artigo semiotica pronto

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1 “O gigante adormeceu?”: Análise semiótica através do percurso gerativo de sentido 1 Barbara Della Méa PESAMOSCA 2 Elisa Beatriz SARTORI 3 Juliana PETERMANN 4 Magnos Cassiano CASAGRANDE 5 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO: O presente artigo desenvolve uma análise semiótica da reportagem “O gigante adormeceu?” publicada no jornal Zero Hora no dia 7 de julho de 2013. Para o desenvolvimento da análise, estudamos o percurso gerativo de sentido, segundo Fiorin (2005) em seus quatro níveis: fundamental, narrativo, discursivo e de manifestação. Desta forma, buscamos identificar como estes níveis apresentam-se no texto e identificar o objetivo do autor ao utilizar artifícios da linguagem (verbal e visual) na reportagem. A polifonia e os operadores argumentativos foram as principais análises feitas, pois na reportagem estão presentes várias “vozes” utilizadas pelo enunciador que explicitam seu posicionamento no texto. Palavras Chave: semiótica; manifestações; percurso gerativo; zero hora; enfraquecimento. 1. INTRODUÇÃO As manifestações populares por todo o país que inicialmente surgiram para contestar os aumentos nas tarifas de transporte público, são assuntos frequentes nos 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos do Jornalismo do V SIPECOM - Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação 2 Estudante de graduação. 3º semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected] . 3 Estudante de graduação. 3º semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected] . 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda da FACOS-UFSM, email [email protected] 5 Mestrando em Comunicação Midiática - UFSM. Bacharel em Comunicação Social Hab: Publicidade e Propaganda, email [email protected].

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    O gigante adormeceu?: Anlise semitica atravs do percurso gerativo de sentido

    1

    Barbara Della Ma PESAMOSCA2

    Elisa Beatriz SARTORI3

    Juliana PETERMANN 4

    Magnos Cassiano CASAGRANDE5

    Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

    RESUMO:

    O presente artigo desenvolve uma anlise semitica da reportagem O gigante adormeceu? publicada no jornal Zero Hora no dia 7 de julho de 2013. Para o desenvolvimento da anlise, estudamos o percurso gerativo de sentido, segundo Fiorin

    (2005) em seus quatro nveis: fundamental, narrativo, discursivo e de manifestao.

    Desta forma, buscamos identificar como estes nveis apresentam-se no texto e

    identificar o objetivo do autor ao utilizar artifcios da linguagem (verbal e visual) na

    reportagem. A polifonia e os operadores argumentativos foram as principais anlises

    feitas, pois na reportagem esto presentes vrias vozes utilizadas pelo enunciador que explicitam seu posicionamento no texto.

    Palavras Chave: semitica; manifestaes; percurso gerativo; zero hora;

    enfraquecimento.

    1. INTRODUO

    As manifestaes populares por todo o pas que inicialmente surgiram para

    contestar os aumentos nas tarifas de transporte pblico, so assuntos frequentes nos

    1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos do Jornalismo do V SIPECOM - Seminrio Internacional de Pesquisa em Comunicao 2 Estudante de graduao. 3 semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected]. 3 Estudante de graduao. 3 semestre do curso de Jornalismo da FACOS-UFSM, email [email protected]. 4 Orientadora do trabalho. Professora do Curso de Publicidade e Propaganda da FACOS-UFSM, email [email protected] 5 Mestrando em Comunicao Miditica - UFSM. Bacharel em Comunicao Social Hab: Publicidade e Propaganda, email [email protected].

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    meios de comunicao, assim como seu enfraquecimento. A reportagem do jornal Zero

    Hora intitulada O gigante acordou?, do dia 7 de julho de 2013N 17484, trata

    justamente disso: a evoluo das cinco ltimas manifestaes em Porto Alegre, com

    enfoque no seu enfraquecimento.

    Este artigo busca analisar a reportagem que se prope a traar o perfil das

    ltimas manifestaes em Porto Alegre. O objetivo da anlise avaliar de que forma o

    enunciador expe as manifestaes em Porto Alegre, bem como de que elementos ele se

    utiliza para legitimar sua posio acerca das massas - utilizando falas das fontes e a

    linguagem visual - que como ele diz, vm abandonando o barco.

