artigo compercepÇÕes e prÁticas dos atores em comunidades virtuais

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www.fae.unicamp.br/etd PESQUISA © ETD Educ. temat. digit. Campinas, SP v.14 n.2 p.220-237 jul./dez. 2012 ISSN 1676-2592 CDD: 371.3 PERCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS ATORES EM COMUNIDADES VIRTUAIS PERCEPTIONS AND THE ACTORS' PRACTICES IN VIRTUAL COMMUNITIES Rejane Ramos Machado 1 Ângela Oliveira Casanova 2 Josué Laguardia 3 Resumo O objetivo deste artigo é descrever as principais características de uma ferramenta para gestão de comunidades virtuais, os processos de interação, as condições que favoreceram ou limitaram a construção do conhecimento e a forma como essa prática ocorreu em comunidades virtuais situadas em uma instituição pública federal. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com mediadores e usuários desses ambientes. Constatou-se, nas comunidades virtuais estudadas, que a proposta inicial de constituição de um espaço de discussão e interação foi substituída pelas atividades de repositório de informação e apoio administrativo. O uso e as finalidades do aplicativo foram influenciados tanto por aspectos técnicos quanto pela atuação dos seus usuários; a mediação esteve ausente dos espaços de aprendizagem e a interação estava atrelada à percepção da utilidade da ferramenta. O desafio que se apresenta aos coordenadores de comunidades virtuais é a conversão desses ambientes em espaços de trabalho colaborativo. Palavras-chave: Mediação sociocultural. Interação. Comunidade virtual. Ambiente virtual de aprendizagem. Abstract: The objective of this paper is to report the main features of a tool to manage virtual communities in the interaction processes, the conditions that favored or limited the construction of knowledge and how this practice occurred in virtual communities on a public federal level institution. The data were collected through semi-structured interviews with mediators and users of these environments. In the virtual communities studied, it was found that the initial proposal of creating a space for discussion and interaction was replaced by activities of information repository and administrative support. The use and purpose of this application was affected by both technical aspects and by the actions of its users. The mediation was absent from the learning spaces and the interaction was tied to the perception of usefulness of the tool. The challenge posed to the virtual communities coordinators is the conversion of these environments in collaborative workspaces. Keywords: Mediation. Interaction. Virtual community. Virtual learning. 1 Fundação Oswaldo Cruz. Laboratório de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde Labcities. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Escola Nacional de Saúde Pública/FIOCRUZ; Mestre em Saúde Coletiva (IMS/UERJ); Tecnologista em Saúde Pública. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3 Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde; Doutor em Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ); Pesquisador em Saúde Pública. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Recebido em: 03/06/2011 / Aprovado em: 05/12/2011.

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O objetivo deste artigo é descrever as principais características de uma ferramenta para gestão de comunidades virtuais, os processos de interação, as condições que favoreceram ou limitaram a construção do conhecimento e a forma como essa prática ocorreu em comunidades virtuais situadas em uma instituição pública federal. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada com mediadores e usuários desses ambientes. Constatou-se, nas comunidades virtuais estudadas, que a proposta inicial de constituição de um espaço de discussão e interação foi substituída pelas atividades de repositório de informação e apoio administrativo. O uso e as finalidades do aplicativo foram influenciados tanto por aspectos técnicos quanto pela atuação dos seus usuários; a mediação esteve ausente dos espaços de aprendizagem e a interação estava atrelada à percepção da utilidade da ferramenta. O desafio que se apresenta aos coordenadores de comunidades virtuais é a conversão desses ambientes em espaços de trabalho colaborativo

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    ETD Educ. temat. digit. Campinas, SP v.14 n.2 p.220-237 jul./dez. 2012 ISSN 1676-2592

    CDD: 371.3

    PERCEPES E PRTICAS DOS ATORES EM

    COMUNIDADES VIRTUAIS

    PERCEPTIONS AND THE ACTORS' PRACTICES IN

    VIRTUAL COMMUNITIES

    Rejane Ramos Machado1

    ngela Oliveira Casanova2

    Josu Laguardia3

    Resumo

    O objetivo deste artigo descrever as principais caractersticas de uma ferramenta para gesto de

    comunidades virtuais, os processos de interao, as condies que favoreceram ou limitaram a

    construo do conhecimento e a forma como essa prtica ocorreu em comunidades virtuais situadas

    em uma instituio pblica federal. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada

    com mediadores e usurios desses ambientes. Constatou-se, nas comunidades virtuais estudadas, que a

    proposta inicial de constituio de um espao de discusso e interao foi substituda pelas atividades

    de repositrio de informao e apoio administrativo. O uso e as finalidades do aplicativo foram

    influenciados tanto por aspectos tcnicos quanto pela atuao dos seus usurios; a mediao esteve

    ausente dos espaos de aprendizagem e a interao estava atrelada percepo da utilidade da

    ferramenta. O desafio que se apresenta aos coordenadores de comunidades virtuais a converso

    desses ambientes em espaos de trabalho colaborativo.

    Palavras-chave: Mediao sociocultural. Interao. Comunidade virtual. Ambiente virtual de

    aprendizagem.

    Abstract:

    The objective of this paper is to report the main features of a tool to manage virtual communities in

    the interaction processes, the conditions that favored or limited the construction of knowledge and

    how this practice occurred in virtual communities on a public federal level institution. The data were

    collected through semi-structured interviews with mediators and users of these environments. In the

    virtual communities studied, it was found that the initial proposal of creating a space for discussion

    and interaction was replaced by activities of information repository and administrative support. The

    use and purpose of this application was affected by both technical aspects and by the actions of its

    users. The mediation was absent from the learning spaces and the interaction was tied to the

    perception of usefulness of the tool. The challenge posed to the virtual communities coordinators is the

    conversion of these environments in collaborative workspaces.

