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Revista Sinais n.14, dezembro, 2013 Sinais - Revista Eletrônica Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. ISSN: 1981-3988. Email: [email protected] Página67 Desafios do trabalho escolar: um estudo de caso Leandro Gaburro Cassaro 1 Marcelo de Souza Marques 2 Mariangela Lima de Almeida 3 Valdinei José dos Santos Filho 4 Resumo: Inserindo-nos no debate acerca dos desafios do trabalho escolar, temos por objetivo refletir sobre o tema a partir de uma perspectiva democrática no desenvolvimento de ações conjuntas, envolvendo pedagogos, professores, comunidade e direção escolar, sobretudo no que diz respeito ao Projeto Político Pedagógico (PPP). Com isso em mente, realizamos um estudo de caso numa escola estadual de ensino fundamental e médio da rede pública de ensino, localizada no município de Vila Velha, Espírito Santo. O estudo apontou para a necessidade do trabalho escolar se constituir coletiva e democraticamente no dia a dia da escola na busca de uma nova perspectiva de escola e de ensino. Palavras-chave: Sociologia da Educação; Trabalho Escolar; Participação; Ensino em Multiníveis. Abstract: Inserting ourselves in the debate about the challenges of school work, we aim to reflect on the theme from a democratic perspective in the development of joint actions involving educators, teachers, community and school administration, particularly regarding to the Political Pedagogical Project (PPP). With that in mind, we conducted a case study in a public elementary and middle classes school, located in the municipality of Vila Velha, Espírito Santo. The study pointed to the need of school work to constitute the everyday collectively and democratically in a search for a new perspective on school and the education. Keywords: Sociology of Education; School Work; Participation; Teaching Multilevel. 1 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Espírito Santo (UFES). E-mail: [email protected] 2 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Espírito Santo (UFES). E-mail: [email protected] 3 Professora Adjunta II do Departamento de Educação, Política e Sociedade do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES): [email protected] 4 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade do Espírito Santo (UFES). E-mail: [email protected]

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Estudo sobre o modo de lecionar dentro da sala de aula.

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  • Revista Sinais n.14, dezembro, 2013

    Sinais - Revista Eletrnica Ncleo de Estudos e Pesquisas Indicirias, Universidade Federal do Esprito Santo, Vitria, Brasil. ISSN: 1981-3988. Email: [email protected]

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    Desafios do trabalho escolar: um estudo de caso

    Leandro Gaburro Cassaro1

    Marcelo de Souza Marques2

    Mariangela Lima de Almeida3

    Valdinei Jos dos Santos Filho4

    Resumo: Inserindo-nos no debate acerca dos desafios do trabalho escolar,

    temos por objetivo refletir sobre o tema a partir de uma perspectiva democrtica no desenvolvimento de aes conjuntas, envolvendo pedagogos, professores, comunidade e direo escolar, sobretudo no que diz respeito ao Projeto Poltico

    Pedaggico (PPP). Com isso em mente, realizamos um estudo de caso numa escola estadual de ensino fundamental e mdio da rede pblica de ensino,

    localizada no municpio de Vila Velha, Esprito Santo. O estudo apontou para a necessidade do trabalho escolar se constituir coletiva e democraticamente no dia a dia da escola na busca de uma nova perspectiva de escola e de ensino.

    Palavras-chave: Sociologia da Educao; Trabalho Escolar; Participao; Ensino

    em Multinveis.

    Abstract: Inserting ourselves in the debate about the challenges of school work, we aim to reflect on the theme from a democratic perspective in the

    development of joint actions involving educators, teachers, community and school administration, particularly regarding to the Political Pedagogical Project

    (PPP). With that in mind, we conducted a case study in a public elementary and middle classes school, located in the municipality of Vila Velha, Esprito Santo. The study pointed to the need of school work to constitute the everyday

    collectively and democratically in a search for a new perspective on school and the education.

    Keywords: Sociology of Education; School Work; Participation; Teaching Multilevel.

    1 Graduando em Cincias Sociais pela Universidade do Esprito Santo (UFES). E-mail:

    [email protected] 2 Graduando em Cincias Sociais pela Universidade do Esprito Santo (UFES). E-mail:

    [email protected] 3 Professora Adjunta II do Departamento de Educao, Poltica e Sociedade do Centro de

    Educao da Universidade Federal do Esprito Santo (UFES): [email protected] 4 Graduando em Cincias Sociais pela Universidade do Esprito Santo (UFES). E-mail:

    [email protected]

    mailto:[email protected]
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    Introduo

    Tudo que no se regenera est condenado.

    Edgar Morin

    Os desafios do trabalho escolar tm sido cada vez maiores na

    contemporaneidade. No se trata apenas de possibilitar aos alunos o

    conhecimento da cincia e da tecnologia, mas tambm possibilitar que

    estes desenvolvam as habilidades para oper-los, rev-los, transform-

    los e redirecion-los em sociedade e as atitudes sociais cooperao,

    solidariedade, tica (Pimenta, 1993, p.79. Grifo da autora).

