artigo senhor dos anéis

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O Senhor dos Anis A Sociedade do Anel: composio artstica da fantasia no filme de Peter Jackson. Francelize Crovador1 Neide Garcia Pinheiro (Orientadora)2 Universidade Estadual do Centro-Oeste/ Depto de Arte-Educao e Depto de Letras Resumo Este estudo analisa a composio esttica das personagens fantsticas Aragorn, Espectros do Anel e Frodo, criadas pela direo de arte no filme O Senhor dos Anis- A Sociedade do Anel, dirigida por Peter Jackson (2001) e baseado no romance homnimo de J.R.R. Tolkien (2000). A recente apreciao do trabalho da direo de arte no mbito cinematogrfico explorada neste estudo, com enfoque nos recursos que o filme utiliza para criao da imagem e, portanto das personagens. Os diferentes meios, livro e filme, por suas caractersticas prprias geram distintas recepes ainda que referentes mesma histria. Assim so explorados os conceitos de arte, fico e fantasia os quais so inerentes obra de Tolkien, estando tambm presentes no processo adaptao realizado por Jackson. Palavras-chave: arte, processos criativos, adaptao cinematogrfica. Abstract This study examines the aesthetic composition of the Aragorn, Ringwraiths and Frodo fantastic characters created by art director in the The Lord of the Rings - The Fellowship of the Ring movie, directed by Peter Jackson (2001) and based on the novel by JRR Tolkien (2000). The recent appreciation of the art direction work in cinema is explored in this study, focusing on resources that the movie uses to the image creation and therefore the characters. The different media, book and movie, generate different receptions by their own characteristics even referring to the same story. Thats the way there are been explored the concepts of art, fiction and fantasy, these are inherent to the work of Tolkien, are being also present in the adaptation process realized by Jackson. Key- words: art, creative process, film adaptation. INTRODUO A fico pode criar tudo aquilo que a imaginao conseguir fabricar e o autor expressar em palavras, ou em meio audiovisual. Materializar a narrativa em meio flmico,1

Acadmica do 4 ano de Arte-Educao da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paran UNICENTRO (Guarapuava PR, 2010).2

Possui graduao em Licenciatura em Letras Portugus Ingls pela Universidade Estadual do CentroOeste (1982), mestrado em Letras (Ingls e Literatura Correspondente) pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005) e aperfeioamento em Efl Teaching Approaches pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (1988). Atualmente professora do ensino superior da Universidade Estadual do CentroOeste.

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porm, implica no problema de (re) construir as formas e os contedos fantsticos. Como realizar essa tarefa? A resposta precisa ser encontrada pela direo artstica, com solues que ela e uma equipe tcnica encontraro para realizar a transposio do texto do romance para o meio flmico. Este artigo retoma a discusso sobre o tema da adaptao cinematogrfica, analisando as relaes entre o romance O senhor dos anis: primeira parte: a sociedade do anel, de John Ronald Reuel Tolkien (1982-1973), traduzido por Lenita Maria Rimoli Esteves e Almiro Pisetta, e o filme homnimo de Peter Jackson (1961-). Tendo em vista esse objetivo geral, o objetivo especfico deste trabalho analisar a composio esttica das personagens em O senhor dos anis. Trata-se de uma pesquisa bibliogrfica, cujos materiais de apoio consistem tambm na anlise de entrevistas, depoimentos e extras do filme sobre o processo criativo. Alm de possibilitar um aprofundamento no que concerne ao trabalho da direo de arte justifica-se tambm este estudo por ampliar o dilogo entre letras e artes, com a aproximao das linguagens literria e artstica no campo de processos criativos. Para desenvolvimento desta anlise o artigo ser estruturado da seguinte forma. A Introduo divide-se nas seguintes sees. A primeira seo que tem como ttulo Sobre o misterioso e fantstico mundo de Tolkien explora questes sobre literatura e fantasia em O senhor dos anis: primeira parte: a sociedade do anel de Tolkien (2000). A segunda seo Adaptao cinematogrfica ampliando perspectivas expe importantes conceitos referentes adaptao os quais so relevantes para o entendimento do filme de Peter Jackson (2001) como uma obra distinta do original literrio. A terceira seo Direo de ARTE um cinema alm das imagens apresenta consideraes referentes ao trabalho da direo de arte, expondo conceitos sobre arte que envolve o cinema no apenas como uma forma de entretenimento, mas como uma manifestao artstica. Na quarta seo A obra de arte na era do cinema como negcio desenvolvida uma discusso sobre cinema e mercado, e a interferncia desta ligao na produo da arte cinematogrfica. Aps a exposio dos referenciais tericos acima, a segunda parte do trabalho consiste no desenvolvimento da anlise, para a qual foram selecionadas passagens especficas do romance de Tolkien (2000) e seqncias correspondentes na adaptao cinematogrfica. Tendo em vista o enfoque ao filme e ao romance como manifestaes artsticas, esta anlise tem como suporte terico-metodolgico a abordagem neoformalista de David Bordwell (1997), Kristin Thompson (1988) e Nel Carroll (2008).2

1.0 Sobre o misterioso e fantstico mundo de Tolkien Como se trata do original adaptado da literatura, o autor Anatol Rosenfeld (apud CANDIDO, Antonio, 2002, p.11) traz importantes conceitos sobre obra literria. Para ele na acepo lata, literatura tudo o que aparece fixado por meio de letras obras cientficas, reportagens (...) receitas de cozinha (...). Dentro deste vasto campo das letras, as belas letras representam um setor restrito. Percebe-se que, segundo ele, as chamadas belas letras so determinadas pelo carter fictcio ou imaginrio que apresentam. Porm ele problematiza a questo de que h literatura ficcional ... de baixo nvel esttico, de grande pobreza imaginativa (clichs) (...) [e ainda sem] mobilizao de todos os recursos da lngua, assim como de muitos outros elementos da composio literria. (Ibid., p.37). Diante disso Rosenfeld (Ibid.) estabelece que a utilizao qualitativa desses recursos indispensvel, pois constituem a obra- de- arte literria. Ele afirma que deve-se admitir (...) amplas zonas de transio em que situariam obras de grande poder e preciso verbais, na medida em que se ligam agudeza da observao, perspiccia psicolgica e riqueza de idias. (ROSENFELD apud CANDIDO, 2002, p.37) A criao expressiva das personagens em situaes coerentes no contexto que as envolve, utilizando-se como j foi ressaltado dos recursos lingsticos, suscitam uma obra- de- arte literria. Ponderados, pois, os fatores para a efetivao de uma obra- de- arte literria, defronta-se agora a idia de refletir sobre o termo fico. A fico, ainda em Rosenfeld (Ibid.) (...) um lugar ontolgico privilegiado: lugar em que o homem pode viver e contemplar, atravs de personagens variadas, a plenitude da sua condio. (p.48) Porm se faz possvel somente quando o apreciador se entrega com certa inocncia a todas as virtualidades da grande obra de arte, esta por sua vez lhe entregar toda a riqueza encerrada em seu contexto. (ROSENFELD, apud CANDIDO, 2002, p. 49). Esta entrega inocente para possvel recepo da obra ficcional vem de encontro com o conceito do gnero fantstico (literrio e cinematogrfico). O autor Tzvetan Todorov (1975) realiza estudos sobre o gnero fantstico e discorre sobre a obteno do mesmo pelo receptor. possvel dizer que a obteno do fantstico est intimamente ligada a entrega inocente a qual Rosenfeld (apud CANDIDO, 2002) se referia. Segundo Todorov (1975) a obra no deve ser alegrica, no preciso ir alm do que se apresenta (texto, imagem) para sua abrangncia. Se a alegoria ocorre intencionalmente pelo autor da obra, isso s faz gerar a perda da hesitao entre3

uma explicao natural ou sobrenatural diante do acontecimento estranho, ou seja, a perda do fantstico. Assim ele explica:Existem narrativas que contm elementos sobrenaturais sem que o leitor jamais se interrogue sobre a natureza, sabendo perfeitamente que no deve tom-los ao p da letra. Se animais falam, nenhuma dvida nos assalta o esprito: sabemos que as palavras do texto [tambm, as imagens flmicas], devem ser tomadas num outro sentido, que se chama alegrico. (p.38)

