitria de Pirro, tendo conseqncias danosas para os dois principais partidos. O Partido Whig que definhava desde sua ltima vitria na eleio presidencial de 1848, saiu rachado da discusso e prximo da extino, com os sulistas ingressando no Partido Democrata e os nortistas indo para dois novos partidos: o Partido Americano e o Partido Republicano. Os democratas tambm sofreram com a aprovao da Lei Kansas-Nebraska, perdendo vrios nortistas, que abandonaram o partido e ingressaram nas novas agremiaes partidrias. Mesmo recebendo vrios ex-whigs sulistas, o Partido Democrata comeou a perder sua abrangncia nacional, se tornando um partido controlado por polticos sulistas.

A mquina contra a expanso escravido: o Partido Republicano

Os dois novos partidos tiveram trajetrias diferentes. O Partido Americano abrigou ex-democratas e ex-whigs e vrias lideranas sem experincia poltica. Em torno de sentimentos xenfobos e anticatlicos, teve como principal objetivo reduzir a fora poltica dos imigrantes, prolongando o perodo para a naturalizao deles. O Partido Americano ficou popularmente conhecido como o Partido Nada-Sei (Know-Nothing) porque seus membros eram orientados a responder nada sei, caso fossem interrogados. Seu crescimento foi rpido, conseguindo o governo de vrios estados e elegendo vrios deputados. Entretanto, aps a eleio presidencial de 1856, o partido se desintegrou, tornando-se um dos grandes mistrios da histria poltica americana (DIVINE et al., 1992, p. 316).

O Partido Republicano teve uma outra trajetria. Fundado pela unio do Partido do Solo-Livre com integrantes dos partidos Whig e Democrata, nasceu como um partido regional, que aglutinou as foras contra a escravido. Como partido nunca defenderam o abolicionismo, preferindo uma proposta mais moderada. Admitiam no ter o direito para interferir nos estados sulistas para acabar com a escravido, mas eram intransigentes na questo de impedir a expanso dela para outras regies dos Estados Unidos. Ao contrrio do Partido Americano, foi organizado por polticos experientes, que transformaram, em pouco tempo, o partido em uma fora poltica, influenciando enormemente a histria posterior dos Estados Unidos.

A aprovao da Lei Kansas-Nebraska levou o conflito para o territrio do Kansas, onde faces pr e contra a escravido migraram para l, tentando influenciar a deciso sobre o status do novo estado. Os partidrios de ambos os lados andavam armados para intimidar seus adversrios e cada faco escolheu um governador, uma assemblia legislativa e uma capital. O clima estava to tenso, que qualquer desentendimento poderia deflagrar uma guerra entre as faces. E foi isso que ocorreu. Um grupo pr-escravido atacou Lawrence, a capital livre, provocando considerveis prejuzos materiais. Um grupo antiescravista liderado pelo radical John Brown revidou atacando um povoado pr-escravido matando cinco escravistas a sangue frio. Este evento, conhecido como o Kansas sangrento, iniciou violentos conflitos que duraram alguns meses e fizeram 200 mortos, at a chegada de tropas federais ao territrio, que controlaram a situao.

No mesmo ms do ataque comandado por Brown, Preston Brooks, congressista da Carolina do Sul, atacou com sua bengala, Charles Sumner, senador republicano de Massachusetts, que acabara de fazer um discurso acusando os sulistas de tramarem a introduo da escravido no Kansas. O ataque ensandecido deixaria o senador afastado durante trs anos. O acontecimento ganhou repercusso nacional. No Norte, Sumner se transformou em um mrtir contra a escravido, enquanto no Sul, Brooks foi considerado um paladino da escravido.

Notas

(9) Os territrios do Minessota e Oregon foram admitidos na Unio como estados livres, respectivamente, em 1858 e 1859.