    Nessa perspectiva, a Escola deixa de ser analisada como um aparelho

    determinadamente a servio da ideologia dominante e passa a ser

    percebida como um espao de possibilidades, podendo contribuir para o

    processo de humanizao do aluno-cidado consciente de si no mundo,

    capaz de ler e interpretar o mundo no qual est e nele insere-se

    criticamente para transform-lo (Pimenta, 1993, p.80).

    Desafios complexos que necessitam mudanas da e na educao, exigindo

    tanto dos sistemas de ensino quanto das escolas um novo modelo de

    organizao, em que as escolas se percebam e sejam percebidas

    enquanto partcipes da realidade social: esse novo precisa ser construdo

    a partir do j existente, pelos atores da Educao os profissionais, os

    alunos, as famlias (Pimenta, 1993, p.79).

    Este novo modelo de organizao ao qual a autora se refere pauta-se em

    alguns princpios norteadores j consagrados no campo da Educao,

    como o Projeto Poltico-Pedaggico (PPP), o trabalho coletivo e o

    conhecimento da cincia pedaggica.

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    Inserindo-nos no debate acerca dos desafios do trabalho escolar, temos

    por objetivo refletir sobre o tema a partir de uma perspectiva democrtica

    no desenvolvimento de aes conjuntas, envolvendo pedagogos,

    professores, comunidade e direo escolar, sobretudo no que diz respeito

    ao Projeto Poltico Pedaggico (PPP).

    Para isso, partimos de um estudo de caso. Nosso locus de observao foi

    uma escola estadual de ensino fundamental e mdio, localizada no

    municpio de Vila Velha, Esprito Santo. Trata-se de uma escola

    considerada de referncia da rede pblica de ensino no referido

    municpio. A escolha da escola se justifica pela possibilidade de se analisar

    os limites e as possibilidades do trabalho escolar conjunto em um caso

    que, a princpio, destaca-se na regio.

    Para tanto, realizamos visitas escola, lanando mo da observao

    direta e de entrevistas com a pedagoga e com dois professores. As visitas

    foram realizadas no ms de julho de 2013. Tendo em vista as

    especificidades deste estudo, optamos pelo emprego das tcnicas de

    entrevista guiada in locus (Richardson, 2010). O fato das entrevistas

    guiadas serem compostas por perguntas pr-estabelecidas e, por isso,

    basear-se em certo conhecimento prvio acerca do objeto por parte do

    pesquisador, permite o melhor uso do tempo empregado entrevista.

    A opo por esta ferramenta de pesquisa se justifica pelo contexto de

    pesquisa de campo deste trabalho realizado no ambiente escolar, por

    estudantes do curso de licenciatura, durante dias comuns de aula,

    exigindo a otimizao do tempo de entrevista em meio ao cotidiano

    escolar. Por fim, vale ressaltar que as entrevistas com os profissionais

    contatados foram realizadas separadamente. Nosso objetivo foi ouvir e

    traar paralelos das respostas s perguntas que se repetiram para ambos

    os profissionais.

    Para melhor exposio, o artigo ser apresentado em duas sees. Na

    primeira seo do artigo, medida que refletirmos sobre alguns pontos

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    concernentes poltica educacional a partir das diretrizes gerais para as

    polticas pblicas no Esprito Santo, sistematizadas no Plano de

    Desenvolvimento Esprito Santo 2025 conhecido como ES-2025

    destacaremos as possibilidades e os limites normativos da construo de

    uma nova perspectiva de escola, como pretendida pelo Novo Currculo da

    Escola Estadual no Estado. Na segunda seo, dissertaremos acerca do

    trabalho escolar no estudo de caso em questo, tomando como base

    algumas discusses do campo de conhecimento da Educao. Ao fim

    deste, apresentaremos nossas consideraes acerca dos caminhos

    possveis para uma maior eficincia da participao no desenvolvimento

    de aes conjuntas no trabalho escolar, envolvendo pedagogos,

    professores, comunidade e direo.

    Possibilidades e Limites para uma Nova Perspectiva de Escola

    Entender a concepo de escola, inscrita no Currculo Bsico Estadual,

    fundamental para comearmos a discutir sobre o processo de construo

    do ensino nas escolas pblicas no Esprito Santo.

    Segundo o site da Secretaria de Educao do Governo do Estado (SEDU)5,

    o Currculo da Educao Bsica no Esprito Santo tem como base as

    orientaes nacionais presentes nos Parmetros Curriculares Nacionais

    (PCN) para o Ensino Fundamental e nas Orientaes Curriculares para o

    Ensino Mdio. No Esprito Santo, como destaca o prprio Guia de

    Implementao para o Novo Currculo (Esprito Santo, 2009), todas as

    diretrizes estratgicas do Estado se baseiam no ES-2025, inclusive a

    poltica educacional.

    Ao analisarem os eixos estratgicos do ES-2025, como norteadores de

    planos de polticas pblicas no Esprito Santo, Borges e Marques (2013)

    argumentam que se trata de um plano desenvolvimentista, que busca

    5 Disponvel em http://www.educacao.es.gov.br/default.asp

    http://www.educacao.es.gov.br/default.asp
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    inserir o estado na perspectiva hegemnica orientada por preceitos

    neoliberias que, em ltima instncia, tendem a focar o desenvolvimento

    econmico.

