artigo - empregado doméstico

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  • 8/2/2019 Artigo - Empregado Domstico

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    BuscaLegis.ccj.ufsc.br

    A desigualdade dos direitos trabalhistas dos empregados domsticos

    e o princpio constitucional da isonomia

    Marco Aurlio Waterkemper Ozol *

    Analisa os motivos pelos quais os direitos trabalhistas dos empregados domsticos

    so reduzidos, fazendo confronto com o princpio constitucional da isonomia.

    O empregado domstico regido pela Lei 5.859/1972, regulamentada pelo Decreto

    71.885/1973, tendo seus direitos previstos na Constituio Federal/1988, no pargrafo

    nico do artigo 7.

    Conforme a lei, que dispe sobre a prestao de servios domsticos, entende-se por

    empregado desta categoria aquele que presta servios de natureza contnua e de finalidade

    no lucrativa pessoa ou famlia no mbito residencial destas.

    Das caractersticas

    Do conceito de empregado domstico, ento, destacam-se os seguintes elementos:

    natureza contnua (no eventual); finalidade no-lucrativa; dirigido pessoa fsica ou

    famlia, no mbito residencial das mesmas.

    A natureza contnua deve ser interpretada da forma mais simples possvel. Se hcompromisso do trabalhador para comparecer em dia e horrio certos, ou em um nmero

    razovel de dias por semana ainda que no pr-fixados, por um perodo de tempo sem

    termo certo, a natureza do trabalho contnua.

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    Do contrrio, se a prestao de uma diria no permitir deduzir que haver outras,

    no gerando qualquer expectativa, ainda que esta situao extenda-se por longo tempo, ser

    trabalho eventual.

    Neste sentido, verificamos o julgado do TRT 2 Regio:

    DOMSTICA: TRABALHO EM DIAS ALTERNADOS. Domstica que trabalha

    duas ou trs vezes por semana, fazendo servios prprios de manuteno de uma

    residncia, empregada e no trabalhadora eventual, pois a habitualidade caracteriza-se

    prontamente, na medida em que seu trabalho desenvolvido em dias alternados,

    verificando-se uma intermitncia no labor, mas no uma descontinuidade; logo, estando

    plenamente caracterizada a habitualidade, subordinao, pagamento de salrio e

    pessoalidade, declara-se, sem muito esforo, o vnculo empregatcio. (Acrdo:

    19990632513; Turma: 07 - TRT 2 Regio; data pub.: 17.12.1999; Processo: 02980599829;

    Relator: Rosa Maria Zuccaro)

    Como finalidade no lucrativa, deve ser entendido o trabalho que exercido fora da

    atividade econmica, com o exclusivo objetivo de manter o espao residencial e familiar.

    Entretanto, o atual estgio das atividades econmicas, onde a dona de casa geralmente

    tambm est no mercado de produo, resta questionvel se a pessoa que se ocupa dos

    afazeres domsticos permitindo a gerao de rendas extras famlia, j no teria

    participao, ainda que indireta, na ordem econmica da casa.

    A terceira condicionante, mais objetiva, comanda que o trabalho deve ser dirigido

    pessoa ou famlia e mais: no mbito residencial destas. Portanto, uma empresa no poder

    ter empregados domsticos, assim como nenhuma associao ou entidade, ainda que

    filantrpica. Uma chcara s ter empregados neste conceito, enquanto no tiver sua

    atividade direcionada ao lucro ou produo para comrcio.

    Das regras e diferenciaes

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    As normas, constitucional e infraconstitucional, reguladoras da prestao de servio

    domstico, so extremamente restritivas quanto aos direitos dessa categoria, permanecendo

    tais trabalhadores excludos do campo de aplicao dos demais direitos garantidos aos

    empregados comuns por uma razo que no lhes diz direto respeito.

    A Constituio Federal de 1988, no captulo "DOS DIREITOS SOCIAIS", listou no

    art. 7, pargrafo nico, os direitos dos empregados domsticos, em nmero maior do que

    aqueles especificados na citada Lei n. 5.859/72.

    A lista dos direitos que so assegurados ao trabalhador, como regra geral, mas dos

    quais so excludos os domsticos, so em nmero bastante para justificar o debate: o PIS;

    a estabilidade provisria no emprego (gestante); o FGTS, se o empregador no fizer a

    opo; o seguro-desemprego, se o empregador no fizer opo pelos depsitos do FGTS; o

    adicional de hora extra; o adicional noturno; o adicional de insalubridade; o adicional de

    periculosidade; o salrio-famlia; os benefcios referentes a acidente do trabalho; e as frias

    proporcionais e em dobro.