    Para tal, utilizamos o percurso gerativo de sentido proposto por Fiorin, no qual

    [...] de um lado, podem-se analisar os mecanismos sintxicos e semnticos

    responsveis pela produo do sentido; de outro, pode-se compreender o

    discurso como objeto cultural, produzido a partir de certas condicionantes

    histricas, em relao dialgica com outros textos. (Fiorin, 2005, p10).

    Alm disso, o percurso gerativo de sentido torna-se uma ferramenta na medida

    em que mostra de que forma um texto produzido e interpretado num processo que

    segundo Fiorin (2005) vai do mais simples ao mais complexo.

    Logo, tendo por base o percurso gerativo segundo Fiorin (2005), analisaremos

    os quatro nveis propostos: o fundamental, o narrativo, o discursivo, e por fim, o nvel

    da manifestao. Os dois primeiros nveis sero analisados sintxica e semanticamente,

    j no nvel discursivo a anlise ser no plano da sintaxe, no qual iremos analisar de

    forma mais profunda a polifonia. No nvel da manifestao, analisaremos a diagramao

    e todos os elementos visuais presentes na reportagem.

    2. METODOLOGIA

    A anlise da reportagem comear pelo nvel fundamental, analisando aspectos

    semnticos e sintticos. Do mesmo modo seguir com os nveis narrativo e discursivo.

    No nvel da manifestao utilizaremos apenas a semntica como parte da anlise.

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    NVEL SEMNTICA SINTXE

    Fundamental Oposio de valores

    opostos: x versus y

    Afirmao de a, negao de

    a, afirmao de b

    Narrativo Objetos modais; objetos de

    valor

    Enunciados elementares (de

    estado e de fazer); narrativas

    mnimas; sequncia

    cannica

    Discursivo Tematizao e

    Figurativizao

    Operadores argumentativos;

    Polifonia

    Manifestao Anlise de objeto;

    diagramao, cores,

    legendas, fotos, layout.

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    3. ANLISE DA REPORTAGEM O GIGANTE ADORMECEU

    Como primeira anlise, fala-se do nvel fundamental. A semntica e a sintaxe

    desse nvel representam a instncia inicial do percurso gerativo e procuram explicar os

    nveis mais abstratos da produo, do funcionamento e da interpretao do

    discurso.(FIORIN, 2005, p24). Na semntica, dois termos devem estabelecer uma

    posio de ideias, essa relao de contrariedade representada pelo elemento eufrico e

    disfrico, respectivamente com valorao positiva e negativa apresentadas no texto.

    Segundo Fiorin (2005), euforia e disforia no so valores determinados pelo sistema

    axilogo do leitor, mas esto inscritos no texto.

    No texto sobre as manifestaes, temos a oposio dos valores fraqueza versus

    fora, sendo o primeiro o elemento eufrico e o segundo disfrico. Isso porque, ao

    longo da reportagem fica clara a tentativa do enunciado de evidenciar o

    enfraquecimento dos protestos, sendo para ele a fraqueza como positiva. Passadas duas

    semanas, as mobilizaes seguem, mas as massas desapareceram.

    Neste caso, a fora e a fraqueza so valores que remetem ao tema manifestaes

    em Porto Alegre, onde consta em um momento a fora do movimento e logo aps, seu

    enfraquecimento. Esses valores so pronunciados pelo enunciador do texto.

    J na anlise sinttica, temos a afirmao da fora do movimento - no texto

    representado por maiores mobilizaes que o pas j viu, mas,

    logo aps o autor nega a permanncia dessa fora os protestos recentes (...)

    encolheram e, por fim, afirma a fraqueza dos movimentos as massas

    desapareceram, configurando assim a afirmao de a, negao de a, afirmao de b.

    Seguindo com a anlise, percebe-se, no nvel narrativo, a passagem de um

    estado inicial para um estado final, intercalado por uma transformao. Na sintaxe desse

    nvel tem-se dois tipos de enunciados: o de estado e o de fazer. Nos enunciados de

    estado se estabelece uma relao de disjuno ou conjuno entre um sujeito e um

    objeto. Nestes, existem duas espcies de narrativas:a de privao, caracterizada pelo

    estado final conjunto e estado final disjunto e a de liquidao de uma privao com um

    estado inicial disjunto e um final conjunto. No texto analisado, notamos a narrativa

    mnima de liquidao de privao, pelo fato do enunciador nos apresentar um estado

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    inicial com uma massa participante (evidenciando o carter forte das manifestaes)