Assim a incerteza no provm da alegoria, ela ocorre pela entrega inocente do receptor. A incerteza, portanto se constitui num trao fundamental do fantstico, nas obras de literatura e cinema. Em Tolkien (2000) possvel indicar essa fuga da alegoria intencional em seus depoimentos, porm necessrio neste momento ilustrar sobre o processo de criao da obra- de- arte literria O Senhor dos Anis (TOLKIEN, 2000) e as discusses que envolvem a mesma, para ento tratar da alegoria em Tolkien. A saga fantstica de J.R.R. Tolkien (2000) tem incio com a elaborao do livro O Hobbit (1937). O autor Tolkien era fillogo e professor britnico. A pesquisa filolgica, segundo Dircilene F. Gonalves (2007) ... busca reconstruir as lnguas, a fantasia de Tolkien busca reconstruir a histria por trs das lnguas. (p.14). A filologia teria feito Tolkien transitar pelo mundo mitolgico. A escrita da saga iniciou-se quando o editor Stanley Unwin, amigo de Tolkien, solicitou-lhe a elaborao de um livro infantil. Tolkien, ento, escreve O Hobbit. Segundo o autor Tom ShippeyWhat he eventually received was a work half a million words long, supported by more than a hundred pages of appendices studded with tables in unknown alphabets, impossible to follow without detailed maps, and dotted with poems and quotations in unknown languages, which as a final flourish its author not infrequently had not bothered to translate. 3 (2003, s/n)

Stanley entregou o livro a seu filho na espera de seus comentrios, a que ele argumentou que o trabalho se referia a de um gnio. Stanley sem mais aguardar lanou o livro. Mais tarde Rayner Unwin, filho de Stanley, solicitou a Tolkien a elaborao de uma seqncia para O Hobbit. O autor cria ento: O Senhor dos Anis (1954) 4. As literaturas escritas por Tolkien (Id.) envolvem certo mistrio, tanto pela presena da mitologia, quanto pela conotao histrica. Dessa maneira, no incio do livro O senhor dos anis: primeira parte: a sociedade do anel, o autor esclarece quanto a essas suposies, mostrando-se consciente que um autor no pode deixar de ser afetado por3

O que ele finalmente recebeu foi um extenso trabalho de meio milho de palavras, apoiado por mais de uma centena de pginas de apndices repleta de quadros do alfabeto desconhecido, impossvel de seguir sem mapas detalhados, e dotadas com poemas e citaes em lnguas desconhecidas, que, como um florescido final o seu autor no raro, no se preocupou em traduzir. (traduo nossa)4

A histria sobre a editorao dos livros pode ser conferida nos extras do filme (JACKSON, 2001)

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suas experincias, mas que buscar explicao nestas seria inadequado e ambguo. Ele elucida o leitor quanto a sua inteno ao escrever essa histria, que nada tem de alegoria intencional, porque desgosta da dominao do autor, e defende a aplicabilidade do livro, enquanto liberdade do leitor na interpretao da obra (TOLKIEN, 2000, p. XII e XIII). Candido (2002) corrobora as observaes de Tolkien, sendo possvel definir que na presente anlise da composio esttica dos seres fantsticos no interessante a pesquisa dos mistrios que envolvem o significado da histria, ele diz(...) convm notar que por vezes ilusria a declarao de um criador a respeito da sua prpria criao. Ele pode pensar que copiou quando inventou; que exprimiu a si mesmo, quando se deformou; ou que se deformou, quando se confessou. Uma das grandes fontes para o estudo da gnese das personagens so as declaraes do romancista; no entanto, preciso consider-las com precaues devidas a essas circunstncias. ( p. 69)

A recepo da obra de Tolkien (2000) evolve por muitos essa analogia entre o romance e fatos histricos, mesmo com a declarao do autor. Para produo da narrativa de Tolkien (Id.) no filme de Jackson (2001) houve o contato com a obra literria tanto pelo diretor Jackson como pela equipe preponente da direo de arte. Porm considerar cada membro, indivduos, com suas experincias e recepes distintas seria necessrio uma abordagem muito ampla para anlise dos seres fantsticos, sendo demasiado complexo, se no impossvel e se distanciaria do foco da pesquisa. Tomada cincia destas implicaes quanto recepo, verificou-se da importncia se adotada de maneira geral na anlise do processo criativo das personagens. Outra questo sobre as obras de Tolkien elabora por Dircilene F. Gonalves (2007) a questo da pseudotraduo, o que ela chama de modo de concepo narrativa. Segundo ela a filologia seria a causa da pseudotraduo em Tolkien. Alguns acreditam que situaes narradas em primeiro momento fantsticas realmente existiram. As obras de Tolkien tm uma forte expresso verossmil. Nesse sentido relata Gonalves (Id.):Em sua fico, ele acreditava no estar simplesmente criando, mas reconstruindo um mundo que poderia ter existido pelo menos no imaginrio coletivo. Nesse mundo remoto, como no passado lingstico e Histrico reconstrudo, existem lacunas que no se podem preencher. E justamente essa incompletude que garante a verossimilhana da Terra-mdia; sua plausibilidade sustentada por sua incerteza. (p.16)

O verossmil caracterstico da obra de Tolkien abre espao para o fantstico, que em alguns casos de recepo perduram at hoje. Isso acontece tambm com os que tiveram contato primeira instncia com a obra flmica. Como exemplo da influncia do fantstico, tem-se o autor David Colbert (2002) que pretende em seu livro O mundo5

mgico do Senhor dos Anis desvendar ... s profundezas do mundo de Tolkien para contar as histrias por trs das histrias. (p.08) So vrias as especulaes e discusses a respeito das fontes que engendraram essa obra. Entende-se, portanto que essa incerteza fundamental para obteno do fantstico, que so as obras de literatura e cinema de O senhor dos anis. 2.0 Adaptao cinematogrfica ampliando perspectivas Em A arte da adaptao: como transformar fatos e fico em filme, a autora Linda Seger (2007) apresenta dados interessantes sobre a adaptao cinematogrfica. Segundo ela, 85% dos filmes vencedores do Oscar so adaptaes de obras literrias; dos 45% de filmes - adaptaes produzidos especialmente para TV, 70% so vencedores do Emmy e das 83% das minissries - adaptaes, 95% destas so ganhadoras do Emmy. Esses nmeros enfatizam que a adaptao um fenmeno inegvel, como j o reconhecia Bazin em seu famoso artigo de 1959. No entanto, embora o fenmeno no seja recente, ainda hoje ele suscita inmeros questionamentos. De acordo com Dudley Andrew (apud NAREMORE, 2000) h uma questo fundamental com relao adaptao cinematogrfica. Essa questo permeia as discusses sobre o tema e pode ser considerada at um tanto divertida, como prope Alfred Hitchcock (apud NAREMORE, 2000): ... two goats are eating a pile of film cans, and one goat says to other, Personally, I liked the book better5 (). A anedota publicada no The New Yorker aponta para o fato de que as adaptaes cinematogrficas, muito freqentemente, envolvem discusses sobre a superioridade do original literrio, bem como a noo errnea de que a adaptao deve fidelidade obra literria em que se baseia. Andrew oferece seu parecer sobre essas duas suposies ultrapassadasUnquestionably the most frequent and the most tiresome discussion of adaptation (and of film and literature relations as well) concerns fidelity and transformation. Here it us assumed that the task of adaptation is the reproduction in cinema of something essential about an original text. () letter and to the spirit of a text, as though adaptation were the rendering of an interpretation of a legal precedent. The letter would appear to be within the reach of cinema, for it can be emulated in mechanical fashion. 6(p.31).5

