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MODELAGEM MATEMÁTICA E TRIGONOMETRIA: Uma proposta de modelação para o Ensino de trigonometria Franciene Rocha da Silva 1 Cassiano Ogliari 2 RESUMO: O presente estudo traz uma proposta de modelação para o ensino da trigonometria a partir do uso do teodolito. Isto porque o aluno atualmente não consegue perceber o significado dos conteúdos matemáticos, pois todo o processo de ensino-aprendizagem de matemática vem sendo apresentado ao aluno desvinculado da sua realidade. Atento a esta necessidade de um ensino contextualizado e diretamente ligado ao cotidiano, propomos um modelo onde o aluno consegue relacionar o ângulo reto e as relações trigonométricas em tudo o que o cerca. O objetivo principal é compreender como a modelagem matemática pode contribuir para a aprendizagem de trigonometria, e em outras palavras, compreender se a modelagem matemática é capaz de criar um ambiente de aprendizagem que possa contribuir para a compreensão dos conceitos de trigonometria. A opção metodológica desta pesquisa reside no método Empírico- bibliográfico, combinando informações oriundas de artigos que tratam do estudo de aplicações de modelagem matemática na sala de aula e da modelagem matemática enquanto conceito. Como conseqüência, percebemos que a modelagem matemática aplicada no processo de ensino-aprendizagem é uma ferramenta que além de fazer com que o aluno reconheça a trigonometria no seu dia-a-dia e compreenda os conceitos matemáticos de forma rápida e prazerosa propicia ao aluno momentos de aprendizagem que permitem que através de descobertas, o aprendiz seja o sujeito da elaboração do seu saber matemático, desafiando-o a ir além daquilo que lhe foi proposto. PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de Matemática, Modelagem Matemática, Trigonometria. 1 Aluna do Curso de Pós-Graduação em Metodologia do Ensino de Matemática pelo IBPEX. Licenciada em Matemática pela UNEB. Professora da Rede Estadual da Bahia. Docente no Colégio Modelo Luis Eduardo Magalhães em Senhor do Bonfim – BA. Email: [email protected] 2 Professor Orientador vinculado ao Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão – IBPEX.

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Page 1: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

MODELAGEM MATEMÁTICA E TRIGONOMETRIA: Uma proposta de modelação para o Ensino de trigonometria

Franciene Rocha da Silva1

Cassiano Ogliari2

RESUMO:

O presente estudo traz uma proposta de modelação para o ensino da trigonometria a

partir do uso do teodolito. Isto porque o aluno atualmente não consegue perceber o

significado dos conteúdos matemáticos, pois todo o processo de ensino-aprendizagem de

matemática vem sendo apresentado ao aluno desvinculado da sua realidade. Atento a esta

necessidade de um ensino contextualizado e diretamente ligado ao cotidiano, propomos um

modelo onde o aluno consegue relacionar o ângulo reto e as relações trigonométricas em

tudo o que o cerca.

O objetivo principal é compreender como a modelagem matemática pode contribuir

para a aprendizagem de trigonometria, e em outras palavras, compreender se a modelagem

matemática é capaz de criar um ambiente de aprendizagem que possa contribuir para a

compreensão dos conceitos de trigonometria.

A opção metodológica desta pesquisa reside no método Empírico-

bibliográfico, combinando informações oriundas de artigos que tratam do estudo de

aplicações de modelagem matemática na sala de aula e da modelagem matemática enquanto

conceito.

Como conseqüência, percebemos que a modelagem matemática aplicada no

processo de ensino-aprendizagem é uma ferramenta que além de fazer com que o aluno

reconheça a trigonometria no seu dia-a-dia e compreenda os conceitos matemáticos de

forma rápida e prazerosa propicia ao aluno momentos de aprendizagem que permitem que

através de descobertas, o aprendiz seja o sujeito da elaboração do seu saber matemático,

desafiando-o a ir além daquilo que lhe foi proposto.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem de Matemática, Modelagem Matemática, Trigonometria.

1Aluna do Curso de Pós-Graduação em Metodologia do Ensino de Matemática pelo IBPEX. Licenciada em Matemática pela UNEB. Professora da Rede Estadual da Bahia. Docente no Colégio Modelo Luis Eduardo Magalhães em Senhor do Bonfim – BA. Email: [email protected] 2 Professor Orientador vinculado ao Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão – IBPEX.

Page 2: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

1. Introdução

A matemática está presente em tudo o que nos cerca, se observarmos as paredes, a

formação do telhado, na moldura de um quadro, na projeção da nossa sombra ou até mesmo

quando fazemos um bolo de chocolate estamos fazendo matemática. No entanto, é comum

ouvirmos dos nossos alunos indagações a respeito da utilização de certos conteúdos

matemáticos. São sempre freqüentes perguntas do tipo: “Professora, onde eu vou usar

isso?”. “Não sei para que estudar isso, não vou usar isso em nada na minha vida!” .

E o professor de matemática nem sempre está apto ou preparado para responder a

estas perguntas, e com isso, geralmente é dado ao aluno uma resposta que não satisfaz a sua

curiosidade, deixando-o desestimulado e desinteressado pela aula.

Diante disso, surge uma preocupação dos educadores de que toda esta antipatia dos

educandos frente à matemática possa ser decorrência de suas ações pedagógicas. Assim,

partindo do pressuposto de que a matemática surgiu da necessidade do homem em realizar

cálculos e resolver situações problemas do seu cotidiano e de que apesar disso, atualmente,

nossos alunos não reconhecem nos conteúdos estudados esta relação, adotamos a

modelagem matemática como instrumento ressuscitador desta característica.

Muitos acreditam que a modelagem matemática é a aplicação da matemática em

outras áreas do conhecimento, quando na verdade, “a modelagem matemática é a arte de

expressar por meio de linguagem matemática situações-problema de nosso meio.”

(BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 8). É um método de ensino que possibilita a

aprendizagem de Matemática através da criação de um modelo que a relaciona com outras

ciências. Para desenvolver o conteúdo escolhe-se o tema, que deverá ser transformado em

modelo matemático.

Este método de ensino tem sido foco de estudos nos últimos anos, isto porque tem

desenvolvido atividades em que as situações problemas discutidas em sala de aula são

retiradas do dia a dia dos alunos e da comunidade em que estão inseridos, objetos simples,

muitas vezes sem nenhum aspecto didático se tornam recursos riquíssimos se forem bem

utilizados.

