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O paradoxo sobre as políticas de metas da segurança pública no estado do Paraná (2011-2013): o caso das UPS’s em Curitiba – Vladimir Luis De Oliveira (NPSSP-UTP)TRANSCRIPT
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O PARADOXO SOBRE AS POLTICAS DE METAS DA SEGURANA PBLICA NO
ESTADO DO PARAN (2011-2013): O CASO DAS UPS'S EM CURITIBA
Vladimir Lus de Oliveira
Orientadora: Prof. Simone Oliveira de Almeida
Resumo:
Procura-se discutir neste artigo as estratgias e as contradies na Segurana Pblica do Estado do Paran na
poltica de controle de Homicdios que redundou na criao das UPSs Unidades Paran Seguro no municpio de Curitiba. A nfase em modelos puramente repressivos serviu como guia em reas degradadas da cidade
marcadas pela anomia e pelas fragilidades das polticas sociais. A discusso principal est na anlise dos
resultados ao evidenciar um incremento dos homicdios em razo da constituio destas unidades criadas pela
Polcia Militar do Estado do Paran, com pouco ou nenhum relacionamento com outras esferas da administrao
pblica ou mesmo com a Polcia Civil do Estado do Paran.
Palavras-chave: homicdios; segurana pblica; UPS - Unidade Paran Seguro
THE PARADOX ABOUT THE GOAL-ORIENTED POLICIES CONDUCTED BY THE PUBLIC
SECURITY OF THE STATE OF PARAN (2011-2013): THE CASE OF THE POLICE UNITS (UPS'S)
IN CURITIBA
Abstract:
This article seeks to discuss the strategies and the contradictions of the Policy of Public Safety of the State of
Paran with respect to the homicide-control policy which resulted in the creation of UPSs Safe-Paran Police Units in the city of Curitiba. Emphasis on purely repressive models played a leading role in the run-down areas
of the city where anomy and insufficient social policies were notorious. The main issue is related to the result
analysis which showed an increase in the homicide rate derived from the creation of those units under control of
the Military Police of the State of Paran with little or no relationship with other Public-Administration areas or
even with the Civil Police of the State of Paran.
Key Words: homicide; Public Safety; UPS Safe Paran Unit
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1.0) INTRODUO
A questo da segurana pblica uma das discusses mais emblemticas do Estado
moderno que evidencia sinais de crise ao se considerar s demandas da ps-modernidade.
Possui uma dimenso pragmtica sob o aspecto do direito vida, aos costumes, ao
patrimnio, sobre a pacificao social e a manuteno da civilidade. Por outro, tambm
apresenta uma dimenso simblica, sob a perspectiva do jogo das representaes polticas,
psicolgicas e sociais. Sua anlise no se furta dimenso filosfica de nosso tempo, que
recorrentemente levanta a seguinte indagao: como ampliar a segurana sem produzir efeitos
deletrios sobre a liberdade do indivduo e da sociedade?
Na tica da sociedade, todos vivemos sob o imprio do medo, da insegurana. Do
outro lado, a sociedade brasileira possui aparelhos repressivos de segurana pblica que no
foram modernizados pelo esprito democrtico da Constituio de 1988, que no questionou o
modelo militar das polcias brasileiras e nem a necessidade da desburocratizao das polcias
judicirias mediante o fim do inqurito policial. Dada a manuteno desta lgica,
praticamente todos os dias, continuamente a presuno da inocncia colocada em risco,
contradizendo o esprito cvico do Art. 5. desta mesma Carta Magna. Estas estruturas tm
favorecido a corrupo, a violncia e a letalidade da polcia brasileira que pode ser
considerada como uma das mais altas do mundo1.
Dada a estas complexidades do tempo presente, justifica-se a pesquisa no campo da
segurana pblica devido a sua grande relevncia, apontada no apenas pela opinio pblica e
meios de comunicao, mas pela notoriedade que ganhou na agenda de diversos segmentos da
sociedade civil, setores empresariais e partidos polticos, identificando-se, portanto, como um
tema recorrente nas disputas eleitorais.
H duas polticas de segurana pblica que so referncia contnua na imprensa e na
opinio pblica: a poltica de controle de letalidade de homicdios dolosos (calculados com
base na abertura de inquritos policiais) e a criao das UPS's - Unidade Paran Seguro em
vrios municpios no Estado do Paran. Questiona-se o xito destas aes da Secretaria de
1 Segundo o ABSP Anurio Brasileiro de Segurana Pblica, as Polcias Estaduais Brasileiras mataram quatro
vezes mais que as polcias americanas e duas vezes mais que as polcias venezuelanas. A morte de pessoas pela
polcia maior no Brasil do que inclusive no Mxico e frica do Sul. Fonte: FBSP - Frum Brasileiro de
Segurana Pblica
Acesso em: Disponvel em: 23/09/2014.
Acesso em: Disponvel em:
20/08/2014.
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Segurana Pblica sob uma poltica de reduo de homicdios alimentadas quase que
exclusivamente por aes administrativas de policiamento e de outro lado, at que ponto
aes militarizadas puramente repressivas permitem reduzir a letalidade em bairros pobres e
tipicamente violentos, sem a interveno de outras medidas sociais de proteo social.
O foco da anlise ser os registros de homicdios dolosos em Curitiba nas reas das
UPSs. A primeira dificuldade so as contradies dos dados ao se confrontar as diversas
fontes. A fonte mais comum o DATASUS/MS. Os relatrios de Mapa da Violncia
presididos pelo socilogo Julio Jacobo Waiselfiz usam-na para comparar as taxas de
homicdios nos municpios brasileiros, uma vez que se aplicam os mesmos mtodos de coleta
em todo o territrio nacional.
A controvrsia destes dados que os registros do DATASUS no se aplicam ao
Sistema de justia criminal e estariam mais focados na contabilizao dos gastos na rea de
sade. Por isso, o Ministrio da Justia tem se esforado em desenvolver um sistema de
nacional de coleta de dados a partir das secretarias estaduais de segurana pblica,
denominado SINESP/JC - Sistema Nacional de Estatsticas de Segurana Pblica e Justia
Criminal. Os dados passam a ser alimentados pelas polcias civis e militares brasileiras.
A fonte definida para este estudo de caso partiu dos inquritos policiais abertos pela
Polcia Civil e que foram registrados como homicdios dolosos (com a inteno ou assumindo
o risco de matar). No Estado do Paran os inquritos passaram a ser cadastrados no SCOL
Sistema de Controle de Ocorrncias com Letalidade, criado em 2011, alm do sistema
SINESP/JC.
No SCOL esto cadastradas todas as mortes violentas que geraram a abertura do
inqurito policial e que foram tipificadas como homicdios dolosos luz do art. 18 (crime
doloso) e art. 121 (homicdio) do Cdigo Penal Brasileiro2. Estes inquritos, portanto, em
caso de xito na identificao de autoria e materialidade a partir das investigaes, estariam
aptos para subsidiar a abertura da ao penal presidida pelo MP - Ministrio Pblico.
Este artigo est dividido em 4 sees: na primeira seo, intitulada reflexes
tericas sobre a segurana pblica: a convergncia entre teorias criminais e o
autoritarismo busca-se apresentar um esboo terico em torno das discusses sobre modelo
criminolgico ambiental adotado pelas polcias, as polticas de metas segundo o paradigma do
new management e como estas estratgias adaptaram-se s heranas autoritrias do sistema
2Decreto-Lei n
o 2.848, DE 7 de dezembro de 1940. Disponvel em:
Acesso em: 05/10/2014.