... duas cabras esto comendo uma pilha de latas de filme, uma cabra e diz a outra: "Pessoalmente, eu gostei mais do livro.(traduo nossa)6

Sem dvida a mais freqente e a mais cansativa discusso de adaptao (e do cinema e da literatura, bem como as relaes), diz respeito a fidelidade e transformao. Aqui, assumida que a tarefa de adaptao a reproduo em cinema de algo essencial sobre um texto original. (...) "Carta" e ao "esprito" de um texto, como se a adaptao foi a prestao de uma interpretao de um precedente legal. A carta parece estar ao alcance do cinema, pois ela pode ser emulada em forma mecnica. (traduo nossa)

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Assim, necessrio transcender as discusses simplrias sobre a relao de fidelidade ou superioridade para perceber outros aspectos relevantes na relao cinema e literatura. Como esclarece Andr Bazin: one must first know to what end the adaptation is designed: for the cinema or for its audience. One must also realize that most adapters care far more about the latter than about the former. (apud NAREMORE, 2000, p.21)7. Este um convite para se repensar a adaptao cinematogrfica como um campo frtil para discusses mais relevantes. Sobre a leitura da obra adaptada diz Naremore (2000):() An audience survey conducted by David Selznick in the 1940s determined that very few people had read Jane Fvre and that the movie based on the novel did not to be especially faithful to the novel, on the other hand, Selznick was a fanatic about maintaining textual fidelity in Gone With the Wind and Rebecca, because he knew that a substantial part of the audience had read Margaret Mitchell`s and Daphne DuMaurier`s best-seeling books ()8 ( p.11-12).

As observaes acima geram possveis argumentaes. Nem todo pblico que assiste a uma adaptao flmica leu o livro, o que implica na composio dada ao pblico de forma gratuita e que s vezes completamente distinta e no apenas alterada, do original. O que se faz interessante entender que a literatura e o cinema so meios diferentes de exposio, muitas vezes de uma mesma obra, de modo que geram significados e simbologias distintas, o que no significa melhor ou pior, no obstante a obra literria seja a fonte.() film and literature scholars could only persist in asking about individual movies the same unproductive layman`s question (How does the film compare with the book?), getting the same unproductive answer (The book is better)9 (RAY apud NAREMORE, 2000, p.44).

Se a obra for lida previamente, ento, fatalmente ocorre esta distino. Como acontece com a trilogia O Senhor dos Anis de Tolkien (2000), um dos livros mais lidos7

(...) preciso primeiro saber para que fim a adaptao destinada: para o cinema ou para a sua audincia. preciso tambm perceber que a maioria dos adaptadores cuida muito sobre o ltimo do que sobre o primeiro. (traduo nossa)8

(...) Uma pesquisa pblica realizada por David Selznick em 1940 determinou que muito poucas pessoas tinham lido Jane Fvre e que o filme baseado no romance de no ser particularmente fiel ao romance, por outro lado, Selznick era um fantico por manter a fidelidade textual em Gone With the Wind e Rebecca, porque sabia que uma parte substancial do pblico tinha lido os livros best-sellers de Margaret Mitchell e Daphne DuMaurier (...). (traduo nossa)9

...estudiosos de cinema e literatura s poderiam persistir questionando sobre filmes ao indivduo leigo a mesma pergunta improdutiva (Como o filme comparado com o livro?), obtendo a mesma resposta improdutiva (O livro melhor). (traduo nossa)

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no mundo10. Neste sentido a preocupao com a fidelidade foi evidente, como declara Elijah Wood (personagem de Frodo no filme): Estamos recriando o que foi imaginado por um excelente escritor fantstico. O que J. R. R. Tolkien imaginou. (JACKSON, 2001, DVD2) Essa presso da fidelidade do filme literatura, para os produtores, ocorre quando o nmero de espectadores-leitores da obra considervel. Fica evidente na fala de Viggo Mortensen (personagem de Aragorn no filme) o qual afirma Carla Nascimento (em entrevista coletiva realizada em 2003) no ter lido a obra antes da realizao do filme "Se eu tivesse tido a idia do peso do filme e do personagem, talvez tivesse feito da mesma forma, mas acho que foi melhor no saber". As questes abordadas at aqui contribuem para uma crtica elaborada de forma no leiga, fazendo jus ao diferentes meios de criao. Segundo Robert Stam (apud NAREMORE, 2000)we need to be less concerned with inchoate notions of fidelity and to give more attention to dialogical responses to readings, critiques, interpretations, and rewritings of prior material. If we can do all these things, we will produce a criticism that not only takes into account, but also, welcomes, the differences among the media.11 (p.76)

A anlise a que se prope este artigo levar em conta esses conceitos. Considerando a importncia de transcender a questo de fidelidade visa-se tratar a obra literria e sua adaptao como obras diferentes, com elementos especficos que assim, devem ser abordadas de forma distinta. A riqueza artstica das personagens no filme, apresentada por esses meios, possibilitam uma explorao nica ao relatar as composies elaboradas por eles, os quais partilham a mesma histria. 3.0 Direo de ARTE um cinema alm das imagens A direo de arte como o nome j estabelece, produz arte. Referir-se sobre cinema enquanto arte implica sobremaneira nas discusses do que arte. De maneira lgica, ele o seria ao reconhecimento do que consiste o termo arte. Para Anne Cauquelin (2002) que dedica seu livro Teorias da Arte ao tema, h vrias definies para mesma. Comeando da proposio do Belo de Plato, passando por Hegel, Nietzsche entre outros classificados10

Revista Time: .Acesso em: 15.03.2010. 11 ...precisamos estar menos preocupado com noes rudimentares de "fidelidade" e dar mais ateno s respostas dialgicas - a leituras, crticas, interpretaes e reescritas de material prvio. Se ns podemos fazer todas essas coisas, vamos produzir uma crtica de que no s leva em conta, mas tambm, congratula, as diferenas entre os meios de comunicao. (traduo nossa)

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nas Teorias Ambientais, propondo a classificao, como o nome j diz de teorias que ambientam a Arte (poder-se-ia chamar de teorias base, para esclarecimento do leitor). E as Teorias Injuntivas, que diferente das anteriores visa s prticas artsticas. Essas teorias so apresentadas pela autora a comear com Aristteles, depois Kant, Diderot e por ltimo Greenberg. Tais discursos condicionam o fazer, o apreciar e a denominar as obras como obras de arte e coexistem de modo a formar uma doxa (CAUQUELIN, 2002), termo utilizado pela autora semelhante a opinio geral que alcana e nutre at mesmo os crticos e tericos da Arte hoje. Como no h uma nica definio e sim vrias, considerar o cinema nas palavras de Pierre Francastel (1998) e Marcel Martin (2007) parece ser o mais apropriado. Para Francastel (1998) o filme a mais recente das artes e no deve ser tomado como um aprimoramento das artes anteriores, considerado assim por acrescentar movimento nas imagens estticas. A iluso flmica, a qual Francastel (Ibid.) destina a pesquisa, est inerentemente ligada s questes de tempo e espao, os quais para ele e tambm para Martin (2007) caracterizam a arte cinematogrfica de forma a distinguir esta das demais. Assim sendo o interesse do filme deve-se ao facto de nos trazer um elemento novo, diferente das outras formas de arte. (FRANCASTEL, 1998, p.182). Podendo-se atribuir a ele elementos artsticos utilizados pelas demais reas da arte, porm de maneira peculiar ao cinema. Em The Philosophy of Motion Pictures, Nel Carroll (2008) apresenta com profundidade esta estrita ligao entre fotografia e cinema. Ele expe os conceitos dos cticos sobre essa relao, em sntese para eles: fotografia no arte e cinema fotografia, portanto cinema no arte. Sendo a fotografia uma reproduo mecnica, e a arte uma expresso da mente, a fotografia no arte. Para os cticos a mise-en-scne , compreendida desde do setting e seus objetos de composio, luz, at a elaborao (figurino e maquiagem) e ao das personagens (BORDWELL e THOMPSON, 1997), pode ser considerada arte, mas no o seu registro pelo filme. D-se isso pelos seguintes argumentos: o primeiro o da causalidade, onde no h necessidade de um operador atrs da mquina fotogrfica para que se tenha uma imagem, tem-se como exemplo de uma cmera de vigilncia no semforo, o que ser registrado ser efeito do acaso e no da inteno do fotgrafo, assim percebe-se que no h inteno, no h pensamento, no h arte. O que Carroll (2008) contrape que a fotografia no um produto intencional, pois no que ela se apresenta no possvel definir, na maioria das vezes, que esta ou aquela9

imagem foi ou no produto da inteno do fotgrafo. Outro argumento ctico o controle,were a telephone pole to appear in the background of a painting of what otherwise looked to be a medieval scene, we would suppose the painter intentionally drew in there and then go on interpret what a painter meant by doing so. But when comparable anachronisms erupt in historical films, as they do with unnerving frequency, we infer that they arrived there because things got out of control. (CARROLL, 2008, p.17)12

