artigo- muzicalização de surdos-ivo vieira gomes

28
1 MUSICALIZAÇÃO PARA SURDOS: Contextualização e Possibilidades de Abordagem Ivo Vieira Gomes Professora Orientadora: Laysa Akeho Resumo: Este artigo busca oferecer ao educador musical uma breve visão sobre a realidade da musicalização de surdos nos dias atuais, seus desafios e especificidades. Sob a ótica da educação inclusiva e das consequências da Lei 11.769, de 18 de Agosto de 2008, que traz a música de volta à grade curricular das escolas, é feito um breve relato sobre o processo de estabelecimento da educação regular para os surdos. Em seguida é apresentado o valor da música para o desenvolvimento do ser humano. A terceira parte do artigo aborda a relação entre o surdo e o processo de educação musical, apresentando alternativas para a compreensão musical, que sejam significativas a ele. Por fim, faz-se uma reflexão sobre a realidade educacional inclusiva e a importância de estabelecermos novas abordagens e metodologias para a educação musical. Palavras-chave: surdo, educação musical Abstract: This article attempts to provide the music educator a brief insight into the reality of the music to the deaf today, their challenges and specificities. From the perspective of inclusive education and the consequences of the Law 11769 of 18 August 2008, bringing the music back to the curriculum of schools, is made a brief report on the process of establishment of regular education for the deaf. Then you see the value of music to human development. The third part of the article discusses the relationship between the deaf and the process of musical education, presenting alternatives to musical understanding, which are significant to him. Finally, it is a reflection on the reality of inclusive education and the importance of establishing new methodologies and approaches to music education. Keywords: deaf, music education 1. Introdução: O meu interesse pela educação musical de pessoas surdas surgiu logo ao início do curso de Licenciatura em Música, no início de 2009. Já havia mantido contato com alguns surdos, tendo aprendido o básico para manter uma comunicação simples e superficial, mas foi ao estudar a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), no primeiro período do curso, que me deparei com a questão: “ seria

Upload: thiago-augusto-guedes

Post on 28-Dec-2015

17 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

1

MUSICALIZAÇÃO PARA SURDOS: Contextualização e Possibilidades de Abordagem

Ivo Vieira Gomes

Professora Orientadora: Laysa Akeho Resumo: Este artigo busca oferecer ao educador musical uma breve visão sobre a realidade da musicalização de surdos nos dias atuais, seus desafios e especificidades. Sob a ótica da educação inclusiva e das consequências da Lei 11.769, de 18 de Agosto de 2008, que traz a música de volta à grade curricular das escolas, é feito um breve relato sobre o processo de estabelecimento da educação regular para os surdos. Em seguida é apresentado o valor da música para o desenvolvimento do ser humano. A terceira parte do artigo aborda a relação entre o surdo e o processo de educação musical, apresentando alternativas para a compreensão musical, que sejam significativas a ele. Por fim, faz-se uma reflexão sobre a realidade educacional inclusiva e a importância de estabelecermos novas abordagens e metodologias para a educação musical. Palavras-chave: surdo, educação musical Abstract: This article attempts to provide the music educator a brief insight into the reality of the music to the deaf today, their challenges and specificities. From the perspective of inclusive education and the consequences of the Law 11769 of 18 August 2008, bringing the music back to the curriculum of schools, is made a brief report on the process of establishment of regular education for the deaf. Then you see the value of music to human development. The third part of the article discusses the relationship between the deaf and the process of musical education, presenting alternatives to musical understanding, which are significant to him. Finally, it is a reflection on the reality of inclusive education and the importance of establishing new methodologies and approaches to music education. Keywords: deaf, music education

1. Introdução:

O meu interesse pela educação musical de pessoas surdas surgiu logo ao

início do curso de Licenciatura em Música, no início de 2009. Já havia mantido

contato com alguns surdos, tendo aprendido o básico para manter uma

comunicação simples e superficial, mas foi ao estudar a Língua Brasileira de Sinais

(LIBRAS), no   primeiro   período   do   curso,   que   me   deparei   com   a   questão:   “seria

Page 2: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

2

possível para uma pessoa com comprometimento auditivo, experimentar a

músicalização?”.  E antes mesmo de aprender os conceitos e valores do universo

musical, seria possível que eles usufruíssem de qualquer experiência, passiva ou

ativa, com a música? Essas questões, aliadas ao grande desafio que esta proposta

define, motivaram esta pesquisa.

A música está ao nosso redor, nos mais variados ambientes. Mesmo quando

estamos despercebidos ou focados em outro assunto, ela se manifesta através de

um som ambiente, um fundo musical, um comercial, ou até mesmo por meio do

contato com elementos físicos do som: as vibrações sentidas no corpo ao contato

direto com uma fonte sonora, o pulsar do nosso coração e sistema circulatório.

“Somos  seres  musicais  por  natureza”  (GRANJA,  2006)  e  precisamos  nos  expressar,

nos manifestar musicalmente. Gardner (1995) destaca em seu estudo sobre

inteligências múltiplas a existência de uma “inteligência musical”, competência do

ser humano capaz de entender e produzir alguma manifestação musical. Se

pensarmos que essa habilidade é inerente a cada indivíduo, que nascemos com ela,

para proporcionarmos uma educação eficiente e abrangente é preciso proporcionar

o contato e o aprendizado também dentro das competências musicais de nossos

alunos.

Ainda pensando no que compete à educação, temos vivido e experimentado a

chamada Educação Inclusiva. Este tipo de educação busca oferecer às pessoas

com deficiência a oportunidade de acesso à educação, mas uma que seja o mais

próxima à que têm acesso os demais indivíduos, uma vez que a verdadeira

educação é aquela que é para todos, de acordo com a Declaração Universal dos

Direitos Humanos (1948) e a Declaração Mundial sobre Educação para Todos

(1990). Para tanto, metodologias, recursos pedagógicos, pesquisas e produções

científicas têm sido desenvolvidos e adaptados para melhor atender esse público

específico.

A educação musical se insere neste contexto, à medida que busca

desenvolver a potencialidade musical não só de um grupo específico de indivíduos,

mas explorar esse potencial em todo e qualquer indivíduo. Por muito tempo,

entendeu-se que a música era privilégio de poucos, dotados de talento, e que os

demais podiam apenas ouvi-la, ainda que sem entendê-la. As pessoas com

deficiência eram excluídas de atividades comuns, por serem consideradas

ineducáveis (HAGUIARA-CERVELLINE, 2003), e em relação à música, os surdos,

Page 3: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

3

especificamente, representavam, e ainda hoje representam para muitos, uma

parcela da população que não pode vivencia-la. Sua exclusão na educação se devia

à   concepção   de   que   somente   é   “língua”   aquela   que   possui   uma   representação  

fonética, com sons articulados. Como a maioria dos surdos não consegue conversar

falando, não sendo, portanto oralizados, e não fazem leitura labial, a comunicação

através da vocalização fica comprometida. Durante séculos, isto fez com que essas

pessoas ficassem à margem da sociedade.

Por muito tempo, os surdos tiveram seus direitos usurpados, sob o pretexto

de  não  serem  “humanos”  (HAGUIARA-CERVELLINE, 2003). Durante esse período,

o que se entendia é que somente as pessoas que possuíam os cinco sentidos

preservados eram seres humanos, para quem valia os direitos e privilégios da

sociedade. Somente nos meados do século XVI, a educação para os surdos dá seus

primeiros passos. Nomes como Girolamo Cardano (1501-1576) Pedro Ponce de

León (1510-1584), Juan Pablo Bonet (1579-1626) e Charles-Michel  de  L’Epée  foram  

os grandes responsáveis pela estruturação e consolidação da educação para os

surdos e pela instituição da Língua de Sinais como a língua destes indivíduos

(HAGUIARA-CERVELLINE, 2003).

Assim, com o passar dos anos, discorrendo mais especificamente na

sociedade moderna, a partir de posicionamentos e reposicionamentos de

educadores, lideres e da comunidade surda, travou-se um longo processo de luta

pela garantia dos direitos dos surdos. E esse processo, que perdura até os dias de

hoje, foi responsável por inserir a pessoa surda na sociedade ouvinte, respeitando a

sua diferença, tirando o foco de sua deficiência (HAGUIARA-CERVELLINE, 2003).

Ele passa a ser, perante a lei, um cidadão comum, reconhecido em sua diferença

sem negar sua deficiência, com todas as suas possibilidades e aptidões, incluindo o

direito à educação e à língua própria (HAGUIARA-CERVELLINE, 2003, p.15).

No contexto de inserção ou da participação do surdo na sociedade e do

respeito aos seus direitos como cidadão, pode-se também repensar o entendimento

geral sobre a música. Uma vez que estas pessoas têm direito a usufruir dos mesmos

recursos e privilégios que os ouvintes, como eles podem experimentar a música e

serem musicalizados, a partir de um processo que legitime a sua diferença? Será

que o que entendemos sobre   “música”   pode   ter   algum   sentido   que   não   aquele  

estritamente ligado à audição e que faça sentido ao indivíduo surdo?

