artigo de pasqualino sobre las vegas

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(RE)APRENDENDO COM LAS VEGAS UMA METÁ5TA5E URBANA DO ENTRETENIMENTO Less is a bore. Vcnturi A dinâmica elemenrar do mundo é a sedução. Baudriliard • Arquiteto doutor, professor do Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UFBa R elendo o então polêmico texto de Venturi Aprendendo com Las Vegas (1982) e, recentemente, visitando a cidade na qualidade de viajante (bem) informado, nasceram as considerações que se seguem. Longe de significarem uma tardia resenha ou avaliação. têm por objetivo registrar um conjunto de mudanças ocorridas na cidade que. em virtude da complexidade e diversificação que apresentam, acabaram por alterar as atividades e a configuração urbana descrita por Venturi no final da década 60. A releitura que nos propomos fazer procurará caracterizar aquelas mudanças que de forma mais direta expressam os pressupostos que vêm orientando as sociedades pós-industriais de índole consumista. voltadas para a estetização dos modos de vida e do lazer, no entendimento da cultura como espetáculo e do entretenimento como um dos fundamentos da nova dinâmica de sedução do mundo. co-participando. conseqüentemente. do processo de globalização no qual nos encontramos inseridos. Procurandb compensar uma existência cada vez mais incerta, imprevisível e sem muitas perspectivas, esse estágio se apóia em uma extensa rede e se desenvolve em escala planetária constituída por um incomensurável número de localidades (lugares) que, ao se relacionarem A releitura de Aprendendo com Las Vegas de Robert Venturi e a recente visita à cidade permitiram um conjunto de reflexões do autor sobre 'as transformações aí ocorridas nas últimas duas décadas, ressaltando aquilo que denominou interiorização do Strip. Considerando a inj;uficiência do instrumental conceitual para analisar a complexidade dos interiores dos megacassinos, duas noções emergem: a de hiperespaço (Jameson) e a de jogo de vertigem (Baudrillard), esta última vinculada a uma percepção mais ampla de fenômenos extremos, implicando a teoria dos fractais e a noção de metástase, no sentido da auto-reprodução ao infinito, o que se poderia denominar, no caso, de urbanidade virtual (ou desurbanidade). Por fim, o texto refere-se ao processo de globalização/localização, admitindo que essa cidade lúdica, à guisa de descartável brinquedo urbano constitui, em tempos de pós- modernidade e sob a tirania da estética e do lazer, uma paradoxal referência, fazendo com que todos os (des)caminhos dessa nova condição cultural conduzam ou passem, virtualmente, por Las Vegas.

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  • (RE)APRENDENDO COM LAS VEGASUMA MET5TA5E URBANA DO ENTRETENIMENTO

    Less is a bore.Vcnturi

    A dinmica elemenrar do mundo aseduo.Baudriliard

    Arquiteto doutor, professor doMestrado em Arquitetura e

    Urbanismo da UFBa

    Relendo o ento polmico texto deVenturi Aprendendo com LasVegas (1982) e, recentemente, visitandoa cidade na qualidade de viajante (bem)informado, nasceram as consideraesque se seguem. Longe de significaremuma tardia resenha ou avaliao. tm porobjetivo registrar um conjunto demudanas ocorridas na cidade que. emvirtude da complexidade e diversificaoque apresentam, acabaram por alterar asatividades e a configurao urbanadescrita por Venturi no final da dcada60.

    A releitura que nos propomos fazerprocurar caracterizar aquelasmudanas que de forma mais diretaexpressam os pressupostos que vmorientando as sociedades ps-industriaisde ndole consumista. voltadas para aestetizao dos modos de vida e dolazer, no entendimento da cultura comoespetculo e do entretenimento comoum dos fundamentos da nova dinmicade seduo do mundo. co-participando.conseqentemente. do processo deglobalizao no qual nos encontramosinseridos.

    Procurandb compensar umaexistncia cada vez mais incerta,imprevisvel e sem muitas perspectivas,esse estgio se apia em uma extensarede e se desenvolve em escalaplanetria constituda por umincomensurvel nmero de localidades(lugares) que, ao se relacionarem

    A releitura de Aprendendo com LasVegas de Robert Venturi e a recente visita cidade permitiram um conjunto de reflexes doautor sobre 'as transformaes a ocorridas nasltimas duas dcadas, ressaltando aquilo quedenominou interiorizao do Strip.

