artigo - modelagem matematica e trigonometria por franciene rocha
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MODELAGEM MATEMÁTICA E TRIGONOMETRIA: Uma proposta de modelação para o Ensino de trigonometria
Franciene Rocha da Silva1
Cassiano Ogliari2
RESUMO:
O presente estudo traz uma proposta de modelação para o ensino da trigonometria a
partir do uso do teodolito. Isto porque o aluno atualmente não consegue perceber o
significado dos conteúdos matemáticos, pois todo o processo de ensino-aprendizagem de
matemática vem sendo apresentado ao aluno desvinculado da sua realidade. Atento a esta
necessidade de um ensino contextualizado e diretamente ligado ao cotidiano, propomos um
modelo onde o aluno consegue relacionar o ângulo reto e as relações trigonométricas em
tudo o que o cerca.
O objetivo principal é compreender como a modelagem matemática pode contribuir
para a aprendizagem de trigonometria, e em outras palavras, compreender se a modelagem
matemática é capaz de criar um ambiente de aprendizagem que possa contribuir para a
compreensão dos conceitos de trigonometria.
A opção metodológica desta pesquisa reside no método Empírico-
bibliográfico, combinando informações oriundas de artigos que tratam do estudo de
aplicações de modelagem matemática na sala de aula e da modelagem matemática enquanto
conceito.
Como conseqüência, percebemos que a modelagem matemática aplicada no
processo de ensino-aprendizagem é uma ferramenta que além de fazer com que o aluno
reconheça a trigonometria no seu dia-a-dia e compreenda os conceitos matemáticos de
forma rápida e prazerosa propicia ao aluno momentos de aprendizagem que permitem que
através de descobertas, o aprendiz seja o sujeito da elaboração do seu saber matemático,
desafiando-o a ir além daquilo que lhe foi proposto.
PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de Matemática, Modelagem Matemática, Trigonometria.
1Aluna do Curso de Pós-Graduação em Metodologia do Ensino de Matemática pelo IBPEX. Licenciada em Matemática pela UNEB. Professora da Rede Estadual da Bahia. Docente no Colégio Modelo Luis Eduardo Magalhães em Senhor do Bonfim – BA. Email: [email protected] 2 Professor Orientador vinculado ao Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão – IBPEX.
1. Introdução
A matemática está presente em tudo o que nos cerca, se observarmos as paredes, a
formação do telhado, na moldura de um quadro, na projeção da nossa sombra ou até mesmo
quando fazemos um bolo de chocolate estamos fazendo matemática. No entanto, é comum
ouvirmos dos nossos alunos indagações a respeito da utilização de certos conteúdos
matemáticos. São sempre freqüentes perguntas do tipo: “Professora, onde eu vou usar
isso?”. “Não sei para que estudar isso, não vou usar isso em nada na minha vida!” .
E o professor de matemática nem sempre está apto ou preparado para responder a
estas perguntas, e com isso, geralmente é dado ao aluno uma resposta que não satisfaz a sua
curiosidade, deixando-o desestimulado e desinteressado pela aula.
Diante disso, surge uma preocupação dos educadores de que toda esta antipatia dos
educandos frente à matemática possa ser decorrência de suas ações pedagógicas. Assim,
partindo do pressuposto de que a matemática surgiu da necessidade do homem em realizar
cálculos e resolver situações problemas do seu cotidiano e de que apesar disso, atualmente,
nossos alunos não reconhecem nos conteúdos estudados esta relação, adotamos a
modelagem matemática como instrumento ressuscitador desta característica.
Muitos acreditam que a modelagem matemática é a aplicação da matemática em
outras áreas do conhecimento, quando na verdade, “a modelagem matemática é a arte de
expressar por meio de linguagem matemática situações-problema de nosso meio.”
(BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 8). É um método de ensino que possibilita a
aprendizagem de Matemática através da criação de um modelo que a relaciona com outras
ciências. Para desenvolver o conteúdo escolhe-se o tema, que deverá ser transformado em
modelo matemático.
Este método de ensino tem sido foco de estudos nos últimos anos, isto porque tem
desenvolvido atividades em que as situações problemas discutidas em sala de aula são
retiradas do dia a dia dos alunos e da comunidade em que estão inseridos, objetos simples,
muitas vezes sem nenhum aspecto didático se tornam recursos riquíssimos se forem bem
utilizados.
Porém, isto requer atenção, pois a matemática científica, aquela apresentada nos
livros didáticos, muito distante da compreensão do aluno, e o conhecimento matemático
cultural, aquele muito próximo da realidade e do cotidiano dos alunos devem se articular de
forma que um não se sobreponha ao outro, o segundo deve servir de base para a
compreensão do primeiro, e assim promover um processo de aprendizagem que encontra
sustentabilidade no interesse e motivação dos educandos.
Procura-se neste artigo compreender como a Modelagem pode auxiliar no processo
ensino aprendizagem de trigonometria, em outras palavras, propõe-se compreender se esta
metodologia é capaz de criar um ambiente de aprendizagem no qual os alunos possam
investigar, problematizar, descobrir, ou melhor, redescobrir a matemática, usando para isto
a própria matemática, mas não a matemática tal como ela se apresenta nos livros didáticos,
mas utilizando-se da matemática que tem como referência a realidade, aquela matemática
descomplicada que é produzida no cotidiano, associada a elementos do dia a dia dos alunos
que possam servir de instrumentos didáticos que auxiliem o professor neste processo de
construção do saber.
Nesse sentido, percebe-se a contribuição social da pesquisa proposta, por se tratar,
sem dúvida de um tema atual e de grande relevância social, técnica e científica, pois traz à
tona toda a discussão que envolve este contexto em que a modelagem matemática está
envolvida, e ainda aborda a dificuldade que nossos alunos sentem para compreender os
conceitos trigonométricos, e é por meio da pesquisa que procuramos responder a estas
indagações que tanto nos incomodam.