    Keywords: Mediation. Interaction. Virtual community. Virtual learning.

    1 Fundao Oswaldo Cruz. Laboratrio de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade

    Labcities. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2 Escola Nacional de Sade Pblica/FIOCRUZ; Mestre em Sade Coletiva (IMS/UERJ); Tecnologista em Sade Pblica. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 3 Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica em Sade; Doutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ); Pesquisador em Sade Pblica. E-mail: [email protected] Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Recebido em: 03/06/2011 / Aprovado em: 05/12/2011.

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    INTRODUO

    O termo comunidade on-line tornou-se, segundo Goodfellow (2005), um

    significante-chave de uma humanidade que se encontra envolvida pelas novas tecnologias de

    comunicao e habita ilhas de sociabilidade. Em geral, as comunidades virtuais so

    consideradas como grupos socioculturais que surgem na Internet quando um nmero

    suficiente de indivduos participa de discusses pblicas, durante algum tempo, em redes de

    relaes humanas no ciberespao (RHEINGOLD, 1993). Essa definio baseia-se na noo de

    comunidade que emerge das interaes on-line interpessoais e se caracteriza pelos

    sentimentos de pertencimento, confiana, benefcio esperado, obrigaes, autointeresse e

    altrusmo, em que a informao um bem pblico, e sua economia caracteriza-se pela troca

    generalizada (ELLIS; OLDRIDGE; VASCONCELOS, 2004). Desse modo, essas

    comunidades definiriam o contexto para a criao e o compartilhamento do conhecimento.

    Seus membros saberiam onde e como contribuir, o conhecimento seria criado atravs da sua

    interao e eles colaborariam na construo mtua das ideias dos participantes, um consenso

    acerca das melhores prticas e de como pr as ideias em curso, sendo esse conhecimento

    capturado como um contedo reutilizvel. s organizaes caberia o papel de explorar os

    novos conhecimentos e as melhores prticas geradas no seio dessas comunidades. A busca das

    informaes pelos usurios dessas comunidades se daria para questes tanto especficas

    quanto gerais e, em determinados grupos, o apoio social e a empatia seriam mais importantes

    que a acurcia da informao. A participao nesses grupos tida como til e engajadora,

    ainda que seus participantes formem relaes pouco duradouras, compartilhem poucos valores

    e saibam que no podem contar uns com os outros. As comunidades on-line tambm so tidas

    como redes de interao cujos membros usam diferentes elementos de um repertrio

    comunicativo, em resposta s caractersticas da tecnologia, dos participantes e de suas prticas

    sociais, para negociar sentidos e significar o pertencimento. Ou seja, uma comunidade virtual

    constituda tanto na experincia subjetiva quanto nos padres das prticas de seus

    participantes na interao on-line, mas sua precariedade existencial pode influenciar os nveis

    de compromisso/engajamento de seus membros (GOODFELLOW, 2005).

    A virtualidade dessas comunidades permitiria estabelecer novos padres de relaes,

    que substituiriam o contato territorialmente limitado e dariam maior alcance e velocidade ao

    processo de construo do conhecimento, a partir da interao de seus atores e da

    independncia do tempo e do espao. Entretanto, essas interaes implicam algum nvel de

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    estabilidade baseada em uma histria compartilhada de ajuda mtua e esto sujeitas s

    regulaes de poder e status comparveis quelas presentes nas comunidades convencionais.

    Nesse contexto, as comunidades virtuais se constituem como uma das formas de apoiar os

    demais meios de interao entre usurios em um espao organizado, no qual esto integrados

    o histrico das interaes e as ferramentas da Internet. Entretanto, Katz et al. (2004) alertam

    para o fato de que no se deve perder de vista a realidade fsica onde operam os usurios das

    comunidades virtuais, pois a ao ocorre em algum stio, e pessoas esto ocupando um espao

    e usando smbolos para transform-lo em um lugar.

    No meio educacional, a Internet tem propiciado a integrao de profissionais de

    diferentes localidades e reas do conhecimento, com a troca de experincias e a formao de

    comunidades virtuais de aprendizagem e prticas. As comunidades virtuais de aprendizagem

    tm como foco a construo do conhecimento a partir dos processos de discusso sobre temas

    ou questes dadas. Rodrguez Illera (2007) enfatiza que esse novo formato de aprender

    possibilita uma mudana de perspectiva, com novos conceitos, mas, sobretudo, com estreita

    interligao entre conceitos anteriormente separados aprendizagem, identidade, prtica,

    significado, comunidade e contexto. Para os usurios do ambiente virtual de aprendizagem, o

    sentimento de pertencimento influencia as formas de participao, resultando em interaes

    ativas centradas no foco das questes ou dos temas abordados um usurio para todos os

    demais. Entretanto, essa participao pode ser de curta durao, de algum modo involuntria,

    e assumir um carter perifrico, quando existem conflitos que podem ser gerados no processo

    de legitimao (WENGER, 1998). Alm disso, em um contexto de educao formal, as

    prticas de uma comunidade virtual so modeladas por aquelas derivadas das tradies

    disciplinares das instituies no virtuais onde esto hospedadas.