    Considerando a inj;uficincia doinstrumental conceitual para analisar acomplexidade dos interiores dos megacassinos,duas noes emergem: a de hiperespao(Jameson) e a de jogo de vertigem(Baudrillard), esta ltima vinculada a umapercepo mais ampla de fenmenos extremos,implicando a teoria dos fractais e a noo demetstase, no sentido da auto-reproduo aoinfinito, o que se poderia denominar, no caso,de urbanidade virtual (ou desurbanidade).

    Por fim, o texto refere-se ao processode globalizao/localizao, admitindo queessa cidade ldica, guisa de descartvelbrinquedo urbano constitui, em tempos de ps-modernidade e sob a tirania da esttica e dolazer, uma paradoxal referncia, fazendo comque todos os (des)caminhos dessa novacondio cultural conduzam ou passem,virtualmente, por Las Vegas.

  • (interao), procuram a cada momento manter umaindependncia relativa, embora se tenha presente a noode conjunto.

    No caso, como veremos, o efeito Las Vegas expressade forma desnudada esse novo estgio, constituindo umareferncia paradigmtica para o que se poderia denominarde desurbanidade. isto , a desconstruo de idia epropsitos relativos cidade proposta pela modernidade.

    Os escritos e projetos arquitetnicos de Venturi formamuma marcante referncia no processo de desmontagem dopensamento hegemnico do Movimento da ArquiteturaModerna. Aprendendo com Las Vegas complementa eultrapassa as questes antes levantadas em Complexidade eContradio na Arquitetura (Venturi, 1972). Entretanto valesalientar que Venturi, mesmo tendo aderido a uma concepomais complexa e pluralista de arquitetura, aceitando acoexistncia de elementos heterogneos, justapostos,sobrepostos, hbridos, ambguos, de duplo significado e dedupla funo, no consegue desvencilhar-se da viso dualistaque permeia a formao discursiva da arquitetura moderna.

    A propsito, vale ressaltar que a contradio, comoprincpio, pressupe que qualquer assero deva serafirmativa ou negativa (Aristteles) e, por sua vez, que todasas coisas se contradigam em si mesmas, enquanto dialticaque procede conciliando e resolvendo contradies (Hegel).Adotando tal princpio, Venturi - embora ciente dacomplexidade e pluralidade das manifestaes arquitetnicas- no conseguiu superar a forma binria de pensar e concebera arquitetura, apesar de ter intudo essa possibilidade quandodiz: "'esramosdisciplinados na tradio do este ou do outro ecarecemos de agilidade mental - para no dizer nada damaturidade de atitude - que nos permitir os refinamentosdos detalhes mais sutis cometidos pela tradio do um e ooutro" (Venturi, 1972, op. cit.:39, grifos nossos).

    Entretanto, apesar de essa percepo preferir as coisascomprometidas e incertas, plurais e saturadas deambigidades, Venturi acabou por recair na unidadedialtica, particularmente quando procurou expressar ocompromisso da arquitetura com o "dijicil conjunto" (op.eit.:71) ou quando se refere "incluso" e "ordem dijicif'(op. cit.: 141). Ele ficou longe, portanto, de explicitar a novaformao discursiva da arquitetura com outras noes econceitos, revelando suas descontinuidades, as inquietantesheterotopias (Foucault), o princpio da diferena e repetio(Deleuze) ou, at mesmo, aproximando-se da lgica desuplementaridade (Derrida).

    bem verdade que estas novas concepesencontravam-se, ento, em gestao, e tal fato isenta Venturidas limitaes de suas idias. Em compensao, o seuconvvio com a ideologia do movimento pop - expressooriginalda cultura americana - fez com que as suas fonnulaes

    tericas revelassem um enorme poder desconstrutivista, tantocom relao aos pressupostos do movimento ortodoxo daarquitetura moderna, quanto s diversas e elitizadas tendnciasdo moderno tardio dos anos 50 e 60, na medida em que diluiuas diferenas entre a alta cultura e as manifestaes da culturapopular.

    Incorporando valores e mtodos comerciais atravs deuma concepo semitica inserida num sistema decomunicao, Aprendendo com Las Vegas pressupe aarquitetura como smbolo e procura demonstrar quodeficientes so as definies de arquitetura (e seus mtodos)entendida como espao e forma a servio do programa eestrutura. Venturi chega a conceber a arquitetura comosuporte de smbolo e valores comerciais quando diz: "acomunicao domina o e:-.pao enquanto elemento daarquitetura e da paisagem. A arquitetura no basta [00'] osmbolo domina o espao." (1982, op. cit.:35 e 109.)E, com

  • relao ao anncio, radicaliza: "Este reflete-se nopressupostodo proprietrio. O anncio em primeiro plano umgrosseiro alarde; o edifcio em segundo plano, umamodesta necessidade" (op. cit.:35).

