artigo_a revolução na mecânica aplicada - j tinsley oden
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8/16/2019 Artigo_A Revolução Na Mecânica Aplicada - J Tinsley Oden
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A Revolução na Mecânica Aplicada
J. Tinsley Oden
Universidade do Texas em Austin
(texto do discurso proferido na cerimônia de condecoração com a medalha Timoshenko
concedida no jantar da Divisão de Mecânica Aplicada da ASME no CongressoInternacional de Engenharia Mecânica (IMECE), publicado na Applied Mechanics
Newsletter em seu número do verão de 1997)
A Divisão de Mecânica Aplicada da ASME estabeleceu a medalha Timoshenko
em 1957 para reconhecer o mérito de trabalhos na área. O primeiro condecorado com ela
foi o próprio Stephen P. Timoshenko, um indivíduo que contribuiu enormemente para o
prestígio e a vitalidade da mecânica neste país e uma legenda que eu, como jovem
estudante em mecânica, olhava como um herói especial, uma pessoa a ser admirada e
imitada. Ser honrado com a Medalha Timoshenko pela AMD é para mim um evento
muito especial pelo qual eu serei eternamente grato. Eu vou dar o melhor de mim para
portá-la no nível da honra deste prêmio e para manter o alto padrão exemplificado pelos
que a receberam antes de mim.
Eu começo esta apresentação com a observação um tanto conspícua de que,
durante minha carreira em mecânica aplicada, uma revolução especial ocorreu, que
mudou para sempre a área e que vai afetar permanentemente a maneira como toda a
ciência é feita. Falo, é claro, do surgimento do computador: a computação acrescentou
um pilar aos dois clássicos pilares do método científico, teoria e experimento, um pilar
que abrange os dois tradicionais mas que os expande de formas nunca sonhadas nos dias
de Timoshenko.
Antes de eu comentar mais esta revolução e meu papel nela eu vou, primeiramente, como é costume nestes eventos, falar de alguns fatos pessoais que
traçaram os caminhos que me trouxeram até aqui. Quando eu era jovem, uma pneumonia
me deixou um ano atrasado na escola. Quando cheguei à Universidade, eu prometi a mim
mesmo recuperar o tempo perdido e, então, terminei um curso de cinco anos (154 horas
semestrais) em três e um Ph.D. em mais três. Com vinte e cinco anos eu comecei uma
carreira em pesquisa em mecânica e engenharia de computação. Minha iniciação no lado
computacional moderno da engenharia aconteceu no início dos anos 60. De posse de
um recente diploma de Ph.D. em mecânica da engenharia tradicional da Oklahoma State,
eu entrei para a divisão de Pesquisa e Desenvolvimento da General Dynamics, em Fort
Worth, em 1963, onde fui trabalhar com Gilber C. Best no desenvolvimento de um
programa de computador baseado no método dos elementos finitos, uma nova tecnologia
promissora que GD pensava ser útil na análise e projeto de estruturas aeronáuticas.
