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A teoria do duplo controle: O controle de Constitucionalidade e o controle de Convencionalidade. A preservação da supremacia constitucional exige que os atos normativos produzidos estejam em conformidade com a Constituição Federal de 1988, e, por isso, no Brasil ocorre o chamado controle interno de constitucionalidade e, acontece pelo meio difuso, concentrado (ADI, ADC, ADO e ADPF) e de legalidade. Com a emenda constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, aprovados por três quintos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, passaram a ser equivalentes às emendas constitucionais (CF, art. 5.º, § 3.º), e, por via de consequência, passaram a serem também utilizados como parâmetro de controle de constitucionalidade. A Constituição Federal de 1988 deixou de ser o único paradigma de controle de normas de direito interno. Além do texto constitucional, também são paradigma de controle da produção normativa doméstica os tratados internacionais de direitos humanos (controle Difuso e Concentrado de Convencionalidade), bem assim os instrumentos internacionais comuns (controle de supralegalidade). Com a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal no HC 87.685-TO e RE 466.343-SP em 03.12.2008, a Corte Suprema reconheceu que os demais tratados de direitos humanos que não tenham sido aprovados pelo quórum qualificado da Casa Legislativa (art. 5º, §3º, da CF/88), possuem caráter supralegal, ou seja, valem mais do que as leis e menos que a Constituição, sendo referência apenas para controle difuso e de legalidade. Podemos, então, concluir que as leis contam com um Duplo Limite Vertical Material: a) a Constituição Federal e os Tratados de Direitos Humanos aprovados com quórum especial (1º limite); e 1

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Page 1: Artigo_Controle de Convencionalidade

A teoria do duplo controle:

O controle de Constitucionalidade e o controle de Convencionalidade.

A preservação da supremacia constitucional exige que os atos normativos produzidos estejam em conformidade com a Constituição Federal de 1988, e, por isso, no Brasil ocorre o chamado controle interno de constitucionalidade e, acontece pelo meio difuso, concentrado (ADI, ADC, ADO e ADPF) e de legalidade.

Com a emenda constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, aprovados por três quintos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, passaram a ser equivalentes às emendas constitucionais (CF, art. 5.º, § 3.º), e, por via de consequência, passaram a serem também utilizados como parâmetro de controle de constitucionalidade.

A Constituição Federal de 1988 deixou de ser o único paradigma de controle de normas de direito interno. Além do texto constitucional, também são paradigma de controle da produção normativa doméstica os tratados internacionais de direitos humanos (controle Difuso e Concentrado de Convencionalidade), bem assim os instrumentos internacionais comuns (controle de supralegalidade).

Com a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal no HC 87.685-TO e RE 466.343-SP em 03.12.2008, a Corte Suprema reconheceu que os demais tratados de direitos humanos que não tenham sido aprovados pelo quórum qualificado da Casa Legislativa (art. 5º, §3º, da CF/88), possuem caráter supralegal, ou seja, valem mais do que as leis e menos que a Constituição, sendo referência apenas para controle difuso e de legalidade.

Podemos, então, concluir que as leis contam com um Duplo Limite Vertical Material:

a) a Constituição Federal e os Tratados de Direitos Humanos aprovados com quórum especial (1º limite); e

b) os demais tratados internacionais comuns em vigor no país (2º limite).

Esse novo parâmetro utilizado para controle de constitucionalidade, ou seja, os tratados de direitos humanos, o professor doutor Valério MAZZUOLI denominou de “Controle de Convencionalidade”, nome objeto de sua tese de doutoramento (sustentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, em 2008), mas explicou, na ocasião, que quem fez referência pela primeira vez a esse controle foi o Conselho Constitucional Francês em 1975.

Portanto, o direito interno brasileiro está integrado com um novo tipo de controle das normas infraconstitucionais, que é o controle de Convencionalidade, ou seja, obediência as convenções de direitos humanos que o Brasil seja signatário.

No âmbito externo, ou seja, no plano internacional, possuímos a Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Comissão Interamericana que também realizam o controle e fiscalização das normas internas em face dos tratados de direito humanos, como principalmente em referência ao Pacto de San José da Costa Rica, de 1969. Essas Cortes Internacionais pertencem ao Sistema Regional de Proteção de Direitos Humanos que o Brasil está inserido.

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Page 2: Artigo_Controle de Convencionalidade

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui a função principal de promover a observância, a defesa e a promoção dos Direitos Humanos, mas ela não possui função jurisdicional, somente recebe as denúncias de violações que lhe são apresentadas pelas vítimas ou por quaisquer pessoas ou organizações não governamentais, contra atos que violam os direitos fundamentais por parte dos Estados signatários dos tratados. Dizem os autores, que a função da Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui uma função semelhante à autuação do Ministério Público, ou seja, de fiscalizador das “normas de direitos humanos”, que no caso são os Tratados de direitos humanos.

Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão jurisdicional do Sistema Interamericano, previsto nos arts. 52 a 73 do Pacto de San José da Costa Rica. Trata-se de um Tribunal composto por sete juízes nacionais dos Estados-membros da OEA.