    Nada, portanto, mais prprio e coerente na direo daproduo de consumo do que o advento da acumulaoflexvel do capital, em que as trocas mercado lgicas tornam-se inseparveis dos aspectos simblicos e das realidadesvirtuais e fictcias. A retrica da comunicao torna-se artede persuadir e convencer. Neste contexto a arquitetura,tambm como mercadoria, no foge regra.

    Hoje, entendemos com mais clareza a mensagem contidaem Aprendendo com Las Vegas, principalmente quandodefrontamos a arquitetura com o universo da especulaoimobiliria e a produo de imagens e smbolos a elerelacionada, universo explicitado pelo status que a divisosocial do espao urbano (como lugar) propicia. Esta relao competentemente explorada nos sugestivos e sedutoresapelos imagem e a smbolos que ilustram os cadernosimobilirios dos nossos jornais, elementos bem maisimportantes, no sentido mercadolgico, que a prpriaarquitetura: a imagem substitui a arquitetura, subordinando-a, no mnimo, aos pressupostos das trocas simblicas.

    Transcorridascerca de duas dca-das da publicao dolivro, o que conti-nuaremos a aprendercom Las Vegas? Se,na poca, o menos mais de Mies eracontestadoporVenturi,hoje. o less is a borediz pouco. Prova-velmente estamosvivendo tempos domais e mais, e, e, e,e ... , ou seja, umaplural idade de enten-dimentos,em princpio,infindveis, depen-dendo do enfoque edos aspectos especficos que queiramos abordar.

    As consideraes a seguir se referem primeira parte deAprendendo com Ias Vegas que versa especificamente sobreo Strip' como eixo estruturador daquela cidade, que o quenos interessa aqui discutir.

    Vegas, em pleno deserto, condies favorveis para a criaode uma inimaginvel miragem urbana, ontem feita de ilusesdo jogo de azar, hoje transformada num osis de entre-tenimentos ao longo do Strip.

    Embora fundada em meados do sculo XIX, somentea partir dos anos 30, com a implantao de inmeroscassinos e a legalizao do divrcio no municpio, LasVegas atinge notoriedade nacional e internacional,principalmente em decorrncia do star systemhollywoodiano que transformou a cidade num marketingpublicitrio de escndalos, envolvendo casamentos edivrcios entre artistas famosos. Entretanto.compartilhada com outros atrativos, sua histria maisrecente marcada decisivamente pelos cassinos.Podemos identificar trs geraes deles: a primeira,situada ao norte da cidade, configura-se em torno Fremont Street (perpendicular ao Strip), constituindo oantigo ncleo urbano, hoje conhecido como Downtown;a segunda, situa-se ao longo do Strip em direo ao sul,at as imediaes do cassino/hotel C::esar Palace: aterceira, prossegue ao sul do Strip, hoje delimitado pelacolossal esfinge do cassino hotel Luxor. Periodizando, aprimeira gerao de cassinos corresponde aos anos 30

    e 40: a segunda,aos anos 50, 60 e70, e a terceira, aosanos 80 e 90.

    A rea daDowntown abrigahoje atividades ad-ministrativas domunicpio. locaisdestinados a ati-vidades bancrias.. . .comerCiaiS, eSCrI-trios de empresas,hotis, motis, cape-las e os numerosos eantigos cassinos aolongo da FremontStreet. Trata-se de

    Las Vegas noite: metstase urbanauma estrutura urba-

    na convencional, cuja ocupao e uso do solo nada tem aver com os espaos/lotes onde se encontram as edificaesda segunda e, principalmente, da terceira gerao decassinos. Nesse contexto. a Fremont Street constitui aprova documental da hegemonia do jogo de azar sobre asdemais atividades da cidade nos anos 30 e 40. No entorno,velhos bungalows reciclados abrigam numerosas capelas.Estes dois elementos caracterizam a primeira gerao decassinos.

    TRS GERAES DE CASSINOSO grande desenvolvimento da indstria turstica nas ltimas

    dcadas (a terceira no ranking mundial) encontrou em Las

  • A segunda gerao d origem a um espao que constituio modelo descrito por Venturi. O Strip funciona como oelemento condutor de uma configurao catica, ou seja, deuma paisagem cuja ordem no se tornava evidente sob aproliferao de anncios. o perodo de implantao dosmegacassinos com suas vastas reas de estacionamento,postos de servios, infra-estrutura e equipamentos urbanosmais adequados ao emergente turismo de massa (aeroporto,estao rodoviria e ferroviria, etc.). Os veculos percorriamo Strip, ainda. em velocidade.

