artigo paula frias

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  1 A representação do universo caipira: fator de renovação na produção de Almeida Júnior. Paula Giovana Lopes Andrietta Frias Resumo Quando se trata de avaliar as contribuições da produção de Almeida Júnior para a arte brasileira, fica claro que o artista conseguiu trazer uma nova discussão para a pintura brasileira ao tratar os temas regionalistas em suas obras. Dentre as questões que permeiam esta discussão, a inserção do ambiente “caipira” nos assuntos artísticos do século XIX é um dos pontos fortes. O “novo” em Almeida Júnior José Ferraz de Almeida Júnior (1850- 1899), pintor nascido em Itu, interior de São Paulo, proveniente de uma família de poucos recursos, foi para o Rio de Janeiro estudar na Academia Imperial de Belas Artes  graças a uma coleta de fundos feita pelo padre Miguel, pároco da Igreja matriz de Itu, seu primeiro incentivador. Complementou seus estudos na Escola de Belas Artes de Paris  através de uma bolsa de estudos cedida pelo Imperador. Destacou-se como pintor e recebeu diversos prêmios.¹ Sendo um pintor de formação acadêmica, sua produção se caracterizava pela excelente qualidade técnica, que manteve durante toda a sua trajetória. Dentre sua extensa produção, as obras que mais chamaram a atenção da crítica foram as que apresenta m tema regionalista, retratando o trabalhador rural do interior paulista e seus costumes. A obra de Almeida Júnior apresenta temática bastante variada: retratos; cenas narrativas como O Descanso do Modelo , O Importuno  ou A família do Dr. Adolfo Augusto Pinto ; paisagens; obras sacras; pintura histórica²; obras regionalistas que retratam a arquitetura de pau-a-pique e o homem do interior, de barba rala e pés descalços, como Caipira Picando Fumo , Violeiro  ou Amolação Interrompida . Uma das características significativas da produção de Almeida Júnior é a proximidade que consegue criar entre o espectador e a cena retratada. A forma como compõe a cena, envolve o espectador com a intimidade do personagem, em Descanso do Modelo , por exemplo, onde retrata o momento de repouso da modelo,

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A representao do universo caipira: fator de renovao na produo de Almeida Jnior. Paula Giovana Lopes Andrietta Frias Resumo Quando se trata de avaliar as contribuies da produo de Almeida Jnior para a arte brasileira, fica claro que o artista conseguiu trazer uma nova discusso para a pintura brasileira ao tratar os temas regionalistas em suas obras. Dentre as questes que permeiam esta discusso, a insero do ambiente caipira nos assuntos artsticos do

estudos na Escola de Belas Artes de Paris atravs de uma bolsa de estudos cedida pelo Imperador. Destacou-se como pintor e recebeu diversos prmios. Sendo um pintor de formao acadmica, sua produo se caracterizava pela excelente qualidade tcnica, que manteve durante toda a sua trajetria. Dentre sua extensa produo, as obras que mais chamaram a ateno da crtica foram as que apresentam tema regionalista, retratando o trabalhador rural do A retratos; interior obra cenas de paulista Almeida e seus Jnior O costumes. apresenta temtica bastante variada: narrativas como Descanso do Modelo, O Importuno ou A famlia do Dr. Adolfo Augusto Pinto; paisagens; histrica; obras obras sacras; regionalistas pintura que

sculo XIX um dos pontos fortes.

retratam a arquitetura de pau-a-pique e o homem do interior, de barba rala e ps O novo em Almeida Jnior Jos Ferraz de Almeida Jnior (18501899), pintor nascido em Itu, interior de So Paulo, proveniente de uma famlia de poucos recursos, foi para o Rio de Janeiro estudar na Academia Imperial de Belas Artes graas a uma coleta de fundos feita pelo padre Miguel, proco da Igreja matriz de Itu, seu primeiro seus incentivador. Complementou descalos, como Caipira Picando Fumo, Violeiro ou Amolao Interrompida. Uma das caractersticas significativas da produo de Almeida Jnior a proximidade que consegue criar entre o espectador e a cena retratada. A forma como compe a cena, envolve o espectador com a intimidade do personagem, de em Descanso da do Modelo, por exemplo, onde retrata o momento repouso modelo,