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de polcia brasileiro, colaborando parcialmente para sua eficincia na busca de resultados. Na
segunda seo, sob o ttulo O problema da segurana pblica: como decifrar o enigma
procura-se evidenciar a hiptese norteadora do trabalho, ao apontar que a atividade policial
repressiva, pode desorganizar ainda mais os espaos das regies perifricas abandonadas pelo
Estado, favorecendo ainda mais a incidncia criminal. Na terceira parte A Segurana pblica
deriva e a falta de planejamento, tenta recuperar parte das decises polticas que em
termos discursivos defende o choque de gesto, mas que esvazia-se pela falta de
planejamento em termos prticos, configurando-se pela lgica do improviso em termos
estratgicos. Na quarta seo, A aplicao da anlise espacial e de tcnicas estatsticas nas
UPSs aplicam-se as tcnicas de anlise espacial de forma diversa a proposta pelo
environment criminology. A aplicao da tcnica como diagnstico aponta os efeitos
deletrios de uma policy exclusivamente repressiva em reas violentas no promovem ou no
atingem os objetivos estratgicos de reduo de homicdios. A aplicao de testes estatsticos
refora esta hiptese ao comparar os registros de homicdios dolosos entre 2011 e 2013 nos
territrios das UPSs. Nas consideraes finais, procura-se fazer um balano destes modelos
que se converteram num paradigma tipo exportao, mas que apresenta pouca efetividade,
mas atua positivamente como marketing poltico na formao da opinio pblica e no
mercado eleitoral.
2.0) REFLEXES TERICAS SOBRE A SEGURANA PBLICA: A
CONVERGNCIA ENTRE TEORIAS CRIMINAIS E O AUTORITARISMO
Zaverucha (2013) descreve o quadro da segurana pblica brasileira a partir de um grande
paradoxo: se de um lado h o crescente fortalecimento da participao da sociedade civil que
cada vez mais se faz presente diretrizes do Estado, do outro, temos o incremento da
militarizao nas foras de segurana pblica em plena democracia. As polcias militares
estaduais segundo o Art. 144 da Constituio, ainda que subordinadas aos governadores
estaduais, paralelamente esto enquadradas como foras auxiliares do Exrcito. Nas
democracias, somente em perodos de guerra as polcias tornam-se auxiliares das foras
armadas (ZAVERUCHA, 2005, p. 68-79). Considerando-se a herana Republicana dos
regimes autoritrios brasileiros, a maior parte sob a tutela de governos militares, o modelo de
polcia uma mquina repressiva do Estado Novo e do Regime Militar (1964-1985).
Ao se considerar as polcias civis brasileiras, os elementos autoritrios no so
menores. Uma polcia burocratizada, autoritria e baseada em prticas cartoriais sob os
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auspcios dos delegados de polcia que presidem os inquritos policiais.
O inqurito no se confunde com investigao e uma pea inteiramente inquisitorial e
no possui o princpio do contraditrio. Baseia-se quase inteiramente em depoimentos e no
processo de indiciamento dos suspeitos. Quem faz a denncia o MP - Ministrio Pblico.
Quando as provas no so suficientes, o MP reenvia o inqurito novamente para as delegacias
para a tomada de novas oitivas, estabelecendo-se novos prazos para o relatrio final desta
pea administrativa. Sua ambivalncia leva ao um fenmeno de "pingue-pongue" podendo-se
passar meses ou anos at que decida-se pelo seu arquivamento (MISSE, 2010, p. 9-18).
So duas corporaes em que cada uma assume uma parte do ciclo de polcia: uma
polcia ostensiva militar e uma polcia judiciria burocratizada e igualmente autoritria e
militarizada. Desde o PNSP - Plano Nacional de Segurana Pblica de 2002 do Governo Lula
vem se sugerindo aes de integrao entre as polcias e medidas administrativas
colaborativas por intermdio de polticas de metas e de atuao conjunta atravs da
constituio de AISP - reas Integradas de Segurana Pblica.
O que vem prevalecendo desde a criao da SENASP/MJ - Secretaria Nacional de
Segurana Pblica (Decreto 2.315/97) durante o Governo de FHC (1994-2002) so aes
articuladas de colaborao entre as corporaes sem alterar o paradigma repressivo alheios a
modelos de preveno.
As polticas de gesto das polcias so continuamente objeto de preocupao pelo
Governo Federal que procura aprimorar tecnicamente a construo de indicadores criminais
para os Estados e municpios, e assim monitor-los atravs do Ministrio da Justia.
Em termos polticos o Governo Lula-Dilma (PT), apresentou mais continuidade do que
ruptura com o Governo de FHC (PSDB). As parcerias entre Unio, Estados e municpios
apenas reforam estratgias de polticas tradicionais de policiamento, retroalimentadas e
reatualizadas com novas tecnologias e indicadores de ocorrncias policiais.
Os cursos de Anlise criminal se difundiram entre as polcias brasileiras, ganhando
notoriedade entre as polcias civis, militares e guardas municipais no Brasil. A matriz
epistemolgica e de formao doutrinria segue a concepo norte-americana de criminologia
ambiental, cuja referncia a Escola de Chicago e o modelo repressivo "Broken Windows".
A emergncia da criminologia administrativa enquanto novo paradigma policial,
associado aplicao de novas tecnologias de Gesto e de monitoramento dos espaos
pblicos, encontrou terreno frtil no crescente medo da violncia e da sensao de
insegurana pela sociedade brasileira, alheios a uma discusso sobre polcia e de segurana
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pblica uma sociedade democrtica deveria possuir.
As pesquisas de opinio diagnosticam temor e alienao, parecendo no haver sada para
um quadro desalentador. A CNT - Confederao Nacional de Transportes, por exemplo, em
pesquisa de opinio em agosto de 2014, 80,8% dos entrevistados acreditam que a Segurana
pblica ficar igual ou pior para os seis prximos meses (CNT/MDA Ago/2011).
A mdia tem tido um grande papel na disseminao da violncia orientando a opinio
pblica para a sensao do medo. Pesquisas em outros pases Sucia, frica do Sul e EUA
vem mostrando problemas semelhantes ao evidenciar a influncia da mdia na potencializao
do medo e da insegurana (ADORNO; LAMIN, 2008, p. 166). De acordo com Bauman
(2009, p. 37-43) as cidades que outrora foram criadas para gerar segurana aos cidados, hoje
esto associadas cada vez mais ao perigo, a necessidade a sistemas de segurana e a vigilncia
crescente aos locais pblicos. O medo levou a desintegrao da vida comunitria e a
mixofobia (medo de misturar-se). Afinal de contas, o senso comum maniquesta, sendo que
o controle da criminalidade visto como uma ao blica da luta do bem contra o mal (BELI,
2004, p. 33).
A panaceia para resolver os problemas da segurana pblica resumiu-se a um conjunto de
medidas etiolgicas, inspirado pelo programa "Tolerncia Zero" da Polcia de Nova Iorque.
Tal modelo se converteu num paradigma global na luta contra o crime (BELI, 2004, p.61;
WACQUANT, 2011, p.38-47).
Sua estratgia de reconquista dos espaos pblicos contra delinquentes reais ou
imaginrios, mendigos e pobres e sem-tetos e que exerceu grande influncia sobre o
eleitorado mdio americano residente em Nova Iorque (WACQUANT, 2011, p.38):
Segundo Arroyo:
En suma, la tolerancia cero es una ideologa sobre el delito que abreva de principios
morales y despliega una serie de conocimientos criminolgicos de carcter
gerencial. Tiene como objetivo demostrar que los ndices delictivos pueden ser
reducidos, demostrando que los argumentos de las teoras criminolgicas
convencionales - quienes consignan como causas de la delincuencia a factores
sociales estructurales como la pobreza, el desempleo o la estructura demogrfica de
la poblacin- son errneos y de carcter ideolgico.
Sob a administrao do Prefeito Giulliani em Nova Iorque na dcada de 90, a segurana
pblica se converteu numa guerra de nmeros. Uma falcia que se difundiu pelo mundo
devido pretensa reduo dos crimes envolvendo txicos. Segundo o relatrio de primeiro
semestre de 1999 referia-se muito mais a usurios de maconha e a pequenos traficantes que
alimentavam seu prprio vcio (WENDEL, CURTIS, 2002).
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A criminologia ambiental possui duas perspectivas: teoria da atividade de rotina e teoria
da escolha racional. Esta criminologia tambm chamada de criminologia administrativa.
Os princpios que norteiam a criminologia ambiental, alicerado na Teoria da Escolha
Racional, consideram que todo ser humano racional e que, portanto, toda ao humana
baseada num princpio hedonista, baseado em clculos meios e fins. Portanto, a rapidez e a
severidade da punio seriam as garantias da reduo das pulses humanas frente s prticas
delitivas. Da a necessidade da aplicao de tcnicas de neutralizao para impedir as prticas
do crime (CLARKE, 1997).
