artigo macro e micro expressões
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Macro Expressões e Micro Expressões
Liliana Queirós Fonseca ([email protected])
Universidade Fernando Pessoa (Criminologia Noturno)
Resumo – Este artigo incide sobre a complexa relação existente entre a emoção e a sua
expressão facial, recaindo em particular sobre as macro expressões e as micro expressões,
que podem ser avaliadas com o auxílio de métodos e técnicas essenciais ao seu estudo e
análise. Nem sempre a emoção incita a expressão facial, tal como a expressão facial pode
ocorrer sem emoção, visto que o ser humano, por vezes, procura camuflar as suas
verdadeiras emoções. A emoção é indubitavelmente essencial ao indivíduo e à sua vivência
em sociedade, pois permite-lhe moldar o seu comportamento e saber como agir perante
diferentes circunstâncias.
Palavras-chave: emoção, expressão, macro expressão, micro expressão, métodos, técnicas
Abstract - This article is focused on the complex relationship between emotion and facial
expression, falling in particular on the macro and micro expressions that can be evaluated
with the help of methods and techniques that are essential to the study and analysis of facial
expression. Not always emotion incites facial expression, such as facial expression can occur
without emotion, because the human being, sometimes, he tries to camouflage his true
emotions. Emotion is undoubtedly essential to the individual and their experience in society
because it allows him to shape his behavior and to know how to act upon different
circumstances.
Keywords: emotion, expression, macro expression, micro expression, methods, techniques
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Introdução
O ser humano é um ser emotivo, que através da sua expressão pode transparecer o
que está a sentir ou camuflar os seus verdadeiros sentimentos. Contudo, é de salientar que a
emoção pode incitar a expressão facial, mas também pode acontecer sem expressão e esta
também pode ocorrer sem emoção (Freitas-Magalhães, A., 2011b). O rosto humano é
incrivelmente capaz de ostentar mais de dez mil expressões e estas podem ocorrer, cada uma
à sua dimensão e propósito num quarto de segundo. Por isso, podemos afirmar que a
expressão facial será sempre um sinal soberano sobre o estado psicológico da pessoa que a
emite e dá preciosas informações a quem a observa (Freitas-Magalhães, A., 2011b).
O tema em que este artigo se concentra é, precisamente, na existência de uma ligação
entre a emoção e a expressão. Este tema assume especial pertinência, na medida em que, a
análise da expressão facial nos permite clarear o mundo obscuro e quase indecifrável das
emoções e extrair das expressões dados e informações fundamentais para a compreensão das
acções do ser humano e das suas incongruências emocionais, em vários domínios, sejam eles
da justiça ou até da saúde. Este artigo começa por apresentar uma definição geral do que é a
emoção e a expressão e explorar a sua ligação. Por fim, procura-se demostrar a importância
da análise das micro expressões e das macro expressões fundamentais no estudo da
expressão facial e na avaliação do ser humano e seus comportamentos e enumerar diferentes
métodos e técnicas utilizados na avaliação das expressões.
Assumindo a importância do estudo da expressão facial e o seu indiscutível
contributo, especificamente no contexto da justiça, torna-se imperativo incitar a sua
utilização no sistema judicial, por exemplo, para avaliar a veracidade dos depoimentos
prestados. Tal como se verifica no sistema judicial americano, que usufrui deste complexo
mecanismo científico, disponibilizando os seus recursos de forma a avaliar as
incongruências das expressões faciais (Freitas-Magalhães, A., 2011b).
1. A emoção e a expressão
É inegável a relação existente entre a emoção e a sua expressão, bem como a colossal
quantidade de informação que desta última podemos extrair, que nos conduzirá à veracidade
das emoções sentidas. Como tal, a emoção corresponde a uma resposta
neuropsicofisiológica pulsional, espontânea e intensa que leva o organismo a provocar uma
acção. Simplificando, a emoção é um estado psicológico. Enquanto a expressão facial
consiste numa actividade neuromuscular através da qual mensagens e sinais são emitidos
(Freitas-Magalhães, A., 2011b).
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De referir, que a definição de emoção não é consensual, por ser um fenómeno
complexo e multidisciplinar, sendo que a diferença verifica-se através dos critérios de
duração, intensidade e frequência. Contudo, apesar da dificuldade em definir emoção, a
literatura certifica que a emoção envolve processos neuronais, motores e experienciais.