Vale ainda ressaltar o meu compromisso pessoal com este ambiente de
aprendizagem colocado em estudo já que esta é uma questão conflitante no meu cotidiano
escolar, e o interesse por este estudo surgiu da análise crítica das minhas aulas de
trigonometria e o espaço de observação foi a própria sala de aula.
Procuro então apresentar estes conceitos aos alunos de uma maneira diferente,
mostrando onde e como estes conceitos são utilizados no dia a dia, demonstrando situações
do cotidiano onde seria necessário o uso dos conceitos trigonométricos para a partir da
observação dos fatos, investigação e tentativas de resolução, o nosso aluno sentisse a
necessidade do uso da trigonometria, fazendo então com que ele perceba que o conteúdo é
de fato útil ao seu cotidiano, procurando com isso despertar o interesse para o que lhe está
sendo apresentado, tudo isso dentro das ações propostas pelo processo de modelagem
matemática.
2. Modelagem Matemática: definição e epistemologia
A Modelagem Matemática pode ser definida como sendo um ambiente de
aprendizagem onde os conceitos matemáticos são abordados em sala de aula conectados a
vida diária do aluno. Situações da realidade são trazidas para as aulas de matemática com o
objetivo de trazer ao aluno significação daquilo que é estudado.
Barbosa (2004, p.3) define Modelagem Matemática:
A Modelagem Matemática é um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados a indagar e/ou investigar, por meio da matemática, situações oriundas de outras áreas da realidade (Barbosa, 2003). Então, especificamente, trata-se de uma atividade que convida os alunos a discutirem matemática no contexto de situações do dia-a-dia e/ou da realidade. Não se trata, portanto, de contextualizar a matemática, mas de discuti-la à luz de um contexto que não é o da área específica.
Barbosa (1999, p.4) acrescenta ainda que a modelagem
(...) é um método da matemática aplicada, usada em grande variedade de problemas econômicos, biológicos, geográficos, de engenharia e de outros (...) [que] foi aprendido e re-significado para o ensino-aprendizagem como uma das formas de utilizar a realidade nas aulas de matemática.
Segundo Caldeira (2005, p. 2-3), a Modelagem Matemática possibilita o
questionamento e atualização do currículo escolar, pois tem “a capacidade de oferecer aos
professores e alunos um sistema de aprendizagem como uma forma de entendimentos as
questões educacionais de matemática”.
Uma definição bem ampla acerca de Modelagem Matemática é dada por Bassanezi
(2002, p, 38):
A utilização da Modelagem como uma estratégia de aprendizagem, além de tornar um curso de matemática atraente e agradável, pode levar o aluno a: desenvolver um espírito de investigação, utilizar a matemática como ferramenta para resolver problemas em diferentes situações e áreas, entender e interpretar aplicações de conceitos matemáticos e suas diversas facetas, relacionar sua realidade sócio-cultural com o conhecimento escolar e, por tudo preparar os estudantes para a vida real, como cidadãos atuantes na sociedade.
Neste sentido, “a (...) Modelagem Matemática no ensino pode ser um caminho para
despertar no aluno o interesse por tópicos que ele ainda desconhece” (BIENBENGUT e
HEIN, 2003, p.18).
Um questionamento bastante pertinente costuma surgir neste debate: Se a
Modelagem Matemática traz tantas contribuições para o ensino-aprendizagem, porque é
que alguns professores fazem pouco uso deste recurso?
Para responder a esta questão Bassanezi (2002, p. 37) diz que “apesar de todos (...)
os argumentos favoráveis ao uso da modelagem matemática, muitos colocam obstáculos,
principalmente quando aplicada a cursos regulares”, são eles:
1. O programa do curso regular deve ser cumprido integramente, e portanto
a modelagem matemática por ser um processo demorado tomaria tempo e
não ajudaria no cumprimento deste programa previamente estabelecido,
pois no processo de modelagem o aluno passa a ser o centro do processo
de ensino-aprendizagem, ele é o responsável pela dinâmica do processo e
isto requer tempo, logo a aula poderia caminhar mais devagar.
2. Muitos professores ainda questionam se é papel do professor de
matemática abordar problemas de outras áreas, ou estabelecer conexões
com estas. E ainda, não se sentem habilitados a desenvolver projetos
neste sentido, por medo de encontrarem situações embaraçosas ao tentar
relacionar os conteúdos matemáticos a outras áreas do conhecimento.
3. Outros se posicionam a favor do ensino tradicional, afirmando que o
aluno já está acostumado com este método, e que com o uso da
modelagem ele poderia se perder e o objetivo alcançar resultados
antagônicos, tornando o aluno indiferente, desmotivado, apático.
4. Um fator apontado também é a heterogeneidade de uma turma, o que
pode dificultar na relação dos conhecimentos teóricos com a situação
prática.
5. E por fim, caracterizam a motivação como sendo um processo intrínseco
afirmando que o que pode ser motivador para alguns poderá ser
desestimulante para outros.
E analisando mais profundamente estas contra-razões podemos ainda dizer
que os cursos de licenciatura não fornecem subsídios para que o professor se
posicione de forma diferente, pois não o prepara para interdisciplinaridade e para a
problematização requeridas pela modelagem. Além disso, o próprio sistema
educacional não oferece condições para que isto aconteça. O professor não dispõe
de tempo para planejar suas aulas com estas características, pois para sustentar-se
precisa trabalhar dentro da sala de aula por no mínimo 08 horas por dia.
Nesta contenda entre reconhecer as vantagens e ultrapassar os obstáculos, é
preciso admitir que se queremos usufruir as vantagens da utilização da Modelagem
Matemática é preciso que administremos estes obstáculos desde o planejamento de
nossas aulas. Assim, a priori devemos considerar tudo aquilo que possa servir como
entrave para o bom encaminhamento da aula. Devemos considerar o grau de
escolaridade dos alunos, o tempo de aula disponível, o programa a ser cumprido, até
que ponto a direção da escola apóia a implantação da Modelagem, ou seja,
considerar todas as variáveis intervenientes neste processo.