    O papel de mediao considerado como componente essencial e vitalizador nas

    comunidades virtuais, pois, segundo Teixeira Filho (2002, p. 53), se a mediao for atenta,

    competente e compreensiva, so maiores as chances de prover acertos, aparar arestas e

    alavancar o grupo de forma eficaz. As relaes dos atores, tanto no papel de mediadores como

    de usurios de um ambiente virtual, implicariam um carter mtuo, num fluxo dinmico

    que gera construes de conhecimento de forma colaborativa e que tem como foco os

    objetivos definidos pela comunidade (PRIMO, 2005; RECUERO, 2005). Todavia, fatores

    externos ao ambiente virtual, tais como um compromisso existente com projetos, a realizao

    de encontros presenciais e mudanas estruturais significativas na organizao educacional que

    apoia essas comunidades, favorecem a participao nas comunidades on-line. Como ressalta

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    Goodfellow (2005), a associao entre comunidade e comunicao, herana da literatura

    sobre construo de comunidades virtuais, enfatizou a viso da aprendizagem on-line como

    interao pessoal, ao invs de tom-la como uma prtica social. Enfocar a interao como

    matriz da comunidade pode levar ao fracasso de uma empreitada, ao desconsiderar o papel

    das prticas sociais na construo de sentidos e significados das atividades e dos eventos,

    tanto no nvel individual quanto no coletivo, bem como a complexidade das relaes sociais

    que outras formas mediadas de interao, tais como a presencial, incorporam.

    A questo que orienta este artigo descrever as principais caractersticas de uma

    ferramenta para gesto de comunidades virtuais; os processos de interao; as condies que

    favorecem ou limitam a construo do conhecimento; o modo como essa prtica

    conformada pelo ambiente coletivo; e se h uma valorao do conhecimento particularizado

    em um grupo de comunidades virtuais situadas em uma instituio pblica federal.

    MTODO

    Os dados deste artigo so oriundos de uma pesquisa qualitativa realizada no perodo

    de 2008-2009, que entrevistou, por meio de questionrio semiestruturado, 13 participantes

    entre usurios, docentes, mediadores e desenvolvedor das comunidades virtuais da Casa de

    Oswaldo Cruz; Instituto Oswaldo Cruz; Vice-Presidncia de Ensino, Informao e

    Comunicao; e do Portal de Ensino do ICICT, criado com a finalidade de fazer a gesto de

    contedos do Curso de Especializao do ICICT.

    O uso da tcnica de entrevista possibilitou, a partir do relato dos atores em seus

    respectivos papis, identificar as caractersticas do ambiente que favoreceram a sistematizao

    do conhecimento tcito e a aplicao do conhecimento apreendido. A ausncia da mediao

    na comunidade do portal do ICICT, apontada nas falas dos alunos, orientou a deciso de

    incluir na amostra do estudo um grupo de mediadores oriundos de outras comunidades da

    FIOCRUZ. Esses mediadores foram indicados pelo desenvolvedor da plataforma, por terem

    uma atuao proativa no uso e no aprimoramento do software. Nas entrevistas com esses

    mediadores, foi investigado o modo como so apreendidos os contedos, as expectativas da

    implantao do ambiente e suas potencialidades de uso, identificando, no material

    disponibilizado e no contato com os usurios, as possibilidades de aplicao de conhecimento

    e de formulao de melhores prticas de pesquisa.

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    No que diz respeito aos usurios, as entrevistas abordaram os seguintes aspectos:

    ingresso; tecnologias; contedos; atividades; mediao e resultados esperados, buscando

    identificar as percepes e os valores atribudos aos ambientes virtuais na transformao do

    processo de trabalho e o modo como o processo de mediao possibilitou e/ou limitou o uso

    do ambiente.

    As entrevistas foram gravadas, transcritas, analisadas e codificadas em categorias

    que dizem respeito acessibilidade, usabilidade, interao, mediao, aplicabilidade,

    s expectativas e s percepes acerca do contedo.

    Para caracterizao do ambiente virtual, foram abordadas nas entrevistas as questes

    relativas tecnologia, organizao, usabilidade e aplicabilidade e identificao das

    condies estruturais para o uso das ferramentas disponveis.

    A importncia de realizar uma avaliao que contemple a usabilidade e as

    necessidades dos usurios deve-se, no caso do Portal de Ensino do ICICT, sua finalidade

    primria, que a adequao das atividades educativas formao profissional em um

    contexto on-line. No tocante s outras comunidades, o propsito foi conhecer as expectativas

    dos usurios em relao aos objetivos propostos por esses ambientes e identificar as condies

    que propiciam e limitam a aplicao dos conhecimentos na prtica profissional. Com base

    nesses objetivos, foram elaborados trs roteiros especficos, segundo o tipo de usurio.

    CARACTERIZAO DOS AMBIENTES

    Os ambientes virtuais de aprendizagem, segundo Avgeriou, Retails e Skordalakis

    (2003), caracterizam-se pela sua capacidade de integrar as ferramentas e os recursos

    necessrios para gesto, organizao, coordenao e compartilhamento desses programas

    atravs da Internet. So sistemas compostos de software, que combinam sua funcionalidade

    de comunicao mediada por computador e mtodos para a sua constituio via Internet.

    Quanto ao aspecto da interatividade, destaca-se que a vinculao de ambientes virtuais de

    aprendizagem aos portais institucionais atende, na maioria das vezes, aos propsitos de

    criao de uma porta de entrada nica para acesso s informaes acadmicas, mas no

    implica, necessariamente, a integrao desses sistemas.