    Seguindo os apontamentos dos autores citados, buscamos apresentar as

    principais metas desse plano. Metas que esto presentes em diferentes

    aes do Governo do Estado: A) Desenvolvimento do capital humano; B)

    Erradicao da pobreza e reduo das desigualdades; C) Reduo da

    violncia e da criminalidade; D) Interiorizao do desenvolvimento; E)

    Desenvolvimento da rede de cidades; F) Recuperao e conservao de

    recursos naturais; G) Agregao de valor produo, adensamento das

    cadeias produtivas e diversificao econmica; H) Desenvolvimento da

    logstica; I) Capital social e qualidade das instituies capixabas; J)

    Fortalecimento da identidade capixaba e imagem do Estado e K) Insero

    estratgica regional. So sobre esses eixos que as iniciativas do Estado

    devem ser executas, inseridas em um ou mais desses onze eixos (Esprito

    Santo [ES-2025], 2006).

    Como destaca o Currculo Bsico Estadual (Esprito Santo, 2009, p. 14), o

    ES-2025, plano que apresenta diretrizes estratgicas de longo prazo,

    prope a organizao da gesto pblica, valorizando a educao como

    patrimnio por um desenvolvimento sustentvel. Podemos inferir de tal

    afirmao que a Educao est inscrita no eixo A do ES-2025, referente

    ao desenvolvimento do capital humano.

    Essa ideia est diretamente relacionada lgica de desenvolvimento

    socioeconmico e social sustentada pelo neoliberalismo, em que o Estado

    e o Capital ofertam aos cidados as possibilidades para sua

    capacitao e de desenvolvimento profissional, ficando a estes a

    responsabilidade por se prepararem para o mercado de trabalho.

    Esse fato encontra-se presente na paradoxa defesa de uma nova

    perspectiva de escola estadual, presente no Guia de Implementao do

    Novo Currculo (Esprito Santo, 2009). Perspectiva esta que sugere pensar

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    para alm da concorrncia para o ingresso no Ensino Superior e cujo

    processo de ensino rompa com a antiquada aprendizagem mecnica e de

    memorizao dos contedos. Nesse sentido, esta nova perspectiva de

    escola para o Esprito Santo:

    [] pressupe um novo olhar sobre o cotidiano, sobre o aluno e

    suas necessidades. Pressupe mudana de postura, de

    deslocamento do lugar do saber para o lugar do saber-aprender,

    de valorizar a permanente atualizao, a construo de sujeitos

    coletivos, politicamente envolvidos e comprometidos com a

    formao de um cidado (). Tendo sempre como foco a

    promoo da aprendizagem, a Sedu estabelece como prioridade: a

    valorizao do planejamento e a inovao da gesto; o

    desenvolvimento das pessoas; a oferta e eficincia de

    infraestrutura e suporte; a efetivao de parcerias com a

    sociedade; a construo de um sistema de avaliao das escolas,

    gestores, tcnicos e professores; a criao de um eficiente sistema

    de comunicao interna; e a valorizao de inovaes pedaggicas

    (). Essas diversas aes, conectadas umas s outras, tendo

    sempre como valores o respeito ao ser humano, a igualdade de

    oportunidades, o comprometimento com resultados, a atitude

    tica, a transparncia, o compromisso com o desenvolvimento

    do Esprito Santo e a valorizao da identidade capixaba, com

    certeza possibilitaro no somente a melhoria de nossa rede de

    ensino, mas a concretizao de uma nova escola no Esprito Santo,

    preparada para enfrentar os desafios e impasses presentes em

    nosso mundo contemporneo (ESPRITO SANTO, 2009, p.14. Grifo

    nosso).

    O paradoxo est nos resultados esperados (destacados na citao

    anterior) e no fato de que, como destaca o prprio Currculo Bsico, a

    poltica pblica educacional no Esprito Santo, como as demais polticas

    pblicas, estarem inscritas no ES-2025, que, como argumentam Borges e

    Marques (2013), baseia-se em lgicas desenvolvimentistas neoliberais,

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    como a formao de mo de obra para o mercado e o compromisso com o

    desenvolvimento economicista.

    Levantamos aqui uma questo acerca da proposta de uma nova

    perspectiva de escola almejada pelo Guia de Implementao do Novo

    Currculo: visto sua insero num panorama geral de polticas pblicas

    estaduais, que tende a valorizar, em ltima instncia, o desenvolvimento

    econmico, quais so os limites dessa nova perspectiva de escola?

    As primeiras linhas do ES 2025 podem ser um indicativo. O plano:

    [...] aponta para um novo ciclo de desenvolvimento do

    Esprito Santo, baseado na integrao competitiva, em nvel

    nacional e internacional, de uma economia capixaba diversificada e

    de maior valor agregado, sustentada pelo capital humano,

    social e institucional de alta qualidade (). Tambm vamos

    universalizar o ensino bsico, expandir os ensinos mdio, superior

    e profissional, potencializando o sistema educacional capixaba. A

    meta para o Esprito Santo alcanar em 2025 uma escolaridade

    de 12 anos. Escolaridade equivalente da populao adulta da

    Finlndia ou da mdia dos pases desenvolvidos nos dias de hoje.