Acredita-se que, por meio da estatstica espacial possvel se antecipar e prever aes
criminosas e enfim preveni-las atravs de atividades de policiamento. Estas so ferramentas
bsicas da Teoria da atividade de rotina que est mais centrada no modus operandi do crime
do que no criminoso (COHEN; FELSON, 1993).
As atividades de policiamento privilegiadas por novos modelos no gerencialismo
policial, seriam, o policiamento comunitrio, o policiamento orientado para a resoluo de
problemas, ou ainda, o policiamento orientado inteligncia (RUEDIGER; AZEVEDO;
RICCIO, 2011).
Segundo um dos modelos que norteiam a ao da polcia, o princpio administrativo deve
se pautar pela anlise triangular do crime, identificar os nexos causais que do origem ao
delito para ento neutraliz-los, conforme quadro seguir:
FIG. 1 ANLISE TRIANGULAR DO CRIME
Fonte: CLARKE; ECK (2003).
O que d origem ao crime a presena do ofensor, uma vtima ou alvo e um lugar
desguarnecido. Neste sentido, a neutralizao do delito exige a presena de um gerenciador do
espao, cuja funo precpua da polcia, um supervisor, que pode ser um professor ou uma
liderana comunitria e um guardio, que pode ser segurana privada ou um sistema
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eletrnico de monitoramento. Segundo esta lgica, a segurana pblica apresenta imbrincadas
relaes de parcerias para impedir a presena do crime. Contudo, sobre a polcia que recai a
maior responsabilidade, cuja eficincia medida a partir dos indicadores criminais.
Por isso se faz necessrio a utilizao de ferramentas estatsticas e geoprocessamento
para favorecer o analista para diagnosticar as reas mais vulnerveis e que exigem das
polcias uma atividade mais intensiva de policiamento.
A deficincia deste modelo fortalece o conceito de polcia e de segurana pblica
enquanto agncias executoras de um policiamento meramente repressivo. Os exemplos
abundam no Brasil: BOPE, ROTA, UPPs, UPSs entre outras medidas que no se associam a
uma agenda estratgica que concilie aes de atividade policial com de polticas sociais e de
incluso.
As atividades de policiamento no Brasil no seguiam e ainda no seguem, salvo
rarssimas excees, a uma estratgia tcnico-operacional orientado por um planejamento
estratgico. Mediante as ferramentas de novas tecnologias, tem-se procurado substituir
atividades aleatrias por medidas estratgicas preditivas no controle do delito.
Este corolrio no alterou significativamente a presena do Estado nos bairros pobres
das grandes cidades, reduzidos a aes repressivas da polcia. A poder disciplinar do Estado,
portanto, alheio a medidas intersetoriais, transetoriais e colaborativas com outras agncias
pblicas, cujo foco esteja em polticas do espao urbano, sade, educao e ao social.3
No limite, h uma tmida colaborao entre as principais foras estaduais de segurana
pblica, ou seja, entre as polcias civis e militares brasileiras em seus respectivos Estados. No
Estado do Paran, as agncias de inteligncia como o DIEP - Departamento de Inteligncia e a
CAPE - Coordenadoria de Anlise e Planejamento Estratgico possuem funes residuais,
atendendo interesses especficos do Gabinete do Secretrio quando no as lideranas polticas
(dentro e fora da burocracia das organizaes de segurana) e que interferem com maior fora
nas organizaes policiais civis ou militares.
No faltaram tambm esforos de marketing poltico-institucional e at de produo
acadmica para legitimar as orientaes repressivas do Estado. No artigo intitulado Unidade
3 O Projeto Paran Seguro afirma que as instalaes das UPSs foram orientadas pela anlise de Inteligncia
Policial, ao identificar as reas com alta letalidade e trfico de drogas. Tambm afirma que a ao subsequente
criao destas unidades seria a oferta de servios pblicos, ao estas que no ocorreram a no ser
excepcionalmente, e no em razo do projeto da polcia. O mesmo questionamento pode ser aplicado ao sistema
de inteligncia sobre a criao das UPS, ao se comparar as concentraes de homicdios em Curitiba, como ser
demonstrado ao longo deste trabalho. O Projeto AIDC pode ser resumido mais como uma carta de intenes.
Fonte: Aes Integradas de Desenvolvimento e Cidadania nas Unidades Paran Seguro. Disponvel em:
Acesso em: 05/10/2014.
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Paran Seguro: uma abordagem inicial, Nogueira (2012) afirma que a criao das UPSs
espelhou-se no modelo das UPPs (Unidade de Polcia Pacificadora) do Rio de Janeiro, ao
tentar recuperar territrios empobrecidos dominados por traficantes. No entanto, apesar do
impacto inicial na reduo dos homicdios no bairro Uberaba em Curitiba, que passara de 25
registros entre janeiro e abril 2011 para 11 (-127%) entre janeiro e abril de 2012, alm da
queda dos crimes patrimoniais como furto (-25,8%) e roubo (-17,7%) no perodo, este quadro
no se manteve em perodos posteriores implantao. As polticas repressivas apresentam
num primeiro momento um impacto de choque, reduzindo crimes contra a pessoa e
patrimoniais num primeiro momento, mas retomam o crescimento passado alguns meses aps
a implementao.
Isto fica mais evidente ao se comparar as taxas de homicdios num perodo mais
prolongado. O bairro Uberaba, escolhido como projeto-piloto para implantao da UPS no
Estado do Paran, evidencia este fenmeno, pois as taxas de homicdios dolosos passaram de
20,81 hom./100 mil habitantes em 2011, para 29,14 hom./100 mil habitantes em 2012. Em
2013 a taxa se elevou para 36,08 hom./100 mil habitantes. Entre 2011/2012 o crescimento da
taxa foi de 40%.4
A racionalizao da coisa pblica por intermdio da burocracia uma herana
tipicamente weberiana. Max Weber analisou a militarizao da sociedade civil no sc. XIX na
Alemanha de Otto von Bismark que adotou o modelo militar s empresas e instituies em
nome da pacificao social e da preveno contra as revolues (SENNET, 2006, p. 26-31).
Racionalizao era sinnimo de previsibilidade, pois se vivia a militarizao do tempo social,
pois segundo Sennet "a burocracia parecia mais eficiente que os mercados".
O Estado capitalista fordista-keynesiano consolidou esta concepo militar de
planejamento ao seguir s orientaes das teses de Weber. Nem por isso o Welfare State aboliu
a democracia. Segundo Harvey (1989, p. 129) sob a esteira da ideologia fordista estimulou-se
produo em massa, o investimento pblico em setores estratgicos, e sistematizaram-se
polticas sociais e a defesa da poltica de pleno emprego.
No Brasil, a influncia keynesiana colaborou com a proposta do Estado
desenvolvimentista. Alheio democracia em sua maior parte, o desenvolvimentismo
brasileiro consolidou-se sob regimes de exceo controlados por governos militares.
4 Os dados de homicdios foram retirados do SCOL Sistema de Controle de Ocorrncias com Letalidade. As
taxas foram produzidas com base nos dados populacionais desagregados por bairros no site do IPPUC Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Disponvel em:
Acesso em: 05/09/2014.
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Nesta perspectiva, o Estado durante o Regime Militar (1964-85), ao contrrio do que
propunha o modelo weberiano, foi marcado por um centralismo burocrtico associado ao
patrimonialismo. Diniz (1999, p. 17) o qualifica como tendo com forte teor clientelista e com
baixa capacidade de implementao de polticas pblicas e organizacionais, fragmentao da
autoridade estatal e competies interburocrticas selvticas. A democracia fora alijada da
esfera pblica.
Fiori (1995, p. 105) relembra que a tecno-burocratizao foi associada a militarizao
progressiva da gesto estatal, marcado pelo abandono dos valores liberais e pelo fechamento
do sistema poltico e pela marginalizao da sociedade para qualquer atividade de
participao poltica.
Em termos de segurana pblica, prevaleceu uma estrutura burocrtica assentada na DSN
- Doutrina de Segurana Nacional e na criao no SNI - Sistema Nacional de Informaes
(Lei 4.341/1964) e no controle dos aparelhos de segurana pblica, cuja tnica foi marcada
mais pela racionalizao do medo, do que pela racionalidade tcnica baseada em indicadores
de desempenho, tendo em vista uma segurana cidad. Era indistinta a relao entre
Segurana pblica e segurana nacional.
