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1 Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano 2 – n. 5 – julho / setembro, 2009 – www.flc.org.br ARTIGO Narrativa analítica de instituições orçamentárias: prerrogativas de emendamento, 1964-2006 Por Sérgio Praça* O principal objetivo deste artigo é explicitar a relação entre idéias em circulação e escolhas institucionais, partindo do diagnóstico feito por Weingast (2005) de que critical junctures (Collier e Collier 1991) são determinantes para definir a oferta de alternativas institucionais disponíveis para os atores. As escolhas sobre emendamento orçamentário feitas pelo Congresso brasileiro entre 1991 e 2006 formam a base empírica do trabalho. O argumento principal é que as escolhas institucionais não são feitas apenas com base no funcionamento de escolhas institucionais anteriores, como frisam os institucionalistas históricos, mas também são realizadas considerando as alternativas de fato disponíveis na agenda política em critical junctures, que podem ser bem estudadas sob a perspectiva do institucionalismo de escolha racional. Convencionou-se, a partir de Bates et. al (1998), chamar esta mistura de abordagens institucionalistas de "narrativa analítica". A explicação sobre evolução de instituições ganha, com a perspectiva da escolha racional, uma base para modelar escolhas de atores como decisões instrumentais realizadas sob certos arranjos institucionais vigentes. É importante lembrar que pensar nas escolhas institucionais apenas a partir da perspectiva centrada nos atores políticos pode resultar em interpretações que não levam em conta os constrangimentos institucionais que orientam certas escolhas ou deixam de considerar as idéias em circulação que definem as escolhas políticas plausíveis. Por isso é fundamental narrar cuidadosamente o contexto estrutural no qual os atores estão inscritos.

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 1  Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano 2 – n. 5 – julho / setembro, 2009 – www.flc.org.br

ARTIGO

Narrativa analítica de instituições orçamentárias: prerrogativas de emendamento, 1964-2006

Por Sérgio Praça*

O principal objetivo deste artigo é explicitar a relação entre idéias em

circulação e escolhas institucionais, partindo do diagnóstico feito por Weingast

(2005) de que critical junctures (Collier e Collier 1991) são determinantes para

definir a oferta de alternativas institucionais disponíveis para os atores. As

escolhas sobre emendamento orçamentário feitas pelo Congresso brasileiro entre

1991 e 2006 formam a base empírica do trabalho.

O argumento principal é que as escolhas institucionais não são feitas

apenas com base no funcionamento de escolhas institucionais anteriores, como

frisam os institucionalistas históricos, mas também são realizadas considerando

as alternativas de fato disponíveis na agenda política em critical junctures, que

podem ser bem estudadas sob a perspectiva do institucionalismo de escolha

racional. Convencionou-se, a partir de Bates et. al (1998), chamar esta mistura de

abordagens institucionalistas de "narrativa analítica".

A explicação sobre evolução de instituições ganha, com a perspectiva da

escolha racional, uma base para modelar escolhas de atores como decisões

instrumentais realizadas sob certos arranjos institucionais vigentes. É importante

lembrar que pensar nas escolhas institucionais apenas a partir da perspectiva

centrada nos atores políticos pode resultar em interpretações que não levam em

conta os constrangimentos institucionais que orientam certas escolhas ou deixam

de considerar as idéias em circulação que definem as escolhas políticas

plausíveis. Por isso é fundamental narrar cuidadosamente o contexto estrutural

no qual os atores estão inscritos.

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 2  Revista LIBERDADE e CIDADANIA – Ano 2 – n. 5 – julho / setembro, 2009 – www.flc.org.br

Essas escolhas, como já disse, são feitas em critical junctures. Adoto uma

definição soft do conceito, semelhante ao que Kingdon (1995) denomina policy

window: são momentos nos quais há claras oportunidades para defensores de

certas propostas colocarem suas soluções prediletas na agenda pública. Esta

distinção é especialmente importante porque permite pensar em critical junctures

como momentos após os quais não necessariamente ocorre uma mudança

institucional significativa.

As critical junctures aqui consideradas têm forte relação com comissões

parlamentares de inquérito, sobretudo as que resultaram, direta ou indiretamente,

nas resoluções congressuais 1/1993, 2/1995 e 1/2006. A necessidade de

estabelecer regras básicas para a tramitação legislativa do orçamento resultou na

resolução 1/1991 e a implementação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em

2000, provocou a resolução 1/2001. Divido analiticamente as resoluções em

abrangentes (1/1991, 2/1995, 1/2001, 1/2006), modificadoras (1/1993) e

excepcionais (1994, 1998, 2000, diversas em 2003). Os momentos que considero

críticos para a análise do meu caso, afinal, são 1991, 1993-1995 e 2005-2006. O

primeiro por se tratar do instante fundador de regras orçamentárias, e os

posteriores devido à influencia das CPIs em abrir a agenda de escolhas de

instituições orçamentárias possíveis.