    O sistema avaliado na presente pesquisa possui um mdulo bsico que atende aos

    dois aplicativos separados portal de ensino e comunidades virtuais, com perfis de usurios

    diferentes. As ferramentas do portal foram desenvolvidas, tomando-se em considerao as

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    necessidades dos alunos e o uso do ambiente virtual como ferramenta de organizao e

    compartilhamento de informaes entre os participantes de cursos presenciais ministrados

    pelo ICICT. Entretanto, durante o desenvolvimento da ferramenta do portal, no foram

    aplicadas metodologia para identificao de perfis dos potenciais usurios, prospeco de

    possveis demandas ou avaliao formal da usabilidade do ambiente.

    As comunidades virtuais derivadas do uso do ambiente do portal de ensino foram

    criadas de forma descentralizada, sem que a figura do desenvolvedor do aplicativo interferisse

    no uso e no fluxo dessas comunidades. Tampouco h um plano predeterminado de uso do

    aplicativo, podendo este ser utilizado segundo o interesse de um grupo de pesquisadores ou

    inserido em uma proposta da reorganizao da unidade, assumindo que sua implantao

    propiciaria maior integrao e compartilhamento de conhecimento entre os pesquisadores.

    RESULTADOS

    O acesso ao ambiente, garantido a todos os alunos matriculados, foi realizado tanto

    de casa quanto do trabalho, e, no trabalho, esse acesso ocorreu em dias sem aula ou quando a

    conexo no domiclio era discada. Um aluno relatou sentir-se constrangido em realizar o

    acesso no trabalho por j ser dispensado do trabalho para o curso dois dias da semana. Uma

    caracterstica destacada pelos informantes quanto ao acesso ao sistema foi a perda da conexo

    depois de transcorrido um perodo de tempo desde a ltima navegao no ambiente. O acesso

    ao material disponibilizado aps o trmino do curso foi mencionado por alguns entrevistados;

    este interesse decorreria do volume de material disponvel no ambiente, mas havia dvidas

    quanto garantia desse acesso, pois isso no estava claro aos usurios.

    Nem sei se eu vou ter acesso a isso. Eu acho que era uma das ideias da

    coordenao, no me lembro, de fazer com que as pessoas dos anos anteriores

    acessassem. At mesmo para, s vezes, dar dicas e dar tipo um caminho das pedras.

    No sei se isso... se a coordenao pretende colocar em prtica. No sei... no

    acredito. S se, talvez, houvesse uma animao mesmo (Entrevistado 14).

    Eu queria poder entrar, eu poderia olhar o que o pessoal est publicando. At para

    ver o que tem de diferente. Isso eu no tenho. Talvez... eu no perguntei, se eu

    fizesse contato com a coordenao. Mas eu acho que no pode. No sei

    (Entrevistado 21).

    Segundo relato dos usurios, o ambiente funcionou de forma satisfatria, por ser

    autoexplicativo e dispor de ferramenta de ajuda. Dentre os seus aspectos mais destacados,

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    esto: apoiar atividade presencial, ser um espao de troca, facilitar a aprendizagem e servir

    como repositrio de documentos. A facilidade do uso do ambiente foi relacionada

    familiaridade no uso das tecnologias de informao e comunicao, computador e Internet.

    Eu acho que muito fcil, uma navegao muito fcil. D para voc pegar muito

    rpido. Mesmo quem no tem... Tem gente na turma que mais antigo, ento no

    tem muita facilidade com o computador. Voc v que tem uma facilidade para voc

    entender como que funciona, como se fosse meio autoexplicativo. Voc entra,

    publica alguma matria, fala com algum e tal. Acho que bem tranquilo. Eu gosto

    muito de computador; ento, para mim, foi mais fcil ainda. (Entrevistado 8).

    Tudo que colocado l ou que a gente discute, eu acho que enriquecedor. Eu acho

    que uma iniciativa bem legal, para aprimorar. s vezes voc encontra alguma

    coisa, vai l e publica. Porque, s vezes, uma coisa que voc est lendo, voc

    entra na pgina, publica. mais difcil voc levar na semana seguinte para a aula:

    Olha, gente, eu vi isso aqui. Voc fala com a turma inteira. Ento, tem uma coisa que facilita, voc est mandando um recado para a turma inteira. Isso eu acho que

    legal. (Entrevistado 8).

    As crticas ao ambiente relacionaram-se tanto sua usabilidade quanto sua

    finalidade. No que se refere usabilidade, um dos problemas assinalados foi a forma de

    publicao e organizao das matrias. Um aluno considerou a apresentao visual do

    ambiente muito poluda: fica tudo junto e se perde com as matrias. Associado

    organizao das matrias, foi destacado que uma boa parte desses documentos favorece o

    acesso informao. Entretanto, ao utilizar o ambiente do portal, os usurios tiveram

    dificuldades em encontrar os documentos postados, mesmo com o uso da ferramenta de

    busca, considerada pouco funcional.

    Por exemplo, a ordenao das matrias que so colocadas na comunidade. Voc

    no ordena, na verdade; ela j ordenada pela ltima atualizao que foi feita,

    ento isso pode fazer com que se perca alguma matria que foi colocada. [...]

    Quero ordenar pelo ano da pessoa, por data de atualizao, por data de insero.

    Voc no tem esse tipo de colocao ali dentro. O que torna a recuperao difcil.

    Voc quer voltar a um documento que voc tem mais ou menos ideia de: ah! essa matria foi publicada durante o mdulo tal. Ento eu sei que o mdulo tal foi de tal dia a tal dia, eu poderia ordenar por data que ficaria mais fcil de procurar.