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descontrada ao piano, numa conversa informal e no posando para um retrato. Em Repouso, onde a modelo retratada dormindo, bastante vontade, com as roupas semi-abertas. Na obra Saudade, envolve o espectador um retrato, na cuja dor da personagem que vestida de luto chora segurando histria ficamos a imaginar. Em Partida da Mono em que retrata o momento da despedida ressaltando dos a desbravadores intimidade, o que lado esto por partir, o abrao das famlias psicolgico dos monoeiros e no a cena de uma partida herica. Em vrias de suas telas, torna o expectador cmplice do realismo cotidiano de suas cenas, retratando situaes por vezes embaraosas como em Recado Difcil, em que o garoto envergonhado no consegue dizer a mulher que o atende qual o recado que traz, ou ainda em O Importuno onde a modelo escondida observa a conversa do pintor com uma visita indesejada. A produo regionalista do artista tem incio com a obra O Derrubador Brasileiro (1879), a primeira de sua autoria a apresentar tema nacional. Esta obra foi produzida no perodo em que o pintor estava na Europa e a paisagem que foi pintada de memria, difere das demais obras regionalistas que foram pintadas a partir da observao do real.

O modelo que posou para a obra era italiano, retratados enquanto nas os personagens obras que demais

apresentam temtica caipira tem como modelos pessoas que realmente faziam parte daquele ambiente, moradores das fazendas que o artista visitava para buscar inspirao. Almeida Jnior parecia ser atrado pelo ambiente caipira, do qual manteve-se prximo, tambm por ter fortes laos com parentes e amigos que l viviam. Quando retorna de Paris em 1882, o artista instala seu atelier em So Paulo (na Rua da Glria), distanciandose do Rio de Janeiro. Havia recusado um convite para lecionar na Academia Imperial de Belas Artes, atitude que causou estranhamento. A crtica da poca condena esse comportamento: Entre os artistas que enviaram quadros ltima exposio acadmica de 1884, aquele que acusava, por suas obras, maior originalidade e mais ntida e moderna compreenso da arte era Almeida Jnior... ...Desde essa exposio at hoje no sei e ningum sabe o que ele tem feito. Dizem que vive em sua provncia pintando retratos. pena que vocao artstica desse feitio se isole e viva embrenhado no interior de uma provncia, onde pode erigir fortuna,

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1888 p. 158-9) Tomando como ponto de partida a Exposio Geral do Segundo Reinado em 1884 onde o artista participa com as obras: Fuga para o Egito, Descanso do Modelo, Remorso de Judas e O Derrubador Brasileiro que so elogiadas pela crtica, fica claro que Almeida Jnior havia atingido um elevado grau de conhecimento tcnico na pintura. Havia chegado de Paris h apenas dois anos e j estava entre os mais respeitados pintores da poca. O artista, mantinha uma boa relao com o mercado artstico do perodo, tendo inclusive algumas de suas obras compradas por rgos do governo. Um dos pontos que chama a ateno que apesar desta boa relao com a crtica e o mercado, aps algum reconhecimento, Almeida Jnior parece no estar satisfeito, talvez buscasse dedicar-se considerava a uma pesquisa que importante naquele

subsistncia pintando retratos, o que provvel tambm no caso de Almeida Jnior, que continua pintando retratos, mesmo durante o perodo em que se dedicou a produo das obras de tema regionalista. Dentro deste contexto, a produo regionalista, parece acontecer de forma paralela, resultando de um conjunto entre as buscas pessoais do artista e as exigncias do mercado. Desde meados do sculo XIX, as discusses sobre os rumos da arte brasileira, relacionavam vrias questes, dentre elas, a busca por uma identidade nacional e por uma da pintura que cultura genuinamente representasse brasileira, elementos

