artigomaria josé -retorno de eliana

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LIBERTAS CONSULTORIA E TREINAMENTO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE EQUIPES Lilith,o Corpo no Corpo Literário Autora: Maria José Arimatéia Email: [email protected] Orientadora: Eliana Maria Cunha de Castro Co- orientador: José Ricardo Paes Barreto Resumo As filhas de lilith, é um livro de poemas que traz a tona a presença de 26 mulheres poetizadas, no qual o corpo feminino está representado na perspectiva literária nos textos de Cida Pedrosa. Fazemos a exposição do corpo com as idéias da bioenergética, do corpo como instrumento de desigualdades sociais em que a mulher se viu submetida durante muito tempo, do corpo utilitarista servindo ao sistema capitalista e do corpo na visão da igreja, também corpo. Palavras chaves: Corpo. Bioenergética. Mulher. Corpo. Literatura. Poesia. Summary As filhas de lilith, is a book of poems that brings out the presence of 26 women poetizing, in which the female body is represented in perspective in Cida Pedrosa’s literary texts. We exposure body with the ideas of the bioenergetics about the body, the body as an instrument of social inequalities in which the woman was subjected for a long time, the body serving the utilitarian capitalist system and body the in the church vision, the body also. Keywords: Body. Bioenergetics. Women. Body. Literature.Poetry. Introdução

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As filhas de lilith, é um livro de poemas que traz a tona a presença de 26 mulheres poetizadas, no qual o corpo feminino está representado na perspectiva literária nos textos de Cida Pedrosa. Fazemos a exposição do corpo com as idéias da bioenergética, do corpo como instrumento de desigualdades sociais em que a mulher se viu submetida durante muito tempo, do corpo utilitarista servindo ao sistema capitalista e do corpo na visão da igreja, também corpo.

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Page 1: ArtigoMaria José -Retorno de Eliana

LIBERTAS CONSULTORIA E TREINAMENTO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE EQUIPES

Lilith,o Corpo no Corpo Literário

Autora: Maria José Arimatéia Email: [email protected]: Eliana Maria Cunha de CastroCo- orientador: José Ricardo Paes Barreto

Resumo

As filhas de lilith, é um livro de poemas que traz a tona a presença de 26 mulheres poetizadas, no qual o corpo feminino está representado na perspectiva literária nos textos de Cida Pedrosa. Fazemos a exposição do corpo com as idéias da bioenergética, do corpo como instrumento de desigualdades sociais em que a mulher se viu submetida durante muito tempo, do corpo utilitarista servindo ao sistema capitalista e do corpo na visão da igreja, também corpo.

Palavras chaves: Corpo. Bioenergética. Mulher. Corpo. Literatura. Poesia.

Summary 

As filhas de lilith, is a book of poems that brings out the presence of 26 women poetizing, in which the female body is represented in perspective in Cida Pedrosa’s literary texts.  We exposure body with the ideas of the bioenergetics about the body, the body as an instrument of social inequalities in which the woman was subjected for a long time, the body serving the utilitarian capitalist system and body the in the church vision, the body also. 

Keywords: Body. Bioenergetics. Women. Body. Literature.Poetry. 

Introdução

Cida Pedrosa, sertaneja de Bodocó, nascida no mês de outubro, um ano antes

do golpe militar que alterou a rotina do Brasil (1965), advogada de profissão, e

poestisa de vocação, é responsável pelo site Interpoética juntamente com o Sennor

Ramos. Entre seus trabalhos destacam-se Restos do fim (1982), O cavaleiro da

epifania (1986), Cântaro ( 2000), Gume ( 2005) e As filhas de lilith (2009). É uma das

escritoras suicidas1, no site de mesmo nome. Atua em diversos espaços reais e

1 Escritoras suicidas - http://www.escritorassuicidas.com.br/

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vituais sempre comprometida com a escrita e o incentivo a arte literária.