De agora em diante, se esta deciso tiver fora de lei,a escravido, em vez de ser o que o povo dos Estados escravocratas at agora chamou, sua instituio peculiar, uma instituio federal, patrimnio comum e vergonha de todos os Estados, daqueles que ostentam o ttulo de livres,assim, como daqueles que aceitam o estigma de ser a Terra da Servido;de agora em diante, at onde alcana nossa jurisdio, transporta com ela a corrente e o aoite onde nossa bandeira tremular, ser a bandeira da escravido. Se assim for, essa bandeira ter a luz de suas estrelas e os raios vermelhos do nascente dela apagados;dever ser tingida de negro e suas armas devero ser o chicote e o grilho.Temos de aceitar, sem restries, essas novas interpretaes da Constituio? Nunca! Nunca!William Cullen Bryant, poeta-editor, aps a deciso sobre o caso Dred Scott

No final de 1856, realizou-se uma nova eleio presidencial. Os democratas indicaram o conservador e cauteloso, James Buchanan, poltico da Pensilvnia; o Partido Americano, o ex-vice-presidente Millard Fillmore; e os republicanos indicaram o explorador do Oeste, John C. Frmont. Buchanan saiu vitorioso com 174 votos eleitorais, contra os 114 de Frmont e os oito votos de Fillmore (COMPTONS, 1994). A vitria deu ao Sul uma tranqilidade temporria.

Em 7 de maro de 1857, o democrata James Buchanan tomou posse esperando que a Corte Suprema desse uma deciso favorvel aos sulistas sobre o caso Dred Scott versus Sandford. A ao foi proposta pelo escravo Dred Scott aps a morte de seu senhor e segundo ela, Scott deveria receber sua liberdade porque durante algum tempo viveu no Illinois e no Wisconsin, onde a escravido era ilegal e, portanto deveria ser livre. Uma deciso majoritria foi anunciada pelo ministro Roger Taney e determinou que Dred Scott, como negro, independentemente de ser livre ou escravo, no era cidado, e por isso, no podia entrar com nenhuma ao judicial, que o Congresso Federal no tinha competncia para legislar sobre a escravido em nenhuma parte dos Estados Unidos e, portanto o Compromisso Missouri era inconstitucional e que o Congresso devia proteger a escravido como qualquer outra propriedade.

A deciso da Corte Suprema causou grande agitao no Norte e festejos no Sul. Os republicanos acusaram os juzes de serem pr-escravistas e o presidente, Buchanan, de usar seu poder para pressionar a Corte Suprema, reforando a idia de que o Sul estava dominando vrios setores do Estado para conseguir expandir a escravido.

O Sul novamente assustado

Com a eleio de um presidente favorvel escravido e a deciso da Corte Suprema sobre o caso Dred Scott, a situao parecia favorvel aos escravistas, porm, no mesmo ano, o lanamento de um outro livro colocou os sulistas novamente preocupados. Dessa vez no era um romance escrito por uma nortista, como A Cabana do Pai Toms. A obra subversiva havia sido escrita por um branco, sulista e sem escravos, Hinton Rowan Helper, que em seu livro, A Iminente Crise do Sul (Impending Crisis of the South), defendia que a escravido prejudicava o desenvolvimento do Sul e a maior parte de sua populao branca. Ainda segundo Helper, os brancos sulistas e sem escravos deveriam lutar pela abolio da escravido, como forma de romper o domnio dos latifundirios e assim, desenvolver o Sul. Como ocorreu com o livro de Harriet Beecher Stowe, o livro de Helper se tornou um sucesso no Norte e foi censurado no Sul.

Em 1858, a questo do Kansas ganhou um novo captulo. A minoria pr-escravido do Kansas apoiada pelo presidente, Buchanan, aprovou uma constituio que protegia a escravido naquele territrio, a Constituio de Lecompton. Levada ao Congresso para ser ratificada, a Constituio de Lecompton provocou srias discusses sobre sua legitimidade. A irregularidade dela era tamanha, que o prprio Stephen Douglas e outros democratas nortistas no apoiaram sua ratificao, provocando uma desconfiana sobre eles diante de seu partido e do presidente, que queriam a ratificao dela. Sem conseguir ser aprovada, a situao do Kansas permaneceria indefinida at 1861, quando foi aceito como estado livre.

No ano seguinte, os sulistas foram surpreendidos por um novo tipo de ao abolicionista. Na noite de 16 de outubro de 1959, John Brown, que havia participado das lutas no Kansas, e um grupo de 21 pessoas (16 brancos e 5 negros) invadiram um arsenal federal em Harpers Ferry, Virgnia, roubando armas e munio para armar os escravos e promover uma rebelio. No combate que se seguiu ao roubo, os fuzileiros navais comandados por Robert Lee e habitantes do local lutaram contra o grupo de Brown. Dez homens de Brown, incluindo dois filhos dele foram mortos e aps serem derrotados, John Brown e o restante de seu grupo foram presos, julgados por traio, assassinato e por incentivar rebelies de escravos e condenados morte por enforcamento. O ato de Brown despertou simpatia na populao do Norte, que o transformou em um novo mrtir da causa abolicionista, enquanto os sulistas, que desde a revolta de Nat Turner no haviam passado por algo semelhante, ficaram apreensivos, imaginando se outros nortistas no iriam tentar repetir a atitude e at quando eles fracassariam.