    Vamos promover uma eficaz e massiva atrao de investimentos

    produtivos. A economia capixaba aumentar sua insero

    competitiva no mercado nacional e internacional, ancorada em

    uma agricultura de valor agregado; em um setor tercirio

    avanado; na cadeia produtiva do petrleo e gs; em um conjunto

    de arranjos produtivos locais e nos grandes empreendimentos

    industriais competitivos em escala planetria. O PIB per capita dos

    capixabas em 2025 dever alcanar US$ 20.500, pouco superior

    ao da Coria do Sul dos dias de hoje (ESPRITO SANTO 2025,

    2006, p. 6. Grifo nosso).

    Diante deste cenrio, percebemos que o grande desafio estrutura

    escolar que almeje uma educao democrtica e emancipatria em face

    aos preceitos neoliberais presentes nas diretrizes gerais das polticas

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    pblicas no Esprito Santo buscar alternativas a este cenrio um tanto

    quanto desanimador. Uma boa alternativa, como destaca Veiga (2008),

    pode estar nos PPPs, apresentando-se como possibilidades de construo

    de uma nova perspectiva de escola e de educao, que vise a superao

    contra-senso atual.

    Essa possibilidade est inscrita na autonomia relativa das escolas na

    formulao dos PPPs, garantindo-lhe uma identidade prpria, que deve se

    relacionar comunidade a qual pertence. Consideramos a autonomia das

    Escolas relativa porque esta, assim como outras instituies pblicas, est

    sob uma perspectiva macro de polticas pblicas. No caso do Esprito

    Santo, o ES-2025. Todavia, considerando seu grau de autonomia, o PPP

    pode resgatar a escola como espao pblico, lugar de debate, do dilogo,

    fundado na reflexo coletiva (Veiga, 2008, p.14).

    Dizer que necessria a construo coletiva de Projetos Polticos

    Pedaggicos (PPP) que apresentem a possibilidade da criao de uma

    nova perspectiva de escola e de educao, no o mesmo que dizer que

    tal esforo no exista, mesmo que normativamente, nas diretrizes do

    Novo Currculo Bsico para Educao no Esprito Santo.

    Na seo Roteiro bsico para proposio do PPP que se articule com o

    novo currculo, do Guia de Implementao do Novo Currculo (Esprito

    Santo, 2009), so apresentados os caminhos para a construo coletiva

    de PPPs, indicando que:

    As reflexes acerca da prtica pedaggica procuram evidenciar que

    no basta que a escola tenha profissionais com conhecimento em

    sua rea de atuao. preciso que esses conhecimentos estejam

    inseridos criticamente na realidade socioeconmica e poltica de

    nossa sociedade. Devem estar articulados a uma prtica

    comprometida com o direito de aprender de todos e de cada um

    (ESPRITO SANTO, 2009, p.33).

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    Ademais, lista uma srie de itens do PPP (Esprito Santo, 2009, p.33-34)

    que so fundamentais para se pensar em uma ao educativa que

    considere as especificidades dos alunos, o contexto social, a participao

    do alunato nas aes das escolas, dentre outros.

    Alm da proposta pedaggica da escola, o planejamento escolar e a

    formao dos profissionais, que envolve formao continuada e a

    percepo poltica, social e cultural dos atores sociais envolvidos na

    educao, podem fazer a diferena na busca de um novo cenrio para a

    educao.

    Nesse sentido, a escola deixa de ser caracterizada como um espao

    estruturado a servio da ideologia do Capital e passa a ser vista como um

    possvel espao aberto de lutas discursivas por mudana social, como

    defendido pela Teoria Crtica da Educao (Saviani, 1984).

    Comungamos com o pensamento de Saviani, entre outros pontos, no que

    se refere ao ato de produzir intencionalmente o indivduo na coletividade,

    uma vez que a educao parte de um processo imaterial que traz

    concepes e valores, e como tal, uma prtica mediadora do ambiente

    social. Sendo assim, acreditamos que a escola tem papel fundamental no

    sentido de introduzir ao aluno disciplinas de forma a propiciar um saber

    conjunto, construdo de maneira menos vertical, garantindo que uma

    relao se estabelea entre o professor e o aluno, para que o mesmo

    assimile de maneira efetiva o conhecimento e o leve para alm do

    ambiente escolar.

    Acreditamos que tal catarse d-se de maneira individual e tambm

    coletiva, uma vez que o mtodo venha a admitir a insero de elementos

    por parte dos alunos, havendo uma problematizao do prprio ensino,

    sendo o mesmo reconhecido como prtica social, no como um fardo ou

    momento transitrio.

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    Nesta perspectiva, que permite deslocarmos de certo pessimismo

    sentimental (SAHLINS, 1997) em relao s possibilidades de mudana,

    podemos afirmar que os limites e as possibilidades para uma nova

    perspectiva de escola, como pretendido pelo Guia de Implementao do

    Novo Currculo (Esprito Santo, 2009), so to limitadas quanto possveis.