Carroll (2008) fala do determinismo dos cticos em defender a arte como a expresso do pensamento, intencional, e por esse motivo, este argumento aproxima-se do primeiro (causalidade). Para o autor este total controle que os cticos defendem uma utopia, pois nenhuma linguagem artstica tem total controle sobre suas intenes criativas. Ele nos d um exemplo: a theater director will have to cast her drama with the available actors; these may not be often are not exactly how she imagined the caracters upon her first reading on the script. But she will make do. (CARROLL, 2008, p.24)13 Em que para ele, evidencia-se o absoluto controle do imaginrio uma utopia. Para Carroll (2008) o suficiente controle (p.26, traduo nossa) que permite realizar trabalhos de arte, assim o artista utiliza-se das suas ferramentas de modo a satisfazer as suas necessidades de acordo com o esperado pelo prprio artista. O terceiro e ltimo argumento dos cticos diz respeito ao interesse esttico, eles comparam a fotografia com se fosse um espelho: it is the object of the photograph and not the photograph as an object that engages our attention. (Ibid., p.18)14, Carroll (Ibid) apresenta um exemplo de uma fotografia de uma rosa em florescncia ... so to speak, a beautiful photograph but a photograph of a beautiful thing. ( p.20)15. J Carroll (2008) rebate este argumento ao dizer que a fotografia amplia as vises sobre os objetos rotineiros, sendo ele visto em outro contexto que no aquele natural. E sobre a premissa dos cticos de considerar os filmes nada mais do que fotografias em12

Fosse um poste de telefone aparecer no fundo de uma pintura que de outro modo parece ser uma cena medieval, podemos supor que o pintor intencionalmente exps l e ento ir interpretar o que o pintor quis dizer com isso. Mas quando anacronismos comparveis irrompem em filmes histricos, como o fazem com uma frequncia irritante, podemos deduzir que eles chegaram l porque as coisas saram do controle. (traduo nossa)13

Um diretor de teatro ter de elenco em seu drama os atores disponveis; estes freqentemente podem no ser exatamente como ele imaginou as personagens em cima de sua primeira leitura, no script. Mas ele vai realizar. (traduo nossa)14

o objeto da fotografia e no a fotografia como um objeto que envolve nossa ateno. (traduo nossa)15

Por assim dizer, uma fotografia linda, mas a fotografia de uma coisa linda. (traduo nossa)

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movimento, apresenta Carroll (Ibid.) sobre o rico repertrio de tcnicas disponveis para compor a imagem com udio, sendo o ltimo no presente na fotografia. O erro dos cticos para ele pensar no filme como algo puramente fotogrfico.As seen in Sky Captain and the World of Tomorrow, not to mention recent installments of Star Wars and Lord of the Rings, whole cities, armies, and air fleets can be created without primary recourse to the mediation of traditional photography/ cinematography.16 (CARROLL, 2008, p.31)

O uso do computador, segundo o autor, distancia ainda mais o filme da fotografia. Portanto, aps essas premissas apresentadas, Carroll (2008) mostra que desnecessrio um debate sobre esses argumentos cticos hoje, visto que so antiquados. Assim o autor pressupe que o filme pode sim ser arte. Destina-se aqui esta breve exposio do assunto cinema enquanto arte apenas com o intuito de apresentar algumas implicaes do termo arte, e sua ntima relao com o cinema. Considerando este como um elemento novo na arte, embora faa parte da indstria do entretenimento tambm se dispe do artstico e da originalidade, estando conscientes da complexidade deste termo. Segundo Elizabeth Jacob (2006) recente a assimilao do trabalho da Direo de Arte enquanto elemento de estruturao da imagem do cinema. Por muito tempo o trabalho desta equipe foi entendido por seus aspectos decorativos, ficando o trabalho de construo da imagem cinematogrfica deslocados para outros departamentos tais como a fotografia ou Direo. (p.49)

A direo de arte de um filme responsvel pela criao da imagem cinematogrfica e, portanto, das personagens. Para Elizabeth M. Jacob (2007) que aborda a direo de arte nos filmes A Vila (2004) e Dogville (2003), ao apresentar as intervenes da direo na esttica do filme, estabelece que o papel da direo de arte ... o de criar para o filme uma imagem visual expressiva, carregada de valores plsticos abrangendo os espaos construdos, e a caracterizao dos personagens. (s/n). Porm indica Chris Rodrigues (2007) que de responsabilidade do diretor do filme o ... resultado final das imagens no sentido artstico. (p.70). O diretor s obtm xito porque conta com uma equipe de profissionais com diferentes habilidades, entre eles esto os que freqentemente compem o departamento de arte: cabeleleiro, cengrafo, cenotcnico, contra-regra de cena, desenhista de figurinos ou estilista, figurinista, gerente de locaes,16

Como visto em Sky Captain e o World of Tomorrow, para no mencionar parcelas recentes de Star Wars e Lord of the Rings, cidades inteiras, exrcitos e frotas areas podem ser criados sem o recurso primrio por mediao da fotografia/ cinematografia tradicional. (traduo nossa)

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maquiador, maquiador de efeitos, produtor de objetos, desenhista de produo e diretor de arte (RODRIGUES, 2007). As duas ltimas funes desta equipe so ainda segundo o autor, as que possuem a gerncia junto ao diretor do filme. Para ele o desenhista de produo responsvel junto ao diretor pelo visual e ambientao do filme. Cabe a ele, em primeira instncia, escolher as locaes, sua ambientao e as cores. tambm o responsvel pela criao do storyboard do filme quando solicitado pelo diretor, ou delega essa funo a um profissional de arte sob sua superviso. A grande qualidade desse profissional escolher bem os outros profissionais que vo assessor-lo na sua funo, exercida nos filmes brasileiros pelo diretor de arte. (RODRIGUES, 2007, p.80)

O diretor de arte trabalha diretamente com o desenhista de produo executando suas instrues, tais como o desenho e ambientao dos cenrios e a superviso de sua execuo junto ao cengrafo. (Ibid. p.80). possvel dizer que o diretor do filme define o que ser feito, passando as instrues ao desenhista de produo e diretor de arte os quais passam a executar o pedido juntamente com a equipe do departamento de arte. O diretor adota ou no o que produzido, sempre supervisionando conforme suas escolhas. No filme O Senhor dos Anis - A Sociedade do Anel de Jackson (2001) o desenhista de produo foi Grand Major, e a direo de arte ficou a cargo de Dan Hennah, Joe Bleakley, Philip Ivey, Rob Outterside e Mark Robins. J o departamento de arte do filme, por se tratar de uma grande produo, necessitou de vrios componentes, listados no site The Internet Movie Database17, como tambm nos crditos do filme (JACKSON, 2001, DVD1). 4.0 A obra de arte na era do cinema como negcio Cinema indstria de qualquer forma, j dizia o pensador Andr Malraux (apud MARTIN, 2007). Para Marcel Martin (2007) e Pierre Francastel (1998), o cinema contemporneo tem como embate a indstria, principalmente por motivos de marketing. Francastel no se aprofunda no assunto, porm afirma que o sistema subestima o papel do criador, pois temos tendncia para pensar que estamos em presena de um simples fenmeno de registro, mas no o registro que a coisa mecanizada e sim a distribuio. (1998, p.194). Sem aprofundar o assunto e por isso dando margens a demais posies, s vezes os crditos so retirados da eficincia do filme ... que nos toca

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Disponvel em: . Acesso em: 16.04.2010.