Neste artigo, optamos por trabalhar alguns poemas da obra “As filhas de lilith”,

buscando identificar a representação do corpo feminino na perspectiva literária de

Cida Pedrosa, dialogando com as idéias sobre o corpo bioenergético (Alexander

Lowen), o corpo como instrumento de desigualdades sociais e de gênero constituído

como frágil e indefeso (relações de poder) e ainda, o corpo utilitarista, também

propaganda (capitalismo).

“As filhas de Lilith” repousa como uma obra que se posiciona trazendo à tona

as mulheres modernas que se subvertem. São, segundo os editores da Caliban2:

“arquétipos femininos das mais variadas formas, nos introduzindo nas entranhas do

ser humano que por nascença se nomeou mulher”. O livro é escrito sob a égide do

feminino em 26 mulheres que se apresentam como personagens unidas pelos

dramas, tragédias, dores e alegrias nessa vivência tão particular e tão universal. Em

formato horizontal (20 x 30 cm) a obra tem como designer Jaíne Cintra. São noventa

páginas de puro lirismo em que imagens da artista Tereza Costa Rego como O casal

com bichos e Eva arrependida se misturam as letras do alfabeto permeadas pela

dedicatória ao Sennor Ramos e epígrafe de Graça Graúna.

A obra está dividida em capítulos como o injusto desígnio de angélica e

berenice, onde olhos espiam de cecília, diana, elisa, fátima, e grace,e ali encontram-

se de manhã com hilda, ainda entediada com ivis, juanita e khady, pois servindo

café estão luiza e melissa, que ousavam fazer nely, ofélia e patrícia. Na hora certa

encontrou quilma e rosana. Assim, já parou para sihem e tereza, encontrando como

uma atriz ursula e verônica, numa estranha wilma e uma xênia. Afinal, atenção

senhores lá vem yara e zenaide, enfim. Esses serem nomeados mulheres têm seus

nomes escritos em letras minúsculas por Cida Pedrosa. Esse uso das letras

maiúsculas foi abolido pela autora já em suas obras anteriores, como estilo3.

Entretanto, Guérios (1981, p. 16) afirma que “a diferença entre substantivo próprio e

substantivo comum é apenas uma diferença de grau, (...) e que essa diferença é

toda intelectual, não gramatical”. Os nomes próprios em sua origem mais remota

eram nomes comuns.

2 Editora do livro de Cida Pedrosa, “As filhas de Lilith”. (2009, p.03)3 A autora de As filhas de lilith, afirma em email datado de 03 de agosto de 2011: Maria: bom dia. eu já tinha abolido a escrita de letras em  maiúsculas desde o lançamento do meu livro gume. em lilith, como se tratava de nomes próprio cheguei a ter dúvidas mas continuei com meu estilo.

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Na literatura encontram-se algumas explicações para a existência de Lilith. Às

vezes é apresentada como aquela que age como a serpente que instiga Eva a

comer o fruto proibido, ou ainda como a lua negra, na astrologia. Na Bíblia em Isaias

34:14 é apresentada como o demônio do mal, onde dor e morte se manifestam.

Entretanto, no folclore popular hebreu é vista como a primeira esposa de Adão que

se rebela por causa de uma disputa sobre igualdade dos sexos. O fato é que Lilith

aparece sempre como mulher ou demônio no Jardim do Éden e vai evoluindo

sempre como a mulher perseguidora, a bruxa, que vai tomando corpo na literatura e

nas artes mais modernas, como aquela que não se submeteu.

O Corpo

O corpo é o instrumento do qual nos utilizamos cotidianamente em todos os

nossos movimentos de vida. Entre o corpo que nos é dado biologicamente e o corpo

cultural que produzimos ou construímos, acaba sendo, esse nosso corpo, o

resultado dessa interação social na qual nos inserimos, sofrendo as demandas de

cada época.