    Isso porque por um lado o discurso hegemnico neoliberal presente nas

    diretrizes gerais para as polticas pblicas no Esprito Santo apresenta-se

    como um grande desafio a ser superado em prol do desenvolvimento de

    uma escola democrtica e emancipatria. Por outro, os Projetos Poltico-

    Pedaggicos bem como o esforo do trabalho coletivo envolvendo

    profissionais, alunos e sociedade, podem se apresentar como uma fora

    no sentido de buscar alternativas ao atual quadro local de formulao de

    polticas pblicas voltadas educao. Ou seja, a Escola tambm um

    espao de luta e qualquer mudana sensvel no sentido do processo

    educacional depender de articulaes das foras polticas em cena de

    forma contrria hegemonia constituda.

    Desta forma, uma vez que coletivos dos mais diversos obtenham a

    conscincia necessria e apliquem suas foras em conjunto, acreditamos

    que a Escola enquanto uma dimenso dos espaos de luta na sociedade

    possa ser um espao de contra-reproduo da dominao social que

    tende a ser perpetuada no prprio ambiente educacional (BOURDIEU;

    PASSERON, 1975).

    Estudo de Caso: Conhecendo o Trabalho Escolar

    A elaborao do PPP, entendido como a prpria organizao do trabalho

    pedaggico da escola como um todo (Veiga, 2008, p.11), uma funo

    que compete escola, como consta no artigo 12, inciso I, da Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei 9394/94) que prev tanto

    a participao dos profissionais da educao do projeto pedaggico da

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    escola (artigo 14, inciso I), quanto participao da comunidade (inciso

    II).

    No se trata apenas de uma legislao que determina s escolas a

    elaborao de uma proposta pedaggica, tampouco de uma forma para

    atender s necessidades de sua clientela (Andr, 2001). Ao delegar tal

    funo s escolas, evidencia a fundamental importncia da administrao

    escolar refletir sobre sua intencionalidade junto ao alunato e

    comunidade da qual faz parte, bem como diz respeito aos instrumentos

    terico-metodolgicos da organizao escolar.

    Por isso, exige profunda reflexo quanto s finalidades da escola, seu

    papel social e os caminhos pelos quais trilhar para operacionalizar suas

    aes, e como envolver todos os responsveis no processo educativo.

    Para Veiga (1998),

    Seu processo de construo aglutinar crenas, convices,

    conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e

    cientfico, constituindo-se em compromisso poltico e pedaggico

    coletivo. Ele precisa ser concebido com bases nas diferenas

    existentes entre seus autores, sejam eles professores, equipe

    tcnico-administrativa, pais, alunos, e representantes da

    comunidade local. , portanto, fruto de reflexo e investigao

    (VEIGA, 1998. p.9).

    Todo projeto pedaggico, portanto, um projeto poltico, pois se encontra

    articulado ao compromisso sociopoltico com os interesses reais e

    coletivos da populao majoritria. poltico no sentido de compromisso

    com a formao do cidado para um tipo de sociedade (Veiga, 2008,

    p.13). Percebe-se, assim, a importncia dos PPPs na organizao do

    trabalho escolar.

    Segundo a pedagoga entrevistada, desde 2010 a escola visitada possui

    PPP; seguindo a determinao da SEDU. Elaborado a partir do Roteiro

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    bsico para proposio do PPP, do Guia de Implementao do Novo

    Currculo (Esprito Santo, 2009), o PPP da escola reavaliado anualmente

    pela coordenao escolar, com o acompanhamento da direo:

    A escola possui sim um projeto pedaggico desde 2010, foi um

    projeto institudo pela SEDU de carter obrigatrio para toda a

    rede Estadual de ensino Esse PPP reavaliado todos os anos pela

    coordenao como um todo, com o acompanhamento da diretora

    escolar (Entrevista com a pedagoga abordada).6

    Essas reavaliaes anuais como apontam Pimenta (1993) e Veiga (1998;

    2008), so um ponto positivo, pois permitem melhor contextualizao e

    adequao dos instrumentos terico-metodolgicos ao processo de

    transformao social.

    J no que se refere participao dos professores e da comunidade

    escolar, esta se limita Jornada Pedaggica Poltica (JPP) e ao

    planejamento escolar, que feito a partir do PPP. Ou seja, a elaborao

    do PPP em si no a partir de um trabalho coletivo envolvendo todos os

    sujeitos sociais no processo educacional, isto , professores, alunos,

    direo escolar e comunidade, apenas sua execuo o .

    A no-participao na elaborao ou avaliao do PPP, ou a participao

    no efetiva (isto , participao que no chega aos nveis de deciso

    poltica da escola, expressos no PPP), impacta negativamente na

    construo coletiva e democrtica sobre as finalidades da escola e,

    conseqentemente, na definio dos caminhos, formas operacionais e

    aes a serem empreendidas por todos os envolvidos com o processo

    educativo elementos destacados por Veiga (1998; 2008) como

    fundamentais ao PPP.

    6 Entrevista cedida em 11 de julho de 2013.

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    Outro ponto positivo da escola visitada o atendimento individual e

    coletivo (por reas de conhecimento) aos professores por parte da

    coordenao pedaggica. Trata-se de um importante aspecto do trabalho

    coletivo destacado por Pimenta (1993) para a organizao do trabalho

    Escolar.