É interessante teoricamente notar que a intensidade de preferências dos

atores políticos sobre instituições orçamentárias variou bastante durante as

critical junctures analisadas. De 1987 a 1994, a hiperinflação no Brasil tornava a

intensidade de preferências sobre instituições orçamentárias baixíssima, pois o

processo orçamentário era, simplesmente, pouco importante para o sistema

econômico. A partir de 1995, o Executivo começou a controlar de perto a

Comissão Mista de Orçamento e a indicar com cuidado o relator-geral da

comissão, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias e alguns relatores setoriais

estratégicos. Portanto, a intensidade de preferências sobre instituições

orçamentárias é, há quinze anos, razoável.

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A CPI do Orçamento de 1994 propôs, além de 22 outras idéias, o fim das

emendas individuais. Seriam permitidas apenas emendas de comissão, bancada, e

partidos. Houve uma luta política pela definição da legitimidade de emendar

individualmente o orçamento. Defensores do fim desse tipo de emenda tinham

um bom argumento: seriam ilegítimas se continuassem a serem usadas como

durante o período 1989-1993, no qual diversos parlamentares destinavam verbas

para organizações-fantasmas, controladas indiretamente por eles, através das

emendas individuais. Mas defensores da manutenção das emendas também

tinham um bom argumento: acabar com a emenda individual tornaria mais fraca

a relação entre parlamentar e cidadãos, algo que impactaria negativamente a

legitimidade da representação legislativa. A solução adotada, sobretudo a partir

da influente resolução congressual 2/1995, foi manter as emendas individuais e

instituir emendas de natureza coletiva.

O artigo analisa as escolhas e estruturas de preferências sobre instituições

orçamentárias, com ênfase na prerrogativa de parlamentares emendarem o

orçamento enviado pelo Executivo. O objetivo principal do artigo é, através de

uma narrativa analítica, entender por que certas idéias institucionais

(centralização orçamentária e emendas limitadas) foram adotadas em detrimento

de alternativas presentes nas critical junctures de 1991, 1993-1995 e 2005-2006

no Brasil.

Algumas limitações da perspectiva institucionalista histórica ficam

evidentes com os argumentos aqui apresentados: para entender mudanças

institucionais, é preciso estudar os processos de escolha dos atores nas critical

junctures e as idéias que orientaram essas escolhas institucionais. O texto mostra

também limitações da perspectiva de escolha racional: escolhas dos atores são

orientadas por processos institucionais há décadas em andamento e por

instituições que não mais existem; além, é claro, de inscritas em certo contexto

estrutural.

A primeira seção do artigo descreve os poderes de emendamento ao

orçamento conferidos ao Legislativo desde o período militar até nossos dias.

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Cinco dimensões são consideradas: a) limite ao valor global das emendas

orçamentárias; b) limite ao número de emendas por parlamentar; c) limite à área

do orçamento a ser emendada; d) emendas individuais ou coletivas; e) natureza

de emendas coletivas (“rachadinhas”). A segunda seção apresenta uma definição

básica de “narrativa analítica” e do que considero contexto estrutural e, ainda,

mostra como podemos esperar que os dois grupos parlamentares – situação e

oposição – se comportem em relação às escolhas plausíveis sobre instituições

orçamentárias relativas a emendamento.

I. Histórico do emendamento orçamentário no Brasil

É muito citado por economistas e cientistas políticos o diagnóstico do

economista Roberto Campos sobre o papel do Legislativo nas finanças públicas

durante o período democrático de 1946 a 1964: “O Congresso havia se

transformado em ‘engenho de inflação’ ao multiplicar o orçamento de dispêndio,

e em ‘fator de distorção’ de investimentos pela sua hipersensibilidade a pressões

regionais capazes de destruir a coerência e o equilíbrio de planos e programas”

(Campos, 1975, p. 36). A reclamação do economista não é limitada a terras

brasileiras, pois ele afirma ainda que “os Legislativos têm propensão inflacionista

ao canalizarem as aspirações de regiões e grupos em prol de uma alocação maior

de recursos, habitualmente sem a contrapartida da tributação adicional (...) [os

parlamentares são] sensíveis aos reclamos imediatos da clientela, podem

pressionar em favor de prematuros ou irrealistas esquemas assistenciais ou

projetos regionais de baixa produtividade” (Campos, 1975, p. 35).