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e deslumbra... (Ibid., p.94.), por consider-lo simples produto industrial, a comear pela produtora a que est vinculado. Martin (2007) corrobora as afirmaes acima ao tomar o cinema com os seguintes conceitos: fragilidade, futilidade e facilidade e descrev-los assim... porque o direito moral dos seus criadores mal reconhecido; por ser considerado antes de tudo uma mercadoria, (...) por submeter-se aos imperativos dos capitalistas (...) por ser considerado pela imensa maioria do pblico uma simples diverso que se freqenta sem cerimnia; porque a censura, os produtores, os distribuidores e os exploradores podem cortar os filmes vontade (...) porque todo mundo se julga autorizado, quando se trata de cinema, a arvorar-se em juiz (...) por apresentar-se geralmente sob a capa do melodrama, do erotismo ou da violncia... (p.14)

Esses autores trazem um panorama das imposies as quais o cinema tem enfrentado, mas mesmo com estas problemticas, ele tem realizado grandes obras-primas (MARTIN, 2007). O cinema necessita de investimentos, como aponta Martin (2007) que acaba por ser tributrio desta indstria cinematogrfica que s intenta a rentabilidade. As estrelas do cinema, atores e atrizes, so os principais geradores de lucros para os filmes. Segundo Bordwell e Thompson (1997),sophisticated filmmakers exploit public`s affection for its stars by creating ambiguous tensions between a role as written, as acted, and as directed. "Whenever the hero isn`t portrayed by a star the whole picture suffers," Hitchcock observed. "Audiences are far less concerned about the predicament of a character who`s played by someone they don`t know. (p.243)18

Assim alguns estdios usam estas estrelas com o intuito de garantir sucesso de bilheteria, como aponta o autor. Alguns tericos, como os citados nesta seo, avanam nesta intrnseca influncia da indstria mercantil no cinema e apontam a magnificncia que ainda o cinema capaz de gerar. Ressaltando que apesar das questes mercadolgicas existe o fato da criao (originalidade)Todos os indivduos possuem uma viso do espao; mas aquele a quem lhe falha a imaginao plstica s se reconhecem perante reprodues suficientemente habituais da natureza porque ela no transpe uma viso directa do mundo, mas reproduzem esquemas intelectualizados de comportamento. (FRANCASTEL, 1998, p 177)

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Sofisticados cineastas exploraram o afeto do pblico para as suas estrelas, criando ambguas tenses entre o papel escrito, a ao, e as instrues da direo. "Sempre que o heri no representado por uma estrela toda a imagem sofre," observou Hitchcock. "As audincias so muito menos preocupadas com a situao de uma personagem que atuada por algum que eles no conhecem." (traduo nossa)

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Martin (2007) tambm evoca a originalidade na linguagem cinematogrfica isto por evidenciar algo cotidiano que o prprio cotidiano no se faz suficiente. Para Francastel (1998) ... todas as artes so consideradas fenmenos de carcter mgico afectivo. (p. 181) Pois, segundo este autor, o receptor participa de modo a recuperar seu passado, identificando-se com as personagens apresentadas. Para incio desta anlise faz-se importante enfatizar que se trata apenas do primeiro livro da trilogia e respectivamente o primeiro filme, no sero assim consideradas as complexas histrias de cada personagem as quais so facilmente encontradas em sites como Dvendor19. Este trabalho tem como suporte terico os estudos neoformalistas de Thompson (1988), que se baseiam nas teorias e crticas elaboradas pelo Formalismo Russo (de 1915 at 1930). Segundo Thompson, o neoformalismo uma abordagem e uma teoria esttica que defende a anlise de filmes atravs de leituras que envolvam uma viso ampliada, cuidadosa de um filme, que possibilite ao analista a oportunidade de examinar em forma de lazer aquelas estruturas e materiais que o/a intrigaram em suas vises iniciais e subseqentes." (1988, p.05, traduo nossa) Assim, na concepo de Thompson (1988), a atual anlise de filmes no deve ter o objetivo de validar uma abordagem. Certos filmes merecem uma anlise exatamente porque eles nos comovem, so fascinantes, intrigantes, ou, nas palavras da autora "h algo que no podemos explicar, com base em premissas j existentes em nossa abordagem" (p. 04). Ou seja, Thompson (Id.) refere-se ao conceito de desfamiliarizao, proposto por Viktor Schklovski, um dos tericos do Formalismo Russo, para elese comearmos a analisar as leis gerais da percepo, vemos que a percepo se torna habitual, torna-se hbito automtico (...). Esta habituao explica os princpios pelos quais, na linguagem comum, deixamos as frases inacabadas e meias palavras expressas (...). O objeto, percebido na forma de percepo prosa, desaparece e no deixa mesmo uma primeira impresso; em ltima anlise, mesmo a essncia do que era esquecido (...). A habitualizao consome o trabalho, roupas, mveis, uma esposa, e o medo da guerra (...). E a arte existe para que se possa recuperar a sensao de vida; ela existe para fazer algum sentir coisas, para fazer a pedra rgida. O propsito da arte transmitir a sensao das coisas como elas so percebidas, e no como so conhecidas. A tcnica da arte fazer objetos estranhos (unfamiliar), com formas difceis, aumentando a dificuldade e o tempo de percepo, pois o processo de percepo uma esttica, um fim em si mesmo e deve ser prolongado. (Schklovski apud Thompson, 1988, p.10, traduo nossa)

Tanto o filme como o romance O senhor dos anis - a sociedade do anel apresentam-se interessantes por permitirem o processo de desfamiliarizao a que19

http://www.duvendor.com.br/

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Schklovski (apud THOMPSON, 1988) se refere.

Nessas obras, a desfamiliarizao

ocorre precisamente porque recorrem ao fantstico, gerando o que Todorov (1975) descreve como uma hesitao entre algo real/ sobrenatural, diante do acontecimento estranho. Conseqentemente, romance e filme representam um mundo intrigante exatamente porque nos soa to familiar e desfamiliar ao mesmo tempo. a) Aragorn

Figura I- Olhar de Frodo a Aragorn

Figura II Zoom do olhar de Frodo a Aragorn

Figura III Aragorn sem capuz20 Nesses captulos a cena desenvolvida pela chegada de Frodo a estalagem denominada Pnei Saltitante, vindo ao encontro de Gandalf. Frodo pego de surpresa, pois Gandalf no aparece h anos na estalagem na verso do filme. J verso do livro, Gandalf deixa na estalagem uma carta a Frodo, esclarecendo sobre Aragorn no intuito de depositar-lhe confiana apesar da aparncia que apresenta. Escreve Gandalf: Nem tudo que ouro, fulgura, nem todo vagante vadio. (TOLKIEN, 2000, p.182) Este episdio acontece no captulo do livro intitulado Passolargo (apelido de Aragorn referente ao seu andar de passos largos). Aragorn da raa humana e descende de uma linhagem de Reis,20

As figuras escolhidas apresentam a personagem Aragorn (Viggo Mortensen) no captulo 12 No Pnei Saltitante (Captulo IX do livro - parte I homnimo e Captulo X do livro parte I - Passolargo).