A bíblia coloca o corpo como uma igreja, e como tal, ele deve funcionar

articuladamente. Assim, “o corpo não é feito de um só membro, mas de muitos” (I

Cor, 12: 14). Essa analogia a igreja como corpo se estende ao coletivo, pois “se um

membro sofre, todos os membros participaram do seu sofrimento; se um membro é

honrado, todos os membros participam de sua alegria” (I Cor,12:26). De modo que

corpo é visto como um elemento em que as partes se articulam entre si, para dar

forma o todo. Em Salmos 139:13-14 é dito: “Pois tu formaste os meus rins; e tu me

teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvarei, porque de um modo tão admirável e

maravilhoso fui formado; maravilhosas são as tuas obras, e a minha alma o sabe

muito bem”. Essa máxima coloca em Deus o poder da criação e na igreja a função

materna. Notadamente as interpretações variam de acordo com a crença de cada

religião. O fato é que o corpo instituição ou corpo orgânico (físico) é sempre um

conjunto de membros articulados. È um organismo vivo a ser cuidado.

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No Brasil colonial o corpo como personalidade física, sobretudo o feminino, era

visto como uma propriedade do macho, contrariando a formação cristã4 de que um

pertenceria ao outro, faz do homem o dono de seu próprio corpo e do corpo de sua

companheira, que para se preservar deveria ficar sob o teto, dentro das paredes de

suas casas e jamais na rua, pois rua seria lugar do homem (DAMATA, 1997).

Da Rosa, (2004) tratando o corpo nas articulações de gênero e juventude

o põe como um corpo-correio, corpo-recado. Pensa, ela, um corpo-outdoor:

Jovens estudantes utilizam seus corpos como se fossem páginas ampliadas de suas agendas, como espaços de conversação, de marcas, registros, adesivos, tatuagens, desenhos, pinturas, marcação de compromissos, partes rasgadas, visibilidades, insinuações, segredos ou exibicionismos. Telas criadoras, espaços de inventabilidade, letras que falam, tintas que respiram, cabelos que tramam, dançam, tendo como endereço possibilidades de relação e de comunicação com as outras pessoas.. (MEYER e SOARES, 2004, p.18)

Esse mesmo corpo segundo Foucault (1998) citado por Schwengber

(2004, p.75) é “a superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto a linguagem

os marca e as palavras os dissolvem), lugar de dissociação do eu (que supõe a

quimera de uma unidade substancial); volume em perpétua pulverização”. O nosso

corpo constrói conhecimentos, faz escolhas e se inscreve como corpo na

convivência, na relação, na interação com o outro, trata-se então de um corpo

relacional. Mas um corpo também necessário por estabelecer relações. Afirma

Andrade ( 2004) :

Através de uma rede de saberes em que o corpo se insere, se estabelece, sempre, novas relações de poder e estas relações vão posicionando os sujeitos de modos diferenciados no espectro social. Estes saberes não dizem apenas sobre o corpo, mas dizem também sobre a sexualidade das pessoas, sobre os modos de ser homem ou mulher, branco ou negro, jovem, adulto ou velho. (MEYER e SOARES,2004, p.107)

O homem é sujeito social que se constitui a partir da consciência crítica,

tornando-se agente ativo ou passivo na sociedade nesse formato relacional.

Enquanto gênero, homem e mulher, foram receptores de condições adversas e

tornaram-se, historicamente, opressor e oprimido respectivamente, uma relação

4 O texto bíblico apresenta o corpo de um como uma propriedade do outro: “A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no o marido; e também da mesma maneira o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no a mulher” (I Cor, 7:4)

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muito mais de desconstrução desses seres, que contrariamente a uma relação

paritária, fundamentou-se numa convivência de sujeição/submissão em que o

feminino foi cristalizado. Desta forma, trilhamos, secularmente, por caminhos

tortuosos e amargos, especificamente para o gênero feminino. Ao homem coube o

comando, a ela a submissão.

Contrapondo-se a isso algumas mulheres se rebelaram, dentre as quais,

aponta a literatura histórica, Lilith. O livro de Cida Pedrosa ‘As filhas de lilith” mostra

mulheres que também não aceitam a condição de submissão e se rebelam, pelo

corpo, buscando os sonhos, evocando os desejos, manifestando pensamentos. A

forma poética dada a voz feminina não diminui o teor dessa construção social

fragmentada, ao contrário, reforça a angustia por que passou, o “sexo frágil”. A

fragilidade vencida e buscada traduz a força que detemos histórica e poeticamente

de mulher para mulheres.