Surpreendentemente, críticas ao comportamento do Legislativo àquela

época em relação às finanças vinham também da esquerda. Celso Furtado (1969,

citado por Santos 1995, p. 460), por exemplo, afirma que o Congresso no período

1946-64, por motivos ideológicos, vetava os ajustes macroeconômicos

necessários à continuidade do processo de crescimento industrial iniciado em

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1955. A razão é que o Legislativo era majoritariamente composto por

representantes de estados subdesenvolvidos e vocalizava os interesses de agentes

econômicos prejudicados por esse crescimento.

Mas, afinal, o diagnóstico dos dois ilustres economistas está correto? De

acordo com Baaklini (1993, p. 252), entre 1946 e 1964 “o Congresso teve um

papel importante no processo orçamentário. A Constituição de 1946 deu-lhe o

poder de caixa. O orçamento do Executivo era examinado pelas Comissões de

Orçamento de cada Casa e geralmente sofria importantes modificações como

resultado da intervenção do Congresso. Emendas ao orçamento eram

consideradas dentro das comissões orçamentárias e mesmo no plenário de cada

Casa”. O mesmo autor parece confirmar a hipótese de Roberto Campos ao

afirmar que, em 1960, ano em que foram aprovadas 9.320 emendas ao

orçamento, este aumentou 17,62% em relação ao apresentado pelo Executivo – e

a execução deste orçamento provocou déficit. Mas Baaklini (1993, p. 253-254)

afirma também: “Deputados e senadores tinham conhecimento prévio de que

suas emendas não seriam aprovadas (quase todas as emendas diziam respeito a

projetos que visavam dar aos políticos maior visibilidade junto a seu eleitorado),

mas mesmo assim eles as submetiam e lutavam por elas, de maneira que seus

eleitorados viessem a saber”. Emendas não executadas, afinal, não resultam em

déficit nem estimulam a inflação.

Nesta discussão, Ames (1986) alerta que nem todos os presidentes do

período comportavam-se do mesmo modo em relação aos gastos públicos.

Caracteriza o governo Dutra (1946-1951) como “conservador do ponto de vista

fiscal”, enquanto o segundo Getúlio Vargas “fez um governo populista e

desenvolvimentista, durante o qual a Comissão de Finanças da Câmara dos

Deputados soltou os cordões da bolsa” (Ames, 1986, p. 187). Juscelino

Kubitschek e João Goulart, de acordo com o autor, não foram austeros. O

segundo ponto importante do trabalho de Ames é a constatação de que a hipótese

de Roberto Campos não pôde ser completamente confirmada nem refutada, mas

os achados de seu estudo caminham no sentido de rechaçar o economista

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conservador: “Durante o período 1946-1964, o Legislativo brasileiro realmente

alterou a distribuição dos gastos federais para refletir seu próprio equilíbrio

político, [mas] não se pode fazer nenhuma análise de custo-benefício de projetos

elaborados pelo Congresso. É digno de nota o fato de que o regime militar – que

arrogou para si o poder exclusivo sobre as finanças – gastou US$ 100 bilhões em

uma série de gigantescos projetos que, coletivamente renderam quase nada.

Afinal, o Congresso brasileiro não possuía o monopólio do desperdício” (Ames,

1986, p. 202-203).

Interessante notar que, a posteriori, Campos (1994, p. 787) fez a mesma

reclamação sobre os gastos do regime militar: “A severidade antiinflacionária

[que tentei implementar na Constituição de 1967] permaneceu uma utopia. Os

orçamentos foram cada vez mais frouxamente planejados e piormente

executados. Anos depois assistiríamos ao lançamento de vários megaprojetos de

execução plurianual, sem observância das normas de orçamentação prévia. Foi o

caso dos grandes projetos rodoviários, como a Transamazônica e a Perimetral, na

era Médici, ou do programa de energia nuclear na era Geisel”. Nesse sentido,

Santos (1995, p. 483-484) nega Roberto Campos de maneira mais contundente

do que Ames. Após afirmar que entre 1959 e 1963 56% das leis aprovadas pelo

Legislativo implicavam a transferência concentrada de recursos para grupos ou

indivíduos, ressalva: “A pura e simples criação de leis TCR2 não indica criação

imediata de déficits orçamentários, inflação e bloqueio à programação do

desenvolvimento. É fato que as leis TCR significam transferências concentradas

de recursos públicos, as quais, no contexto analisado, ocorrem quase sempre sem

concomitante definição da fonte de financiamento ou reposição. Mas a maneira

pela qual tais transferências são viabilizadas varia substancialmente (...). Além

disso, nem toda despesa aprovada era traduzida em gasto efetivo. O regime

bicameral, a burocracia governamental e o poder de veto do presidente às leis

aprovadas na Câmara dos Deputados constituíam obstáculos permanentes às

iniciativas de produção legal dos deputados”.

