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186 Rev Bras Cardiol. 2013;26(3):186-92 maio/junho Riva et al. Anemia pré-operatória na cirurgia cardíaca Ar Ar Ar Ar Artigo Or tigo Or tigo Or tigo Or tigo Original iginal iginal iginal iginal Resumo Fundamentos: A anemia é importante preditor na recuperação do pós-operatório de cirurgia cardíaca e influencia diretamente na mortalidade e nas complicações dos pacientes submetidos a essa intervenção. Objetivos: Analisar a presença da anemia e comparar as variáveis intra e pós-operatórias em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Métodos: Estudo do tipo transversal, retrospectivo e analítico. Foram avaliados 79 indivíduos submetidos à cirurgia cardíaca de revascularização do miocárdio (CRM), ou troca valvar (TRV), de ambos os sexos, com 30-77 anos. Considerou-se paciente anêmico, para o sexo feminino, quando a hemoglobina pré-cirúrgica se apresentava <12 g/dL, e <14 g/dL para o sexo masculino. Resultados: A média de idade foi 60,52±9,79 anos nos anêmicos e 58,15±10,81 anos nos não anêmicos. Da população amostral (n=79), 51,9 % realizaram CRM, 44,3 % realizaram TRV e 3,8 % pacientes realizaram os dois procedimentos. Os pacientes anêmicos apresentaram maior tempo de clampeamento da aorta e de ventilação mecânica. A média de tempo de internação na UTI foi similar em ambos os grupos, mas o tempo de internação no leito e, consequentemente, o tempo total de internação hospitalar foi maior no grupo anêmico. Houve cinco óbitos, todos pertenciam ao grupo dos pacientes anêmicos. Conclusão: A anemia pode influenciar na recuperação de pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Palavras-chave: Anemia; Cirurgia cardíaca; Hemoglobina Denise Riva 1 , Juliana Schneider 1 , Angela Beerbaum Steinke Bronzatti 1 , Matias Nunes Frizzo 2 , Eliane Roseli Winkelmann 2 Artigo Original 1 Curso de Fisioterapia - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) - Ijuí, RS - Brasil 2 Departamento de Ciências da Vida - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) - Ijuí, RS - Brasil Correspondência: Eliane Roseli Winkelmann E-mail: [email protected] Rua do Comércio, 3000 - Bairro Universitário - 98700-000 - Ijuí, RS - Brasil Recebido em: 13/03/2013 | Aceito em: 12/04/2013 Abstract Background: Anemia is an important predictor of post-operative recovery after cardiac surgery, directly influencing mortality and complications among these patients. Objectives: To analyze the presence of anemia and compare intra- and post-operative variables in patients undergoing cardiac surgery. Methods: A cross-sectional, retrospective and analytical study assessed 79 male and female patients undergoing coronary artery bypass graft (CABG) or valve replacement surgery, between 30 and 77 years old. Female patients were rated as anemic with pre-surgical hemoglobin at less than 12 g/dL, and below 14 g/dL for men. Results: The mean age of anemic patients was 60.52±9.79 years and 58.15±10.81 for non-anemic patients. In the sample population (n=79), 51.9 % underwent CABG CRM, 44.3 % received valve replacements and 3.8 % underwent both procedures. Anemic patients required longer aortic clamping and mechanical ventilation. The average ICU stay was similar in both groups, but the length of time in bed and consequently the total duration spent in hospital was higher in the anemic group. There were five deaths, all in the anemic patient group. Conclusion: Anemia may influence the recovery of patients undergoing cardiac surgery. Keywords: Anemia; Cardiac surgery; Hemoglobin 5 Importância da anemia pré-operatória em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca Importance of pre-operative anemia in patients undergoing cardiac surgery

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Riva et al.Anemia pré-operatória na cirurgia cardíaca