    mas, logo depois, afirmar o enfraquecimento da mesma, configurando assim um estado

    inicial disjunto e um estado final conjunto, j que, no texto, o enunciador traz a fraqueza

    como valor positivo eufrico. No texto, os enunciados de fazer, os quais mostram as

    transformaes, os que correspondem passagem de um estado a outro aparecem de

    forma gradativa, onde o enunciador enfatiza a diminuio da populao, chegando ao

    estado final que o enfraquecimento total do movimento, caracterizado na reportagem

    por sentenas como: Uma das maiores mobilizaes que o pas j viu / as mobilizaes

    seguem mas as massas desaparecem / ser que o gigante adormeceu de novo? / as

    massa abandonaram o barco gradativamente.

    Os texto so narrativas complexas, em que uma srie de enunciados de fazer

    e de ser (de estado) esto organizados hierarquicamente. Uma narrativa

    complexa estrutura-se numa sequncia cannica que compreende quatro

    fases: manipulao, competncia, performance e sano. (FIORIN, 2005,

    p29)

    Segundo Fiorin (2005), a manipulao acontece quando a ao de um sujeito age

    sobre outro levando-o a querer ou fazer alguma coisa. Na anlise da reportagem, o autor

    expe o cenrio das manifestaes, bem como seu incio, e, para isso, utiliza a voz do

    professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS) para explicar as

    chamadas trs fases das manifestaes. Ele utiliza esses recursos sempre enfatizando a

    fora do movimento como nas sentenas uma das maiores mobilizaes que o pas j

    viu, o gigante acordou, multides, convocadas por diferentes perfis no Facebook

    vo s ruas.

    Porm, ao mesmo tempo que ele fala do despertar da populao, ele deixa a

    entender que esse fenmeno passageiro, e que logo o gigante adormecer novamente,

    como identificamos nas outras fases da sequncia cannica.

    J na competncia, o sujeito dotado de um saber e/ou poder fazer. Esse sujeito

    vai iniciar a transformao central da narrativa. No caso da reportagem, a competncia

    ocorre quando o autor inicia a terceira fase do movimento e prepara o leitor para chegar

    na performance, onde a mudana central da narrativa se concretiza. A competncia

    marcada no texto pelas seguintes passagens: iniciou-se a partir da uma terceira fase / a

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    massa abandonava o barco gradativamente. O autor utiliza o advrbio gradativamente

    para dizer que as manifestaes massivas ainda no acabaram mas esto diminuindo

    lentamente. O que acaba se confirmando nas sentenas que indicam a performance,

    como o caso de: eles eram maioria / vida efmera / encolhimento dos protestos /

    deixamos de nos envolver nas manifestaes /. Essas passagens esto inseridas nos

    discursos pertencentes a outras vozes, a voz do jornal, como se estivesse participando

    - indicam que as massas realmente diminuram.

    A quarta fase da sequncia cannica, a sanso, na qual haveria o reconhecimento

    do sujeito que operou a transformao, distribuindo-se prmios e castigos (Fiorin,

    20005) no est presente na reportagem. O enunciador, na frase a volta das multides

    depender do sucesso da greve, deixa em aberto a sano. Ou seja, o enunciador nos

    leva a acreditar, ao longo do texto, que o movimento realmente perdeu a fora mas no

    o prova, sendo assim, a confirmao da performance no chega a se concretizar.

    A semntica do nvel narrativo aborda os objetos modais e objetos de valor. O

    objeto modal aquele necessrio para a obteno de outro objeto. Na reportagem

    analisada, o objeto modal a populao presente nas manifestaes J o objeto de valor

    aquele cuja obteno o fim ltimo de um sujeito, o que, no caso da reportagem, est

    representado como a diminuio da populao nas manifestaes.

    Em um texto, possvel identificar vozes de outras pessoas opinando,

    argumentando e servindo de base para o fundamento textual, sendo manuseadas para

    mascarar o dizer do prprio enunciador. Com base nisso, e na anlise discursiva, pode-

    se dizer que um texto nunca imparcial, neutro. O jornalista, na maioria das vezes

    utiliza suas convices e preconceitos na hora de redigir um texto, isso todos temos.

    (...) o pecado tico do jornalista, em suma, falsear a sua relao com os fatos, tornando

    parte na impostura da neutralidade. (BUCCI, 2000, p38).