Barbosa (2001, p.8) esclarece que a transição de um ensino tradicional para
um ensino através da Modelagem, não é algo tão simples, ele coloca que este
processo “envolve o abandono de posturas e conhecimentos oferecidos pela
socialização docente e discente e a adoção de outros.”
Daí, concluímos que, mesmo simpatizando com a Modelagem Matemática
não podemos inseri-la em nossas aulas de maneira abrupta, pois uma precipitação
pode reforçar as concepções negativas sobre o método.
Barbosa (2003b, p.73) diz:
Também sou professor e sei que, muitas vezes não conseguimos fazer aquilo que desejamos, mas todos os dias, podemos nos perguntar: o que é possível, tendo em conta as limitações do contexto escolar, os interesses dos alunos e a própria percepção dos nossos saberes? E na tentativa de responder essa pergunta, acabo sempre refazendo a minha prática.
Sendo assim, levando em conta este caráter epistemológico da Modelagem
Matemática o professor precisa posicionar-se em relação às tensões acerca deste
método e acerca das tensões que caracterizam o próprio processo educativo,
questionando as suas práticas, reavaliando-as e revendo o que precisa ser refeito.
Isto seria o ideal.
3. A Modelagem Matemática como estratégia de ensino e aprendizagem.
É fácil perceber que a dificuldade que os alunos têm para compreender os conteúdos
matemáticos está no fato de que muitas vezes os conteúdos são trabalhados em sala de aula
como algo desvinculado do seu cotidiano, como se fosse algo alheio à sua realidade, e os
alunos aceitam esta situação porque não lhes é dado a oportunidade de questionar e refletir
sobre o seu processo de aprendizagem, o conhecimento se torna, então, algo obsoleto, sem
utilidade para o seu dia-a-dia e acabamos por formar cidadãos sem consciência da sua
própria aprendizagem, incapazes de pensar criticamente pois não foram educados para este
fim. Isto porque os conhecimentos são transmitidos aos alunos como algo pronto e acabado
quando na verdade o conhecimento se constrói a medida em que se desenvolvem no aluno
habilidades como, pensar, agir, reagir, refletir, questionar, discordar, compreender. E a
compreensão está intimamente ligada a como se concebe este conhecimento.
O conhecimento para ser de fato concebido é preciso ser significativo, e o
significado dos objetos matemáticos está relacionado com as práticas do sujeito com os
objetos, possibilitando uma correspondência entre estas práticas e a sociedade. Dessa
forma, este aluno consciente e crítico que pretendemos formar só será possível se a
experiência de aprendizagem for concebida num contexto interacionista em que o sujeito
age sobre o objeto e estas ações se refletem no sujeito, como nos afirma a teoria de
Vygostky.
Nas palavras de Vygotsky (1989, p. 47),
A memorização de palavras e a sua associação com os objetos não leva, por si só, à formação de conceitos: para que o processo se inicie, deve surgir um problema que só possa ser resolvido pela formação de novos conceitos.
No processo de ensino-aprendizagem o professor deve interferir para que a
aprendizagem aconteça, pois a mediação de outras pessoas é fundamental no
desenvolvimento do aluno e no caso da escola este papel cabe ao professor.
Para Ausubel (1980), o conceito central de sua teoria é o de aprendizagem
significativa. Para a aprendizagem ser significativa, o assunto a ser aprendido precisa fazer
algum sentido para o aluno e isto ocorre quando a nova informação estiver relacionada com
conceitos relevantes existentes em sua estrutura cognitiva.
Ausubel (1980, p. 34) diz que:
A essência do processo de aprendizagem significativa é que as idéias expressas simbolicamente são relacionadas às informações previamente
adquiridas pelo aluno através de uma relação não arbitrária e substantiva. Uma relação não arbitrária e substantiva significa que as idéias são relacionadas a algum aspecto relevante existente na estrutura cognitiva do aluno, como por exemplo, uma imagem, um símbolo, um conceito ou uma proposição.
Quando a aprendizagem não tem associação a conceitos existentes em sua estrutura
cognitiva, Ausubel (1980) então define a aprendizagem como mecânica ou automática.
Neste caso não existe interação entre a nova informação e a já existente na memória. O
conhecimento adquirido é incorporado à estrutura cognitiva através de uma relação
arbitrária e não substantiva, caso contrário será uma aprendizagem mecânica ou automática.
O ensino baseado nos métodos tradicionais se apóia na repetição. O professor
resolve um exercício, o aluno repete o mesmo em sala de aula e depois torna a resolver
exercícios semelhantes em casa. O aluno age passivamente no processo ensino-
aprendizagem.
Sobre as falhas desse ensino, Imenes e Lellis (1997, p.6) nos alertam que: “a
programação é mal distribuída, há descaso em relação ao desenvolvimento cognitivo do
aluno, há conteúdos inúteis, muito cálculo e pouco raciocínio.”
Trata-se, portanto de um processo que não estimula a autonomia. O processo
educacional segue, então, como uma farsa, os educadores defendendo que o ensino da
matemática forma o pensamento, desenvolve habilidades e promove o raciocínio lógico
quando na verdade, ele promove a dependência e o automatismo.
Esta realidade precisa ser alterada, pois Lima (1980, p.37) diz que:
Ninguém informa ninguém, o indivíduo informa-se cada vez mais, a psicologia social mostra que o processo de compreender, persuadir, ensinar, não depende das habilidades do agente, mas na atividade do paciente: quem se informa não é, pois, um paciente, mas um agente.
O sistema tradicional de ensino adotado por muitos professores não dá abertura para
a elaboração do saber matemático pelo próprio aluno. Ainda hoje existem docentes que
encaram o ensino como simples transmissão de conhecimento, e com isto o ensino de
matemática se resume em cópias de fórmulas, estudo de números e resolução de cálculos, o
que contribuem ainda mais para desmotivar os alunos diante da disciplina. O aluno precisa
fazer parte de um processo de aprendizagem onde ele seja mais ativo.
Assim, se pretendemos formar alunos críticos é preciso que as escolas preparem
suas aulas objetivando explorar a natureza crítica da matemática. E uma das formas de
explorar esta característica da matemática é desenvolver no aluno o pensamento reflexivo.