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O último ponto relevante que pode ser destacado a partir do trabalho de

Ames (1986) é a variação interpartidária no comportamento dos deputados em

relação ao orçamento: o objetivo de se reeleger não seria o único fator a explicar

o comportamento dos parlamentares. 41,8% dos deputados não apresentaram

emendas ao orçamento de 1958, por exemplo (Ames, 1986, p. 190).

Parlamentares da União Democrática Nacional (UDN) seriam mais

conservadores fiscalmente do que seus pares, por razões ideológicas. Mas Santos

(1995, p. 461-462) discorda: “Quando se leva em conta o grau de concentração

ou dispersão dos benefícios concedidos pelas leis aprovadas durante aquele

período, bem como sua forma de concessão, se pela via de regulação ou

transferência de renda, percebe-se que a disputa pela distribuição de recursos às

clientelas não possuía coloração partidária. Os deputados da UDN, assim como

de qualquer agremiação, procuravam sistematicamente favorecer suas clientelas à

custa dos recursos públicos de propriedade da União”.

Contra a perspectiva, defendida tanto por Campos quanto por Furtado, de

que pressões clientelistas levam o Congresso a impor déficits orçamentários ao

país, Wehner (2004) expõe dois argumentos. Afirma, em primeiro lugar, que os

parlamentares não são a única fonte possível de gastos orçamentários que

resultam em déficits indesejados. Cita o notório exemplo norte-americano da

presidência de George W. Bush (2001-2008). Segundo a revista inglesa The

Economist, em texto de julho de 2003, Bush transformou um superávit de US$

5,6 trilhões (estimado para um período de dez anos) em um déficit de US$ 455

bilhões somente para 2003. A revista estima que o presidente norte-americano é

culpado por 46% desse resultado, atribuindo o resto a turbulências econômicas

do país. Ou seja, a culpa não é dos parlamentares.

Wehner (2004) observa também que não necessariamente a interferência

parlamentar no orçamento será deficitária. Dois caminhos são possíveis nesse

sentido. O primeiro consiste em limitar, juridicamente, as prerrogativas

parlamentares – definindo como intocáveis, por exemplo, certas despesas tidas

como prioritárias para o Executivo. O segundo caminho é a conciliação dos

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pequenos e, por natureza, localizados interesses orçamentários de parlamentares

em algo como uma “coalizão superavitária”, provavelmente intermediada por

partidos políticos. Em outras palavras, os deputados garantiriam verba para suas

bases eleitorais, mas o montante total não implicaria déficit, e sim superávit. Na

Constituição Federal de 1988, os constituintes brasileiros propuseram o primeiro

caminho: há participação legislativa no processo orçamentário, mas com

restrições. Vejamos, a seguir, como esta participação se deu em relação ao

emendamento orçamentário desde 1964.

Roberto Campos não participou das discussões sobre o Ato Institucional n.

1, editado em 9 de abril de 1964 pela ditadura militar, mas ele não discordaria

uma vírgula do que dispõe seu Artigo 5º: “Caberá, privativamente, ao Presidente

da República a iniciativa dos projetos de lei que criem ou aumentem a despesa

pública; não serão admitidas a esse projeto, em qualquer das Casas do Congresso

Nacional, emendas que aumentem a despesa proposta pelo Presidente da

República”.

A fim de se legitimar, o governo Castello Branco, conforme Campos

(1994, p. 784) relata em suas memórias, fomentou debates constitucionais entre

abril e dezembro de 1966: “Ao longo desses debates, Castello me havia pedido

concentrar-me nos capítulos econômicos da Constituição, a saber, os relativos ao

orçamento, fiscalização financeira e ordem econômica. Trabalhando no

ministério do Planejamento, com a assessoria de Bulhões Pedreira, preparei um

rascunho desses capítulos, movido por duas preocupações: formular uma

Constituição antiinflacionária e privatista. A experiência posterior revelou que

nenhum desses objetivos seria atingido”.