    Por ltimo. a terceira gerao, que prossegue sedesenvolvendo mais ao sul do Strip, provendo as novas ecomplexas exigncias funcionais de atendimento ao turismode massa, o que se nota nas novas instalaes e equipamentosao longo das avenidas paralelas e transversais ao Strip, aexemplo da Tropicana. Flamingo, Harmon e da ParadiseRoad, onde se implantou o maior centro de convenes dosEstados Unidos.

    Foge ao objetivo desse texto entender o complexo jogode interesses de grandes corporaes nacionais einternacionais que se encontram por trs dessa transformaode Las Vegas em um dos plos da indstria tursticaamericana e internacional. Nessa complexa rede decompetio e de interesses, consegue-se, no entanto,visualizar um acentuado desnvel urbano entre a terceiragerao de cassinos e a primeira (Downtown), traduzidoem termos de valor econmico -e de prestgio, fatoprontamente detectvel na atual configurao da cidadeatravs das dimenses referenciais do seu diversificadotecido urbano.

    No sentido de atenuar este desnvel, percebe-se tambmque a municipal idade vem se empenhando em revitalizar aDowntown e as reas no recicladas da segunda gerao decassinos. Assim, possvel entender alguns empreendimentosqueprocuram reverter o desequilbrio urbano ocorrido ao longodo Strip nessas ltimas dcadas. A inaugurao do monorailligando a segunda terceira gerao, a elevada torrepanormica margem do Strip (entre a primeira e a segunda)e uma grande praa coberta no corao da Downtown soalgumas iniciativasmunicipais que vm procurando compensarahegemonia dos investimentos ocorridos recentemente na zonasul da cidade.

    Para o visitante de Las Vegas fcil identificar os usose ocupao do solo ao longo do Strip relacionados comalojamentos e locais de entretenimento (hotis/cassinos) paraturistas, servios de apoio, capelas e atividades empresariaise burocrticas da Downtown. Difcil torna-se identificar osespaos destinados populao que trabalha na cidade, isto, espaos de habitao, escolas, mercados, reas de lazer,etc. Todavia, sobrevoando o territrio, fcil localizar, noraio de 20 milhas. ncleos urbanos que abrigam essa

    populao trabalhadora que, por no possuir marcas de suapresena e vivncia na cidade, acabar por ser confundidapelo visitante com as mquinas e equipamentos que mantmfuncionando esse gigantesco brinquedo em que setransformou Las Vegas.

    Vale observar que Aprendendo com Las Vegas emnenhum momento refere-se complexa realidade da cidadeem suas implicaes de natureza scio-econmica, polticae cultural. Nem tampouco seria o caso de se esperar algumareferncia a essas implicaes, desde quando os objetivos eprocedimentos do texto esgotam-se em pressupostos denatureza exclusivamente semitica.

    o STRIP95Hoje, diversamente de ontem, a grande maioria daqueles

    que visitam Las Vegas o fazem no tanto para jogar maspara ver o jogo e fruir de um conjunto de diverses. A cidade,como um todo, vira espetculo, mergulhada numaproliferao incontrolvel de manifestaes que seaproximam daquilo que Baudrillard chamou de fenmenosextremos. Metaforicamente, como veremos em seguida,parafraseando o referido terico da contemporaneidade,poderamos denominar essa especfica manifestao deurbanidade ldica de uma insuspeita metstase urbana doentretenimeli~o.

    A cidade, tendo frente a terceira gerao de cassinos eboa parte da segunda reciclada, revela que o jogo de azarperdeu a hegemonia que gozava no conjunto de atraesque ento a cidade proporcionava, conservando, entretanto.sua fora inercial. As mesas de roleta e carteado, emborapresentes, cederam lugar forma individualizada de jogoproporcionada pelo incomensurvel nmero de mquinascaa-nquel que passaram a polarizar a imagem dos interioresdos cassinos. Tal conjunto de iluminadas e engenhosasmquinas de fazer dinheiro mais parece um peloto de robsem estado de alerta e pronto para acatar comandosindividuais proporcionando uma estranha, solitria eenigmtica relao homem/mquina, em meio a um turbilhode passantes que, movidos por inconfessveis expectativas.tangenciam tais locais de jogo e se deslocam em percursosimprevisveis procura de outras atraes e estmulos que oscassinos passaram a proporcionar.