Figueiredo (2005, p. 131) assinalou que o Chefe do SNI possua status de ministro, pois
reportava-se apenas ao Presidente da Repblica. As suas atribuies eram amplas e irrestritas,
como descreveu o Jornal da Manh:
(...) enquanto permite compreender, um cruzamento do FBI com a CIA. (...)
No Brasil o SNI reunir as duas atribuies (ou seja, atuar no campo
interno e externo). Far, como servio secreto, espionagem a contra-
espionagem (de qu?) e agir como polcia poltica federal, acima dos
Estados e acima do Congresso, porque este no poder fiscalizar-lhes as
atividades nem solicitar prestao de contas. um ministrio de Polcia
Poltica, instituio tpica do Estado policial e incompatvel com o Regime
Democrtico.
Os Militares tambm criaram, sob o regime do Exrcito, duas grandes armas de guerra: o
DOI - Destacamento de Operaes e Informaes e o CODI - Centro de Operaes de Defesa
Interna. Os primeiros cuidavam de operaes anti-subverso, podendo, prender, torturar e
matar, j os segundos, seriam centros de planejamento e coordenao, com assento no SNI e
nos servios secretos das foras armadas (FIGUEIREDO, 2005, p. 193).
A crise da segurana pblica do Brasil, decorre desta herana autoritria. No apenas
uma crise institucional quese resolva com aes modernizantes ao reatualizar os modelos de
polcia em vigor. preciso reformar radicalmente os aparatos de segurana, impondo ciclo
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completo, carreiras nicas e a supresso da militarizao e do inqurito policial5. preciso
abolir as ltimas estruturas da militarizao na segurana pblica, concebidas no contexto da
Guerra Fria e que sobreviveram no Estado Democrtico ps-1988. Precisa-se conceber um
novo policiamento para uma sociedade democrtica, em substituio ao atual modelo em que
as foras de segurana esto organizadas para uma poltica de Estado. Raws (2002, p. 4)
tivera sensibilidade ao perceber que leis e instituies, por mais eficientes e organizadas que
possam se apresentar, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas.
A trajetria brasileira para a democracia no operou mudanas significativas no sistema
de justia criminal edas policias. O que fez foi consolidar uma modernizao conservadora
por intermdio de um modelo globalizado, num momento em que assistia-se crise do Welfare
State nos pases centrais e a emergncia do Estado penal. Suas diretrizes eram as teorias
neoconservadoras e neoliberais de Estado mnimo associado a polticas criminais de Estado
Penal ampliado (WACQUANT, 2007).
Na Europa e nos EUA, a emergncia do Estado penal conservador tem elevado a
populao carcerria dos pobres e excludos socialmente. No Brasil, a populao carcerria
tem crescido significativamente, sem grandes efeitos sobre a queda dos indicadores criminais.
Segundo o relatrio do Mapa da Violncia publicado em 2014, a taxa de crescimento de
homicdios na populao jovem brasileira cresceu 8,5% no perodo 2011-2012. Os jovens (15-
29 anos) representam 26,9% da populao segundo o IBGE (2012), algo em torno de 52,2
milhes de pessoas. No entanto, o DATASUS/MS registrou 30.072 homicdios no Brasil em
2012, sendo que a populao jovem (15-29 anos) colaborou com 53,4% dos homicdios no
territrio nacional (WAISELFICZ, 2014, p. 37-42).
A taxa de encarceramentono sistema penitencirio,segundo o DEPEN/MJ, cresceu 9%
entre 2011-2012 ao passar de 471.254 para 515.482 detentos. Esta poltica de encarceramento
tem refletido no dficit de 211 mil vagas em 2012. Parte desta demanda corrigida
artificialmente por meio do encarceramento precarizado nas delegacias das polcias civis
5 Uma proposta que gerou grande efervescncia nas entidades de representao das polcias foi a PEC -51, uma
vez que coloca em cheque a diviso entre delegados de polcia e no-delegados, entre praas e oficiais das
polcias militares e, estabelece poder de polcia plenamente s guardas municipais. A razo desta polmica est
no seio destas proposies, ao definir como meta do Estado democrtico modernizar as polcias atravs da
desmilitarizao, criao de carreira nica e ciclo completo para as organizaes. Para uma anlise completa
sobre esta Proposta de emenda parlamentar proposto pelo Senador do Lindemberg Farias (PT-RJ)consultar:
SOARES, Luiz Eduardo.PEC-51: revoluo na arquitetura institucional da segurana pblica. Disponvel em:
Acesso em: 04/10/204. Consultar tambm o site do Senado sobre
o tema: Disponvel em: Acesso em:
04/10/2014.
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brasileiras. Neste corrente ano foram identificados 34.304 presos que cumprem penas nestas
dependncias (DEPEN/MJ, 2013).
As prticas de policializao e represso cada vez mais militarizadas (estratgia presente
em todas as foras de segurana) imprimem a ampliao da discricionariedadeno processo de
criminalizao da sociedade. A criao de leis cada vez mais draconianas6, em contramo aos
princpios da era dos Direitos como afirmou Bobbio, encontrou nas teorias criminolgicas
ambientais a identificao da represso policial enquanto sinnimo de cincia o fundamento
necessrio para a defesa da civilidade e das pessoas de bem. A gnese deste discurso no
est na emergncia do delito, mas na intolerncia. Como diria Bobbio, o preconceito deriva da
irracionalidade da no aceitao do diferente. Portanto, a linha de combate no est na
intolerncia, mas na discriminao seja ela racial, sexual ou tnica (2004, p. 187).
So estratgicas as concluses de Wacquant (2003, 2011) que enfatiza a criminalizao
dos excludos, e de Garland (2008) que se dedica a anlise do fortalecimento da cultura do
controle, mediante aes mais retributivas do que restaurativas das penalizaes em meio
crise poltica do Welfare State, dada a emergncia das ideologias neoliberais. No menos
importante, so as concluses de Zaffaroni em sua crtica ao sistema de justia criminal na
Amrica Latina, dado ao seu grande teor discricionrio e seletivo na aplicao das penas.
Silveira e Sanches (2012, p. 4), assim resumem as principais reflexes de Zaffaroni neste
sentido:
Vrias pesquisas sociolgicas, historiogrficas e oriundas da Criminologia Crtica
revelaram que o sistema penal no consegue conter a criminalidade nem
ressocializar o criminoso por meio da priso (instituio central dos sistemas penais
capitalistas). Por outro lado, apresenta um alto grau de seletividade, tanto na escolha
dos bens a serem tutelados pela lei penal, quanto no recrutamento da sua clientela.
Outro fator concorrente para a deslegitimao do sistema penal sua violncia
operacional, que na realidade faz com que criem mais problemas do que aqueles que
visa combater.
O modelo do sistema de justia criminal no Brasil, herana do Estado Novo (1937-
1945), e os aparelhos de segurana pblica de ideologia e prticas militarizadas,
6 O Jurista Luiz Flvio Gomes discute a falcia da reforma penal conduzida pelo Ministrio da Justia no Brasil
em 2013, alcunhando-a de populista-autoritria. O MJ, sob a gesto de Jos Eduardo (PT-SP) nao aceitara as
sugestes de juristas que apontavam a necessidade de despenalizao e reduo das penas para crimes de
pequeno potencial. Segundo o mesmo autor, as leis penais foram reformadas 150 vezes no Brasil entre 1940-
1913, sendo que 72% das vezes adotou-se o rigorismo penal. A consequncia foi um crescimento da populao
carcerria em 508% entre 1990-2012. Disponvel em: Acesso em: 04/10/2014. Uma crtica igualmente importante
sobre a reforma apareceu numa palestra do Prof. Juarez Cirino dos Santos no EMERJ Escola da magistratura do Rio de Janeiro intitulada A ideologia da reforma penal e publicada na revista EMERJ n. 60. Disponvel em: Acesso em:
04/10/2014.
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consolidaram-se no Regime Militar (1964-1985) pautado pelo modelo punitivo-retributivo.