O economista define-se como um “tecnocrata politicamente imaturo”

(Campos, 1994, p. 786) e revela que seu objetivo ao escrever, com Bulhões

Pedreira, os dispositivos sobre orçamento na Constituição de 1967, era duplo: “O

primeiro objetivo era evitar que o clientelismo legislativo se transformasse em

pressão inflacionária, pelo inchaço de despesas. O outro era permitir uma visão

global do dispêndio público, pois que o orçamento deveria incluir também a

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previsão de despesas e receitas de todos os poderes, órgãos e fundos, tanto da

administração direta quanto da indireta, assim como o produto das operações de

crédito” (Campos, 1994, p. 786). Ressalva que o texto constitucional de 1967,

neste ponto, era praticamente uma extensão da Lei 4.320/64, de 17 de março de

1964, “surpreendentemente austera como disciplinamento do direito financeiro,

votada pelo Congresso na penúltima semana do governo Goulart” (Campos,

1994, p. 787).

Campos ampliou, na Constituição de 1967, a restrição iniciada pelo AI-1

ao: a) proibir créditos extraordinários (salvo em casos imprevistos como guerra,

subversão interna ou calamidade pública); b) vedar emendas de que decorresse

aumento da despesa global; c) proibir o início ou contratação de qualquer obra ou

despesa cuja execução se prolongasse além de um exercício financeiro, sem

prévia inclusão no orçamento, ou sem prévia lei autorizativa que fixasse o

montante das verbas que anualmente constariam do orçamento, durante todo o

prazo de execução. Restava aos parlamentares torcer para que o Congresso

continuasse aberto e esperar uma redefinição das normas constitucionais para

interferirem novamente, de modo transparente e legítimo, nas finanças públicas.

O anteprojeto da Subcomissão de Orçamento da Assembléia Nacional

Constituinte de 1987-1988 proibia apenas que as emendas parlamentares ao

orçamento modificassem a “natureza econômica da despesa”. De onde tirar

dinheiro para realizar os gastos com emendas? O anteprojeto da subcomissão não

especificava. Esta lacuna tentou ser preenchida no projeto da Comissão de

Finanças, sob responsabilidade de José Serra, que determinava que as

realocações orçamentárias seriam cobertas por recursos advindos de operações de

crédito ou de mudanças tributárias. O primeiro substitutivo da Comissão de

Sistematização mudou sensivelmente a natureza das emendas orçamentárias,

propondo um meio-termo entre a permissividade associada ao período 1946-1964

e a tacanha restrição às emendas que vigorou durante a ditadura militar. A nova

proposta impunha limite relativo à natureza das emendas (poderiam ser propostas

apenas na rubrica orçamentária destinada aos investimentos e despesas

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decorrentes dos investimentos) e limite à origem dos recursos usados para pagá-

las (as emendas seriam condicionadas à anulação de despesas da mesma

natureza). Em outras palavras, as emendas orçamentárias não criariam novas

despesas, mas sim diferentes despesas. Essas regras impediriam que o Congresso

funcionasse como um “engenho de inflação”.

A decisão final, consolidada, segundo Afonso (s/d, p. 21-22), por um

acordo de líderes partidários no segundo turno de votações em plenário da

Assembléia Nacional Constituinte, ampliou a natureza das emendas, que podem

ser para quaisquer dotações orçamentárias, não apenas investimentos. Mas a

ressalva financeiramente relevante é: as emendas não podem realocar verbas

destinadas às despesas fixas do governo federal. São os gastos com pessoal

(salários de funcionários públicos, por exemplo), gastos com dívidas e gastos

com transferências constitucionalmente determinadas para estados e municípios.

Figueiredo e Limongi (2003, p. 65) esclarecem ainda que “a Lei 4.320/64

veda o cancelamento das dotações destinadas às despesas correntes. Dessa forma,

a participação do Legislativo nessas categorias de despesa [gastos com pessoal,

gastos com dívidas e transferências intergovernamentais] só acontece de modo

reflexo, como conseqüência de mudanças em parâmetros balizadores da proposta

do Executivo. Por exemplo, quando uma mudança nos índices de reajuste do

salário mínimo requer correções nos valores dos benefícios previdenciários ou,

ainda, quando a reestimativa das receitas do Imposto de Renda (IR) e do Imposto

sobre Produtos Industrializados (IPI) resulta em alterações nas transferências

constitucionais a serem realizadas para estados e municípios”.

Disso resulta que, na prática, os parlamentares interferem na parte do

orçamento público destinada a investimentos, exatamente como o primeiro

substitutivo da Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte

propôs. De 1995 a 2002, os gastos com investimentos nunca superaram 6% da lei

orçamentária anual (Figueiredo e Limongi, 2003, p. 64). Este dado, em si, já seria

suficiente para desautorizar boa parte da crônica jornalística atual, que critica a

interferência legislativa no orçamento com poucas evidências empíricas. Mas

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Figueiredo e Limongi (2003, p. 66) observam ainda que “a participação do

Legislativo nos gastos com investimentos previstos nas leis orçamentárias de

1996 a 2001 revela-se surpreendentemente reduzida: as ‘taxas de participação’ do

Congresso nunca foram superiores à metade dos investimentos”.