Page 3: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Porém, isto requer atenção, pois a matemática científica, aquela apresentada nos

livros didáticos, muito distante da compreensão do aluno, e o conhecimento matemático

cultural, aquele muito próximo da realidade e do cotidiano dos alunos devem se articular de

forma que um não se sobreponha ao outro, o segundo deve servir de base para a

compreensão do primeiro, e assim promover um processo de aprendizagem que encontra

sustentabilidade no interesse e motivação dos educandos.

Procura-se neste artigo compreender como a Modelagem pode auxiliar no processo

ensino aprendizagem de trigonometria, em outras palavras, propõe-se compreender se esta

metodologia é capaz de criar um ambiente de aprendizagem no qual os alunos possam

investigar, problematizar, descobrir, ou melhor, redescobrir a matemática, usando para isto

a própria matemática, mas não a matemática tal como ela se apresenta nos livros didáticos,

mas utilizando-se da matemática que tem como referência a realidade, aquela matemática

descomplicada que é produzida no cotidiano, associada a elementos do dia a dia dos alunos

que possam servir de instrumentos didáticos que auxiliem o professor neste processo de

construção do saber.

Nesse sentido, percebe-se a contribuição social da pesquisa proposta, por se tratar,

sem dúvida de um tema atual e de grande relevância social, técnica e científica, pois traz à

tona toda a discussão que envolve este contexto em que a modelagem matemática está

envolvida, e ainda aborda a dificuldade que nossos alunos sentem para compreender os

conceitos trigonométricos, e é por meio da pesquisa que procuramos responder a estas

indagações que tanto nos incomodam.

Vale ainda ressaltar o meu compromisso pessoal com este ambiente de

aprendizagem colocado em estudo já que esta é uma questão conflitante no meu cotidiano

escolar, e o interesse por este estudo surgiu da análise crítica das minhas aulas de

trigonometria e o espaço de observação foi a própria sala de aula.

Page 4: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Procuro então apresentar estes conceitos aos alunos de uma maneira diferente,

mostrando onde e como estes conceitos são utilizados no dia a dia, demonstrando situações

do cotidiano onde seria necessário o uso dos conceitos trigonométricos para a partir da

observação dos fatos, investigação e tentativas de resolução, o nosso aluno sentisse a

necessidade do uso da trigonometria, fazendo então com que ele perceba que o conteúdo é

de fato útil ao seu cotidiano, procurando com isso despertar o interesse para o que lhe está

sendo apresentado, tudo isso dentro das ações propostas pelo processo de modelagem

matemática.

2. Modelagem Matemática: definição e epistemologia

A Modelagem Matemática pode ser definida como sendo um ambiente de

aprendizagem onde os conceitos matemáticos são abordados em sala de aula conectados a

vida diária do aluno. Situações da realidade são trazidas para as aulas de matemática com o

objetivo de trazer ao aluno significação daquilo que é estudado.

Barbosa (2004, p.3) define Modelagem Matemática:

A Modelagem Matemática é um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados a indagar e/ou investigar, por meio da matemática, situações oriundas de outras áreas da realidade (Barbosa, 2003). Então, especificamente, trata-se de uma atividade que convida os alunos a discutirem matemática no contexto de situações do dia-a-dia e/ou da realidade. Não se trata, portanto, de contextualizar a matemática, mas de discuti-la à luz de um contexto que não é o da área específica.

Barbosa (1999, p.4) acrescenta ainda que a modelagem

(...) é um método da matemática aplicada, usada em grande variedade de problemas econômicos, biológicos, geográficos, de engenharia e de outros (...) [que] foi aprendido e re-significado para o ensino-aprendizagem como uma das formas de utilizar a realidade nas aulas de matemática.

Segundo Caldeira (2005, p. 2-3), a Modelagem Matemática possibilita o

questionamento e atualização do currículo escolar, pois tem “a capacidade de oferecer aos

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professores e alunos um sistema de aprendizagem como uma forma de entendimentos as

questões educacionais de matemática”.

Uma definição bem ampla acerca de Modelagem Matemática é dada por Bassanezi

(2002, p, 38):

A utilização da Modelagem como uma estratégia de aprendizagem, além de tornar um curso de matemática atraente e agradável, pode levar o aluno a: desenvolver um espírito de investigação, utilizar a matemática como ferramenta para resolver problemas em diferentes situações e áreas, entender e interpretar aplicações de conceitos matemáticos e suas diversas facetas, relacionar sua realidade sócio-cultural com o conhecimento escolar e, por tudo preparar os estudantes para a vida real, como cidadãos atuantes na sociedade.

Neste sentido, “a (...) Modelagem Matemática no ensino pode ser um caminho para

despertar no aluno o interesse por tópicos que ele ainda desconhece” (BIENBENGUT e

HEIN, 2003, p.18).

Um questionamento bastante pertinente costuma surgir neste debate: Se a

Modelagem Matemática traz tantas contribuições para o ensino-aprendizagem, porque é

que alguns professores fazem pouco uso deste recurso?

Para responder a esta questão Bassanezi (2002, p. 37) diz que “apesar de todos (...)

os argumentos favoráveis ao uso da modelagem matemática, muitos colocam obstáculos,

principalmente quando aplicada a cursos regulares”, são eles:

1. O programa do curso regular deve ser cumprido integramente, e portanto

a modelagem matemática por ser um processo demorado tomaria tempo e

não ajudaria no cumprimento deste programa previamente estabelecido,

pois no processo de modelagem o aluno passa a ser o centro do processo

de ensino-aprendizagem, ele é o responsável pela dinâmica do processo e

isto requer tempo, logo a aula poderia caminhar mais devagar.

Page 6: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

2. Muitos professores ainda questionam se é papel do professor de

matemática abordar problemas de outras áreas, ou estabelecer conexões

com estas. E ainda, não se sentem habilitados a desenvolver projetos

neste sentido, por medo de encontrarem situações embaraçosas ao tentar

relacionar os conteúdos matemáticos a outras áreas do conhecimento.

3. Outros se posicionam a favor do ensino tradicional, afirmando que o

aluno já está acostumado com este método, e que com o uso da

modelagem ele poderia se perder e o objetivo alcançar resultados

antagônicos, tornando o aluno indiferente, desmotivado, apático.