Sentimos que a nossa causa justa e sagrada;solenemente proclamamos, para todo o gnero humano,que desejamos a paz ao preo de qualquer sacrifcio,menos o da honra e da independncia.No procuramos conquista alguma, nem enaltecimento, nem concesso alguma de qualquer espcie dos Estados dos quais faz pouco tempo ramos confederados. Tudoque pedimos sermos deixados em paz;que aqueles que nunca mandaram em ns agora no tentem subjugar-nos pela fora das armas.Jefferson Davis, discurso inaugural ao Congresso dos Estados Confederados da Amrica, 1961.

O ano de 1860 foi novamente um ano de campanha presidencial. O Partido Republicano realizou sua conveno em maio, em Chicago e consensualmente escolheu um poltico moderado, de projeo nacional e uma de suas principais lideranas polticas, Abraham Lincoln. Ele se tornou uma figura de projeo nacional, quando em 1858 disputou uma vaga para o Senado contra o senador Stephen Douglas, que tentava a reeleio. Os dois percorreram o estado de Illinois, participando de sete debates, que repercutiram em todo o pas. A vitria coube a Douglas, mas Lincoln saiu fortalecido e acabou escolhido por seu partido para a concorrer presidncia.

Os republicanos sabiam que poderiam ganhar a eleio. Analisando as duas ltimas vitrias nortistas nas eleies presidenciais de 1852 e 1865, perceberam uma possibilidade de vitria. Na eleio de 1852, Franklin Pierce, o candidato democrata, havia ganhado do general Winfield Scott, candidato whig, por 254 votos eleitorais contra 42, conquistando 85% desses votos. Na eleio de 1856, Buchanan vencera com 174 votos, perdendo 33% dos votos que Pierce havia recebido, conseguindo 58% dos votos eleitorais, indicando que os democratas corriam risco de perder a maioria desses votos (COMPTONS, 1994). Sabendo dessa situao, o Partido Republicano, planejava melhorar o desempenho de sua primeira eleio presidencial, onde ganharam os votos eleitorais em quase todos estados do norte, com exceo de cinco. Como a maioria dos votos eleitorais se concentrava no Norte, por causa de sua maior populao, era possvel, que um candidato que recebesse votos localizados apenas nos estados nortistas conseguisse a maioria dos votos em uma eleio. Esse candidato era Abraham Lincoln.

A plataforma poltica dos republicanos foi preparada para conquistar, se possvel, a totalidade dos votos eleitorais do Norte, j que sabiam, que no Sul seria praticamente impossvel vencer em algum estado. Ela baseou-se em cinco pontos:

- impedir a extenso da escravido aos territrio;- aumentar as tarifas alfandegrias;- facilitar a aquisio de terras no Oeste;- financiar com dinheiro federal os melhoramentos internos e- aperfeioar o sistema financeiro e bancrio.

No sul, a conveno democrata realizada em abril, em Charleston, transcorreu em um clima de desconfiana. Desde a recusa dos democratas nortistas ratificarem a Constituio de Lecompton, o partido estava divido em dois, com um grupo apoiando o senador Stephen Douglas e sua plataforma baseada na soberania popular e um outro, defendendo a criao de um cdigo de proteo escravido nos territrios. Sem chegar a um consenso, a conveno foi dissolvida e convocada para junho, em Baltimore. Quando os democratas se reuniram novamente, duas convenes foram criadas. Os democratas do Norte indicariam Stephen Douglas para a presidncia e os do Sul, John Breckinridge. O Partido Democrata rachara.

Um quarto candidato se juntou na corrida presidncia, John Bell, candidato do Partido da Unio Constitucional, uma fuso do que restava do Partido Whig e dos Nada-Sei.

Com os candidatos definidos, sabia-se que a eleio seria divida em duas: no Norte, Lincoln e Douglas disputariam os votos, e no Sul, Breckinridge e Bell. O vencedor, com certeza, no conseguiria votos em todo em todo pas. E foi isso que ocorreu. Lincoln conseguiu 180 votos eleitorais, Breckinridge 72, John Bell 39 e Douglas 12 (COMPTONS, 1994). Esses votos permitiram que Lincoln vencesse em 18 estados, Breckinridge em 11 estados, Bell em trs e Douglas em um.