Mesmo governos civis eleitos por sufrgio universal, a clivagem entre segurana e
democracia permanece indelvel.
Os sistemas policial e penal no Brasil so orientados para controle dos riscos e
desordem, alheio aos princpios democrticos dado ao seu carter militarista e burocrtico-
autoritrio. Por outro lado, os sistemas prisionais no Brasil vm evidenciando as dificuldades
em se adotar medidas cautelares que inibam ou desestimulem a violncia.
O agravo e a desumanizao do sistema de justia criminal no Brasil ganharam um
novo captulo com a organizao do crime. Hoje observa-se a organizao de faces
criminosas7 nas prises brasileiras, que procuram sistematizar atividades criminosas dentro e
fora das prises.
3.0) O PROBLEMA DA SEGURANA PBLICA: COMO DECIFRAR O ENIGMA
A questo da criminalidade envolve uma rdua discusso, sobretudo, devido
tradicional dicotomizao simplificadora entre fatores endgenos e exgenos da
criminalidade. Costa (2004, p.148-152) destacou que a literatura criminal concentrou sua
anlise nestes dois fatores ao deduzir que a raiz da criminalidade devia-se em primeiro lugar,
a um fator estrutural, ao envolver pobreza, excluso social e desigualdade econmica. Um
segundo fator (embora no subordinado ao primeiro), enfatizaria questes individuais, ao
apontar para causas biolgicas, psicolgicas e culturais. O problema destas explicaes est
na sua relao com o papel dos aparelhos repressivos de segurana. Pesquisadores ou
ensastas que utilizam uma perspectiva estrutural, consideram que as polcias cumprem um
papel secundrio e ineficiente, seno agravante no controle social. Para aqueles que adotam
uma perspectiva mais individualizada do crime, aceitam o princpio de que medidas mais
repressivas so fundamentais para o controle e a pacificao social. O problema deste
diagnstico que no leva em conta a dimenso relacional do fenmeno criminal. E quanto
aos estruturalistas, no compreendem a importncia da polcia como uma fora pblica que
pode permitir a manuteno nos espaos pblicos e da esfera pblica e o respeito aos direitos
individuais e coletivos.
No Brasil, a dificuldade ampliada porque o art. 144 da Constituio Federal manteve
estruturas institucionais das polcias quase que integralmente similar aos regimes autoritrios
7 ADORNO, Srgio; SALLA, Fernando. Criminalidade organizada nas prises e os ataques do PCC. Estudos
Avanados, So Paulo , v. 21, n. 61, Dec. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 24/09/2014.
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que o antecederam, sem efetuar grandes mudanas neste segmento com o advento da
democracia. A cultura das organizaes policiais ainda permanece mais calcada no Cdigo
Penal do Estado Novo (1940) do que no Art. 5 da Constituio Brasileira de 1988.
Um exemplo desta herana autoritria est na poltica de drogas que segue o conceito
de guerra segundo o modelo americano (SOARES; GUINDANI ,2014).
As polticas pblicas de segurana pblica so majoritariamente responsabilidade das
UF's - Unidades da Federao e recaem predominantemente sobre duas corporaes: as
Polcias Civis, que tm funo investigativa e que possui prticas cartoriais e as Polcias
Militares, que tem a misso preventiva e repressiva. Esta possui uma estrutura militar e possui
uma legislao prpria, orientada pelo RDE - Regime Disciplinar do Exrcito. Nenhuma das
polcias possui ciclo completo e esto subordinadas a seus respectivos comandos. Esta
complexa diviso do trabalho de difcil grau de colaborao, marcado pelas tentativas
incuas de planos estaduais e da Unio que buscam estabelecer integrao e parcerias entre as
polcias. Mas o que se v so quase sempre situaes cada vez mais individualizadas,
descontnuas e sobrepostas entre as organizaes de segurana, que concorrem cada vez mais
em disputas que envolvem projees polticas e distribuio de recursos pblicos.
Ambas as polcias so autoritrias em suas gestes e nas suas relaes com seus
quadros e com a sociedade. Este perfil ideolgico pouco afeto democracia, tem influenciado
e orientado as polticas estaduais de segurana pblica para modelos predominantemente
repressivos (alheio represso ttica qualificada) e em detrimento de aes preventivas, e
desarticuladas das polticas intersetoriais de proteo e de incluso social. Portanto, questiona-
se: at que ponto as UPS's se concretizaram numa ao estratgica da segurana pblica
para a reduo de homicdios dolosos, num contexto em que se busca um modelo
democrtico de segurana cidad?
A represso recai sobremaneira sobre a juventude historicamente estigmatizada por
sua condio social, geogrfica e racial que vive nas periferias dos grandes centros urbanos. A
estratgia repressiva, segundo Moraes (2006) segue uma lgica extremamente autoritria
baseada na militarizao da polcia e na policializao da sociedade.
A questo, portanto, estaria em medir at que ponto as aes estratgicas da segurana
pblica, no controle de homicdios e crimes patrimoniais, como furtos e roubos, viriam ou no
reforando este processo de estigmatizao, ou inversamente, representariam uma ao
estratgica para conteno de crimes violentos.
H que se considerar, todavia, que as relaes de violncia nas regies perifricas no
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so produzidas de forma exclusiva pelas polcias. No raras vezes, a interveno policial se
faz pela prpria exigncia das comunidades imersas que esto numa rede de violncias, que
redundam por aes de conflito direto entre as partes sem a mediao do sistema de justia
criminal. Dados preliminares de estudos de vitimizao em Curitiba-PR, alertam que apenas
12,5% das vtimas de crime sexual, 20% de agresso fsica, 32% dos furtos e 41% de roubos
so noticiados s polcias.8
A presena da polcia militar em reas especficas tende em aumentar os registros de
crimes patrimoniais, dada alta subnotificao. O que no se espera a priori que registros
de homicdios dolosos apresentem um incremento significativo, pois a chance destas
ocorrncias entrarem nas cifras de subnotificaes remota, pois envolve uma srie de
registros em diferentes estruturas do Estado, ao mesmo tempo que envolve a abertura de uma
ao pblica incondicionada presidida pelo MP-Ministrio Pblico.
Portanto, para alm de questes individuais ou mesmo estruturais, a nfase desta
reflexovisa compreender a interveno institucional da polcia na desorganizao dos
espaos. A busca de territorialidades de controle tem levado ao descontrole ainda maior do
nmero de homicdios.
Uma das consequncias mais imediatas foi a colocao em xeque da mxima que
sustenta quanto maior o nmero de policiais menores so os indicadores criminais. Esta
premissa fora questionada com reticncia por Claudio Beato ao afirmar que no haveria
evidncias cientficas que pudessem dar sustentabilidade a esta ideia. A greve de polcias
poderia at aumentar crimes patrimoniais como em Helsinque em 1944, e pela ocupao
nazista em Copenhagen (BEATO FILHO, 1999, p. 9). Estes exemplos, porm, seriam casos
excepcionais decorrentes de um quadro de profunda anomia social.
H tambm, as teses da criminologia crtica. Para Juarez Cirino dos Santos quanto
maior a represso maior sero os crimes, cuja consequncia uma maior reincidncia
criminal decorrente da ao discricionria da polcia (SANTOS, 2012).
A base autoritria e criminalizadora das polcias, consubstancia-se nas lgicas
militarizadas, burocratizadas e persecutrias do inqurito policial e no modelo de
policiamento puramente repressivo, cuja tnica estaria mais na defesa do Estado do que da
sociedade.
A hiptese sugerida neste trabalho varia sensivelmente dos trabalhos anteriores. Ela
8 Relatrio da Pesquisa de Vitimizao na cidade de Curitiba. CRISP/SESP-PR: Curitiba, Agosto/2006.
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sustenta que estratgias repressivas, aumentam o crime de homicdios em vez de promover
sua reduo. A proposta do novo gerencialismo policial, que encontrou espaos de
legitimao na criminologia administrativa/ambiental e tambm na difuso da cultura do
management9 para as organizaes de segurana pblica refora o modelo repressivo. H
uma srie de utopias do Estado Penal que alimentam este projeto: uma leitura seletiva da
filosofia beccariana dezoitocentista que sustenta que a certeza da punio que garante a
preveno dos delitos (BECCARIA, 2003, p. 78). Equvoco rotineiro no senso comum da
cultura policial, pois no cabe a ela a aplicao da justia. A outra est na criminologia
administrativa, que enfatiza o papel da polcia repressiva como estratgia central no controle
dos delitos.