Neste sentido, a emoção surge como uma resposta automática, intensa e rápida, que pode ou
não ser consciente. A emoção surge como catalisador entre a conduta e o meio, sendo uma
preparação para a acção, por isso, a emoção desempenha um papel crucial no
desenvolvimento da aprendizagem, que nos permitirá lidar com futuras situações. Uma
emoção acontece ao nível dos estados mentais superiores, por isso, pode, em consequência,
manifestar-se em alterações psicofisiológicas. Por exemplo, quando reagimos a um estímulo
imprevisível ou que nos provoque medo, tal assume-se como consequência de um processo
psicológico. Assim sendo, não há interferência de elementos cognitivos na formação e
expressão de emoção, porque o ser humano reage instintivamente (Freitas-Magalhães, A.,
2011a).
A expressão facial humana advém de movimentos musculares que, por sua vez,
exprimem as emoções. O reconhecimento universal da expressão facial resulta de um
programa inato para cada uma das emoções básicas: a alegria, a tristeza, a cólera, o medo, a
aversão, o desprezo e a surpresa, que se expressam no rosto do indivíduo através de diversos
movimentos faciais que nos permitem fazer o reconhecimento das emoções. Por exemplo, a
alegria exprime-se através de um franzir horizontal em toda a face, o franzir da testa, a
elevação subtil da pele da testa e das sobrancelhas muito pronunciadamente, o subir das
pálpebras superiores ligeiramente, a contracção das pálpebras inferiores, a dilatação dos
olhos, sendo que estes ficam semicerrados e, por fim, a contracção das têmporas. Podemos
identificar a aversão através dos seguintes sinais: a testa franze para baixo, as sobrancelhas
descaem, as pálpebras superiores contraem-se horizontalmente e as inferiores elevam-se
tenuemente, os olhos ficam semicerrados, a raiz do nariz encorrilha para cima, as bochechas
contraem-se e sobem, a boca contrai-se para dentro e perpendicularmente e o queixo contrai-
se para dentro e para cima. Os movimentos faciais identificativos da cólera são sobrancelhas
descaídas, enrugamento salientado da testa, contracção das têmporas, olhos cerrados,
contracção da raiz do nariz, narinas dilatadas, contração para dentro da infra-orbital, boca
cerrada e queixo contraído. A configuração facial do desprezo traduz-se num queixo elevado
e uma parte do canto da boca elevada levemente. O medo é identificado pela elevação da
pálpebra superior, o queixo descaído, abertura da boca horizontalmente e elevação e junção
das sobrancelhas. A surpresa surge na face através dos olhos e pálpebras semi-abertos, a raiz
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do nariz encorrilha, as narinas dilatam, as bochechas elevam-se, a boca abre em forma de
elipse e o queixo eleva-se. A emoção da tristeza verifica-se pelas sobrancelhas descaídas e
mais juntas, as pálpebras superiores descaem e as inferiores contraem-se fazendo um
movimento para baixo e na horizontal, as narinas contraem-se num movimento descendente,
a raiz do nariz encorrilha bastante para baixo, as bochechas não se movem, a boca fica
fechada, e contraída e o queixo tenso, podendo até franzir (Freitas-Magalhães, A., 2011b).
Na expressão facial das emoções destaca-se principalmente a utilização dos seguintes
músculos: Frontalis, Orbicularis oculi, Zigomaticus major, Nasalis, Orbicularis oris e
Mentalis. Deste modo, são as expressões faciais que espelham os estados emocionais e
ajudam a produzi-los, de acordo com a teoria da hipótese da retroacção facial, defendida por
Paul Ekman. Os músculos faciais são assim utilizados pelo cérebro como apoio das
emoções. Todavia, por mais que o individuo procure ser coerente na sua expressão facial,
nem sempre isso é possível, pois é influenciado por variáveis moderadoras, como o género,
a idade e o contexto social. Além disso, por vezes, a expressão facial pode não revelar o
estado psicológico de quem a emite, como acontece com os indivíduos que pretendem
dissimular as suas verdadeiras emoções. Apesar das alterações do rosto, a identidade da
pessoa, através da expressão facial, é preservada, por isso se afirma que os indivíduos têm
uma assinatura facial, que funciona como uma impressão digital. Importa referir que a
análise da expressão facial centra-se em três partes significativas do rosto: a testa, os olhos e
a boca, por isso o rosto é o meio pelo qual o ser humano apresenta as suas emoções e os seus
sentimentos e que facilita a interação e aproximação entre os indivíduos em sociedade. De
igual forma, ao expressarmos emoções, contribuímos para uma melhor comunicação social,
na medida em que, de acordo com a emoção expressada, o outro indivíduo compreenderá
como deverá interagir connosco (Freitas-Magalhães, A., 2011a). Se não fosse possível
avaliar a expressão facial, seria uma difícil tarefa compreender as emoções manifestadas
pelo ser humano, porque o estado emocional só se manifestaria através de reacções de
natureza fisiológica, que só aparelhos sensíveis poderiam determinar como o aumento do
batimento cardíaco, a contração e tensão muscular, o aumento da respiração, tremores,
paralisação da digestão, alterações da condutibilidade eléctrica da pele e das ondas cerebrais
e dilatação da pupila do olho (Freitas-Magalhães, A., 2011a).