4. Um fator apontado também é a heterogeneidade de uma turma, o que

pode dificultar na relação dos conhecimentos teóricos com a situação

prática.

5. E por fim, caracterizam a motivação como sendo um processo intrínseco

afirmando que o que pode ser motivador para alguns poderá ser

desestimulante para outros.

E analisando mais profundamente estas contra-razões podemos ainda dizer

que os cursos de licenciatura não fornecem subsídios para que o professor se

posicione de forma diferente, pois não o prepara para interdisciplinaridade e para a

problematização requeridas pela modelagem. Além disso, o próprio sistema

educacional não oferece condições para que isto aconteça. O professor não dispõe

de tempo para planejar suas aulas com estas características, pois para sustentar-se

precisa trabalhar dentro da sala de aula por no mínimo 08 horas por dia.

Nesta contenda entre reconhecer as vantagens e ultrapassar os obstáculos, é

preciso admitir que se queremos usufruir as vantagens da utilização da Modelagem

Matemática é preciso que administremos estes obstáculos desde o planejamento de

nossas aulas. Assim, a priori devemos considerar tudo aquilo que possa servir como

entrave para o bom encaminhamento da aula. Devemos considerar o grau de

escolaridade dos alunos, o tempo de aula disponível, o programa a ser cumprido, até

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que ponto a direção da escola apóia a implantação da Modelagem, ou seja,

considerar todas as variáveis intervenientes neste processo.

Barbosa (2001, p.8) esclarece que a transição de um ensino tradicional para

um ensino através da Modelagem, não é algo tão simples, ele coloca que este

processo “envolve o abandono de posturas e conhecimentos oferecidos pela

socialização docente e discente e a adoção de outros.”

Daí, concluímos que, mesmo simpatizando com a Modelagem Matemática

não podemos inseri-la em nossas aulas de maneira abrupta, pois uma precipitação

pode reforçar as concepções negativas sobre o método.

Barbosa (2003b, p.73) diz:

Também sou professor e sei que, muitas vezes não conseguimos fazer aquilo que desejamos, mas todos os dias, podemos nos perguntar: o que é possível, tendo em conta as limitações do contexto escolar, os interesses dos alunos e a própria percepção dos nossos saberes? E na tentativa de responder essa pergunta, acabo sempre refazendo a minha prática.

Sendo assim, levando em conta este caráter epistemológico da Modelagem

Matemática o professor precisa posicionar-se em relação às tensões acerca deste

método e acerca das tensões que caracterizam o próprio processo educativo,

questionando as suas práticas, reavaliando-as e revendo o que precisa ser refeito.

Isto seria o ideal.

3. A Modelagem Matemática como estratégia de ensino e aprendizagem.

É fácil perceber que a dificuldade que os alunos têm para compreender os conteúdos

matemáticos está no fato de que muitas vezes os conteúdos são trabalhados em sala de aula

como algo desvinculado do seu cotidiano, como se fosse algo alheio à sua realidade, e os

alunos aceitam esta situação porque não lhes é dado a oportunidade de questionar e refletir

sobre o seu processo de aprendizagem, o conhecimento se torna, então, algo obsoleto, sem

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utilidade para o seu dia-a-dia e acabamos por formar cidadãos sem consciência da sua

própria aprendizagem, incapazes de pensar criticamente pois não foram educados para este

fim. Isto porque os conhecimentos são transmitidos aos alunos como algo pronto e acabado

quando na verdade o conhecimento se constrói a medida em que se desenvolvem no aluno

habilidades como, pensar, agir, reagir, refletir, questionar, discordar, compreender. E a

compreensão está intimamente ligada a como se concebe este conhecimento.

O conhecimento para ser de fato concebido é preciso ser significativo, e o

significado dos objetos matemáticos está relacionado com as práticas do sujeito com os

objetos, possibilitando uma correspondência entre estas práticas e a sociedade. Dessa

forma, este aluno consciente e crítico que pretendemos formar só será possível se a

experiência de aprendizagem for concebida num contexto interacionista em que o sujeito

age sobre o objeto e estas ações se refletem no sujeito, como nos afirma a teoria de

Vygostky.

Nas palavras de Vygotsky (1989, p. 47),

A memorização de palavras e a sua associação com os objetos não leva, por si só, à formação de conceitos: para que o processo se inicie, deve surgir um problema que só possa ser resolvido pela formação de novos conceitos.

No processo de ensino-aprendizagem o professor deve interferir para que a

aprendizagem aconteça, pois a mediação de outras pessoas é fundamental no

desenvolvimento do aluno e no caso da escola este papel cabe ao professor.

Para Ausubel (1980), o conceito central de sua teoria é o de aprendizagem

significativa. Para a aprendizagem ser significativa, o assunto a ser aprendido precisa fazer

algum sentido para o aluno e isto ocorre quando a nova informação estiver relacionada com

conceitos relevantes existentes em sua estrutura cognitiva.

Ausubel (1980, p. 34) diz que:

A essência do processo de aprendizagem significativa é que as idéias expressas simbolicamente são relacionadas às informações previamente

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adquiridas pelo aluno através de uma relação não arbitrária e substantiva. Uma relação não arbitrária e substantiva significa que as idéias são relacionadas a algum aspecto relevante existente na estrutura cognitiva do aluno, como por exemplo, uma imagem, um símbolo, um conceito ou uma proposição.

Quando a aprendizagem não tem associação a conceitos existentes em sua estrutura

cognitiva, Ausubel (1980) então define a aprendizagem como mecânica ou automática.

Neste caso não existe interação entre a nova informação e a já existente na memória. O

conhecimento adquirido é incorporado à estrutura cognitiva através de uma relação

arbitrária e não substantiva, caso contrário será uma aprendizagem mecânica ou automática.

O ensino baseado nos métodos tradicionais se apóia na repetição. O professor

resolve um exercício, o aluno repete o mesmo em sala de aula e depois torna a resolver

exercícios semelhantes em casa. O aluno age passivamente no processo ensino-

aprendizagem.

Sobre as falhas desse ensino, Imenes e Lellis (1997, p.6) nos alertam que: “a

programação é mal distribuída, há descaso em relação ao desenvolvimento cognitivo do

aluno, há conteúdos inúteis, muito cálculo e pouco raciocínio.”