A Corte tem uma competência judicante e consultiva, e no exercício de sua jurisdição tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e à aplicação das disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos desde que os Estados-partes, no caso, tenham reconhecido a sua competência.

O Brasil reconheceu a competência obrigatória da Corte Interamericana por meio do Decreto n. 4.463/2002, mas com algumas restrições, pois somente abrange os fatos ocorridos após 10.12.1998, data em que a Declaração de Reconhecimento da Competência obrigatória foi depositada na Secretaria-Geral da OEA.

Ademais, a Corte Interamericana somente pode ser provocada pelos Estados partes e pela própria Comissão e, além disso, apenas poderá conhecer de qualquer caso após esgotadas a fase preliminar de admissibilidade, a instrução do caso e a tentativa de solução amistosa perante a Comissão, com a expedição de seu relatório nos termos do art. 50 da Convenção.

Quando um “caso”, ou seja, o fato delituoso em afronta os Tratados de Direitos Humanos, é levado a Corte Interamericana ocorre um verdadeiro mecanismo de julgamento internacional, sendo necessário que se identifique o fato ilícito, a relação causal entre a conduta imputável ao Estado e o resultado lesivo (elementos da responsabilidade internacional do Estado), bem como se determine o dever de reparação (consequência da responsabilidade internacional do Estado.

A Corte Interamericana entende que o controle de Convencionalidade não é restrito às normas infraconstitucionais, mas também as normas constitucionais, e qualquer outro ato normativo interno, como lei, decreto, regulamento, ou até mesmo as decisões judiciais.

De um outro lado, temos as decisões do Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição Federal de 1998 e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF 153 (controle abstrato de constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu que a anistia aos agentes da ditadura militar é a interpretação adequada da Lei da Anistia e esse formato amplo de anistia é que foi recepcionado pela nova ordem constitucional.

E a Corte Interamericana é guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser conexos. Exercendo, então, o controle de Convencionalidade. Para a Corte Interamericana o Supremo Tribunal Federal deverá rever a Lei de Anistia e julgá-la nula, por Inconvencionalidade, ou seja, por sua incompatibilidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

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Page 3: Artigo_Controle de Convencionalidade

O Supremo Tribunal Federal tem a última palavra sobre o Controle de Constitucionalidade, mas não em relação ao Controle de Convencionalidade, ou seja, à análise de compatibilidade entre a Lei de Anistia e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Essa análise é papel não apenas dos tribunais internos, mas também da Corte Interamericana que, neste ponto, é a intérprete última e definitiva.

A Corte Interamericana, por sua vez, posteriormente ao Supremo Tribunal Federal, decidiu que a Lei de Anistia, no tocante ao perdão de crimes que violam normas do Direito Internacional, é nula de pleno direito por serem incompatíveis com as Convenções Internacionais.

No caso da ADPF 153, houve o controle de constitucionalidade. No caso Gomes Lund, houve o Controle de Convencionalidade, pois a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, após 13 anos de processamento interno da petição dos familiares das vítimas processou o Brasil em 26 de março de 2009, invocando, ao seu favor (entre outros argumentos), a copiosa jurisprudência daquela Corte contrária às leis de anistia e favorável ao dever de investigação, persecução e punição penal dos violadores bárbaros de direitos humanos.

Como o objeto da ADPF 153 era totalmente abrangido pelo objeto da ação de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos da Comissão, os Ministros não suspenderam o julgamento e adotaram uma decisão contrária à decisão da Corte Interamericana.

Como o processo perante a Corte Interamericana estava em curso, e a ADPF 153 foi julgada improcedente por maioria de votos, o Brasil imediatamente peticionou perante a Corte IDH arguindo a existência de uma decisão da mais Alta Corte brasileira e que o Brasil somente reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998 e, em sua declaração, indicou que a Corte só teria competência para os “fatos posteriores” a esse reconhecimento, ou seja, o Brasil, tem sempre um jeitinho “brasileiro” de resolução de seus conflitos.

Assim, não há dúvidas de que a sentença da Corte Interamericana é obrigatória, pois o Brasil, reconheceu a sua competência contenciosa, assumindo o compromisso internacional de cumprir as decisões desse tribunal, as quais são definitivas e inapeláveis. Uma vez que a ratificação da convenção e o reconhecimento da competência da Corte Interamericana decorrem de um ato de vontade soberana do Estado, que é livre para aderir ou não a esses instrumentos, não é possível falar em afronta à soberania nacional em razão da obrigatoriedade do cumprimento da sentença.

O Brasil não pode alegar motivos de âmbito interno para descumprir um compromisso internacional. Nesse sentido, a Convenção Americana equivale a uma Constituição supranacional em matéria de direitos humanos. As obrigações convencionais dos estados-partes vinculam todos os seus poderes e órgãos, que devem garantir a observância da convenção no plano interno.

Assim, ao mesmo tempo em que se respeitar a decisão de constitucionalidade do STF e a decisão de Convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Todo ato interno, não importa a natureza ou origem, devem obediência as duas decisões. Caso a decisão do controle interno viole os direitos humanos, deve o Estado envidar todos os esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados.

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