Mas o pensamento reflexivo é uma capacidade e por isso mesmo, não surge
espontaneamente, precisa ser estimulado. É necessário, então, que os professores de
matemática dêem oportunidades para que os alunos desenvolvam sua capacidade de refletir.
Neste conceito está implícito que se os alunos tiverem oportunidades de aplicarem seus
conhecimentos sobre situações que de fato acontecem na sociedade serão capazes de
refletirem sobre estas situações. Chamamos atenção, então, para a importância de resgatar o
papel do professor como formador do cidadão crítico consciente, segundo, BARBOSA,
2003, p.6:
Se estamos interessados em construir uma sociedade democrática, onde as pessoas possam participar de sua condução e, assim exercer cidadania, entendida aqui genericamente como inclusão nas discussões públicas, devemos reconhecer a necessidade de as pessoas se sentirem capazes de intervir em debates baseados em matemática. Mais do que informar matematicamente, é preciso educar criticamente através da matemática.
Trazendo isto para o âmbito de nossa discussão se estamos interessados em fazer
com que nossos alunos sejam capazes de intervir em debates baseados em matemática com
uma reflexão crítica sobre a presença da matemática na sociedade é preciso que exploremos
a matemática com este propósito. Isto não quer dizer que o fato de organizar, conduzir, e
propor atividades que se referem ao dia a dia dos alunos vai garantir que as discussões
reflexivas aconteçam em sala de aula, não podemos forçar debates desta natureza, mas
podemos problematizar e analisar as situações que ocorreram durante o desenvolvimento da
atividade, pois mesmo quando não há a ocorrência de discussões reflexivas os alunos
compreendem de alguma forma o papel da matemática na sociedade e percebem que aquele
conhecimento trazido para estudo em sala de aula não é um saber obsoleto, morto, sem
aplicação prática. Esta idéia é apresentada por BARBOSA, 2003, p.11:
Entretanto, mesmo quando as discussões reflexivas não são agendadas, implicitamente ou explicitamente, os alunos aprendem alguma coisa sobre o papel da matemática na sociedade. O ponto que quero enfatizar é que isso precisa ser traduzido à luz para ser pensado sinteticamente pelos estudantes e professores, pois o exercício da cidadania, fora da escola, depende também dessa familiaridade em intervir em discussões sustentadas em matemática.
Neste sentido percebemos como a modelagem matemática pode ser uma estratégia
importante para nossas aulas de matemática. Pois ressalta a importância de refletir sobre o
que se faz:
Para Pinto e Cunha (2004), a importância de refletir sobre o que se faz, enquanto está sendo feito, contribui, em grande parte, para uma prática mais comprometida e situada frente aos desafios do processo educacional, e, além disso, este pensar serve para dar forma ao que fazemos enquanto ainda o estamos fazendo. Assim, pensar na reflexão na ação em um ambiente de ensino e aprendizagem supõe a formação de sujeitos capazes de refletir sobre a sua prática e sobre os contextos em que ela é vivenciada. (FIDELIS E ALMEIDA, 2005, p.3).
E ainda ressaltam a modelagem matemática como uma das tendências que
viabilizam esta interação da matemática com a realidade e com a formação desta
capacidade de refletir na ação em nossos alunos.
Assim, o que se espera, na verdade, é que esta interação entre aquilo que faz sentido
para o aluno e o saber matemático trazido para a sala de aula proporcione uma reflexão
sobre a conscientização do papel da matemática, e ainda à consciência de suas finalidades.
4. Uma aplicação de modelagem matemática na sala de aula
Um educador verdadeiramente comprometido com sua prática docente sempre está
em busca de ferramentas que promovam, em seu aluno, o conhecimento matemático aliado
à habilidade de utilização deste conhecimento. Muitas vezes, nós, professores de
matemática, sentimos que necessitamos ir além da simples transmissão e mecanização de
conteúdos, pois percebemos, em muitas ocasiões, que aquilo que está sendo proposto em
sala de aula não está sendo significativo para o aluno. Ele não consegue associar os
conteúdos estudados a sua realidade. Precisamos, então, de ferramentas que nos auxiliem
neste processo de fazer com que nossos alunos adquiram uma melhor compreensão daquilo
que está sendo estudado.
Dessa forma, BIEMBENGUT e HEIN, 2003 p. 18, traz que:
A modelagem matemática no ensino pode ser um caminho para despertar no aluno o interesse por tópicos matemáticos que ele ainda desconhece, e ao mesmo tempo que aprende a arte de modelar, matematicamente. Isso porque é dada ao aluno a oportunidade de estudar situações-problemas por meio de pesquisa, desenvolvendo seu interesse e aguçando seu senso crítico.
Sendo assim, percebe-se que a modelagem matemática como metodologia de
ensino-aprendizagem é uma ferramenta extremamente útil para conseguir despertar no
aluno o interesse sobre os conceitos matemático e, ao mesmo tempo, assegurar que este
conhecimento seja significativo.
Mas para que este processo, de fato, ocorra, é necessário que ocorram algumas
adaptações que tornem possível a utilização da modelagem matemática como metodologia
de ensino-aprendizagem de conceitos matemáticos, pois além dos cursos regulares exigirem
um programa e uma carga horária que devem ser cumpridos, e obedecidos, não é uma
tarefa fácil associar estes conteúdos a projetos de modelagem.
Vejam o que diz BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 18:
Em cursos regulares, nos quais há um programa a ser cumprido – currículo – e uma estrutura espacial e organizacional nos moldes “tradicionais” (como é a maioria das instituições de ensino), o processo da modelagem precisa sofrer algumas alterações, levando em consideração principalmente o grau de escolaridade dos alunos, o tempo disponível que terão para trabalho extraclasse, o programa a ser cumprido e o estágio em que o professor se encontra, seja em relação ao conhecimento da modelagem, seja no apoio por parte da comunidade escolar para implantar mudanças. O método que utiliza a essência da modelagem em cursos regulares, com programa, denominamos modelação matemática.