Trata-se, portanto de um processo que não estimula a autonomia. O processo

educacional segue, então, como uma farsa, os educadores defendendo que o ensino da

matemática forma o pensamento, desenvolve habilidades e promove o raciocínio lógico

quando na verdade, ele promove a dependência e o automatismo.

Esta realidade precisa ser alterada, pois Lima (1980, p.37) diz que:

Ninguém informa ninguém, o indivíduo informa-se cada vez mais, a psicologia social mostra que o processo de compreender, persuadir, ensinar, não depende das habilidades do agente, mas na atividade do paciente: quem se informa não é, pois, um paciente, mas um agente.

O sistema tradicional de ensino adotado por muitos professores não dá abertura para

a elaboração do saber matemático pelo próprio aluno. Ainda hoje existem docentes que

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encaram o ensino como simples transmissão de conhecimento, e com isto o ensino de

matemática se resume em cópias de fórmulas, estudo de números e resolução de cálculos, o

que contribuem ainda mais para desmotivar os alunos diante da disciplina. O aluno precisa

fazer parte de um processo de aprendizagem onde ele seja mais ativo.

Assim, se pretendemos formar alunos críticos é preciso que as escolas preparem

suas aulas objetivando explorar a natureza crítica da matemática. E uma das formas de

explorar esta característica da matemática é desenvolver no aluno o pensamento reflexivo.

Mas o pensamento reflexivo é uma capacidade e por isso mesmo, não surge

espontaneamente, precisa ser estimulado. É necessário, então, que os professores de

matemática dêem oportunidades para que os alunos desenvolvam sua capacidade de refletir.

Neste conceito está implícito que se os alunos tiverem oportunidades de aplicarem seus

conhecimentos sobre situações que de fato acontecem na sociedade serão capazes de

refletirem sobre estas situações. Chamamos atenção, então, para a importância de resgatar o

papel do professor como formador do cidadão crítico consciente, segundo, BARBOSA,

2003, p.6:

Se estamos interessados em construir uma sociedade democrática, onde as pessoas possam participar de sua condução e, assim exercer cidadania, entendida aqui genericamente como inclusão nas discussões públicas, devemos reconhecer a necessidade de as pessoas se sentirem capazes de intervir em debates baseados em matemática. Mais do que informar matematicamente, é preciso educar criticamente através da matemática.

Trazendo isto para o âmbito de nossa discussão se estamos interessados em fazer

com que nossos alunos sejam capazes de intervir em debates baseados em matemática com

uma reflexão crítica sobre a presença da matemática na sociedade é preciso que exploremos

a matemática com este propósito. Isto não quer dizer que o fato de organizar, conduzir, e

propor atividades que se referem ao dia a dia dos alunos vai garantir que as discussões

reflexivas aconteçam em sala de aula, não podemos forçar debates desta natureza, mas

podemos problematizar e analisar as situações que ocorreram durante o desenvolvimento da

atividade, pois mesmo quando não há a ocorrência de discussões reflexivas os alunos

compreendem de alguma forma o papel da matemática na sociedade e percebem que aquele

conhecimento trazido para estudo em sala de aula não é um saber obsoleto, morto, sem

aplicação prática. Esta idéia é apresentada por BARBOSA, 2003, p.11:

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Entretanto, mesmo quando as discussões reflexivas não são agendadas, implicitamente ou explicitamente, os alunos aprendem alguma coisa sobre o papel da matemática na sociedade. O ponto que quero enfatizar é que isso precisa ser traduzido à luz para ser pensado sinteticamente pelos estudantes e professores, pois o exercício da cidadania, fora da escola, depende também dessa familiaridade em intervir em discussões sustentadas em matemática.

Neste sentido percebemos como a modelagem matemática pode ser uma estratégia

importante para nossas aulas de matemática. Pois ressalta a importância de refletir sobre o

que se faz:

Para Pinto e Cunha (2004), a importância de refletir sobre o que se faz, enquanto está sendo feito, contribui, em grande parte, para uma prática mais comprometida e situada frente aos desafios do processo educacional, e, além disso, este pensar serve para dar forma ao que fazemos enquanto ainda o estamos fazendo. Assim, pensar na reflexão na ação em um ambiente de ensino e aprendizagem supõe a formação de sujeitos capazes de refletir sobre a sua prática e sobre os contextos em que ela é vivenciada. (FIDELIS E ALMEIDA, 2005, p.3).

E ainda ressaltam a modelagem matemática como uma das tendências que

viabilizam esta interação da matemática com a realidade e com a formação desta

capacidade de refletir na ação em nossos alunos.

Assim, o que se espera, na verdade, é que esta interação entre aquilo que faz sentido

para o aluno e o saber matemático trazido para a sala de aula proporcione uma reflexão

sobre a conscientização do papel da matemática, e ainda à consciência de suas finalidades.

4. Uma aplicação de modelagem matemática na sala de aula

Um educador verdadeiramente comprometido com sua prática docente sempre está

em busca de ferramentas que promovam, em seu aluno, o conhecimento matemático aliado

à habilidade de utilização deste conhecimento. Muitas vezes, nós, professores de

matemática, sentimos que necessitamos ir além da simples transmissão e mecanização de

conteúdos, pois percebemos, em muitas ocasiões, que aquilo que está sendo proposto em

Page 12: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

sala de aula não está sendo significativo para o aluno. Ele não consegue associar os

conteúdos estudados a sua realidade. Precisamos, então, de ferramentas que nos auxiliem

neste processo de fazer com que nossos alunos adquiram uma melhor compreensão daquilo

que está sendo estudado.

Dessa forma, BIEMBENGUT e HEIN, 2003 p. 18, traz que:

A modelagem matemática no ensino pode ser um caminho para despertar no aluno o interesse por tópicos matemáticos que ele ainda desconhece, e ao mesmo tempo que aprende a arte de modelar, matematicamente. Isso porque é dada ao aluno a oportunidade de estudar situações-problemas por meio de pesquisa, desenvolvendo seu interesse e aguçando seu senso crítico.

Sendo assim, percebe-se que a modelagem matemática como metodologia de

ensino-aprendizagem é uma ferramenta extremamente útil para conseguir despertar no

aluno o interesse sobre os conceitos matemático e, ao mesmo tempo, assegurar que este

conhecimento seja significativo.