Trabalhar com Gil era uma honra que poucos tinham na "fábrica do bombardeiro." Um
auto didata com inteligência superior, ele silenciosamente me introduziu no seu trabalho
no grande projeto que, nós pensávamos, revolucionaria a mecânica estrutural na
companhia. Apesar de ambos termos no início apenas parcos conhecimentos de
FORTRAN, nos lançamos num projeto que hoje eu não começaria sem uma equipe de
dez ou mais colaboradores, com Ph.D.s em três ou quatro áreas diferentes. Em cerca de
dez meses, trabalhando longas horas, desenvolvemos o C-28, um dos primeiros
programas de elementos finitos de uso geral desenvolvidos na indústria aeronáutica nos
anos 60. Foi um teste de fogo; trabalhando muitas horas cada semana, nósdesenvolvemos um catálogo de elementos finitos para placas, cascas, corpos
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O mecânico da engenharia de sucesso ("engineering mechanician"), nos nossos
dias, deve ter um conhecimento mais fundamental da mecânica básica do que seus
predecessores. Hoje, os engenheiros devem compreender e lidar com os conceitos
fundamentais de cinemática, deformação, tensão, escoamento, camada limite,
recirculação, comportamento de materiais, efeitos térmicos, etc.; e devem ter o
ferramental matemático para caracterizar e lidar com estes conceitos para construiraproximações numéricas confiáveis. Portanto, a computação, esta nova ferramenta, nos
forçou a desenvolver uma idéia mais clara e melhor dos processos que precisamos
utilizar para fazer mecânica. A teoria do comportamento mecânico dos sólidos e fluidos
provê a base para o desenvolvimento de modelos matemáticos e a compreensão das
propriedades qualitativas destes modelos e de sua aproximação numérica exerceu,
compreensivelmente, uma maior demanda no nosso uso da matemática e, talvez
surpreendentemente, aumentou, ao invés de diminuir, a necessidade de uma matemática
mais aprofundada e de uma maior obediência ao rigor matemático.
Timoshenko freqüentemente pregava a importância da matemática como um fio
entrelaçado, inseparável do tecido da mecânica. Seu trabalho demonstrou muitas vezes a
interconexão da modelagem matemática de eventos mecânicos com o uso da matemática,
não apenas como linguagem para comunicar o pensamento científico, mas também como
um guia para experimentos físicos para a medida do comportamento dos corpos
materiais sob a ação de forças.
Em minha própria experiência, a matemática transcendeu o seu papel clássico de
mera linguagem usada para descrever modelos da natureza, emergindo de um modo
quase espiritual, que dá um "insight" das próprias regras que a natureza impõe na
maneira como os eventos físicos ocorrem. Eu experimentei este fenômeno muitas vezes;
fico constantemente impressionado com ele, mas acho difícil explicá-lo ou racionalizá-lo.
Como podem estes eventos físicos que se manifestam à nossa volta e que dependem das
forças e do conteúdo material do universo físico estarem subordinados de qualquer modoque seja a regras matemáticas abstratas que são puros produtos da mente humana? Esta
questão, vejam, eleva o papel da matemática muito além de um mero "script" que
usamos para traduzir elucubrações mentais sobre como esperamos que se comporte a
natureza em modelos, um papel onde ela de fato dita os padrões dos modelos que são
necessários para retratar eventos físicos.
Talvez seja porque a mecânica teórica tenha ela mesmo influenciado a
matemática. Isto certamente era verdade um século ou mais atrás, mas a influência está
menos presente hoje do que foi nos dias da filosofia natural, quando a mecânica e a
matemática eram tão estreitamente entrelaçadas, quase indistinguíveis. As sólidas teorias
fundamentais da mecânica, aquelas que sobreviveram o debate, o estudo, o escrutínio e o
teste, as que fazem as bases do assunto e foram passadas para as gerações seguintes,
formam o padrão de medida com o qual os bons modelos matemáticos são aferidos. O
fato interessante e freqüentemente inesperado é que uma vez que a matemática fica
estabelecida, ela, por sua vez, passa a prover a estrutura de sustentação sobre a qual as
novas teorias mecânicas devem se assentar. O que é menos reconhecido, mas de grande
importância, é que a implementação destes modelos, para ter êxito, também deve se
conformar à estrutura matemática estabelecida por pesquisas desenvolvidas a duras
penas ao longo de meio século ou mais.
A noção do papel da matemática e da computação na matemática é, pelo que
posso avaliar, bem conhecida, mas ela emergiu, na minha própria experiência, de formas
que eu não podia antever. Posso citar vários exemplos, mas um que freqüentemente mevem à mente surgiu de meu trabalho sobre modelos de atrito para o contato dinâmico em
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mecânica dos sólidos. O problema de Signorini da elasticidade linear, por exemplo, provê
um modelo clássico bastante razoável do contato de um corpo elástico com uma
fundação rígida. Este é um modelo perfeitamente satisfatório para se estudar uma
variedade de fenômenos de contato e provou se útil por mais de meio século. Entretanto,
quando você acrescenta ao problema o fenômeno de atrito governado pela lei de
Coulomb, uma extensão que pode parecer muito natural para estudantes principiantes emmecânica clássica, o modelo degenera completamente! A própria existência de uma
solução é questionável, e este foi um problema matemático que ficou aberto por 25 anos.