    O enunciador da reportagem utiliza marcadores que introduzem sua opinio de

    forma velada, que se manifestam atravs de operadores argumentativos e dos ndices de

    polifonia, usando a voz de outras pessoas para expressar o que ele pretende dizer como

    forma argumentativa. Ambos conceitos analisados na sintaxe so trazidos por Koch

    (1995).

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    Os operadores argumentativos, que tm por funo indicar (mostrar) a fora

    argumentativa dos enunciados, a direo (sentido) para o qual apontam. (KOCH, 1995,

    p.30), so divididos em classe argumentativa e escala argumentativa, segundo Ducrot

    (1984)

    A classe argumentativa constituda de um conjunto de enunciados que podem

    igualmente servir de argumento para uma mesma concluso (que por conveno se

    denomina R). (DUCROT, 1984). Sempre procurando levar o interlocutor a concluir R.

    Quando essa classe argumentativa se apresenta em forma crescente, como o

    caso do trecho da reportagem:

    encolhimento dos protestos - concluso R

    + (argumento mais forte)

    ->desiluso ao encontrar partidos e organizaes polticas nas

    ruas

    ->confronto com a polcia e depredaes assustaram a

    populao

    ->reduo das tarifas de nibus, rejeio PEC 37, e medidas

    tomadas pelas autoridades (essas aes eram revindiaes da

    populao nos protestos).

    - (argumento mais fraco)

    temos uma escala argumentativa crescente que vai ao encontro de uma mesma

    concluso. Ou seja, todos os argumentos desse trecho levam mesma concluso R ,

    porm, uns so mais fortes (maior poder de persuaso) e outros mais fracos. Os

    argumentos apresentados so separados pelo e, que um indicador de soma de

    argumentos, fazendo com que os argumentos faam parte de uma mesma classe

    argumentativa.

    O primeiro argumento tende a ser o mais forte. No caso da reportagem, o fato

    das organizaes polticas voltarem ao comando das manifestaes fez com que a

    populao fosse abandonando o barco. Portanto, o enunciador afirma ser essa a

    principal causa do encolhimento dos protestos.

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    Outro aspecto importante para a anlise so os ndices de polifonia, que

    possibilitam que encontramos diferentes vozes que permeiam e constituem o texto.

    O termo polifonia designa o fenmeno pelo qual, num mesmo

    texto, se fazem ouvir vozes que falam de perspectivas ou de pontos de vista diferentes com as quais o locutor se identifica ou

    no. Existem determinadas formas lingusticas que funcionam

    como ndices, no texto, da presena de outra voz (KOCH, 1995, p63)

    Outra anlise sinttica oportuna ao texto a dos operadores que contrapem

    argumentos orientados para concluses contrrias. Ou seja, o autor coloca em seu

    discurso um argumento possvel para uma concluso R (argumento p). O argumento p

    sempre atribudo a uma outra voz, qual se reconhece uma certa legibilidade(KOCH,

    1995, p63). Em seguida o contrapem (p) com um argumento decisivo para uma

    concluso contrria a R (concluso no -R ou ~R). Esse argumento q mais forte e

    levar a uma concluso oposta. .

    Operadores que pertencem ao grupo do MAS: se reconhece legitimidade a voz como um argumento possvel para a concluso, mas qual se ope

    um argumento prprio, mais forte, que deve levar a concluso oposta

    (Ducrot, 1984)

    Na reportagem, temos o seguinte esquema de contra-argumento:

    R - resultou em manifestao de esquerda, menos massiva.

    p- na primeira fase o movimento formado por organizaes polticas e grupos

    anarquistas

    MAS

    ~R - e multides vo s ruas para manifestar

    q - mas na segunda fase manifestantes mostram hostilidade aos partidos

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    O locutor introduz em seu discurso um argumento possvel para uma concluso

    R; Logo em seguida, ope-lhe um argumento decisivo para a concluso contrria no-

    R. (KOCH, 1995, p36). Logo, a possvel concluso derrubada quando o contra-

    argumento (que possui o operador MAS) fala que os manifestantes passam a hostilizar

    as organizaes polticas presentes nos protestos, ocasionando um aumento significativo

    de manifestantes, portanto, opondo a manifestao menos massiva com a manifestao

    das multides (concluso final). Entretanto, isso novamente derrubado quando

    analisamos o segundo esquema que apresenta o operador NO ENTANTO, que equivale

    ao MAS (operador de oposio):

    R - e multides vo s ruas para manifestar

    p - na segunda fase manifestantes mostram hostilidade aos partidos

    NO ENTANTO

    ~R -h um encolhimento da populao

    q - na terceira fase os partidos reassumem a organizao

    Uma outra oportuna anlise sinttica da reportagem o uso de travesso, que se

    enquadraria na anlise do uso de aspas de Koch.