Mas para que este processo, de fato, ocorra, é necessário que ocorram algumas

adaptações que tornem possível a utilização da modelagem matemática como metodologia

de ensino-aprendizagem de conceitos matemáticos, pois além dos cursos regulares exigirem

um programa e uma carga horária que devem ser cumpridos, e obedecidos, não é uma

tarefa fácil associar estes conteúdos a projetos de modelagem.

Vejam o que diz BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 18:

Em cursos regulares, nos quais há um programa a ser cumprido – currículo – e uma estrutura espacial e organizacional nos moldes “tradicionais” (como é a maioria das instituições de ensino), o processo da modelagem precisa sofrer algumas alterações, levando em consideração principalmente o grau de escolaridade dos alunos, o tempo disponível que terão para trabalho extraclasse, o programa a ser cumprido e o estágio em que o professor se encontra, seja em relação ao conhecimento da modelagem, seja no apoio por parte da comunidade escolar para implantar mudanças. O método que utiliza a essência da modelagem em cursos regulares, com programa, denominamos modelação matemática.

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Diante disso, BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 28 definem modelação matemática,

como sendo, ainda:

(...) algumas adaptações que tornem possível a utilização da modelagem matemática como metodologia de ensino-aprendizagem sem, contudo, perder a linha mestra que é o favorecimento à pesquisa e posterior criação de modelos pelos alunos, e sem desrespeitar as regras educacionais vigentes.

E neste processo de modelação não há restrições de séries ou idade, pois a

modelação pode servir como método de ensino-aprendizagem em qualquer contexto, desde

as séries iniciais a cursos superiores.

Pois ainda de acordo com BIEMBENGUT e HEIN, 2003, p. 29:

A condição necessária para o professor implementar modelagem no ensino – modelação – é ter audácia, grande desejo de modificar sua prática e disposição de conhecer e aprender, uma vez que essa proposta abre caminhos para descobertas significativas.

Com o intuito de verificar as contribuições do processo de Modelagem Matemática

para o ensino da trigonometria foi realizado um experimento piloto em 2006, com um

grupo de 40 adolescentes, alunos da 8ª Série do Colégio Estadual Júlio César Salgado na

cidade de Senhor do Bonfim. O nosso interesse em analisar a eficácia da modelagem

matemática nas aulas de trigonometria e o uso do Teodolito nestas turmas pareceu-nos

interessante porque ele, o aluno naquele contexto mostrava-se interessado no saber

matemático em questão, pois se tratava do primeiro contato com a Trigonometria, visto que

este conteúdo ainda não havia sido estudado até então.

Os alunos eram jovens entre 13 e 16 anos que participaram efetivamente da

pesquisa desde a seleção do material até a sua aplicação. O projeto foi realizado durante

três horas-aula em cada turma, durante os dias 24 e 25 de Julho de 2006 e foi restrito a 40

participantes (duas turmas de 20 alunos) para dar possibilidades de análises, pois desta

forma teríamos uma turma com poucos integrantes, o que nos daria a possibilidade de

Page 14: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

interagir com cada um dos indivíduos envolvidos nesta experiência além de ser um número

suficiente para nos propiciar uma diversidade de fatos e resultados para responder as

questões propostas na problemática, que foi de analisar a eficácia do processo de

modelação ao utilizar o teodolito nas aulas de trigonometria, verificando de que maneira a

sua utilização pode facilitar o estudo e a compreensão da trigonometria e de seus conceitos

pelos jovens, buscando para isto um estudo voltado para o cotidiano destes jovens.

Porém é preciso esclarecer que este projeto apontado como objeto de pesquisa foi

resultado de um trabalho acadêmico realizado em 2006, e será utilizado como referência

para refletirmos a cerca das contribuições da modelagem matemática para a compreensão

dos conceitos de Trigonometria, que é o objeto de investigação proposto por esta pesquisa.

Investigar é procurar conhecer o que não se sabe. (...) Para os matemáticos profissionais, investigar é descobrir relações entre objetos matemáticos conhecidos ou desconhecidos, procurando identificar as respectivas propriedades. (PONTE, 2003 p.13)

A investigação matemática consiste em trabalhar com a turma de forma a construir

o conhecimento de forma indutiva, onde através da formulação de perguntas em uma

conversa informal o professor adquire retornos importantes da turma, que lhe darão

subsídios para avaliar até onde a turma esta informada sobre o tema, além de encontrar um

terreno fértil para começar um debate proveitoso.

O projeto foi dividido em três momentos. No primeiro, abordamos alguns conceitos

de trigonometria e suas definições numa aula expositiva, veja o que diz Floriani (2000) a

respeito das aulas expositivas:

Na literatura pedagógica são formuladas restrições às aulas expositivas, sendo até proposto, radicalmente, seu total banimento do cenário escolar, como forma de melhoria na qualidade de ensino o posicionamento mencionado seria procedente para a matemática? Em caso afirmativo, como apresentar alternativas para a comunicação entre aprendiz e docente, em nível de 1° grau? Encontra-se apoio teórico suficiente para posicionar-se pró ou contra as aulas expositivas? (Floriani, 2000, p.66)

Baraldi (1999) fundamenta esta crítica de Floriani quando afirma que:

Page 15: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Talvez não exista uma metodologia de ensino tão utilizada e ao mesmo tempo tão criticada quanto a aula expositiva! (...) A verbalização do conhecimento sob a forma de proposição é um processo refinado que permite que as idéias se tornam mais claras, mais explícitas, mais precisas e delineadas mais nitidamente. Ela ainda permite a transformação do pensamento envolvido na elaboração das idéias, aprimorando e ampliando seus significados e seu poder de aplicabilidade. Além disso, a linguagem valoriza a interação de indivíduos e, conseqüentemente, os conhecimentos se confrontam, sofrendo transformações e proporcionado à criação de idéias novas, em graus diferentes de abstração, de generalização e de precisão. Também, em sala de aula, possibilita, ao trabalho do professor, a avaliação continua da aprendizagem dos conceitos. (Baraldi, 1999, p.59 e 61)

Depois de expor os conceitos e definições da trigonometria, buscamos, num

segundo momento deste projeto, nos dedicar a relatos e experiências que os alunos podiam

ter tido fora da sala de aula, tentando perceber se os alunos reconheciam que a

Trigonometria estava presente em seu cotidiano.