Page 4: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

4

O objetivo desta pesquisa não é esgotar as possibilidades ou definir uma

metodologia para a educação musical de surdos, mas proporcionar uma reflexão

sobre as formas como pensamos e entendemos a música, o surdo e a educação.

Também procura-se ressaltar as principais diferenças entre a educação musical

convencional e aquela pensada para esses indivíduos, buscando com isso

proporcionar a ambos, ouvintes e surdos, novas possibilidades de viver e fazer

música. O propósito não é buscar uma forma de fazer o surdo  “ouvir”  a  música  ou  

vivenciá-la como se fosse ouvinte, pois a visão adotada neste trabalho não nega a

surdez, ignorando a falta do sentido auditivo, ou tentando um meio de corrigi-la,

tratá-la. O que se deseja é proporcionar aos alunos novas abordagens e formas de

vivenciar e experimentar a música.

Para tanto, foram utilizadas nessa pesquisa as contribuições de educadores

musicais como DALCROZE (WAX, 2007) e GRANJA (2006), que lidam com os

conhecimentos musicais e o aprendizado através da prática, bem como educadores

como SILVA (2008), SÁ (2008) e HAGUIARA-CERVELLINI (2003), que possuem

experiência na educação musical de surdos de todas as idades.

Cabe aqui ainda uma explicação sobre alguns dos termos usados nesse

trabalho,  como  a  palavra  “surdo”.  Para  muitos  de  nós,  a  palavra  reflete preconceito e

discriminação, mas os indivíduos que possuem algum tipo de deficiência auditiva

preferem   “surdo”   a “deficiente”,   por   questões   culturais   e   sociológicas,   que   serão  

abordadas  nos  próximos   tópicos  do   texto.  Além  disso,   falamos  de   “musicalização”,  

como o processo de tornar um indivíduo conhecedor dos conceitos e valores

musicais, permitindo o seu envolvimento ativo com o fazer musical. Não está focado

aqui   o   “virtuosismo”,   o   desenvolvimento   técnico   em   instrumentos   e   habilidades  

específicas musicais, como regência ou composição.

Page 5: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

5

2. Desenvolvimento

2.1. O surdo e a educação: breve histórico reflexivo e contextualização crítica

“A  surdez  sempre  esteve  presente  na  história  da  vida  humana” (HAGUIARA-

CERVELLINI, 2003, p.29). Embora tenham sido negligenciados pelos registros

históricos, que sempre trazem uma versão e valor vigente, os surdos sempre

participaram da construção da sociedade. Infere-se que a incidência da surdez

adquirida1 tenha sido maior nos primeiros anos da humanidade, uma vez que nos

tempos atuais possuímos formas mais avançadas de diagnóstico e tratamento de

enfermidades e distúrbios. Assim também nas primeiras culturas e sociedades, a

surdez era bastante ocorrente, seja por questões hereditárias, muitas delas

causadas por relacionamentos consanguíneos, seja pela precariedade do sistema

de saúde e identificação dos distúrbios e doenças (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003,

p.29).

Na antiguidade, o surdo era considerado um ser não-humano (SILVA, 2008) e

não-educável. Aristóteles acreditava que, uma vez que estes indivíduos eram

incapazes de se comunicar com os ouvintes e entre si, eles eram incapazes de

receber qualquer instrução, já que para aquela sociedade o meio de instrução era a

palavra articulada, falada. Nesse período era comum que tais indivíduos fossem

sacrificados em rituais religiosos, abandonados, vivessem marginalizados, ou

simplesmente mortos sem motivos aparentes (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003,

p.29).

Essa visão do surdo como ser irracional perdurou até a Idade Média, onde

eles  eram  privados  de  direitos  civis,  sociais  e  religiosos.  “[O surdo] não tinha direito à 1 Quanto à procedência ou etiologia da surdez, atualmente ela se divide em duas: a surdez hereditária e a surdez adquirida. A primeira é proveniente de pais ou avós surdos, com problemas auditivos, ou não (é o caso de casamentos consanguíneos, por exemplo), que transmitem à criança alguma característica genética, algum problema que as impede de ouvir. A segunda ocorre após o nascimento ou durante a gestação, devido a doenças, distúrbios ou acidentes, onde o indivíduo acaba perdendo a sua audição. Estima-se que de 30 a 50% dos casos de surdez são hereditários, sendo que 10% das pessoas surdas possuem pais surdos (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004, apud SILVA, 2008). Mas também é importante observar que em aproximadamente um terço das pessoas surdas não foi possível identificar a origem da surdez (SILVA, 2008).

Page 6: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

6

herança, sofria restrições religiosas e não podia se casar, a não ser que obtivesse

uma   dispensa   do   papa”   (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.30). A situação só

começou a mudar a partir do século XVI, com o médico italiano Girolamo Cardano

(1501-1576). Embora nunca tenha se engajado na educação de algum surdo, ele foi

o responsável pelo rompimento com o pensamento de que estes indivíduos eram

ineducáveis. Pai de um filho surdo, Cardano interessou-se por estudar a forma de

comunicação destas pessoas. Para ele, a surdez e a mudez2 não podiam ser

impedimento   para   a   educação.   “É   um   crime   não   instruir   um   surdo”   (VELOSO;

FILHO, 2009 apud PONCHIO, 2009). Defendia que o surdo precisava aprender a ler

e escrever, mas que o uso das palavras faladas não era indispensável para a

comunicação efetiva deles.

Na Idade Moderna, durante o período das reformas humanísticas como o

Renascimento e a Reforma protestante, a educação geral sofreu mudanças,

passando a ser popular, nos idiomas regionais, e tal fato abriu a possibilidade para

que o surdo fosse educado. Pedro Ponce de León (1510-1584), monge beneditino, é

considerado o primeiro professor de surdos da história e Francisco Velasco, herdeiro

do Marquesado de Berlanga3, filho mais velho da Casa de Tudor, seu primeiro aluno.

Este último, graças aos esforços de León, acabou por aprender a falar e escrever,

podendo assim recuperar seus direitos legais à herança. A partir disso, devido aos

interesses econômicos da nobreza, a educação dos surdos sofreu um grande

avanço (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).

Outros grandes educadores se dedicaram a educação de surdos em várias

regiões do mundo, fundamentando práticas de ensino que se tornaram marcos

importantes na história da educação. Charles-Michel   de   L’Epée, um dos grandes

2 A mudez é aqui citada a fim de promover uma contextualização histórica. Atualmente, sabe-se que esta deficiência não possui relação direta com a surdez. O termo surdo-mudo foi equivocadamente utilizado por anos para definir os surdos, pois se acreditava que, por alguns não serem oralizados, ou seja, não terem aprendido a se comunicar na língua falada, através de sons articulados, estes indivíduos eram também mudos. A mudez é a incapacidade, comprovada clinicamente, de emitir sons, uma deficiência na oralização. O surdo somente será mudo se possuir as duas deficiências distintas, atestadas por especialistas. Assim, muitos surdos podem nunca emitir sons orais, por não terem sido ensinados ou oralizados, mas não serão mudos por este fato (GESSER, 2009).

3 Durante este período, como na pré-história, era comum ocorrer casamentos e envolvimentos consanguíneos entre os membros da realeza por interesses econômicos, como a posse de terras. Tais envolvimentos foram responsáveis por um alto índice de indivíduos surdos por hereditariedade na nobreza (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).

Page 7: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

7

nomes a ser considerado, foi responsável pela fundação da primeira escola pública

para surdos, em Paris (1755), o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (SILVA, 2008,

p.12), e por inferir a Língua de Sinais como a língua natural do surdo (HAGUIARA-

CERVELLINI, 2003, p.32). Embora os surdos já utilizassem a Língua de Sinais

desde a antiguidade, o Oralismo,  a   “arte  de  ensinar o surdo a falar”,   como  alguns  

educadores se referiam a ele, era o meio para obter os fins da educação até então4

(BOTELHO, 1998).   Com   o   trabalho   do   abade   de   L’Epée,   começa a ganhar

visibilidade uma outra forma de compreender o surdo e sua língua. A sociedade,

gradualmente, passa a perceber o surdo como um indivíduo capaz de adquirir

conhecimento, sem a necessidade da fala. Foi o início da ampla utilização da Língua

de Sinais (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003).

Na segunda metade do século XIX, entretanto, há um retrocesso e a Língua

de Sinais passa a ser questionada. O Congresso de Milão (1880) foi responsável por

estabelecer o Método Oralista como o padrão para a educação dos surdos,

recriminando o uso da Língua de Sinais, sob o argumento de que a fala é

“incontestavelmente superior”   (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.33) aos sinais e

que a utilização destes, associado à fala, acabaria prejudicando o desenvolvimento

da fala e da leitura labial, em relação à precisão das ideias que se poderia

expressar. (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.33). Sobre o jogo de poder que

envolve essa questão, Moura et al (1997) afirma:

“A   supremacia   do   Oralismo   sobre   a   Língua   de   Sinais   é   considerada   [...]  como uma forma de dominação em que os surdos, pertencendo a uma classe minoritária, têm de se submeter aos desejos da maioria ouvinte e igualar-se a estes a qualquer custo”   (MOURA,   LODI   e  HARRISON,   1997,  apud HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.34).