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amigo de Gandalf e ambos aparecem no intuito de ajudar Frodo em sua jornada para destruio do anel. No livro, Aragorn visto como um guardio misterioso pelo povo de Bri (onde se encontra a estalagem), ele vem trazendo notcias das terras distantes quando chega ao povoado.De repente Frodo percebeu que um homem de aparncia estranha e marcada pelos anos, sentado num canto escuro, tambm estava escutando a conversa dos hobbits com muita ateno. Tinha uma caneca alta sua frente, e fumava um cachimbo de haste longa, talhado de forma curiosa. As pernas estavam esticadas, mostrando botas altas de couro macio que lhe serviam bem, mas j bastante surradas e agora cobertas de lama. Uma capa cheia de marcas de viagem, feita de um tecido verde-escuro, o cobria quase por completo, e apesar do calor da sala, ele usava um capuz que lhe ocultava o rosto em sombras; mas podia-se ver o brilho em seus olhos enquanto observava os hobbits. (Ibid. p.164)

A fig. I corresponde a este primeiro olhar de Frodo para Aragorn, j a fig. II um zoom para melhor visualizao da personagem. Tanto no livro quanto no filme a personagem de Aragorn troca de vesturio, exceto em Valfenda, (ver fig. IV no prximo item b) ele estabelecido com esta roupa no filme inteiro (figuras I, II e III). A figurinista Ngila Dickson relata como foi o processo de composio desta personagem:We explored quite a few variations in the Aragorn costume. My original drawing was of log forest-green leather coat. With that as starting point, we tried different colors and lengths, different levels of decoration, added a vest When we were happy with the final costume we realized we had traveled in circle ant it was remarkably close to the original drawing! 21 (RUSSELL, 2002, p.110)

No romance de Tolkien (2000), a personagem Aragorn descrita como pouco atraente fisicamente. O prprio personagem assim descreve a si mesmo ... acredito que minha aparncia no ajude em nada (Ibid., p.181). Outras personagens corroboram a descrio de Aragorn, entre elas o hobbit Pippin que afirma: -No ajuda mesmo - pelo menos primeira vista - riu Pippin (...). Mas beleza no pe mesa, como se diz no Condado... (TOLKIEN, 2000, p.181) Desse modo, Tolkien cria um heri que no moldado pela aparncia, mas ainda assim ele um heri, cujos atributos incluem firmeza de carter quase sobrehumanas, e qualidade de guerreiro incansvel, o futuro rei de Gondor.

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Ns exploramos algumas variaes no traje Aragorn. Meu desenho original era de um longo casaco de couro verde-floresta. Com isso como ponto de partida, tentamos de cores e comprimentos diferentes, nveis diferentes de decorao, acrescentamos um colete... Quando ns estvamos felizes com a fantasia final percebemos que tnhamos viajado em crculo, pois era notadamente prximo do desenho original! (traduo nossa)- Ver figuras em Anexo A- Aragorn

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Na adaptao cinematogrfica, Aragorn representado pelo ator Viggo Mortensen que, na poca das filmagens estava com 42 anos. O ator incorpora a personagem que no romance descrito como marcado pelos anos. Como declarou Elijah Wood, que interpreta o personagem Frodo, que estariam recriando o que Tolkien imaginou. (JACKSON, 2001, DVD2). Em um primeiro momento Wood parece afirmar que h um compromisso do filme representar a saga de Tolkien (2000) com a maior fidelidade possvel. No entanto, quando o ator utiliza o termo recriando, torna-se claro que o filme no se coloca como uma cpia fiel do original literrio. Nem o poderia ser, tendo em vista as especificidades de cada mdia. Mas a transformao de Aragorn no filme tem algumas implicaes mais profundas. Ela parece corresponder s afirmaes de Linda Seger (2007). Segundo ela h no cinema comercial algumas categorias para a escolha das personagens para a adaptao, uma delas a qualidade de simpatia, uma vez queno cinema americano, personagens simpticos so considerados essenciais para que um filme seja comercialmente bem-sucedido. (...) Se voc tiver uma histria com personagens mais negativos, procure por personagens secundrios que sejam simpticos e dos quais o pblico possa gostar. (p.159)

As afirmaes de Seger (Id.) podem tambm se aplicar no somente a escolha das personagens, mas tambm dos atores apropriados para represent-los. Transformaes tambm ocorrem com relao a personagem hobbit Frodo. Os hobbits no so humanos. Pertencem a uma raa, cuja mdia de vida de 100 anos. Frodo, no romance, chega a 50 anos, o que o torna, digamos, um senhor de meia idade. No entanto, em O senhor dos anis de Jackson (2001), Frodo, interpretado por Wood, extremamente jovem. Essa pode ser uma estratgia da produo do filme para que o pblico mais jovem sinta empatia para com a personagem. Portanto, ao se considerar que Frodo um senhor cinqento no mais causa estranheza o fato de as outras personagens o chamarem de Senhor Frodo.b) Frodo Bolseiro

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Figura IV A Sociedade do Anel

Figura V- Frodo em Valfenda

Figura VI Incio da jornada para destruio do anel

Figura VII P do Hobbit Pippin.22 Frodo (Elijah Wood) est em Valfenda (terra dos Elfos) fig. V e cumpre sua primeira misso, levar o anel para um lugar seguro. Porm decide-se que o anel precisa ser destrudo e Frodo quem voluntariamente se encarrega de levar o anel para Torre de Mordor, nico lugar onde o anel pode ser destrudo fig. VI. Por sua vez Bilbo, tio de Frodo lhe presenteia com uma pequena espada: Ferroada e uma ... pequena camisa de malha metlica... (TOLKIEN, p.294, 2000), de grande resistncia. A fig. V mostra Frodo aps receber tais presentes, a considerar ainda que na verso livro ele ganha roupas novas na chegada em Valfenda. Depois dos presentes de Bilbo ele veste as mesmas roupas com

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As figuras IV, V e VI fazem referencia ao captulo 24 Os Presentes de Bilbo (Captulo I do livro parte II Muitos Encontros), captulo 23 O Conselho de Elrond (Captulo II do livro parte II O conselho de Elrond) e captulo 25 O Anel Vai para o Sul (Captulo III do livro parte II- O Anel vai para o Sul). E a figura VII ao captulo 10 Atalho at Cogumelos (Captulo III do livro parte II Trs no demais e captulo IV do livro parte II Atalho at cogumelos).

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as quais chegou ... surradas calas, a tnica e o casaco... (Ibid., p. 295). Mudana esta que no acontece na verso filme. No incio da verso livro Frodo troca algumas vezes de vestimenta, sendo que na sada do Condado, dando incio a sua jornada, ele j estabelecido com esta roupa (fig. V e VI), acrescentado na fig.VI a Ferroada. A tnica verde j encontrada como vestimenta no incio do filme. Esta opo da verso filme mantm uma identidade a personagem, no correndo o risco de confundir o pblico. Para Linda Seger (2007) durante o perodo de duas horas de durao de um filme, o pblico s consegue se concentrar em poucos personagens. So 434 pginas (TOLKIEN, 2000) adaptadas para 02H 58min de filme (JAKSON, 2001). Frodo um hobbit, uma criatura fantstica criada pelo escritor Tolkien (Ibid.). O autor j determinava a relao de uma criatura imagtica com a realidade. fato que, apesar de um estranhamento posterior, os hobbits so nossos parentes: muito mais prximos que os elfos ou mesmo que os anes. (TOLKIEN, 2002, p.02). Rosenfeld (apud CANDIDO, 2002) afirma que a personagem de fico deve apresentar traos humanos, pois segundo o autor, o homem s se interessa pelo que do homem. Os hobbits apesar da pertinente semelhana com traos humanos (verso livro e filme) apresentam disparidades, mais detalhadas na verso livro do que na verso filme como a de serem especificamente gordinhos, concernentes com Sam e Bilbo (tambm hobbits), mas no magros como Frodo, Merry e Pippin. A altura trabalhada nas duas verses (fig. IV) so um povo pequeno, menores que os anes: menos robustos e troncudos, (...) Sua altura varivel, indo de 60 centmetros a 1 metro e 20 centmetros... (TOLKIEN, 2002, p.02). Frodo da raa dos Ps-peludos (fig. VII), estes ps so criados e implantados nos ps dos atores. Sobre isso diz Billy Boyd (personagem de Pippin) em depoimento nos extras do filme para calar os ps preciso ficar em p por mais de uma hora (JACKSON, 2001). Estes ps so maiores que os dos humanos, tem plos em demasia, porm continuam sendo ps: cinco dedos, pele, unhas... Estreitamente ligado ao natural/real. Apesar das variantes do natural/ real a organizao de todos estes aspectos no contexto flmico torna a fantasia eficaz, estabelecendo a hesitao do real e irreal trazido por Tzvetan Todorov (1975). Assim como o livro, no filmecada trao adquire sentido em funo de outro, de tal modo que a verossimilhana, o sentimento da realidade, depende, sob este aspecto, da unificao do fragmentrio pela organizao do contexto. Esta organizao o elemento decisivo da verdade dos seres fictcios, o princpio que lhes