    Quanto s formulaes conceituais e realidadepercebida por Venturi, o que, de fato, mudou em Las Vegas?Lembramos que, no texto de Venturi, a anlise do Strip serviupara ajudar a desconstruir as concepes ento vigentes noque diz respeito aos propsitos de racional idade urbana, e,para tanto, ressaltou a configurao catica existente no Strip,cuja ordem, sob a proliferao de anncios e a velocidade dospercursos, inexistia. O Strip passou, no entanto, por umprocesso de adensamento de edificaes e valorizao

  • Que outros novos elementos passarama concretizar, ao lado do Strip, a imagemda cidade dos anos 90? Indiscutivelmente.a presena de colossais cones(verdadeiras arquiteturas) e um conjuntode evocativos e curiosos simulacros, que:.:.:.:.;:;:;.,:.:.:\\ ::::::""::::"":::::: ~:~:~: :tI:: se identificam com o nome do cassino a

    ;: :://::m!: que pertencem. Entre os conessobressaem o Leo da Meno e a Esfingedo hotel Luxor. Entre as simulaestemos a fachada do hotel Excalibur comseus castelos e torres medievaisdisneylandizados; a fantasmagrica galerapirata do hotel Treasure Island'"ancorada" margem do Strip; as'"cataratas" do hotel Miragem, cujasguas confinam tambm com o Slrip;inmeras referncias Roma Imperial(caprichosa seqncia de arcos de

    Hotel cassino da MGM triunfo e esttuas) exibe o Ca::sar Palace.bastante desigual, ao qual j nos referimos, e, decorrente do Estas e outras simulaes menos marcantes passaram afluxo turstico, o crescente nmero de veculos tem caracterizar a nova imagem da cidade.proporcionado uma desacelerao do trfego. Tal fato vem Perguntaramos: e os anncios? Embora continuemalterando o desempenho relatado por Venturi com relao a desempenhar a funo descrita ento por VenturL eles localizao e dimenses dos anncios. perderam o antigo carter hegemnico. Se Las Vegas

    Por outro lado, os estacionamentos, que eram contguos se orgulhava de possuir o mais extenso e o mais altoao Strip, situados em frente e ao lados dos cassinos/hotis. anncio do mundo (Thunderbird e Dunes. respec-foram gradativamente substitudos por novas edificaes tivamente), hoje, em funo dos diversos elementos antesou reas de embelezamento no acesso aos cassinos com descritos, eles se integram ao conjunto', perdendo agrandiosas marquises ou reas aporticadas. Hoje, individualidade, mantida apenas nas avenidas paralelasnormalmente, os estacionamentos se situam em edifcios- e transversais ainda rarefeitas e no afetadas. porgaragem, geralmente colocados em reas prximas aos enquanto, pela especulao turstica, locais de atalhocassinos/hotis (na fchada posterior), cuja acessibilidade para evitar o intenso trfego do Strip em determinadasse d, preferencialmente, pelas avenidas paralelas ou horas do dia e da noite.transversais ao Strip. E, em virtude da acentuada Ainda com relao aos anncios, torna-se impossvelcompetio comercial, hoje, diversamente de ontem, os esquecer os caminhos percorridos pela publicidade nasestacionamentos tornaram-se gratuitos. Alguns cassinos, ltimas dcadas, particularmente aqueles trilhados pelainclusive, oferecem servios de valetes, visando qualificar indstria turistica, cujas tcnicas e procedimentos tmo atendimento ao cliente, contrariando a prtica anterior, outra dimenso. A informao prvia seletiva do localquando os estacionamentos eram pagos e se situavam em a ser visitado; em tese, portanto, ela dispensaria ofrente aos hotis/cassinos. anncio, que passa a ser apenas uma referncia de

    Para aliviar a intensa circulao de veculos no Slrip, orientao e de status do local. A grande maioriafoi construda uma sofisticada passarela para pedestres, daqueles que visitam Las Vegas j sabe o que deve visitar.situao essa favorecida com a construo do monorail dado que, de mais de uma centena de cassinos/hotis,paralelo ao Strip, ligando o hotel/cassino da MGM (Metro no mais de 10, aproximadamente, constituem o roteiroGoldwing Mayer), da terceira gerao, ao hotel Bally's '"oficial" das agncias tursticas. Os demais sobrevivemna altura do Ca::sar Palace (segunda gerao reciclada). em decorrncia do nvel de renda bastante diferen-Em contrapartida, o visitante (pedestre) fica obrigado a ciado da populao flutuante que, embora alojada empercorrer um linear e extensssimo centro comercial (em hotis e motis de menor prestgio, freqentam etorno de 800 metros), provocante oportunidade para o usufruem as atraes proporcionadas pelo sIar syslemconsumo. dos cassinos.