No século XX podemos perceber algumas mudanças. A primeira, favorecendo

o Oralismo, foi representada pelos avanços tecnológicos, que promoveram

condições melhores de diagnóstico e mecanismos de amplificação do som, a serem 4 Isto se devia à mentalidade de que só podia ser humano e capaz de se comunicar, o indivíduo que possuía a capacidade de fala. O índice da incidência da surdez, apesar de variar bastante conforme o passar da história, sempre foi menor que o índice de pessoas ouvintes. Por serem minoria, entendia-se que os surdos não eram “normais”, devendo se adequar ao mundo dos ouvintes para gozarem algum de seus direitos. Ou seja: o surdo precisava saber falar para se comunicar. Por isso que no início da educação para o surdos, os professores desempenharam grande esforço em ensinar o surdo a falar, sendo esse o principal fim da educação destes indivíduos naquela época.

Page 8: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

8

utilizados pelos indivíduos surdos que possuam resíduos auditivos (HAGUIARA-

CERVELLINI, 2003, p.34). Porém, a dificuldade em articular o som falado,

especialmente para aqueles indivíduos com surdez pré-linguística,   “que   não   têm  

lembranças  dos  parâmetros  exatos  do  som”  (SILVA,  2008,  p.13), fez do Oralismo um

meio de frustração para os surdos, que acabavam vivendo marginalizados, em

miséria, ou até mesmo considerados mudos e/ou doentes mentais (SILVA, 2008).

No lado oposto, com a eclosão das reformas e revoluções humanísticas, houve uma

crescente preocupação com o respeito aos direitos humanos e a valorização de

cada indivíduo como ser. Neste contexto os surdos passaram a ter seus direitos

defendidos e reivindicados. Nos Estados Unidos, na década de 1980, teve início o

movimento conhecido como Deaf Power (Poder   Surdo),   que   garantiu   o   “direito   a  uma   língua   própria”   e   reivindicou   o   “direito   de   ser   tratado   como   ‘diferente’,   pelo  

ouvinte,   em   vez   de   ‘deficiente’”   (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.15). Com o

fortalecimento do posicionamento da comunidade surda, desde então, a questão da

Língua de Sinais como língua natural do surdo ganha contornos políticos, manifestos

também na esfera da educação.

A educação do surdo hoje é também assunto que gera polêmica dentro da

chamada  “educação  inclusiva”. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n. 4.024 de 1961,

que tratou de “garantir a matrícula de crianças ‘excepcionais5’ no sistema geral de

educação”,   com   o   intuito   de   “integrá-los   na   comunidade” (KASSAR, 2007, p.47)

contempla também o indivíduo surdo, devido ao seu comprometimento auditivo.

Antes da lei, há relatos de escolas que acolhiam alunos surdos, a fim de permitir sua

participação na sociedade e garantir sua educação, mas apenas em casos isolados

pelo país. Após a LDB, no entanto, essa modalidade de educação (inclusiva)

alcança todo o território brasileiro. O surdo, como todo educando com necessidade

educacional especial, passa a ter direitos perante a lei, podendo, respaldado por ela,

interagir e participar ativamente do seu dia-a-dia, tendo suas diferenças respeitadas.

Porém, o que se percebe na realidade educacional hoje é uma prática inclusiva

5 “Excepcional”  era  o   termo  utilizado  na  Lei.  O   termo  causa  polêmica,  assim  como  outros  utilizados  para definir os indivíduos alvo da educação especial ao decorrer da história. Atualmente têm sido utilizadas  expressões  como  “indivíduos  com  necessidades  educacionais  especiais”  ou  “portadores  de  necessidades   especiais”,   mas   ainda   há   bastante   discussão   quanto à ética na utilização destes também (KASSAR, 2007).

Page 9: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

9

longe do ideal proposto pelo MEC6 e que acentua a distância entre surdos e

ouvintes, ao invés de amenizá-las (STUMPF, 2008).

Quando pensamos na exigência dos surdos em serem tratados como

“diferentes”,   ao   invés   de “deficientes”, como foi defendido pelo movimento Deaf Power nos Estados Unidos, entramos em uma discussão que reflete valores sociais

e antropológicos, bem como paradigmas impostos pela sociedade sobre o conceito

de   “normalidade”. Por muito tempo tratado apenas como um deficiente, o surdo

viveu à margem da sociedade, incapaz de usufruir do pleno gozo de sua cidadania.

Essa visão, como já abordado acima, está  embasada  num  “discurso  da  falta”,  onde  

o indivíduo é denominado e categorizado pelo que não tem. Nessa linha, está

inserida a visão clínica (BOTELHO, 1998, p.22), pela qual a surdez é considerada

uma patologia a ser tratada. É sob esse mesmo discurso que a educação para os

surdos  teve  como  objetivo  esforços  no  sentido  de  “normalização”,  ou  seja,   tornar  o

surdo um  “ouvinte”,  compensando seu déficit por meio de um treino sistemático da

audição, da fala, da leitura labial, do uso de próteses, de implantes, de cirurgias, de

audiometrias, de exercícios respiratórios, dentre outros (LULKIN, 1998 apud.

SKLIAR, 1998).

A   “normalidade”,   como   foi   defendida   e   imposta   por   vários   séculos   desde   a  

antiguidade, passa inevitavelmente por uma concepção do que é ser humano. Para

muitas sociedades, humano era aquele que detinha os cinco sentidos (audição,

visão, olfato, tato, e paladar) preservados. Assim entendemos porque os surdos

foram demasiadamente rejeitados pela sociedade ouvinte. E mesmo quando a

educação surda começa a se estabelecer, o foco era fazer a pessoa se adequar à

realidade ouvinte, como se fosse possível e necessário corrigir a surdez. É neste

sentido que Skliar comenta que “o  surdo  está  obrigado  a  olhar-se e a narrar-se como

se   fosse   ouvinte.”   (SKLIAR,   1998, p.15). Os avanços tecnológicos e médicos na

área da surdez (aparelhos de surdez, implantes cocleares, etc.) realçam essa

concepção que o surdo é um indivíduo incompleto. De fato lhe falta algo: a audição.

Mas só é possível pensar em uma inclusão, em inseri-lo na sociedade como todo, a

partir  da  correção  de  seu  “problema”? Mais do que isso, a inclusão busca o que? O

que ela busca em relação às diferenças?

6 Ministério da Educação (MEC)

Page 10: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

10

Tendo em vista este ponto de tensão, entre a realidade fisiológica do surdo e

como este fato interfere em sua visibilidade social, é que se tem buscado uma saída

diferente na forma de enxergar sua representação na sociedade. Numa visão

antropológica (BOTELHO, 1998, p.22), o surdo deixa de ser visto pelo seu déficit e

passa a ser apenas “diferente”. Ele possui uma forma de comunicação diferente à

dos ouvintes, mas não por isso deixa de ser parte dessa sociedade. Assim, nesta

concepção, os surdos não seriam diferentes unicamente porque não ouvem, mas

porque “desenvolveriam potencialidades psicoculturais diferentes daquelas dos

ouvintes”   (ALPENDRE,   2008). Como afirma WRIGLEY (1996), “a distinção entre

surdos e ouvintes envolve mais que uma questão de audiologia, é uma questão de

significado: os conflitos e diferenças que surgem referem-se   a   formas   de   ser”  

(WRIGLEY 1996; apud ALPENDRE, 2008, p.49).

O surdo tem direito a se expressar e ter acesso ao conteúdo curricular pela

sua língua, a Libras, da mesma forma que um ouvinte tem em relação ao português.

Ele deve ser respeitado e valorizado por sua língua, tendo pleno direito ao gozo de

seus direitos civis e acesso à educação, como indivíduo que possui uma forma de

comunicação e de se relacionar diferente à das outras parcelas da sociedade. Ele é

um indivíduo de uma comunidade específica, a comunidade surda, e que convive

dentro de uma sociedade geral, com várias diferenças.  O  termo  “surdo”  passa  a  ser

preferido em relação à expressão  “deficiente  auditivo”,  uma  vez  que  a  segunda  traz  

uma grande carga de preconceito e discriminação. Essa visão condiz mais com a

noção que se faz de “educação inclusiva” atualmente: aquela que deve ser para

todos.