Ao mesmo tempo a contemporaneidade nos põe em xeque-mate quanto

ao uso desse mesmo corpo nas relações sexuais, até então reprimidas. Assim,

pensamos que a poesia como uma das mais antigas expressões humanas é

também elemento de interação nesse processo de reconstrução social pelo qual

passamos enquanto seres que raciocinam criticamente.

A relação corpo e mente entra, no século XXI, em uma nova dinâmica de

reconstrução dos elos sociais e individuais femininos, pois é:

inegável o valor que tem representado o corpo no papel de marcador de identidades e representações identitárias na contemporaneidade, notadamente o corpo feminino que ocupa ainda hoje um lugar de destaque na indústria cultural, seja da moda, cinematográfica, publicitária ou literária. (…) A própria sociedade ainda não conseguiu constituir uma representação de mulher, seja pela ótica feminina ou pela masculina que superasse as limitações dos papéis sociais a ela designados e que ainda hoje persistem como representações do corpo feminino. O corpo para o sexo, a maternidade e o trabalho doméstico.(HEYER, 2000,p. 02) .

Pensar esse corpo livre dos apelos da sociedade, ou mais

especificamente um corpo organismo integrado distanciado dos apelos do consumo

desmedido, um corpo parte de tantos outros corpos (instituições), é pensar um corpo

voltado para a organicidade de sua complexidade, por si, já carregada de

significados. Ao homem ou a mulher, preservar seu próprio corpo é preservar sua 5

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identidade, seu RG, como instrumento de viver bem, um corpo também

bioenergético.

O corpo em equilíbrio

Para o psicólogo Alexander Lowen (1998) corpo e mente agem como uma

unidade no funcionamento desse mesmo corpo, assim, a mente influencia o corpo,

e este, claro, afeta o pensamento e os processos mentais. Assim, ele afirma

(1998,p. 10):

Mente influencia corpo e corpo influencia mente; é possível mudar o corpo pela influencia mental, mas essa mudança é temporária. Entretanto, trabalhar diretamente as funções do corpo como respiração, movimentação, percepção sensorial e autoexpressão surte um efeito imediato e duradouro sobre a atitude mental da pessoa.

As manifestações do corpo se espalham em neuroses orgânicas e

emocionais como, dor, tristeza, medo, inveja ou alegria, amor, compaixão, bem

estar. Os cuidados com o corpo, segundo Alves (2007a, p. 13), requer, por exemplo

os cuidados respiratórios pois “respirar bem, livre e profundamente, amplia a

oxigenação das nossas células, amplia a circulação sanguínea e facilita o

relacionamento entre nossos órgãos internos”. O respirar se processa em quatro

tempos: inspiração, pausa, expiração, pausa. Trabalhar a respiração é importante

para lidarmos melhor com o corpo, organismo essencial a vida. A bioenergética

desenvolvida por Lowen (1998) é vista como forma de compreender a personalidade

em função do corpo e de sua energia. É uma terapia que pensa o corpo e a mente

na compreensão dos problemas emocionais potencializando as ações do ser

humano para a alegria de viver.

A teoria fundamental da análise Bioenergética é a da identidade funcional e a antítese de mente e corpo – de processos psicológicos e físicos. Funcional refere-se ao fato de que corpo e mente agem como uma unidade no funcionamento do corpo, e são uma unidade no nível profundo dos processos. A antítese reflete-se no fato de que na superfície a mente pode influenciar o corpo, e este, claro, afeta o pensamento e os processos mentais. (LOWEN, 1998, p10)

Assim, pelo corpo e para o corpo, vivemos em busca do equilíbrio buscando a simbiose total do corpo com a mente.

