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1 SOCIEDADE DE CONTROLE ou ESTADO DE DIREITO ATUAL Vinício C. Martinez Bacharel em Direito e em Ciências Sociais, pela UNESP. Publicou livros e inúmeros artigos, é Mestre e Doutor em Educação (USP) e mestre em Direito (Faculdade Estadual de Direito – Jacarezinho-PR). RESUMO: O texto procura relacionar Sociedade, Estado, Política e Tecnologia. O que possa parecer futurista, no entanto, já são dados concretos de nossa realidade virtualizada. Afinal, as novas topologias da política estatal, que igualmente definiriam novas tipologias do Estado, só podem ser encontradas no presente: o futuro da política está na tecnologia presente. E também é por isso que somos produtos e produtores da Sociedade, intermitentemente. PALAVRAS-CHAVE: Estado, Política, Virtual, Tecnologias. SUMÁRIO: 1. Um Outro curso de Ciência Política; 2. Para Uma Outra Topologia Política; 3. Técnica e Política Reificada ou simplesmente retificada; 4. Para Além do Estado; 5. O toyotismo e o fim do panóptico; 6. Bibliografia.

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SSOOCCIIEEDDAADDEE DDEE CCOONNTTRROOLLEE

ou EESSTTAADDOO DDEE DDIIRREEIITTOO AATTUUAALL

Vinício C. Martinez Bacharel em Direito e em Ciências Sociais, pela UNESP. Publicou livros e inúmeros artigos, é Mestre e

Doutor em Educação (USP) e mestre em Direito (Faculdade Estadual de Direito – Jacarezinho-PR).

RESUMO: O texto procura relacionar Sociedade, Estado, Política e Tecnologia. O que

possa parecer futurista, no entanto, já são dados concretos de nossa realidade virtualizada.

Afinal, as novas topologias da política estatal, que igualmente definiriam novas tipologias

do Estado, só podem ser encontradas no presente: o futuro da política está na tecnologia

presente. E também é por isso que somos produtos e produtores da Sociedade,

intermitentemente.

PALAVRAS-CHAVE: Estado, Política, Virtual, Tecnologias.

SUMÁRIO: 1. Um Outro curso de Ciência Política; 2. Para Uma Outra Topologia Política;

3. Técnica e Política Reificada ou simplesmente retificada; 4. Para Além do Estado; 5. O

toyotismo e o fim do panóptico; 6. Bibliografia.

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SSOOCCIIEEDDAADDEE DDEE CCOONNTTRROOLLEE

Ontologia e significado

Chamaremos de sociedade de controle a presente fase do Estado Moderno

Capitalista. Trata-se do também chamado Estado de Direito, como sendo aquele tipo de

Estado que ainda se baseia na clássica divisão dos poderes, que tem a base jurídica

assentada no império da lei e na garantia fundamental dos direitos individuais –

especialmente o direito à propriedade.

Porém, aqui se apresenta uma estrutura técnica que tensiona e pressiona essa mesma

base político-jurídica, a ponto de provocar uma intensa insegurança jurídica. De modo

complementar, essa estrutura técnica de dominação se alastra mais baseada no rizoma do

que no panóptico, e isso implica que novas formas de dominação estão em pleno

movimento e gestação.

Por seu turno, a sociedade de controle, necessariamente, terá de arregimentar direitos

que provenham do ciberespaço – uma vez que o ciberespaço deve ser analisado como fonte

precípua de novos direitos e de nova consciência política. Neste momento também se

relaciona a Democracia Virtual, em que vigora o princípio democrático da livre produção

de mensagens políticas, exponenciando-se o próprio princípio da fractalidade:

multiplicação acelerada das mensagens sem direção política pré-definida, a exemplo da

multiplicação dos vírus de computador ou do flame.

Por isso, neste caso, estritamente sob o argumento jurídico, poder-se-ia falar de um

Estado de Direito Propositivo. Neste caso, a maior proposta ou promessa realizada pelo

próprio Direito, e não cumprida, seria a realização da Justiça Material (distributiva) ou

Justiça Social, porque simplesmente seria necessário construir o socialismo e assim romper

com os limites da propriedade (e do Direito) na atual fase do capitalismo - também aí se

apresenta a chamada função social da propriedade.

Portanto, hoje vivemos um dilema, um paradoxo que nos mantém atordoados e presos

em meio ao cipoal, entre o rizoma (novo) e o panóptico (antigo). Estamos na fase em que

nem bem nos livramos de uma forma de dominação/controle e já estamos gestando outra,

talvez, ainda mais marcante e complexa: porque é literalmente tecida por todos.

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Já a fase anterior, clássica, desse mesmo modelo de Estado Capitalista, quando

direcionado pelo sistema produtivo taylorista, era denominado de Estado Ciência ou de

Estado Indústria.

Anteriormente, dominava-se a força de trabalho para se liberar ainda mais a força de

produção. Não que hoje seja muito diferente ou que seja diferente em tudo, mas é que além

desse efeito tradicional do Estado Moderno Capitalista (dominação/expansão), está em jogo

uma outra força, a que chamaremos de força-potência (ou simplesmente virtual) e que se

expande pelos caminhos da rede e não mais pelo controle da força em si – que pode ser a

própria força produtiva.

Neste sentido, ter-se-ia um controle das forças produtivas em rede, uma vez que a

força produtiva se movimenta, agita-se, porque a tônica agora é o movimento contínuo,

permanente (não a estocagem ou represamento dessas mesmas forças). Hoje, no Estado de

Direito Atual, a rede abriga o just-in-time ou o dead-line.

De certo modo, quem pode (se é que se pode) dominar essa potência, o virtual, o

imaterial, poderia fechar o cerco, o ciclo de dominação, pois que agora também o espírito

produtivo passaria a ser dominado. Aqui estamos no reino do trabalho vivo (descrito por

Marx), propositivo, criativo. Em outros termos, equivale controlar não só a produção

material da vida, mas também os sentidos da vida.

Em termos políticos é como tecer uma rede de dominação e de controle lastreada

tanto pela virtú, quanto pela fortú, pois o acaso, o imponderável, o impensado (que nos vêm

pelo princípio da serendipidade) agora também servirá ao controle.

Esta outra incontinência tecnológica (a base tecnológica sofre pequenas revoluções

periódicas) produz muita entropia social e cultural, o que também acelera a insegurança

jurídica.

Enfim, este, agora, seria o foco, o cerne do modo de produção – trata-se de dominar

mais as almas do que os corpos (de que fala Foucault), talvez mais a energia propulsora do

empenho (porque pode ser renovada constantemente) do que o desempenho (medido

apenas naquela unidade de produção ou de consumo), exatamente porque o primeiro se

renova e o segundo se esgota ou se consome. Mas, de qualquer modo, não se estoca mais o

sonho, nem os projetos ou as promessas.

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UUMM OOUUTTRROO CCUURRSSOO DDEE CCIIÊÊNNCCIIAASS SSOOCCIIAAIISS

Em se tratando de um contexto mais amplo ou seguindo-se um plano de ensino – a

fim de analisar mais detidamente o assunto – pode-se dizer que seria preciso aprofundar

alguns elementos. Neste caso, poderíamos tratar o assunto da seguinte forma:

1º) O Estado Moderno e o capitalismo – as bases do pensamento político e jurídico

clássico: o Estado Moderno, o Estado Liberal e o Estado de Direito - por exemplo, em

Bobbio;

2º) O controle social do capital no atual estágio do Estado Moderno Capitalista - a

crítica marxista de Mészáros;

3º) Do trabalho essencial, como fator material de produção, ao trabalho imaterial.

Assim teríamos um caminho da crítica marxista clássica às proposições de Antonio Negri;

4º) A crítica à linha evolutiva clássica: da certeza do Leviatã, à descontinuidade e à

fractalidade. Por exemplo, um debate entre Pierre Lévy e Anthony Giddes. Porém, a

intenção do texto é discutir as bases da topologia política nos dias atuais e ajudar a pensar

se já nos encontramos numa fase para além do Estado – ou não. E se já estamos para além

do Estado, o que isto quer dizer? Veremos essa questão em praticamente todo o artigo, mas

mais precisamente na última parte.

PPAARRAA UUMMAA OOUUTTRRAA TTOOPPOOLLOOGGIIAA PPOOLLÍÍTTIICCAA

O que é topologia política?

Inicialmente, vamos pensar que se trata do lugar-comum da política. Depois, veremos

que se trata de um conceito bem mais elaborado e complexo, tal qual o mundo moderno.

Há uma nova (ou outra) topologia política e, portanto, novas (ou outras) tipologias de

Estado que passaram a ser possíveis. Hoje lidamos com realidades não-materiais, ou seja,

virtuais e não totalmente estruturadas.

Diante desse admirável mundo novo criado por tecnologias tão refinadas, pode-se

dizer que somos produtos ou produtores do Estado?

Curiosamente, contraditoriamente, a sociedade em rede (do rizoma) é a mesma que

produz os platôs de alienação, a mesmice que nos coloca todos atachados, anexados a

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outras mensagens políticas formuladas sem a nossa participação e é bem possível que sejam

as mais relevantes para nossa vida civil e política.

Desse modo, essa sociedade global, sociedade de controle, sociedade das coisas e

tantos outros nomes já recebidos, produz uma dinâmica social em que serpenteamos em

meio a incertezas, em que o poder corrompe pela sedução (com-rumpere: esfacelando-se,

decompondo-se). É uma sociedade em que se fala em códigos técnicos e em senhas

políticas cada vez mais elaboradas e distantes da vida do civil comum. É uma sociedade em

que o poder é ramificado, articulado, inusitado e como um rizoma é superficial, tramado,

mas muito longe de ser frágil. É uma sociedade de infinitas ramificações e de muitas

variedades de rizomas, mas, em oposição, não há entrâncias, ranhuras e/ou relevos (nem

côncavos, nem convexos) que permitam uma melhor distinção dos sentidos e dos

significados envolvidos.

A sociedade de controle produziu uma nova topologia e daí nos trouxe novas

tipologias sócio-metabólicas, políticas1. Trata-se de uma tipologia social que obriga ao

Estado re-posicionamento do Estado, agora a partir da Democracia Virtual, em que passa a

atuar o netizens, o cidadão fractal. É uma sociedade de poder sócio-metabólico e não

orgânico (como víamos nas teorias organicistas ou funcionalistas da política) ou ainda seria

de poder pós-orgânico, se pensarmos que a matriz e as chaves políticas contemporâneas são

dadas pelo signo da transnacional, do transgênico, das muitas artificialidades, da

desnaturalização da própria biodiversidade, da clonagem. A cada dia, somos indivíduos

cada vez mais pós-orgânicos. Afinal, quem não tem alguma prótese ou órtese?

É uma tipologia social disjuntiva, em que as escolhas dependem mais da rede do

que de nós mesmos, uma vez que as opções estão dadas pela rede, estão disponíveis na rede

– daí se falar realmente em consciência coletiva ou, então, em niilismo (nenhuma-

consciência), isto é, sair da Matrix (rede) é uma opção dada pela própria Matrix (rede).

Por isso, na sociedade de controle, a medida do mundo moderno não é o homem,

mas as coisas. É uma sociedade que tem por base as réplicas, não os originais ou a

originalidade e isso traz de volta a mesmice. É uma sociedade sem fios, sem cabos, menos

analógica, portanto, é menos suscetível aos curtos-circuitos inovadores, revolucionários

1 A firmeza do Estado (status) tem que coabitar com a fractalidade, acentralidade.

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daquele velho chavão do status, da pretensa firmeza em que se baseia o Estado e a

sociedade moderna. É uma sociedade de platôs acachapantes:

Um platô está sempre no meio, nem início nem fim. Um rizoma é feito de

platôs. Gregory Bateson serve-se da palavra ‘platô’ para designar algo

muito especial: uma região contínua de intensidades, vibrando sobre ela

mesma, e que se desenvolve evitando toda orientação sobre um ponto

culminante ou em direção a uma finalidade exterior (...) Por exemplo, uma

vez que um livro é feito de capítulos, ele possui seus pontos culminantes,

seus pontos de conclusão. Contrariamente, o que acontece a um livro feito

de ‘platôs’ que se comunicam uns com outros através de microfendas, como

num cérebro? Chamamos ‘platô’ toda multiplicidade conectável com outras

hastes subterrâneas superficiais de maneira a formar a estender um rizoma

(...) Cada platô pode ser lido em qualquer posição e posto em relação com

qualquer outro (Deleuze, 1995, pp. 32-33).

É uma sociedade sem centro ou de centros variáveis, cambiáveis, de muitos fatores

e de incontáveis vetores. Também se diz que é a sociedade dos nós, porque é sem centro,

mas neste caso deve-se dizer que é feita muito mais de nós periféricos, transversais e

diagonais. É uma sociedade de nós periféricos, porque os centros de comando do capital

financeiro gera um sem-fim de periferias, de exclusão social e tecnológica.

O grande negócio está em saber para onde levam as linhas e quem está mais

próximo do miolo do novelo. Em meio a esse emaranhado, descobrir os caminhos, as rotas

mais curtas que levem direto ao meio, ao nó que conta, já não é pouca coisa. É o exemplo

de uma narração que vemos no romance Neuromancer (1984), em que a personagem

central busca exatamente a localização no epicentro do poder. Pois, como vemos nos

pensamentos de Case, e mesmo que lutando contra a Matrix, o que temos aqui é só a velha

disputa de poder:

Case sempre teve certeza de que os verdadeiros chefes, os diretores de

alguma atividade, tinham de ser ao mesmo tempo mais e menos do que os

subalternos. Do que as pessoas. Viu isso nos homens que o tinham acertado

em Memphis. Wage mostrou isso em Night City. E foi isso que o levou a

aceitar a superficialidade e a falta de sentimento de Armitage. Ele sempre

imaginou isso como uma acomodação gradual e voluntária à máquina, ao

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sistema. Também era a raiz do sangue-frio, da pose do insider que consistia

em ter as conexões certas, o acesso às linhas invisíveis que sobem até os

níveis ocultos de influência (Gibson, 2003, p. 232).

No entanto, é preciso destacar que não somos apenas vítimas ou pilhas de energia

para essa Matrix, essa correia interminável de produção e de consumo de poder, de

mercadorias e de símbolos que nos perpassam. Já possuímos uma razão midiática2 — a

necessidade de interpretação das imagens do mundo moderno —, ainda que para muitos

essa desenvoltura, essa gana pela exposição pública, não passe de desfaçatez ou ausência

total de consciência.

Desse modo, a coisa se complica mesmo porque, ao contrário da estabilidade e do

controle ofertados pelo Estado Moderno, a realidade tecnológica (não só as tecnologias

virtuais) nos impôs a fractalidade, o descontínuo, a ruptura, a insegurança. No lugar da

Razão de Estado, impôs-se o Estado Sedutor, ao invés do iluminismo a sedução imagética,

o consumo de tudo e de todos. Porém, sempre haverá um que saia em defesa dessa Razão

de Estado, mesmo que não saiba muito bem do que se trata.

Neste caso, pode-se dizer que no Estado de Direito Virtual – e de forma

contraditória – a política é constantemente e igualmente ratificada e retificada. A Razão de

Estado, por exemplo, é uma constante e, portanto, ratifica-se nas ações diárias da

Administração Pública. Contudo, os meios para manter a Razão de Estado presentemente

uniforme são variados e inovadores, podendo ir da privatização da segurança (quebra do

monopólio estatal do uso e do controle da violência) à especulação com o dinheiro público

na ciranda financeira.

TTÉÉCCNNIICCAA EE PPOOLLÍÍTTIICCAA RREEIIFFIICCAADDAA

OOUU SSIIMMPPLLEESSMMEENNTTEE RREETTIIFFIICCAADDAA

Este mundo reificado tem outra topologia e tipologia de Estado, mas isso ainda

precisamos descobrir mais exatamente do que se trata. Por hora, chamemos de Estado

Reificado – reificado porque não deixa de ser coisificação, não se trata apenas da coisa

2 É como sustenta Régis Debray em O Estado Sedutor (1993).

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pública3 que serve ao capital, mas também em desacordo com muitas das necessidades

atuais4. É uma sociedade das coisas, com pleno domínio das massas:

Aqui não se tem mais a oposição massa/indivíduo, pois os indivíduos se

tornam “dividuais” (divisíveis), e as massas se tornam amostras, dados,

mercados [...] a “sociedade de controle” remete a trocas flutuantes,

modulações intermediadas pela tecnologia e pelas senhas [...] o controle é

próprio de um capitalismo de “sobre-produção”, que já não compra mais a

matéria prima, e vende produtos acabados, mas que compra produtos

acabados e monta peças destacadas, um capitalismo que quer vender

serviços e quer comprar ações, um capitalismo que não é mais dirigido para

a produção, mas para o produto (Fonseca, 2004, p. 271).

A argumentação de Fonseca, neste momento, é baseada em Deleuze. A sociedade de

controle é dissipativa, trânsfuga, centrífuga, entrópica, mas que (ironicamente) se explica

melhor exatamente pelo que há de mais clássico: a termodinâmica, a lei clássica, a entropia,

o atrito e o conflito, as lutas de classes e de grupos. Portanto, é uma sociedade cindida

(entre ricos e miseráveis, entre o passado e o futuro), é uma sociedade profundamente

contraditória. É uma sociedade que se explica pela teoria do caos – incluindo aí o caos

social que movimenta nossa sangrenta guerra civil5:

Por que existe a entropia? Antes, muitas vezes se admitia que a entropia não

era senão a expressão de uma fenomenologia, de aproximações

suplementares que introduzimos nas leis da dinâmica. Hoje sabemos que a

lei de desenvolvimento da entropia e a física do não-equilíbrio nos ensinam

algo de fundamental acerca da estrutura do universo: a irreversibilidade

torna-se um elemento essencial para a nossa descrição do universo, portanto

devemos encontrar a sua expressão nas leis fundamentais da dinâmica [...]

De qualquer forma [...] é do caos que surgem ao mesmo tempo ordem e

desordem (Prigogine, 2002, pp. 79-80).

3 Essa coisificação da política, nos moldes do Estado Capitalista Moderno, também pode ser entendido como processo ideológico, quando se crê que o Estado possa ser realmente coisa pública. 4 Basta lembrar que o Estado Moderno foi constituído à base da soberania, da laicização e do nacionalismo. No mínimo, hoje tudo é relativo e questionável. 5 Como se diz, basta olhar pela janela – para além do mundo Windows – para que se perceba isso. No Rio de Janeiro, aliás, muitas janelas são blindadas para fugir do fogo amigo e inimigo.

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A teoria do caos é ela mesma o resultado do desenvolvimento das forças materiais,

econômicas e espirituais da produção na sociedade moderna, bem como reflete a

instabilidade e os conflitos atuais:

No fundo, por que essas pesquisas sobre física do caos emergiram hoje?