Contudo, a realidade das práticas educacionais hoje está longe do ideal. A

falta de uma estrutura adequada, de apoio à necessidade do surdo, apenas tem

agravado a distância entre surdos e ouvintes nas salas de aula. O surdo no dia a dia

escolar não é ainda necessariamente visto enquanto uma pessoa de diferença

linguística e cultural. Sobre esta situação, STUMPF (2008) afirma:

O que acontece na prática está longe de atender essas indicações [propostas pelo MEC]. As dinâmicas educacionais da sala de aula e da escola estão focalizadas na língua oral e na escrita da mesma. O aluno surdo inserido no espaço educacional de alunos ouvintes, sem suportes adequados, vai tentar se comportar como um deles. Sua Língua de Sinais aparece pouco e desfigurada, de sua cultura não há sinais. Como vai esse aluno ter acesso aos conhecimentos se sua questão linguística não está sendo observada e menos ainda seu pertencimento cultural? Como vai

Page 11: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

11

desenvolver conhecimentos se a escola apenas faz mínimas concessões e em seu imaginário ainda vê o surdo como deficiente que, por força de lei, está obrigada a receber? As diretrizes para a educação dos surdos apontadas pelo MEC não chegaram na maioria das escolas que recebem surdos. Estas dizem não ter suficientes condições estruturais e o surdo fica mal atendido sem que ninguém se responsabilize (STUMPF, 2008, p.24-25).

Estudos comprovam que os surdos aprendem melhor o português escrito em

escolas bilíngues, onde os professores se comunicam tanto pelo português falado

quanto pela Libras, do que em escolas comuns, onde a maioria dos professores não

dominam a Língua de Sinais (CAPOVILLA, 2000). Nesse sentindo, os surdos

reivindicam hoje uma educação bilíngue, onde a Libras seja a língua primária,

natural do surdo, e a escrita, a secundária, como forma de proporcionar uma

educação de qualidade a eles. No entanto, ainda são poucas as escolas que

oferecem esta modalidade de ensino, embora grande parte delas já possuam alunos

surdos.

Levando em conta que a educação, desde os primórdios da sociedade,

sempre esteve muito ligada à política e ao poder, sendo até mesmo um mecanismo

de ascensão e alienação social, cabe-nos alguns questionamentos, diante da

realidade em que se encontra a educação dos surdos hoje: a educação está a

serviço do que, ou de quem? Qual é objetivo da educação?

O foco desta pesquisa partiu do princípio de uma visão ampla de educação,

voltada para a construção de saberes e desenvolvimento de indivíduos plenos, que

sejam autônomos e autênticos na sua forma de lidar com as situações que lhe são

apresentadas no cotidiano. Assim, compreende-se aqui a educação do surdo como

aquela que busca legitimar suas potencialidades e reconhecer sua cultura.

Os movimentos surdos apontam para a construção de outra história para a sua educação, uma história que não a da falta. Temos sugerido caminhos e mostrado que recursos sociais e artefatos culturais podem tornar a surdez aquilo que ela realmente é: uma diferença a ser respeitada. Os surdos não querem que contem sobre eles histórias heroicas de superação, querem que seja colocada sua capacidade virtual para uma educação que não é menos nem mais do que a dos outros, mas é diferente (STUMPF, 2008, p.25).

O indivíduo surdo é, portanto, um sujeito com identidade própria, embora não

homogênea, sendo esta totalmente diferente àquela associada apenas à falta do

Page 12: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

12

sentido  auditivo.  Ele  é  possuidor  de  uma  cultura  própria,  que  não  é  um   “bloco”  ou  

“fechada”   (GESSER,   2008,   p.297), mas que está em constante crescimento,

construção. É uma cultura multifacetada,   como   a   “cultura   ouvinte”7. Longe de ser

representada apenas pela sua língua, a comunidade surda é composta por

“mulheres   surdas,   negros   surdos,   índios   surdos,   surdos   de   áreas   rurais,   surdos  

homossexuais, surdos cegos, surdos com deficiências mentais, surdos cadeirantes,

ouvintes   filhos   de   pais   surdos,   e   os   surdos   com   diferentes   graus   de   surdez”  

(GESSER, 2008, p.298), que representam facetas diferentes de um mesmo grupo

cultural. Desta forma, é preciso respeitar as diferenças e as culturas se queremos

uma educação plena capaz de formar verdadeiros cidadãos, proporcionando

condições para que todo e qualquer indivíduo tenha acesso a ela.

Uma vez que entendemos como se deu o processo de estabelecimento da

educação dos surdos e quais os valores que subjazem diferentes concepções de

“surdo”   e   “educação”,   acompanhado   de   um   posicionamento   do   pesquisador   em  

questão, cabe-nos agora um breve esclarecimento sobre o papel da música no

processo educacional em que estamos inseridos.

2.2. A educação musical e o processo de desenvolvimento do ser humano

Atualmente existem diversas definições para música. Mas, de um modo geral, ela é considerada ciência e arte, na medida em que as relações entre os elementos musicais são relações matemáticas e físicas; a arte manifesta-se pela escolha dos arranjos e combinações (CHIARELLI; BARRETO, 2005, p.2).

No processo de estabelecimento das diretrizes da educação brasileira, temos

nos deparado com um fato cada vez mais concreto: a inserção, ou retorno, da

música à grade curricular das escolas. Em 18 de agosto de 2008, o então presidente

da república Luís Inácio Lula da Silva sancionou a lei que determina que a música

7 A  utilização  da  expressão  “cultura  ouvinte”  foi  utilizada  como  forma  de  comparação  à  cultura  surda,  dando a ideia de que todos os tipos de cultura tem um valor único, não havendo alguma que seja maior ou melhor que outra.

Page 13: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

13

“deverá  ser  conteúdo  obrigatório,  mas  não  exclusivo,  do  componente  curricular”  das  

instituições de ensino regular (BRASIL, Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008). A lei

ainda estipula o prazo de três anos para que estas instituições se adequem para

atender a exigência. Assim, a educação musical, ou musicalização, passa a ocorrer

dentro dos espaços da escola comum.

A musicalização é o processo em que o indivíduo se apropria dos conceitos e

conhecimentos musicais. É a prática educativa que envolve a transmissão destes

conceitos pelo professor e a assimilação pelo aluno. Segundo BRÉSCIA (2003, apud

CHIARELLI; BARRETO, 2005), ela é: ...um processo de construção do conhecimento, que tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto musical, favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, auto-disciplina, do respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva consciência corporal e de movimentação (BRÉSCIA 2003, apud CHIARELLI; BARRETO, 2005, p.3).

Sendo assim, a educação musical não se limita ao ensino instrumental, ou a

outras modalidades específicas da música, como composição ou regência. A

verdadeira educação musical é aquela que contempla as múltiplas formas de

envolvimento com a música. Swanwick (2003) resumiu as principais formas de

envolvimento na música na sigla C (L) A (S) P, sendo as experiências mais diretas e

comuns no ensino musical, a composição (C), a apreciação (A) e a performance

(P)8. As letras entre parênteses (L e S) referem-se, respectivamente, aos estudos

literários, estudos de estilo e estética, estudos bibliográficos, etc., e o treino, ou

desenvolvimento técnico, que, segundo o autor, por não se tratarem de uma prática

musical efetiva, onde não estamos fazendo ou ouvindo música de fato, mas ao

mesmo tempo comporem o conjunto de atividades relacionadas à música, merecem

atenção do educador musical que deseja proporcionar um envolvimento amplo de

seus alunos com ela (SWANWICK, 2003).

A preocupação em oferecer aos seus alunos esse envolvimento com a

música se deve, em grande parte, ao trabalho de educadores musicais ao passar

8 A composição envolve atividades de criação e improvisação musical bem como a criação de arranjos   para   músicas   já   prontas.   A   apreciação   é   o   “ouvir   atento”,   a   audição   de   trechos   e   peças  musicais com comprometimento e engajamento, de modo a explorar e conhecer o máximo que se pode apreender da obra. Já a performance diz respeito à reprodução feita por alguém de alguma obra de  outro  compositor,  uma  espécie  de  “imitação”.

Page 14: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

14

dos anos, que construíram as bases do pensamento musical-cognitivo, e também à

teoria  de  GARDNER  (1995),  sobre  as  “inteligências  múltiplas”.  Segundo conclusões

que chegou a partir de sua pesquisa, o ser humano é formado por uma inteligência

multifacetada, que se organiza em sete áreas distintas. E essas inteligências seriam

natas ao ser humano (GARDNER, 1995, p.15).

Eu considero as inteligências como potenciais puros, biológicos, que podem ser vistos numa forma pura somente nos indivíduos que são, no sentido técnico, excêntricos. Em quase todas as pessoas, as inteligências funcionam juntas para resolver problemas, para produzir vários tipos de estados finais culturais – ocupações, passatempos e assim por diante (GARDNER, 1995, p.15-16).

Dentre as sete inteligências observadas pela equipe de GARDNER, existe a

denominada “inteligência   musical”. Para o autor, existe uma independência desta

inteligência em relação às demais áreas e, por isso, é justificável ressaltá-la e

evidenciá-la. Sendo assim, todo indivíduo, que possua suas capacidades cognitivas

preservadas9, possui biologicamente também uma capacidade musical, uma pré-

disposição a se envolver e se expressar através da música10 (GARDNER, 1995,

p.22-23). Sendo assim, ao oferecermos oportunidades para que os alunos se

envolvam com o universo musical, estamos na verdade favorecendo que eles

desenvolvam suas capacidades cognitivas plenamente, em sua diversidade.