Neste primeiro momento ficou claro que todos eles consideram a matemática de

fundamental importância. Os alunos foram unânimes nesta colocação, principalmente em

considerá-la indispensável na sua vida escolar, mas alguns não percebem como a

matemática pode estar presente no seu cotidiano, eram comuns as indagações sobre a

utilização da matemática, pois muitos acreditavam que a matemática que aprendiam na

escola não era usada fora dela.

Porém é preciso esclarecer que o fato dos alunos não terem este discernimento de

que a matemática faz parte do seu cotidiano, não significa dizer que estejam alheios aos

conceitos matemáticos. Isto é fruto de um ensino descontextualizado, onde o cotidiano do

aluno nem sempre é considerado parte integrante do processo de ensino aprendizagem.

Veja esta discussão que aconteceu durante a aula:

“A verdade é que tudo na matemática é complicado, a gente só deveria estudar o que fosse usar, devia ser tudo diferente, e mesmo quando a gente sabe que vai usar em algum momento da vida, fica complicado entender, porque são muitas fórmulas para decorar” A33

3 Depoimento dado pelo aluno 3 durante uma conversa informal na sala de aula.

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“Sem contar que muita coisa dá para fazer sem usar estas fórmulas, ás vezes a gente até consegue o resultado correto, mas porque não fez do jeito que a professora deu na sala, está errado” A84

“Para mim, estudar matemática é muito importante, pois sempre é cobrado em concursos, vestibular, mas concordo com os colegas quando eles falam que às vezes complica sem necessidade, nestes casos mesmo de seno e cosseno... é só para complicar porque seria mais fácil medir os lados do triângulo, do que fazer tanta conta” A55

Estes depoimentos explicitam a insatisfação do aluno em relação às aulas de

matemática, questionam sobre os assuntos trabalhados em sala de aula, e a sua

aplicabilidade na sua vida, acreditam que alguns conteúdos são desnecessários para a sua

formação e que com isso os alunos perdem o interesse e o prazer em estudar matemática.

Esse momento nos pareceu muito interessante porque o próprio aluno passou a formular

questões e a seguir meios de se obter respostas para seus problemas, apontavam o erro, mas

não conseguiam ainda definir o que fazer para ultrapassar este obstáculo. Essa discussão

serviu para que o aluno se tornasse mais receptivo a próxima etapa do nosso projeto.

Foi proposta em sala de aula a seguinte situação problema:

Os alunos foram dispostos em 4 grupos de cinco alunos em diferentes lugares da

sala de aula, onde cada grupo deveria medir o ângulo e determinar qual a altura em que se

encontrava um ponto C qualquer colocado na porta da sala de aula.

Novas discussões surgiram.

“Não existe possibilidades nenhuma de se medir isto, tínhamos que ter fita métrica ou régua.” G46

“A não ser que a gente dê uma medida aproximada, uns dois metros, mais ou menos” G37

4 Aluno 8 criticando a avaliação de alguns professores que desconsideram o raciocínio do aluno na resolução de problemas, considerando como correto somente o que foi citado durante as aulas. 5 Depoimento dado pelo Aluno 5 questionando a abordagem dos conteúdos matemáticos. 6 Grupo 4 opinando sobre as dificuldades de medir a altura em que se encontrava o ponto C. 7 Grupo 3 sugerindo uma medida aproximada para a medida procurada.

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Neste momento foi proposta a construção do teodolito. O professor incentivou os

grupos a pesquisar o que era um teodolito e como ele podia ser utilizado para medir

distâncias inacessíveis.

Dessa forma, ávidos por conhecimento e a partir de um problema proposto, os

alunos adquiriram interesse pelos conceitos que estavam sendo trabalhados, favorecendo a

aprendizagem, pois todo o processo de conhecimento pertenceu ao aluno e não ao

professor. Foi uma descoberta processual, o que lhes garantiu a construção de seu próprio

saber.

Baraldi cita Ronca e Escobar (1984):

A prática de descobrir habilita o indivíduo a adquirir informações de uma forma tal que as mesmas estejam disponíveis para a solução de problemas e também tem o efeito sobre o aprendiz de torná-lo um “construcionista” ensinando-o a organizar de maneira racional aquilo que encontra nos problemas, descobrindo regularidade e relações e evitando acumulação de informações desnecessárias. (Baraldi, 1999 p.56)

A Figura abaixo mostra um teodolito confeccionado por um dos grupos de alunos

que participaram desta pesquisa.

Fig 1 – Teodolito construído a partir de sucata.

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Depois da construção do teodolito, os alunos voltaram sua atenção em resolver o

problema proposto.

Em posições diferentes estes alunos encontrariam diferentes ângulos, porém sempre

teriam o ângulo reto na resolução do triângulo formado entre sua posição, a porta onde o

ponto C se encontrava e seu ângulo de visão, segundo o esquema mostrado a seguir.

C

Cateto

Hipotenusa Oposto

A Ө Cateto Adjacente B

Fig 2 – Triângulo Retângulo formado a partir do ângulo Ө, encontrado com o uso do Teodolito.

A partir daí várias descobertas bastante significativas foram feitas pelos próprios

alunos. Descobriram que a medida entre a sua posição e a parede onde ficava o ponto C era

inversamente proporcional ao ângulo de visão Ө, pois quanto menor esta distância, maior

era o ângulo, e descobriram que apesar de encontrarem ângulos diferentes e distâncias

diferentes a altura procurada era sempre a mesma ao final dos cálculos. E que na verdade

estávamos procurando o valor do cateto oposto do triangulo retângulo.

A única distância que tínhamos era o cateto adjacente, e assim os alunos facilmente

perceberam que deveriam utilizar a relação da tangente para resolver este problema.

Page 19: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Esta etapa foi importante porque o fato de o aluno construir ele mesmo seu teodolito

fez com que ele desenvolvesse o anseio de “ir além” daquilo que lhe foi proposto.

Imediatamente os alunos buscavam maneiras e situações em que aquele instrumento lhe

pudesse ser útil.

Concluída esta fase de experimentação foi proposta aos alunos um questionário no

qual eles deveriam fazer uso do teodolito e responder questões sobre Trigonometria.

Uma das questões pedia para montar o experimento e preencher uma tabela com a

medida dos lados do triangulo formado, e determinar o seno, o cosseno e a tangente deste

triangulo.