Talvez também porque vivemos em uma situação social, em si,

imprevisível e instável. As técnicas nunca evoluíram tão rapidamente, a

economia é turbulenta, tudo se move com grande rapidez. A experiência

passada ou mesmo a capacidade de adaptação contam menos do que a

capacidade de ser um ator (Lévy, 1996, p. 152).

A instabilidade social e política criam uma nova topologia, para além do Estado6.

Como vimos, o caos é ordem e desordem e, por isso, na sociedade de controle estamos – de

certo modo – aquém e além do Estado. Estamos aquém se pensarmos que a rede possibilita

criar (por meio da fractalidade) os milhões de netizens sem, no entanto, produzir a mesma

consciência política - esta mais presente no citizen da ágora, como experimentador da

civitas, da coisa pública tradicional.

Vivemos numa sociedade em que as pragas, os vírus criados pelos homens são os

mais letais, da guerra virulógica à invasão de sistemas informatizados. As armas vivas são

produzidas nas universidades ou em casa: “O progresso da biotecnologia, por exemplo, porá

mais ferramentas e ingredientes de armas biológicas ao alcance de mais pessoas em companhias

farmacêuticas, universidades e assim por diante” (Wright, 2005).

Ou como diz um dos maiores cientistas de nossa época: “Os vírus de computador

deveriam ser considerados como forma de vida. Diz algo sobre a natureza humana o fato de a única

forma de vida criada por nós até agora ser puramente destrutiva” (Stephen Hawking – enviado

por e-mail). Trata-se, literalmente de uma guerra ampliada da informação, pela informação,

ou mais amplamente pelas tecnologias da informação: “Há, também, um maior

reconhecimento de como o progresso na tecnologia da informação ajuda grupos terroristas a fazer

planos e orquestrá-los e até os ajuda a se formar e crescer” (Wright, 2005).

Além disso, há os males, naturalmente, provocados pelo excesso de exposição às

tecnologias, como o acirramento do isolamento social e a famosa LER – Lesão por Esforço

Repetitivo, no caso de digitadores. Contudo, há outras formas de dependência e de 6 Retornaremos a essa questão na última parte do texto.

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degeneração humana (psíquica e física) em virtude dessa exposição tecnológica: “A

compulsão por escrever e-mails e enviar mensagens de texto pelo celular (torpedos SMS) pode

fazer duas vezes mais mal aos neurônios do que fumar maconha. A constatação é resultado de um

estudo que foi encomendado à Universidade de Londres pela fabricante de computadores HP” (O

Estado de S. Paulo, 02/05/2005).

A informação que corre pelos sistemas e processos de informatização está no começo

e no final da guerra – na propaganda que cria o inimigo, na justificativa da guerra e nas

desculpas do lado vencedor, do porquê a guerra teria sido tão violenta ou massacrante.

Portanto, crescem tanto as tecnologias da guerra, como numa espécie de fonte ou de vetor

básico: “crescente engenhosidade na preparação de força letal; maior disponibilidade dos

ingredientes num mundo cada vez mais industrializado e interconectado; e crescente acesso, por

meio da tecnologia da informação, aos conhecimentos necessários para usuá-los” (Wright, 2005).

Como se diz, a guerra é travada no fundo de casa...

Neste caso, as leis da robótica não teriam mais eficácia, pois, mesmo antes do

desenvolvimento pleno da Inteligência Artificial, sistemas mais autônomos já eram reféns

do descontrole, do acaso ou de ações invasivas premeditadas. As leis em questão seriam as

seguintes: “1. Um robô não pode prejudicar um ser humano ou, por omissão, permitir que o ser

humano sofra dano. 2. Um robô tem de obedecer às ordens recebidas dos seres humanos, a menos

que contradigam a Primeira Lei. 3. Um robô tem de proteger sua própria existência, desde que essa

proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Leis” (Asimov, 1997, p. 09).

Agora, vejamos que se trata do caso concreto de alguns vírus de carros que podem

literalmente desgoverná-los (aleatoriamente à vontade do condutor) e assim transformá-los

em armas letais. É para esse sério problema que alertam muitos especialistas: “O vírus

supostamente teria entrado pela conexão sem fio Bluetooth, que permite aos motoristas usar seus

telefones celulares em viva-voz através de microfones e alto-falantes do carro” (Jr., 2005, p. 01).

Ainda não há certeza, mas em breve, literalmente, poderemos ter carros assassinos:

“Primeiro, os veículos são cada vez mais controlados pela eletrônica [...] Segundo, mais dados estão

sendo trocados entre os computadores do carro e fontes externas. Que tal 2 toneladas circulando por

suas veias eletrônicas a 200 km por hora?” (Jr., 2005, p. 01).

E aí, de quem seria a responsabilidade, seria objetiva ou subjetiva?

Por outro lado, é exatamente esse tipo de ação invasiva que nos safa das ilhas do

conhecimento, das práticas das famigeradas oligarquias do saber, pois seus redutos são

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invadidos por Hackers de todo tipo, de todas as idades e de todos os lugares. É isto que nos

coloca para além do Estado, pois que diante disso o Estado Hobbesiano é absolutamente

incapaz e inerte.

PPAARRAA AALLÉÉMM DDOO EESSTTAADDOO

No entanto, diante da incapacidade de abertura da sociedade de controle e do Estado

Hobbesiano pode haver enrijecimento dos sistemas e organizações, pois se avalia com

autoritarismo e pré-potência (a arrogância que só demonstra fraqueza): “Não existe

capitalismo universal e, em si, o capitalismo existe no cruzamento de toda sorte de formações, ele é

sempre por natureza neocapitalismo, ele inventa para o pior sua face de oriente e sua face de

ocidente, além de seu remanejamento dos dois” (Deleuze, p. 31).

Por isso, é possível pensar que estamos a meio-fio, quando indagamos sobre a

realidade mais premente do Estado. Temos realidades que nos dão conta de que estamos

aquém e além do Estado, de que somos produtos e produtores do Estado, quase que

simultaneamente. A truculência do Estado (traduzida pelo monopólio legítimo do uso da

força física, por Weber) ainda é muito presente (vide repressão aos movimentos de anti-

globalização), tal qual a inadequação flagrante dos sistemas pesados (como o Estado) para

lidar com a realidade virtualizada.

Para o bem e para o mal, às vezes, a tecnologia reverte, às vezes subverte a

constância natural das coisas do mundo, das verdades estabelecidas. E com o mundo

político não será diferente, pois já estamos criando uma cultura para além do Estado, uma

pós-cultura, um pós-Estado:

Poder-se-ia chamar de “pós-cultura” o estado singular, no qual a “crise do

sentido” se torna doravante crônica. Na pós-cultura, o muito antigo preceito

da hospitalidade, — “É preciso acolher o estrangeiro”, assume uma nova

ressonância. Ele não exprime mais somente uma moral da reciprocidade

(nós também podemos nos encontrar na situação de sermos estrangeiros em

um país desconhecido). Ele nos faz ouvir uma máxima de sobrevivência

para uma nova condição de base: nós somos estrangeiros, radicalmente,

mesmo ficando em casa, porque tudo muda ao nosso redor, porque somos

invadidos de todas as maneiras pelo estrangeiro, pelo imigrante, pelo pobre,

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mas também pelo rico, o imperialista que nos impõe sua cultura (Lévy,

2000, p. 25).

É como se a luta de classes estivesse dentro e fora de casa, pois somos

atravessados pelo pobre e pelo rico constantemente – mas não é permitido esquecer que

alguns são muito mais pobres do que os poucos muito ricos. Aliás, a lógica da exclusão

econômica e social vem associada à exclusão cultural e digital, o pacote sempre vem bem

amarrado e é bem amplo:

Na década de 1970, antes do PC e da internet, Tichenor, Donohue e Olien,

professores da Universidade de Minnesota, formularam a “Knowledge Gap

Hypothesis” (Hipótese da Lacuna de Conhecimento). Segundo eles, a

capacidade que uma pessoa tem de perceber, compreender e assimilar

conhecimento depende do seu conhecimento anterior, das redes sociais de

que participa e do nível de exposição aos diferentes meios de comunicação.

Pobres de informação tendem a ser cada vez mais pobres; e ricos em

informação, cada vez mais ricos, gerando uma polarização crônica na

sociedade (Kobashi, 02/05/2005).

Contudo, é possível fortalecer a política do futuro com a tecnologia do presente.

Porém, para isso, é necessário que tenhamos muita cultura e ética, e não só conhecimentos

tecnológicos e pseudo-científicos atrelados ao manuseio maquínico/mecânico dos

computadores. Mais do nunca é preciso reflexão e ação:

Mesmo que a humanidade inteira esteja ligada à rede, isso fará dos usuários

netizens, mas não necessariamente citizens. Não importa. Um Windows

20007 não pode gerar nem Voltaire nem Zola, mas eles não teriam

desdenhado a Internet para a reabilitação de Calas e para a defesa de

Dreyfus (Rouanet, 2002, p. 248).

Aos críticos da rede resta o desafio de demonstrar que o próprio princípio da rede é

ele mesmo totalitário, como conceito e como mero instrumento obediente do Capital e do

7 Ou 2020, tanto faz.

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seu poder hegemônico (mas, não bastam exemplos esparsos de uso autoritário da rede, pois

existem outros tantos que são democráticos).

Aos críticos da sociedade de controle, aos defensores da democracia virtual, no

entanto, está dado o enorme desafio de colaborar no processo de condução da rede à

democracia inclusiva, revertendo o processo de exclusão da atual sociedade de controle

(neste caso, o desafio é de ordem prática e não teórica, como no caso anterior).

Comparando a rede a uma serpente, afirma Deleuze: “Os anéis de uma serpente são ainda mais

complicados que os buracos de uma toupeira” (Deleuze, 1992, p. 226).

Sem dúvida que uma parte muito significativa desses anéis é reservada a meios de

controle, porque o poder procura o esconderijo, o segredo, muito mais do que o refúgio. O

segredo encobre, ao passo que o refúgio pode instigar à reflexão, pois o isolamento

estimula o pensamento. Como nos diz Bobbio (2002, pp. 105-115), o poder de controle

não-democrático procura as sombras, onde possa germinar exatamente o que não pode ser

revelado.

O fato é que cada elo social, cada nó virtual e cada anel da serpente tem tanto de

vida, quanto de morte. Paradoxalmente, as conexões da sociedade de controle têm tanto de

controle (talvez já tenha muito, mais até do que o suportável), quanto de liberdade e de

pontos de fuga. É preciso ver que o centro de encontro também pode ser um ponto de fuga

e isso nos leva a crer que é necessário redescobrir o não-oficial, o que está fora e mais

longe possível dos meios de controle não-democráticos. Tal qual fizeram os franceses no

pós-1789, colocando-se entre a revolução e a boemia (Darnton, 1987). Aliás, este é o caso

preciso em que o não-oficial pode carrear forças para a constituição de um oficial mais

abrangente e inclusivo.

Como ensina Rouanet, esta é uma utopia concreta, pois já está anunciada no/pelo

presente. A Democracia Mundial ou Democracia Virtual, como quer Rouanet, está

anunciada há muito, desde que compreendidos seus parâmetros, seus limites, mas é preciso

colocar em ação esse mesmo princípio democrático e inclusivo da rede. Neste sentido, já

nos encontramos na vigência de instituições tecnológicas que nos colocam para além do

Estado:

Como na origem, mas segundo outra escala, a humanidade forma

novamente uma só sociedade. Este acontecimento, em termos

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antropológicos, é tão recente que a maioria dos nossos conceitos, das nossas

formas culturais, das nossas instituições políticas – herdadas dos períodos

anteriores -, são radicalmente inadequados para dar conta dele [...] Nessa

perspectiva, podemos dizer que, medida à velocidade, ao custo e à

dificuldade dos transportes e das comunicações da época, uma nação do

século XIX era mais extensa que o planeta inteiro hoje (Lévy, 2003, pp.

188-9).

Esse processo teve início com as grandes navegações, no momento em que o Estado

Moderno se concentrava e se contorcia em torno do próprio território, mas em contradição

com o capital que se espremia para fora desses limites. De lá para cá, percorremos muitas

revoluções políticas e tecnológicas importantes para a humanidade. Na fase em que

adentramos, a topologia política sairá bastante abalada8 e, dizemos novamente, para o bem

e para o mal, para além do Estado: “O espaço cibernético se encontra também na origem de uma

nova arquitetura, de um novo urbanismo. Poderíamos até dizer de uma nova política, porque se trata

de uma nova pólis que se está construindo” (Lévy, 2000, p. 16).

Para outros autores de cunho mais jurídico, não se trata, no entanto, de pensarmos

para além do Estado, mas sim de recolocarmos o próprio Estado de Direito em novas bases

– a base jurídica deve adaptar-se à base tecnológica. Como sinaliza Miguel Reale:

Parece-me que devemos partir da observação de que os atuais poderosos

meios de comunicação nos permitem configurar um novo modelo de

democracia que, sem prejuízo da palavra final do Parlamento, pressuponha

a co-participação, na elaboração das leis, das organizações não-

governamentais (ONGs), desde que de forma explícita e transparente...

(1997, p. 41).

A nova Pólis traz intrincadas alterações no âmbito da ordem pública e isto por si só

já nos exige uma outra percepção do espaço público. A relação ou interconexão entre

Estado/Tecnologia/Capital é bem expressa, como vemos em Lévy:

Longe de tornar iguais as zonas geopolíticas, a densidade das comunicações

e a redução do espaço prático tornam mais visíveis do que nunca as

dominações e as disparidades. Bem se viu, durante a Guerra do Golfo, o 8 Assim como a própria rede que vem perdendo rapidamente sua aura de abertura, liberdade, acentralidade.

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papel determinante do controle dos transportes, da logística, das

comunicações, da coordenação e da propaganda pelos Estados Unidos, hoje

determinantes. A supremacia militar, o poder econômico e o brilho cultural

estão diretamente relacionados com a capacidade de controlar os fluxos de

informação, de conhecimentos, de dinheiro e de mercadorias (2003, p. 191).

Seguindo essa mesma trilha, pode-se dizer que também mudou a economia, o

mundo produtivo, pois na base do sistema taylorista/fordista a produção estava em sintonia

com o consumo, antecipava-se ao consumo.

OO TTOOYYOOTTIISSMMOO EE OO FFIIMM DDOO PPAANNÓÓPPTTIICCOO

No entanto, hoje, a lógica que regula e gere o sistema de produção se encontra

totalmente invertida, pois primeiro o departamento de marketing produz a vontade, o desejo

do objeto/consumo e só em seguida é que o departamento de produção é acionado. Não se

faz mais propaganda da marca, agora se trata da publicidade do desejo – a venda e o

consumo no Estado Atual tem certa lógica psicanalítica e azar daquele que não pode

consumir9. Vejamos em Negri:

No que diz respeito à produção, a preocupação principal de Benetton não é

geri-la, mas federá-la, estruturar as redes produtivas que já existem

independentemente dele. A sua relação com as redes é do tipo político, no

sentido de que sua função fundamental não é mais aquela de organizar

“temperos e métodos” do trabalho da fábrica ou de determinar as

diferenciações de produtividade por meio de inovações produtivas (como

fazia o empresário clássico, ou shumpeteriano), mas de proporcionar a

“construção social do mercado”, em tecido produtivo autônomo. As

características que hoje melhor identificam o caráter específico da função

da empresa parecem ser a participação social, a fluidez das redes, a

permanência dos circuitos (Negri, 2001, p. 59).

9 Para ficarmos só em um exemplo: “US$ 2,5 bilhões foi o investimento da indústria farmacêutica em marketing nos Estados Unidos em 2002, segundo o Instituto americano de Pesquisa [...] 47,8% foi quanto os 50 remédios mais anunciados nos Estados Unidos movimentaram do total de vendas da indústria no período de 1999-2000 [...] 66% das consultas {médicas} terminam com o paciente americano levando para casa ao menos uma prescrição e/ou amostra grátis de algum medicamento” (Amorim, 2005).

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É claro que essas mudanças na ordem da produção também intensificam alterações

políticas, entre o capital e o Estado, entre a realidade social e política e o que se espera do

próprio Estado, como meio regulador da vida social e produtiva. Mais uma vez com Negri:

“A autonomia do trabalho pós-fordista não é apenas intensificação da exploração, mas antes de tudo

uma intensificação dos níveis de cooperação, do saber e de comunidade que esvazia deslegitima as

funções de comando do empreendedor e do Estado. E é esta última dimensão que qualifica a

exploração, não o inverso” (2001, p. 95).

Na linha de produção normal, tradicional o fluxo verificado é o seguinte: produção –

circulação – consumo. O que soa bem lógico. Porém, no Estado do Consumo Induzido o

que se vê é outra disposição lógica do processo produtivo, pois vamos do Consumo à

Produção e só daí em diante a mercadoria é posta em Circulação10.

A iniciativa privada estimula a prática de trabalhos beneméritos, de caridade social de

seus funcionários porque a lógica que se opera é a seguinte: se o sujeito trabalha feliz, de

graça, para sua comunidade, então, irá cooperar naturalmente em seu trabalho.

Principalmente se houver um incentivo de receber gratificações por metas de produção

cumpridas.

Com a implantação do toyotismo, o sistema de produção pode abicar dos controles

hierárquicos, sistematizados e dos sistemas de vigilância centralizados na própria produção,

ou seja, com a implantação das chamadas células de produção, o controle externo à

produção foi transferido ao conjunto dos trabalhadores que, por meio dessa autonomia,

passaram a regular-se uns aos outros. O panóptico chegava ao fim do seu inventário e com

ele iria embora da produção o famoso chefe de produção, o pivô da vigilância ostensiva.

Portanto, a vigilância a partir de agora será extensiva ao conjunto dos produtores e,

portanto, ainda mais ostensiva – a sociedade de controle indexou o controle no próprio

trabalhador.

Produz-se muito mais com melhores níveis de cooperação (o que pode estimular

indivíduos poli-ativos), mas em compensação os que não podem consumir não são

cidadãos. Também percebemos que se é possível edificar uma ética que desemboque no

10 Isto não quer dizer que o trabalho deixe de ser uma categoria social central.

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que Lévy chama de Universal não-Totalizante11, da mesma forma é perfeitamente possível

construir-se um discurso homogêneo, unitário ou simplesmente hegemônico na/da rede.

Marx era Analógico?

Marx não era analógico, mas talvez tenha percebido algumas situações e relações

analógicas do capital ou que se apresentaram desse modo à análise. E talvez fossem

analógicas no sentido de que deveriam se perpetuar ao longo do imenso processo de

formação e de duração do próprio sistema. Ou seja, trata-se das questões que

permaneceram imunes às mudanças ou reformulações produtivas.