9 Gardner se refere aqui especificamente a pessoas que não possuam danos cerebrais, tais como pacientes que sofreram derrame ou algum tipo de lobotomia. Ele observa que, nestes casos, o indivíduo pode perder alguma capacidade relacionada a alguma das inteligências, ou mesmo a maioria, ao passo que outras são preservadas, isoladamente. Sendo assim, todo indivíduo que não tenha sofrido este tipo de dano possuiu todas as inteligências e pode desenvolvê-las (GARDNER, 1995, p.14). Como a grande maioria dos casos de surdez não envolve perda ou dano cerebral, os indivíduos surdos podem ser educados em todas as inteligências.

10 O  chamado  “talento”  ou  “dom”  musical,  que  algumas  pessoas  em  particular  parecem  demonstrar  é  explicado pelo autor como uma pré-disposição biológica daquele indivíduo para aquela tarefa. Todos os indivíduos possuem capacidade para a música, mas alguns em especial, seja por nascimento (genética) ou por criação, já se encontram preparados para se envolverem e responderem à situação musical mesmo antes de serem instruídos àquele respeito. O autor também demonstra que tal fato ocorre com todas as demais inteligências (GARDNER, 1995).

Page 15: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

15

2.3. O surdo e a música: estigma e superação

Como foi exposto na primeira seção deste tópico, por muito tempo o surdo

encarou grandes barreiras impostas pela sociedade quanto ao que ele é ou deixa de

ser e quanto ao que pode ou não fazer. Sem condições de transpor estes obstáculos

por si próprios, os surdos viveram por muito tempo às margens da vida social, sendo

considerados  “anormais”.

O conceito de normalidade, como dito anteriormente, perpassa pela

compreensão histórica, social e biológica de “ser   humano”.   Vivemos   e   criamos   a  

nossa definição do normal, baseados na coletividade, na maioria, ou no ideal

construído, no objetivo a ser alcançado. Consequentemente, aquela minoria

diferente e que não atende ao esperado acaba  por  receber  um  “estigma”.  O  estigma,  

de acordo com HAGUIARA-CERVELLINI (2003) é   “um   atributo   profundamente  

depreciativo   que   atinge   um   e   confirma   a   normalidade   do   outro”   (HAGUIARA-

CERVELLINI, 2003, p.59). É sob este conceito que nossa sociedade ainda vê a

surdez.

Este termo deriva da Grécia Antiga, e era usado pelos gregos se referindo a

sinais corporais que indicavam alguma característica negativa ou diferente na

condição moral de um indivíduo. Estes sinais em geral eram cortes e marcas de

fogo, que indicavam que aquela pessoa era um escravo ou um criminoso e deveria

ser evitada (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.59). Atualmente, o estigma é usado

para indicar desordens e problemas que podem acometer o ser humano: físicos,

mentais, morais, etc. Servem, portanto, para ressaltar que, de alguma forma, alguns

indivíduos  “não  preenchem  as  expectativas”  que  se  fazem  deles,  no  que  diz  respeito  

à condição estabelecida como natural (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.59). E o

surdo pode assim ser categorizado pela sociedade, que o vê como deficiente, devido

à falta da audição e de sua dificuldade em se comunicar com os demais ouvintes.

Ele não atende ao padrão de normalidade estipulado pela sociedade e é, por tanto,

um sujeito estigmatizado.

O estigmatizado é visto como alguém  que  não  é  “completamente  humano”.  Em face disso, ele é, então, discriminado. Não se veem suas possibilidades de ser-no-mundo, de estar em relação e de ser livre. Ele não é visto com respeito, nem com consideração (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.60).

Page 16: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

16

Sob a ótica do estigma, o surdo foi, por muito tempo, também privado do

contato com a música e com a sua própria musicalidade. Por ter a audição

comprometida, a sociedade pressupôs que o surdo nunca poderia entender, fazer e,

quanto  mais,  “ouvir”11 música, e deixou de proporcionar a estes indivíduos grandes

possibilidades de se expressar, explorar e descobrir o mundo, através dos sons e da

música. Como sujeitos estigmatizados, os surdos só seriam aceitos na sociedade se

superassem   o   “defeito   estigmatizante” (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.60) e,

pensando musicalmente, precisariam aprender e conseguir ouvir para poder

desfrutar dela. A partir disso que se levanta a seguinte questão: como pode o surdo

ouvir música?

HAGUIARA-CERVELLINI destaca que são dois os meios básicos através dos

quais o surdo pode ter acesso à música: através de aparelhos auditivos

amplificadores de som e da percepção corporal (2003, p.81). No primeiro caso,

aproveitam-se os resíduos auditivos da pessoa surda e por meio de tecnologias,

aumenta-se a intensidade do som que chega aos ouvidos dos surdos, facilitando a

compreensão, ainda que vaga, dependendo de cada caso, do que se ouviu.

Vários procedimentos têm sido criados a fim de restaurar a audição do surdo

ou, ao menos, minimizar a perda auditiva. Implantes cocleares, aparelhos auditivos

mais potentes e eficazes são apenas alguns dos exemplos de recursos utilizados

atualmente. Estes procedimentos buscam tornar o surdo o mais próximo possível de

um ouvinte e não são, como já afirmado anteriormente, o foco desta pesquisa. Tais

medidas acabam por perpetuar a concepção de deficiência atribuída ao surdo,

tornando-o um indivíduo incompleto e anormal. O que se busca aqui é uma prática

musical condizente com a realidade dele, que não negue sua diferença e que seja

tão significativa e eficaz quanto às demais práticas dos ouvintes. Não se pretende,

no entanto, julgar aqueles que optam pela escolha deste tipo de procedimento, até

porque a escolha deles não determina necessariamente uma concepção patológica

de surdez. Apenas aqui, na perspectiva deste trabalho, a escolha referencial do

autor é uma tentativa de construir uma prática do professor de música condizente

com uma visão de surdez como uma diferença a ser respeitada.

11 A  expressão  “ouvir”  foi  aqui  apresentada entre aspas, pois o termo será abordado e questionado no decorrer deste tópico.

Page 17: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

17

Sendo assim, devemos analisar a percepção corporal como método que mais

concorda com as possibilidades do surdo, de acordo com esta pesquisa. Esta

percepção ocorre através da pele e dos ossos. As vibrações chegam ao indivíduo

através do contato com objetos, ou até mesmo pelo ar, e são percebidas

primeiramente pela pele. HAGUIARA-CERVELLINI (2003) afirma que é possível

viver sem os demais sentidos, audição, olfato, visão e paladar, mas não existe vida

humana sem a pele. Os sons são percebidos por toda a extensão pericorpal do

indivíduo e possibilitam a expressão de sua musicalidade. Sendo assim, o surdo de

fato escuta através do tato.

GLENNIE (2008), citada por FINCK (2009) estabelece diferenças

significativas  entre  o  processo  de   “ouvir”  e  o  de   “escutar”  um  som.  Para  ela,  o  ser  

ouvinte faz uso dos sentidos de audição, visão e tato para escutar, ao passo que o

ato de ouvir engloba apenas o processo orgânico exercido pelo aparelho auditivo

(FINCK, 2009, p 60). O surdo, então, faria uso dos dois sentidos que possui, tato e

visão, para de fato escutar o som reproduzido. Dessa forma, a autora estabelece

novas possibilidades e experiências sonoras.

Ouvir é basicamente uma forma especializada de toque. O som é, simplesmente, o ar vibrando que o ouvido colhe e converte em sinais elétricos e que, então, são interpretados pelo cérebro. A sensação do ouvir não é o único sentido que pode fazer isto, o toque pode fazer isto demasiado. Se você estiver em uma estrada e um caminhão grande passar por perto, você ouve ou sente a vibração? A resposta é ambos. Com a vibração de frequências muito graves o ouvido começa a se transformar ineficiente e o resto do sentido de toque do corpo começa a dominar. Por alguma razão nós tendemos a fazer uma distinção entre ouvir um som e o sentir uma vibração, que na realidade são a mesma coisa. É interessante notar   que   na   língua   italiana   esta   distinção   não   existe.   O   verbo   “sentire”  significa  ouvir  e  o  mesmo  verbo  na  forma  reflexiva  “sentirsi”  significa  sentir.  A surdez não significa que você não pode ouvir, apenas que há algo de errado com o ouvido. Mesmo alguém que é totalmente surdo pode ainda ouvir/sentir sons (GLENNIE, 2008, apud FINCK, 2009, p.60-61).

Estabelece-se ainda outro sentido, além do tato, essencial para a escuta

significativa: a visão (FINCK, 2009). O processo de interpretação dos estímulos

elétricos captados pelo corpo remete-nos a imagens arquivadas em nossa memória.

SACKS (2007) trabalha a forte relação existente entre a imagem e o som,

ressaltando a importância da visão para o processo de significação e apreensão, ou

armazenamento, da informação sonora.