    (Entrevistado 24).

    A dificuldade em saber como e onde armazenar os documentos, assim como a falta

    de sees distintas e de descritores para a recuperao da informao foram citadas como

    limitaes do ambiente. A crtica s sees no se coaduna com as funcionalidades ali

    presentes desde a criao do ambiente virtual, onde a questo dos descritores foi contemplada

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    parcialmente com a incluso da ferramenta para catalogar textos com base em palavras

    (nuvem de tag). Embora a lgica de organizao, em tpicos e sees, do material no

    ambiente virtual seguisse o mesmo padro do material impresso distribudo pela coordenao

    do curso, nem sempre a postagem dos materiais no portal era feita na seo correspondente.

    Outros aspectos mencionados foram a falta de um gerenciador de arquivos e a

    utilizao desse espao para postagem de matrias cujo contedo estaria relacionado a

    eventos sociais. Cabe ressaltar, ainda, que as dvidas relacionadas forma de publicao,

    organizao e ao acesso s matrias poderiam ter sido esclarecidas com o uso da funo

    Ajuda, mas a metade dos entrevistados relatou no t-la utilizado. Um entrevistado referiu

    que as dvidas quanto ao ambiente foram solucionadas no contato presencial com o

    representante de turma.

    Um aluno chamou a ateno para a ausncia de um mdulo administrativo, comum

    em ambientes virtuais de aprendizagem, que permitisse conferir o desempenho do

    aluno (notas, faltas, etc.). Eu sentia muita falta do ambiente administrativo, de voc

    ver suas notas no prprio ambiente, suas faltas. (Entrevistado 18).

    Quando as matrias eram longas, ocorriam problemas na postagem, em virtude do

    tempo transcorrido entre a redao e o envio, o que levava desconexo do usurio do

    ambiente. A soluo encontrada foi o uso do editor de texto para redao e a posterior

    publicao no ambiente. A falta de aviso acerca de novas mensagens postadas no ambiente,

    apontada por alguns usurios, foi corrigida pelo desenvolvedor, que incluiu uma rotina de

    envio de mensagem para todos os usurios, notificando-os sobre novas postagens. Essa

    mensagem padronizada e no informa o ttulo ou o contedo da matria, obrigando o

    usurio a entrar no ambiente para saber mais sobre a matria publicada. Na navegao, foi

    apontado que, ao fechar algumas janelas do ambiente, o usurio era desconectado.

    A sala de bate papo (chat), implementada no ambiente em 2007, foi objeto de crtica

    de alguns entrevistados quanto aos seus aspectos operacionais. A falta de destaque para a

    chamada de bate-papo quando a janela estava minimizada provocava uma situao

    constrangedora, pois parecia que o aluno convidado para conversar estava desconsiderando o

    convite. Outra situao referida foi o fato de a pessoa sair do ambiente fechando a janela do

    chat, o que a mantinha conectada no ambiente e, portanto, passvel de ser convidada para uma

    conversa. Outro fator limitante ao uso da ferramenta para as conversas on-line foi o acesso ao

    ambiente em horrios distintos, havendo sempre poucas pessoas conectadas em um

    determinado momento.

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    Algumas vezes o que eu tinha problema era em relao ao chat, que algumas vezes

    no funcionava. Voc achava que outra pessoa estava conectada e, na verdade, ela

    no estava. (Entrevistado 18).

    Os horrios [eram] muito diferentes. No era muito fcil a gente, na hora que

    acessava, encontrar algum acessando tambm. Eu acessei muito de madrugada e

    algumas pessoas no estavam. Ento, eu no falei muito. No tive oportunidade de

    conversar. (Entrevistado 21).

    [...] [No] chat, eu vejo o nome da pessoa e a pessoa no est l para fazer o bate

    papo ali na hora. Ou a pessoa no est ou alguma coisa acontece que fica

    registrado o nome dela, mas ela efetivamente no recebe a informao de chat.

    (Entrevistado 24).

    [...] o chat, fica l uma janela onde voc v quem que est on-line. S que isso fica

    para baixo, geralmente voc tem que rolar [a tela]. Por exemplo, se eu quiser falar

    com uma outra pessoa, eu clico no nome da pessoa e passo uma requisio para

    comear um bate-papo com ela. S que, como isso geralmente no est visvel, voc

    tem que fazer a rolagem, a pessoa que recebe. Isso acontece. (Entrevistado 14).

    O chat no funcionou. (Entrevistado 19).

    Observou-se tambm que as solues das demandas surgidas no curso ocorreram

    pelos meios tradicionais (telefone, e-mail e contato pessoal). Os entrevistados mencionaram

    alguns aspectos a serem melhorados no ambiente, tais como: apresentao das

    funcionalidades, o que poderia aumentar a chance de uso pelos alunos; busca e recuperao

    das matrias postadas; estabelecimento de nveis de importncia na navegao; organizao

    da pgina, com a ordenao das notcias, separando-as dos comentrios; avaliao do uso do

    ambiente (usabilidade); configurao mais bsica/simples.

    Quanto finalidade do ambiente, mencionou-se que ele no estimula o debate e

    subutilizado.

    A questo : est atendendo! [para se comunicar]. Porque a, j no sei mais se o

    ovo ou a galinha. Digamos assim, existe esse ambiente, por eu no gostar dele, eu

    no uso. Ento, nem tento fazer com que ele me atenda ou no. A partir desse

    momento, eu s vou l para baixar as apresentaes que os professores... Hoje em

    dia, ele [o ambiente] , para mim pelo menos e eu acredito que para muita gente,

    porque houve uma queda, talvez voc vai apontar isso mais l para frente, mas hoje

    eu vejo que as pessoas vo l para repositrio de arquivos. Vai l, baixa o que foi a

    ltima aula e deve sair de l. (Entrevistado 14).