Não devemos ignorar, nesta avaliação das emendas orçamentárias após a

Constituição Federal de 1988, o caráter crescentemente coletivo das emendas. No

período dos anões do orçamento, a coordenação de interesses individuais dos

parlamentares era organizada por um conluio criminoso com a burocracia de

alguns ministérios, encabeçada por deputados que comandavam a Comissão

Mista de Orçamento. Este desenho institucional, que permitia a apresentação

ilimitada de emendas, naturalmente privilegiava os parlamentares criminosos e

excluía os demais de ao menos uma parte importante do processo decisório em

relação ao orçamento. Não há dúvida de que as emendas coletivas têm sido

bastante usadas pelos parlamentares – e executadas pelo governo federal – desde

1993. Figueiredo e Limongi (2003, p. 69) notam que a distribuição percentual

das emendas parlamentares em investimentos se deu da seguinte forma de 1996 a

2001: bancadas estaduais (50,7%), parlamentares (18,1%), relatores setoriais da

Comissão Mista de Orçamento (10,3%), relator-geral da CMO (9,8%), comissões

(8,4%) e bancadas regionais (2,8%). Se certas escolhas institucionais relativas ao

processo orçamentário feitas durante o regime militar foram baseadas em

diagnóstico incerto, talvez incorreto, sobre o período democrático anterior, é

certo que as escolhas constituintes e pós-1988 foram mais bem informadas. As

escolhas na gênese constitucional buscaram devolver ao Legislativo

prerrogativas importantes referentes ao orçamento. As escolhas posteriores,

consagradas em resoluções do Congresso Nacional, reagiram à captura da

Comissão Mista de Orçamento por parlamentares corruptos.

Considerando as mudanças impostas por algumas resoluções do

Congresso Nacional em relação ao processo orçamentário desde 1991, é

importante atentar para cinco pontos: a) limite ao valor global de emendas

individuais; b) limite ao número de emendas individuais por parlamentar; c)

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limite às áreas do orçamento a serem emendadas; d) definição de atores que

podem propor emendas coletivas; e) definição da natureza das emendas coletivas.

O limite ao valor global de emendas individuais será analisado

tangencialmente, pois trata-se de um exemplo de informalidade no processo

orçamentário brasileiro. Instituições informais são, segundo Helmke e Levitsky

(2006, p. 5), “regras socialmente compartilhadas, normalmente não-escritas, que

são criadas, comunicadas e reforçadas através de mecanismos institucionais

extra-oficiais”. Seguindo a tipologia desses autores, adaptada de Lauth (2000),

considera-se que dois fatores são pertinentes para definir o tipo de instituição

informal: a) grau de convergência entre instituições formais e informais; b)

eficácia de instituições formais. Instituições informais complementares operam

em um ambiente no qual as regras formais são eficazes e convergentes às

informais, enquanto instituições informais do tipo “accomodating” ocorrem em

ambientes políticos nos quais as regras formais são eficazes, mas divergentes em

relação às instituições informais. Argumento que instituições informais do tipo

“accomodating” caracterizaram a limitação ao valor global das emendas

individuais consagrada na resolução congressual 1/2001. Tratou-se da

cristalização de um acordo informal vigente desde 1996. De 1988 a 2001, não

havia limite ao valor total de emendas individuais ao orçamento propostas por

cada parlamentar. De 1996 a 2001, no entanto, acordos informais entre o relator-

geral da lei orçamentária e o Executivo limitar o valor das emendas propostas por

cada parlamentar.

O cenário “emendas orçamentárias ilimitadas” configuraria: a) nenhum

limite de valor global para emendas orçamentárias; b) nenhum limite ao número

de emendas por parlamentar; c) nenhum limite à área do orçamento a ser

emendada; d) diversos atores com a prerrogativa de propor emendas coletivas; e)

natureza bastante abrangente, pouco definida, para as emendas coletivas. O

cenário “emendas orçamentárias limitadas” seria o inverso em todos os cinco

pontos. Na seção a seguir, está a definição do modelo teórico de “narrativa

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analítica” usado para avaliar como os parlamentares brasileiros chegaram a um

cenário meio-termo entre os dois descritos acima.