Os alunos encontraram os seguintes resultados dispostos nos quadros a seguir:

Tabela 1 – Tabela produzida pelo grupo 2

ANGULO A (cm) B (cm) C (cm) sen= c/a cos= b/a tg = c/b

10 6,6 6,5 1,2 0,18 0,98 0,18

20 7 6,5 2,5 0,35 0,92 0,38

30 7,5 6,5 4 0,5 0,86 0,61

40 8,5 6,5 5,5 0,64 0,76 0,84

45 9,4 6,5 6,5 0,69 0,69 1

50 10,2 6,5 7,8 0,76 0,64 1,2

60 12,5 6,5 10,8 0,86 0,5 1,66

70 18,5 6,5 17,2 0,92 0,35 2,64

80 35 6,5 34,5 0,98 0,18 5,3

90

Não forma

triângulo

Fonte: Dados obtidos durante a etapa de resolução de problemas.

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Tabela 2 – Tabela produzida pelo grupo 3

ANGULO A (cm) B (cm) C (cm) sen= c/a cos= b/a tg = c/b

10 3 2,9 0,5 0,16 0,96 0,17

20 3,2 2,9 0,85 0,26 0,9 0,29

30 4,8 2,9 2 0,41 0,6 0,68

40 4,5 2,9 3,5 0,77 0,64 1,2

45 5 2,9 2,9 0,58 0,58 1

50 4,5 2,9 3,5 0,64 0,77 1,2

60 7 2,9 4,8 0,6 0,41 1,65

70 11 2,9 10 0,9 0,26 3,44

80 18 2,9 17,4 0,96 0,16 6

90 não existe

Fonte: Dados obtidos durante a etapa de resolução de problemas.

Tabela 3 – Tabela produzida pelo grupo 4

ANGULO A (cm) B (cm) C (cm) sen= c/a cos= b/a tg = c/b

10 2,5 2,4 0,4 0,16 0,96 0,16

20 2,6 2,4 0,85 0,32 0,92 0,35

30 3 2,4 1,5 0,5 0,8 0,62

40 3 2,4 2 0,6 0,8 0,83

45 3,5 2,4 2,4 0,68 0,68 1

50 4 2,4 3,5 0,8 0,6 1,67

60 4,8 2,4 4 0,8 0,5 1,66

70 7,5 2,4 6,9 0,92 0,32 2,87

80 15 2,4 14,5 0,96 0,16 6,04

90 Não existe

Fonte: Dados obtidos durante a etapa de resolução de problemas.

Page 21: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Ao verificar os resultados encontrados pelos grupos, os alunos perceberam que os

valores encontrados para os lados A, B e C do triângulo estudado por cada grupo são muito

diferentes quando comparadas as tabelas dos outros grupos, por tratarem-se de triângulos

de diferentes tamanhos, já que cada grupo estava disposto em um local diferente da sala, e

consequentemente os triângulos formados em relação ao ponto C fixo na porta da sala

seriam diferentes, porém ao analisar os valores do seno, cosseno e tangente, perceberam

que estes valores são bem próximos quando comparamos às tabelas dos outros grupos,

inclusive notaram que estes valores que alcançaram durante as medições que realizaram em

sala de aula são valores bem próximos dos valores reais se comparadas com uma tabela

trigonométrica obtida através de pesquisas na internet, o que demonstra que o teodolito

construído em sala de aula apesar de ter sido confeccionado a partir de materiais simples é

eficaz para medir ângulos. Veja:

Tabela 4 – Tabela Trigonométrica obtida a partir de pesquisas na internet.

Ângulo seno cosseno tangente

10 0,173648 0,984808 0,176327

20 0,34202 0,939693 0,36397

30 0,5 0,866025 0,57735

40 0,642788 0,766044 0,8391

45 0,707107 0,707107 1

50 0,766044 0,642788 1,191754

60 0,866025 0,5 1,732051

70 0,939693 0,34202 2,747477

80 0,984808 0,173648 5,671282

90 1 0 -

Tabela 4 – Tabela Trigonométrica (Fonte: http://www.somatematica.com.br/emedio/tabtrig.phtml)

Page 22: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Uma das observações importantes retiradas desta aplicação é que os alunos

perceberam que os ângulos complementares possuíam uma relação interessante, veja o

depoimento:

“Observei que existem alguns ângulos que são contrários, por exemplo: 30 e 60, o seno de 30 é o cosseno de 60 e o seno de 60 é o cosseno de 30”. G38

Apesar da maioria dos alunos perceberem esta relação, eles não conseguiram notar

que isto acontecia porque estes ângulos somados tinham como resultado 90º, o que define

um ângulo complementar, mas com a intervenção do professor isto ficou claro durante a

aula, mas todos perceberam porque não existe a tangente de 90º, porém não conseguiram

verificar o seno e o cosseno de 90º.

Eles ainda verificaram a relação sen²x + cos²x = 1. A maioria considerou a relação

válida, mas alguns grupos admitiram que a relação fosse falsa.

“A relação não existe, porque achamos 1,0029 trabalhando com x=30 e não 1, portanto é falsa, pois fizemos para o ângulo 10 e o resultado foi 0,99 e não 1” G29

“Achamos 1,0029, para o ângulo de 30, e consideramos a relação válida porque o que vale é o número antes da vírgula, porque fizemos com a calculadora e o resultado foi 1” G210

Perguntado se eles seriam capazes de responder os motivos das diferenças

encontradas obtemos a seguinte resposta:

“Porque nas contas o cosseno de 30 tinha mais números do que o seno, e aí quando fomos elevar ao quadrado tivemos que aproximar, aí deu esta diferença” G2

8 Grupo 3 relatando uma das descobertas feitas com o uso do teodolito. 9 Grupo2 explicando os motivos que os levaram a concluir que a relação não existia. 10 Grupo 2, considerando a relação válida, justificando seus motivos.

Page 23: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Nesta discussão ainda questionamos os alunos se obteríamos resultados diferentes

para o seno e o cosseno se trabalharmos com triângulos diferentes e ângulos da mesma

medida. As respostas foram interessantes.