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Resumo

Fundamentos: A anemia é importante preditor narecuperação do pós-operatório de cirurgia cardíaca einfluencia diretamente na mortalidade e nas complicaçõesdos pacientes submetidos a essa intervenção.Objetivos: Analisar a presença da anemia e compararas variáveis intra e pós-operatórias em pacientessubmetidos à cirurgia cardíaca.Métodos: Estudo do tipo transversal, retrospectivo eanalítico. Foram avaliados 79 indivíduos submetidos àcirurgia cardíaca de revascularização do miocárdio(CRM), ou troca valvar (TRV), de ambos os sexos, com30-77 anos. Considerou-se paciente anêmico, para o sexofeminino, quando a hemoglobina pré-cirúrgica seapresentava <12 g/dL, e <14 g/dL para o sexo masculino.Resultados: A média de idade foi 60,52±9,79 anos nosanêmicos e 58,15±10,81 anos nos não anêmicos. Dapopulação amostral (n=79), 51,9 % realizaram CRM,44,3 % realizaram TRV e 3,8 % pacientes realizaramos dois procedimentos. Os pacientes anêmicosapresentaram maior tempo de clampeamento daaorta e de ventilação mecânica. A média de tempo deinternação na UTI foi similar em ambos os grupos, maso tempo de internação no leito e, consequentemente, otempo total de internação hospitalar foi maior no grupoanêmico. Houve cinco óbitos, todos pertenciam aogrupo dos pacientes anêmicos.Conclusão: A anemia pode influenciar na recuperaçãode pacientes submetidos à cirurgia cardíaca.

Palavras-chave: Anemia; Cirurgia cardíaca;Hemoglobina

Denise Riva1, Juliana Schneider1, Angela Beerbaum Steinke Bronzatti1, Matias Nunes Frizzo2, Eliane Roseli Winkelmann2

ArtigoOriginal

1Curso de Fisioterapia - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) - Ijuí, RS - Brasil2Departamento de Ciências da Vida - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) - Ijuí, RS - Brasil

Correspondência: Eliane Roseli WinkelmannE-mail: [email protected] do Comércio, 3000 - Bairro Universitário - 98700-000 - Ijuí, RS - BrasilRecebido em: 13/03/2013 | Aceito em: 12/04/2013

Abstract

Background: Anemia is an important predictor ofpost-operative recovery after cardiac surgery, directlyinfluencing mortality and complications among thesepatients.Objectives: To analyze the presence of anemia andcompare intra- and post-operative variables inpatients undergoing cardiac surgery.Methods: A cross-sectional, retrospective andanalytical study assessed 79 male and female patientsundergoing coronary artery bypass graft (CABG) orvalve replacement surgery, between 30 and 77 yearsold. Female patients were rated as anemic withpre-surgical hemoglobin at less than 12 g/dL, andbelow 14 g/dL for men.Results: The mean age of anemic patients was60.52±9.79 years and 58.15±10.81 for non-anemicpatients. In the sample population (n=79), 51.9 %underwent CABG CRM, 44.3 % received valvereplacements and 3.8 % underwent both procedures.Anemic patients required longer aortic clamping andmechanical ventilation. The average ICU staywas similar in both groups, but the length of timein bed and consequently the total duration spentin hospital was higher in the anemic group.There were five deaths, all in the anemic patientgroup.Conclusion: Anemia may influence the recovery ofpatients undergoing cardiac surgery.

Keywords: Anemia; Cardiac surgery;Hemoglobin

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Importância da anemia pré-operatória em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca

Importance of pre-operative anemia in patients undergoing cardiac surgery

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Introdução

A cirurgia cardíaca é um procedimento complexo quetem importantes repercussões orgânicas, levando a umestado crítico pós-operatório que implica anecessidade de cuidados intensivos a fim de seestabelecer uma boa recuperação dos pacientes1.

A revascularização do miocárdio consiste em enxertoarterial coronariano usando a veia safena autógena,com o objetivo de isolar o vaso obstruído e assimrestabelecer a perfusão da artéria coronária,preservando o miocárdio2.

A cirurgia de troca valvar é um dos temas maispesquisados dentro da cirurgia cardíaca. Na posiçãoaórtica, relata-se que os homoenxertos proporcionammelhores resultados hemodinâmicos quandocomparados às válvulas mecânicas e bioprótesesconvencionais3, já que não possuem anéis rígidos desustentação ou de sutura e, portando, menor resistênciaao fluxo anterógrado4.

Os principais fatores de risco para alterações orgânicasno período pós-operatório de cirurgias cardíacasassociam-se a: idade, sexo, história médica, tipo demedicação utilizada no pré-operatório e fatores de riscointraoperatório (tipo de cirurgia, tempo de permanênciaem circulação extracorpórea, tempo de permanência eminternação e uso de medicação específica)5.