Diante disso, BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 28 definem modelação matemática,
como sendo, ainda:
(...) algumas adaptações que tornem possível a utilização da modelagem matemática como metodologia de ensino-aprendizagem sem, contudo, perder a linha mestra que é o favorecimento à pesquisa e posterior criação de modelos pelos alunos, e sem desrespeitar as regras educacionais vigentes.
E neste processo de modelação não há restrições de séries ou idade, pois a
modelação pode servir como método de ensino-aprendizagem em qualquer contexto, desde
as séries iniciais a cursos superiores.
Pois ainda de acordo com BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 29:
A condição necessária para o professor implementar modelagem no ensino – modelação – é ter audácia, grande desejo de modificar sua prática e disposição de conhecer e aprender, uma vez que essa proposta abre caminhos para descobertas significativas.
Com o intuito de verificar as contribuições do processo de Modelagem Matemática
para o ensino da trigonometria foi realizado um experimento piloto em 2006, com um
grupo de 40 adolescentes, alunos da 8ª Série do Colégio Estadual Júlio César Salgado na
cidade de Senhor do Bonfim. O nosso interesse em analisar a eficácia da modelagem
matemática nas aulas de trigonometria e o uso do Teodolito nestas turmas pareceu-nos
interessante porque ele, o aluno naquele contexto mostrava-se interessado no saber
matemático em questão, pois se tratava do primeiro contato com a Trigonometria, visto que
este conteúdo ainda não havia sido estudado até então.
Os alunos eram jovens entre 13 e 16 anos que participaram efetivamente da
pesquisa desde a seleção do material até a sua aplicação. O projeto foi realizado durante
três horas-aula em cada turma, durante os dias 24 e 25 de Julho de 2006 e foi restrito a 40
participantes (duas turmas de 20 alunos) para dar possibilidades de análises, pois desta
forma teríamos uma turma com poucos integrantes, o que nos daria a possibilidade de
interagir com cada um dos indivíduos envolvidos nesta experiência além de ser um número
suficiente para nos propiciar uma diversidade de fatos e resultados para responder as
questões propostas na problemática, que foi de analisar a eficácia do processo de
modelação ao utilizar o teodolito nas aulas de trigonometria, verificando de que maneira a
sua utilização pode facilitar o estudo e a compreensão da trigonometria e de seus conceitos
pelos jovens, buscando para isto um estudo voltado para o cotidiano destes jovens.
Porém é preciso esclarecer que este projeto apontado como objeto de pesquisa foi
resultado de um trabalho acadêmico realizado em 2006, e será utilizado como referência
para refletirmos a cerca das contribuições da modelagem matemática para a compreensão
dos conceitos de Trigonometria, que é o objeto de investigação proposto por esta pesquisa.
Investigar é procurar conhecer o que não se sabe. (...) Para os matemáticos profissionais, investigar é descobrir relações entre objetos matemáticos conhecidos ou desconhecidos, procurando identificar as respectivas propriedades. (PONTE, 2003 p.13)
A investigação matemática consiste em trabalhar com a turma de forma a construir
o conhecimento de forma indutiva, onde através da formulação de perguntas em uma
conversa informal o professor adquire retornos importantes da turma, que lhe darão
subsídios para avaliar até onde a turma esta informada sobre o tema, além de encontrar um
terreno fértil para começar um debate proveitoso.
O projeto foi dividido em três momentos. No primeiro, abordamos alguns conceitos
de trigonometria e suas definições numa aula expositiva, veja o que diz Floriani (2000) a
respeito das aulas expositivas:
Na literatura pedagógica são formuladas restrições às aulas expositivas, sendo até proposto, radicalmente, seu total banimento do cenário escolar, como forma de melhoria na qualidade de ensino o posicionamento mencionado seria procedente para a matemática? Em caso afirmativo, como apresentar alternativas para a comunicação entre aprendiz e docente, em nível de 1° grau? Encontra-se apoio teórico suficiente para posicionar-se pró ou contra as aulas expositivas? (Floriani, 2000, p.66)
Baraldi (1999) fundamenta esta crítica de Floriani quando afirma que:
Talvez não exista uma metodologia de ensino tão utilizada e ao mesmo tempo tão criticada quanto a aula expositiva! (...) A verbalização do conhecimento sob a forma de proposição é um processo refinado que permite que as idéias se tornam mais claras, mais explícitas, mais precisas e delineadas mais nitidamente. Ela ainda permite a transformação do pensamento envolvido na elaboração das idéias, aprimorando e ampliando seus significados e seu poder de aplicabilidade. Além disso, a linguagem valoriza a interação de indivíduos e, conseqüentemente, os conhecimentos se confrontam, sofrendo transformações e proporcionado à criação de idéias novas, em graus diferentes de abstração, de generalização e de precisão. Também, em sala de aula, possibilita, ao trabalho do professor, a avaliação continua da aprendizagem dos conceitos. (Baraldi, 1999, p.59 e 61)
Depois de expor os conceitos e definições da trigonometria, buscamos, num
segundo momento deste projeto, nos dedicar a relatos e experiências que os alunos podiam
ter tido fora da sala de aula, tentando perceber se os alunos reconheciam que a
Trigonometria estava presente em seu cotidiano.
Neste primeiro momento ficou claro que todos eles consideram a matemática de
fundamental importância. Os alunos foram unânimes nesta colocação, principalmente em
considerá-la indispensável na sua vida escolar, mas alguns não percebem como a
matemática pode estar presente no seu cotidiano, eram comuns as indagações sobre a
utilização da matemática, pois muitos acreditavam que a matemática que aprendiam na
escola não era usada fora dela.
Porém é preciso esclarecer que o fato dos alunos não terem este discernimento de
que a matemática faz parte do seu cotidiano, não significa dizer que estejam alheios aos
conceitos matemáticos. Isto é fruto de um ensino descontextualizado, onde o cotidiano do
aluno nem sempre é considerado parte integrante do processo de ensino aprendizagem.