II. “Narrativa analítica”, contexto estrutural e escolhas sobre

emendamento

Mahoney (2005) propõe uma operacionalização interessante de “narrativa

analítica”, focando como a perspectiva de escolha racional pode suprir certas

lacunas da linha institucionalista histórica. Para este último grupo de analistas, as

critical junctures são usadas para explicar estabilidade e mudança institucional.

Mas a imensa maioria dos casos deixa de especificar como e por que certas

decisões (e não outras) são tomadas pelos atores políticos nesses momentos.

Portanto, formalizar as opções dos atores nas critical junctures – além de

explicar como se forma a agenda de opções políticas em certa critical juncture –

é essencial para entender os processos de estabilidade/mudança institucional.

Enquanto os institucionalistas históricos tratam critical junctures como

momentos de enorme contingência, nos quais as escolhas feitas pelos atores são

essencialmente imprevisíveis, os analistas de escolha racional oferecem um

arsenal teórico para modelar estas escolhas como decisões instrumentais feitas

lucidamente considerando o contexto estrutural presente e outros arranjos

institucionais (Mahoney 2005, p. 313). De acordo com ele, a teoria de escolha

racional considera quatro elementos como componentes da escolha de um ator:

as opções comportamentais disponíveis para este ator; os resultados específicos

que podem advir de certa escolha; a utilidade associada a cada um desses

resultados específicos; e, por fim, a probabilidade de que certo resultado ocorrerá

a partir de certa escolha (Mahoney 2005, p. 317).

Nunca é demais enfatizar, no entanto, que as narrativas analíticas devem

tratar o contexto estrutural como um alvo móvel que se estabiliza durante

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determinada seqüência de eventos, pois este contexto influencia o modo como os

atores constroem suas escolhas e ordenam alternativas institucionais possíveis

(Pedriana, 2005, p. 356). No caso em que estudo, este contexto que influencia as

escolhas dos atores sobre instituições orçamentárias é composto por três tipos de

relações: a) relações Executivo/Legislativo – ou seja, como e por quem a

coalizão governista é composta; b) relações entre parlamentares e líderes

partidários e c) a dinâmica de execução de emendas orçamentárias. A principal

função da narrativa analítica, portanto, é ligar as critical junctures fundamentais

para entender o caso estudado. De acordo com Pedriana (2005, p. 351), uma

narrativa organiza eventos organizados cronologicamente em um “todo analítico”

que faz sentido. Métodos não-narrativos “atribuem a causalidade às variáveis, e

não aos atores políticos” (Abbott 1992, p. 428).

Como já foi dito acima, há dois conjuntos de escolhas institucionais

plausíveis a estudar nas critical junctures: emendas parlamentares ilimitadas ou

emendas parlamentares com limites. Seguindo Mahoney (2005), apresento

abaixo um modelo de narrativa analítica referente aos dois cenários possíveis.

Escolha Institucional 1: Emendas parlamentares ilimitadas

Parlamentares da Situação

Resultado Utilidade

(1 = mais baixa)

Probabilidade

(1 = mais baixa)

Utilidade esperada

(1 = mais baixa)

uso corrupto muito negativa (1) improvável (3) muito negativa (1)

domínio do Executivo negativa/positiva (2/3) provável (4) negativa/positiva (2/3)

domínio do Legislativo positiva (3) muito improvável (2) muito positiva (4)

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Parlamentares da Oposição

Resultado Utilidade

(1 = mais baixa)

Probabilidade

(1 = mais baixa)

Utilidade esperada

(1 = mais baixa)

uso corrupto muito negativa (1) improvável (3) muito negativa (1)

domínio do Executivo muito negativa (1) provável (4) muito negativa (1)

domínio do Legislativo negativa/positiva (2) muito improvável (1) positiva (3)

Escolha Institucional 2: Emendas parlamentares com limites

Parlamentares da Situação

Resultado Utilidade

(1 = mais baixa)

Probabilidade

(1 = mais baixa)

Utilidade esperada

(1 = mais baixa)

uso corrupto muito negativa (1) improvável (3) muito negativa (1)

domínio do Executivo negativa (2) provável (4) muito negativa (1)

domínio do Legislativo positiva (3) extremamente improvável (1) muito positiva (4)

Parlamentares da Oposição

Resultado Utilidade

(1 = mais baixa)

Probabilidade

(1 = mais baixa)

Utilidade esperada

(1 = mais baixa)

uso corrupto muito negativa (1) improvável (3) muito negativa (1)

domínio do Executivo muito negativa (1) provável (4) muito negativa (1)

domínio do Legislativo negativa (2) extremamente improvável (1) negativa (2)

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Interessaria fortemente à coalizão governista dentro do Parlamento

estabelecer certos limites às emendas e, ao mesmo tempo, obter controle da etapa

do processo orçamentário referente à execução. No entanto, isto ocorreria apenas

se o orçamento impositivo também fosse aprovado – algo que não ocorreu pois o

Executivo controla suficientemente o processo legislativo no Brasil para que

propostas nesse sentido não prosperem. Portanto, podemos esperar que os

parlamentares da situação se oponham, moderadamente, a propostas no sentido

de limitar as prerrogativas de emendar o orçamento.