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As filhas de Lilith: o corpo no corpo

Para efeito deste artigo veremos o corpo feminino e suas manifestações

de dor e de alegria nos poemas do livro de Cida Pedrosa. Para objeto de estudo,

definimos sete poemas: berenice, diana, khady, patrícia, quilma, tereza e zenaide,

que serão analisados a partir da relação do corpo no corpo, posto que “cada poema

em lilith é uma decisão de um tema e cada nome é a procura de uma face. Em cada

poema uma discussão é acesa, um mundo revelado” (CALADO, 2011, p. 11). A

procura, dessa face, em cada nome, nos encaminha ao entendimento de que as

mulheres de cida pedrosa assim como as mulheres reais são donas de um

vocábulo, que as nomeiam. Esses nomes “possuem ‘alma’, sentido ou significado, e

‘corpo’ ou significante, que é na linguagem falada, o som, e na linguagem gráfica a

escrita” (GUÉRIOS, 1981, p.15). Alguns nomes guardam os sentidos de origem,

outros se petrificaram, ganhando, muitas vezes, outros significados.

No presente estudo, focalizamos as mulheres da literatura sem desconsiderar a

constituição da realidade, embora nosso universo seja de verossimilhança.

Entendemos a literatura como a arte viva e permanente dos homens, pois :

A literatura é uma necessidade universal das sociedades humanas. Constitui-se em um bem indispensável e é um direito de todo ser humano. É um instrumento de luta pelos direitos humanos, inclusive um meio de denúncia contra sua negação. (CALADO, 2011, p. 01)

Em As filhas de lilith, o corpo da mulher vê-se ainda limitado e sem os

cuidados de que precisa para consigo mesmo. Esse corpo literário aponta também

para uma mulher, também literária, que se forma na cotidianidade em diversos

espaços. Ela nos põe no meio do conflito tornando-o próximo de nossas

experiências. Eis que:

A poesia de Cida Pedrosa é escrita sob o olhar de quem está no interior do espaço analisado, uma visão mestra das cenas e dos sentimentos, que, ao mesmo tempo em que apresenta o particular, constrói o universal através da exposição da paisagem urbana, o litoral, o cotidiano e o sertão (CALADO, 2011, p. 04)

Esse espaço transfigura-se e se inverte, e essa mulher torna-se, à vezes,

refém de um sistema competitivo no qual está sempre as voltas para cumprir os

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ditames da sociedade. Vejamos em diana, nome de origem latina, que significa “a

brilhante, a divina” o resultado desse processo corporal:

o espelho sempre engana diana/o jogo de luz e sombra/não camufla mais ninguém/em busca da próxima dieta/a moça se enche de revistas e terapias alternativas/o corpo sua /afina/embranquece/a sopa a lua os brócolis a proteína o shake/a balança a fita métrica o manequim/uma após outra refeição/a moça mapeia a casa em idas e vindas ao banheiro/o espelho sempre engana diana/e um ruminar de ossos se instala no corredor. (PEDROSA, 1997, p. 23).

O forte apelo capitalista de consumo pelo consumo, em cujo seio o

homem está encravado numa educação patriarcal se deleita como ser superior de

sua parceira fazendo-a objeto de sua própria relação e põe em xeque o tempo da

contradição pois apelamos para o culto do corpo em que beleza e perfeição são

fundamentais, (e nos individualizamos) ao mesmo tempo em que seguimos nossas

próprias orientações sexuais , mas ainda nos deixamos sem respiração e sem

cuidados para com o nosso corpo, uma vez que nos desenraizamos da terra, da

origem. No poema, diana busca a perfeição do corpo, descuidando deste mesmo

corpo. Também zenaide descendente e consagrada a Zeus, cultiva o corpo, ela

porém, sofre as agruras da vida, passa por processo de envelhecimento natural para

chegar a recuperação da forma perfeita, ao contrário de diana que quase menina, se

vê deflagrada pela ideia de culto a forma. Assim:

em junho, de 1964/zenaide fez 20 anos/Olhou-se no espelho/E viu-se pronta pra casar/Resolveu fazer o enxoval/E pôs-se a procurar marido/decidida /subiu a escada rolante da Mesbla/e dividiu em 12 suaves prestações/o seu conjunto de panelas rochedo/[…]em junho de 2004/zenaide faz 60 anos/olhou-se no espelho/e viu-se pronta para a terceira plástica/decidida/subiu o elevador do hospital são Tomé/e dividiu em 12 suaves prestações/o levantamento de bumbum o minilifting de pescoço/e marcou para o dia seguinte a aplicação de botox. (PEDROSA, 2009, p. 79).