A secesso se inicia

Mesmo com a presidncia, os republicanos no teriam facilidades para governar, pois a maioria na Cmara e no Senado e a Corte Suprema eram controlados pelos democratas. No entanto, a vitria de Lincoln caiu como uma bomba sobre os sulistas. Ele nem havia tomado posse e uma conveno na Carolina do Sul resolveu, em 20 de dezembro de 1860, abandonar a Unio alegando que da mesma forma que um estado havia se unido, um estado podia se separar. Algumas semanas depois, mais seis estados seguiram o exemplo dela: Mississipi (09/01), Flrida (10/01), Alabama (11/01), Gergia (19/01), Louisiana (26/01) e Texas (1/02).

Segundo Nevins e Commager (1986, p.245), vrios motivos incentivaram a secesso dos sete estados sulistas: dio ao Norte, ressentimento pela derrota nas eleies, m vontade em aceitar o veredicto dos territrios, sonho de dias melhores e mais prsperos sob sua bandeira. Acima de tudo, foi instigado pelo medo medo de que suas instituies e sua civilizao peculiar fossem bruscamente derrubadas por um governo abolicionista.

Nos demais estados sulistas, a secesso no foi em frente porque os polticos daqueles estados no acreditavam que a vitria de Lincoln fosse motivo suficiente para a separao, j que ele sempre afirmara, que no interferiria nos estados onde a escravido j existisse, e por isso resolveram aguardar os acontecimentos.

Em fevereiro de 1861, em Montgomery, Alabama, delegados dos estados secionistas se reuniram e por uma unanimidade de 169 votos, fundaram os Estados Confederados da Amrica. A conveno foi controlada por polticos mais moderados, que fizeram uma constituio muito semelhante dos Estados Unidos. A maioria das diferenas refletia apenas as interpretaes tradicionalmente sulistas para a carta federal. Ao governo central era negada a autoridade para impor tarifas protetoras, subsidiar as melhorias internas, ou interferir com a escravatura nos estados, e a ele era requerida a aprovao de leis protetoras da escravatura nos territrios. (DIVINE et al., 1992, p.332-333). O presidente eleito foi Jefferson Davis, do Mississipi e Alexander Stephens, da Gergia, para vive-presidente.

O primeiro tiro

Enquanto os sulistas criavam os Estados Confederados da Amrica, os congressistas dos Estados Unidos tentavam costurar um acordo semelhante aos de 1820 e 1850, que impedisse a secesso dos outros estados do sul. O senador do Kentucky John Crittenden props que a linha do Compromisso Missouri fosse estendida at o Pacfico e uma emenda constitucional que proibisse o governo federal de abolir ou regular a escravido nos estados. Lincoln, mesmo antes de assumir, se ops ao acordo, alegando que no trairia os eleitores que haviam votado nele com a certeza, que a escravido no se expandiria. Alm disso, historiadores acreditam que ele e seu partido acreditavam que o separatismo era minoritrio no Sul e que uma posio forte no s manteria os estados do Sul, que restavam, na Unio, como traria os rebeldes de volta. Entretanto os acontecimentos provariam que eles estavam enganados.

Sem acordo, as ltimas semanas do governo Buchanan serviram para os sulistas ocuparem as fortalezas e outras instalaes militares da Unio, sem disparar um tiro. Quando Lincoln tomou posse, em 4 de maro de 1861, seu discurso inaugural mostrou um poltico cuidadoso e esperanoso em manter a Unio. Tentando arrefecer os nimos dos escravistas, Lincoln exprimiu a postura de seu governo sobre ela: no tenho propsito algum, nem direta, nem indiretamente, de interferir na instituio da escravatura nos Estados em que ela existe. Acredito que no tenho direito algum, legal, de faz-lo, e no tenho inclinao nenhuma de proceder assim (WILLIAMS, 1964, p.138).

Sobre o direito dos estados abandonarem a Unio, Lincoln afirmou que nenhum estado poderia sair da Unio e que ela era perptua e que os atos contra os Estados Unidos eram insurrecionais ou revolucionrios e sobre as fortalezas ocupadas pelos confederados, mandou um recado dizendo que iria manter, ocupar, e possuir a propriedade, e os lugares pertencentes ao governo.

