artigo - rxsr - a dona de alphaville e tamboré

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Page 1: Artigo - RXSR - A dona de Alphaville e Tamboré

A pretensa dona de Alphaville e Tamboré Por Renato Xavier da Silveira Rosa

Os bairros de Alphaville e Tamboré, na Região Metropolitana de São Paulo–SP, são

objeto de conflito com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), vinculada ao

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A Gerência Regional de São Paulo

(GRPU–SP) da SPU, com competência sobre o Estado de São Paulo, é responsável pela

cobrança de Foro Anual e Laudêmio dos imóveis que a União Federal considera de sua

propriedade, dentre os quais se incluem, segundo entendimento do governo federal, os

imóveis localizados na região em questão, o que é questionado e criticado por diversos

moradores destes bairros.

De início, necessário esclarecer que alguns imóveis, com características específicas,

podem se submeter ao regime de aforamento (instituto jurídico da enfiteuse), em favor

da União Federal. Isso significa que o dono do imóvel na verdade é proprietário apenas

do domínio útil. Além disso, deve-se pagar à União um foro anual e, a cada

transferência da propriedade (domínio útil), é devido o laudêmio, ambos calculados

sobre o valor do imóvel. Todo esse regime é instituído com base no Decreto-Lei Federal

nº 9.760/46, com posteriores alterações.

Todavia, o caso dos imóveis localizados na região de Alphaville e Tamboré é peculiar,

uma vez que o próprio fundamento pelo qual se pretende instituir e manter o

aforamento não é juridicamente sustentável, em razão de não se poder enquadrar a

pretensão da União Federal nas hipóteses previstas no artigo 1º do citado decreto-lei.

A GRPU–SP aplica o regime enfitêutico em tais imóveis sob o fundamento de ter

havido presença de indígenas no antigo Sítio Tamboré, área em que foi construído o

loteamento de Alphaville e Tamboré. Todavia, tem-se por óbvia e notória a inexistência

de qualquer aldeamento indígena ali desde tempos longínquos e remotos; se assim não

fosse, todo o território brasileiro deveria estar sujeito a esse regime de aforamento, pois

índios havia em todas as terras, quando da chegada dos portugueses.

Em virtude desse descompasso surge o conflito. De um lado, a SPU envia anualmente

os boletos de cobrança do foro anual, bem como exige o pagamento de laudêmio.

Porém, de outro, os moradores não concordam com a cobrança, o que causa grande

comoção em torno do tema.

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Page 2: Artigo - RXSR - A dona de Alphaville e Tamboré

Ademais, há de se considerar que desde 2004 os valores do foro anual passaram a

aumentar vertiginosamente, passando de poucas centenas de reais, na década de 1990 e

primeira metade da década de 2000, para alguns milhares de reais nos últimos anos, o

que vem inviabilizando o efetivo exercício do direito à moradia de diversas famílias.

Para completar a confusão, a GRPU–SP, conforme noticiado na edição de 22.05.2009

do Jornal Folha de São Paulo, pretende oferecer aos proprietários de Alphaville e

Tamboré a opção de adquirir da União Federal o domínio direto de seus terrenos

(acrescentando-o ao domínio útil, obtendo-se o domínio pleno) dos seus terrenos, pela

bagatela de 17% do valor do imóvel (com benfeitorias), a fim de extinguir o regime

enfitêutico, tudo na esperança de que moradores desavisados paguem por aquilo que já é

seu.

Por fim, lembra-se que o festejado mestre PONTES DE MIRANDA ensinou que a enfiteuse “é

um dos cânceres da economia nacional”, ou seja, além de arcaico, está defasado e

ultrapassado (Cf. Tratado de direito privado, 3ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 18,

p. 179; apud VENOSA, Direito civil: direitos reais (Coleção Direito Civil, v. 5), 3ª ed.,

São Paulo: Atlas, 2003, p. 380).

Entretanto, com propriedade, SÍLVIO DE SALVO VENOSA demonstra que a enfiteuse em

favor da União tem de ser aplicada enquanto estiver prevista em lei especial, com

natureza de Direito Administrativo, e não de Direito Privado (Cf. Direito civil: direitos

reais…, ob. cit. p. 390). Desta forma, deve-se considerar que a enfiteuse instituída em

favor da União Federal é lícita e legítima enquanto houver lei específica que assim

determine, mas desde que o imóvel se enquadre exatamente nas hipóteses legais.

Pelos motivos acima expostos, aponta-se que diversos moradores da região passaram a

buscar seus advogados para propor ações na justiça, com dois objetivos: (i) obter a

declaração de que o regime enfitêutico deve ser desconstituído e (ii) depositar em juízo

os valores supostamente devidos, durante a tramitação do processo, a fim de evitar os

prejuízos do inadimplemento — tais como acréscimo de juros de mora e a provável

inscrição em dívida ativa dos valores, ou seja, cobrança judicial (Execução Fiscal) —.

Renato Xavier da Silveira Rosa é advogado em São Paulo, formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (Universidade de São Paulo – USP), pós-graduando em Direito Tributário pelo Departamento de Direito Econômico e Financeiro da mesma instituição e membro da banca de advocacia paulistana Cesar & Pascual – Advogados Associados.

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