Por isso, é importante perceber que esse estado de coisas, apelidado de Para Além

do Estado, ao menos no âmbito do trabalho e da produção, é capaz de preservar dois

ângulos de incidência fundamentais sobre o trabalhador. Isto é, guarda as implicações

clássicas da sujeição e da alienação do trabalho, bem como traz a gravíssima questão do

desemprego estrutural, do grande número de pessoas que jamais conhecerão outro posto de

trabalho. Sem o trabalho, o sujeito é coisa, objeto incapaz, uma potencia inerte, sem

capacidade (sem capital, só estoque). O sentido de alienação do trabalho é complexa, mas a

lógica que Dussel (1995) que recupera de Marx pode nos auxiliar:

No conceito de trabalhador livre já está implícito que ele mesmo é pauper

virtual. Conforme forem suas condições econômicas, sua vida de trabalho

não passa de mera capacidade, sendo que, por esse mesmo motivo, ele

também está afetado por necessidades vitais. Então, em sua qualidade de

necessitado (Bedürftigkeit) em todos os sentidos, sem existência objetiva

(...), o operário está sujeito a condições que, para o operário, são

contingentes (zufällige) e indiferentes (gleichgültige) ao seu ser orgânico.

Ele é, por conseguinte, virtualiter (virtualmente um pauper (pobre)’’. Para

o operário, as ‘’condições’’ que o capital lhe oferece são ‘’contigentes’’,

mas lhe são ‘’necessárias’’ para que seja ‘’real’’ (p. 38).

11 Em que todos participem em certa similitude, guardadas as proporções interativas que variam de indivíduo para indivíduo, mas sem que houvesse a tradicional colonização de um discurso predador sobre os demais. É óbvio que esse ideal guarda enlaces com o iluminismo, mas também é fácil perceber como Lévy não dedica muita atenção ao diferencial midiático ou capacidade projetiva de cada indivíduo social.

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Por outro lado, alienado pelo trabalho, pelas condições atuais do trabalho

assalariado, o trabalhador é coisa subjugada, impotente para mudar a lógica da exclusão.

Sem a alienação do trabalho assalariado, o trabalhador tem em si o estoque natural do

trabalho vivo, isto é, a promessa de sua futura hominização, mas submetido às condições de

trabalho está alienado do controle dos meios de produção. Novamente Dussel (1995)

recupera Marx em sua agudeza:

As condições objetivas do trabalho vivo manifestam-se como valores

separadamente autônomos, contradizendo a capacidade viva como entidade

(Daisen) subjetivo (...). O que é reproduzido e produzido de novo não é

apenas a entidade (Daisen) dessas condições objetivas do trabalho vivo,

mas essa entidade alienada (fremdes Daisen) do trabalhador (...). O

material trabalhado por ele é material alheio. O trabalho vivo se manifesta,

ele próprio, como alienado (frend), em oposição à capacidade de trabalho

vivo, cujo trabalho ele é, e do qual é sua própria vida exteriorizada

(Lebensauuusserung)’’. Em tal caso as ‘’condições já não são as

originárias, mas as que, cada dia que ele retorna ao trabalho, o desafiam

‘’em forma de capital’’ (p. 37).

A alienação opera, portanto, em dois gumes, um positivo (para os que trabalham) e

outro negativo (os inimpregáveis). Assim, as saídas do interior da sociedade de controle

realmente não são claras – há fogueira dos dois lados da questão. A tecnologia aplicada ao

trabalho, desse ponto de vista, só coloca mais lenha na fogueira que queima na Caixa de

Pandora do século XXI. Vejamos em outro exemplo, agora jurídico, como princípios do

Estado Capitalista dos anos 30-40 do século XX ainda estão em vigor.

O princípio da subordinação do trabalhador (arts. 2º e 3º da CLT) muda de roteiro e

de formato, mas não de implicação ou de importância. A disciplina ou o poder disciplinar,

como vimos, deixa de ser majoritariamente vertical e passa a ser horizontalizada, tende a

ser diluída na própria estrutura e no sistema. Gradativamente, passa-se da extração da mais

valia absoluta para formas mais relativas – nas ilhas de produção, o panóptico é

individualizado, será tido por intersubjetivo. Porque está em cada um e assim está no

conjunto, mesmo que de forma inter-subjetiva.

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Neste aspecto, há uma máxima privatização da obediência, da docilidade, da

aceitação das regras dos outros (do próprio grupo de produção), justamente pela

incapacidade de se opor ao controle coletivo e externo.

No toyotismo, o grupo produtivo (a ilha de produção) exibe e exerce pressão sobre

o indivíduo-produtor e, com isso, recoloca a coerção para além das instituições produtivas

iminentes. De fato, passa a haver uma crescente institucionalização da capacidade

disciplinar, mas sempre tratada individualmente. Agora, cada trabalhador traz as

instituições (institucionalização) e a base de regras correspondentes para dentro de si, de

sua (in)consciência o esforço de vigilância externa, portanto, vai diminuindo.

Trata-se de uma razão com sentido de saber-fazer para produzir e dominar os que

não sabem, pois a aplicação de um saber-fazer diferenciado é o que vence uma

concorrência ou o que mantém um posto de trabalho – esse diferencial não é em absoluto

altruísta, mas sim produtivo. Uma razão instrumental, portanto, que atua como instrumento

de produção e de dominação. Essa pragmática razão instrumental ensina ou quer fazer crer

que só há um pensamento economicamente válido, daí a figura de um pensamento único:

A doutrina liberal também se apresenta, hoje, com a mesma prepotência de

um dogma indiscutível. A maneira como “a escola de Chicago” se tornou

algo muito semelhante a uma escola corânica é visível a todos. O chamado

“pensamento único”, ditado diretamente pelas “leis naturais” da economia,

se assemelha cada vez mais ao “livro único”, ditado só pela vontade de

Deus [...] Nem um nem outro aceitam relativismos e mediações,

divergências e alternativas (2002, pp. 140-141).

Neste caso, estaríamos novamente para além do Estado, agora apontado pela

imposição/cristalização de um certo Pensamento Único predominante, determinante,

uniformizador, como podemos ver no pensamento (em anexo) de Ignácio Ramonet.

Estado-Lugar

O que vimos são mostras de um Estado Atual que, gradativamente, vem perdendo

força, capacidade de se atualizar, de se por em dia, de se por em ordem. Por isso, também

vai perdendo virtualidades, capacidade de se gerir, de se recriar. De certo modo, trata-se da

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ação dos próprios limites do que também chamaremos de Estado-Lugar: o Estado definido

por seu território, mas que se torna cada vez mais indefinido.

Mas, teoricamente, o que é o atual e a conseqüente atualização como processo?

Vejamos com Lévy, o autor francês que se notabilizou pela análise complementar entre o

virtual, o atual e o real:

O virtual tende a atualizar-se, sem ter passado no entanto à concretização

efetiva ou formal [...] Contrariamente ao possível, estático e já constituído,

o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças

que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma

entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização

[...] A atualização aparece então como a solução de um problema, uma

solução que não estava contida previamente no enunciado [...] O real

assemelha-se ao possível; em troca, o atual em nada se assemelha ao

virtual: responde-lhe (Lévy, 1996, pp. 15-16-17).

O atual é o como se é de verdade, mas só naquele momento, pois a seguir deve

haver outra atualização, ou recriação do real12. Assim, seguindo nossa pauta, o atual Estado

Moderno Capitalista é um Estado-Lugar, ou seja, é o Estado padrão, típico, que se define e

se limita ao conceito e extensão do território. São exemplos notórios do Estado-Lugar, o

Estado Moderno, o Estado-Nação e o atual Estado de Direito. Aliás, o Estado de Direito é

um catalisador desse efeito de desagregação territorial (ou desterritorialização) porque

acima de tudo só há sentido em se falar de divisão de poderes, se há poder centralizado num

território definido. Ou, em outras palavras, Estado-Lugar é o Estado Capitalista Atual que

perde vigor e não mais se atualiza, como outrora.

Já sabemos, mas isto ocorre porque o capital é efêmero e o Estado é definido como

definitivo. Hoje, é fácil perceber a impotência (carência de virtualidades) do modelo

clássico do chamado Estado Continuado – aquele que se sabe perfeitamente quando

surgiu, e mais, que teria surgido para ficar.O capital é apátrida, o Estado é pura nação. O

capital é movimento, o Estado pende para a estabilidade. Nesta fase da história, estamos

perdendo as referências desse Estado-Conceito. Tudo se dá desse modo porque o capital é 12 Em termos do trabalho, neste caso, a idéia da recriação certamente passaria pela retomada do trabalho vivo como está descrito por Marx. O anexo 03 deste texto traz um apanhado desse conceito marxiano elaborado por Enrique Dussel. Mas, também deve-se tê-lo no Negri que citamos aqui.

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nômade e mais forte, e o Estado é sedentário. E, se antes status queria dizer firmeza, hoje

quer apenas dizer lugar, paralisia – não há como restituir o status quo ante do Estado

Moderno Capitalista.

A dinâmica atual das forças hegemônicas (globalização) se volta contra o Estado-

Lugar: o movimento é a força e o centro da expansão e das novas conquistas econômicas.

Quanto mais essas forças se movimentam, mais elas demonstram e exercem seu controle. A

sociedade do controle, portanto, é a sociedade que se agita, que se põe em movimento. Mas,

é bom lembrar que essa movimentação é global, que afeta todo o Estado-Lugar e, assim,

também pode ser visto como Estado Global13.

Como vimos, o Estado-Lugar, como Estado atual sem força de atualização (porque

perdeu virtualidades) é um Estado que perde força de distinção, diferenciação. Aliás, todas

as características relacionadas ao território, neste caso, agora são um fardo para o Estado, a

exemplo da burocracia, da morosidade, do espírito nacionalista que se volta contra a

internacionalização de capitais etc. Ou seja, há algum tempo, o território servia para nos

separar dos demais, e hoje não se sabe muito bem quem é o Outro, onde está ou o que faz

(este é o exemplo claro do terrorismo). O território nos distinguia, porque tinha força e

lógica de ser – hoje perdemos essa capacidade de diferenciação14. Ou, como vemos nesta

interpretação do pensamento de Deleuze:

Pois a igualdade entre o ser e a diferença só será exata se diferença for

diferenciação, isto é, processo e criação, individuação como processo (élan

vital15); e se, a partir de um virtual que, sem ser atual, possui enquanto tal

uma realidade intensiva (quantidade16 intensiva abstrata) dotada de uma

potência de singularização por pontos relevantes, atingir-se a essência pura

de um Tempo não cronológico. (“É o presente que passa, que define o

atual”, implica indivíduos já constituídos; mas “é no virtual que o passado

se conserva”.). Tempo-potência contra Estado-dos-lugares, a distinção

entre o virtual e o atual corresponde à cisão mais fundamental do Tempo

(Alliez, 1996, pp. 20-21).

13 Porém, este tema deverá ser tratado separadamente. 14 De certo modo, é por isso, também, que virtual e atual são inseparáveis, como veremos adiante. 15 Nosso élan vital com o Estado, hoje é virtual. Não chega a ser uma quimera, mas também não é aquela realidade presumida. Hoje, tem de ser constantemente demonstrada. 16 Na rede a quantidade é expressiva, basta pensarmos que em poucos anos o número de sites pulou de 200 milhões para 80 bilhões. Esses números devem ser lembrados quando se fala em democracia virtual.

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O que o Estado vem perdendo atualmente é sua capacidade projetiva (sua

impotência vem da perda das virtualidades adquiridas por séculos de história), seu élan

virtual (que é força), sua capacidade criativa e que manteria sua individualidade no propor e

no agir (com vigor), sem ser totalmente globalizado. Isso manteria o Estado reforçado por

dentro, sem ser subsumido pela economia de fora, pelas forças externas. É o que manteria o

Estado de Direito Atual com alguma capacidade virtual, isto é, potencial, projetiva, com

força interior. O Estado Atual está perdendo (ou já perdeu, completamente, para os mais

pessimistas ou realistas) sua aura ou imagem virtual, esse círculo de força que o cercava

mantendo suas forças internas acesas e em prontidão. Esse conceito de imagem virtual,

emprestamos de Deleuze:

Não há objeto puramente atual. Todo atual rodeia-se de uma névoa de

imagens virtuais [...] É assim que uma partícula atual emite e absorve virtuais

mais ou menos próximos, de diferentes ordens [...] Todo atual rodeia-se de

círculos sempre renovados de virtualidades, cada um deles emitindo um

outro, e todos rodeando e reagindo sobre o atual. Em virtude da identidade

dramática dos dinamismos, uma percepção é como uma partícula: uma

percepção atual rodeia-se de uma nebulosidade de imagens virtuais que se

distribuem sobre circuitos moventes cada vez mais distantes, cada vez mais

amplos, que se fazem e se desfazem (Deleuze, 1996, pp. 49-50).

Sob esse prisma, pode-se dizer que o Estado Atual está rodeado, cercado por

virtualidades globais hegemônicas (mais de ordem cultural ou jurídica17), mas também se

encontra ilhado por negatividades capitalistas (de cunho econômico, tecnológico e político).

Assim, entendemos que todo atual está envolto ou prenhe de elementos virtuais. Portanto,

as imagens virtuais vão das novas percepções do inusitado (descoberta) à total

impossibilidade de ver além (ideologias).

Desse modo, ainda vemos com tranqüilidade que o virtual sofre constantes influxos

(atualizações) e que isto também se aplica às possibilidades (virtuais) do Estado e do

Direito, quando em face do recorte das forças globais hegemônicas. Como ainda vemos em

Deleuze:

17 Veja-se o caso da enorme força e pressão externa em nome da prevalência dos direitos humanos.

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O virtual nunca é independente das singularidades que o recortam e

dividem-no no plano da imanência. Como mostrou Leibniz, a força é um

virtual em curso de atualização, tanto quanto o espaço no qual ela se

desloca [...] O atual é o complemento ou o produto, o objeto da atualização,

mas esta não tem por sujeito senão o virtual. A atualização pertence ao

virtual18 [...] O atual cai para fora do plano como fruto, ao passo que a

atualização o reporta ao plano como aquilo que reconverte o objeto em

sujeito (Deleuze, 1996, pp. 50-51).

O atual não deixa de ser virtual? No nosso caso, não falamos de um Estado de

Direito Virtual19, que seria dotado de certas virtualidades – o tema será debatido em outro

momento. Porém, se queremos falar da virtualidade política (e não necessariamente do

Estado), há exemplos variados. Quando o sub-comandante Marcos, no México, utiliza a

rede e a telemática para fazer avançar a ação da guerrilha zapatista, não estaria atualizando

(colocando em dia) as possibilidades teóricas de todos os projetos e ideais revolucionários

de cunho popular?

O Estado de Direito Virtual é, necessariamente, revolucionário, pois se desenvolve

sob a lógica inversa da Matrix ou da sociedade controlada e controlativa. Neste caso, a

Matrix é fáustica, o maquinismo é maquiavélico. Na técnica vigora o raciocínio político

controlativo (outrora meramente repressivo). Trata-se de um controle técnico que é político,

como no caso do celular que vem com recurso de localização via GPS ou dos chips

implantados sob a pele que, teoricamente, deveriam inibir situações de seqüestro.

Quanto ao Estado de Direito Atual, ainda podemos dizer que o suporte técnico

impulsionou o cidadão sub-comandante Marcos à esfera global. Sub-comandante Marcos

não é mais um guerrilheiro, é um cidadão do mundo, mesmo que pobre. Sua imagem virtual

(lutando atrás de um computador, angariando o apoio de milhares de Hackers pelo mundo

afora) não deixa de nos mostrar que os zapatistas se defrontam contra o Estado Atual

mexicano, contra o status quo ante, e que se instalou depois da Revolução de Zapata, no

início do século XX.

18 Afinal, é o virtual quem detém a força capaz de atualizar. 19 A Comuna de Paris e a tentativa de se impor um direito não-burguês pode ser considerado um precursor desse tipo de Estado, assim como o chamado Estado Legal, no período da Revolução Francesa.

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Mas e quando se misturam, imiscuindo-se o atual e o virtual? Para o caso do

Estado-Lugar, chamamos isso de perda de potência ou impotência adquirida, mas Deleuze

atribui o nome cristalização:

Essa troca perpétua entre o virtual e o atual define um cristal. É sobre o

plano de imanência que aparecem os cristais. O atual e o virtual coexistem,

e entram num estreito circuito que nos reconduz constantemente de um a

outro [...] Não é mais uma atualização, mas uma cristalização. A pura

virtualidade não tem mais que se atualizar, uma vez que é estritamente

correlativa ao atual com o qual forma o menor circuito. Não há mais

inassinalabilidade do atual e do virtual, mas indiscernibilidade entre os dois

termos que se intercambiam (Deleuze, 1996, p. 54).

Isto vale para o Estado de Direito Capitalista, quando toma formas mais fixas ou

cristalizadas e dissociativas em relação ao capital predominante ou hegemônico. Quando o

Estado Capitalista se globaliza, há valores que se cristalizam, ganham formas permanentes,

com força e status inerentes. Há valores cristalizados, como nas seguintes idéias-motores

do capital atual: “deixe o lucro crescer”; “o liberalismo é o bem e não pode ser contido”.

Não deixam de ser cristais do capital, como um dia também foram suas pérolas.

É por isso que o Estado simplesmente não desaparece, porque o Estado Arrecadador

ainda necessita financiar o grande capital – a não ser que o capital encontre outra forma ou

fórmula de auto-financiamento, o que também não se mostra muito viável, graças ao

egoísmo natural da empresa.

O sub-comandante Marcos é um ícone das forças anti-globalização ou

hegemonização, mas também é uma lembrança de como funciona mal esse Estado-Cristal

que demora a entender o fluxo ou a direção das forças em jogo. O Estado-Cristal

mexicano não resolve a crise social e ainda perde as batalhas midiáticas para os zapatistas

que, com conexão via satélite, conseguem colocar seu discurso por justiça social no mundo

todo.

Talvez, por só ter notado essa característica do Estado-Cristal, da sociedade de

controle, que Deleuze também não notabilizou a grandeza, a potência do virtual – sua

dinâmica, sua força motriz e política, sua infindável força de criação imaterial, de novas

inteligências, da própria força de erupção desse novo instrumento/constructo. Alguns

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leitores de Deleuze acabam por admitir que ao final mostrou-se de certo modo analógico

(Gualandi, 2003, p. 140).

Com certeza, esse foi o primeiro grande passo da guerrilha cibernética contra o

Estado-Cristal: o tipo de Estado incapaz de ver as virtualidades presentes nos movimentos

sociais representativos dos interesses realmente populares. E isso também incentiva a reler

o texto O Pensamento Único, de Ramonet.

Essa estrutura, no entanto, será repleta de contradições e é para essa análise que nos

encaminhamos, para as contradições políticas e jurídicas que mais se aproximam desse tipo

de Estado controlado.

Outras Contradições Econômicas, Políticas e Tecnológicas

Além das contradições que já analisamos – mesmo que não nominando sob essa

expressão -, ou também definidas como contradições clássicas do capital20, o Estado de

Direito Atual ainda se apresenta como força disruptiva, disjuntiva – herdando efeitos do

próprio sistema produtivo e hoje dominado pela ação de forças econômicas dissociativas

tão presentes no domínio hegemônico do capital especulativo. De certo modo, aquela fase

do Estado Moderno clássico e centralizador do poder, em torno de si, é passado.