    A maior ou menor participao dos alunos no ambiente virtual esteve associada

    familiaridade ou ao interesse no tema em discusso, bem como facilidade de navegao no

    ambiente. Os entrevistados consideraram que o ambiente estimula a troca de informaes

    alm dos limites da sala de aula, mas o aspecto interativo coloca em questo a exposio dos

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    usurios. A preocupao de expor-se aos demais participantes fez com que alguns alunos

    optassem por observar sem participar; ou, ainda, levou-os a participar apenas aps a

    apropriao do tema e a reflexo sobre ele.

    A participao no ambiente foi influenciada, segundo os entrevistados, pelo ritmo da

    turma, que no se apropriou da ferramenta como espao de discusso; pela participao de

    alguns alunos em concurso pblico; e, ao final do curso, pela necessidade de elaborao dos

    projetos. Ademais, a baixa participao dos professores no ambiente virtual tambm foi

    indicada como elemento explicativo para o desestmulo dos alunos em relao ao ambiente,

    comprometendo a interao professor-aluno. Mencionou-se que alguns professores pareciam

    resistentes ao uso do ambiente, por no tornarem disponveis suas aulas, no publicarem as

    atividades da disciplina ou no darem retorno quanto a essas atividades no prprio ambiente

    virtual.

    O professor pediu que a gente mandasse direto para o e-mail dele. Imagina, se uma

    aluna representante de turma quem insere a maioria dos contedos dos

    professores. Se voc no v nos professores a determinao de usar o ambiente,

    acho que os alunos acabam procurando outros caminhos. [...] Saber ou no se o

    professor acessa, se quando eu botar um comentrio, vai ser lido ou no por um

    professor. No sei se isso vai servir para alguma coisa. No para constranger, mas

    pelo contrrio, [...] voc quer ter um feedback. (Entrevistado 14).

    Uma coisa que eu senti falta, a prpria participao dos prprios professores,

    porque aquele ambiente tambm para o professor estar interagindo com o aluno.

    Tiveram alguns que nem colocaram, no quiseram colocar. (Entrevistado 18).

    Segundo os entrevistados, a participao no ambiente (portal) foi variada e precisaria

    ser mais estimulada, a fim de manter o ritmo dos alunos. Um entrevistado identificou que,

    num primeiro momento, houve maior participao dos alunos e, depois, houve uma

    acomodao destes diante do ambiente, em decorrncia de problemas com a tecnologia ou

    de relacionamento. Um entrevistado afirmou que a participao tambm estaria associada

    necessidade de obteno de material (textos, aulas).

    Ento, quando tem algum professor que no precise publicar, voc j tem os textos,

    j conseguiu de alguma outra forma ou livro que voc tem que acabar comprando,

    ento a comunidade como se fosse um segundo plano. No fica to importante

    porque a leitura j est fora da comunidade. (Entrevistado 8).

    Eu acho que minha participao podia ter sido maior. [...] s vezes eu entrava,

    olhava... mas aquilo... a gente estava com pouco tempo, tinha que olhar alguma

    coisa, olhava e no discutia muito. [...] Era presencial [o curso] e no dia seguinte:

    olha, acho que aquela discusso.... A falava direto, entendeu? Foi mais no curso presencial. (Entrevistado 21).

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    A publicao de uma atividade por um aluno suscitou uma discusso sobre a

    extenso do trabalho e a possibilidade de ver o trabalho de outro colega, sem entrar no mrito

    do contedo. Essa situao chamou a ateno da turma e dos coordenadores acerca do grau de

    visibilidade dos materiais postados no ambiente. Outra circunstncia que propiciou uma maior

    interao no ambiente foi a construo da logomarca da turma, refletindo a experincia

    positiva vivenciada pela turma na sala de aula, ao montar, presencialmente e em grupos,

    alguns quebra-cabeas.

    A opinio dos entrevistados acerca dos materiais disponibilizados no ambiente foi

    positiva, destacando a boa qualidade deles e sua relevncia para questes relacionadas ao

    trabalho.

    Acho que toda a matria que foi publicada, arquivo, as pessoas que colocaram l,

    achei que tudo tinha a ver com o curso de um modo geral, no especificamente

    matria, contedo de aprendizado. (Entrevistado 24).

    Muito boa [...] Tudo que publicado ali interessante, legal para as pessoas

    ampliarem a viso e utilizarem para os seus projetos. Alguma coisinha a gente pega

    e: ah, no, eu lembrei disso aqui. Pega e recupera e tal. Muito boa qualidade. (Entrevistado 8).

    Algumas leituras eu at trouxe para o pessoal aqui do trabalho. Algumas discusses

    que a gente teve l, eu acabei meio que reproduzindo aqui para a gente pensar um

    pouco sobre isso. (Entrevistado 8).

    Os temas do dia a dia e as conversas nas aulas representavam a maioria dos

    contedos das matrias publicadas no portal, permitindo que o aluno ausente s aulas tivesse

    acesso ao que fora debatido presencialmente. A estratgia de descarregar todo o material

    postado no computador pessoal impediu a perda do material aps o trmino do curso.