No final de seu discurso inaugural, Lincoln deixou, propositalmente, o nus do incio da guerra sobre os ombros dos confederados, afirmando: Em vossas mos, meus compatriotas, e no nas minhas, se encontra o momentoso problema da guerra civil. O governo no vos atacar. Vs no tereis conflito algum, sem que sejais, vs mesmos, os agressores (WILLIAMS, 1964, p.147). !

A inteno de Lincoln era evitar o conflito e por isso, no tentou recuperar nenhuma fortaleza ocupada pelos confederados. No entanto sua atitude de abastecer o Forte Sumter, em Charleston, um dos quatro fortes que ainda estavam sob o controle da Unio, deflagraria a guerra. Lincoln comunicou s autoridades confederadas que iria mandar os suprimentos solicitados. Os confederados no aceitaram o pedido e deram um ultimato ao comandante do forte, para que ele fosse abandonado. Sem receber um posicionamento, os confederados iniciaram na madrugada de 12 de abril de 1861, um bombardeio ao forte, que se rendeu 34 horas depois. A guerra comeara!Vs vos lanais numa guerra contra um dos povos mais poderosos,mais dotados para a mecnica, mais determinados do mundoe que se encontra precisamente a vossas portas.Vosso malogro fatal.Comentrio de William Sherman sobre o poder da Unio antes da guerra ter incio

Quando a guerra comeou, os nortistas confiavam em uma guerra rpida e fcil. Esse otimismo era justificvel pelos nmeros que o Norte possua em relao ao Sul. A Unio contava com 22 estados (24 com a entrada do Kansas em 1861 e da Virgnia Ocidental em 1863) e a Confederao com 11 estados (com a entrada do Arkansas, Tennessee, Carolina do Norte e Virgnia). Isso resultava numa populao de cerca de 22 milhes de habitantes para a Unio e de cerca de nove milhes para a Confederao, sendo que 3,5 milhes eram escravos. Mesmo que os brancos liberassem os escravos para o combate, a Unio poderia usar um nmero maior de combatentes na guerra.

A indstria que forneceria produtos para guerra tambm se concentrava no Norte. [...] 85% da produo de cobertores, roupas, sapatos e 97% das armas, alm da maior parte dos trabalhadores qualificados, dos bancos e do dinheiro em circulao. (EISENBERG, 1982, p.65). Segundo Nevins e Commager (1986, p.248), [...] somente Nova York produziu, em 1860, produtos manufaturados no valor de mais de duas vezes o de toda produo da Confederao, e a Pensilvnia, quase isso.

O Norte tambm contava com a maior parte das ferrovias dos Estados Unidos com cerca de 35.000 Km, enquanto Sul contava com aproximadamente 14.500 Km. Alm disso, as ferrovias do Norte corriam em todas as direes, enquanto as do Sul corriam principalmente no sentido de ligar as reas produtoras de gneros agrcolas aos portos.

As vantagens do Sul

As vantagens numricas da Unio eram indiscutveis, mas a Confederao contava ou pensava que contava com outras vantagens para guerra. O Sul no precisava adotar uma ttica ofensiva. A guerra que os confederados fariam seria uma guerra defensiva, ou seja, no precisariam conquistar e ocupar territrios. Travariam uma guerra, que poderia se vencida quando a opinio pblica nortista se convencesse, que o melhor seria deixar o Sul em paz.

O fato de poder esperar o inimigo em seu territrio, tambm traria um benfico apoio psicolgico, pois os sulistas estariam defendendo suas prprias casas e famlias, ao contrrio dos soldados do Norte, que lutariam pelo abstrato conceito de manter a Unio.

Os sulistas tambm acreditavam que o seu modo de vida, os favoreceria na guerra. Vivendo em um mundo rural, acreditavam estar mais acostumados a cavalgar e atirar, e por isso, teriam melhores soldados que os ianques. Se isso realmente era verdade, o fato que os melhores oficiais do exrcito dos Estados Unidos eram sulistas e preferiram lutar no lado que defendia sua terra natal, como foi o caso de Robert Lee.

Por ltimo, os confederados confiavam no poder econmico do Rei Algodo. Como a Inglaterra e a Frana eram dependentes da matria-prima sulista, os confederados esperavam que a escassez do produto no mercado europeu foraria as duas naes a entrarem na guerra ao lado deles, ou pelo menos, o reconhecimento diplomtico do novo governo.