O controle diluído do panóptico – como vemos no toyotismo – é mais abrangente e

menos custoso para o próprio Estado. O controle dissociativo do poder interessa mais ao

Estado e se ajusta melhor à economia atual. Portanto, a contradição entre capital e política é

uma alça da questão. Há uma outra que definimos como contradição jurídica entre os

postulados e a realidade implicada pela ação pública estatal.

Desse modo, vemos que o modelo jurídico intervencionista, protetor, socialista do

Estado Democrático de Direito Social está desajustado à realidade política e institucional

do Estado – e mais ainda diante das forças econômicas expansivas da globalização atual.

Juridicamente, pode-se dizer que o Estado Democrático de Direito Social já trazia consigo

uma severa contradição, pois tentava conciliar num só modelo o liberalismo clássico

(predominância dos direitos individuais) e o socialismo (prevalência dos direitos sociais).

20 A luta de classes, por exemplo, ou o eterno debate entre forças produtivas e relações sociais de produção (Marx, , p.), e que não são nosso objetivo analisar aqui.

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No entanto, com esta nova tomada do capital especulativo (disruptivo) vemos que a

política estatal também se dissocia de seu potencial jurídico e, com isso, obstaculiza

qualquer tentativa de realização da pretendida justiça social. Vemos ainda que há uma série

de contradições, mas as mais evidentes estão entre o capital especulativo (dissociativo) e o

Estado - a partir do modelo jurídico do Estado Democrático de Direito Social21 – e daí para

frente, entram em choque a política dos direitos sociais e as forças públicas (estatais) que

mais se aproximam dos interesses do capital.

A força disruptiva nos acena com a possibilidade de redes interativas, uma vez que

o próprio capital precisa disso, dessa condição expansiva, dessa nova colonização. Porém,

de forma contraditória (aliás, desde a formação do Estado Moderno), a ação das forças

centrípetas (conjuntivas, de acumulação capitalista, dessa extração de mais-valia relativa e

ampliada pelo mundo físico e intelectual) a tendência é nos vermos atolados em redes

controlativas, a exemplo da sociedade de controle de que falava Deleuze. A principal

contradição do Estado Moderno (indicada por Mézáros), de certo modo, está na rede.

De certo modo, a contradição faz parte do fluxo do Capital e do Estado Capitalista,

pois quanto mais ambos precisam agregar forças – para se expandirem para além dos

limites e dos controles iniciais – necessariamente, mais precisam despejar potência para

além das próprias fronteiras. Ambos, Capital e Estado, necessitam obrigatoriamente

expandir-se e essa força expansiva em si, gera novas e mais fortes condições disruptivas.

A necessidade de controle, inversamente ao raciocínio linear, gera expansão. Porém,

quanto mais libera pressão interna (como jato propulsor do deslocamento) mais se

enfraquece – tal qual o Império romano, quando impôs as próprias regras e meios de seu

declínio anunciado. Esta que é a sucumbência do apogeu.

Esta motivação/movimentação torna Capital e Estado Expansivo duas entidades

modernas não obtusas, não analógicas? A resposta já é variável, pois a potência externa ao

Estado, por exemplo, pode muito bem permitir ao Capital forjar formas/forças

políticas/jurídicas para além do Estado.

Nesta relação sociometabólica, tudo é rede pois se interligam o mundo físico e o

mundo virtual, o real e o atual. Mas, é preciso detectar que as forças disruptivas partem da

21 O Estado Democrático de Direito Social é um Estado em Rede, a partir das virtualidades da rede de direitos humanos que o conforma, do passado remoto (do Bill of Rigths) até os direitos do próprio ciberespaço.

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rede ampliada pela interação e pela lógica contrária das forças conjuntivas, exploradoras e

egoístas, e que nos levam a ver o Estado como uma tendência da sociedade controlativa.

Assim, devemos dizer que, para o bem e para o mal, tudo é rede. Estamos além do Estado

Tradicional, para além daquele modelo, talvez, em direção de um Estado Moderno

Atualizado.

Como se diz, tudo é rede, todos estão na rede, mas é preciso sempre relembrar que

aí alguns têm capacidade de jogar a/na rede e outros apenas (contemplativamente) são alvos

de lances maiores, são apanhados sós. E são apanhados sós, justamente por uma ação

implicativa desse Estado Controlativo22. Por isso, é preciso adjetivar23 essa construção

apologética de que “tudo é rede”. Tudo é rede sim, mas para quem e como...afinal, a rede

não é boa, nem má, nem neutra. A rede é simplesmente (ou absolutamente) política.

Esta é a aparente confusão que sentimos ao pensar que o tripé

Estado/Sociedade/Capital constrói outra racionalidade um tanto quanto diversa daquela

posta pelo Estado Moderno, pois, ao passar pela rede, a nova racionalidade tem a alcova de

irracionalidade. Ainda é só o caos criador, porque o Poder Constituinte (revolucionário)

da/na rede ainda está dizendo a que veio – nem bom, nem mau, muito menos neutro.

Sociedade das Coisas

É crescente o processo de reificação, coisificação, em que o homem tende a ser

programado, formatado à imagem e semelhança das máquinas. Nesta era das máquinas

inteligentes, o processo de subsunção do humano pelo código (cogito) já é quase insondável

– dada a afirmação da cultura Hich Tech, os jovens manipuladores futuro-presente não

saberão distinguir o que é bom ou não em termos estritamente tecnológicos.

Nós ainda nos chocamos porque fomos criados a partir do liame ética/técnica, mas o

presente-futuro já prepara uma outra consciência, em que a ética é uma coisa meio estranha,

e esse estranhamento ético não poderia ser mais grave. A cultura Hich Tech de quem está se

formando hoje, traz a cena típica em que o neto ensina ao avô como se engendram as

22 O tema Estado Controlativo deve ser analisado separadamente, mas pode-se ter um perfil do seu alcance ou das suas ameaças no anexo 02 que se segue ao texto. 23 Tal qual a Democracia e o Estado, uma vez que também não são isentos de valores, de ideologias políticas.

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maravilhas computacionais. O que revela indícios de uma síndrome do pequeno robô: a

criança indefesa, inocente e pura já sente a força, a virtú da informática.

Talvez já não seja mais possível uma consciência ambiental (um certo retorno, com

sentimento de nostalgia aos códigos da vida mais natural), que pudesse se opor à

determinação dessa consciência maquínica, e um dado objetivo disso é o fato de que talvez

já tenhamos ultrapassado a linha do desenvolvimento auto-sustentável, ou seja, a

impactação do uso das tecnologias na Terra já adulteraram, revolveram 2/3 das reservas e

das fontes naturais.

Neste sentido, também podemos dizer que não há ciência ou tecnologias puras,

limpas ou boas (por mais que o seu processamento tenha sido muito razoavelmente ético),

pois as imponderáveis alteram demais a subjetividade de seu uso político. Daí que toda

ciência e seus aplicativos tecnológicos (no mínimo) servem para minar ainda mais a

natureza e dar suporte ao artificialismo. Além de que sempre terão algum impacto

ambiental. Toda ciência e toda tecnologia é poluente da vida e da consciência.

Não só o mundo se artificializou completamente (estranhamento do próprio

desencantamento do mundo), mas também os jovens do futuro não conseguirão ver de outra

forma que não essa. A matriz já é a máquina e talvez por isso já seja tão difícil

compreender e praticar o que é ética. A informática não é mais a segunda pele que nos

recobriu por tanto tempo, pois o pensamento maquínico (nem se deve supor consciência

maquínica) é determinante, é o primogênito, isto é, trata-se na verdade da primeira pele, da

mais forte implicação tecnológica.

Neste caso, o problema não é tanto que venha a desaparecer a consciência da luta de

classes, mas, mais simplesmente, que já tenha desaparecido a consciência de que se é

humano.

Novos pontos de fuga e/ou poros de articulação, é este o caminho sugerido por

Antonio Negri ao analisar a categoria sociológica que define como Multidão:

A Multidão inclui as mulheres, os pobres, os imigrantes; compreende todos

aqueles que produzem no terreno social, e não mais simplesmente sobre o

terreno industrial. Esta é a grande diferença. Se existe alguma diferença da

Multidão com as populações [...] é quanto às populações nacionais. Hoje,

um discurso dirigido objetivamente para as populações nacionais não é

mais possível. Os fenômenos migratórios são enormes e modificam,

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miscigenam, transformam as populações em, praticamente, todos os países

do mundo (Negri, 09/10, 2005).

O mundo globalizado precisa produzir informação incessantemente. Ocorre, porém,

que esse processo é controlado como monopólio ou monolito, sem que ocorram pontos de

fuga ou poros de negociação suficientes, ampliadamente dispostos por todo o mundo

global. Esta Multidão ou amplo espectro de pobreza e de miséria multiplicada por todo

canto globalizado ainda não dispõe de meios e de recursos amplificadores de suas falas e de

suas demandas.

Como se vê, esses poros de negociação são insuficientes, ainda que cada vez mais

necessários, e os exemplos variados devem ser repetidos para que no futuro-presente

possam ser agrupados em torno da política global. Vejamos um desses exemplos:

Adilson Mira tem 38 anos, é o prefeito da cidade e está em seu segundo

mandato. Confessa não ser um usuário fanático de computadores, mas usa a

internet e o e-mail com freqüência. Só recentemente descobriu que o Orkut

existia. Convidado, criou seu perfil, cadastrou-se na comunidade virtual de

Santa Cruz e abriu o tópico “Fale com o Prefeito”. Há um mês vem

trocando idéias com a população sobre sua administração (Kobashi,

25/06/2005).

a) A "nova inteligência política" poderia ser reduzida a uma outra forma de se fazer

política que não fosse apenas seguindo o modelo maniqueísta, ou seja, em que os

ganhos pudessem advir de uma relação política interativa: um exemplo disso é o

que Lévy chamou de "flamme", e isto não torna a política menos realista ou

objetiva, apenas poderia desconfigurar a idéia de que a política tem

(necessariamente) de ser egoísta e visar o poder a qualquer custo. Às vezes, ganha-

se mais apenas rodeando o poder ou usando-o como meio de se chegar a uma

postura mais interativa. A rede pelo menos nos permite pensar nisso. O poder na

rede tem de ser compartilhado ou, então, haverá monitoramento e censura.

bb)) A criação de "novos direitos planetários" já ocorre, sem planejamento algum. O

próprio direito dos "sem-tela" ou da "inclusão social" vem acompanhando a pressão

social e digital dos usuários - é um movimento liderado pelos usuários (há mais de

uma década) e só agora é que os "sem-tela" também se mobilizaram um pouco

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mais. É um típico movimento da sociedade civil virtual (estabelecendo novas

práticas políticas interativas e requisitando por novos direitos). Mesmo aqui, os

governos reagem sob pressão - e isto também revela a dimensão realmente social do

Direito, e não a velha idéia de que ao Direito corresponde a coerção (Durkheim).

Aliás, os direitos que emergem da rede (a partir de sua consciência) são "direitos

propositivos, interativos" e não mero reflexo do "monopólio do uso da força física"

(Weber). E esta é, sem dúvida, uma nova dimensão do Direito que deve ser melhor

investigada, pois deverá produzir um outro binômio: do "Direito/Força ao

Direito/Interação". Para isso, portanto, não cabe monitoramento ou ingerência

estatal reguladora.

Neste campo, portanto, da produção do saber iluminado do século XXI, não basta

revisitar criticamente a doutrina ou a dogmática que se acumulou por séculos de tradição no

Estado. Pode-se mesmo dizer que hoje há poderes para além do Estado, ou seja, para além

do Estado/Direito Monista.

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NOVAES, Adauto (org.). O avesso da liberdade. São Paulo : Companhia das Letras, 2002. O ESTADO DE S. PAULO. Enviar torpedos em excesso pode reduzir o QI. Caderno Link, 02/05/2005, p.

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01/05/2005, p. A-20.

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AANNEEXXOO II

OO PPEENNSSAAMMEENNTTOO ÚÚNNIICCOO

Ignácio RAMONET - Publicado no original em francês no Le Monde Diplomtique, janeiro de 1995. Traduzido por Jaerson Lucas Bezerra.

-------

Aprisionados. Nas democracias atuais, cada vez mais cidadãos livres se sentem aprisionados, presos por um tipo de doutrina envolvente que, insensivelmente paralisa todos os espíritos rebeldes, inibindo-os, perturbando-os, paralisando-os e acabando por suprimi-los.

Depois da queda do muro de Berlim, a derrocada dos regimes comunistas e a desmoralização do socialismo, a arrogância, a soberba e a insolência deste novo Evangelho atingiu um tal nível que pode-se, sem exagero, qualificar este furor ideológico de moderno dogmatismo.

O que é o pensamento único? Tradução em termos ideológicos com pretensão universal das vantagens de um conjunto de forças econômicas, estas, em particular, do capital internacional. Ela foi formulada e definida desde 1944, por ocasião dos acordos de Bretton-Woods. Seus arautos principais são as grandes instituições econômicas e monetárias - Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização de Cooperação do Desenvolvimento Econômico, Acordo Geral sobre Tarifas Alfandegárias e Comércio, Comissão Européia, Banco da França, etc. - que, através dos seus financiamentos, recrutam à serviço de suas idéias, através de todo o mundo, inúmeros centros de pesquisas, universidades, fundações que, por sua vez, elaboram e divulgam os ensinamentos.

Este discurso anônimo é retomado e reproduzido pelos principais órgãos de informação econômica, e notadamente pelas "bíblias" dos investidores e dos representantes das bolsas de valores - The Wall Street Journal, Financial Times, The Economist, Far Eastern Economic Review, os Echos, Agência Reuter, etc. -, pertencentes, quase sempre, aos grandes grupos industriais e financeiros. Em todos os lugares, faculdades de ciências econômicas, jornalistas, ensaístas, homens políticos, e outros, retomam os novos ensinamentos destas novas tábuas da lei e, por intermédio dos veículos de comunicação de massa, os repetem até a náusea. Sabendo de forma pertinente que, nas nossas sociedades de mídia, a repetição vale pela demonstração.

O primeiro princípio do pensamento único é tão forte que um marxista distraído não o recusaria: o econômico prevalece sobre o político . Fundando-se em tal princípio, por exemplo, um instrumento tão importante quanto o Banco da França virou, sem oposição, independente em 1994 e, de alguma maneira, "colocado ao abrigo dos credos políticos". "O Banco da França é independente, apolítico e imparcial" afirma seu expoente máximo, M. Jean-Claude Trichet, que entretanto acrescenta: "nós pregamos a redução dos déficits públicos" e " nós perseguimos uma estratégia de moeda estável (1)". Como se estes dois objetivos não fossem essencialmente políticos! É em nome do "realismo" e do "pragmatismo" - que M. Alain Minc se expressa da maneira seguinte: " O capitalismo não

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pode afundar, pois ele é o estado natural da sociedade. A democracia não é o estado natural da sociedade. O mercado sim (2)". A economia é alçada à posição de comando. Uma economia desligada dos obstáculos do social, cujo peso por decorrência seria a causa da recessão e da crise.

Os outros conceitos-chaves do pensamento único são conhecidos: o mercado, ídolo onde "a mão invisível corrige as asperezas e as deseconomias do capitalismo" e particularmente os mercados financeiros, onde "os sinais orientam e determinam, o movimento geral da economia"; a concorrência e a competitividade, que "estimulam e dinamizam as empresas levando-as a uma permanente e benéfica modernização"; o livre-comércio sem barreiras, "fator de desenvolvimento ininterrupto do comércio e das sociedades", também a mundialização da produção manufatureira e os fluxos financeiros; a divisão internacional do trabalho que "modera as reivindicações sindicais e baixam os custos salariais"; a moeda forte, "fator de estabilidade"; a desregulamentação; a privatização; a liberalização, etc. Sempre "menos Estado", uma arbitragem constante a favor dos lucros do capital em detrimento dos custos do trabalho. E uma indiferença no tocante ao custo ecológico.

A repetição constante, em todas as mídias, deste catecismo (3) por quase todos os homens políticos, tanto de direita quanto de esquerda (4), lhe confere uma tal força de intimidação que abafa qualquer tentativa de reflexão livre, e dificulta a resistência contra esse novo obscurantismo (5).

Poder-se-ia quase considerar que os 17,4 milhões de desempregados europeus, o desastre urbano, a precarização geral, a corrupção, as periferias violentas, o desastre ecológico, o retorno dos racismos, os integralismos e os extremismos religiosos, a massa de excluídos são apenas miragens, resultado de delírios, fortemente discordantes do melhor dos mundos que se edifica para nossas consciências anestesiadas, o pensamento único.

(1) Le Monde, 17 de dezembro de 1994.

(2) Cambio 16, Madrid, 5 de dezembro de 1994.

(3) O melhor testemunho do pensamento dominante: a França do ano 2000 entrega ao seu primeiro ministro, as edições "Odile Jacob". Paris, 1994.

(4) É conhecida a célebre resposta de M. Dominique Strauss-Kahn, ministro socialista da indústria: "o que vai mudar se a direita ganha?", ele respondeu: " Nada, sua política econômica não será dferente da nossa". The Wall Street Journal Europe, 18 de março de 1993.

(5) Será por isso que muitos intelectuais como Guy Debord se suicidaram nestas últimas semanas?

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ANEXO II

EESSTTAADDOO CCOONNTTRROOLLAATTIIVVOO

VVIIGGIILLÂÂNNCCIIAA AABBSSOOLLUUTTAA

Qualquer pessoa que viajar para os Estados Unidos terá suas informações de caráter pessoal entregues à polícia de imigração norte-americana, com particular atenção para com os latino-americanos, muçulmanos e oriundos do Oriente Médio.

Ignacio Ramonet - * Diretor-presidente do Monde diplomatique

“No passado, nenhum governo tivera o poder de manter seus cidadãos sob uma vigilância constante. Agora, a Polícia do Pensamento vigiava todo mundo, constantemente.” (George Orwell, 1984)

Síntese: • Se o visitante aos EUA for muçulmano ou natural do Oriente Médio, o

código de suspeito lhe será obrigatoriamente atribuído e se tirarão suas impressões digitais.

• A lei norte-americana proíbe que informações pessoais sejam armazenadas. Mas, não, de encomendar a uma empresa privada que o faça para o governo.

• A ChoicePoint não é uma empresa desconhecida. Sua filial, na eleição presidencial de 2000, foi contratada pelo Estado da Flórida para reorganizar as listas de votação.

• Os cidadãos norte-americanos não escapam à atual paranóia. Novos tipos de controle questionam a vida privada, o sigilo da correspondência e a liberdade de expressão.