    A mediao no ambiente foi atribuda, por alguns entrevistados, ao representante de

    turma ou coordenao do curso, ainda que se reconhea que esta uma funo que poderia

    ser desempenhada por qualquer participante. A despeito dessa possibilidade, a maioria dos

    entrevistados no identificou a figura do mediador, o que explicaria em certa medida a baixa

    participao no ambiente. As caractersticas apontadas pelos alunos como desejveis para o

    exerccio da mediao foram o domnio de estratgias de incentivo e animao, a facilidade

    de comunicao, a habilidade para identificar questes que estimulem a discusso e

    favoream a interao do aluno com o contedo do curso. No que se refere ao domnio ou no

    do contedo do curso pelo mediador, no houve consenso entre os entrevistados.

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    A representante foi bastante incentivadora. Por este motivo que [ela] no incio,

    tinha tentado ficar por um tempo pequeno e ns acabamos pressionando muito e ela

    ficou at o final, porque fazia esse papel maravilhosamente bem. Ento ela, a todo o

    momento, estava ali cutucando, dizendo que ns tnhamos que usar; tnhamos que

    conversar e a coordenao tambm. (Entrevistado 21).

    Eu coloco a funo de um mediador de estar dentro das discusses levantando uma

    bola para um lado [...] Para fomentar um pouco da discusso. Isso eu no vi. Talvez

    um administrador, sim. Dando um pouco mais da parte de informao sobre o

    curso, dando um destaque maior em avisos importantes, botando uma letra um

    pouco maior, alguma coisa assim. Que, no caso de ensino, eu vi esse papel na

    coordenao. De fazer assim: olha, agora est com a matria tal, isso aqui

    importante. O professor tal no vai dar aula no dia tal, vai dar aula no sei o qu.

    Mas mais um administrador. No mediador. Como falei, de fomentar um pouco

    mais a discusso, eu no vi ningum fazendo esse papel. (Entrevistado 24).

    MEDIAO NAS COMUNIDADES VIRTUAIS

    Algumas crticas feitas pelos mediadores na CV, que influenciariam o uso desta, esto

    relacionadas dificuldade de acessar a comunidade, postar mensagens e buscar informaes;

    enfim, necessidade de um ambiente que facilite a navegao:

    Eu, normalmente tateio, vou l, clico, busco, rolo, procuro. Mas eu acho que a

    proposta de qualquer interface virtual de informao que ela seja intuitiva,

    simples e direta. [...] Ento, assim, enfim, independente ser experiente ou no, eu

    acho que a ferramenta tem que estar voltada para um pblico alvo [...] tem que ser

    fcil, tem que estar claro onde que est depositada a informao. (Entrevistado

    15).

    A ausncia de uma interface que integrasse em um mesmo ambiente as ferramentas

    usadas pelos pesquisadores, tais como o correio eletrnico, foi apontada pelos entrevistados

    como um fator desestimulante para o uso da CV, pois havia uma preferncia pelo uso do e-

    mail, em detrimento da CV, para a comunicao entre os participantes.

    A interface e a fragmentao das ferramentas foram tidas como fatores importantes,

    de grande influncia, considerando que o baixo acesso se deu pela prpria estrutura ou pela

    organizao da comunidade virtual. Uma estratgia sugerida para incentivar a participao

    seria a mudana do endereo da CV da instituio desenvolvedora do aplicativo para a

    pgina do instituto pertencente aos usurios da CV , uma interface mais simples, direta, que

    facilitasse a busca e a recuperao das informaes publicadas no ambiente. Apesar da

    existncia de uma ferramenta de busca, tambm para postar mensagens foram apontadas

    dificuldades que interferiam na qualidade e na recuperao dos documentos. No tocante

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    busca, um entrevistado usou a pesquisa dos documentos postados pgina a pgina, por

    desconhecer a existncia dessa ferramenta no ambiente. A ferramenta tikwik foi indicada

    como uma fonte de funcionalidades a serem incorporadas ao ambiente da comunidade, para

    atender falta de uma ferramenta para a construo de documento de forma colaborativa4.

    Entretanto, no unnime a crtica interface do ambiente, assinalando-se que as suas

    caractersticas no representaram limitao ao uso da ferramenta.

    Eu acho que o layout bsico assim. No aquele negcio trabalhado, cheio de

    detalhes, mas prtico tambm. Ento, d para compreender. Assim, bem

    estruturado [...] no precisei recorrer a ajuda. No sei. Acho fcil e prtica a

    navegao. Eu acho bom. S no tem muitos detalhes visuais. Assim, muitos frufrus

    e tal. (Entrevistado 17).

    Um dos entrevistados atribuiu ao mediador a funo de melhoria do uso do ambiente,

    ressaltando que a usabilidade uma tcnica de governabilidade do mediador.

    (Entrevistado 20). A sugesto de melhoria no layout foi incorporada com a reformulao da

    pgina da CV, que incluiu uma seo especfica sobre bolsa de estudo.

    Segundo os entrevistados, a ferramenta chat no costuma ser utilizada, a no ser

    pelos mediadores da CV.

    Assim, as pessoas no usam para um ambiente de comunicao. Usam mais para

    disponibilizar material, mesmo. Uma ata que foi feita na reunio. Acho que uma

    questo de cultura, mesmo. Cultura que eu digo assim: ningum usa para o chat,

    para a comunicao. mais um que tem uma responsabilidade, como o trabalho

    desse grupo, a ideia que fosse feito compartilhado, coletivamente, ento as

    pessoas colocam suas contribuies, mas no muito o foco ficar trocando ideias

    nesse ambiente. Inclusive at as pessoas usam muito e-mail. (Entrevistado 17).