Uma guerra de ricos, mas travada por pobres

Se cada lado tinha suas vantagens e desvantagens, os dois lados tambm tiveram que enfrentar problemas semelhantes. Um desses problemas foi a formao dos exrcitos. Com o incio da guerra, os dois lados contaram inicialmente com muitos voluntrios, mas a promessa de uma guerra rpida foi desfeita e com ela, os voluntrios diminuram drasticamente. Para resolver o problema, os confederados e os unionistas adotaram leis de alistamento obrigatrio, respectivamente em 1862 e 1863, que provocaram resistncias e crticas. A maior revolta contra o alistamento aconteceu em Nova York, em julho de 1863. Um multido de trabalhadores atacou os escritrios de alistamento, casas de republicanos e orfanatos para crianas negras matando cerca de 120 pessoas at a interferncia de tropas federais.Tanto no Norte como no Sul, as duas leis beneficiaram os mais ricos, produzindo uma frase popular no Sul que dizia, que a Guerra de Secesso era uma guerra de ricos, mas travada por pobres. No Norte, a lei permitiu que os convocados pagassem 300 dlares para contratar um substituto e no Sul, os feitores e proprietrios de 20 ou mais escravos foram dispensados da conscrio.

Outro problema comum foi a produo de material blico. Como a produo era realizada majoritariamente por indstrias privadas, os dois governos sofreram com as denncias de corrupo na contratao dessas empresas e de produtos defeituosos.

A falta de recursos tambm foi um complicador para os governos. Sem querer aumentar os impostos para financiar a guerra, os governos emitiriam muito dinheiro sem a respectiva reserva em ouro e prata para financiar a guerra, gerando inflao, que seria muito maior no Sul, do que no Norte.

Por ltimo, os dois governos enfrentaram a oposio poltica. No Sul, o presidente Jefferson Davis enfrentou a resistncia de seu vice-presidente, Alexander Stephens, e de vrios governadores estaduais, que estocavam equipamentos, enquanto os soldados confederados passavam por dificuldades nos campos de batalha. Segundo eles, o governo confederado no respeitava o direito dos estados, interferindo excessivamente nos assuntos estaduais.

No Norte, Lincoln tambm enfrentou problemas com a oposio. Um parte dos democratas, conhecidos como "democratas pela paz" ou copperheads (nome de uma cobra venenosa) atacaram as atitudes de Lincoln e defendiam o fim imediato das hostilidades.

No entanto, talvez o principal problema poltico enfrentado por Lincoln foi em seu prprio partido, onde ele foi atacado pelo grupo de republicanos, chamados "radicais", que defendiam uma cruzada antiescravista e um poltica punitiva contra os confederados. Alm disso, criticavam as operaes militares da Unio.

O ataque ao Forte Sumter acabou com as esperanas de uma paz. Uma semana depois, Lincoln decretou um bloqueio naval, inaugurando a primeira frente de batalha. A inteno era sufocar o Sul, que dependia do comrcio exterior para se manter abastecido. Para realizar a misso de bloquear os 5.600 Km de costa, a Unio usou todos os tipos de barcos (baleeiros, escunas, reboques) para auxiliar seus 30 navios de guerra no bloqueio de quase 200 portos. Se a situao era difcil para a Unio, a Confederao no estava em melhores condies com seus dois navios de guerra. Inicialmente, o bloqueio foi infrutfero, mas aos poucos ele foi se apertando e ao final da guerra, 1149 navios confederados haviam sido capturados pela Unio (THE CIVIL, 1997).

O primeiro grande problema com a captura de um navio ocorreu em maio de 1861, quando, o Trent, um navio a vapor britnico, que levava James Mason e John Slidell, embaixadores confederados para a Inglaterra e a Frana, foram capturados em alto mar. A captura gerou um problema diplomtico entre a Inglaterra e os Estados Unidos que durou algumas semanas, porm, o governo estadunidense sabiamente liberou os diplomatas que puderam ir para Europa.

Para romper o bloqueio e tentar vender algodo e comprar armas, munio, alimentos e outros produtos, os confederados usaram uma frota de furadores de bloqueio, barcos velozes e de baixo calado que atravessavam a barreira e iam comercializar com os europeus nas ilhas do Caribe. Os confederados tambm encomendaram em estaleiros europeus, mais de uma dzia de destrieres, que destruiriam 250 navios mercantes da Unio.