Nós agora sabemos que, para certas condições de contorno ideais e certos
carregamentos, algumas das soluções de problemas de contato com atrito usando a lei de
Coulomb que encontramos na literatura estão provavelmente corretas, ainda que não
sejam fisicamente realistas, mas também temos resultados concretos de não-existência:
de fato, não existe solução em alguns casos que, na superfície, podem parecer
fisicamente realísticos, e isto sublinha o fato de que a caracterização feita por Coulomb
deve, em geral, ser usada com muito cuidado ou não ser usada de maneira nenhuma.
Para desenvolver um modelo de contato dinâmico com atrito que esteja coberto
por uma teoria de existência tratável, a caracterização matemática do atrito e do contato
tiveram que ser mudadas. Eu nunca vou esquecer a excitação que experimentei quando
percebi que as modificações no modelo suficientes para permitir a existência de soluções
e, de certa forma, a boa colocação do problema matemático, eram precisamente aquelas
observadas em muitos experimentos de laboratório. Uma vez que esta conexão foi
abservada, é claro, toda a mecânica subjacente ao conceito de contato dinâmico com
atrito em superfícies elásticas foi desvendada e ficou exposta e compreendida: o "insight"
físico, ou pode ter sido um "hindsight", prevaleceu, e velhos paradoxos e conflitos entre
teoria e experimento foram resolvidos, tudo consistentemente com o chamado
julgamento de engenharia. Mas a solução dos paradoxos foi encontrada partindo
primeiro de um argumento matemático, seguido de cuidadosas simulações emcomputador em larga escala e, então, experimentos físicos.
Aliás, não confundam o que eu estou dizendo sobre mecânica matemática com
qualquer endosso da tentativa de axiomizar a mecânica, um objetivo que remonta a
Aristóteles e que foi apaixonadamente seguido nos anos 60; um empreendimento que,
alguns dizem, fracassou. Eu não concordo necessariamente com esta avaliação; só estou
apontando aqui o fato que a mecânica teórica, e mesmo toda a física teórica, está baseda
em teorias que são geralmente descritas em uma estrutura matemática que permite a
construção dos chamados modelos matemáticos. Estas são abstrações matemáticas que
descrevem idealizações dos fenômenos físicos. Esta modelagem, de novo um produto de
um processo intelectual puramente humano, moldado por anos de desenvolvimento
científico e experiência, produziu benefícios incontáveis à ciência moderna e à tecnologia
e ajudou a humanidade a exercitar seu controle do meio ambiente e seu conhecimento de
alguns dos segredos da natureza. Existe, na aplicação destes modelos, um conjunto
definido de regras, um dogma rígido que deve ser seguido para que os modelos
funcionem, e isto está baseado na matemática. Sua aplicação de êxito a problemas
relevantes exige cada vez mais uma ciência e tecnologia computacionais implementadas
corretamente.