  • A IINTERIORIZAO" DO STRIPDentre as transformaes ocorridas em Las Vegas,

    aquelas relacionadas com os espaos interiores dos cassinosso as que, pela complexidade e significao, merecem atenoespecial. E isso no tanto pela ampliao de espaos destinadoss mquinas caa-nquel, mas, principalmente, pelaincorporao de uma variada gama de atividades comerciaise um amplo leque de opes voltadas para o entretenimento.Os longos percursos nos interiores dos cassinos equivalem,hoje, permanncia ontem no Strip.

    Ento, ironizando os estilos das edificaes do Strip,Venturi classificava-os de "marroquino de Miami: estilointernacional jet ser; arte moderna orgsmica deHolZvwood: orgnico de araque; Yamasaki Bernini comorgistico romano; mourisco de Niemeyer: mourisco Tudor(cavaleiros da Arbia); hawaiano Bauhaus" (op. cit.: 104).Hoje, classificar com igual dose de ironia os repertriosestilsticos utilizados na configurao dos espaos interioresdos megacassinos torna-se tarefa impossvel, tal o grau demiscigenao e dominncia de relaes hbridas, deambigidades, de arranjos e combinaes surpreendentesou, at mesmo, inimaginveis.

    Concorre para tal heterogeneidade e fragmentaoestilstica um conjunto de recursos de natureza tcnica(efeitos especiais e de iluminao), matrias nobres e umelevado nvel de competncia de quem manipula taisrecursos, de fonna a pennitir o convvio de ambientes solenese luxuosos, evocativos e referidos a repertrios eruditos comoutros prximos ao mundo de Disney ou de arranjosgrotescos e de pardias, constituindo o que nos meiosacadmicos denomina-se de pastiche.

    Vale salientar que tais espaos, por mais esdrxulos quepossam parecer, exigem planejamento bastante criteriosono estabelecimento dos caminhos a serem percorridos e nadosagem dos efeitos que devem causar, promovendoemoes, surpresas e diverso para a grande maioria dosque visitam essas usinas de iluses em que se transformaramos cassinos, verdadeiras centrais voltadas para o comrcio eo entretenimento.

    Nesses espaos interiores com denso fluxo e refluxo devisitantes que procedem em movimentos aleatriosencontram-se instalaes destinadas a compras (entrepostosdegrif.JCs, lojas de departamentos, butiques, ticas, joalherias,perfumarias, souvenirs, etc.); locais de alimentao foodstores nas mais diversas modalidades e nveis (restaurantes,tratorias, pizzarias, lanchonetes); conjuntos de bares ecervejarias; espaos para shows e espetculos, inclusive, osde natureza extico-ertico-tropical e performances rela-cionadas com a temtica do cassino - expressa em seu nome econes dominantes - constituindo o carto de visita do em-preendimentoe visando incrementaro nmero de seusvisitantes.

    Nessas armadilhas voltadas para o consumo, nopoderamos deixar de mencionar os espaos que algunscassinos destinam gurizada e que funcionam guisa deminidisneylndia; outros incorporam o jockey virtual. comtransmisses ao vivo e guichs de apostas; outros, ainda,exibem espetculos circenses e pirotcnicos a exemplo docassino Circus. Todavia nenhum dos cassinos prescinde doseu osis (piscina a cu aberto) formado por soluesexticas e fantasiosas para o relaxe dos hspedes do hotel.

    Essa rede bastante complexa de arranjos especiais eespaciais voltados para o consumo e o entretenimento podeser comparada a um labirinto de emoes capaz de promover,ao visitante, uma sensao de desorientao afetando suacapacidade perceptiva. Perdido nesse emaranhado deestmulos visuais, ele levado a caminhos sem retorno, doconsumo, encontrando nos espaos de mltipla escolha umacerta compensao sua desestabilizao perceptiva.

    Nesse processo de acentuada interiorizao da vidaurbana, em espaos semipblicos sob rigoroso controle evigilncia, a relao interior/exterior resultou profundamentealterada quando comparada com a descrio de Venturi:" ...asdiferenas entre os exteriores ardentes e os inferiores.frescos e obscuros extraordinariamente fone [...] o dia negado dentro dos cassinos e a noite negada no strip[...] Las Vegas mais conhecida por sua iluminaonoturna que sua luz diurna [...] a iluminao das salasdos cassinos que parece imitar o cu noite. " (Venturi,op. cit.: 102.)