De qualquer maneira, as polcias juntamente com a Justia, cumprem um papel central
na legitimao da ideologia penal conservadora, marcada pelo carter defensivista-
periculosista. Esta viso, que senso comum entre os operadores do direito e entre os
operadores de segurana pblica, glorificam a funo normativa das prises. Segundo
Andrade (2012, 43 min 53%):
Entra assim, para a histria do ocidente um grande mito, o mito da ressocializao,
da recuperao do delinquente por intermdio da priso, um mito que nunca mais sai
de cena: est fundada uma das maiores e mais resistentes mitologias do mundo
ocidental. Doravante, a pena de priso se justifica e se legitima em nome da
retribuio, da preveno geral e da preveno especial; ela tambm ser vista como
um signo de evoluo e de progresso porque se v na priso um mtodo humanista
que significou um progresso em relao s punies supliciadoras no mundo
medieval.
O efeito desta reflexo induz a compreender que segurana pblica obtida quase que
exclusivamente atravs da gesto territorial de policiamento. Como consequncia, as
representaes do sistema penal converteram as utopias de segurana em distopias da
represso, em plena contraposio emergncia do mal estar na ps-modernidade em que
indivduos anseiam pela liberdade e autodeterminao.
No cabe negar a necessidade de uma gesto mais profissional na esfera da segurana
pblica, at porque as carncias so visveis neste segmento, mas, o questionamento pode se
colocar sobre a forma em que se apresentam como um substitutivo ad hoc participao e
controle social das policiais pela sociedade civil. Esta a chave daproposta de modernizao
conservadora ps-regime militar. 9 Nas dcadas de 80 e 90 emergiram diversos modelos gerenciais do setor privado que buscavam influenciar a
gesto da administrao pblica. Dentre seus elementos mais significativos, destacam-se: a crtica s
organizaes burocrticas, a valorizao da cultura do management e, a converso de tcnicas e prticas da
administrao em modismos gerenciais. (PAULA, 2011, p. 53-54)
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No se pode afirmar neste estudo de caso que a letalidade aumenta em razo da
presena da polcia, porque isto exigiria uma pesquisa muito mais exaustiva de investigao
em torno dos inquritos policiais, trabalho incuo pois sabe-se que a Delegacia de Homicdios
no consegue identificar nem 10% da autoria destes delitos no primeiro ano em que estes
eventos ocorreram10
. O foco aqui mais especfico. Afirma-se que polticas pblicas
militarizadas e puramente repressivas desorganizam o espao, produzindo conflitos com ou
sem a polcia, mas em razo da sua presena orientada para a atividade belicosa.
Em termos gerais, a presena da polcia atravsde aes repressivas sema mediao de
outras formas de interveno orientadas para a pacificao, pode estimular ainda mais os
conflitos entre delinquentes e a polcia, aumentando a violncia e a letalidade. Pode ainda
acirrar conflitos ou colaborao entre diferentes grupos delinquentes, ou mesmo ainda,
estimular a violncia dos delinquentes sobre potenciais vtimas. Todos estes efeitos tem como
consequncia a elevao do nmero de mortes violentas11
.
A tentativa de explicar este fenmeno da criminalidade na periferia de grandes centros
urbanos j foi objeto de intenso debate na criminologia. Sutherland (1883-1950), socilogo da
escola de Chicago, ao conceber a teoria da organizao social diferenciada (ANITUA,
p.491) observa que nos bairros violentos dominado por gangs juvenis, longe de no haver
regras, havia regras especficas que davam o tom da subcultura da violncia. Conforme
explica Anitua (2008, p.492):
O comportamento delitivo no determinado geneticamente, nem produzido por problemas de
personalidade, e nem pela pobreza. Trata-se sim de um comportamento aprendido por meio do contato
diferencial.(...) O princpio do contato diferencial indica que uma pessoa se converte em delinquente
porque em seu meio h mais definies favorveis em infringir a lei.
A presena da polcia pode ensejar a disputa territorial por novos espaos entre os
delinquentes e pode em alguns casos deslocar acerto de drogas de usurios endividados para
reas circunvizinhas que possuem menor vigilncia.
10
Foi o balano preliminar da DH Delegacia de Homicdios Curitiba relativo aos homicdios em que foram identificados a autoria. Em Minas Gerais, apenas 15% das ocorrncias de homicdios foram encaminhados
Justia. (MISSE,2010, p.128). Segundo o CNMP Conselho Nacional de Ministrio Pblico apenas 20% dos inquritos converteram-se em Ao Penal. Como o programa Meta 2 do ENASP Estratgia Nacional de Justia e Segurana Pblica, promovido pelo Ministrio da Justia, este nmero melhorou sensivelmente. Em 2009, os
inquritos que se converteram em ao penal no Brasil foi de 37%. No entanto, extremamente baixo ao se
comparar com os dados internacionais Este percentual de 65% nos Estados Unidos, no Reino Unido de 90%
e na Frana de 80%. Disponvel em: Acesso
em: 05/10/2014. 11
Dos 531 homicdios dolosos registrados em Curitiba em 2013, dentre os fatores dominantes estariam: 51,41%
resultou de conflito com drogas, 14,31% rixa e 11,49% por motivo de vingana. Fonte: SCOL/SESP-PR. A
morte de policiais outro legado das atividades de represso. A taxa no Brasil de 143,3 mortes por 100 mil
habitantes entre 2010-2012 entre policiais militares. A taxa de policiais civis de 60,64 mortes por 100 mil
habitantes. So diversos fatores que alimentam estas taxas: treinamento para o confronto, embate com gangues e
delinquentes armados, condies dos armamentos e estratgias inadequadas para a ao (ABSP, 2013).
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4.0) A SEGURANA PBLICA DERIVA E A FALTA DE PLANEJAMENTO
Desde que o PSDB assumiu o governo do Estado do Paran em 2011 at o fim do
primeiro mandato, apesar dos discursos sobre choque de gesto12, manteve a tradio de
partidos e coalizes partidrias anteriores e no se preocupou com a elaborao formal de um
planejamento estratgico de segurana pblica. O mximo de interveno no campo do
planejamento foi a elaborao do PPA em 2012-201513
. Nele aparece a inteno de reduzir os
homicdios do Estado. O parmetro adotado foi a mdia de homicdios dolosos dos Estados
do Sul. Valor arbitrado sem o mnimo de fundamento tcnico, pois as realidades regionais so
muito distintas entre si bem como o sistema de coletas de dados sobre homicdios.
A completa ausncia do planejamento, a lgica do improviso e a falta de uma
epistemologia criminolgica crtica que possibilitasse nortear o debate sobre a violncia, tem
reforado diferentes esferas governamentais, seja em termos nacionais, regionais ou
municipais, a propostas de senso comum sobre a conteno da violncia.
A criao da UPS Unidade Paran Seguro foi um projeto tardio concebido pelo
comando da Polcia Militar, com uma tentativa de resposta em reduzir homicdios em meio ao
vazio de proposies para este objetivo. No tem por base as diretrizes estratgicas da SESP-
PR e muito menos as orientaes do PPA (2012-2015).A concepo de UPS sequer aparece no
Plano Plurianual do Governo do Estado do Paran.A ausncia de direo clara na Secretaria
ficou configurada no quadro de sucesses da pasta que, num perodo de menos de 4 anos,
experimentou a gesto de trs secretrios distintos com pouca ou nenhuma experincia sobre a
segurana pblica estadual. Na ausncia de projetos organizados e consistentes, o Cel.