A bioenergética de Lowen volta-se para o trabalho com regiões de corpo

que se enrijecem pela repressão. Um das partes trabalhadas é justamente a região

pélvica. Nessa área do corpo descarregamos muitas tensões, assim como

contrariamente buscamos o prazer. A berenice de Cida Pedrosa retrata bem essa

vivência. Vejamos, do grego comum, berenice a portadora da vitória:

de costas/ berenice se põe para o desejo/animal de quatro patas/exposto ao pássaro/ e ao sabor das asas/ a bunda em arco/ se

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abre em pétalas/e expõe o sumo ao beija-flor/de costas/berenice se põe para o desejo/ E espera o adentrar do pássaro/e os auspícios da lua. (PEDROSA, 2009, p. 19)

Quando berenice se põe em arco5, se põe para a liberdade de escolha e

também para o desejo. O arco proporciona a berenice o contato consigo mesma e a

busca pela harmonia do seu corpo, par ao gozo. Ao mesmo tempo em que se abre

em pétalas para o outro, ela, ao sabor das asas, também se entrega, sem pudor, a si

e ao mundo. Berenice é conquista, pois, assim foi constituída, vencendo o

pensamento misógino, ou seja a aversão ao comportamento feminino, uma vez que:

O pensamento misógino frequentemente encontrou uma auto-justificativa conveniente para a posição social secundária das mulheres ao contê-las no interior de corpos que são representados, até construídos, como frágeis, imperfeitos, desregrados, não confiáveis, sujeitos a várias intrusões que estão fora do controle consciente. A sexualidade feminina e os poderes de reprodução das mulheres são as características (culturais) definidoras das mulheres e, ao mesmo tempo, essas mesmas funções tornam a mulher vulnerável, necessitando de proteção ou de tratamento especial, conforme foi variadamente prescrito pelo patriarcado. (GROSZ, 2000,p.67)

E esse mesmo patriarcado fez quilma, aquela que gosta de viver, aprender a

usar o corpo para o enfrentamento de questões de etnia e condição social.

aprendeu desde cedo/que saia rodada/ajuda a ganhar confiança e homem/aprendeu logo/a empinar a bunda/estufar os peitos e dar/risada na hora certa/que a cor da pele/é cartão postal/e a textura dos pelos/faz diferença no lençol de linho/aprendeu que cada/incorreção do corpo/ou desfavorecimento da natureza/pode ser usado a seu favor/depende da imaginação ou do álcool/que o vermelho e o roxo/combinam com o ébano da pele/e o desejo gira com a saia/e o gingado/quilma aprendeu desde cedo/que as cores apartam os homens/e o ventre das mulheres são pontes/impostas a ferro e desejo. (PEDROSA, 2009, p.57)

Talvez quilma tenha, em suas limitações, desenvolvido o carater

narcisista, uma vez que o corpo passa a ser seu objeto de sedução e mesmo de

5 O arco é um exercício bioenergético em que a pessoa fica de pé com os pés separados. Coloca os punhos fechados com os polegares voltados para cima, na linha da cintura. Dobra os joelhos tanto quanto puder sem levantar os calcanhares do chão. Arqueia-se para trás, dobrando os punhos,colocando o peso do corpo sobre o peito dos pés. Respira profundamente. Em seguida, vai voltando ao exercício anterior, lentamente e preparando o corpo para a vibração.

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sobrevivência. Ela é a própria sedução. Ela é para si mesmo a fonte da beleza e seu

corpo apenas um instrumento de si mesma.