Veja esta discussão que aconteceu durante a aula:
“A verdade é que tudo na matemática é complicado, a gente só deveria estudar o que fosse usar, devia ser tudo diferente, e mesmo quando a gente sabe que vai usar em algum momento da vida, fica complicado entender, porque são muitas fórmulas para decorar” A33
3 Depoimento dado pelo aluno 3 durante uma conversa informal na sala de aula.
“Sem contar que muita coisa dá para fazer sem usar estas fórmulas, ás vezes a gente até consegue o resultado correto, mas porque não fez do jeito que a professora deu na sala, está errado” A84
“Para mim, estudar matemática é muito importante, pois sempre é cobrado em concursos, vestibular, mas concordo com os colegas quando eles falam que às vezes complica sem necessidade, nestes casos mesmo de seno e cosseno... é só para complicar porque seria mais fácil medir os lados do triângulo, do que fazer tanta conta” A55
Estes depoimentos explicitam a insatisfação do aluno em relação às aulas de
matemática, questionam sobre os assuntos trabalhados em sala de aula, e a sua
aplicabilidade na sua vida, acreditam que alguns conteúdos são desnecessários para a sua
formação e que com isso os alunos perdem o interesse e o prazer em estudar matemática.
Esse momento nos pareceu muito interessante porque o próprio aluno passou a formular
questões e a seguir meios de se obter respostas para seus problemas, apontavam o erro, mas
não conseguiam ainda definir o que fazer para ultrapassar este obstáculo. Essa discussão
serviu para que o aluno se tornasse mais receptivo a próxima etapa do nosso projeto.
Foi proposta em sala de aula a seguinte situação problema:
Os alunos foram dispostos em 4 grupos de cinco alunos em diferentes lugares da
sala de aula, onde cada grupo deveria medir o ângulo e determinar qual a altura em que se
encontrava um ponto C qualquer colocado na porta da sala de aula.
Novas discussões surgiram.
“Não existe possibilidades nenhuma de se medir isto, tínhamos que ter fita métrica ou régua.” G46
“A não ser que a gente dê uma medida aproximada, uns dois metros, mais ou menos” G37
4 Aluno 8 criticando a avaliação de alguns professores que desconsideram o raciocínio do aluno na resolução de problemas, considerando como correto somente o que foi citado durante as aulas. 5 Depoimento dado pelo Aluno 5 questionando a abordagem dos conteúdos matemáticos. 6 Grupo 4 opinando sobre as dificuldades de medir a altura em que se encontrava o ponto C. 7 Grupo 3 sugerindo uma medida aproximada para a medida procurada.
Neste momento foi proposta a construção do teodolito. O professor incentivou os
grupos a pesquisar o que era um teodolito e como ele podia ser utilizado para medir
distâncias inacessíveis.
Dessa forma, ávidos por conhecimento e a partir de um problema proposto, os
alunos adquiriram interesse pelos conceitos que estavam sendo trabalhados, favorecendo a
aprendizagem, pois todo o processo de conhecimento pertenceu ao aluno e não ao
professor. Foi uma descoberta processual, o que lhes garantiu a construção de seu próprio
saber.
Baraldi cita Ronca e Escobar (1984):
A prática de descobrir habilita o indivíduo a adquirir informações de uma forma tal que as mesmas estejam disponíveis para a solução de problemas e também tem o efeito sobre o aprendiz de torná-lo um “construcionista” ensinando-o a organizar de maneira racional aquilo que encontra nos problemas, descobrindo regularidade e relações e evitando acumulação de informações desnecessárias. (Baraldi, 1999 p.56)
A Figura abaixo mostra um teodolito confeccionado por um dos grupos de alunos
que participaram desta pesquisa.
Fig 1 – Teodolito construído a partir de sucata.
Depois da construção do teodolito, os alunos voltaram sua atenção em resolver o
problema proposto.
Em posições diferentes estes alunos encontrariam diferentes ângulos, porém sempre
teriam o ângulo reto na resolução do triângulo formado entre sua posição, a porta onde o
ponto C se encontrava e seu ângulo de visão, segundo o esquema mostrado a seguir.
C
Cateto
Hipotenusa Oposto
A Ө Cateto Adjacente B
Fig 2 – Triângulo Retângulo formado a partir do ângulo Ө, encontrado com o uso do Teodolito.
A partir daí várias descobertas bastante significativas foram feitas pelos próprios
alunos. Descobriram que a medida entre a sua posição e a parede onde ficava o ponto C era
inversamente proporcional ao ângulo de visão Ө, pois quanto menor esta distância, maior
era o ângulo, e descobriram que apesar de encontrarem ângulos diferentes e distâncias
diferentes a altura procurada era sempre a mesma ao final dos cálculos. E que na verdade
estávamos procurando o valor do cateto oposto do triangulo retângulo.
A única distância que tínhamos era o cateto adjacente, e assim os alunos facilmente
perceberam que deveriam utilizar a relação da tangente para resolver este problema.
Esta etapa foi importante porque o fato de o aluno construir ele mesmo seu teodolito
fez com que ele desenvolvesse o anseio de “ir além” daquilo que lhe foi proposto.
Imediatamente os alunos buscavam maneiras e situações em que aquele instrumento lhe
pudesse ser útil.
Concluída esta fase de experimentação foi proposta aos alunos um questionário no
qual eles deveriam fazer uso do teodolito e responder questões sobre Trigonometria.
Uma das questões pedia para montar o experimento e preencher uma tabela com a
medida dos lados do triangulo formado, e determinar o seno, o cosseno e a tangente deste
triangulo.
Os alunos encontraram os seguintes resultados dispostos nos quadros a seguir:
Tabela 1 – Tabela produzida pelo grupo 2
ANGULO A (cm) B (cm) C (cm) sen= c/a cos= b/a tg = c/b
10 6,6 6,5 1,2 0,18 0,98 0,18
20 7 6,5 2,5 0,35 0,92 0,38
30 7,5 6,5 4 0,5 0,86 0,61
40 8,5 6,5 5,5 0,64 0,76 0,84
45 9,4 6,5 6,5 0,69 0,69 1
50 10,2 6,5 7,8 0,76 0,64 1,2
60 12,5 6,5 10,8 0,86 0,5 1,66
70 18,5 6,5 17,2 0,92 0,35 2,64
80 35 6,5 34,5 0,98 0,18 5,3
90
Não forma
triângulo
Fonte: Dados obtidos durante a etapa de resolução de problemas.