“Não vamos achar resultados diferentes porque o seno de 30, de 60, de 80 será sempre o mesmo.” G211

“Não porque vimos que quando medimos o ponto C na porta cada um achou um ângulo diferente, e, no entanto todos acharam a mesma medida, porque todo mundo teve que achar o seno e o cosseno do seu ângulo na tabela, então se existe uma tabela, é porque estes resultados não mudam o que muda são os ângulos e o tamanho dos lados, se não cada um tinha achado um resultado diferente” G112

Durante a execução deste projeto elaborado em 2006, ainda questionamos os alunos

sobre o que acharam da experiência do uso do teodolito, e para isto foi proposta a

confecção de um relatório onde eles deveriam expor, suas descobertas, suas dificuldades e

até que ponto esta experiência possibilitou aquisição de conhecimento.

Os depoimentos dados pelos alunos e os resultados obtidos com esta prática foram

muito satisfatórios e bem pertinentes ao ensino da trigonometria, pois os alunos

compreenderam os conceitos e as relações trigonométricas de forma dinâmica e utilizaram

o teorema de Pitágoras com bastante desenvoltura, além de medir ângulos e estabelecer

medidas.

Os participantes consideraram o projeto muito bom, pois conseguiu mostrar afinal

para que serve a trigonometria, pois sempre a viam como algo totalmente desvinculado da

sua realidade.

Nesta pesquisa nosso estudo se limitou à trigonometria, mas dependendo da

criatividade do professor ele poderá aproveitar este momento para explorar diversos

conteúdos como medida de ângulos, tipos de ângulos, escalas, semelhança de triângulos,

área do triângulo, perímetro do triângulo, relações métricas no triângulo retângulo entre

11 Observação feita pelo Grupo 2 12 Grupo 1 relacionando o questionamento feito com o primeira atividade desenvolvida na aula, mostrando que a colocação da situação problema naquele momento serviu de base para a construção de novos conhecimentos.

Page 24: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

outros. Ou ainda, incentivar a pesquisa dos alunos em relação a outros temas que possam

ser explorados com o uso do teodolito. Cabe a criatividade de cada professor.

5. Considerações Finais

Concluímos, portanto afirmando que a Modelagem Matemática, a exemplo da

utilização do teodolito nas aulas de trigonometria é uma ferramenta muito útil para a

auxiliar o aluno a compreender os conceitos de ângulo, triangulo retângulo, seno, cosseno e

tangente. Pois à medida que os alunos desenvolviam as atividades notamos que buscavam

relacionar seus resultados com as relações trigonométricas.

Além disso, constatamos que o Ensino da Matemática atualmente não atinge as

expectativas do alunado. Pois estes desejam aprender uma matemática prazerosa, que tenha

aplicação em seu cotidiano, que possibilite um algo mais do que resolver exercícios e

decorar fórmulas, e que atenda a suas expectativas, porém a matemática que lhes é

transmitida é desprovida de tudo isso. Fornecem-lhes uma matemática mecânica, e é

preciso rever essa situação para que nossos alunos não fiquem a mercê de meras repetições.

Portanto, o Ensino de Matemática deve ser diferenciado no sentido de atender as

necessidades imediatas de nossos alunos, o que reduzirá a dificuldade em sistematizar os

conhecimentos matemáticos adquiridos na escola e fora dela, pois o que se percebe na

maioria das vezes é que o aluno não consegue compreender claramente os fundamentos e

os conceitos trigonométricos quando eles são simplesmente sistematizados em sala de aula,

e se o fazem, este processo acontece mecanicamente.

Uma outra importante observação que deve ser mencionada é que o uso da

Modelagem Matemática é um tema que merece enorme atenção, pelas suas peculiaridades.

Pois esta experiência mostrou que é válida a sua inserção nas aulas de trigonometria, pois

resgatou o interesse, recuperou a motivação em aprender e relacionou o conteúdo estudado

com aspectos do cotidiano.

Page 25: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Fica clara então, a necessidade dos alunos pelo prazer em aprender, e nós

professores devemos buscar que isto aconteça para que o interesse pela aprendizagem surja

em sala de aula de forma natural e espontânea.

Diante disso, concluímos que seria necessário averiguar as condições oferecidas aos

professores, no sentido de orientação profissional e apoio pedagógico, pois nos parece ser o

principal motivo que agrava a situação.

Muitas vezes o professor se propõe a motivar suas aulas, mas não lhes é dado o

suporte para que isto aconteça, ele sempre é cobrado para cumprir um programa que foi

estabelecido, e avaliar a aprendizagem dos alunos através de dados quantitativos, e isso não

deve ser descartado, porém buscar alternativas para resgatar o interesse e facilitar a

aprendizagem também são papéis do educador e deve ser prioridade na sua metodologia.

O professor pode e deve alterar suas ações pedagógicas sempre que julgar

necessário, mantendo-se sempre atualizado a respeito de novas tendências, pois embora

tenha que cumprir um programa e quantificar resultados, existem meios e recursos

disponíveis para fazê-los de forma mais dinâmica e prazerosa, propiciando momentos em

sala de aula que servirão não apenas para distrair e dinamizar a aula, mas serão

fundamentais para a compreensão dos conteúdos envolvidos.

Em síntese, a proposta analisada cumpriu com o objetivo de auxiliar a compreensão

dos conceitos trigonométricos e foi capaz de motivar o jovem a resolver problemas práticos

do seu dia a dia mediante o uso do teodolito.

A experiência mostrou que apesar do teodolito ter sido construído com materiais

bem simples e de custo irrisório, este instrumento é eficaz na medição de ângulos e ainda

permite ao professor aproveitar este momento para explorar outros conteúdos como a

classificação de ângulos em agudo, retângulo ou obtuso, semelhança de triângulos, área do

triângulo, perímetro do triângulo, relações métricas no triângulo retângulo, ângulos

notáveis, arcos trigonométricos e outros que se estendem para o campo da Física, como a

conversão de unidades de medida e a compreensão de algarismos significativos.

Page 26: Artigo - Modelagem Matematica e Trigonometria Por Franciene Rocha

Cabe ao professor buscar alternativas para atender as necessidades dos alunos, pois

a partir daí o processo de ensino aprendizagem seria uma conseqüência de um processo

prazeroso e estimulante que permitiria o aluno a pensar, elaborar seu conhecimento e

aplicar este conhecimento na sua vida prática.

E assim promover ao aluno momentos de aprendizagem que permitem que através

de descobertas, o aprendiz seja o sujeito da elaboração do seu saber matemático,

desafiando-o a ir além daquilo que lhe foi proposto.

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