Os europeus que estejam planejando passar as férias de verão nos Estados Unidos devem ficar sabendo que, devido a um acordo entre a Comissão Européia e as autoridades federais, algumas informações de caráter pessoal serão entregues, sem seu consentimento, à polícia de imigração dos Estados Unidos, pela companhia aérea que tenham escolhido para viajar. Antes mesmo de entrarem no avião, as autoridades dos Estados Unidos já terão em seu poder o nome, o sobrenome, a idade, o endereço, os números do passaporte e do cartão de crédito, o estado de saúde, as preferências alimentares (que podem indicar sua religião), as viagens precedentes, o nome e idade das pessoas que os acompanham, o nome das organizações que financiaram algumas de suas viagens etc. Todas essas informações serão depositadas num dispositivo de filtragem batizado CAPPS (Computer Assisted Passenger Pre-Screening, Sistema Assistido por Computador para Controle Preventivo) para detectar eventuais suspeitos. Ao controlar a identidade de cada passageiro, e cruzando seus dados com as informações dos serviços de inteligência policiais, do Departamento de Estado, do Departamento de Justiça e da rede bancária, o CAPPS fará uma avaliação do grau de periculosidade da pessoa e lhe atribuirá um código colorido: verde para os inofensivos, amarelo para casos duvidosos e vermelho para os que serão impedidos de ter acesso ao avião e, detidos.

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Latino-americanos na mira

“Os serviços de imigração e o Departamento de Estado trabalharão em conjunto para identificar os indivíduos que devem ser vigiados desde sua entrada, ou antes de sua entrada nos Estados Unidos”, advertiu o ministro da Justiça, John Ashcroft. “Faremos uma avaliação de cada visitante para determinar o risco de uma eventual participação sua em atividades terroristas1”. Se o visitante for muçulmano ou natural do Oriente Médio, o código amarelo, de suspeito, lhe será obrigatoriamente atribuído. E o Programa de Segurança nas Fronteiras autoriza os agentes da imigração a fotografá-lo e tirar suas impressões digitais. Os latino-americanos também estão na alça de mira. Foi descoberto que 65 milhões de mexicanos, 31 milhões de colombianos e 18 milhões de centro-americanos estavam registrados nos Estados Unidos ilegalmente e sem o consentimento de seus governos2. Em cada ficha desses registros figura a data e local de nascimento, sexo, identidade dos pais, uma descrição física, situação matrimonial, número do passaporte e a profissão declarada. Muitas vezes, esses registros assinalam outras informações confidenciais, tais como endereços pessoais, números de telefone, número da conta bancária, placas dos carros, assim como impressões digitais. Portanto, pouco a pouco, todos os latino-americanos serão catalogados por Washington.

Contrato com a Flórida

“O objetivo é instaurar um mundo mais seguro. É preciso ser informado sobre o risco que representam as pessoas que entram em nosso país”, afirmou James Lee, um dos diretores da empresa ChoicePoint, que compra as fichas de registros para as revender ao governo dos Estados Unidos3. Isto porque a lei norte-americana proíbe que informações pessoais sejam armazenadas. Mas, não, de encomendar a uma empresa privada que o faça para o governo. Com sua sede próximo de Atlanta, a ChoicePoint não é uma empresa desconhecida. Por ocasião da eleição presidencial de 2000, sua filial Database Technologies (DBT) foi contratada pelo Estado da Flórida para reorganizar as listas de votação. Resultado: milhares de pessoas foram privadas de seu direito de voto. O que alterou o total da eleição, vencida por Bush com apenas 537 votos de vantagem... E foi essa vitória que lhe permitiu ter acesso à Presidência4...

Espionagem ilegal delirante

Ainda que os atentados tenham acentuado a xenofobia, os estrangeiros não são os únicos a serem submetidos a uma vigilância exagerada. Os cidadãos norte-americanos não escapam à atual paranóia. Novos tipos de controle, autorizados pelo Patriot Act, questionam a vida privada, o sigilo da correspondência e a liberdade de expressão. Já não é necessário obter uma autorização para instalar um grampo telefônico. Os investigadores policiais podem ter acesso a informações pessoais dos cidadãos sem mandato de busca. O FBI, por exemplo, solicitou às bibliotecas que lhe fosse fornecida a lista de livros e de sites da Internet consultados por seus assinantes5 para traçar um “perfil intelectual” de cada leitor... Mas o mais delirante de todos os projetos de espionagem ilegal é o que elabora o Pentágono sob o nome de código de Total Information Awareness (TIA), um sistema de total vigilância de informações6 de que foi encarregado o general John Poindexter, condenado, na década de 80, por ter sido o instigador do caso Irã-Contra7.

A superação do Grande Irmão

O projeto consiste em coletar uma média de quarenta páginas de informações sobre cada um dos 6,2 bilhões de habitantes do planeta, confiando seu processamento a um supercomputador. Centralizando, cruzando e processando todos os dados pessoais disponíveis – pagamentos por

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cartão, assinatura de jornais e revistas, movimento da conta bancária, chamadas telefônicas, consultas a sites na Internet, correio eletrônico, ficha policial, dados sobre avalistas, informações médicas e da previdência social –, o Pentágono pretende estabelecer um perfil completo de cada ser humano. Como no filme Minority Report, de Steven Spielberg, as autoridades norte-americanas também pensam poder evitar os crimes antes que eles sejam cometidos. “Haverá menos vida privada, mas mais segurança”, afirma John L. Petersen, presidente do Arlington Institute. “Poderemos antecipar o futuro graças à interconexão de todas as informações que digam respeito a você. Amanhã, saberemos tudo sobre você”. O Grande Irmão foi superado...

1 - Le Figaro, 7 de junho de 2002. 2 - El País, Madri, 21 de maio de 2003. 3 - La Jornada, Cidade do México, 22 de abril de 2003. 4 - The Guardian, Londres, de 5 maio de 2003. 5 - The Washington Post National Weekly Edition, 21-27 de abril de 2003. 6 - Diante dos protestos dos defensores da vida privada, o nome foi alterado para Terrorism Information Awareness (TA). 7 - Ler, de Armand Mattelart, Histoire de la société de l’information, ed. La Découverte, Paris, nova edição, outubro de 2003.

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AANNEEXXOO IIIIIIII

AA CCOONNSSCCIIÊÊNNCCIIAA EE AA HHUUMMAANNIIZZAAÇÇÃÃOO PPEELLOO TTRRAABBAALLHHOO

NNÃÃOO HHÁÁ RREEAALL OOUU VVIIRRTTUUAALL QQUUEE NNÃÃOO PPAASSSSEE PPEELLOO TTRRAABBAALLHHOO A questão é de que maneira algo se torna real, isto é, algo ‘’posto’’ do ‘’lado de fora’’ do ‘’mundo dos fenômenos’’, enquanto real. Para tanto deverá, em primeiro lugar, ser ‘’possível’’. ‘’O que é essencial (Weseniliche) à realidade’ é a possibilidade (Möglichkeit)’’, não meramente ‘’formal’’, mas enquanto ‘’identidade’’. O que se torna real chama-se de ‘’contingente (Zufällig) justamente por ter sido possível: ‘’Possibilidade e contingência as aquelas etapas da realidade – a interior e a exterior – consideradas como simples formas que constituem a exterioridade do real’’. A ‘’mais-valia’’, pode, por exemplo, ‘’estar’’ no produto, ‘’existir’’ na mercadoria; mas só se torna ‘’real’’ através do dinheiro obtido com a venda dessa mercadoria, enquanto lucro. O ‘’lucro’’ é a ‘’mais-valia’’ real, enquanto realizada. A ‘’mais-valia’’ existente, se, por exemplo, não se vender a mercadoria, se aniquilará, não chegará a ser ‘’real’’. Antes de tudo, ‘’como o real e o possível são diferenças formais, sua relação também é apenas formal’’. (p. 34) Para que o contingente passe de ‘’possível’’ para ‘’real’’, é preciso que ele satisfaça às ‘’condições’’ (Bedingungen): ‘’Se todas as condições se encontrarem presentes, a coisa (Sache) só pode (muss) se tornar real’’. É, entretanto, necessário uma terceira etapa para que a ‘’coisa’’se torne ‘’real’’. É necessária a ‘’atividade’’ (Tätigkeit):

‘’a) A condição 1) é o que é suposto previamente (...), 2) as condições são passivas (...); b) sendo que, graças à verificação das condições, ela recebe sua existência exterior, aquele ato pelo qual se realizam (realisieren) as determinações do seu conteúdo (...); c) também a atividade , 1) não deixa de ser menos existente de maneira autônoma, e somente a coisa e as condições a tornam possível, 2) ela é o movimento que consiste em transpor as condições para dentro da coisa’’.

Finalmente, depois que a coisa real satisfaz às suas condições, ela passa a ser ‘’necessária’’ (notwendig); é a substancia (Substanz), ‘’enquanto potência e, ao mesmo tempo riqueza (Reichtum) de tudo o que ela contém’’. Agora, sim, podemos dizer que ‘’ substancia é uma causa (...), isto é sua própria possibilidade se apresenta com sendo o seu próprio negativo e produz, então, um efeito (Wirkung), uma realidade, que, por isso mesmo, não passa de uma realidade ali posta. Poderíamos concluir, dizendo que este ‘’reino da necessidade’’ (de causa, efeito, ação recíproca etc.) se transformam

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finalmente em um ‘’Reino da Liberdade’’: ‘’Eis aí o concreto, o reino da Subjetividade ou da Liberdade’’. (p. 35)

O detentor do dinheiro é real; o detentor do trabalho é mera possibilidade. (p. 36) Max considera o ‘’trabalho vivo’’ (lebendige Arbeit) como a ‘’coisa’’ (Sache) que, por ainda não ter sido ‘’exteriorizada’’ (segundo Hegel; ‘’objetivada’’, segundo Marx), não é ‘’real’’. Parar se tornar ‘’real’’, ela terá de poder atender às ‘’condições’’. Se não tiver a possibilidade de atender a essas ‘’condições’’, simplesmente não chegará a ser ‘’real’’ (objetiva’’, segundo Marx):

‘’Enquanto tal, ele não é matéria-prima, nem instrumento de trabalho, nem produto bruto; ele é o trabalho separado de todos os meios de trabalho e objetos de trabalho, de toda a sua objetividade; é o trabalho vivo existente como abstração desses aspectos da sua realidade real (realen Wirklichkeit) (igualmente não-valor); é esse despojamento total, essa desnudez de toda objetividade, essa existência puramente subjetiva. É o trabalho enquanto pobreza absoluta (absolute Armut); é a pobreza não enquanto carência, mas enquanto completa exclusão da riqueza (Reichtum) objetiva’’

Marx encara, então, o ‘’trabalho vivo’’ como essa ‘’coisa’’ que é ‘’mera possibilidade’’; que não possui condições para se tornar ‘’real’’. Essa possibilidade está economicamente determinada, (este ponto é de importância essencial pra mim, como latino-americano da atualidade): é ‘’pobreza (Armut)’’. Mais do que ‘’mera classificação’’ (o trabalho subsumido no capital), o ‘’trabalho vivo’’ é pobre. É o pauper ante festum – como diversas vezes se exprime Marx - ; é a ‘’condição’’ absolutamente negativa da existência do capital: se não houvesse ‘’pobres’’, não haveria quem vendesse a sua própria carne, sua própria pessoa, sua própria subjetividade criativa por dinheiro(este não passa de trabalho objetivado’’, isto é, ‘’morto’’, ao contrário do trabalho ‘’vivo’). (p. 38)

Marx descreva a situação ‘’anterior ao contrato’’entre capital e trabalho, dentro da qual o trabalhador não é ‘’real’’, senão pura possibilidade’’, uma vez que não possui condições ‘’objetivas’’ para sua própria ‘’realização’’. Seu próprio ser, sua própria pessoa, sua corporalidade não passam de negatividade, de ‘’pobreza’’ (subjetividade econômica; não se trata aqui da subjetividade hermenêutica do leitor de um texto): é a subjetividade imediata de uma corporalidade sofredora, sem recursos, sem alimento, sem capacidade para reproduzir sua vida; ele é um pobre. (p. 39)

Até agora o ‘’trabalho vivo’’ encontra-se na exterioridade (ante festum, costumava dizer Marx, e da mesma forma como apresenta Lévinas) e ‘’negativamente’’, como ‘’coisa’’ existente, como pura possibilidade não real, sem ‘’condições’’ – ‘’pobre’’. É o ‘’não-capital’’, o ‘’não-ser’’, o ‘’nada’’. Entretanto, previne Marx, esta subjetividade em extrema pobreza é, ‘’positivamente’’, uma ‘’potência’’:

2) Trabalho não-objetivado, um não-valor – se o considerarmos positivamente, ou negativamente em relação a si mesma, eis o que é a existência não-objetivada, isto é, não

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objetiva, - em outras palavras, subjetiva – do próprio trabalho. É o trabalho não como objeto, mas como atividade (Tätigkeit); não como auto-valor, mas como a fonte viva do valor (lenbendige Quelle dês Werts). (... O trabalho vivo é) a riqueza universal – comparada com o capital, dentro do qual existe objetividade, - como possibilidade universal, possibilidade que se realiza na atividade enquanto tal”. (p. 39)

As condições objetivas do trabalho vivo manifestam-se como valores separadamente autônomos, contradizendo a capacidade viva como entidade (Daisen) subjetivo (...). O que é reproduzido e produzido de novo não é apenas a entidade (Daisen) dessas condições objetivas do trabalho vivo, mas essa entidade alienada (fremdes Daisen) do trabalhador (...). O material trabalhado por ele é material alheio. O trabalho vivo se manifesta, ele próprio, como alienado (frend), em oposição à capacidade de trabalho vivo, cujo trabalho ele é, e do qual é sua própria vida exteriorizada (Lebensauuusserung)’’. Em tal caso as ‘’condições já não são as originarias, mas as que, cada dia que ele retorna ao trabalho, o desafiam ‘’em forma de capital’’. (p. 37)

‘’No conceito de trabalhador livre já está implícito que ele mesmo é pauper virtual. Conforme forem suas condições econômicas, sua vida de trabalho não passa de mera capacidade, sendo que, por esse mesmo motivo, ele também está afetado por necessidades vitais. Então, em sua qualidade de necessitado (Bedürftigkeit) em todos os sentidos, sem existência objetiva (...), o operário está sujeito a condições que, para o operário, são contingentes (zufällige) e indiferentes (gleichgültige) ao seu ser orgânico. Ele é, por conseguinte, virtualiter (virtualmente um pauper (pobre)’’. Para o operário, as ‘’condições’’ que o capital lhe oferece são ‘’contigentes’’, mas lhe são ‘’necessárias’’ para que seja ‘’real’’. (p. 38)

Esta palavra ‘’possibilidade’’ tanto pode ser Möglichkeit como potentia, Macht ,dynamis (usada freqüentemente por Marx, em grego, como p. ex., no texto citado dos Grundrisse, p. 237, p. 204, e Vermögen em inglês (‘’labor force’’), isto é ‘’capacidade de trabalho’’ (e, anos mais tarde, ‘’força de trabalho’’). (p. 39)

Uma vez que o ‘’trabalho vivo’’ é vendido, ele é transferido para o capital, é ‘’subsumido’’ na ‘’Totalidade’’ (no sentido dado por Lévinas ou Marcuse) do capital. Tomando como ponto de partida o ‘’fundamento’’ (Grund) ou o ‘’Ser’’ do capital (a valorização do valor), o próprio trabalho vivo é apresentado como uma ‘’mediação’’ do valor: a coisa passa a ser pessoa (o valor), e a pessoa passa a ser coisa (o trabalhador): é o fetichismo do capital. (p. 41)

De fato ‘’o trabalho é a substância (Substanz) e a medida imanente dos valores; ele mesmo, entretanto, não possui valor algum’’. A pessoa, a subjetividade, a corporalidade, a atividade humana denominada ‘’trabalho vivo’’ é que são a ‘’fonte criadora do valor partindo do nada do capital’’, não podendo, por isso, possuir valor algum. ‘’Portanto, o que a economia política (capitalista) denomina de valor do trabalho é, na realidade, o valor da força de trabalho, existente na personalidade do operário’’. Quando esse valor, que é vida objetivada, não retorna ao trabalhador, então fica sendo sua negatividade, seu próprio não-Ser, sua miséria. (p. 41)

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O trabalho vivo objetiva vida como valor, que, porém, não recupera. Mas, mediante um segundo movimento, um capital mais desenvolvido poderá se apropriar dos valores de outro menos desenvolvido, o mesmo acontecendo com uma nação mais desenvolvida em relação a outra menos desenvolvida. (p. 41)

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AANNEEXXOO IIVV

b ONU propõe controle internacional da web - IDG Now! http://idgnow.uol.com.br/AdPortalv5/InternetInterna_180705.html Segunda-feira, 18 julho de 2005 - 17:03 A divisão das Nações Unidas direcionada especificamente à internet, Working Group on Internet Governance (WGIG), apresentou nesta segunda-feira (18/07) um relatório propondo uma maior internacionalização da gestão da internet. No documento, o órgão declara ser necessária uma melhor reorganização da gestão da internet, com base da Declaração de Princípios adotada em 2003 para a primeira fase da Cúpula da Informação. Entre as medidas propostas está a possibilidade de aumentar o papel do Comitê Consultivo para Assuntos Governamentais (GAC, na sigla em inglês) da Corporação da Internet para Nomes e Números (Icann). Na prática, não seria necessária a criação de um órgão separado para discutir a gestão, mas a ampliação do GAC como um fórum de discussão para os países. A segunda alternativa apontada pelo WGIG propõe a criação de um novo órgão capaz de reunir questões relativas à política pública referente às competências da Icann. Nesta proposta, o GAC seria redundante. A terceira possibilidade seria também a criação de uma outra entidade em substituição do GAC. A Icann poderia ser responsável pelo órgão, o que facilitaria as negociações de tratados relacionados à internet. Nesse caso, a entidade seria ligada diretamente às Nações Unidas, o que significaria a perda do domínio dos Estados Unidos. A quarta alternativa diz respeito à criação de três novas áreas de discussão para governança da internet, gestão e coordenação global da rede. Os três órgãos seriam independentes, vinculados à ONU, e incluiriam uma reforma internacional. Entre todas as propostas apresentadas, o ponto comum é a necessidade da criação de um espaço próprio para que os governos tenham maior autonomia para fazer propostas para a gestão da internet. O relatório foi apresentado nesta segunda-feira (18/07) ao embaixador Janis Karklins, da Letônia, que ficará responsável pelo Comitê Preparatório da Cúpula, a ser realizada na Tunísia em novembro. Briga norte-americana O documento do WGIG promete desagradar o governo norte-americano que, no final de junho, declarou que não pretende abrir mão do controle do sistema Domain Name System (DNS), que gerencia os endereços da internet. Na ocasião, o Departamento de Comércio dos Estados Unidos informou que não pretende retirar o controle técnico do sistema de gerenciamento DNS do controle da Icann. De acordo com Demi Getschko, conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, o documento pode ser interpretado, como um indicativo de que a raiz do DNS deve continuar sendo coordenada pela Icann, mas existem dúvidas sobre a relação que o órgão vai manter com o governo norte-americano. "O que não está claro é se o Departamento de Comércio pretende renovar o acordo que tem com a Icann e que termina em 2006. Com esse documento não é possível saber se esta é uma confirmação do final do contrato e a declaração que o governo pretende rediscutir os termos ou se o governo pretende de alguma forma revalidar o acordo", disse em entrevista recente ao IDG Now!. As questões sobre o controle dos domínios será um dos temas principais da Cúpula.