O litoral americano foi palco da primeira batalha entre encouraados da histria, quando em maro de 1862, prximo a Hampton Roads, Virgnia, o encouraado confederado CSS Virgnia se defrontou com o USS Monitor, um encouraado da Unio. A batalha durou quase quatro horas, sendo assistida por milhares de pessoas que estavam na costa. A luta terminou sem vencedores, mas marcou o incio do fim dos navios de guerra feitos de madeira.

Outra incrvel batalha ocorreu a cerca de 10 Km da costa francesa, em Cherbourg, onde o cruzador confederado de fabricao inglesa, CSS Alabama, aps afundar e/ou capturar 64 embarcaes, enfrentou em 19 de junho de 1862, o cruzador USS Kearsarge e aps quase trs horas de combate foi afundado

Os confederados tambm foram responsveis por outras inovaes que marcariam as guerras futuras. Os engenheiros confederados desenvolveram as primeiras minas aquticas, que danificaram 40 navios do inimigo e o primeiro submarino. Batizado como o nome de seu idealizador, Horace L. Hunley, que morreu dentro dele em um dos testes, o Hunley foi levado para Charleston, na Carolina do Sul, por trem em 1863. Aps trs testes frustrados, em 17 de fevereiro de 1864, o Hunley partiu para sua primeira e nica misso afundando o USS Housatonic. No confronto, o Hunley tambm afundou.

Mesmo com todo o desenvolvimento tecnolgico, a Marinha da Confederao nunca foi preo para a Marinha da Unio. A fora industrial do Norte se fez sentir durante a guerra e no ltimo ano dela, a fora naval da Confederao era de 150 navios de guerra, enquanto a Unio tinha mais de 600 (THE CIVIL, 1997).

Para Richmond!Brado da populao em frente Casa Brancapedindo uma ao contra os Confederados

Se a estratgia no mar foi bloquear os portos confederados, em terra, a Unio completou sua estratgia abrindo duas frentes de combate. Essa deciso foi tomada porque os Montes Apalaches dividiam o Sul em duas sees. Desta forma, a estratgia ianque adotou as seguintes divises:Frente leste: tropas concentradas da Virgnia e nos estados do leste.Frente oeste: tropas no vale do rio Mississipi.

Os primeiros confrontos terrestres no tiveram o tamanho dos confrontos posteriores da guerra. Ocorridos na regio oeste da Virgnia, entre maio e junho de 1861, eles se iniciaram quando a parte ocidental desse estado no quis aceitar a deciso de se separar da Unio. Para mant-la, o general George McClellan foi enviado e derrotou as tropas do inimigo com facilidade, permitindo que essa regio se mantivesse na Unio e formasse um novo estado, a Virgnia Ocidental, aceita em 1863 na Unio.

A primeira grande batalha ocorreu em 21 de julho de 1861, em Manassas, uma cidade da Virgnia que era um entroncamento ferrovirio e distava um pouco mais de 40 Km ao sul de Washington. As tropas da Unio com 30 a 35 mil homens foram comandadas pelo gen. Irvin McDowell e as tropas da Confederao foram comandadas por Pierre Beauregard com um nmero um pouco menor. Os observadores de ambos os exrcitos acreditavam, que a batalha seria decisiva para o final da guerra, tanto que, dezenas de famlias de civis e polticos se deslocaram de Washington para fazer um piquenique e assistir batalha.

O incio da Batalha de Bull Run (nome de um riacho perto de Manassas) deu a impresso que a Unio venceria e em pouco tempo, as tropas confederadas recuavam, exceto as comandadas por Thomas Stonewall Jackson, que se mantinha firme como um muro de pedra. Porm, um reforo confederado enviado pela ferrovia chegou e reverteu a situao colocando os unionistas para correr. Durante a fuga, a confuso foi intensa, com a estrada para Washington ficando congestionada pelos soldados, armamentos abandonados e as famlias dos que assistiam batalha.

Com relao a outras batalhas que ocorreriam na Guerra de Secesso, as perdas humanas foram pequenas. Os confederados tiveram 1.982 pessoas feridas, mortas e/ou desaparecidas, enquanto os unionistas tiveram 2.896 (THE CIVIL, 1997). No entanto, a Batalha de Bull Run mostrou, que ao contrrio do que alguns imaginavam, que a guerra no seria um piquenique, no