A anemia é definida pela Organização Mundial daSaúde6 como o estado em que a concentração dehemoglobina do sangue é anormalmente baixa emconsequência da carência de um ou mais nutrientesessenciais. Ela ocorre quando existe deficiência naprodução de eritrócitos novos em relação à taxa deremoção de eritrócitos envelhecidos. Eritropoietina,uma 30,4-kDa fator de crescimento glicoproteína,produzida principalmente pelo rim, é o componente-chave do sistema homeostático para regulação damassa de glóbulos vermelhos e entrega de oxigênioaos tecidos7.

Anemia na cirurgia tem sido associada a maior riscode infecção, maior necessidade de ventilaçãomecânica e maiores taxas de mortalidade do que oobservado em indivíduos que não têm anemia nopré-operatório8.

A fisioterapia em pacientes anêmicos torna-se maisrelevante pelas condições clínicas desses pacientes.Nos casos de pós-cirurgia cardíaca que afetasistematicamente o organismo, a fisioterapia é muitoimportante para a sua recuperação; no entanto deverãoser respeitados seus limites, pois a fadiga poderá sefazer presente nesses casos.

Este estudo tem por objetivo analisar a presença daanemia e comparar com as complicações intra epós-operatórias em pacientes submetidos à cirurgiacardíaca.

Métodos

Estudo do tipo transversal, retrospectivo e analítico,aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa daUniversidade Regional do Noroeste do Estado doRio Grande do Sul (UNIJUI) sob o nº°02/2011.Realizou-se a coleta de dados nos prontuários, nãose prevendo qualquer risco de dano, sendoobservado o caráter sigiloso do manuseio dasinformações.

Por apresentar maior frequência e dessa forma maiorpotencial amostral, foram avaliados inicialmente102 pacientes submetidos à cirurgia cardíaca de CRMe TRV no período de junho 2010 a junho 2012 emHospital Geral Porte IV do interior do estado do RioGrande do Sul. Destes pacientes, 23 foram excluídospor falta de dados nos prontuários; assim, apopulação amostral foi constituída por 79indivíduos, de ambos os sexos, e idade entre 30-77anos.

Foram coletadas informações nos prontuáriosquanto ao nível de hemoglobina no pré-operatório,dados intraoperatórios e pós-operatórios.

Dados intraoperatórios

Os pacientes foram avaliados quanto à evolução epossíveis complicações intraoperatórias como: tipode procedimento cirúrgico, tempo de circulaçãoextracorpórea, clampeamento da aorta, tempocirúrgico, fração de ejeção, recuperação dosbatimentos, tempo sob ventilação mecânica, possíveisintercorrências e hemotransfusão.

Dados pós-operatórios

Os pacientes foram avaliados quanto às complicaçõesque apresentaram em cada dia do pós-operatório(PO), dentre elas: a) complicações neurológicas:agitação psicomotora, confusão mental e síncope;b) complicações cardiovasculares: hipotensão;c) complicações respiratórias : hemoptise ,ventilação não invasiva (VNI), derrame pleural,fístula pleural, pneumotórax, oxigenoterapia ereentubação; d) complicações vasculares: isquemia,sangramento; e) complicações hemodinâmicas:concentrado de hemácias no adulto (CHAD), plasmae plaquetopenia. Os pacientes ainda foram avaliadosquanto ao tempo de internação na unidadecoronariana (UCOR) e no leito, e óbito.

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Avaliação da anemia

O paciente foi considerado anêmico, conforme osvalores de referência da Organização Mundial daSaúde9 . Assim, considerou-se paciente anêmico, parao sexo feminino, quando no hemograma pré-cirúrgicoa hemoglobina <12 g/dL, e <14 g/dL, para o sexomasculino.

Análise Estatística

Os dados foram processados no pacote estatísticoPASW Statistics Data Editor (versão 18.0, Chicago, IL,EUA). A análise descritiva está apresentada comomédia e desvio-padrão, frequência relativa e absoluta.Para variáveis quantitativas realizou-se o teste denormalidade Kolmogorov-Smirnov, sendo que, para asparamétricas, utilizou-se o teste t de Student, e, para asnão paramétricas, o teste U de Mann-Whitney paracomparação entre as médias. Nas variáveis qualitativas,utilizou-se o teste do qui-quadrado de Pearson e exatode Fischer. Considerou-se significativo p≤0,05.

Resultados

Da população amostral (n=79), 41 (51,9 %) realizaramCRM, 35 (44,3 %) realizaram TRV, e 3 (3,8 %) pacientesrealizaram os dois procedimentos. A amostra foiestratificada em dois grupos: anêmicos e nãoanêmicos (na pré-cirurgia). As variáveis clínicas evalores basais estão apresentados na Tabela 1.