Tabela 2 – Tabela produzida pelo grupo 3
ANGULO A (cm) B (cm) C (cm) sen= c/a cos= b/a tg = c/b
10 3 2,9 0,5 0,16 0,96 0,17
20 3,2 2,9 0,85 0,26 0,9 0,29
30 4,8 2,9 2 0,41 0,6 0,68
40 4,5 2,9 3,5 0,77 0,64 1,2
45 5 2,9 2,9 0,58 0,58 1
50 4,5 2,9 3,5 0,64 0,77 1,2
60 7 2,9 4,8 0,6 0,41 1,65
70 11 2,9 10 0,9 0,26 3,44
80 18 2,9 17,4 0,96 0,16 6
90 não existe
Fonte: Dados obtidos durante a etapa de resolução de problemas.
Tabela 3 – Tabela produzida pelo grupo 4
ANGULO A (cm) B (cm) C (cm) sen= c/a cos= b/a tg = c/b
10 2,5 2,4 0,4 0,16 0,96 0,16
20 2,6 2,4 0,85 0,32 0,92 0,35
30 3 2,4 1,5 0,5 0,8 0,62
40 3 2,4 2 0,6 0,8 0,83
45 3,5 2,4 2,4 0,68 0,68 1
50 4 2,4 3,5 0,8 0,6 1,67
60 4,8 2,4 4 0,8 0,5 1,66
70 7,5 2,4 6,9 0,92 0,32 2,87
80 15 2,4 14,5 0,96 0,16 6,04
90 Não existe
Fonte: Dados obtidos durante a etapa de resolução de problemas.
Ao verificar os resultados encontrados pelos grupos, os alunos perceberam que os
valores encontrados para os lados A, B e C do triângulo estudado por cada grupo são muito
diferentes quando comparadas as tabelas dos outros grupos, por tratarem-se de triângulos
de diferentes tamanhos, já que cada grupo estava disposto em um local diferente da sala, e
consequentemente os triângulos formados em relação ao ponto C fixo na porta da sala
seriam diferentes, porém ao analisar os valores do seno, cosseno e tangente, perceberam
que estes valores são bem próximos quando comparamos às tabelas dos outros grupos,
inclusive notaram que estes valores que alcançaram durante as medições que realizaram em
sala de aula são valores bem próximos dos valores reais se comparadas com uma tabela
trigonométrica obtida através de pesquisas na internet, o que demonstra que o teodolito
construído em sala de aula apesar de ter sido confeccionado a partir de materiais simples é
eficaz para medir ângulos. Veja:
Tabela 4 – Tabela Trigonométrica obtida a partir de pesquisas na internet.
Ângulo seno cosseno tangente
10 0,173648 0,984808 0,176327
20 0,34202 0,939693 0,36397
30 0,5 0,866025 0,57735
40 0,642788 0,766044 0,8391
45 0,707107 0,707107 1
50 0,766044 0,642788 1,191754
60 0,866025 0,5 1,732051
70 0,939693 0,34202 2,747477
80 0,984808 0,173648 5,671282
90 1 0 -
Tabela 4 – Tabela Trigonométrica (Fonte: http://www.somatematica.com.br/emedio/tabtrig.phtml)
Uma das observações importantes retiradas desta aplicação é que os alunos
perceberam que os ângulos complementares possuíam uma relação interessante, veja o
depoimento:
“Observei que existem alguns ângulos que são contrários, por exemplo: 30 e 60, o seno de 30 é o cosseno de 60 e o seno de 60 é o cosseno de 30”. G38
Apesar da maioria dos alunos perceberem esta relação, eles não conseguiram notar
que isto acontecia porque estes ângulos somados tinham como resultado 90º, o que define
um ângulo complementar, mas com a intervenção do professor isto ficou claro durante a
aula, mas todos perceberam porque não existe a tangente de 90º, porém não conseguiram
verificar o seno e o cosseno de 90º.
Eles ainda verificaram a relação sen²x + cos²x = 1. A maioria considerou a relação
válida, mas alguns grupos admitiram que a relação fosse falsa.
“A relação não existe, porque achamos 1,0029 trabalhando com x=30 e não 1, portanto é falsa, pois fizemos para o ângulo 10 e o resultado foi 0,99 e não 1” G29
“Achamos 1,0029, para o ângulo de 30, e consideramos a relação válida porque o que vale é o número antes da vírgula, porque fizemos com a calculadora e o resultado foi 1” G210
Perguntado se eles seriam capazes de responder os motivos das diferenças
encontradas obtemos a seguinte resposta:
“Porque nas contas o cosseno de 30 tinha mais números do que o seno, e aí quando fomos elevar ao quadrado tivemos que aproximar, aí deu esta diferença” G2
8 Grupo 3 relatando uma das descobertas feitas com o uso do teodolito. 9 Grupo2 explicando os motivos que os levaram a concluir que a relação não existia. 10 Grupo 2, considerando a relação válida, justificando seus motivos.
Nesta discussão ainda questionamos os alunos se obteríamos resultados diferentes
para o seno e o cosseno se trabalharmos com triângulos diferentes e ângulos da mesma
medida. As respostas foram interessantes.
“Não vamos achar resultados diferentes porque o seno de 30, de 60, de 80 será sempre o mesmo.” G211
“Não porque vimos que quando medimos o ponto C na porta cada um achou um ângulo diferente, e, no entanto todos acharam a mesma medida, porque todo mundo teve que achar o seno e o cosseno do seu ângulo na tabela, então se existe uma tabela, é porque estes resultados não mudam o que muda são os ângulos e o tamanho dos lados, se não cada um tinha achado um resultado diferente” G112
Durante a execução deste projeto elaborado em 2006, ainda questionamos os alunos
sobre o que acharam da experiência do uso do teodolito, e para isto foi proposta a
confecção de um relatório onde eles deveriam expor, suas descobertas, suas dificuldades e
até que ponto esta experiência possibilitou aquisição de conhecimento.