2. Macro Expressões e Micro Expressões
Durante a expressão de emoções e sentimentos, a expressão facial do indivíduo
apresenta macro expressões e micro expressões, sendo que as macro expressões têm a
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duração de ½ a 4 segundos, sendo notáveis no dia-a-dia, enquanto as micro expressões
duram menos de meio segundo e surgem quando o indivíduo procura encobrir, esconder ou
até reprimir aquilo que está a sentir, por isso as micro expressões não são instantaneamente
perceptíveis pelos outros indivíduos, a não ser que detenham um treino adequado que lhes
permita reconhecê-las. A intensidade das macro expressões é moderada e forte,
correspondendo aos códigos C a E no Facial Action Coding Sistem (FACS) e a intensidade
das micro expressões é de baixa intensidade, correspondendo aos códigos A e B no FACS
(Freitas-Magalhães, A., 2011b).
As macro expressões são consideradas expressões subtis e estão relacionadas com a
intensidade a que surge a emoção, ocorrendo apenas no início do processo de sensação da
emoção e surgem ainda em resposta a outro indivíduo num contexto de reduzida intensidade
emocional. Podendo observar-se uma forte interdependência entre o grau de identificação e
o reconhecimento das expressões subtis e o grau de detecção de mentira e de fraude. No que
diz respeito às micro expressões o tempo existente entre o seu aparecimento e posterior
desaparecimento situa-se entre os 0.5 segundos ou até menos, sendo frequente em 1/5 ou em
1/15 de segundo (Freitas-Magalhães, A., 2011b). De ressaltar que existem expressões que
envolvem a face total, ou seja, que utilizam todos os músculos faciais a um determinado
padrão, dos quais fazem parte a testa, os olhos, as bochechas e a face inferior. E expressões
faciais que envolvem todos os componentes associados e verificam-se apenas nas
sobrancelhas, ou olhos e bochechas ou face inferior (Freitas-Magalhães, A., 2011b).
A análise das expressões faciais pode ser realizada através de diferentes ângulos:
frontalmente, toda a face de frente, ângulo de ¾, num ângulo de 45 graus e de perfil ou num
ângulo de 90 graus. E pode ser avaliada ainda segundo a distância, ou seja, se esta for curta,
corresponde à interacção social entre indivíduos conhecidos e desconhecidos, caso seja
longa, corresponde à identificação da face em público ou a uma distância considerável
(Freitas-Magalhães, A., 2011b). Investigações recentes consideraram as expressões subtis
mais precisas e adequadas na detecção da mentira e da fraude em detrimento das micro
expressões, visto que, as expressões subtis apenas acontecem no início de determinada
emoção e em contexto de baixa intensidade. Ao identificar e ao reconhecer a uma expressão
subtil, o individuo está a identificar a emoção que o interlocutor exibe e as variações subtis
da expressão. Ao verificar uma micro expressão, ao indivíduo é requerido que verifique uma
expressão atestada de emoção visivelmente na face em ½ ou menos, sendo este um curto
espaço de tempo. Contudo, o facto das expressões faciais muitas vezes exprimirem emoções
mistas, torna necessário fazer uma selecção das micro expressões de forma a refinar as
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indiscrições faciais que contaminam a emoção verdadeira expressa, assumindo estas um
papel crucial na busca da veracidade (Freitas-Magalhães, A., 2011b). Desta forma, as macro
expressões e as micro expressões assumem uma forte correlação e assumem um papel
crucial na interpretação das emoções humanas.
2.1. Métodos e Técnicas para avaliar as Macro Expressões e as Micro Expressões
O reconhecimento da universalidade da expressão facial da emoção provocou a
necessidade de se criarem métodos e técnicas científicas que permitam avaliar os
movimentos faciais do ser humano (Freitas-Magalhães, A., 2011b).