Em ambos os grupos o sexo masculino prevaleceu e aidade foi similar. Em relação aos fatores de risco, nãohouve diferença estatisticamente significativa entre osgrupos e, na análise geral da amostra, observou-seprevalência de hipertensão arterial sistêmica (HAS),seguida de sedentarismo e estresse.

Em relação às intercorrências intraoperatórias (Tabela 2),os pacientes não anêmicos apresentaram maior fraçãode ejeção e tempo de recuperação dos batimentos demaneira espontânea, quando comparados aosanêmicos, porém sem significado estatístico. Já ospacientes anêmicos apresentaram maior tempo declampeamento da aorta, tempo de ventilação mecânicae, ainda, prevalecendo a CRM em relação à CECobserva-se um tempo similar em ambos os grupos.

Não se observou diferença estatisticamente significativaquanto às complicações pós-operatórias em ambos osgrupos. A maioria dos pacientes não apresentoucomplicações no pós-operatório imediato; quandoocorreram, foram complicações respiratórias ehemodinâmicas. Nos primeiro e segundo dias de PO amaioria não apresentou intercorrências; quandoocorreram foram as hemodinâmicas. Nos terceiro e quartodias a maioria não teve complicações; quando ocorreramforam heterogêneas, sem predomínio de uma sobre a outra.Nos quinto e sexto dias a maioria já apresentava altahospitalar em ambos os grupos, sendo que esta alta mostraaumento no sétimo dia, embora com maior frequênciade alta hospitalar nos não anêmicos (Tabelas 3 e 4).

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A média de tempo de internação na UTI foi similar emambos os grupos, mas o tempo de internação no leito e,consequentemente, o tempo total de internaçãohospitalar foi maior no grupo anêmico, embora semsignificado estatístico.

Observou-se que, dos 79 pacientes da populaçãoamostral, cinco pacientes foram a óbito e todospertenciam ao grupo dos pacientes anêmicos.

Em relação à mortalidade dos pacientes nointraoperatório de cirurgia cardíaca, observou-seque o tempo de CEC e clampeamento da aorta foimaior em pacientes anêmicos, com significânciaestatística. O nível de hemoglobina <9 g/dL mostrauma taxa de óbitos maior do que aqueles comhemoglobina >12 g/dL, reafirmando a mortalidadeno grupo de pacientes anêmicos, sendo este dadosignificativo estatisticamente.

Discussão

Nos pacientes anêmicos do presente estudo prevaleceua CRM, e estes apresentaram maior tempo declampeamento da aorta e ventilação mecânica. Noestudo de Lobo et al.10, os pacientes anêmicos ficarammais tempo em ventilação mecânica (10,7±8,2 dias).Esses pacientes, devido à função da redução dehemoglobina circulante, apresentam menorcapacidade de oxigenação sanguínea, o que contribuipara maior tempo de ventilação mecânica.

Observou-se que um paciente que se submete àcirurgia com esse nível de hemoglobina (10 g/dL),embora sendo anêmico, não acarreta maior númerode dias de internação hospitalar e nem decomplicações pós-operatórias. Bracey et al.11, emestudo randomizado com 428 pacientes submetidos acirurgia cardíaca, demonstraram que a redução do

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gatilho transfusional da hemoglobina no pós-operatóriode 9 g/dL para 8 g/dL não repercute em pioresdesfechos.

A anemia deve ser vista como condição clínicasignificativa, em vez de simplesmente um valorlaboratorial anormal12. Em pacientes cirúrgicos, aanemia tem sido associada ao aumento da morbidadee mortalidade no pós-operatório13. Todo pacienteanêmico tem menor qualidade e expectativa de vida;considerando-se um paciente cardiopata emrecuperação, a anemia se torna um agravante narecuperação do paciente.

Na reabilitação cardíaca de pacientes anêmicos, alémde o paciente se apresentar em condições pós-operatórias, sintomas como irritabilidade, falta de ar efadiga poderão estar presentes e são agravantes queinterferem no sucesso da fisioterapia.