    O atendimento individual ao professor ocorre somente mediante

    solicitao prvia por parte do mesmo:

    H um planejamento coletivo? Sim h, se resume a equipe

    pedaggica onde a diretora tambm membro efetivo durante

    esse planejamento. O planejamento com o professor, por sua vez,

    no feito de forma individual. Porm, se houver uma necessidade

    de um atendimento individual, isso tratado com a devida

    ateno, ou seja, o professor que sentir necessidade desse

    atendimento sim ouvido pelo pedagogo (Entrevista com a

    pedagoga abordada).7

    Ainda segundo a pedagoga, essa metodologia visa melhor utilizao do

    tempo e, quando necessrio, o atendimento personalizado realizado

    como forma para se discutir a fundo as problemticas apresentadas pelo

    professor requisitante.

    O ensino realizado de forma coletiva, onde so reunidos o

    pedagogo e as demais matrias da rea (Humanas). O contedo

    orientado pela SEDU, em parceria com a escola. Durante as

    reunies realizadas entre as reas so analisadas as possibilidades

    de juno de contedos semelhantes que poderiam ser utilizadas

    entre professores de matrias diferentes Dificuldades? As

    dificuldades surgem, mas no com frequncia, mas quando essas

    surgem so resolvidas de forma coletiva ou individualmente com o

    7 Entrevista cedida em 11 de julho de 2013.

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    pedagogo que faz toda a orientao necessria para super-las

    (Entrevista com o professor de Histria)8.

    [] os contedos da matria de sociologia so pensados juntos

    com outras disciplinas para que no seja visto como um esforo

    nico e exclusivo da mesma. A escola, assim como alguns

    professores e tambm parte da direo pedaggica, se preocupa

    com a insero da comunidade no ambiente escola atravs de

    oficinas ministradas durante os fins de semana (Entrevista com o

    professor de Sociologia).9

    Como destacado pelos professores entrevistados e pela pedagoga, os

    temas tratados coletivamente geralmente so temas relacionados ao

    ambiente de sala de aula que, muitas das vezes, ultrapassam a

    especializao do professor. Assim, medida que temas transversais

    surgem no contexto de sala de aula (como o bullying, ressaltado pela

    pedagoga), os professores buscam desenvolver temticas criativas para o

    debate, sempre em parceria com a coordenao escolar.

    A contextualizao das demandas e o trabalho realizado em parceria entre

    os professores e a coordenao escolar sobre os temas surgidos no

    contexto de sala de aula temas estes presentes no mundo vivido dos

    alunos e que tendem a serem reproduzidos no ambiente escolar, como os

    preconceitos, as violncias, dentre outros so mais pontos positivos na

    escola visitada.

    Trata-se de uma proposta pedaggica baseada na educao dialogada

    de Paulo Freire (2010). Essa proposta pedaggica se baseia na vivncia

    dos sujeitos da educao, isto , do educando e do educador, no ato de

    ensino-aprendizagem, levando em considerao as relaes homens-

    mundo, homens-homens e os temas geradores que formam o contedo

    8 Entrevista realizada em 12 de julho de 2013 com um dos professores de Histria da

    escola. 9 Entrevista realizada em 12 de julho de 2013 com um dos professores de Sociologia da

    escola.

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    programtico da educao, um contedo que deve ser crtico e concreto,

    possibilitando uma leitura do mundo e sua posterior modificao.

    Os temas geradores so situaes existenciais do dia a dia dos

    indivduos que os desafiam no apenas intelectualmente, mas tambm no

    grau da ao social. Os temas geradores surgem de situaes limites,

    como o racismo, a intolerncia religiosa, dentre outros, que devem ser

    problematizadas numa relao dialgica entre educando-educador e

    educandos-educandos, o que exige uma leitura crtica para que possam

    ser tematizados e trabalhos em grupo. nesse sentido que Freire (2010)

    argumenta que:

    [] a investigao do tema gerador, que se encontra contido no

    universo temtico mnimo (os temas geradores em interao), se

    realiza por meio de uma metodologia conscientizadora, alm de nos

    possibilitar sua apreenso, insere ou comea a inserir os homens

    numa forma crtica de pensar o seu mundo (FREIRE, 2010, p.112).

    Neste mesmo sentido de cooperao, o professor de Sociologia

    entrevistado destacou que os planos de ensino geralmente so discutidos

    com a pedagoga, mas que depende da forma de trabalho de cada

    professor. Especificamente quanto ao ensino de Sociologia, as reunies

    realizadas entre as reas de conhecimento comuns, como a Histria e a

    Filosofia, momento em que so analisadas as possibilidades de juno de

    contedos semelhantes, que poderiam ser utilizados por diferentes

    disciplinas, outro fator positivo.

    Todavia, essa ao conjunta no representa uma ao pedaggica

    orientada pela coordenao escolar, mas, da forma de trabalho de cada

    professor o que percebemos como diretamente ligado ao processo de

    formao inicial do professor e que deve ser trabalhado na formao

    continuada, visando maior cooperao no trabalho escolar sem a perda

    da autonomia profissional.