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Anexo V

Folha de São Paulo, 31 de julho de 2005

Internet estável e segura JOAQUIM FALCÃO Assim como ocorreu com o Protocolo de Kyoto, assinado por Clinton e desconfirmado por Bush, o governo norte-americano mais uma vez voltou atrás. Agora, em matéria até mesmo mais estratégica que a do aquecimento global. Em 1998, os EUA assumiram o compromisso de abrir mão do controle que exercem sobre a internet mundial. Há algumas semanas, decidiram manter o controle. Indefinidamente.

Há algumas semanas, os EUA decidiram manter o controle que exercem sobre a internet mundial. Indefinidamente

Esse controle é exercido pelo poder de veto que o Departamento de Comércio Norte-Americano tem sobre as atividades estratégicas da Icann. Icann é uma associação norte-americana sem fins lucrativos que detém a chave tecnológica através da qual são distribuídos os nomes de domínio -os "endereços" na internet-, possibilitando que um e-mail chegue a seu destinatário. É a organização fundamental da rede. Sem ela, nenhum computador se comunica com outro. Nenhuma empresa com outra. Nenhum país com outro. Eu não poderia enviar por e-mail para a Folha este artigo que agora escrevo. Teria que ser por fax ou correio. Quem controla a Icann controla a internet. Controla o mundo das comunicações. O poder da Icann é imenso. Ela pode, por exemplo, desconectar qualquer endereço da rede. Pode desconectar um país inteiro, isolá-lo do mundo. Pode impedir que haja comunicação via internet dentro do próprio país, entre seus próprios nacionais. Numa situação extrema de guerra, seu poder é inimaginável. Exército nenhum, economia nenhuma, país nenhum resistiria a uma semana sem internet, sem poder se comunicar consigo mesmo. Não é, pois, sem motivos que o governo norte-americano tomou essa decisão. Está em jogo uma instituição estratégica. Essa decisão interrompe um processo de multilateralização da governabilidade da internet e impõe a unilateralização. É preocupante. O Congresso norte-americano tinha delegado ao Departamento de Comércio o poder de regular a internet. O governo Clinton, tendo em vista o interesse global envolvido, fez com que o departamento delegasse à Icann -uma entidade com representantes de todos os países interessados- o poder de distribuir e operar os nomes de domínio. E estabeleceu um período de transição para que essa delegação fosse completada.

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Esse modelo tinha duas vertentes. Por um lado, assegurava uma governabilidade progressivamente multilateral. Por outro, enfatizava mais as comunidades tecnológicas que os governos. A representação por país não se fazia em termos estritamente oficiais. O Brasil, por exemplo, tem dois membros no Conselho de Administração da Icann, de um total de 18. Não são membros do Itamaraty, mas sim indicados pela comunidade de informática. Essa transição é, agora, interrompida em nome da garantia -afirma o governo Bush- de uma internet "estável e segura". Decisão que decorre da mesma política que inspira unilateralismo no meio ambiente, no protecionismo econômico e na geopolítica. Na verdade, a transição caminhava perigosamente em direção à criação de um órgão multilateral oficial dos países, inspirado no modelo das Nações Unidas. Esse caminho não é tranqüilo. É polêmico. Traria pelo menos três conseqüências principais. Primeiro, tornaria o processo decisório muito mais lento, sendo hoje a agilidade da Icann um ativo importante. Segundo, submeteria os Estados Unidos, que inventaram a internet e a própria Icann, a países de quase ou nenhuma experiência tecnológica. Terceiro, organizações das Nações Unidas, como a Organização Mundial do Comércio e a Organização Mundial da Propriedade Industrial, passariam a influir na Icann. Seria possível criar um terceiro modelo, que escapasse da dicotomia entre um modelo unilateral e o modelo multilateral oficial das Nações Unidas? Esse é o desafio principal. Um modelo que viabilizasse pelo menos duas autonomias hoje inexistentes. Primeiro, a autonomia financeira. A quase totalidade dos recursos necessários para manter a Icann vem de empresas privadas norte-americanas. Melhor seria se a Icann tivesse sua própria fonte de recursos, por meio do sistema de registro dos nomes de domínio. Segundo, a autonomia tecnológica. Dos 13 servidores-raiz da internet existentes no mundo, dez são operados nos Estados Unidos, submetidos ao controle tecnológico e físico de instituições norte-americanas. Os outros três estão na Inglaterra, no Japão e na Suécia. Uma descentralização tecnológica que permitisse, por exemplo, à América Latina ter em seu território um servidor-raiz, o que daria maior autonomia ao sistema. Quando os próprios Estados Unidos criaram a Icann, instauraram um processo de invenção institucional inédito na regulação de atividades globalizadas. O que foi extremamente positivo. Afinal, as gerações se distinguem umas das outras e o progresso se faz pela capacidade de inovação e invenção institucional. Seja a nível local, seja a nível global. O modelo Icann tem a virtude da existência e da eficiência. Mas um progressivo processo de invenção global se faz necessário. Resta saber se esse processo será ou não interrompido pela decisão unilateral do governo Bush.

Joaquim Falcão, 61, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de direito constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, é membro do Conselho Nacional de Justiça.

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ANEXO V

Estado Controlativo

VVIIGGIILLÂÂNNCCIIAA AABBSSOOLLUUTTAA

Qualquer pessoa que viajar para os Estados Unidos terá suas informações de caráter pessoal entregues à polícia de imigração norte-americana, com particular atenção para com os latino-americanos, muçulmanos e oriundos do Oriente Médio.

Ignacio Ramonet - * Diretor-presidente do Monde diplomatique

“No passado, nenhum governo tivera o poder de manter seus cidadãos sob uma vigilância constante. Agora, a Polícia do Pensamento vigiava todo mundo, constantemente.” (George Orwell, 1984)

Síntese: • Se o visitante aos EUA for muçulmano ou natural do Oriente Médio, o

código de suspeito lhe será obrigatoriamente atribuído e se tirarão suas impressões digitais.

• A lei norte-americana proíbe que informações pessoais sejam armazenadas. Mas, não, de encomendar a uma empresa privada que o faça para o governo.

• A ChoicePoint não é uma empresa desconhecida. Sua filial, na eleição presidencial de 2000, foi contratada pelo Estado da Flórida para reorganizar as listas de votação.

• Os cidadãos norte-americanos não escapam à atual paranóia. Novos tipos de controle questionam a vida privada, o sigilo da correspondência e a liberdade de expressão.

Os europeus que estejam planejando passar as férias de verão nos Estados Unidos devem ficar sabendo que, devido a um acordo entre a Comissão Européia e as autoridades federais, algumas informações de caráter pessoal serão entregues, sem seu consentimento, à polícia de imigração dos Estados Unidos, pela companhia aérea que tenham escolhido para viajar. Antes mesmo de entrarem no avião, as autoridades dos Estados Unidos já terão em seu poder o nome, o sobrenome, a idade, o endereço, os números do passaporte e do cartão de crédito, o estado de saúde, as preferências alimentares (que podem indicar sua religião), as viagens precedentes, o nome e idade das pessoas que os acompanham, o nome das organizações que financiaram algumas de suas viagens etc. Todas essas informações serão depositadas num dispositivo de filtragem batizado CAPPS (Computer Assisted Passenger Pre-Screening, Sistema Assistido por Computador para Controle Preventivo) para detectar eventuais suspeitos. Ao controlar a identidade de cada passageiro, e cruzando seus dados com as informações dos serviços de inteligência policiais, do Departamento de Estado, do Departamento de Justiça e da rede bancária, o CAPPS fará uma avaliação do grau de periculosidade da pessoa e lhe atribuirá um código colorido: verde para os inofensivos, amarelo para casos duvidosos e vermelho para os que serão impedidos de ter acesso ao avião e, detidos.

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Latino-americanos na mira

“Os serviços de imigração e o Departamento de Estado trabalharão em conjunto para identificar os indivíduos que devem ser vigiados desde sua entrada, ou antes de sua entrada nos Estados Unidos”, advertiu o ministro da Justiça, John Ashcroft. “Faremos uma avaliação de cada visitante para determinar o risco de uma eventual participação sua em atividades terroristas1”. Se o visitante for muçulmano ou natural do Oriente Médio, o código amarelo, de suspeito, lhe será obrigatoriamente atribuído. E o Programa de Segurança nas Fronteiras autoriza os agentes da imigração a fotografá-lo e tirar suas impressões digitais. Os latino-americanos também estão na alça de mira. Foi descoberto que 65 milhões de mexicanos, 31 milhões de colombianos e 18 milhões de centro-americanos estavam registrados nos Estados Unidos ilegalmente e sem o consentimento de seus governos2. Em cada ficha desses registros figura a data e local de nascimento, sexo, identidade dos pais, uma descrição física, situação matrimonial, número do passaporte e a profissão declarada. Muitas vezes, esses registros assinalam outras informações confidenciais, tais como endereços pessoais, números de telefone, número da conta bancária, placas dos carros, assim como impressões digitais. Portanto, pouco a pouco, todos os latino-americanos serão catalogados por Washington.

Contrato com a Flórida

“O objetivo é instaurar um mundo mais seguro. É preciso ser informado sobre o risco que representam as pessoas que entram em nosso país”, afirmou James Lee, um dos diretores da empresa ChoicePoint, que compra as fichas de registros para as revender ao governo dos Estados Unidos3. Isto porque a lei norte-americana proíbe que informações pessoais sejam armazenadas. Mas, não, de encomendar a uma empresa privada que o faça para o governo. Com sua sede próximo de Atlanta, a ChoicePoint não é uma empresa desconhecida. Por ocasião da eleição presidencial de 2000, sua filial Database Technologies (DBT) foi contratada pelo Estado da Flórida para reorganizar as listas de votação. Resultado: milhares de pessoas foram privadas de seu direito de voto. O que alterou o total da eleição, vencida por Bush com apenas 537 votos de vantagem... E foi essa vitória que lhe permitiu ter acesso à Presidência4...

Espionagem ilegal delirante

Ainda que os atentados tenham acentuado a xenofobia, os estrangeiros não são os únicos a serem submetidos a uma vigilância exagerada. Os cidadãos norte-americanos não escapam à atual paranóia. Novos tipos de controle, autorizados pelo Patriot Act, questionam a vida privada, o sigilo da correspondência e a liberdade de expressão. Já não é necessário obter uma autorização para instalar um grampo telefônico. Os investigadores policiais podem ter acesso a informações pessoais dos cidadãos sem mandato de busca. O FBI, por exemplo, solicitou às bibliotecas que lhe fosse fornecida a lista de livros e de sites da Internet consultados por seus assinantes5 para traçar um “perfil intelectual” de cada leitor... Mas o mais delirante de todos os projetos de espionagem ilegal é o que elabora o Pentágono sob o nome de código de Total Information Awareness (TIA), um sistema de total vigilância de informações6 de que foi encarregado o general John Poindexter, condenado, na década de 80, por ter sido o instigador do caso Irã-Contra7.

A superação do Grande Irmão

O projeto consiste em coletar uma média de quarenta páginas de informações sobre cada um dos 6,2 bilhões de habitantes do planeta, confiando seu processamento a um supercomputador. Centralizando, cruzando e processando todos os dados pessoais disponíveis – pagamentos por

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cartão, assinatura de jornais e revistas, movimento da conta bancária, chamadas telefônicas, consultas a sites na Internet, correio eletrônico, ficha policial, dados sobre avalistas, informações médicas e da previdência social –, o Pentágono pretende estabelecer um perfil completo de cada ser humano. Como no filme Minority Report, de Steven Spielberg, as autoridades norte-americanas também pensam poder evitar os crimes antes que eles sejam cometidos. “Haverá menos vida privada, mas mais segurança”, afirma John L. Petersen, presidente do Arlington Institute. “Poderemos antecipar o futuro graças à interconexão de todas as informações que digam respeito a você. Amanhã, saberemos tudo sobre você”. O Grande Irmão foi superado...

1 - Le Figaro, 7 de junho de 2002. 2 - El País, Madri, 21 de maio de 2003. 3 - La Jornada, Cidade do México, 22 de abril de 2003. 4 - The Guardian, Londres, de 5 maio de 2003. 5 - The Washington Post National Weekly Edition, 21-27 de abril de 2003. 6 - Diante dos protestos dos defensores da vida privada, o nome foi alterado para Terrorism Information Awareness (TA). 7 - Ler, de Armand Mattelart, Histoire de la société de l’information, ed. La Découverte, Paris, nova edição, outubro de 2003.

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Controle remoto japonês pode "comandar" seres humanos e A empresa japonesa Nippon Telegraph & Telephone criou um controle remoto para "comandar" humanos. A novidade, que ainda não tem data para ser comercializada, pode fazer com que os videogames se tornem mais realistas. Para ser controlado, o usuário deve colocar uma espécie de fone de ouvido. Ele produz uma corrente elétrica de baixa voltagem que é aplicada na cabeça desta pessoa. Aquele em poder do controle determina a região a ser atingida.

"A experiência foi cansativa. Eu tentava caminhar em linha reta, mas ficava caindo para os lados", afirma a Yuri Kageyama, repórter da agência de notícias Associated Press, que testou um protótipo do produto. Segundo ela, a eletricidade atinge regiões delicadas do ouvido que ajudam a manter o equilíbrio. "Eu sentia uma vontade incrível de andar para a direita quando o pesquisador movia o controle para o lado oposto. Eu tinha certeza que devia fazer isso para manter o equilíbrio, mas estava errada", continua. Segundo a "cobaia", a experiência não causa dor, mas é "dramática".

A descrição sobre as sensações beira o surrealismo. "É como derreter em um sonho sob a influência de uma anestesia. Ou, ainda melhor, é como se uma mão invisível entrasse no seu cérebro." Entre outras atividades, a repórter assistiu a um game de corrida. O fone estava programado para sincronizar correntes elétricas com as curvas feitas pelo carrinho. O equipamento também acompanhou o ritmo de uma música e, mesmo sem querer, Kageyama ficou balançando a cabeça enquanto ouvia a canção. Segundo pesquisadores da companhia japonesa, eles utilizaram o controle para fazer com que um usuário caminhasse sobre uma rota imaginária no formato de um "pretzel gigante". Os especialistas dizem que a opinião dos usuários varia; alguns adoram a experiência, enquanto outros se sentem desconfortáveis. Com agências internacionais

AP Photo

A "cobaia" Yuri Kageyama não conseguiu manter o equilíbrio

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http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/outros/2005/10/30/ult586u285.jhtm 30/10/2005

Era da informação encontra jornais despreparados "Os jornais simplesmente não estão fazendo a segunda colheita, mas queimando o celeiro", disse Philip Meyer, professor de jornalismo da Universidade da Carolina do Norte, sobre a última onda de cortes na indústria. Não é isso que meus patrões e colegas querem que eu diga. Mas os jornais estão em profundas dificuldades, e não só pelas razões que geralmente citamos. Sim, sofremos com o encolhimento da tiragem por algum tempo. O último mergulho foi de 1,9%, no período de seis meses que terminou em março, de acordo com dados do Departamento de Auditoria em Circulação. E sim, a receita vem desapontando -graças aos gastos com furacões e custos de impressão crescentes, que levaram a uma redução de vagas e fechamentos de escritórios do Boston Globe, Baltimore Sun, Hartford Courant, San Jose Mercury News, Philadelphia Daily News, Philadelphia Inquirer e New York Times. Entretanto, a notícia mais desalentadora desse declínio talvez seja sua causa: os jornais tiveram dificuldades em satisfazer os novos leitores, que vivem em um mundo de mídia sob demanda. Apesar das evidências crescentes que potenciais leitores querem que a notícia seja despachada de forma diferente, as empresas de jornais estão gastando milhões para reformular e encolher um produto que cada vez menos clientes querem. "Pessoas com menos de 30, 35 anos querem as notícias on-line... despachadas de forma diferente, para que possam fazer buscas e ter controle da programação. O que está desaparecendo é o leitor de 7 dias por semana. Os jornais precisam mostrar (aos acionistas e anunciantes) que isso não é um problema, mas uma transição", disse Tom Rosenstiel, diretor do Projeto de Excelência em Jornalismo. Brian Toolan, editor do Hartford Courant, viu o clima econômico provocar a eliminação de 14 cargos em sua empresa neste mês, inclusive de seis pessoas do noticiário. Ele está cada

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vez mais preocupado que o formato antes considerado mais vantajoso -grande, com algo para todo mundo- agora pode ser o maior obstáculo para cultivar novos leitores. "O que não me deixa dormir é que os leitores mais jovens não querem o tipo de jornal comum. Eles estão buscando formas alternativas, porque gostam mais e acreditam mais nelas, que às vezes têm qualidades de vanguarda que os jornais entregues na porta não podem se arriscar a dar", disse Toolan, que ainda assim revelou uma reformulação ambiciosa da revista de domingo do Courant no dia 16 de outubro. E por que se preocupar com isso, se você não trabalha em um jornal? Porque os repórteres de um grande jornal geram notícias para toda a mídia. Todo jornal têm uma dúzia de pessoas que vão para a comunidade e cavam informações originais, muitas vezes desconhecidas. Estações de televisão e rádio, que já trabalham com equipes reduzidas, aproveitam as manchetes dos jornais impressos; muitos dos blogs e sites de notícias da Web, que nunca tiveram equipes de repórteres, freqüentemente usam reportagens desenvolvidas pelos grandes jornais. "Um dos produtos centrais de um jornal não é a notícia ou a informação. É a influência da comunidade, criada com produto editorial de alta qualidade. Ao cortar pessoal, os jornais não estão fazendo sua segunda colheita, estão queimando o celeiro", disse Philip Meyer, professor da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill e autor de "The Vanishing Newspaper: Saving Journalism in the Information Age" (O jornal em queda: salvando o jornalismo na era da informação). Alguns especialistas sugeriram que os jornais desenvolvessem histórias pensando na Internet primeiro, com conteúdo amplo, de várias camadas, um formato não adequado para o jornal impresso. Meyer acredita que, eventualmente, os jornais devem ser publicados em menor freqüência, com notícias originais formuladas por sites da Web maiores. "O setor precisa de muitas idéias loucas", acrescentou, citando o sucesso do USA Today, que os jornalistas chamaram de "McPaper" por suas histórias curtas e apresentação colorida. A economia mais lenta não está facilitando as coisas. No mês passado, depois de projetar uma queda de 20% nos vencimentos do terceiro trimestre, a Knight Ridder Inc. anunciou cortes de 75 vagas no estúdio de notícias do Philadelphia Inquirer, 25 vagas editoriais no Philadelphia Daily News e 52 do noticiário no Mercury News em San Jose.