Essa mesma condição fez Khady, a africana mutilada, emprestar seu

nome a outra Khady que também mutilada e ferida, ver seu corpo como objeto de

um ritual danoso:

desde criança/uma pergunta lhe ronda a língua/por que deus se preocupa tanto/com o que as mulheres carregam entre as pernas/nem bem os pelos nasceram/levaram-na mata a dentro/e dor afora/ a morada de Venus/foi cortada para o bem de toda a tribo/e a felicidade da fé/no lugar do amor/um espinho foi cravado/e no sangue de donzela/foram jogadas cinzas/excisão no corpo/de alma já infibulada/a fé de Khady é a dor/e o rastro de deus é uma fístula/que de vez em quando parte em transumância/rumo ao ocidente. (PEDROSA, 2009, p.39)

Que Deus seria esse que nos forçaria ao sofrimento e a mutilação do corpo em

nome de uma crença, tratada conforme as nuanças, nada sutis, do macho e suas

respectivas sociedades. Khady tem sua genitália castrada para não ter prazer. É seu

corpo que sofre a dor de uma escolha que não foi sua.

Khady representa a repressão social da sexualidade feminina. Constrói a negação do prazer e a dor da prática brutal da excisão, na África. A face de khady é escrita em homenagem à modelo de mesmo nome, que teve o clitóris cortado e montou uma ONG que discute a excisão em todo o mundo, combatendo essa prática. (Calado, 2011, p.13)

Diferentemente de patrícia, a conterrânea, que opta por ser mãe, que pare, que

curte as dondoquices domésticas, mas se perde ao ver seus filhos fazendo uso do

corpo usando-os com outdoor, expondo objetos, divulgando ideologias, tomando

posição de uma sexualidade contrária a sua, ou se rebelando em relação as

escolhas de vida:

(…)patrícia é especialista em filhos/mas não sabe o que fazer com o piercing que jéssica/pôs nos grandes lábios/o amor de marina por felipa/e a decisão de victor júnior não seguir a carreira do pai/junto à empresa vitorvitória. (PEDROSA, 2009,p.55)

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Vê-se em patrícia, a mulher da pátria, do lar, a boa condutora das relações

interpessoais domésticas, se perde entre a casa e a rua por não saber lidar com

esses dois únicos mundos da contemporaneidade.

Tereza, a mulher nascida na ilha de Therásia no mar Egeu, paga com o corpo

pela alegria de amar Geraldo:

mãos enormes/as de Geraldo/tão grandes que não cabem/no corpo magro de tereza/quando se casaram/tinham planos de comprar uma casa/de varanda/e passar uma semana em bariloche/neste tempo os peitos de Tereza/cabiam inteiros nas mãos de geraldo/ mãos enormes/ as de geraldo/tão grandes que se espremem nas algemas/e não podem mais acenar para tereza/que nesta hora é conduzida/no carro do IML/para exame de corpo e delito,sob suspeita de estrangulamento/(PEDROSA, 2009,p. 63)

Vale lembrar que a relação homem mulher, no Brasil colônia, foi estabelecida

os moldes europeus de então, no modelo patriarcal em que

Além da oposição macho/fêmea corresponder ao dualismo mente/corpo, a corporalidade feminina, sempre mais frágil e vulnerável, é usada para justificar as desigualdades sociais; a vinculação da feminilidade ao corpo e da masculinidade à mente restringe o campo de ação das mulheres, que acabam confinadas às exigências biológicas da reprodução, deixando aos homens o campo do conhecimento e do saber (GROSZ, 2000 ,p.67)

Ainda é tereza que aponta para a sujeição da mulher que acaba sendo vítima

da relações com seus parceiros:

a sujeição da mulher à espécie, os limites de suas capacidades individuais são fatos de extrema importância; o corpo da mulher é um dos elementos essenciais da situação que ela ocupa neste mundo. Mas não é ele tampouco que basta para a definir. Ele só tem realidade vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no seio de uma sociedade; a biologia não basta para fornecer uma resposta à pergunta que nos preocupa: por que a mulher é o Outro? Trata-se de saber como a natureza foi nela revista através da história; trata-se de saber o que a humanidade fez da fêmea humana. (BEAUVOIR, 1980, p.57)

Nesta fase de sujeição, a mulher se apresenta com carateres orais6. Ela

se comporta a partir da necessidade de ser encaminhada,direcionada. Essa não é

uma atitude em sua maioria consciente. A mulher, a partir da repressão sofrida, age

6 Alexander Lowen apresenta os carateres de oralidade, esquizóide, psicopatia, masoquista e narcisista como parte do comportamento humano.