    Desaparece, portanto, exterior/interior, na medida emque se est confinado voluntariamente a um grande espaointerior.

    Hoje, diversamente, os interiores dos cassinos quedesempenham mltiplas funes comerciais e deentretenimento exigem iluminao compatvel. no tendonada a ver com a obscuridade dos antigos cassinos, mantidaapenas nos espaos de mesas de jogo (roleta e carteado). Apresena macia de mquinas caa-nquel acabou pordestruir a atmosfera de jogo ento sugestiva, favorecida pelameia-luz.

    bem verdade que o impactante efeito visual noturno,em alguns trechos do Strip, continua a promover umincomparvel espetculo, embora repetitivo exausto.Todavia a densidade e diversificao de atraes nosinteriores dos cassinos chega a superar as emoes que oStrip iluminado proporciona. Tanto assim que, melhoravaliando os efeitos dessa multiplicidade de dispositivosde seduo, emergem duas noes ou categorias deanlise que correspondem a essa complexa realidade emque se transformaram os cassinos de Las Vegas. Aprimeira diz respeito noo de hiperespao de-senvolvida por Jameson (\ 989:74); a segunda, refere-se

  • noo de vertigem incorporada por Baudrillard em seustextos, como veremos.

    Com relao primeira, referindo-se ao espao do ps-modernismo e tendo em mente Charles Moore, MichaelGraves, Frank Gehry e John Portman, particularmente esteltimo com o hotel Bonaventure, diz Jameson: "...aindanopossumos o equipamento perceptivo equivalente a essenovo hiperespao como pretendo ham-lo, em parteporque os nossos hbitosperceptivos formaram-se no tipode espao mais antigo que denominei de espao domodernismo cannico. "(Jameson, 1993.)

    Por sua vez, com relao segunda noo, Baudrillard,a partir da classificao de Caillois nas modalidades de jogosde expresso, de competio, de azar e de vertigem, ressaltaque a tendncia atual de nossa cultura leva ao desaparecimentodosjogos de expresso e competio e, e{l1contrapartida, tende ampliao dos jogos de azar e de vertigem. A dominnciada fascinao pura, aleatria e psicotrpica revela uma mutaoprofunda e original das formas de percepo e prazer(Baudrillard, 1987).

    Essa complexa disperso de imagens ambguas,promscuas, simulaes densas de imprevisibilidades evirtual idades, acaba por drogar a percepo do visitante,levando-o provavelmente a um no-lugar margem doinimaginvel; da, a delirante e instvel percepo, prxima vertigem, referida por Baudrillard.

    Se, por um lado, considerando o contexto global de LasVegas, podemos entender esta proliferao deentretenimentos como uma metstase de urbanidade ldica,como j nos referimos, por outro, se recorrermos noo defenmeno extremo utilizada por Baudrillard, interpretaopor ele dada teoria dos fractais, seria possvel aplicar essanoo ao contexto urbano de Las Vegas. "Noestdio/ractal,j no h equivalncia, nem natural nem geral. nem hlei de valor propriamente dita; s h uma espcie deepidemia de valor, de metstase geral de valor, deproliferao e disperso aleatria (...] Quando as coisas,os signos, as aes so liberadas de sua idia, de seusconceitos,de sua essncia, de seu valor, de sua referncia,sua origeme suafinalidade, entram numa auto-reproduoao infinito. As coisas continuam a funcionar ao passoque a idia delas j desapareceu h muito. Continuam afuncionar na indiferena total ao seu prprio contedo.E o paradoxo que elas funcionam melhor ainda. "(Baudrillard,1990:11-12.)

    Sem querer adequar, literalmente, a interpretao deBaudrillard ao atual contexto de Las Vegas, possvel,entretanto, admitir que a cidade - naquilo que melhor acaracteriza: o entretenimento - corresponde imagem deuma proliferao incontrolvel de equipamentos e dispositivosvoltados para a diverso e a surpresa, o imprevisvel e o

    encantamento de eremera durao do tempo como instanteperptuo. Tal proliferao tende a uma auto-reproduo aoinfinito, metaforicamente associada a uma metstase. Commais razo ainda, a esta analogia pode corresponder umestdio fractal urbano, em virtude de que o processo de LasVegas encontra-se desvinculado e, portanto, indiferente quiloque normalmente tem-se procurado definir por urbanidade.Lembremos que o prprio Venturi, analisando o Strip,reconhecia que o mesmo: "...no se encaixa em novosconceitos de forma e espao urbanos. antigos oumodernos (...] algo mais. Porm o qu? No um caos,porm um espao relacionado com o automvel e acomunicao pela autopista numa arquitetura queabandona a forma pura em favor de meios mistos. Oespao de Las Vegas to diferente desses dceis espaospara os quais se desenvolveram as nossas ferramentasanalticas e conceituais que necessitamos de novosconceitos e teorias para abord-los." (Venturi, 1982, op.cit.:101, grifos nossos.)