Roberson Luiz Bondaruk, ento comandante da PMPR, concebeu o projeto Nereu14 que deu
12
A ideia de Gesto Pblica para Resultados ou choque de gesto est recorrentemente presente nas administraes do PSDB Partido da Social Democracia Brasileira, sendo o marketing do partido. Estas terminologias encontram-se recorrentemente no plano Metas de Governo (2011-2014) do ento candidato ao Governo do Estado em 2010 Beto Richa. 13
O Plano Plurianual do Estado do Paran (2012-2015) apresenta oficialmente o programa Paran Seguro, responsabilizando as Polcia Civil e Militar para a reduo de homicdios. A taxa dos homicdios dolosos no
Estado do Paran em 2010 era de 30,4 hom./100.000 hab. A meta estaria em reduzi-la para 21,5 hom./100.000
hab at 2015. O critrio utilizado no foram programas especficos para a reduo dos crimes violentos, mas sim
uma mdia matemtica com base nos dados dos Estados da Regio Sul do Brasil (PR-SC-RS) cuja taxa estaria
em 20,4 hom./100 mil hab.. Para maiores detalhes, consultar : PARAN. Acompanhamento do Plano Plurianual
(2012-2015). SEPLAN-PR - Programa Paran Seguro PROGRAMA-13. p. 131. Disponvel em: Acesso em: 01/10/2014. 14
O Projeto Nereu nasceu da ideia da criao de territrios de pacificao similares ao menos em parte a
experincia das UPPs nas favelas cariocas. Segundo uma lenda reproduzida continuamente dentro da corporao da PMPR, o nome deveria ser Prometeu pois havia a metfora da ideia de trazer o fogo sagrado dos deuses aos homens o que lhe dera o poder da inteligncia e da razo. BRANDO (p. 174-178). Nereu, no
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origem s UPSs. Buscava-se atravs da criao destas unidades alguma notoriedade poltica
tmida presena do Estado em termos de inovao na Segurana Pblica.
Aes de integrao e participao com outras esferas da administrao no foram
concebidas. O contexto poltico da criao das UPSs foi elaborado em meio a uma acirrada
disputa eleitoral municipal em Curitiba, em que aes desta envergadura, espelhadas modelo
de UPP15
Unidade de Polcia Pacificadora do Rio de Janeiro, que devido a notabilizao
adquirida na imprensa brasileira, foi exportado para vrias UFs Unidades da Federao
incluindo-se o Estado do Paran.
A criao de territrios de pacificao segue uma lgica tradicional da teoria do
Estado Moderno. Revela uma instrumentalizao da concepo weberiana de Estado ao
admitir a coao da fora legtima exercida em um determinado territrio (WEBER, p. 525,
2009, v. 2). Envolve tambm uma edificao de uma determinada territorialidade, muito
particular, descrita por R. Sack que advoga a tentativa de manter o controle sobre uma rea
bem como as coisas nela inseridas, ou as coisas que esto fora dela atravs da represso sobre
quelas esto em seu interior (HAESBAERT, 2009, p. 88).
5.0) A APLICAO DA ANLISE ESPACIAL E DE TCNICAS ESTATSTICAS
NAS UPSS
A pesquisa utilizou dados quantitativos com base nos dados oficiais da Secretaria de
Segurana Pblica do Estado do Paran. Paralelamente, a pesquisa utilizou fontes qualitativas,
com base na investigao documental e jurdica produzida pelo Estado ao longo destes quatro
anos (2010-2014).
Para fins estatsticos, adotou-se um modelo no-paramtrico Teste U de Mann-
Whitney para anlise dos indicadores criminais. Na anlise espacial, optou-se pelos
parmetros da criminologia ambiental (HARRIES, 1999).
A discusso parte da consideraoda facticidade da constituio dos indicadores, pois
os crimes de homicdios por serem de notoriedade pblica e envolverem a abertura de uma
ao pblica incondicionada, tornam-se relativamente reduzidas as possibilidades de
entanto, era um deus secundrio, retratado como um velho homem metamorfo, meio homem meio peixe e que
vivia no fundo do Mar Egeu. Sua habilidade estava em seus poderes profticos, metfora que no se encaixa bem
ao se falar em poltica pblicas de segurana. Fonte: Disponvel em:
Acesso em: 01/10/2014. 15
Diversas anlises crticas vem evidenciando o rpido esgotamento das UPPs aps passado meu momento de euforia e aprovao pblica. Ficou cada vez mais evidente e sua clara transformao em aparatos de controle das
populaes residentes nas favelas do Rio de Janeiro, o controle das classes perigosas. Ver: (CARVALHO, 2013; FLEURY, 2012).
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20
subnotificao.
Quanto produo dos mapas temticos de homicdios, foram produzidos dois
modelos:
a) mapa por ponto, indicando a localizao exata das ocorrncias dos homicdios
dolosos, tomando por base o arruamento e o nmero predial mais prximo do
delito registrado pelas polcias.
b) Mapa de densidade kernel, que uma forma no-paramtrica que busca estimar a
densidade de probabilidade da distribuio sobre os homicdios dolosos em
Curitiba no perodo analisado. O raio de projeo escolhido foi de 700m a partir do
ponto das ocorrncias. Por meio desta tcnica possvel localizar os hots spots e
manchas criminais de maior densidade.
5.1) Os homicdios dolosos nas Unidades Paran Seguro de Curitiba (2011-2013)
Ao total foram criadas dez UPS's em Curitiba: UPS UBERABA, UPS CAIUA, UPS
LUDOVICA, UPS NSL, UPS OSTERNACK, UPS PAROLIN, UPS SABAR, UPS
TRINDADE, UPS V. SANDRA e UPS V. VERDE. A diviso e as dimenses territoriais
foram arbitradas politicamente. No seguiram, a rigor, nenhuma metodologia de distribuio
criminal em reas mais vulnerveis. Mesmo as que foram criadas em bairros mais violentos,
os postos foram implantados em permetros menos problemticos. Algumas UPSs foram
criadas nas divisas entre bairros adjacentes, e em outros casos, foram criadas mais de uma
unidade por bairro.
Quando observa-se as manchas criminais de homicdios, fica claro a escolha poltica
do territrio. Algumas reas sequer estavam entre as mais vulnerveis: das dez Unidades
apenas quatro das reas acertadamente estavam entre as mais vulnerveis podemos apontar
para as UPSs do Parolin, Trindade, Ludovica, Vila Verde e Caiu. Os mapas a seguir
confirmam esta assertiva:
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MAPAS 1 E 2: REGISTROS DE HOMICDIOS NAS UPSS EM CURITIBA 2011
Fonte: Elaborado pelo autor
Fonte 2: SCOL/SESP-PR- Sistema de Controle de Ocorrncias com Letalidade
Nota: As fontes para a anlise estatstica foram o sistema SCOL - Sistema de Controle de Ocorrncias com
Letalidade que gerenciada pela CAPE/SESP-PR, cadastro criado para a Polcia Civil em que contabilizam-se
todos os inquritos policiais de mortes violentas do Estado do Paran. Para a produo de mapas temticos com
bases nos registros criminais foi utilizado o software ArcView 10.3.
A produo do mapa esquerda foi efetuada pela tcnica de Kernel considerando-se
uma projeo de 700m do epicentro das ocorrncias.O mapa direita foi efetuado por pontos
e visa identificar in loco cada uma das ocorrncias individualmente registradas pelas
polcias. Estes mapas foram produzidos considerando-se os homicdios dolosos que
ocorreram dentro e fora dos polgonos das UPSs. Os crculos em vermelho apontam as reas
de as UPSs seguiram o diagnstico da SESP-PR. As reas inseridas nos retngulos apesar do
grande nmero de ocorrncias, situado nos bairros da Fazendinha, Novo Mundo, Pinherinho,
Alto Boqueiro e Stio Cercado ficaram desassistidos pelo programa.
5.2) O Efeito do Gerencialismo Policial nas reas de atuaoProfiltica de
conteno dos Homicdios
Passados um ano entre criaes e intervenes iniciais, optou-se por avaliar as dez
UPS um ano aps a implantao das dez UPSs que ocorreram entre maro a outubro de 2012.
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MAPAS 3 E 4: REGISTROS DE HOMICDIOS NAS UPSS EM CURITIBA 2013
Fonte: Elaborado pelo autor Fonte 2: SCOL/SESP-PR- Sistema de Controle de Ocorrncias com Letalidade
UPS Trindade: em 2011 a mancha criminal era acentuadamente menor. Em 2013 ela
cobriu boa parte do territrio da UPS.
UPS Uberaba: comparando-se os mapas de 2011-2013 percebe-se que no havia
formao de uma mancha de registros de homicdios dentro do territrio, embora houvesse
nas adjacncias, no interior do Bairro do Uberaba. Em 2013 a mancha deslocou-se para dentro
do territrio de pacificao.