Os depoimentos dados pelos alunos e os resultados obtidos com esta prática foram
muito satisfatórios e bem pertinentes ao ensino da trigonometria, pois os alunos
compreenderam os conceitos e as relações trigonométricas de forma dinâmica e utilizaram
o teorema de Pitágoras com bastante desenvoltura, além de medir ângulos e estabelecer
medidas.
Os participantes consideraram o projeto muito bom, pois conseguiu mostrar afinal
para que serve a trigonometria, pois sempre a viam como algo totalmente desvinculado da
sua realidade.
Nesta pesquisa nosso estudo se limitou à trigonometria, mas dependendo da
criatividade do professor ele poderá aproveitar este momento para explorar diversos
conteúdos como medida de ângulos, tipos de ângulos, escalas, semelhança de triângulos,
área do triângulo, perímetro do triângulo, relações métricas no triângulo retângulo entre
11 Observação feita pelo Grupo 2 12 Grupo 1 relacionando o questionamento feito com o primeira atividade desenvolvida na aula, mostrando que a colocação da situação problema naquele momento serviu de base para a construção de novos conhecimentos.
outros. Ou ainda, incentivar a pesquisa dos alunos em relação a outros temas que possam
ser explorados com o uso do teodolito. Cabe a criatividade de cada professor.
5. Considerações Finais
Concluímos, portanto afirmando que a Modelagem Matemática, a exemplo da
utilização do teodolito nas aulas de trigonometria é uma ferramenta muito útil para a
auxiliar o aluno a compreender os conceitos de ângulo, triangulo retângulo, seno, cosseno e
tangente. Pois à medida que os alunos desenvolviam as atividades notamos que buscavam
relacionar seus resultados com as relações trigonométricas.
Além disso, constatamos que o Ensino da Matemática atualmente não atinge as
expectativas do alunado. Pois estes desejam aprender uma matemática prazerosa, que tenha
aplicação em seu cotidiano, que possibilite um algo mais do que resolver exercícios e
decorar fórmulas, e que atenda a suas expectativas, porém a matemática que lhes é
transmitida é desprovida de tudo isso. Fornecem-lhes uma matemática mecânica, e é
preciso rever essa situação para que nossos alunos não fiquem a mercê de meras repetições.
Portanto, o Ensino de Matemática deve ser diferenciado no sentido de atender as
necessidades imediatas de nossos alunos, o que reduzirá a dificuldade em sistematizar os
conhecimentos matemáticos adquiridos na escola e fora dela, pois o que se percebe na
maioria das vezes é que o aluno não consegue compreender claramente os fundamentos e
os conceitos trigonométricos quando eles são simplesmente sistematizados em sala de aula,
e se o fazem, este processo acontece mecanicamente.
Uma outra importante observação que deve ser mencionada é que o uso da
Modelagem Matemática é um tema que merece enorme atenção, pelas suas peculiaridades.
Pois esta experiência mostrou que é válida a sua inserção nas aulas de trigonometria, pois
resgatou o interesse, recuperou a motivação em aprender e relacionou o conteúdo estudado
com aspectos do cotidiano.
Fica clara então, a necessidade dos alunos pelo prazer em aprender, e nós
professores devemos buscar que isto aconteça para que o interesse pela aprendizagem surja
em sala de aula de forma natural e espontânea.
Diante disso, concluímos que seria necessário averiguar as condições oferecidas aos
professores, no sentido de orientação profissional e apoio pedagógico, pois nos parece ser o
principal motivo que agrava a situação.
Muitas vezes o professor se propõe a motivar suas aulas, mas não lhes é dado o
suporte para que isto aconteça, ele sempre é cobrado para cumprir um programa que foi
estabelecido, e avaliar a aprendizagem dos alunos através de dados quantitativos, e isso não
deve ser descartado, porém buscar alternativas para resgatar o interesse e facilitar a
aprendizagem também são papéis do educador e deve ser prioridade na sua metodologia.
O professor pode e deve alterar suas ações pedagógicas sempre que julgar
necessário, mantendo-se sempre atualizado a respeito de novas tendências, pois embora
tenha que cumprir um programa e quantificar resultados, existem meios e recursos
disponíveis para fazê-los de forma mais dinâmica e prazerosa, propiciando momentos em
sala de aula que servirão não apenas para distrair e dinamizar a aula, mas serão
fundamentais para a compreensão dos conteúdos envolvidos.
Em síntese, a proposta analisada cumpriu com o objetivo de auxiliar a compreensão
dos conceitos trigonométricos e foi capaz de motivar o jovem a resolver problemas práticos
do seu dia a dia mediante o uso do teodolito.
A experiência mostrou que apesar do teodolito ter sido construído com materiais
bem simples e de custo irrisório, este instrumento é eficaz na medição de ângulos e ainda
permite ao professor aproveitar este momento para explorar outros conteúdos como a
classificação de ângulos em agudo, retângulo ou obtuso, semelhança de triângulos, área do
triângulo, perímetro do triângulo, relações métricas no triângulo retângulo, ângulos
notáveis, arcos trigonométricos e outros que se estendem para o campo da Física, como a
conversão de unidades de medida e a compreensão de algarismos significativos.
Cabe ao professor buscar alternativas para atender as necessidades dos alunos, pois
a partir daí o processo de ensino aprendizagem seria uma conseqüência de um processo
prazeroso e estimulante que permitiria o aluno a pensar, elaborar seu conhecimento e
aplicar este conhecimento na sua vida prática.
E assim promover ao aluno momentos de aprendizagem que permitem que através
de descobertas, o aprendiz seja o sujeito da elaboração do seu saber matemático,
desafiando-o a ir além daquilo que lhe foi proposto.
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