    Passados quase 20 anos, com maior razo esse algo maisnecessita vir tona, e, para tanto, as mudanas ocorridas nacidade devem ser analisadas atravs de novos instrumentosconceituais, pois, tratando-se de uma complexa realidadeurbana - prxima ou coincidente com um estdio fractal-,revela um total descompromisso com os pressupostos,valores e prticas de urbanidade convencionados e aceitospelas academias e comunidades de urbanistas, na trilha damodernidade.

    Tal fato exige, portanto, uma interpretao maiselaborada desse processo de urbanidade virtual, imagticae ldica que a cidade de Las Vegas vem conhecendo, e,talvez, mais conviria entender essa nova realidade comoum processo de "desurbanidade", quando confrontado comos ideais de modernidade.

    A releitura que fizemos de Las Vegas teve como objetivoprincipal deslocar a percepo ento centrada por Venturino Strip para os espaos interiores dos cassinos, exigindopara tanto a introduo de algumas noes e a utilizao deanalogias retiradas de outros contextos.

    possvel que a escolha do tema tratado - anlise deuma cidade ldica por excelncia - parea umadesnecessria atitude cultural frente a uma realidade terceiro-mundista na qual nos encontramos imersos, conformada deproblemas e preocupaes de outra natureza. Entretanto,considerando o processo de globalizao no qual nosencontramos inseridos, os efeitos dessa tendncia darealidade urbana ao ldico encontram no incomensurvelnmero de localidades - ns que constituem a rede desteprocesso - uma potencial capacidade interativa de interpretartal tendncia, em funo dos determinismos locais que

  • procuram expressar as particu laridades da nova ordem sob agide do consumo (Harvey, 1991:52).

    Esta nova condio cultural globalizante, que procuratransformar a vida num contnuo e renovvel espetculo atra-vs das diversas modalidades de produo do consumo,encontra, em pases social e economicamente menosdesenvolvidos, adequadas verses em espaos reservados agrupos socialmente privilegiados, que contracenam com aquase-totalidade dos espaos urbanos destinados populaodos excludos desta funo. Nesse sentido, mantidas as devidaspropores de recursos e funes, esses espaos privilegiadosequipados para permanente lazer correspondem a embriesde equivalentes clulas generativas que constituem o tecidourbano-Idico de Las Vegas.

    Tal fato no nos autoriza a afirmar, contudo, que, nessemundo global do consumismo, configurado atravs dos deter-minismos locais, particularmente numa realidade terceiro-mundista, toda localidade tem aLas Vegas que merece.Todavia, com maior ou menor intensidade, toda localidadeincorpora ou pode incorporar aspectos dessa referncia urbanaparadigmtica que constitui Las Vegas, no sentido dadesconstruo da austeridade de propsitos e aspiraes dacidade moderna (Magnavita, 1995).

    Este processo de globalizao/localizao que algunstericos passaro a chamar de glocalizao (processos ousistemas glocalizados) (Storper, 1994:43), no caso em estudo, pautado naquilo que concerne aos valores promovidos naproduo do espao a ser frudo/consumido e no ato defruio e consumo propriamente dito, na hegemonia daimagem, dos smbolos e das virtual idades, com forte teorestetizante, e reafirma a plural e complexa realidade dedominante cultural da condio ps-moderna, o quealguns tericos preferem chamar apenas de contem-poraneidade.

    Se a cidade como um todo ou parte dela vem setransformando num imprevisvel e descartvel brinquedourbano, como no caso de Las Vegas, e a vida se reduzindo auma eremera brincadeira, sob a tirania da condio esttica,o justo seria que, eticamente pelo menos, todos pudessem

    brincar nos instantes perptuos que a nova condio culturalvem proporcionando.

    Se no ocidente antigo todos os caminhos conduziam aRoma, em tempos de ps-modemidade possvel afirmar quetodos os (des )caminhos levam ou passam, virtualmente, porLas Vegas.

    IUsaremos a palavra Strip no original em ingls. Deve ser entendida comoum conjunto urbano ou residencial nascido margem de uma avenida ouautopista.

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