nacional. A produo regionalista de Almeida Jnior, veio de encontro a estes anseios. Entre 1893 a 1895 est compreendido o perodo em que o artista mais produziu obras com esta temtica: Caipira Amolao Picando Fumo em em 1893, 1894, Interrompida

momento, podendo tambm, estar mais perto de sua terra. Certamente, j que o artista pretendia viver da pintura, So Paulo era uma opo interessante, pois o mantinha perto de seus familiares e do ambiente do interior, onde poderia se beneficiar de encomendas pagas com os recursos provenientes do caf, bastante promissores naquela regio. Na poca,

Apertando o Lombilho, Cozinha Caipira, Recado Difcil e Nh Chica de 1895, e ainda Garoto com Banana de 1897, Velha Beata de 1898 , O Violeiro e Saudade de 1899, ano de sua morte. E uma das caractersticas marcantes destas obras a representao do caipira em todo o seu contexto. A

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produo regionalista de Almeida Jnior documenta a vida do caipira, mostrando suas casas, vestes, utenslios e registrando seus costumes. A esttica caipira representada nas obras de Almeida Jnior vinculada em boa parte da fortuna crtica, com a busca por uma expresso nacional e ao desenvolvimento de uma pintura voltada para uma realidade nacional. E o fato do artista ter conquistado tanto espao, seja em relatos biogrficos, crticas um ou ensaios produo. Dentre Almeida as questes uma das que mais permeiam a produo regionalista de Jnior, complexas a questo do clareamento da paleta de cores apresentado nestas obras. As cores usadas nas obras regionalistas so mais vivas, o artista altera alguns tons de cores de sua paleta tornando a mais clara. Uma das explicaes dos crticos para o uso das novas cores estaria relacionada representao da luminosidade natural das paisagens que o pintor retratou, que seriam reflexos da natureza tropical. Outra explicao seria a influncia da luz impressionista com a qual o pintor teria tomado contato durante o perodo em que esteve em Paris. Considerando a formao do jornalsticos, indcio

pintor, e o percurso natural de sua viagem, sempre orientado pelo pensamento da Academia Imperial, o contato com o movimento impressionista algo improvvel. A representao da luz tropical pode ser apontada como o dado mais significativo, a partir da observao desta luz e apropriando-se das conquistas acumuladas em termos de tcnicas artsticas, Almeida Jnior conseguiu ser original para o meio artstico brasileiro do sculo XIX. E por que desejar que Almeida Jnior fizesse o mesmo percurso dos impressionistas da Escola de Paris? Por que considerar uma regresso ou centralizao de sua trajetria as telas que ele produziria a seu regresso da Europa somente porque se dedicaria, a par de temtica um suas que, encomendas, a uma longe do acolhe e usual, sua no

significativo da representatividade da sua

exemplificaria sua autonomia de vo em meio novo que com seu produo? Como s ver sentimentos e empatia entorno reconhecer que essa motivao o tornou original como obra? No importa que outros tenham vindo depois, imitindo-o com mediocridade em academia regionalista. Almeida Jnior permanece sensvel luz, luz local, manipulando-a com rara mestria ao tirar dela partido do ponto de vista formal. Da porque a potica de obras como Saudades,

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Leitura e Cozinha luz, distanciada

caipira , destacam sculo das preocupaes

O nosso grande pintor do fim do passado deveria, com irrepreensvel lgica ser paulista. De Pernambuco se deslocava para So Paulo, a primazia da nossa riqueza agrria, com a decadncia da lavoura do acar e o surto vitorioso do caf. O contexto complexo, as que nesse realidades artstica e cultural tinham caractersticas de afirmao. prprias, envolvida apresentavam limitaes e necessidade

uma peculiar apropriao do valor de impressionistas. Mas tambm parece projetar visualmente uma deglutio do impressionista a partir da cultura e da sensibilidade brasileiras de um tempo de que Almeida Jnior foi, sem duvida, o porta-voz mais expressivo. (AMARAL, 2000, p. 145). A questo do tema como fator de renovao. Um dos momentos mais