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infunde vida, calor e os faz parecer mais coesos, mais apreensveis e atuantes do que os prprios seres vivos. (CANDIDO, 2002, p. 79-80)

No filme como no livro no h alegorias, o sentido o que est apresentado. Frodo a personagem central, representante neste estudo da raa dos hobbits. fruto da imaginao e realidade, intrnseca relao segundo Scholares (1991). E assim como os hobbits, os Espectros do Anel. c) Espectros do Anel

Figura VIII Saindo do Condado Figura XIX Viso de Frodo com o anel para o Espectro

Figura X Comitiva surpreendida pelos Espectros23 A fig. I o incio da jornada de Frodo para manter o anel seguro, ele est indo ao encontro de Gandalf. Os Espectros comeam a procurar por ele, j sabem que ele o portador do anel pois Gollum delata os hobbits: Bolseiro e Condado (TOLKIEN, 2000) Um dos espectros fareja o anel que est com Frodo, mas sai em seguida, isto na verso livro, j na verso filme Merry quem joga uma bolsa para distra-lo e seguem correndo.23

A figura VIII do captulo 10 do filme Atalho at Cogumelos (Captulo III do livro parte II Trs no demais e captulo IV do livro parte II Atalho at cogumelos). As figuras XIX e X so do captulo 15 do filme Uma Faca no Escuro (Captulo XI livro- parte I- homnimo).

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Nas figuras XIX e X Frodo j est quase no fim de sua primeira misso de guardar o anel em lugar seguro, seguindo para o reino lfico: Valfenda. Porm tanto Aragorn quanto os hobbits so surpreendidos pelos Espectros na verso livro, na verso filme Aragorn no est presente para defend-los. Frodo sente-se tentado em colocar o anel no dedo e ao faz-lo visualiza os Espectros de outra forma. No livro h vrias passagens expondo quem e como so os Espectros do Anel, Nazgl ou Cavaleiros Negros. So relatos, em sua maioria, de narradores-personagens ... falam sobre o personagem principal, mas ao mesmo tempo, tambm so personagens importantes na ao. (SEGER, 2007, p.151) Os relatos coincidem na configurao das personagens dos Espectros. Estes apresentam duas distintas aparncias no livro as quais Jackson (2001) seguiu. A primeira forma visvel a todas as personagens que obtiveram contato com os Espectros. Fig. VIII:Pela curva vinha um cavalo negro, no um pnei de hobbit, mas um cavalo grande: montado por um homem grande, que parecia abaixado na sela, envolto numa grande capa e num capuz preto, de modo que s se viam as botas nos estribos altos. O rosto, coberto por uma sombra, era invisvel. (TOLKIEN, 2000, p.77)

Os Espectros tambm so personagens fantsticas, apenas [fala de Gandalf]... os cavalos so reais; assim como os mantos negros so roupas reais que eles usam para dar forma sua prpria inexistncia, quando tm de lidar com os vivos. (TOLKIEN, 2000, p.234). Em depoimento de Greg Butler- Equipe da P&D da Pr Produo, contido nos extras do filme, ele afirma desde logo, foi dito que o filme deveria ser realista. Qualquer criatura, por mais fantasiosa que fosse, ainda seria de carne e osso, baseada no que existe na natureza (JACKSON, 2001, DVD2) obtendo, assim, o recurso do fantstico. A figurinista Ngila Dickson, tambm em depoimento nos extras, aponta a dificuldade na composio, a personagem mais trabalhosa foi o Espectro do Anel. Mais que tudo. Aquelas roupas que parecem uma mortalha negra escondem uma estrutura muito complexa por baixo. Cada uma tem mais de 50 metros de tecido.... (Ibid.) Alm da capa, as personagens no filme usam tambm uma espcie de armadura. A segunda forma visvel somente a Frodo quando este usa o anel na verso filme, no livro ele os v mesmo sem o anel, aps ferido por uma faca dos Espectros. Fig. XIX:[Frodo ao colocar o anel] Imediatamente, embora tudo continuasse como antes, escuro e sombrio, as figuras se tornaram terrivelmente claras. Frodo podia ver atravs de suas roupas pretas. Havia cinco figuras altas: duas em p, na salincia do valezinho, trs avanando. Nos seus rostos brancos

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brilhavam olhos agudos e impiedosos; sob as capas havia grandes tnicas cinzentas; sobre os cabelos cinzentos, elmos de prata; nas mos magras, espadas de ao. Seus olhos caram sobre ele e o penetraram enquanto corriam na sua direo. Desesperado, Frodo puxou sua espada, tendo a impresso de que dela emanava um brilho vermelho, como se estivesse em brasa. Duas das figuras pararam. A terceira era maior que as outras: o cabelo era longo e brilhante, e sobre seu elmo estava uma coroa. (TOLKIEN, 2000, p.208)

Os Espectros j foram homens, porm seduzidos pelos anis tornaram-se servidores do mal (Sauron). Os cinco Espectros na cena (fig. XIX) aparecem com coroas, no atendendo aos referenciais do livro. Porm o branco e a cor cinza so explorados de modo a conferir uma visualidade semelhante com a do livro, no obstante a histria tenha outros direcionamentos. O livro de Gary Russel (2002) rene diversos depoimentos dos criadores sobre o processo de criao do filme e tambm das personagens. Ele apresenta uma fala de Richard Taylor da empresa Weta Workshop Ltd., responsvel em criar, entre outras, a segunda forma dos Espectros a partir de efeitos especiais were a very interesting design problem, How do you reinvent zombies? Well, they`re a spiritual emanation, but they`re still a solid, prosthetic glue-on job on an actor` face that emulates decay, age and a sapping of spirit. We wanted to bring a new bent to the look of the spiritual world, so Peter Jackson suggested that we imagine they`d been sucking on lemons for a thousand years, and that is exactly what we went for.24 (p.174)

Os efeitos especiais foram demasiadamente usados no filme, porm com cuidado especial, como afirma Jackson (2001) nos extras no acho que O Senhor dos Anis deveria ter sido feito por algum que no entendesse de efeitos especiais. A histria poderia ter ficado sobrecarregada de efeitos. possvel dizer que no houve sobrecarga, v-se a qualidade dos efeitos especiais e tambm o fato da maioria das personagens terem sido criadas utilizando-se de artefatos manuais, possibilitou maior realidade das cenas. H de se considerar tambm que o filme recebeu investimento de US$ 310 milhes da produtora New Line Cinema, conseguindo arrecadar somente no ano de estria US$ 860 milhes25. Esse investimento confere ao diretor inmeras possibilidades para uma produo de qualidade.24

...foi um problema de design muito interessante, como reinventar zumbis? Bem, eles so uma emanao espiritual, mas eles ainda so um slido, um trabalho de colagem de prtese no rosto do ator que emula decadncia, idade e um enfraquecimento do esprito. Queramos trazer uma nova tendncia para o olhar do mundo espiritual, por isso Peter Jackson sugeriu que imaginssemos que eles teriam chupado limo durante mil anos, e exatamente o que fizemos. (traduo nossa) - Ver figuras em Anexo C Espectros do Anel.25

Dados com base na matria de Alcino Leite Neto da Folha de So Paulo. Disponvel em . Acesso em: 20.04.2010.