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naturalmente, como se essa fosse a melhor forma de viver. Nessa etapa ela age

“com muita dependência (…) numa postura de receber e esperando pela orientação,

permissão, atenção” (ALVES, 2007b, p. 50). Fica evidente que essa fêmea ou alma

feminina se transveste ora em sedutora, ora em submissa e se sujeita as crueldades

até poder reagir e se tornar dona de si. À mulher sempre foi,através dos tempos,

demandado ser doméstica e manter-se linda para o homem, para a sedução e para

a conquista. Enfim:

A “subjetividade corporificada” ou “corporalidade psíquica” da mulher, representada nos textos de autoria feminina, se inscreve no contexto social de forma variada, o que nos permite o estabelecimento de uma tipologia, agrupando as personagens femininas em torno dos vários tipos de representação (XAVIER,2000,p. 03).

Nessa forma social de ser, a mulher põe em alerta sua subjetividade, seu

corpo, seu nome e sua coragem para se autorepresentar e se fazer existir em toda a

sua potencialidade.

As Considerações Finais

A partir da construção literária a mulher aqui se mostra com toda a carga

de coragem para o enfrentamento de sua trajetória, saindo da sujeição total, para a

busca de um novo jeito de ser e de viver. Ela usa seu corpo para se definir cada vez

mais mulher. As filhas de lilith, mulheres verossímeis, são apenas estereótipos de

mulheres reais, e se encontram em estado de graça, porque se fizeram autênticas. A

literatura, arte da palavra, é também um instrumento corpóreo, com o qual lidamos

para a o enfrentamento e compreensão do mundo.

A experiência de lidar com o corpo real ou literário é instigante e nos faz

pensar que é possível reinventar a vida, vencer os traumas, buscar alternativas para

a construção desse ser mulher. A poesia também vista como um corpo

imaginário/imagético é recurso para a compreensão do mundo em sua diversas

possibilidades. Assim, a exposição das filhas de lilith, nesse artigo, nos remete e nos

permite ir em busca cada vez mais da identidade feminina, na literatura.

Antes de afastar-me do leitor,deixo aqui o relato de uma experiência:

Leitura Público. Esta refere-se à leitura de rosto escondido, uma técnica a mais de

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formação de leitores que evidencia a importância da leitura. Foi trazida para

Pernambuco pelo instituto Ecofuturo e pela ONG Pingo é letra, ambos de São Paulo.

Constitui-se numa forma diferenciada de ler para atrair o leitor. Através de

marcações internas dá-se o tom da voz, ao texto. As páginas do livro são

trabalhadas com a re-escrita do texto na contracapa e fortalecidas com papelão para

o manuseio da obra nas mãos do promotor de leitura que fica de rosto escondido. É

uma técnica francesa desenvolvida pela La Voie des livres7. Nossa experiência

aconteceu dentro do projeto Primavera Ler é preciso, do Instituto Ecofuturo8 em

parceria com a ONG, pingo é Letra, nos anos de 2006, com o leitor público Marck

Roger, criador da técnica.

A leitura em voz alta é feita para adultos, adolescentes, crianças e idosos

oferecendo à escuta de relatos, contos, poemas, e trechos de contos ou romances,

aos leitores. É uma forma de oferecer faíscas que provoquem curiosidade e

interesse pela leitura. Daí, ica aqui registrada a minha intenção de provocar uma

inquietante curiosidade: poderíamos aliar a fala dos poemas com movimentos

bioenergéticos/corporais, oportunizando vivências e experiências mobilizadoras de

emoções? Este, talvez, seja um caminho a percorrer.

Referências

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BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Trad. Sergio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980. 2v

7 Via dos livros - Companhia francesa de leitores públicos. 8 É uma OSCIP cuja missão é promover a integração entre homem e natureza por meio da educação ambiental. Apresentou projeto ao MEC e colaborou para que o dia 12 de outubro fosse decretado o dia nacional da leitura. O instituto tem sede em São Paulo.

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