ambiente que a produo regionalista de Almeida Jnior afirma seu valor. O desejo dos modernistas era de renovao nacional, De deixadas do de pensamento afirmao as da artstico cultura

importantes da historiografia do artista, foi no incio do sculo XX quando Almeida Jnior veio a ser reconhecido pelos modernistas como precursor, pioneiro em representar o nacional. Quando se trata de apontar o moderno na obra de Almeida Jnior, o tema se torna o centro da discusso por sua significativa importncia social, pois a produo do pintor acontece em meio decadncia da produo de cana-deacar do nordeste e o florescimento da produo cafeeira paulista.

brasileira especialmente a paulista. fato, por contribuies Jnior so Almeida

resultado de todo um contexto cultural e de um conjunto de valores e anseios que nasciam dessa necessidade de afirmao, o que no as tornam menos significativas e singulares no que se refere ao contexto da arte brasileira.

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Paula Giovana Lopes Andrietta Frias Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unicamp Coordenadora e Professora do Curso de Educao Artstica do Centro Universitrio Nossa Senhora do Patrocnio - CEUNSP. E-mail: [email protected] Notas: 1 Dentre os prmios que o artista recebeu, um deles representa o reconhecimento internacional de sua obra, medalha de ouro em 1893 em Chicago na Exposio do onde Internacional da Colombiana em comemorao ao IV Centenrio Amrica, Leitura. 2 Almeida Jnior produziu somente uma obra com tema histrico Partida da Mono, de 1897. 3 Em 1882 a Academia Imperial comprou as obras Derrubador Brasileiro, Descanso do Modelo e Remorso do Judas, em 1890 a instituio adquiriu a obra Caipiras Negacendo e novamente em 1895 a obra Recado Difcil. A obra Partida da Mono cuja produo incentivada pelo ento secretrio do interior Cesrio Motta Jnior foi adquirida pelo governo do Estado de So Paulo em 1899 para compor a galeria de obras do Museu Paulista. Descobrimento expe: Caipiras

4 As reflexes aqui apresentadas so baseadas nas pesquisas desenvolvidas para a Dissertao de Mestrado Almeida Jnior, uma alma brasileira?, apresentada por Paula Giovana Lopes Andrietta Frias ao Instituto de Artes, Unicamp sob a orientao do Professor Paulo Mugayar Khl. Bibliografia: AMARAL, Aracy. A Luz de Almeida Jnior. Revista da USP. So Paulo, n.5, 1990. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. So Paulo: Companhia das letras, 1996. AZEVEDO, Miranda. Jos Ferraz de Almeida Jnior. Revista do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo, v. IV, p. 605-8, 1898-1899. BARDI, P. M. Histria da Arte Brasileira. So Paulo: Edies Melhoramentos, 1975. COLI, Jorge. A violncia e o caipira. Estudos Histricos. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 2002. ___________. Como estudar a arte brasileira do sculo XIX. In: O Brasil redescoberto, Rio de Janeiro, Pao Imperial/Minc IPHAN, 1999. DURAND, Jos Carlos. Arte, privilgio e distino. So Paulo: Ed. Perspectiva/Edusp, 1989. FABRIS, Annateresa. Modernidade e modernismo no Brasil. Campinas: Mercado das Letras, 1994. FERREIRA, Flix. Belas Artes. Rio de Janeiro: Baldomiro Casquejas Fuentes Editor,1885. FREIRE, Ezequiel. Almeida Jnior - Os caipiras negaceando. So Paulo, 1910. GONZAGA-DUQUE. A Arte Brasileira. Campinas: Mercado de Letras, s.d. Instituto Cultural Ita. Cadernos Histria da Pintura no Brasil, academismo: Marcos Histricos, 1993. LEITE, Jos Roberto Teixeira. Dicionrio

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