    Neste cenrio, o anacronismo maior que a falta de alguns direitos aos empregados

    domsticos se justificam na falta de objetivo no lucro por parte do empregador, ou seja,

    uma caracterstica do tomador do servio que prejudica o trabalhador.

    A definio de empregado domstico, alm de critrios prprios, apresenta todos os

    critrios da configurao do empregado latu senso, prevista no art. 3 da Consolidao das

    Leis do Trabalho CLT: Considera-se empregado toda pessoa fsica que prestar servios

    de natureza no eventual a empregador, sob a dependncia deste e mediante salrio.

    Assim, tanto o trabalhador domstico quanto o empregado comum so pessoas

    fsicas que prestam servios no eventuais, de forma subordinada e mediante salrio. As

    nicas diferenas esto no fato de que a prestao de servio domstico se vincula ao

    mbito familiar, sem fins lucrativos, enquanto que o trabalhador comum se presta a uma

    atividade empresarial que visa lucro.

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    Nesta senda, no seria possvel dizer que o trabalhador domstico no um

    empregado comum, no fosse a exigncia quanto aos critrios do empregador.

    Das razes sociais e axiolgicas para no diferenciar

    Parece ter razo Eliane Oliveira1, quando afirma que a sociedade est sofrendo

    transformaes que [...] afetam os valores e princpios, deslocando-os da proteo social

    para a proteo do econmico, valorizando o custeio.

    Ora, a A CLT uma legislao de cunho protecionista aos trabalhadores,

    naturalmente.. Entende-se, pela natureza protecionista dessa legislao que, na dvida, devepreponderar o direito do trabalhador.

    Neste particular, cabe colocar a questo referente ao princpio da igualdade e

    verificar as conseqncias da sua no aplicao.

    Os princpios, de um modo geral, so as normas extralegais que servem de arrimo a

    um ordenamento jurdico ou a uma sociedade. com esta importncia que Celso Antnio

    Bandeira de Melo2 o conceitua. Para ele :

    [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio

    fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de

    critrio para sua exata compreenso e inteligncia, exatamente por definir a lgica e a

    racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido humano.

    E continua o autor, explicando que a violao de um princpio detm maior

    gravidade do que a transgreo de uma norma. A desateno a um princpio implicaria em

    ofensa no apenas a um especfico mandamento obrigatrio mas a todo o sistema de

    comandos. indica como sendo a mais grave forma de ilegalidade ou

    inconstitucionalidade, conforme o escalo do princpio atingido, de seus valores

    fundamentais [...] porque, ao ofend-lo, abatem-se as vigas que sustm e alui-se toda a

    estrutura neles esforada.

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    Este realmente o preo de se dar tratamento inferior ao empregado domstico:

    colocar em xeque o sistema de princpios do nosso Estado Democrtico de Direito.

    O pargrafo nico do art. 7, embora seja uma norma constante na CF/88, no est

    de acordo com o princpio da igualdade, nem com o art. 193, tambm da Carta Magna: A

    ordem social tem como base o primado do trabalho , e como objetivo o bem-estar e a

    justia sociais.

    A Norma Maior, embora superior no plano legal, no tem autorizao de seus

    prprios princpios para discriminar o empregado domstico, concedendo-lhe menos

    direitos que ao trabalhador comum. No h justia social neste cenrio. Se todos so iguais

    perante a lei, sem distino de qualquer natureza, o trabalhador do mbito familiar deve ter

    regime jurdico equiparado ao dos demais.

    O professor Jos Cretella Jnior3, apesar de ter posicionamento contrrio

    ampliao dos direitos dos trabalhadores domsticos, assim manifestou a contradio do

    legislador constituinte:

    O art. 7, pargrafo nico da Constituio de 5 de outubro de 1988, que estamos

    comentando, alterou os princpios que informam a nossa Oitava Constituio da Repblica

    Federativa do Brasil, o da igualdade entre eles. Se "todos so iguais perante a lei, sem

    distino de qualquer natureza", o regime jurdico do trabalhador domstico, advindo da

    relao empregatcia equiparado ao regime jurdico trabalhista dos demais empregados de

    fbricas, indstrias ou empresas [...].

    Importa ressaltar que o trabalhador domstico no escravo e no est recebendo

    favor do patro, no merecendo tratamento inferior. Trata-se de um cidado como outro

    qualquer, to dono do Estado Brasileiro quanto todos os brasileiros, merecendo, pois, o

    mesmo respeito.