Onde esta revolução do método científico está nos levando? Eu oscilei ao longo
dos anos na resposta a esta pergunta: a comunidade de mecânica está superestimando
ou subestimando a poder e a utilidade da mecânica computacional? Correndo o risco de
ofender alguns, eu vou afirmar que, se a sua visão da mecânica computacional érepresentada pelos "softwares" comerciais atuais de mecânica dos sólidos e dos fluidos,
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então as possibilidades, tão dramáticas, úteis e significativas sejam elas, estão
provavelmente superestimadas por muitos usuários e marketeiros; mas, se a mecânica
computacional é vista no contexto das capacidades em rápido desenvolvimento da
ciência da computação e da computação de alto desempenho, então o poder e a utilidade
estão significativamente subestimadas pela maioria da comunidade. Em 1946, o Foniac
era capaz de fazer 5000 operações de ponto flutuante por segundo; pelos meados dadécada de 60, o CDC 6600 fazia cerca de 1 milhão de operações por segundo, o CRAY
Y X_MP, 440 milhões no final dos anos 80, e, hoje, os computadores rotineiramente
fazem 25 bilhões de operações por segundo. Em 1998 esperamos ter velocidades de
teraflops, um trilhão por segundo, e armazenamento tipo Beta, com 1000 trilhões de
bytes de informação armazenadas e disponíveis para simulações em larga escala.
O que seremos capazes de fazer com estes recursos sem precedentes de
velocidade e memória: Já existem trabalhos em andamento visando explorar estas
capacidades em aplicações mecânicas vitais. Novamente, considerações matemáticas
serão, como sempre, o guia para o uso apropriado e efetivo destas ferramentas.
Nos nossos dias existe uma crescente literatura sobre métodos para selecionar o
próprio modelo matemático. Eu vejo isso como um dos mais importantes
desenvolvimentos na mecânica no nosso século. Isto incorpora um método científico que
enfrenta as questões mais fundamentais em mecânica aplicada, ou mesmo em física
matemática: que modelo matemático escolher para estudar de forma efetiva uma classe
bem definida de fenômenos mecânicos? Que escalas temporais e espaciais na
micromecânica afetam os resultados observados de forma substancial? Como estes
fenômenos em escala micro interagem para produzir observações em escala macro?
A solução destas questões reside na noção de modelagem hierárquica, de
estimação "a posteriori" de erros de modelagem, de modelagem adaptativa, noções
matemáticas que surgem naturalmente em problemas importantes da mecânica teórica e
aplicada quando colocadas na estrutura matemática apropriada, mas que, quandoapropriadamente implementadas, vão requerer também uma ciência da computação de
ponta. Trata-se de um assunto que, por exemplo, revisará completamente a maneira
como lidamos com materiais compósitos, escoamentos multi-fásicos, mecânica do dano
e, eventualmente, mesmo a turbulência. Este é um tema de grande interesse para mim, no
qual estou ativamente envolvido hoje, e um tema que, estou convencido, terá um
impacto fundamental na mecânica teórica e aplicada no futuro.
Enquanto reflito sobre estes eventos e idéias, compartilho os sentimentos de um
recente contemplado com a medalha de Timoshenko, John Lumley, que disse que à
medida em que ele ficava mais velho, ele achava a si mesmo "supervisionando outros,
que são os que ficam com toda a diversão." Ainda assim, existem novas, excitantes,
compensadoras e desafiadoras oportunidades demais para deixarmos que os outros
tenham toda a diversão. Eu admito que eu tive um destino parecido. Mas eu planejo
encontrar tempo para me envolver em algumas das grandes coisas guardadas para o
futuro da Mecânica Aplicada.
Mais uma vez quero agradecer a Divisão de Mecânica Aplicada por esta honra
singular. Sei que estes prêmios não acontecem acidentalmente; antes, requerem o apoio
generoso de amigos e indivíduos da comunidade de mecânica. Para estes anônimos que
me apoiaram eu expresso meus sinceros agradecimentos. Agradeço especialmente minha
esposa Barbara, cujo suporte através de nossos 32 anos juntos tornou meu trabalho
possível, meus filhos, Lee e Walker, e meu futuro genro, Nick, cujo amor e suporte eu
vou sempre prezar com carinho e minha mãe, muito debilitada para estar conosco hoje,que me amou, guiou e apoiou por toda a minha vida. Eu reitero minha promessa de
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persistentemente honrar esta medalha e portá-la com a dignidade identificada por aquele
que lhe deu o nome, Stephen P. Timoshenko. Obrigado por sua generosidade e, para
todos, os meus melhores votos.