Page 18: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

18

Vejo meu quarto e minha mobília todos os dias, mas eles não me reaparecem como “imagens na mente”. Tampouco ouço cães imaginários latindo nem o barulho do trânsito em segundo plano na minha mente, não sinto aromas de comidas imaginárias sendo preparadas, apesar de ficar exposto a tais percepções todos os dias. Tenho fragmentos de poemas e frases que me brotam de súbito na mente, porém nada parecido com a riqueza e a variação das minhas imagens mentais musicais espontâneas. Talvez não seja só o sistema nervoso, mas a própria música que contém algo muito singular – seu ritmo, seus contornos melódicos, tão diferentes dos da fala – e sua ligação singularmente direta às emoções (SACKS, 2007, p.50).

Assim, segundo o autor, o menor estímulo visual é capaz de desencadear a

música ou a sonoridade associada àquela situação. FINCK (2009) concorda com a

importância do visual para a educação musical, especialmente para o surdo. O

movimento dos objetos, como a pele de um tambor vibrando ou a movimentação das

folhas de uma árvore por causa do vento, são capazes de evocar em nossa mente

uma sonoridade que corresponda àquela situação presenciada visualmente (FINCK,

2009, p.61). Sendo assim, por processo inverso, a apreensão e compreensão do

som se dá pela cooperação dos sentidos, e não apenas pela audição. No que diz

respeito à educação do surdo, esse conceito se faz extremamente importante, pois,

devido à perda auditiva, ele deve fazer uso destes outros sentidos a fim de escutar

algo. Pode-se proporcionar maior significado e sentido à música e à educação

musical para o surdo, quando estas se mostram acompanhadas de imagens. Estas

imagens  auxiliam  o  surdo  a  entender  que  a  “música  provoca  emoções  nos  ouvintes”,  

e elas podem ser entendidas e experimentadas também por eles (SÁ, 2007, apud

FINCK, 2009, p.103). Tudo o que é visual e tátil é de extrema importância, e deve

ser explorado durante sua educação (CAMPELLO, 2007).

Abordando a escuta musical sobre esse aspecto, da interação e utilização de

sentidos diferentes, GLENNIE (2008, apud FINCK, 2009), percussionista, surda

bilateral profunda desde os doze anos de idade (TOUCH, 2004), defende sua

própria  capacidade  de  escutar  os  sons,  afirmando  que  “não  poderia  ser  musicista se

não fosse capaz  de  escutar”   (FINCK,   2009,   p.61). Para ela, as formas de escutar

variam de pessoa para pessoa, sendo que alguns sentidos acabam se tornando

mais importantes que outros, conforme variem as especificidades biológicas,

emocionais ou cognitivas das pessoas.

Quem pode dizer que quando duas pessoas que ouvem normalmente um som estão ouvindo o mesmo som? Eu sugeriria que a audição de todo

Page 19: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

19

mundo é diferente, ouvimos diferente. Tudo que nós podemos dizer é que a imagem do som construído pelo cérebro deles é a mesma, de modo que externamente não haja nenhuma diferença. Para mim, tanto quanto para todos nós, eu sou melhor em determinadas coisas com minha audição do que outro o é. Eu necessito fazer leitura labial para compreender a fala, mas minha consciência da acústica em uma apresentação é excelente, por exemplo (GLENNIE, 2008, apud FINCK, 2009, p.61).

Além das possibilidades delimitadas pela correlação entre a visão e o tato, há

a possibilidade de explorar os resíduos auditivos dos surdos, aliando-os à sensação

tátil. Para tanto, os sons e músicas utilizados nas aulas de música, bem como os

aparelhos reprodutores das mídias devem ser preparados com antecedência para se

adequarem à demanda destes alunos. Aparelhos de sons de baixa qualidade

comprometem o entendimento e a percepção deles. Geralmente as músicas são

reproduzidas em intensidades muito fortes e em ambientes onde a acústica favoreça

a propagação do som, como em salas de assoalho de madeira, onde os alunos

possam ficar descalços. Assim, a propagação das vibrações do som é mais bem

percebida pelos alunos, mesmo aqueles indivíduos com surdez profunda (FINCK,

2009). Tudo isso conflui para que o surdo tenha suas capacidades musicais

exploradas e exercitadas. Contudo, como questionado por HAGUIARA-CERVELLINI

(2003), será que a sociedade faz uma imagem do surdo como um sujeito com

potencialidades musicais?

A pesquisadora observou e estudou o envolvimento de quatro indivíduos

surdos com a música, bem como a atuação de seus familiares em todo o processo

de crescimento e educação destes. Todos tiveram contato com a música quando

ainda jovens, seja por causa de parentes músicos ou para desenvolver e melhorar a

oralidade destes. O que a autora percebeu é que, nos casos onde a música era

utilizada  como  ferramenta  para  promover  a  “normalização”  do  surdo,  ou  seja,  torna-

lo   um   “ouvinte-falante” (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.189), superando sua

deficiência, os indivíduos acabavam por rejeitar e desprezar a música, assumindo a

posição de que ela não fazia parte de seu universo. Já nos casos onde ela era

encarada como fonte de prazer e expressão, seja através da exploração da própria

musicalidade, seja através da dança, e não como forma de adequação à realidade

ouvinte, os surdos passaram a demonstrar um envolvimento interessado e ativo com

o fazer musical. As duas visões, no entanto se basearam na concepção de que o

surdo possui capacidade de se expressar musicalmente e de entender a música,

Page 20: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

20

ainda que não possa ouvi-la com os ouvidos. A autora, no entanto, ressalta que

ainda hoje essa concepção não é encontrada em grande parte das pessoas que

convivem ou se responsabilizam pela educação dos surdos e que eles próprios,

muitas vezes, não enxergam a si mesmos como seres musicais, devido à falta da

audição ou de uma educação musical que lhe faça sentido (HAGUIARA-

CERVELLINI, 2003). Neste sentido, a pesquisadora defende a potencialidade de

todo indivíduo, seja deficiente ou não, de viver e expressar sua musicalidade:

Expressar a própria musicalidade em sintonia com a música interna ou externa é uma possibilidade do homem. Aqui a audição tem um valioso papel. No entanto, enquanto função íntegra, não se pode afirmar que seja condição sine qua non para que a manifestação da musicalidade possa ocorrer (HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.79).

A musicalidade é uma experiência humana. Não é atributo exclusivo de

indivíduos com talento ou boa percepção auditiva, mas reflete o fluxo interno com

que o indivíduo se relaciona com estímulos externos. Essas relações produzem

reações de ordem emocional e cinética, como por exemplo, a associação

indissolúvel que existe entre música e dança. E estas manifestações são

observadas também em pessoas surdas, o que evidencia a musicalidade presente

nelas.

Para fundamentar este ponto de vista há que citar a experiência de alguns

indivíduos surdos com a música como evidência de que é possível ao surdo

aprender, entender e fazer música. O primeiro dos casos assinalados pelo autor é o

de Helen Keller, que se tornou surdo-cega logo ainda nos primeiros anos de vida,

antes de adquirir linguagem. A jovem Helen, que por muito tempo viveu em um

mundo de escuridão e silêncio12, aprendeu com esforço a se comunicar e a se

relacionar com o mundo, o que a tornou insaciável na busca pelo conhecimento

(HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.18). Tratou, portanto, de buscar experiências

com a música, desenvolvendo e aprimorando o tato, uma vez que não dispunha nem

da audição, nem da visão para ajuda-la como canais sensórios de escuta. Esse

12 Utilizo aqui escuridão e silêncio não no sentido de que não ver é viver na escuridão ou não ouvir é viver no silêncio, mas de que a impossibilidade de dar sentido ao mundo através da língua, como foi inicialmente a vida de Helen Keller, circunscreveria alguém que vive no mundo de escuridão e silêncio.

Page 21: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

21

processo  foi  tal  que  Nella  Braddy  afirma  no  prefácio  do  livro  “Minha  vida  de  mulher”,  

de Helen:

Sua capacidade de apreciar a música tem sido largamente discutida. Ela tem  “ouvido”  com  os  dedos,  piano,  violino,  tendo-se mesmo projetado vários aparelhos para fazê-la apreciar também a orquestra. Ela já conseguiu “ouvir”   rádio,   pondo  os  dedos  de   leve  num   tampo  de   ressonância   feito   de  balsa wood. Chega a distinguir quando é o locutor que fala ou quando é música. Chega mesmo a conhecer certa estação pela maneira muito destacada com que o locutor anuncia o prefixo da emissora. Sabe quando é solo ou conjunto instrumental, chegando, por vezes, a determinar que instrumentos atuam no conjunto. Às vezes, confunde o violino com o canto, o violoncelo com a viola; mas nunca se engana no ritmo nem no gênero da composição, mesmo quando se procura atrapalhá-la (KELLER, 1929, apud HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.20).

No mesmo livro, KELLER (1929, apud HAGUIARA-CERVELLINI, 2003)

demonstra o seu conhecimento musical, fazendo referências e inferências a estilos e

gostos, tal qual muitos ouvintes não são capazes de expressar. Nestas citações, a

jovem demonstra que nem a falta da audição ou a falta da visão constituíram

impedimento para o desenvolvimento de suas capacidades.