    Rousseau4 apregoava que os homens vivem em sociedade em razo de um contrato,

    denominado pacto ou contrato social, pelo qual: cada um de ns pe em comum sua

    pessoa e todo o seu poder sob a suprema direo da vontade geral; e recebemos,

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    coletivamente, cada membro como parte indivisvel de todo. Os domsticos no

    contribuem menos para a nao e no podem ser tratados de forma prejudicialmente

    desigual.

    Conforme Benedita da Silva5:

    Existem hoje no Brasil mais de 3 (trs) milhes de trabalhadores domsticos, dos

    quais mais de 80% (oitenta por cento) so mulheres que, na maioria das vezes, deixam suas

    famlias, seus filhos ainda pequenos em casa, s vezes sozinhos, para trabalharem em outras

    residncias. uma questo de justia assegurar que essas mulheres tenham garantido seus

    direitos trabalhistas.

    Chegou a vez do trabalho domstico modernizar-se e ser valorizadoprofissionalmente. Empregadas e empregados devem ser tratados no apenas como da

    famlia, mas como profissionais.

    Acreditamos que, depois de algumas trepidaes, o mercado de trabalho desse setor

    ir se adequar s novas regras, vantajosas para ambas as partes.

    Desta feita, romper com o princpio da igualdade, colocar todo o sistema

    democrtico em xeque, bem como incentivar um dos piores vcios que pode existir em umasociedade: o preconceito, na senda da lio de Alcir Sperandio6: Define-se a

    discriminao a conduta pela qual nega-se a uma pessoa tratamento jurdico assentado

    para situao concreta por ela vivenciada. Desnecessrio enfatizar tratar-se de um

    preconceito

    Como indica Elaine Oliveira, na obra citada, necessrio que a forma de enxergar

    os direitos sociais, seja baseada no trabalho como valor social e humano sob a luz da

    dignidade 7 e, acrescentamos, da igualdade.

    REFERNCIAS

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    CRETELLA JR, Jos. Comentrios Constituio Brasileira de 1988. 3. ed. Rio de

    Janeiro: Forense Universitria, 1994.

    MELLO, Celso Antnio Bandeira. Elementos do Direito Administrativo . So Paulo:

    Revista dos Tribunais, 1980.

    OLIVEIRA, Eliane D. da Silva. Previdncia social como direito fundamental do

    trabalhador. In: HASSON, Roland (Org.).Direito dos trabalhadores e Direitos fundamentais.

    Curitiba: Juru, 2003.

    ROUSSEAU, Jean-Jacques.Do Contrato Social,. So Paulo: Martins Fontes, 1996.

    SILVA, Benedita da. Cartilha do Trabalho Domstico. Braslia: Senado, 1996.

    SPERANDIO, Alcir. Proteo contra a discriminao do trabalhador brasileiro. In:

    HASSON, Roland (Org.).Direito dos trabalhadores e Direitos fundamentais. Curitiba: Juru,

    2003.

    1 OLIVEIRA, Eliane D. da Silva. Previdncia social como direito fundamental do

    trabalhador. In: HASSON, Roland (Org.). Direito dos trabalhadores e Direitos

    fundamentais. Curitiba: Juru, 2003. pg. 154.

    2 MELLO, Celso Antnio Bandeira. Elementos do Direito Administrativo . So

    Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 230.

    3 CRETELLA JR, Jos. Comentrios Constituio Brasileira de 1988. 3. ed. Rio

    de Janeiro: Forense Universitria, 1994, v. 2, p. 1.036

    4 Jean-Jacques Rousseau.Do Contrato Social,. So Paulo: Martins Fontes, 1996, p.

    22.

    5 SILVA, Benedita da. Cartilha do Trabalho Domstico. Braslia: Senado, p. 5.

    6 SPERANDIO, Alcir. Proteo contra a discriminao do trabalhador brasileiro.

    In: HASSON, Roland (Org.).Direito dos trabalhadores e Direitos fundamentais. Curitiba:

    Juru, 2003, p. 103.

    7 OLIVERA, 2003, p. 155.

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    * Advogado, OAB/SC 22.426, atuante em Florianpolis, nas reas de direito

    trabalhista e do consumidor. Integrande do Escritrio Ozol, Lima & Schmidt Advogados |

    www.ols.adv.br

    Disponvel em:< http://www.direitonet.com.br/artigos/x/37/46/3746/ > Acesso em.: 15 out.2007.