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5. CONSIDERAES FINAIS A esttica neoformalista ao apresentar o conceito de desfamiliarizao aproximase dos conceitos estudados por outros autores. Como Todorov (1975) ao tratar da verossimilhana, Candido (2002) com a importncia de a personagem possuir caractersticas humanas, ou seja, reais. Tambm com a idia de Francastel (1998) da identificao da recepo ao filme, por resgatar o passado em contato com a obra flmica. Ou seja, vinculada essa idia do cotidiano, ou ainda, do real expresso como um meio inseparvel das obras do O senhor dos anis, quais as relaes pode o pblico possuir com as personagens apresentadas? A anlise permitiu compreender alm das demais consideraes, a caracterstica da humanizao nos seres fantsticos. Todos possuem esta caracterstica como trao fundamental. Assim, por no serem humanos os hobbits nos so desfamiliares; todavia, eles so ao mesmo tempo incrivelmente familiares. Enquanto a personagem Frodo guarda considerveis diferenas fsicas com relao a Aragorn, aquele parece muito mais humano do que este. Frodo uma criao fantstica tanto no romance quanto no filme. Ele no perfeito, no tem a postura e o fsico de heri. Porm tem dvidas muito humanas, em especial com relao ao bem e ao mal, ao vcio e a virtude, ao certo e ao errado. O hobbit, to estranho ao humano no que concerne s aparncias, torna-se uma das criaturas mais humanas tanto no romance de Tolkien (2000), quanto no filme de Jackson (2001). A prpria produo aponta para este vis, no depoimento dado por Greg Butler a respeito dos Espectros do Anel, que apesar de ficcionais deveriam ser de carne e osso, segundo a natureza. Os Espectros do Anel representam a morte, o que familiar, porm no so figuras familiares, indicam, portanto, o que um dia j foi familiar. Esta relao entre a vida, a morte e a vida ps- morte apreende o receptor a seu passado como afirma Francastel (1998), como tambm aponta para o futuro, como uma nica certeza da morte e a incerteza aps a esta certeza. A desfamiliarizao ocasiona inmeras identificaes, haja vista a popularizao do livro e do filme no mundo, e suas dvidas sobre as origens ainda persistentes. O senhor dos anis consegue exemplificar em sua amplitude a questo da desfamiliarizao. Aps estas anlises questiona-se, qual a inteno das mudanas do filme em relao ao livro, se h um compromisso com a histria declarada muitas vezes nos extras do filme. Na anlise possvel observar a intrnseca influncia da indstria mercantil no cinema que apesar da fundamental contribuio da equipe artstica, o que se tem ainda 23

um produto. As personagens Aragorn e Arwen o casal romntico do filme j arrecadaram US$ 2,9 bilhes.26 Se Aragorn da verso filme fosse correlato da verso livro, teria esta aceitao lucrativa? O fato que os diferentes meios oferecem recepes distintas de uma mesma personagem. O filme segue variadas tcnicas de adaptaes como o corte de algumas personagens, como tambm ressalta ou incuta a qualidade de simpatia nas protagonistas, isto tudo no sentido de garantir a identificao da personagem por meio da sua estrutura (seja ela fsica e/ou comportamental) pelo espectador. Tambm se incrementa, s seqncias do filme, mais aventura e/ou suspense a cena. O filme integra esta entre outras tcnicas (SEGER, 2009) mantendo sempre o foco no pblico como j relatava Bazin (apud NAREMORE, 2000). A inteno fantstica do livro permanece no filme. Nas duas verses presente a hesitao entre o natural/sobrenatural (TODOROV, 1975) em relao s personagens e ao seu contexto. Outro exemplo, alm das personagens, o nome do mundo fictcio criado por Tolkien (2000): Terra-mdia, o qual segundo Jackson (2001, DVD2) o imaginrio de uma Europa que existiu na idade das trevas j h muito esquecida. O nome tambm semelhante ao nome do perodo histrico Idade-Mdia. As ambientaes compostas pelo filme aumentam esta semelhana atingindo ainda mais a verossimilhana importante como visto, para o gnero fantstico. As discusses at aqui apresentadas sugerem a validade da abordagem neoformalista para anlise flmica. Algumas crticas tm sido feitas ao neoformalismo que, para alguns, preocupa-se demasiadamente com questes formais em detrimento de outras dimenses que envolvem a composio esttica, tais como, o contexto histrico e social de produo da obra de arte e sua recepo. Entretanto, como abordagem tericometodolgica o neoformalismo uma ferramenta til que permite uma anlise textual com maior objetividade, dessa forma contribuindo para se formular argumentos para discusses de diversas questes contextuais e extras textuais que envolvam criaes artsticas, inclusive as que se referem s exigncias do mercado. H por trs do processo de criao das personagens: a adaptao, a fantasia, a originalidade artstica e o requisito comercial. Ingredientes estes que miscigenados apresentaram aos fs da saga de Tolkien (2000), incluindo o diretor Jackson (2001) a

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Segundo notcia publicada por Dorothy Pomerantz da revista americana Forbes. Dispoonvel em: < http://www.forbes.com/2010/02/10/top-earning-screen-couplesbusiness-entertainment-screen-couples.html>. Acesso em: 20.04.2010.

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realizao de um sonho considerado por muitos impossvel:27 a adaptao cinematogrfica do livro de Tolkien (2000). O filme ainda dispe o conhecimento da saga fonte, aos que ainda no haviam entrado em contato com as obras de Tolkien (Ibid.). Enfim, apesar das tcnicas mercadolgicas existentes possvel ainda apreciar a arte cinematogrfica no filme O Senhor dos Anis- A Sociedade do Anel (JACKSON, 2001). Referncias: BAZIN, Andr. Pour un cinma impur: dfense de ladaptation / In Defense of Mixed Cinema. 1959 BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. Film art. New York: McGraw-Hill, 1997. CANDIDO, Antonio; ROSENFELD, Anatol; PRADO, Dcio de Almeida e GOMES, Paulo Emlio Salles. A personagem de fico. 10 ed. So Paulo: Perspectiva, 2002. CARROLL, Nel. The Philosophy of Motion Pictures. Malden, MA: Blackwell, 2008. CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. Trad. Rejane Janowitzer So Paulo: Martins Fontes, 2005. COLBERT, David. O mundo mgico do Senhor dos Anis; Trad. Ronaldo Eduard Kyrmse. Rio de Janeiro: Sextante, 2002. FRANCASTEL, Pierre. A Imagem, a Viso e a Imaginao. Trad. Fernando Caetano. Portugal: Edies 70, 1998. GONALVES, Dircilene Fernandes . Pseudotraduo, linguagem e fantasia em 'O Senhor dos Anis', de J.R.R. Tolkien: princpios criativos da fantasia tolkieniana. So Paulo: USP, 2007. JACOB, Elizabeth Motta. Um lugar para ser visto: A direo de arte e a construo da paisagem no cinema. Niteri: UFF, 2006. JACKSON, Peter. O Senhor dos Anis - A Sociedade do Anel. Estados Unidos: New Line Cinema / Warner Bros, 2001. DVD1 - 178 minutos. _________. Peter. O Senhor dos Anis - A Sociedade do Anel. Estados Unidos: New Line Cinema / Warner Bros, 2001. DVD2 - 149 minutos. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematogrfica. Trad. Paulo Neves. So Paulo: Brasiliense, 2007. NAREMORE, James. Film Adaptation. New Brunswick: Rutgers University Press, 2000.27

Essas afirmaes podem ser encontradas no site: . Acesso em: 24.09.2010.

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ANEXOS

Imagens do processo criativo das personagens analisadas, extradas do livro de Russell (2002)

Anexo A Aragorn

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Anexo B - Frodo

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Anexo C Espectros do Anel

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