    O uso de aspas frequentemente um modo de manter distncia do que se diz,

    colocando-o na boca de outros. (KOCH, 1995, p65). Isso percebido quando o

    enunciador da reportagem utiliza a voz de um professor da Universidade Federal do

    Rio Grande do Sul (UFRGS) que tem sua pesquisa voltada para as manifestaes

    sociais e a voz de uma advogada fundadora de grupo participante das manifestaes

    massivas. Ele utiliza essas citaes como forma de opinar sem usar suas prprias

    palavras. Ou seja, para legitimar suas prprias convices.

    (...) no h texto neutro, objetivo, imparcial. Os ndices de subjetividade se

    introjetam no discurso permitindo que se capte a sua orientao

    argumentativa.(KOCH, 1995, p65). Para exemplificar, temos as sentenas: Virou pop

    (citao do professor) / Ningum consegue manter uma mobilizao de massa por muito

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    tempo (citao do professor) / Deixamos de nos envolver nas manifestaes por causa

    da violncia (citao da advogada).

    A semntica discursiva, segundo Koch (1995), tem como componentes de

    anlise os temas e as figuras. Os temas so os valores abstratos gerais do discurso. A

    tematizao iniciada pela identificao dos traos semnticos pertinentes ao discurso.

    Da reportagem analisada possvel achar o tema terceira fase das manifestaes.

    As figuras so as especificidades e particularidades do discurso. O autor da

    reportagem opta pelas seguintes figuras para representar o tema proposto acima:

    abandonava o barco / encolhimento dos protestos / se desligaram das manifestaes /

    vida efmera. Nessa figurativizao o enunciador escolhe as figuras de acordo com seu

    discurso, carregando-as de significaes e conceitos pr-selecionados.

    Na anlise da manifestao, segundo Fiorin (2005) a unio de um plano de

    contedo com um plano de expresso. Ou seja, O sentido do texto no redutvel

    soma dos sentidos das palavras que o compe nem dos enunciados em que os vocbulos

    se encadeiam, mas que decorre de uma articulao dos elementos que o formam.

    (Fiorin, 2005, p44)

    A imagem, portanto, possui uma relao de complemento com o texto e no

    uma estrutura isolada, o texto verbal e visual se complementam.

    Segundo Barthes (1990), existe um paradoxo quando se fala de um texto

    visual. Esse paradoxo se constitui na existncia de duas imagens: uma sem cdigo

    (denotativa) e outra codificada (conotativa). Embora a foto (principalmente a foto

    jornalstica) seja uma reproduo do real, analisamos as imagens da reportagem como

    codificadas, tendo em vista que a manipulao da imagem tem um longo percurso, que

    vai desde o ponto de vista ideolgico de quem vai registrar a cena, acarretando com

    isso, a escolha do ngulo, a posio dos objetos, do cenrio, at a manipulao da

    imagem na edio, para se chegar a mensagem exata que se quer passar.

    Na reportagem, faz-se um jogo com trs imagens, as duas primeiras retratam a

    presena de uma grande massa com cartazes que reivindicam desde a reduo da tarifa

    at o combate corrupo, como o autor ratifica da legenda. J na terceira imagem,

    percebemos uma tentativa de enquadramento que busca demonstrar o enfraquecimento

    das manifestaes, fato que fica claro ao observarmos a imagem: o ngulo escolhido

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    pelo fotgrafo foi justamente onde estavam menos pessoas, onde as massas estavam

    dispersas, pois se olharmos esquerda, identificamos um nmero bem maior de

    pessoas. Outros elementos somam-se a imagem para dar sentido ao texto, no caso da

    reportagem, as legendas, a diagramao, e o protestmetro (espcie de termmetro que

    mais uma vez refora o abandono das massas nos protestos) aparecem de forma

    interligada. Segundo Kress e van Leeuwen (1996) as imagens objetivas so imagens

    tcnicas e cientficas, como diagramas, mapas e esquemas, que codificam uma atitude

    objetiva em relao imagem. Logo, o protestmetro uma imagem objetiva e, na

    reportagem, central que serve para ligar e relacionar as fotos e as legendas. O

    protestmetro aparece como forma de termmetro numa gradao que passa pelo

    vermelho, laranja e por fim o azul, dando a entender o esfriamento das manifestaes.