[...] Em Denver, numa das excursões do teatro de variedades, o violinista Heifetz tocou para mim. Pousei os dedos, de leve, no violino. A princípio, o arco de moveu lentamente sobre as cordas, como se o mestre estivesse interrogando o Espírito da Música sobre o que deveria tocar para essa criatura que não podia ouvi-lo. O arco entrou a agitar-se: do instrumento sensível, começou a vir um trêmulo murmúrio distante. Seria imitação de asas de passarinhos? As notas delicadas vinham pousar-me nos dedos como felpas de sementes de cardo. Tocavam-me nos cabelos e no rosto como beijos. Eram fluídicas e transitórias como os sorrisos, como o suspiro do vento ao entardecer, ou o sopro da brisa nas róseas alvoradas. Seriam pétalas de rosas caídas de mãos de fadas, ou mudos desejos do coração? Há uma mudança no estilo. O arco eleva-se às alturas radiosas. A melodia sobe como as cotovias de Shelley, varando os espaços, desafiando a imensidade, com as asas e com o canto. A gente fica triste, sem saber por quê. O canto é alegre; mas a gente sente a solidão daquele pequenino pássaro isolado na vastidão da abóbada luminosa, único ser vivo no momento no universo, apesar de tão minúsculo. Lá vai ele como eco do pensamento, oração fervorosa de fé inquebrantável nas coisas invisíveis. Penso que foi a Canção do Luar de Schumann que Heifetz tocou. [...] (KELLER, 1929, apud HAGUIARA-CERVELLINI, 2003, p.23).

Fica evidenciado aqui, portanto, a musicalidade de alguém que foi privado dos

sentidos da audição e visão, mas não permitiu que este fato a limitasse diante das

capacidades que possuía.

Page 22: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

22

O segundo caso, que já foi citado anteriormente, é da percussionista Evelyn

Glennie. Ela ficou surda após a aquisição da língua vocalizada falada, mas o seu

interesse pela percussão surgiu após a surdez, na escola onde estudou (TOUCH,

2004). Antes desse fato, ela havia frequentado aulas de piano, que lhe foram

bastante prazerosas. Após o diagnóstico de surdez, o médico tratou de estigmatizá-

la, afirmando que não poderia mais se envolver com a música e que deveria

frequentar escolas especiais, além de estabelecer uma lista atividades que poderia

ou não poderia fazer. Tal fato causou-lhe muito impacto, não pela descoberta da

surdez, mas pelas proibições que lhe foram impostas pelo médico. Seu pai, contudo,

tratou de tranquiliza-la, pois nada mudaria em relação às coisas que fazia antes. Ela

poderia fazer tudo o que quisesse, nada seria diferente (TOUCH, 2004).

Na escola onde fez o ensino colegial, ela aprendeu a ouvir com o corpo,

desenvolvendo sua sensibilidade quanto a diferenças de altura, intensidade, timbres

(TOUCH, 2004).

Eu gastei muito tempo em minha juventude (com a ajuda de meu professor de percussão na escola Ron Forbes) para refinar minha habilidade de detectar vibrações. Eu colocava minhas mãos de encontro à parede da sala de aula enquanto Ron tocava notas no tímpano (o tímpano produz muitas vibrações). Eventualmente, eu consegui distinguir o conjunto bruto das notas, associando onde em meu corpo eu sentia o som com a sensação perfeita que eu tinha antes de perder minha audição. Os sons graves eu sinto principalmente em minhas pernas e pés e sons agudos podem ser sentidos em partes particulares da minha face, pescoço e caixa toráxica (GLENNIE, 2008, apud FINCK, 2009, p.178).

Em sua prática musical, Glennie (TOUCH, 2004) demonstra extrema

sensibilidade e compreensão musical durante suas performances e criações.

Atualmente ela é convidada a fazer palestras e apresentações musicais pelo mundo

e tem trabalhado em gravações de músicas, auxiliando inclusive em trilhas sonoras

de filmes13.

Estes dois exemplos, associados às pesquisas e práticas educativas

realizadas por HAGUIARA-CERVELLINE (2003), FINCK (2009) e SILVA (2008),

consolidam o ponto de vista defendido por esta pesquisa, de que o aluno surdo pode

usufruir da experiência musical de forma significativa, desde que sejam

13 Informações retiradas do site oficial de Evelyn Glennie: http://www.evelyn.co.uk/. Acesso em 16 de novembro de 2011.

Page 23: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

23

consideradas e respeitadas as especificidades que a educação destes indivíduos

oferece. Isso significa o desenvolvimento de práticas educativas que são elaboradas

a partir da particularidade de cada aluno e também do grupo, sejam de ouvintes,

sejam de surdos. O que nos distancia de tomar a musicalidade e seu ensino do

sentido de uma superação da surdez, algo que assemelharia a um ouvitismo, mas

como uma forma diferente de experienciar o som, a música, cuja qual, apenas cada

ser humano, por si só, pode relatar o que é.

3. Conclusão:

A política educacional em que o Brasil se insere atualmente busca atender

dois parâmetros recentes que tornaram esta pesquisa tão significativa. O primeiro

deles diz respeito à inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no

convívio da escola comum, regular. O segundo se refere ao retorno da educação

musical como componente curricular das escolas de educação regular do país.

Estas duas situações, que inevitavelmente se encontrarão, apresentam os desafios

que os educadores musicais terão de enfrentar, quando do pleno funcionamento da

Lei.

Durante a pesquisa e nos materiais e informações colhidas, uma inquietação

se fez presente e mostrou-se séria. Através de referências desenvolvidas nesta

pesquisa, de relatos de outros pesquisadores e da avaliação do autor do contexto

educacional contemporâneo, constatou-se que os atuais e iminentes educadores

musicais não se encontram preparados para oferecer a educação musical que

alunos surdos necessitam. E esta realidade, observada principalmente por FINCK

(2009), estende-se também a professores de outras disciplinas. O quadro é de falta

de preparo geral, seja pela falta de recursos, ou por falta de conhecimento, para

atender a solicitação e proposta da educação inclusiva no país, ou, principalmente,

pela falta de entendimento sobre a possibilidade de se oferecer música e educação

musical também a alunos surdos, como foi o foco adotado neste trabalho.

Isto tem contribuído para que cada vez mais os surdos se distanciem das

práticas musicais, negando sua própria musicalidade e encarando a música com

repulsa. Como observado por SÁ (2008), a falta de adaptação dos conteúdos

Page 24: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

24

musicais para a realidade do surdo acaba tornando a música um fator

“normalizador”,  onde  os  ouvintes  insistem  que  os  surdos  entendam  e  reproduzam  as  

informações musicais da forma como eles entendem. E, pela falta de sentido, essas

experiências acabam se tornando traumáticas e passam a ser evitadas por eles. E

no ambiente da escola, onde a educação musical agora volta a ter espaço pela Lei

11.769, este fato se torna ainda mais grave, pois estes alunos acabarão excluídos

das aulas de música. A educação musical dos surdos nas escolas é extremamente

importante, pois pode ser o único lugar onde a maioria dos surdos terá contato com

este tipo de educação por toda a sua vida (GLENNIE, 2008 apud FINCK, 2009).

Além disso, torna-se incoerente não musicalizar o surdo, sabendo que este possui

musicalidade e vive em um mundo atravessado por sons e músicas. Diferente do

que se imaginou por muito tempo, a música representa fator importante em boa

parte dos eventos e festas frequentados por surdos, como por exemplo, a Balada

Vibração da Alma, que ocorre uma vez por ano e reúne grande número de surdos no

Brasil (YOUTUBE, 2011).

O levantamento bibliográfico que resultou na produção deste artigo

estabeleceu-se como um processo de várias descobertas para o autor. Ao início da

pesquisa, haviam apenas questionamentos e hipóteses sobre a realidade da

musicalização para surdos, e, ao longo do processo, algumas destas perguntas e

inferências foram se confirmando, enquanto outras foram negadas. O conhecimento

foi sendo construído, ganhando contornos e se embasando através das leituras e

investigações realizadas. De forma alguma, intentou-se com esta pesquisa esgotar-

se as possibilidades, ou determinar metodologias rígidas, irrevogáveis, para a

educação dos surdos, mas procurou-se abrir novos horizontes de atuação para os

profissionais da educação musical e proporcionar a conscientização dos atuais

educadores sobre o nosso dever para com uma educação inclusiva ética e efetiva.

Ficaram evidenciadas aqui algumas das possibilidades que o surdo possui

para entender e fazer música. E estas possibilidades não estão disponíveis apenas

aos surdos, mas a todo e qualquer indivíduo. As abordagens propostas nesta

pesquisa, sob a contribuição de vários pesquisadores, têm como desejo transformar

a concepção que alguns ouvintes e surdos possam ter a respeito da música,

possibilitando uma abertura que proporcione experiências significativas e profundas,

em contextos cada vez mais diversificados.