UPS Parolin: havia uma pequena mancha a noroeste da respectiva UPS. Com a
presena da Unidade, a macha deslocou-se para fora da UPS, na divisa dos bairros Rebouas e
Jardim Botnico, de forma mais intensa do que havia antes da presena da UPS.
UPS Ludovica: na anlise comparada entre 2011-2013 observou-se que no houve
interferncia na migrao criminal dos homicdios. No entanto, a mancha ficou mais intensa,
o que evidencia um aumento dos registros criminais nas proximidades setor. Isto fica claro ao
se comparar os mapas de homicdios por ponto entre os anos de 2011-2013 na divisa com a
respectiva UPS.
UPS Vila Verde: Havia uma forte mancha criminal neste territrio em 2011. Em 2013
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no se formou uma mancha criminal (hot spot) no setor e nem houve sinais de deslocamento
dos homicdios para outras reas.
As manchas criminais de homicdios presente nos bairros Stio Cercado, Alto
Boqueiro e Pinheirinho foram suavizadas. No entanto, estavam fora da rea da cobertura da
UPS Osternack e, portanto, no h indcios qualquer desta unidade na reduo dos delitos em
outros bairros.
5.3) Analisando os nmeros: a Estatstica dos homicdios dolosos nas UPSs
O quadro a seguir mostra a srie histrica no trinio (2011-2012-2013). Para fins de
comparao, foram selecionados os anos de 2011 e 2013. O ano de 2011 corresponde aos
registros de ocorrncias de homicdios um ano antes da implantao do projeto Nereu. A
escolha de 2012 foi desclassificada, porque as UPS foram criadas em perodos distintos.
Normalmente a criao do programa tem um impacto considervel nos trs primeiros meses,
voltando a condio de estabilidade ou a retomada dos registros criminais passada esta fase
inicial. O ano de 2013 tem a vantagem de ser um ponto da anlise do programa no momento
frio. Passada a euforia inicial, reflete o momento de estabilidade aps o impacto do programa
e que, portanto, h uma expectativa de variao menor nos registros criminais.
QUADRO 1 - HOMICDIOS DOLOSOS NAS UPS DE CURITIBA (2011-2012-2013) -
SCOL/CAPE/SESP-PR
Rnk UPS total/2011 total/2012 total/2013 var (%) 2013-2011
1 UPS UBERABA 1 4 9 800
2 UPS OSTERNACK 1 10 4 300
3 UPS TRINDADE 4 14 15 275
4 UPS PAROLIN 2 5 7 250
5 UPS NSL 1 3 3 200
6 UPS CAIUA 1 5 2 100
7 UPS LUDOVICA 2 2 3 50
8 UPS V VERDE 5 15 7 40
9 UPS SABARA 2 3 2 0
10 UPS V SANDRA 1 1 1 0
Total 20 62 53 165
Fonte: editado pelo autor
Fonte 2: SCOL/CAPE/SESP-PR
Numa anlise preliminar da variao estatstica bem impactante. A criao da UPS
levou a um crescimento de 165% dos registros de homicdios dentro de suas respectivas reas.
A UPS Uberaba apresentou um crescimento de 800% (passou de 1 para 9 registros). Em
-
24
segundo lugar ficou UPS Osternack de passou de 1 para 4 registros (300%), em terceiro ficou
UPS Trindade que pulou de 4 para 15 registros (275%) localizados nos polgonos das UPS.
Em quarto lugar, ficou a UPS Parolin de passou de 2 para 7 registros, perfazendo um
crescimento de 250%. Este crescimento no refletiu na anlise espacial da UPS, que
demonstrou o deslocamento da mancha para fora do polgono e no constituiu nenhum hot
spot na rea em questo. As nicas UPS que no foram identificados crescimento nos
registros de homicdios dolosos foram as UPS Sabar e UPS Vila Sandra.
5.4) Tratamento dos dados atravs da Estatstica no-paramtrica utilizando-se Teste
U de Mann-Whitney
Para aplicao da tcnica na anlise comparada entre 2011-2013 considerou-se as
seguintes hipteses:
H0: A criao de UPSs controlaram satisfatoriamente os homicdios dolosos em 2013.
H1: a criao de UPSs perderam o controle dos homicdios dolosos em 2013.
QUADRO 2- APLICAO DO TESTE U DE MANN-WHITNEY EM DADOS DE
HOMICDIOS DOLOSOS NAS UPSs EM CURITIBA (2011-2013)
2011 rank 2011
2013 rank 2013
1 1 3,5
6 1 3,5
2 1 3,5
10 2 9
3 1 3,5
11 2 9
4 1 3,5
12 3 12,5
5 1 3,5
13 3 12,5
7 2 9
15 4 14,5
8 2 9
17 7 17,5
9 2 9
18 7 17,5
14 4 14,5
19 9 19
16 5 16
20 15 20
soma ranks 75
soma ranks 135
Valor U1 = 80
Valor U2 = 20
U-valor crtico (tabelado)=26
P-value=0,02574
SE U
-
25
Com base no exposto anteriormente conclui-se que: Com p-valor de 0,02574
apresentam-se evidncias estatsticas suficientes para acreditar que as implantaes das UPSs
colaboraram para o descontrole do "aumento do nmero de homicdios dolosos". A chance
deste aumento ter sido ao acaso de 2,6%.
Concluso:
As UPSs foram mais uma das solues orientadas pela matriz gerencialista e
autoritria que no obteve os resultados almejados.O fator que impulsionou sua criao,
seguiu lgica casustica que comum na tradio brasileira. O fato que registrara-se mais
uma chacina com quatro mortos e quatro feridos no bairro Orleans em Curitiba em agosto de
2011. Foi este o contexto que se desenvolveu a ideia da criao das UPSs. Em termos gerais,
a SESP-PR afirma que vem conseguindo controlar os homicdios atravs da imposio de
uma poltica de metas16
. O fato que no houve grandes inovaes em termos de atividade
operacional nas polcias civis e militares, exceto pela criao da UPSs e mais tardiamente, foi
criado a Diviso de Homicdios em substituio a delegacia de Homicdios. Estas iniciativas
podem ser consideradas paliativas porque reafirmam uma misso para as polcias que est
para alm de suas capacidades que j so limitadas: o de conter a criminalidade com uma
presena mais repressiva. A poltica da polcia vem apenas reforando seus mitos,
pressionados pelos meios de comunicao que exigem respostas rpidas para problemas de
soluo de longo curso.
As polticas de metas e tecnologias de monitoramento tm uma importncia relativa.
Ainda que subsidiem as polcias no entendimento e na interveno do fenmeno criminal,
isoladamente no permitem reduzir a criminalidade. E, de outro lado, dissimulam uma
discusso mais profunda com a sociedade civil sobre a necessidade de reformas das polcias e
do sistema de justia criminal.
Esta concepo setorializada da administrao pblica na segurana, alimenta-se da
16
Segundo a poltica de metas o Governo do Estado do Paran estaria havendo uma queda contnua nos registros
de homicdios dolosos a partir dos registros de inquritos policiais. A variao nos dados do sistema DATASUS
no pde ser confirmada porque no esto disponveis para 2013. A variao da taxa de homicdios passou de
30,66 hom./100.000 em 2011 para 31,65 em 2012. Os dados da SESP-PR tambm indicaram uma variao
positiva de 28,40 hom./100.000 para 28,64 hom./100.000 entre 2011 e 2012. O marketing da reduo dos
homicdios aparece em 2013, ao apresentar uma taxa de 23,33 hom./100.000. A meta estabelecida para a reduo
seria de 24,33 hom./100.000. FONTES: 1) WAISELWICZ (2014) Disponvel em:
Acesso em: 05/10/2014. 2) CAPE/SESP-PR. Disponvel em:
Acesso em: 05/10/2014. Obs.: as taxas foram construdas pelo autor com base na projeo populacional do
IPARDES a partir dos dados do CENSO do IBGE de 2010.
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cultura do medo no apenas eleva os gastos com segurana, mas acima de tudo, desestimula
uma leitura sistmica dos problemas sociais do nosso tempo.
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