    O termmetro se liga aos outros elementos atravs de flechas que contm nmeros,

    indicando as respectivas legendas. Cada legenda tem um ttulo e iniciada por termos

    em negrito que se relacionam com as flechas e seus respectivos nmeros e datas,

    contabilizando cinco, como mostra a tabela seguinte:

    Elementos Legenda 1 Legenda 2 Legenda 3 Legenda 4 Legenda 5

    Ttulo

    O comeo Uma grande

    multido

    O protesto

    do caminho

    de som

    O bloco de

    luta no

    comando

    Mobilizao

    menor

    Termo

    grifado

    Uma grande Uma

    multido

    Dois

    protestos

    O protesto J com

    Nmero de

    pessoas

    10 a 15 mil 15 a 20 mil 10 mil 5 mil 500

    Data 17 de junho 20 de junho 24 de junho 27 de junho 4 de julho

    Portanto, atravs da anlise dos textos no verbais, que possibilita uma

    visualizao dos aspectos subjetivos do texto, notamos que houve uma estratgia em

    relao a diagramao, para que todos os elementos visuais estivessem relacionados e

  • 13

    ratificassem a opinio do autor no texto: o adormecimento do gigante devido a

    diminuio do apoio popular.

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Analisando o percurso gerativo de sentido de Fiorin (2005), destacamos que

    todas as estratgias, tanto do texto verbal como do visual, contribuem para que o

    enunciador tente se afastar das opinies, no caso, dadas pelas suas fontes, fazendo com

    que parea imparcial perante os fatos. Dentre os recursos utilizados cabe ressaltar,

    principalmente, os operadores argumentativos e a polifonia do nvel discursivo, assim

    como as estratgias usadas no nvel da manifestao, que buscam relacionar todos os

    elementos visuais entre si, alm de reforar a opinio do autor do texto sobre os

    protestos.

    Koch diz que no h texto neutro, objetivo e imparcial. A subjetividade se

    coloca no discurso e permite que a sua orientao argumentativa seja captada. A

    neutralidade que se busca em alguns discursos apenas uma fuga, uma forma de

    representao teatral, fazendo com que o enunciador se represente como neutro e sem

    se comprometer com o contedo apresentado.

    Na anlise do nvel fundamental, quando opomos os valores fora versus

    fraqueza, encontramos a fraqueza como valor eufrico. Ou seja, o autor conduz o texto

    para que a fraqueza seja o valor positivo.

    Isso visto no nvel da narrativa, onde temos uma narrativa mnima de

    liquidao de privao, onde passamos da disjuno (negativo para o autor) de fora

    para o conjuno da fraqueza. Alm disso, isso se concretiza no nvel discursivo, onde

    as formas abstratas do nvel narrativo so revestidas de termos que lhe do

    concretude. (FIORIN, 2005, p41). Logo, a conjuno com a fraqueza vai se consolidar

    no nvel discursivo atravs da argumentao e da polifonia.

    Portanto, atravs da anlise do percurso gerativo de sentido proposto por Fiorin

    na reportagem O gigante acordou, comprovamos que desde o nvel fundamental, at o

    da manifestao, podemos notar a ntida tentativa do enunciador de provar o

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    enfraquecimento dos protestos, mesmo que no final, na fase da sanso, ele no

    comprove esse fato, deixando o futuro das manifestaes em aberto.

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    5. REFERNCIAS

    BUCCI, Eugnio. Sobre tica e imprensa. So Paulo: Companhia das Letras, 2000

    DUCROT, Oswald. Les chellesargumentativs.Paris: Minuit, 1980

    FIORIN, Jos Luiz. Elementos do discurso. So Paulo: Contexto, 2005

    KOCH, Ingedore. A inter-ao pela linguagem.So Paulo: Contexto, 1995.

    KRESS, G. e VAN LEEUWEN, T. 1996.Reading images: the grammar of the design

    visual. London, Routledge.