Page 25: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

25

A música, como experiência inerente a cada ser humano pode se manifestar

e ser entendida de diversas formas. Cabe-nos, como educadores, buscar oferecer a

diversidade aos nossos alunos, permitindo que a experiência musical seja

significativa ao maior número de pessoas, não importando a existência de qualquer

diferença. Esta diversidade influi para que todos os indivíduos experimentem a

música de formas cada vez mais inovadoras. Como GLENNIE defende (2008 apud

HAGUIARA-CERVELLINI, 2003), escutar é muito mais do que perceber o som

através de nossa audição, mas é um processo que envolve todo o corpo e sentidos.

Como ouvintes, podemos também usufruir de uma escuta significativa, à medida que

nos abrimos a novos conhecimentos e eliminamos preconceitos. Podemos

experimentar a música através do toque, da visão, e perceber novas dimensões

sobre a amplitude dela. Esse é o real potencial da música: integrar e ampliar o nosso

conhecimento, maximizando nossas potencialidades.

Como educadores musicais, cabe-nos o papel de permitir que nossos alunos

descubram e façam o seu próprio conceito do que é a música, algo que lhe seja

próprio, carregado de sentido, ao invés de determinar e limitar o alcance e potencial

deles. A música é uma experiência demasiadamente ampla, para ser definida

apenas naquilo que é ou deixa de ser. Também não podemos perpetuar a

estigmatização do surdo ou de qualquer outra pessoa com deficiência,

estabelecendo por eles o que podem ou não fazer. Precisamos permitir que todo

indivíduo vivencie a música e construa seu próprio significado, pois não existe um

conceito fechado. O que a música é para alguém, somente ele mesmo pode definir.

Referências Bibliográficas: ALPENDRE, Elizabeth Vidolin. Concepções sobre Surdez e Linguagem e o Aprendizado de Leitura. PDE. Curitiba, 2008. BRASIL. Lei no. 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, ano CXLV, n. 159, seção 1, p.1, 19 ago. 2008. BOTELHO, Paula. Segredos e silêncios na educação dos surdos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, p.20-22.

Page 26: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

26

BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo: Átomo, 2003. In: CHIARELLI, Lígia Karina Meneghetti; BARRETO, Sidirley de Jesus. A Importância da Musicalização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental: A música como meio de desenvolver a inteligência e a integração do ser. Disponível em: <http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03/musicoterapia.htm>. Acesso em 06 de Dezembro de 2011. CAMPELLO, Ana Regina e Souza. Pedagogia Visual/Sinal na Educação dos Surdos. In: QUADROS, Ronice Müller de; PERLIN, Gladis. Estudos Surdos II. Petrópolis: Arara Azul, 2007. CAPOVILLA, Fernando César. Filosofias educacionais em relação ao surdo: Do oralismo à comunicação total ao bilingüismo. In: Revista Brasileira de Educação Especial, ed. 6, 2000, p.99-116. CHIARELLI, Lígia Karina Meneghetti; BARRETO, Sidirley de Jesus. A Importância da Musicalização na Educação Infantil e no Ensino Fundamental: A música como meio de desenvolver a inteligência e a integração do ser. Disponível em: <http://www.iacat.com/revista/recrearte/recrearte03/musicoterapia.htm>. Acesso em 06 de Dezembro de 2011. COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico e educação. Trad.: Fátima Murad. 2ª ed . Porto Alegre: Artmed, 2004. In: SILVA, Cristina Soares da. Atividades Musicais para Surdos: Uma experiência na Escola Municipal Rosa do Povo. (Licenciatura Plena em Educação Artística - Habilitação: Música) - Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2008. FINCK, Regina. Ensinando música ao aluno surdo: perspectivas para a ação pedagógica inclusiva. Pós Graduação (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Howard Gardner; tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GESSER, Audrei. Do patológico ao cultural na surdez: para além de um e de outro ou para uma reflexão crítica dos paradigmas. In: QUADROS, Ronice Müller de; STUMPF, Marianne Rossi. Estudos Surdos IV. Petrópolis: Arara Azul, 2009. GLENNIE, Evelyn. The Hearing Essay. 2008. Texto [on line]. Disponível em <http://www.evelyn.co.uk/>. Acesso em 16 de Novembro de 2011. In: FINCK, Regina. Ensinando música ao aluno surdo: perspectivas para a ação pedagógica inclusiva. Pós Graduação (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. GRANJA, Carlos Eduardo de Souza Campos. Musicalizando a escola: música, conhecimento e educação. São Paulo: Escrituras, 2006

Page 27: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

27

HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A Musicalidade do surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus Editora, 2003. KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães. Matrículas de Crianças com Necessidades Educacionais Especiais na Rede de Ensino Regular: do que e de quem se fala? In: GÓES, Maria Cecília Rafael de; LAPLANE, Adriana Lia Friszman de. Políticas e práticas de educação inclusiva. 2. Ed. Campinas: Autores Associados, 2007. KELLER, Helen. Minha vida de mulher. 1929. Tradução: Espinola Veiga. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1940. In: HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A Musicalidade do surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus Editora, 2003. LULKIN, Sérgio Andrés. O discurso moderno na educação dos surdos: práticas de controle do corpo e a expressão cultural amordaçada. In: SKLIAR, Carlos. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998. MOURA, Maria Cecília de ; LODI, Ana Cláudia ; HARRISON, Kathryn. História e educação: o surdo, a oralidade e o uso de sinais. In: FILHO, Otacílio Lopes. (Org.). Tratado de Fonoaudiologia. 2ª ed. Ribeirão Preto: Tecmedd, 2005, v. , p.341-364. In: HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A Musicalidade do surdo: representação e estigma. São Paulo: Plexus Editora, 2003. SÁ, Nídia Regina Limeira de. Os Surdos, a Música e a Educação, 2007. Texto [on line] publicado no Espaço Universitário de Estudos Surdos. Disponível na internet em: <http://www.eusurdo.ufba.br/>. Acesso em 20 de Agosto de 2007. In: FINCK, Regina. Ensinando música ao aluno surdo: perspectivas para a ação pedagógica inclusiva. Pós Graduação (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. SÁ, Nídia Regina Limeira de. Os Surdos, a Música e a Educação. Anais do IV Encontro da ABEM Norte, Manaus: UFAM, 2008. SACKS, Oliver. Música no Cérebro: Imagens mentais e imaginação. In: SACKS, Oliver. Alucinações musicais: Relatos sobre a música e o cérebro. Tradução: MOTTA, Laura Teixeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p 41 – 50. SILVA, Cristina Soares da. Atividades Musicais para Surdos: Uma experiência na Escola Municipal Rosa do Povo. (Licenciatura Plena em Educação Artística - Habilitação: Música) - Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2008. SKLIAR, Carlos. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998. STUMPF, Marianne Rossi. Mudanças Estruturais para uma Inclusão Ética. In: QUADROS, Ronice Müller de. Estudos Surdos III. Petrópolis: Arara Azul, 2008. SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.

Page 28: Artigo- Muzicalização de Surdos-Ivo Vieira Gomes

28

TOUCH the Sound: A Sound Journey with Evelyn Glennie. Direção: Thomas Riedelsheimer. Produção: Filmquadrat, Munich; Skyline, Edinburgh. 2004. 1 DVD (99 min.): color., legendado em inglês. VELOSO, Éden; FILHO, Valdeci Maia. Aprenda libras com eficiência e rapidez. Curitiba: Autores Paranaenses, 2009. In: PONCHIO, Débora Escudeiro. A educação do surdo e a Língua Brasileira de Sinais. In: ZATTAR, Neuza. Coletânea Nossos Escritos. Cáceres, 2009. WAX, Edith. O método Dalcroze. São Paulo: [s.N.], 2007. WRIGLEY, Owen. The politics of deafness. Washington: Gallaudet University Press, 1996. In: ALPENDRE, Elizabeth Vidolin. Concepções sobre Surdez e Linguagem e o Aprendizado de Leitura. PDE. Curitiba, 2008. YOUTUBE. Vibração da Alma Surdos. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=8nzmucohJMw>. Acesso em 20 de Dezembro de 2011. Leitura Sugerida: FINCK, Regina. Surdez e Música: será este um paradoxo? In: XVI ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÂO BRASILEIRA DE EDUCAÇÂO MUSICAL, Mato Grosso do Sul, 2007. FINCK, Regina. Construindo a pesquisa: os caminhos metodológicos para identificar as práticas musicais desenvolvidas por professores de alunos surdos. In: XVII Encontro Nacional da ABEM, São Paulo, 2008. PEREIRA, Luana Argenta. Área da Surdez - DA (deficiência auditiva). In: SENAI. PR. Educação e Diversidade - Desafios e Possibilidades. Curitiba, 2005. SÁ, Nídia Regina Limeira. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006. SILVA, Cristina Soares da. Atividades musicais para surdos: como isso é possível. In: XVII Encontro Nacional da ABEM, São Paulo, 2008.