A fisioterapia não deve deixar de ser realizada, poisproporciona resultados positivos na total recuperaçãodo paciente. Em pacientes pós-cirúrgicos e em especialanêmicos, deve-se respeitar ao máximo o limite por elesimposto, evitando complicações. Exercícios respiratóriosdevem ser realizados a fim de preservar e melhorar afunção respiratória; mobilização passiva e ativa sãoimportantes de serem realizadas, pois estimulam oretorno venoso e evitam atrofias musculares e, ainda,atividades aeróbias, como caminhada, que melhorama capacidade cardiorrespiratória e a oxigenação dostecidos. O respeito à tolerância do paciente é muitoimportante, já que pacientes anêmicos alcançam afadiga com mais facilidade.

Os resultados encontrados no presente estudo mostrammortalidade maior em pacientes anêmicos pré-cirurgiacardíaca. Esse dado é confirmado no estudo de Habibet al.14 no qual observaram que pacientes anêmicossubmetidos a intervenção coronariana percutânea(n=3800) tiveram maior taxa de mortalidade intra-hospitalar e infarto do miocárdio após angioplastiacoronariana quando comparados com sua coorte denão anêmicos. Este dado merece destaque, pois mesmosendo pequena a amostra deste estudo, ela alerta paraa necessidade de atenção e melhor investigação emestudos com maior número de indivíduos e análise dedemais procedimentos.

Com níveis de hemoglobina entre 9-11 g/dL podemaparecer sintomas como irritabilidade, indisposição edor de cabeça; com níveis entre 6-9 g/dL é comumobservar-se taquicardia, dispneia e cansaço aosmínimos esforços; e quando a concentração dehemoglobina chega a valores abaixo de 6 g/dLocorrem os sintomas ainda mais graves do que aquelesaqui relatados, mesmo estando o indivíduo em

repouso. A anemia provoca um acometimentosistêmico com repercussões na imunidade eresistência a infecções, na capacidade para o trabalhoe no desenvolvimento neuropsicomotor15.

O nível mínimo de hemoglobina tolerado emindivíduos saudáveis ou doentes sem efeitos adversosé desconhecido16. Estudo mostrou que um nível dehemoglobina de 7 g/dL pode ser adequado para amaioria dos pacientes17. No presente estudo, o nívelmédio de hemoglobina nos pacientes anêmicos foi de10 g/dL. Embora a presença de anemia tenha sidorelacionada com maior probabilidade de óbito, acorreção da anemia por meio de transfusão parece nãodeterminar a diminuição do risco. Ao contrário, aadministração de concentrado de hemácias é fatorindependente para morbidade e mortalidade empacientes internados nas UTI18. Além disso, todas astransfusões apresentam risco ao paciente em funçãode reações pós-transfusionais, que, na maioria doscasos, são letais.

Em procedimentos cirúrgicos, a anemia estáassociada a piores desfechos clínicos. Pacientes nopós-operatório de cirurgia cardíaca que apresentamno pré-operatório nível baixo de hemoglobina (HB)associado a doenças cardiovasculares têm maior taxade mortalidade após a cirurgia comparados apacientes com nível baixo de HB e sem doençacardiovascular13. O presente estudo verificou que ospacientes com doença cardiovascular submetidos àcirurgia cardíaca tiveram maior mortalidade comnível baixo de HB no pós-operatório. Em estudo deZindrou et al.19, pacientes no pré-operatório comHB ≤10 g/dL submetidos a revascularização domiocárdio com circulação extracorpórea (CEC)mostraram um risco cinco vezes maior na taxa demortalidade hospitalar após a cirurgia do quepacientes em que a HB era maior no pré-operatório. Nopresente estudo foi observado mortalidade intra-hospitalar nos pacientes submetidos à cirurgia cardíacaindependente do tipo cirúrgico.

A cirurgia cardíaca com circulação extracorpóreaacarreta anemia por várias razões (hemodiluição,perda de sangue, hemólise, etc.), o que é quaseinstantânea no início da CEC. Relatórios mostram queo valor de hematócrito <22 % durante CEC aumentasignificativamente e sistematicamente a taxa demorbidade e mortalidade após cirurgia coronariana20.

Conclusão

Conclui-se que a anemia influencia na recuperação depacientes submetidos à cirurgia cardíaca, pois osdados mostraram que os pacientes anêmicos retardarama alta hospitalar e houve maior número de óbitos.

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Potencial Conflito de InteressesDeclaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Fontes de FinanciamentoO presente estudo não teve fontes de financiamentoexternas.

Vinculação AcadêmicaEste artigo representa parte do Trabalho de Conclusão deCurso de Denise Riva pela Universidade Regional doNoroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

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