Não interessaria aos parlamentares da oposição estabelecer limites às

emendas, pois perderiam espaço para barganhar a liberação de ao menos parte

pequena de suas emendas com o Executivo e outros membros da coalizão do

governo. Caso houvesse Orçamento Impositivo, é provável que a posição dos

membros oposicionistas em relação a limites para emendas fosse mais flexível.

Não é este o caso, no entanto, e podemos esperar que os parlamentares da

oposição se oponham, fortemente, a propostas no sentido de limitar as

prerrogativas de emendar o orçamento.

Tendo em mente essas hipóteses sobre as preferências de parlamentares de

situação e oposição, vejamos abaixo as escolhas sobre emendamento

orçamentário de 1967 a 2006.

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Escolhas sobre Emendamento Orçamentário, 1967-2006

1967 1988 1991 1993 1995 2001 2006

a) Limite de Valor

Global para emendas

individuais

sim, na

prática

não não não não sim, parcialmente –

negociação

informal

sim, parcialmente –

negociação informal

b) Limite ao número

de emendas por

parlamentar

sim, zero não não sim, 50

emendas

sim, 20 emendas manteve 1995 sim, 25 emendas

c) Limite à área do

orçamento a ser

emendada

quase

inteiramente

limitada

menos

limitada

manteve

1988

manteve

1988

manteve 1988 manteve 1988 manteve 1988

d) Atores que podem

propor emendas

coletivas

nenhum nenhum nenhum * comissões

* partidos

* bancadas

estaduais

* comissões

* bancadas

regionais

* bancadas

estaduais

manteve 1995 * comissões

* bancadas estaduais

e) Natureza de

emendas coletivas

não há

emendas

coletivas

não há

emendas

coletivas

não há

emendas

coletivas

não consta razoavelmente

restrita

razoavelmente

restrita

bastante restrita

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Podemos notar algumas tendências. Há a tentativa, a partir de 2001, de

deixar mais claros os critérios para limitar o valor global de emendas individuais;

limita-se, a partir de 1993 e sobretudo 1995, o número de emendas que cada

parlamentar pode propor individualmente; as áreas em que se pode emendar o

orçamento foram mantidas desde 1988; o número de atores que podem propor

emendas coletivas foi progressivamente limitado, embora tenha-se aumentado o

número de emendas coletivas propostas por cada ator; e, por fim, a resolução

1/2006 foi um passo grande no sentido de restringir a natureza de emendas

coletivas para evitar “rachadinhas” – emendas individuais travestidas de

coletivas.

Para finalizar, é interessante notar que as emendas orçamentárias

propostas individualmente pelos parlamentares foram progressivamente

deslegitimadas após dois escândalos (em 1993, os “anões” do orçamento e em

2006 os “sanguessugas”) e isso não resultou no fim dessa instituição, mas sim na

criação e prioritização, ao longo do tempo, de emendas coletivas (propostas por

bancadas estaduais, bancadas regionais, partidos políticos e comissões

parlamentares). Assim, o processo de deslegitimação das emendas foi uma das

causas do layering institucional (Streeck e Thelen 2005).

Nota:

(1) Na tipologia proposta por Santos (1995, p. 463), as leis TCR são as

que dispõem sobre “transferência de recursos da União para indivíduos,

empresas, grupos econômicos ou localidades”. Há ainda as leis que regulam

atividades de grupos especiais, as que dispõem sobre a transferência de recursos

para proteção e segurança da população em geral e as que impõem regras gerais

que regulam o conflito distributivo e a competição e participação políticas.

Referências :

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* Sérgio Praça

Jornalista e doutorando em Ciência Política pela

Universidade de São Paulo. Com Simone Diniz, escreveu

“Partidos Políticos: Funcionam?” (Ed. Paulus, 2005) e

organizou “Vinte anos de Constituição” (Ed. Paulus, 2008). Sua tese, em

elaboração, intitula-se “A evolução de instituições orçamentárias no Brasil, 1987-

2008”, devendo ser apresentada até 2010.

Fonte

Revista LIBERDADE e CIDADANIA

Senado Federal – Anexo I – 26º andar

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