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    Outro ponto positivo na escola visitada so as reunies semanais entre a

    coordenao escolar e os professores, por rea de conhecimento, para

    reavaliaes peridicas dos contedos discutidos durante as aulas. A

    escola visitada possui trs professores de Sociologia. Esse trabalho

    coletivo, ao abrir espaos para discusso sobre contedos e formas como

    sero apresentados aos alunos, contribui na troca de experincias entre os

    professores e pode aperfeioar suas aulas, aumentando o rendimento

    escolar. Como argumenta Sanches:

    [] se bem organizado e gerido, o trabalho em pares pode ajudar

    no s no processo de ensino e compreenso do conhecimento,

    mas tambm no desenvolvimento de atitudes e valores, tais como,

    solidariedade, respeito, acolhimento e investimento no outro

    (SANCHES apud ALMEIDA, 2012, p.74).

    Como destacado pelos entrevistados, para obter melhores resultados no

    desenvolvimento escolar, a escola desenvolve a Jornada Pedaggica

    Poltica. Para a realizao deste evento so reunidos todos os

    coordenadores, pedagogos, professores e profissionais terceirizados que

    atuam na escola, para que, assim, todas as opinies sejam ouvidas e

    discutidas em comum acordo, fazendo com que todos os envolvidos no

    contexto escolar sintam-se membros efetivos. No entanto, pelo fato da

    pesquisa no ter sido realizada durante a preparao da Jornada

    Pedaggica Poltica, no foi possivel perceber se de fato estamos a falar

    de um trabalho coletivo ou de um processo de fragmentao do trabalho,

    como uma espcie de linha de montagem, modelo fortemente criticado

    por autores como Pimenta (1993) e Veiga (2008).

    Tambm foi ressaltado de forma positiva pelos entrevistados o incentivo

    formao continuada por parte da Direo escolar, que, por meio de notas

    expedidas regularmente, repassa informaes aos professores sobre

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    cursos de formao continuada oferecidos pela SEDU e outros rgos

    estaduais.

    Alm da dimenso interna, que diz respeito organizao escolar, tanto a

    pedagoga quanto os professores destacaram as ofertas de atividades

    extras aos alunos, como simulados preparatrios para o Exame Nacional

    do Ensino Mdio (ENEM), a partir dos quais so identificados aqueles

    alunos que tm maiores dificuldades. Os entrevistados ressaltaram tais

    testes como uma preocupao a mais da escola no processo de

    formao dos alunos.

    Nos finais de semana so oferecidas aulas de reforo ministradas por

    professores voluntrios aos alunos que tiveram dificuldades nos testes.

    Tambm visando integrao escola-comunidade, so oferecidas, nos

    finais de semana, oficinas de aulas prticas de esportes e aulas de dana.

    Estas atividades so entendidas como parte integrante do currculo escolar

    da escola visitada.

    Uma importante ressalva deve ser feita sobre as aulas de reforo aos

    finais de semana para os alunos que no conseguiram bons resultados nos

    simulados preparatrios para o ENEM. Aumentar o nmero de aulas

    resolver o problema?

    Entendemos como ponto positivo as atividades extra sala de aulas

    realizadas pela escola, mas no sem ressalvas. Como vimos, a escola

    busca maior envolvimento da comunidade, oferecendo oficinas de

    esportes. Vimos tambm que a escola realiza simulados preparatrios

    para o Enem e, para os alunos que apresentam dificuldades nos

    simulados, a escola oferece aulas de reforo.

    As aulas de reforo de fato se configuram como uma boa alternativa. No

    entanto, ao partirmos da perspectiva do ensino em multinveis em

    Almeida (2012), podemos argumentar que a prtica adotada pela escola

    em questo uma prtica hegemnica na educao brasileira. Prtica que

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    est nas pautas de discusso visando a sua superao, pois se baseia

    numa prtica pedaggica conservadora, na qual, ao organizar as aulas,

    objetivos, metodologias e avaliaes nicas para toda a turma, tende a

    conceber as dificuldades do aluno no processo de ensino-aprendizagem

    como uma necessidade de maior nmero de aulas.

    A partir dessa percepo, a ltima questo que levantamos neste trabalho

    que se o processo de ensino-aprendizagem for o mesmo nas aulas de

    reforo, possvel que estes alunos venham a apresentar as mesmas

    dificuldades. O que fazer ento?

    Responder essa indagao no uma tarefa fcil. Podemos apontar o

    ensino em multinveis como uma boa alternativa para buscarmos uma

    resposta satisfatria.

    Como argumenta Almeida (2012), antes de tudo preciso reconhecer as

    diferenas de todos os alunos no processo de ensino-aprendizagem j

    seria um grande avano em comparao com o processo de ensino

    aprendizagem conservador, que tende a homogeneizar as salas de aulas,

    desconsiderando as especificadades dos alunos. Processo esse que s

    vezes sozinho o professor no consegue identificar; da a importncia de

    um trabalho coletivo que envolva professores, pedagogos e pais.