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Da mesma forma a New York Times Co. anunciou cortes de 500 vagas, inclusive 45 no noticiário do New York Times e 35 vagas editoriais no Boston Globe (o Globe já tinha anunciado planos de fechar seu departamento de nacional de notícias). Para jornalistas e leitores, as reduções podem ser um choque, especialmente porque os jornais -diferentemente da indústria aérea falida- ainda têm lucros significativos. A New York Times Co. anunciou na semana passada um aumento de receita no terceiro trimestre de 2,2%, com lucros de US$ 23,1 milhões (em torno de R$ 53 milhões). Entretanto, o rendimento significou um declínio de quase 50% dos US$ 48,3 milhões de lucro no terceiro trimestre de 2004. Em 2004, as margens de lucro foram de 19,4% para o Knight Ridder e 16,4% para a New York Times Co., de acordo com analistas da indústria da Morton Research Inc. No entanto, com a receita em propaganda aumentando mais lentamente que os custos, esses números não são bons o suficiente para Wall Street. "O crescimento da receita é mais lento que o de despesas. Isso significa que (essas empresas) precisam funcionar com menos", disse Mike Kupinsky, analista da A.G Edwards and Sons. "Se a receita se baseasse na qualidade do jornal, por que estaria caindo?" Em resposta, alguns jornais decidiram renovar seu produto. O Wall Street Journal, que já iniciou uma edição da sábado e formato de tablóide para suas edições no exterior, economizará US$ 18 milhões (cerca de R$ 41 milhões) anualmente a começar em 2007, com a diminuição do tamanho de sua página. O St. Petersburg Times espera economizar US$ 3,5 milhões (aproximadamente R$ 8 milhões) com redução similar no ano que vem. O Star-Tribune, em Minneapolis, vai fazer como o Mercury News e Baltimore Sun e lançar novo formato este ano. Outros, (inclusive o St. Petersburg Times) criaram produtos para fomentar novos leitores de jornal em grupos consumidores específicos, como jovens ou pessoas de língua espanhola. No entanto, as estatísticas da Associação de Jornais da América mostram que mais pessoas lêem jornais do que pagam por eles: 77% dos adultos nos principais 50 mercados e 60% dos adultos em todo o país aos domingos. O grupo exorta seus membros a vender propaganda com base em quem usa o produto (inclusive edições gratuitas e on-line).

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Além disso, apesar de milhões de usuários acessarem páginas de jornais na Web, os anúncios na Internet rendem apenas uma fração dos impressos, parcialmente porque os anunciantes assumem que os consumidores que pagam pelo produto prestam mais atenção nele, disse o presidente da Morton Reseach, John Morton. Então, porque os jornais não estão se esforçando mais para fazer dinheiro com esses leitores? "Os jornais nunca levaram a sério a necessidade de desenvolver novos produtos, porque sempre foi muito fácil fazer dinheiro", disse Morton, que não acredita que os jornais estejam destinados à espiral fatal de circulação decrescente e cortes de pessoal. "No entanto, os leitores estão acabando mais rápido que estão sendo substituídos." Apesar de ser difícil para as empresas encontrarem financiamento para suas inovação, tal esforço é crucial para o futuro dos jornais, disse Rosenstiel do Projeto de Excelência. "Você não pode esperar que recém formados em administração que trabalham no mercado de ações compreendam para onde está indo a indústria da mídia", acrescentou. "A história mostra que, quando um público se congrega em outro lugar, os anunciantes eventualmente vão pagar para atingi-lo". Bob Papper, professor da Universidade Ball State, que foi co-autor de um estudo analisando 5.000 horas de uso de mídia entre 400 usuários, concluiu que os jornais devem se esforçar mais para desenvolver ambientes on-line. Em sua pesquisa, apenas 27% das pessoas entre 25 e 34 anos lia o jornal diariamente. Já na faixa etária superior a 65 anos esse total foi de 71%. A faixa de 25 a 34 dedicou em média 3,6 minutos a um jornal por dia; entre 35 e 44 anos, o período dedicado foi de 8,2 minutos. Os dois grupos gastaram mais de 10 vezes esse tempo on-line. "Os jornais precisam parar de definir seu negócio como tinta sobre árvores mortas", disse Papper. "Você precisa definir seu negócio como fornecedor de informações. Tinta sobre árvores mortas é apenas uma forma de fornecer informação às pessoas."

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http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u19178.shtml Controle remoto japonês pode "comandar" seres humanos e A empresa japonesa Nippon Telegraph & Telephone criou um controle remoto para "comandar" humanos. A novidade, que ainda não tem data para ser comercializada, pode fazer com que os videogames se tornem mais realistas. Para ser controlado, o usuário deve colocar uma espécie de fone de ouvido. Ele produz uma corrente elétrica de baixa voltagem que é aplicada na cabeça desta pessoa. Aquele em poder do controle determina a região a ser atingida.

"A experiência foi cansativa. Eu tentava caminhar em linha

reta, mas ficava caindo para os lados", afirma a Yuri

Kageyama, repórter da agência de notícias Associated Press,

que testou um protótipo do produto. Segundo ela, a eletricidade

atinge regiões delicadas do ouvido que ajudam a manter o

equilíbrio.

"Eu sentia uma vontade incrível de andar para a direita

quando o pesquisador movia o controle para o lado oposto. Eu tinha certeza que devia

fazer isso para manter o equilíbrio, mas estava errada", continua. Segundo a

"cobaia", a experiência não causa dor, mas é "dramática".

A descrição sobre as sensações beira o surrealismo. "É como derreter em um sonho

sob a influência de uma anestesia. Ou, ainda melhor, é como se uma mão invisível

entrasse no seu cérebro."

Entre outras atividades, a repórter assistiu a um game de corrida. O fone estava

programado para sincronizar correntes elétricas com as curvas feitas pelo carrinho. O

equipamento também acompanhou o ritmo de uma música e, mesmo sem querer,

Kageyama ficou balançando a cabeça enquanto ouvia a canção.

Segundo pesquisadores da companhia japonesa, eles utilizaram o controle para fazer

com que um usuário caminhasse sobre uma rota imaginária no formato de um

AP Photo

A "cobaia" Yuri Kageyama não conseguiu manter o equilíbrio

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"pretzel gigante". Os especialistas dizem que a opinião dos usuários varia; alguns

adoram a experiência, enquanto outros se sentem desconfortáveis.

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Teoria da Rede Política

Vinício C. Martinez Doutor em educação pela USP, tem pesquisado a inserção da

política no ciberespaço – “a rede política”.

PPRRIIMMEEIIRRAA PPAARRTTEE:: EELLAABBOORRAANNDDOO AA BBAASSEE TTEECCNNOOLLÓÓGGIICCAA

SSEEGGUUNNDDAA PPAARRTTEE:: OO UUNNOO:: AALLTTEERRIIDDAADDEE EE IINNTTEERRAAÇÇÃÃOO

TTEERRCCEEIIRRAA PPAARRTTEE:: RREETTOOMMAANNDDOO OO SSUUPPOORRTTEE PPOOLLÍÍTTIICCOO

QQUUAARRTTAA PPAARRTTEE:: BBUUSSCCAANNDDOO AA CCOONNEEXXÃÃOO QQUUIINNTTAA PPAARRTTEE:: ÀÀ PPRROOCCUURRAA DDEE UUMM CCOONNCCEEIITTOO SSEEXXTTAA PPAARRTTEE:: OOUUTTRROO,, DDEESSTTEE AA TTEEOORRIIAA QQUUEE

RREEVVEELLAA OO ““TTEEOORR”” Com este texto, iniciamos no blog um debate ampliado, aberto, democrático, sem

medos, mas com honestidade e responsabilidade intelectual sobre o ciberespaço, sobre a

idéia de rede em seus múltiplos, infinitos, versáteis níveis de abordagem política,

tecnológica, econômica, educacional, bem como sua necessária absorção teórica,

conceitual, prática, técnica e usual. De nossa parte, tentaremos visualizar algumas questões

políticas que possam ser envolvidas nesta reflexão da “nossa realidade virtual” (nossa

porque de todos nós, dos nossos “nós”) e, por isso, para o bem e para o mal, nas próximas

colaborações ao blog, sempre se terá a política (real e teórica) como pano de fundo – pois é

isso que nós somos: uma interface do bem e do mal, do real e do virtual, do concreto e do

abstrato...

Primeira Parte: elaborando a base tecnológica

Pode parecer estranho que venhamos a usar este espaço para pensar em elaborar um

conceito. De certa forma, é isso mesmo que pretendemos fazer, mas diga-se que de certa

forma porque não podemos nos esquecer do objetivo do debate – o tema central é discutir

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um alargamento do conceito de ciberespaço (como propôs o Prof. Giovanni), com o que

concordamos parcialmente e veremos a seguir o porquê. Porém, para alcançar esse objetivo

(“esticar ou não” o que pensamos sobre o ciberespaço), percebemos que teríamos de nos

basear (buscar sustentação teórica) nisto que chamamos de “Rede Política” – porque é sem

dúvida um conceito que carrega em si a “intencionalidade política” (o bem e o mal do

realismo político) e realça a “virtualidade” do debate que se propõe agora, uma vez que a

maior parte das alegações é mera especulação e conjectura (não há ciborgues interativos,

mas nada diz que não possa haver!!).

Uma outra vantagem para o (e)leitor é que poderá participar da elaboração

(ampliação) de dois conceitos (ciberespaço ampliado e rede política), ao invés de um só e

assim nossa discussão já não nasce marcada pela limitada “comunicação ponto-a-ponto”: A

leva a B, “um diz, outro responde” etc. Além de retirarmos a pretensão bastante vaga de um

debate acadêmico isolado das penúrias da vida, da política, dos interesses, isto é, nossa

maldade deve parar aí dentro também – pelo fato do virtual ser uma constante, uma

conexão, uma esfera, um modo ou um tipo absolutamente corriqueiro da vida, do real, da

vida real. Voltaremos ao conceito da Rede Política em vários outros momentos (hoje

iniciamos a primeira parte do índice que se vê acima), por ora, pensemos que se trata de ver

no virtual todo o realismo da política (com ideologias, ilusões, utopias, crenças, regras e a

virtú).

Hoje, entretanto, e já entrando no “debate abrangente do ciberespaço”, vamos

pensar que uma pessoa tenha um chip no sapato, que há outro chip no capacho em frente à

sua geladeira e que, quando ela abre a porta, o chip da geladeira se comunica com o do

capacho (avisando-lhe que alimentos estão faltando ou prestes a acabarem – até mesmo

vencendo a validade) e este, em seguida, avisa ao do sapato: que armazena a informação.

Depois, essa pessoa vai ao supermercado e pega um carrinho, mas antes também

passou por um outro capacho central que capturou as informações do seu sapato (e que o

repassou ao chip do carrinho), avisando-o, por fim, do que falta em sua casa ou o que está

findando. Nesse modelo de controle (em rede) das informações, cada alimento contém um

código de barras “inteligente”, avisando ao “responsável pelas compras da casa” sobre o

que está no fim ou simplesmente que aquele item não existe mais, que fora removido,

consumido.

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O supermercado, por seu turno (de olho em um “mercado paralelo para as

informações capturadas”), armazena os itens e passa a enviar e-mail avisando a todos os

clientes acerca dos lançamentos e ofertas. Em seguida, procurando ampliar seus “horizontes

comerciais paralelos”, vende os dados com os “gostos dos compradores" para uma rede de

lanchonetes e outra de restaurantes. Nesse caso, pode-se dizer que a pessoa está em rede –

que aí se é parte integrante do ciberespaço...mas, trata-se do mesmo conceito: tudo

reduzido, limitado ou expandido, mas sempre conectado aos chips.

A isso, acrescente-se o dado de que a “restrição eletrônica” é fundamental (duvido

que um dia deixe de ser). Ou seja, só haverá “ciborgues” de verdade (fazendo parte do

ciberespaço) quando os chips (o hardware) for líquido (a verdadeira revolução informática

– não isso que temos agora como "4ª revolução industrial – pois que será muito mais

profunda e autêntica), porque haverá uma substituição dos meios interativos e do próprio

conceito de interface. Isto é, nosso cérebro encontrará um meio líquido semelhante que

permita não mais haver “estranhamento de matérias”, rejeição, (hoje, em qualquer nível que

possamos estar entre a virtualidade dos ciborgues e atualização da cibernética tem esse

limite: o cérebro está envolto em grande base líquida e não reagiria de forma plena com o

“chip sólido”: além da própria sinapse que não se sustenta somente em “base material

sólida”).

Enfim, toda essa discussão biológica teria de ser checada (não sei quem seria a

pessoa indicada para sanar essas dúvidas: alguém da biologia, bioética, biodireito?), mas ao

menos parte disso já é real ou se discute (não só nesse blog, é evidente) para que se

efetive... e nosso desafio, no entanto, é não permitir que se cultive um tipo qualquer (novo

ou velho) de Teoria da Conspiração, uma “Teoria da Ciberconspiração” ... Afinal, “essas

visões seriam benéficas a alguém ou satisfazem algum tipo de interesse”? Em toda essa

área ou discussão, cremos ainda, cabe a teoria da transpiração...muito estudo e

trabalho...aliás, o que nos espera pela frente. Espero ter colaborado com algo de concreto:

se bem que esse “concreto” nem sempre seja visível ou palpável nos moldes tradicionais (o

que também nos lembra de dizer que os moldes aqui serão todos e sempre relativizados).

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http://idgnow.uol.com.br/AdPortalv5/InternetInterna_311005.html

Países brigam pelo controle da internet A internet tem dono? Pelo caráter descentralizado da rede mundial de computadores, é de se supor que ninguém, nem um país controle a web. Mas para que um usuário digite uma URL em vez de números IP, a internet precisa de um administrador, uma espécie de síndico capaz de cuidar dos aspectos técnicos da rede mundial de computadores. Os Estados Unidos têm sido o administrador da internet desde desde que a web foi criada como um projeto militar nos anos 60. Mas um grande número de países, como Brasil, China, Índia e, mais recentemente, a União Européia, está contestando o controle norte-americano sobre a internet. Eles argumentam que a internet transformou-se numa ferramenta global de comunicação e o motor do crescimento econômico mundial e que por isso não pode ser controlada pelos Estados Unidos. Em linguagem técnica, há uma batalha pela governança na internet. Os EUA contra-argumentam, a favor de manter seu controle, que um órgão controlado pelas Nações Unidas poderia politizar a internet, adicionar burocracia e acabar com o espírito inovador da rede, segundo uma reportagem do Wall Street Journal. O tema vai esquentar durante a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que acontece em Túnis, na Tunísia, entre 16 e 18 de novembro, quando o modelo de gestão da internet será colocado em xeque. ICANN Quem gerencia a internet é uma entidade não governamental: a Organização da Internet para Designação de Nomes e Números (ICANN, da sigla em inglês), um entidade privada, que conta com 21 membros em seu board, do qual dois são brasileiros, Vanda Scartezini e Demi Getschko. (Veja a lista, clique aqui) A ICANN é responsável por aprovar e fazer a distribuição de nomes de domínios, tais como o .com ou .o net), entre outras atribuições técnicas que garantem que os usuários naveguem pela internet. Ela opera sob um contrato com o governo dos Estados Unidos e sob as leis do Estado da Califórnia. Por isso, o governo dos Estados Unidos, por meio do Departamento de Comércio, tem poder de veto sobre as decisões da ICANN, como foi o caso da criação do domínio .xxx, para sites pornográficos, que teve objeções do governo Bush. Nos Estados Unidos também estão localizados dez dos 13 servidores raiz (dois estão na Europa e um no Japão). Eles são o grande centro nevrálgico do acesso da web, pois sabem onde um computador tem que ir para achar o endereço de outra máquina. Em tese, os EUA têm o poder de tirar um país da internet ou mesmo decidir sobre o que é chamado de TLD (top level domain), como o .br. E não há nenhum organismo para se reclamar das decisões ou vetos norte-americanos. DISPUTA Como a internet "funciona" sob os auspícios dos Estados Unidos, um grupo de países, do qual o Brasil faz parte, vem há anos defendendo a criação de um organismo multilateral para controlar a internet. A grande diferença, dessa vez, é a postura da União Européia que, de forma surpreendente, manifestou-se contra a atual governança na internet. "A posição européia não pretende que os governos tomem controle da internet, como se tem sugerido", afirmou Viviane Redin, comissária para a Sociedade da Informação, em entrevista ao jornal espanhol El Pais. A solução européia consiste na criação de um novo modelo baseado em respeitar o papel o ICANN e, ao mesmo tempo, criar um fórum complementar que de um maior papel aos governos, desde que respeite os princípios que se baseiam a itnernet, explicou Viviane Redin.

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Em resumo, a Europa propõe um meio-termo entre o unilateralismo defendido pelos Estados Unidos e o mutilateralismo de Brasil, China e Índia. O governo dos Estados Unidos já se manifestou contrário a posição européia e diz que vai lutar contra a proposta, para manter seu controle histórico, o que deve gerar um impasse diplomático na reunião de Túnis, na Túnisia. Qual a sua opinião sobre o controle da internet? Mande sua opinião para [email protected]. (Fontes consultadas para esta reportagem: Demi Getshko, membro do Comitê Gestor da Internet no

Brasil e do ICANN; e Seiiti Arata Junior, integrante da secretaria do WGIG - Working Group on Internet

Governance -, que fez sugestões de modelos de governança para reunião de Túnis, na Túnisia, e

advogado especializado em TI da Felsberg e Associados)

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http://info.abril.uol.com.br/aberto/infonews/112005/10112005-7.shl Internet ameaça 3.000 idiomas pelo mundo

QQUUIINNTTAA--FFEEIIRRAA,, 1100 DDEE NNOOVVEEMMBBRROO DDEE 22000055 -- 2200HH1100 SÃO PAULO – Estudo da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) sugere que o uso de novas tecnologias, incluindo a internet, pode liquidar, em menos de cem anos, metade dos seis mil idiomas falados atualmente no mundo.

Uma das causa seria o desbalanceamento entre conteúdo oferecido em inglês, presente em 75% das páginas da web, e o fato de que mais de 50% da população mundial não o tem como língua materna.

Uma solução seria, para a Unesco, incentivar os setores públicos e privados a traduzir software e desenvolver de conteúdos online em alfabetos diferentes do latino.

Segundo o órgão, as línguas mais ameaçadas são as menos difundidas, especialmente as de alguns países africanos.

A Unesco considera que um idioma se encontra em perigo quando 30% das crianças das comunidades onde é falado não o aprendem.