Deste modo, surge durante os anos 70 o facial action coding system (FACS) que
permite a verificação dos movimentos musculares e ainda o Maximally Descriptive Facial
Movement Coding System (MAX) cuja função é a verificação dos movimentos musculares
mais relevantes na identificação e no reconhecimento das diferentes emoções partilhadas
pelo ser humano (Freitas-Magalhães A., 2012). Assim, para proceder ao estudo da expressão
facial é imprescindível analisar detalhadamente quer a face esquerda, quer a face direita do
rosto do indivíduo, bem como as zonas superior, média e inferior, porque o número de
expressões que a face do ser humano pode espelhar é incomensurável. Ainda no que se
refere à análise da expressão facial, no espaço respeitante ao laboratório são também
utilizados métodos e técnicas apropriadas, como é o caso do Psy7 Faces. Este é um método
que permite detectar expressões subtis e micro expressões. É um software inédito de
reconhecimento e de detecção da expressão facial da emoção, que pode ser aplicado em
diferentes domínios, como na justiça, saúde, segurança (biometria) e até educação, sendo um
contributo positivo para o indivíduo. Sendo que o Micro Expression Training Tool (METT),
que trata e desenvolve o estudo das micro expressões, permitindo a sua análise e
identificação, o Subtle Expression Training Tool (SETT) que permite reconhecer as
expressões faciais subtis e o SubX são plataformas que apoiam o treino de identificação das
emoções básicas. Todavia, o instrumento de medida mais utilizado na avaliação da
expressão facial é o Facial Coding Sistem (FACS). Sendo este um sistema de codificação da
actividade facial que possibilita uma medição rigorosa dos movimentos musculares da face.
O FACS possibilita a identificação das emoções em unidades de acção (AUs), e,
posteriormente, a categorização dos comportamentos apresentados durante a contracção
muscular, por isso, ao constarmos uma estruturação muscular, significa que estamos perante
uma unidade de acção. Essa estruturação avalia-se pela concordância, frequência e
intensidade do movimento facial e a sua aplicação pode ser realizada em contextos clínicos e
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sociais. A identificação e reconhecimento da expressão facial, através do Código de Ekman,
são também utilizados no diagnóstico de patologias, como a coronária ou a depressão, entre
outras. Defende-se assim que pelo facto de existirem inúmeras formas de expressão do
conteúdo das emoções básicas, há portanto perfis de alterações psicofisiológicas. Por
conseguinte, o manual disponível para investigadores, de 2002, faz referência às Action
Units 44 (AUs) que viabilizam a avaliação da expressão facial através de combinações
(Freitas-Magalhães A., 2012).
Conclusão
Em suma, podemos concluir que o indivíduo é um ser emotivo e as suas emoções são
fundamentais para a vivência em sociedade e para que o outro nos compreenda e saiba como
agir nos mais diversos momentos, moldando o seu comportamento de acordo com as
emoções que expressamos.
Contudo, o universo da expressão facial da emoção e o seu contributo em diferentes
domínios serão sempre objecto de discussão e análise, pelo facto de não se saber se as
expressões da emoção são realmente expressões e por serem um fenómeno de difícil estudo.
Todavia, apesar de ser uma tarefa árdua, é inegável o valor que a análise da expressão facial
tem e o quanto ela nos permite desvendar o mistério que é o ser humano. Como tal, o seu
estudo deve ser contínuo, apesar da sua complexidade, os seus benefícios e contributos serão
certamente maiores. De ressaltar, que no estudo da expressão facial da emoção, os diferentes
métodos e técnicas utilizados assumem um papel fundamental, que permitem uma análise
detalhada e rigorosa e têm um papel decisivo nas interpretações e conclusões efectuadas,
evitando que sejamos induzidos em erro.
A interpretação da face humana torna-se fundamental, na medida em que ajudará a
alcançar a veracidade das informações que o indivíduo revela e a conhecer o seu estado
psicológico, por conseguinte, o ser humano gozará de um maior bem-estar, o que realça uma
vez mais a utilidade em identificar e reconhecer os movimentos expressivos do indivíduo e a
sua riqueza.
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Referências bibliográficas
Freitas-Magalhães A., (2011). O Código de Ekman o cérebro, a face e a emoção. Porto.
Edições Universidade Fernando Pessoa.
Freitas-Magalhães A., (2011). A Psicologia das Emoções o fascínio do rosto humano-3ª
Ed. Porto. Edições Universidade Fernando Pessoa.
Freitas-Magalhães A. (2012). Facial Expression of Emotion. In: V.S. Ramachandran (ed.)
The Encyclopedia of Human Behavior, vol. 2, pp. 173-183. Academic Press.