    Conhecendo as diferenas nos nveis de ensino-aprendizagem dos alunos,

    o que envolve o conhecimento do contexto geral da turma, o professor

    ter condies de trabalhar um currculo comum, sem desconsiderar os

    diferentes nveis dos alunos. A esse respeito, a autora faz algumas

    consideraes sobre o ensino em multinveis:

    Uma aula em multinveis deve sempre partir do contexto geral da

    turma, considerando todos os alunos em seu coletivo, de forma a

    garantir-se um currculo comum a todos;

    Os momentos de atividades em nveis diferenciados podem ser

    realizados de diferentes formas de acordo com os objetivos do

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    professor: alunos de um mesmo nvel em grupo realizando cada

    um sua tarefa; alunos de um mesmo nvel realizando uma s

    tarefa; realizao de tarefas individualmente; alunos de diferentes

    nveis reunidos em grupo, etc.;

    Investigao didtica dos nveis de aprendizagem dos alunos, bem

    como, o acompanhamento sistemtico destes nveis, pois os

    alunos passam de um nvel para outro rapidamente (ALMEIDA,

    2012, p.78).

    Quanto ao planejamento das prticas do ensino em multinveis, Almeida

    (2012) destaca que o processo de reconhecimento dos diferentes nveis

    dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, e a identificao dos

    nveis de potencialidade dos alunos, deve ser seguido por um constante

    acompanhamento dos nveis da turma por meio de diagnsticos e formas

    de avaliao contnua dos percursos de aprendizagem, e no apenas com

    provas e avaliaes no final de cada perodo letivo, ou em simulados s

    vsperas das avaliaes.

    Se existem resultados muito destoantes, um indcio de que as

    dificuldades individuais j existiam durante o processo. Nesse sentido, o

    professor deve preparar as aulas a partir de um currculo comum a todos

    e promover mudanas estratgicas no percurso de acordo com a

    especificidade de cada aluno. Assim, cada aluno compreender que a aula

    que est sendo ministrada tambm para ele. No se trata de trabalhar

    no nvel do aluno, mas sim interferir na zona de desenvolvimento proximal

    dos mesmos.

    No entanto, para que o ensino em multinveis obtenha sucesso (quanto

    proposta ser uma realidade na escola e no apenas de um determinado

    professor), faz-se necessrio um conhecimento prvio, a formao inicial,

    bem como um processo de formao continuada do ensino em multinveis.

    A proposta deve ser previamente analisada e avaliada pela escola e

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    professores, no sentido de promover uma prtica educativa

    contextualizada com a realidade local (Almeida, 2012, p.78).

    Como percebemos, os desafios ao trabalho escolar, sobretudo s aes

    que visam o trabalho coletivo, democrtico e emancipador, so muitos.

    Embora seja um espao de possibilidades, em que um sonhador pode se

    juntar a outro para lutarem pela reduo da distncia entre o sonho e a

    vida sonhada (Freire, Nogueira, 1989), a Escola, sozinha, encontra uma

    srie de limitaes estruturais e certo pessimismo sentimental (SAHLINS,

    1997) com relao s possibilidades de transformao do seu prprio

    ambiente para levar a cabo uma nova perspectiva de escola, o que exige

    profundas reflexes e debates entre sociedade e esfera poltica sobre as

    polticas pblicas educacionais e os sistemas de ensino a Escola

    apenas a ponta das polticas educacionais.

    Consideraes Finais

    Ao longo deste artigo analisamos o trabalho escolar a partir de uma

    perspectiva participativa e democrtica no desenvolvimento de aes

    envolvendo pedagogos, professores, comunidade e direo escolar, com a

    certeza de que a busca por uma nova perspectiva de escola, como

    pretendido pelo Novo Currculo da Escola Estadual no Esprito Santo, no

    deve se pautar apenas nas diretrizes normativas, mas ser executada no

    dia a dia do trabalho escolar. Para isso, devemos necessariamente

    construir uma escola democrtica e inovadora, que se abra a novas

    tentativas sem o receio de errar, sem perder de vistas a dimenso poltica

    mais ampla que envolve a Educao.

    Embora reconheamos os limites de um estudo de caso, seja pela pouca

    participao e frequncia no dia a dia da escola, da sala de aula e do

    universo mais abrangente, foi possvel perceber pontos positivos na escola

    visitada que podem servir de exemplos de aes de sucesso na

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    organizao do trabalho escolar. J os pontos negativos, os quais

    acreditamos serem comuns realidade de muitas escolas brasileiras,

    podem ser resolvidos se pensados a partir de uma ao conjunta que

    envolva efetivamente professores, pedagogos, direo escolar, alunos e

    comunidade em geral no processo de deciso do trabalho escolar, sem

    perder o foco nos desafios de um contexto marcado por diferentes

    relaes conflituosas que tambm caracterizam a Escola.

    Como destaca Veiga (2008, p.15), a escola no tem mais possibilidade

    de ser dirigida de cima para baixo e na tica do poder centralizador que

    dita as normas e exerce o controle burocrtico. Para um projeto de

    gesto democrtica necessrio conscientizar-se de que a dominao na

    organizao escolar

    [] efetiva-se por meio das relaes de poder que se expressam

    nas prticas autoritrias e conservadoras dos diferentes

    profissionais, distribudos hierarquicamente, bem como por meio

    das formas de controle existentes no interior da organizao

    escolar (VEIGA, 2008, p.21).

    Tendo como horizonte desejvel o aprofundamento democrtico e o

    controle social sob os aparelhos de estado como a Escola

    avanaremos pouco sem uma ao conjunta entre estes atores sociais que

    no propicie uma participao efetiva, isto , que chegue s instncias de

    deciso poltica da escola.

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