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Uma nova realidade exigirá nova ética De acordo com o relatório A Internet das Coisas, o mundo virtual mapeará o mundo real. Todas as coisas no ambiente terão identidade no ciberespaço, o que permitirá a comunicação e a interação entre pessoas, entre objetos e entre pessoas e objetos, numa escala impressionante. A nova realidade já é irreversível e deve se tornar predominante em 10 anos. Segundo o relatório da UIT, órgão ligado às Nações Unidas, vai acontecer independente da vontade dos homens e provocará discussões sobre questões éticas e de privacidade. "Quando as coisas agirem sem nossa intervenção direta, o que acontecerá com nossas responsabilidades pessoais?", perguntou Jonathan Murray, representante da Microsoft. Um carro inteligente, capaz de se locomover sem motorista e de trocar informações com outros carros, por exemplo: "Se houver um erro e acontecer um acidente, quem será responsável?" John Gage, da Sun Microsystems, levantou outra questão: "Cada vez que você faz uma pesquisa no Google, essa informação está registrada para sempre. Com o tempo, o Google saberá quais são seus interesses, seus gostos, suas necessidades." Logo em seguida, no entanto, ele relativizou o problema: "Tudo isso levanta questionamentos, mas ,desde sempre, quando falamos algo para uma outra pessoas, presumimos que ninguém mais está ouvindo, o que em geral não é verdade." Nesse mundo em que as coisas passarão a agir "pelas costas do homem", surgirá um outro conceito importante, o de "diversidade tecnológica". "Assim como a diversidade biológica no meio ambiente, as coisas terão de ser diferentes porque assim não falharão ao mesmo tempo", disse Olivier Baujard, da Alcatel. Para Nicholas Negroponte, do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT) haverá uma "cacofonia" de objetos conversando entre si e ajudando uns aos outros para que não haja um colapso. "Quando houver uma falha tecnológica, a tendência é de as conseqüências serem menos sérias do que são atualmente." Walid Moneimne, da Nokia, acha as preocupações que surgem na sociedade com o surgimento de novas tecnologias não podem impedir que elas sejam utilizadas. "Elas têm de ser bem usadas." "Chegamos a um ponto em que a tecnologia precisa ser usada para tirar as coisas da frente do homem", disse. Os "objetos inteligentes" se encarregarão de fazer as coisas acontecerem. "A tecnologia será humanizada." A íntegra do relatório está disponível no site www.itu.int/osg/spu/publications/internetofthings/. Fonte: Agência Estado / iBest

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Estudo: prepare-se para a internet das coisas

Sexta-feira, 18 novembro de 2005 - 12:26

IDG Now!

Imagine que a maçaneta de sua casa pudesse se comunicar com a torradeira da cozinha e com o sistema de iluminação. Esse conceito, frequentemente mencionado como computação generalizada, não é novo. Mas que tecnologias emergentes estão antecipando rapidamente as previsões para esse novo mundo, isso sim, é uma novidade. A eminência do inicio dessa verdadeira revolução é a principal aposta do estudo "The Internet of Things" (A Internet das Coisas(, conduzido pelo International Telecommunication Union (ITU) e apresentado durante a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, que termina hoje (18/11), na Tunísia. O material cita quatro tecnologias, todas em estados avançados, que permitirão uma conectividade generalizada entre os objetos. São elas as etiquetas RFID (radio frequency identification), os sensores, os sistemas de inteligência embutidos e a nanotecnologia. Nesse novo mundo, roupas dotadas de chips poderão se comunicar com a máquina de lavar, informando sobre a cor do tecido e a temperatura ideal para a lavagem. Ou ainda as mochilas poderão informar seu dono quando algum objeto for esquecido. O resultado é o surgimento de bilhões de novos "usuários" de internet na forma de objetos. Isto faria dos humanos uma minoria entre os geradores e receptores de tráfico de dados. Visionários do novo mundo "Ainda há desafios como padrões ou o gerenciamento das pesquisas, mas é evidente que caminhamos em direção a um mundo onde os objetos ao nosso redor se comunicarão sem nenhuma interferência hmana" afirmou Lara Srivastava, analista de telecomunicações do ITU. Segundo Srivastava, que apresentou o estudo durante o encontro, a comunicação entre as máquinas, que já acontece hoje em dia, ganhará um impulso substancial nos próximos anos. Para Nicholas Negroponte, presidente do Media Lab do MIT, uma vantagem nesse novo mundo é a capacidade de cooperação e auxílio mútuo entre as máquinas. "Os problemas seriam diferentes, não resultariam de uma comunicação binária". Essa visão é compartilhada com o vice-presidente da Microsoft para a região da Europa,

Oriente Médio e Àfrica. Segundo Jonathan Murray, os softwares tornarão esses aparelhos

inteligentes, capazes de comunicar do início ao fim de uma operação.

"Nesse novo mundo, não há apenas computação pessoal, e sim uma espécie de computação coletiva e compartilhamento generalizado de informações".

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Apesar dos diversos benefícios advindos dessa sociedade hiperconectada, há quem alerte para certos riscos. Para John Gage, pesquisador da Sun Microsystems, esse novo muntdo "trará profundas implicações". Uma delas é a capacidade da tecnologia de acumular cada vez mais as informações sobre os humanos. "Toda pesquisa feita no Google é armazenada para sempre", afirma Gage. "As etiquetas de RFID poderiam rastrear as pessoas e quando o sistema de rastreamento se sobrepor ao de identificação não existirá mais anonimato". Uma grande preocupação, segundo Gage, é que certos grupos, como a policia, requisitariam

o acesso a todas essas informações. "Será o fim da privacidade. Será um novo tipo de

sociedade, na qual o controle e o governo seria algo muito complicado".

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Kazaa é obrigado a adotar filtro de palavras Sexta-feira, 25 novembro de 2005 - 16:26 IDG Now!

Os operadores do serviço de compartilhamento de arquivos peer-to-peer (P2P) Kazaa têm até 5 de dezembro para atualizar seu software com um filtro para eliminar materiais protegidos por direitos autorais da sua rede ou enfrentar a possibilidade de serem fechados. O filtro vai evitar que os usuários troquem arquivos contendo 3 mil palavras-chave selecionadas pelas gravadoras, incluindo nomes de artistas e músicas populares. O sistema poderá ser atualizado a cada duas semanas para incluir os lançamentos mais recentes e populares, disse a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (FIIF) em uma declaração. A ordem foi emitida nesta quinta-feira (24/11), pelo juiz Murray Wilcox da Corte Federal da Austrália, em Sidnei, como parte do processo movido pela indústria fonográfica contra a Sharman Networks, operadora do Kazaa. A medida segue uma decisão de setembro, favorável às gravadoras, que considerou que o Kazaa foi usado para infringir direitos autorais em larga escala. Wilcox demonstrou relutância em fechar o Kazaa sem necessidade. Inicialmente, o juiz deu à Sharman Networks dois meses para sugerir uma solução para evitar o tráfego ilegal de arquivos na sua rede, e depois deu uma extensão de mais um mês, que vence em 5 de dezembro. Na quinta-feira a Sharman Networks ganhou um outro adiamento para cumprir com todas as determinações da corte. Agora a empresa tem até fevereiro de 2006, quando sua apelação da decisão deve começar. Neste meio tempo, a organização deve reduzir as atividades ilegais na sua rede introduzindo o sistema de filtro de palavras. "A Sharman Networks está trabalhando no sentido de cumprir com essa última decisão judicial", declarou um porta-voz da empresa. A empresa foi orientada a encorajar seus usuários a baixar a atualização para a nova versão do software com o filtro. O caso contra o Kazaa foi apresentado por subsidiárias australianas das principais grandes gravadoras, incluindo Universal Music Group, Sony BMG Music Entertainment Ltd. e EMI Group. Seus catálogos incluem músicas populares da Madonna, dos Beatles e outros milhares de artistas.

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A FIIF caracterizou a ordem de Murray como o aviso final para a Sharman Networks, e disse que o serviço seria fechado se a empresa não colaborasse. O sistema de 3 mil palavras é visto como uma medida provisória A decisão de setembro do juiz determinava o bloqueio do compartilhamento de todos os arquivos protegidos por direito autoral, e o catálogo completo das gravadoras inclui dezenas de milhares de títulos. Para isso, a Sharman está avaliando agora uma nova tecnologia que surgiu desde o início do caso. Uma empresa norte-americana chamada Audible Magic Corp. produz um software que captura uma "impressão digital" de uma gravação e a armazena em um banco de dados que pode ser usado para bloquear a troca de arquivos. O sistema parece ser mais eficiente do que o filtro por palavras, disse Wilcox, segundo uma transcrição da fita da audiência.

Não está claro se as gravadoras estão abertas a discutir essa opinião, no entanto. IDG News Service/Paris - James Niccolai

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A anarquia peer-to-peer da Freenet À época da popularização da Internet, em 1995, muita gente a idealizou como veículo perfeito de comunicação. Livre e global, a rede seria a ferramenta crucial para quem quisesse botar a boca no trombone, derrubar regimes opressores, protestar contra governos e empresas, enfim, uma arma revolucionária. Dez anos depois, estamos longe desse ideal. Os EUA ainda estão no epicentro da rede, controlando a designação de endereços de IPs e domínios. Países como a China restringem a comunicação de seu povo com a rede, e são inúmeros os casos ao redor do mundo de sítios tirados do ar por conta da influência e do poder de grandes corporações. Idosos e crianças estão sendo processados por participarem de trocas de arquivos protegidos, isso sem falar na propaganda massiva e no boom do spyware na rede. Em vez de uma ferramenta da liberdade, a Internet se tornou um grande negócio. Numa realidade presente e não muito distante, um jornalista levanta dados reveladores sobre o uso de trabalho escravo em sweat shops de uma multinacional de calçados, mas não encontra espaço em veículos da mídia para uma reportagem. Decide colocar os dados disponíveis num servidor web, e envia o endereço para uma lista de e-mails, que rapidamente se encarrega de espalhar o link para milhares de pessoas. Em menos de um dia nada mais está online. Como todo conteúdo da web está fisicamente armazenado em algum lugar, tudo pode no fim das contas ser localizado. E um provedor de Internet nada mais é que uma corporação jurídica, sujeita às mesmas pressões externas de uma companhia normal. Por mais que o cenário descrito pareça estar longe da nossa realidade direta de aparente liberdade, o futuro é sempre uma incógnita e a Internet estará, como está hoje, à mercê do desenrolar de política e economia mundiais. Assim, a rede apenas espelharia a vida política do lado de fora, onde, com dinheiro, influência e determinação pode se conseguir muita coisa. Vence quem paga os melhores advogados. Mas se é bem verdade a máxima “quando confrontadas tecnologia e política, a primeira sempre ganha”, então o que dizer da Freenet? Trata-se de um projeto de rede p2p que tenta preservar o ideal de liberdade de expressão da Internet, tornando a transferência de informação virtualmente anônima através de criptografia e de um sistema descentralizado de roteamento. Na Freenet, é quase impossível determinar quem está baixando o quê, e com seu conteúdo totalmente encriptado e fragmentado, é igualmente difícil saber o que existe nela, se é que existe, e onde está localizado. O download do cliente Freenet consiste num arquivo de setup via web de 116k, que após instalação passa a ocupar 4.7M. Como a rede tem seu conteúdo total completamente fragmentado nos HDs de clientes ao redor do globo, o instalador pergunta ao usuário quanto de seu espaço livre em disco deseja reservar para servir a Freenet (por padrão, 265Mb). Um aplicativo passa então a ser executado ao fundo, continuamente recebendo e redistribuindo aos outros clientes pequenos pedaços de documentos da rede, indecifráveis sem uma chave. Ou seja, seu computador passa a guardar e transmitir informação ininteligível.

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Configuração do cliente Freenet Cada máquina com o programa se torna um dos nós da rede. Para se ligar aos demais é necessário conhecer o endereço de um outro qualquer, que pode ter ser dito por seu vizinho no elevador, ou encontrado numa lista de nós confiáveis. Dessa forma a rede evita a centralização: cada nó conhece apenas um número limitado de outros endereços a que pode se conectar e, ao buscar por fontes, não passa por servidores centrais, mas pelos nós mais próximos. O código do programa é aberto, acompanhado e desenvolvido por programadores ao redor do globo. Assim, não existe controle central sobre a rede, é um verdadeiro exercício de anarquia. Um arquivo jogado na Freenet é encriptado e fragmentado em pacotes espalhados por diversos outros nós. É feita uma divisão redundante de cada pacote, para que pedaços de documentos não sejam perdidos quando um dos nós sai da rede, ou seja, minha máquina armazena fragmentos que também estão sendo guardados por outras. Dessa forma, a Freenet está viva, já que arquivos pouco requisitados vão para o fim da fila de prioridades, e acabam sendo apagados de acordo com o esgotamento do espaço total de armazenamento da rede. Não se busca diretamente por documentos na Freenet, mas sim por chaves criptográficas associadas a eles. Como no eMule, cada arquivo tem uma chave única, gerada com base em funções algorítmicas que sumarizam (hashing) o conteúdo de cada arquivo (a rede Donkey utiliza criptografia com algoritmo MD-4, na Freenet é o SHA-1, de Secure Hash

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Algorithm). As chaves podem ser obtidas através de websites com listas, como nos Torrents, pela propaganda boca-a-boca ou mesmo por pichações nos muros da cidade.

Interface Web de um nó da Freenet Quando se procura por uma chave na rede, seu nó pergunta por ela aos nós mais próximos, que passam o pedido adiante. Se algum deles reconhece o pedido, transmite o pacote requisitado ao nó anterior. O conteúdo passa por diversos outros computadores no caminho, que vão armazenando os pacotes transferidos para aumentar a redundância no armazenamento dos documentos. Dessa forma se dá o anonimato: como todas as conexões da Freenet são ponto-a-ponto, outros nós estão fazendo a intermediação entre o conteúdo requisitado e o seu sistema, que está por sua vez também retransmitindo informações para outros nós. Fica complicado determinar o destino final dos documentos, e quem está procurando por quais pacotes, já que todos os nós da rota estão participando da busca. Por cima da estrutura da Freenet, podem ser armadas redes de distribuição de conteúdo, ligadas através de chaves. A ferramenta Frost (http://jtcfrost.sourceforge.net/) permite que usuários compartilhem arquivos e conversem (chat) através da Freenet. O FMB, de Freenet Message Board, usa a rede para a intermediação de mensagens, e o Free News é um servidor NNTP que armazena informação na Freenet. E o Free-Mail é uma interface de correio que utiliza qualquer cliente de email (POP3/SMTP) para enviar mensagens de forma segura e anônima, usando a Freenet como meio de transmissão. Ao tornar extremamente difícil que um usuário possa ser punido por uso indevido, a própria existência de algo como a Freenet bota fogo nas discussões sobre liberdade de expressão. Fala-se sobre a rede estar sendo usada para que células do Terrorismo e Pedofilia Internacional se comuniquem. Muitos repudiam instalar o cliente Freenet por temer que seus computadores possam servir a busca dos outros por conteúdo ilegal. Por outro lado, o programa é notório inimigo do governo chinês. O grupo Freenet-China se encarregou de traduzir o cliente para o mandarim, e o distribui clandestinamente em cds e floppies. É um meio de contornar as restritas limitações da Internet chinesa, que possibilita àquele povo se manifestar livremente.

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FProxy: roteamento de conexões via Freenet libera o acesso na China A Freenet tem seus pontos fracos. Como todo seu tráfego é encriptado e roda sob uma máquina virtual Java, o cliente demanda muito do poder de processamento do computador. Como todas as inserções e pedidos de dados devem passar por entre 5 e 15 nós até chegar ao destino, a rede tem uma latência muito alto. Também não pode oferecer garantia alguma sobre a preservação de determinado documento, já que a popularidade determina quais documentos serão eliminados, de acordo com uma lista de prioridades. Mas suponhamos que a Freenet venha um dia a ser uma rede à prova de balas, e de fato torne inviável tecnicamente reprimir manifestações. Que mudanças políticas isso poderá trazer? A troca de arquivos anônima pode mudar radicalmente o conceito de propriedade intelectual, que deixaria de ter caráter econômico e assumiria uma postura “moral”. Retornaríamos a um sistema de mecenato, no qual “patrões” financiariam a vida criativa dos artistas, o que já acontece com o próprio projeto Freenet, sustentado por doações voluntárias via Paypal. Por fim, com uso massivo de criptografia e redes p2p, poderíamos ter a segurança necessária na Internet para que se estabeleça o voto online, a exemplo da Estônia, que realizou há pouco a primeira eleição via web do mundo. O passar do tempo traz o fim da democracia indireta, substituída por referendos diários via web dos quais participariam todos os cidadãos. Uma sociedade livre e descentralizada, gerida em paralelo por todo o povo.

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um "dna" permitirá "reconstruir" arquivos ! Um documento publicado no site "Research" da Microsoft nos informa que a companhia de Bill Gates estaria trabalhando atualmente em uma nova geração da tecnologia Peer To Peer "Avalanche", que poderá ser de 20 a 30% mais rápida que o BitTorrent. Este novo sistema é baseado em novos algoritmos que permitiriam reconstituir um arquivo integralmente bastando simplesmente fazer o download de qualquer parte do arquivo em questão. Segundo o site Clubic.Com, com isso a Microsoft estaria vizando a aceleração do download reduzindo ao máximo a utilização do bandwidth na internet. Entretanto, ainda não se sabe como a Microsoft pretende explorar este novo projeto, mas obviamente existirá alguma proteção contra pirataria.

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http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u19308.shtml 26/11/2005 - 17h56

Webcam salva vida de idosa na Califórnia

da Folha Online A norueguesa Karin Jordal, 69, passou mal em sua casa, na Califórnia, enquanto navegava pela internet. Graças a uma webcam, seu filho conseguiu ver que a mãe enfrentava problemas e pediu ajuda a tempo de ela ser socorrida. O incidente aconteceu no último dia 17. Com a câmera ligada, Karin se deitou em um sofá perto do computador. Seu filho Tore, que mora nas Filipinas, viu que ela não conseguia se mexer e ficou ainda mais preocupado quando telefonou para a mãe e ela não atendeu. Ele então ligou para a polícia e para um serviço de emergência na Califórnia, mas não conseguiu completar a ligação. Em seguida, Tore telefonou para seu irmão, Ole, que mora na Noruega. "Minha esposa é americana e sabia exatamente como pedir socorro. Demorou dez minutos para que a ambulância chegasse à casa de minha mãe", afirmou Ole. Tore assistiu pela internet quando os médicos entraram na casa para socorrer Karin, que é diabética. Ela se recupera no hospital Desert Valley, na Califórnia. "Agradeço àquela câmera e aos meus filhos pela minha vida", afirmou a paciente, por telefone, ao jornal "Bergens Tidende". Os médicos disseram que o problema foi causado pela queda de açúcar no sangue de Karin. "Agora vejo que a internet pode salvar vidas. É uma ótima ferramenta para pessoas que vivem sozinhas em áreas remotas e podem precisar de socorro", disse Ole. (Mais um exemplo de que não se discute a utilidade tecnológica, mas sim o valor de uso empregado)

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