    Um dos entrevistados considerou que as discusses das mensagens postadas foram

    pouco proveitosas e outro mencionou que a ausncia de uso do chat pode estar relacionada ao

    fato de as discusses ocorrerem nos momentos presenciais.

    Foi mencionada a necessidade de suporte tcnico na unidade dos pesquisadores,

    embora no tenham sido relatados problemas tcnicos com o uso da ferramenta.

    4 Em maro de 2009 foi constatado que a ferramenta documentos colaborativos foi implantada e encontrava-se

    em fase de teste.

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    A interao nas comunidades virtuais

    Os entrevistados relataram que a falta de treinamento formal exigiu o uso de suas

    prprias competncias e habilidades para o desempenho do papel de mediador, ainda que

    reconheam que essa aprendizagem requeira tempo e as habilidades necessrias no

    estivessem claras no incio da atividade. Como caractersticas atribudas a um mediador, pelos

    entrevistados, destacam-se: a organizao; a comunicao; o fato de no ter vergonha, no

    ter inibio e nem ser tmido.

    Os atores envolvidos na CV consideraram que ter conhecimento tanto da ferramenta

    quanto da rea de pesquisa constitua uma das habilidades necessrias para o desempenho da

    mediao, pois um dos papis do mediador seria a transmisso informal do conhecimento.

    Embora os mediadores tenham relatado que, em alguns momentos, sua funo estivesse

    vinculada responsabilidade pela pgina, a maneira de trabalhar com os pesquisadores e de

    obter a ateno deles no estava claramente definida como pertencente funo de mediao.

    Como destacou um entrevistado, a mediao, pensada como uma ferramenta de EAD, teria

    algo mais do que simplesmente conhecer contedo, pois sua efetividade residiria mais na

    forma como esse contedo repassado aos usurios.

    Embora a funo inicial estivesse relacionada organizao da CV, que envolvia a

    criao de sees para o repositrio dos documentos e o gerenciamento destes, os mediadores

    entrevistados atriburam-se o papel de desonerar os pesquisadores de funes burocrticas, de

    organizar, incentivar, participar e de interferir nas discusses da comunidade. A iniciativa dos

    mediadores, diante da ausncia de treinamento formal que definisse melhor o papel e as

    estratgias de mediao, foi a formao de um grupo de discusso.

    Outras habilidades identificadas para o exerccio de mediao foram: ser poltico e

    diplomtico (Entrevistado 15); ter domnio do contedo, dar sugestes [fazendo um]

    acompanhamento frequente na CV (Entrevistado 17); ser poltico, moderador, ter

    conhecimento sobre o assunto [...] e trazer informao desconhecida ao grupo, ou que no

    est na discusso (Entrevistado 23). Para um dos entrevistados, a mediao da CV poderia

    ser realizada por qualquer participante, uma vez que o mediador um facilitador, e no h

    requisitos tcnicos para o desempenho dessa atividade.

    Um dos fatores atribudos baixa participao na CV foi a resistncia ao ambiente,

    visto como parte de um processo de reformulao organizacional que colocaria em xeque a

    posio hierrquica e o status quo dos seus participantes. As estratgias dos mediadores para

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    estimular a participao na CV foram a publicao de atas das reunies, os resultados de

    trabalhos cientficos e os editais das agncias de fomento, associados divulgao das

    publicaes nos contatos pessoais: A gente conversa com as pessoas pessoalmente tambm

    para olhar l (na CV) (Entrevistado 23).

    Considerou-se que o nvel de participao da CV tambm estaria atrelado ao

    reconhecimento da utilidade da proposta. Alm disso, a CV tambm no vista como rea de

    livre expresso: s vezes acho que, no sei se ele imagina que aquilo ali no seja uma rea

    to livre, de expressar a ideia dele to livremente e aquilo ficar l: Fulano disse isso tal dia

    (Entrevistado 20).

    Quanto qualidade, os comentrios postados foram considerados triviais, com mais

    de 50% dos participantes no interagindo nas discusses, ficando o espao de discusso para

    as reunies presenciais.

    Um dos mediadores entrevistados considerou que cumpria a meta de colocar

    material para os pesquisadores, mas no atingia o objetivo que era fazer com que o

    pesquisador entrasse na CV (Entrevistado 20). Essa constatao tem como questo a falta de

    clareza dos pesquisadores sobre o ambiente, bem como a aceitao desse novo modo de gerar

    conhecimento: [um] pequeno grupo sabe que a informao est disponvel na CV

    (Entrevistado 20).

    Os mediadores sugeriram a implementao de instrumentos de avaliao do uso do

    papel do mediador, mas no h condies de autoavaliao, embora um deles tenha

    expressado uma baixa satisfao em relao ao seu papel na mediao. No que se refere

    experincia do trabalho como mediadores, os entrevistados destacaram a mediao como um

    processo de aprendizagem; a expectativa de um trabalho mais intenso, que no ocorreu pela

    baixa demanda; a frustrao por no saberem como mobilizar as pessoas para participarem

    mais ativamente da CV.

    CONCLUSO

    A consulta ao ambiente, aps um ano desde as entrevistas com os usurios do portal,

    permitiu constatar a realizao de vrias correes que atendiam s limitaes supracitadas,

    tais como a nuvem de tag, ferramenta que identifica os termos mais frequentes nos

    comentrios da matria postada e aprimora a busca de informao no ambiente. Esse carter

    dinmico de atualizao das verses do ambiente apoia-se na atuao do seu desenvolvedor,

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    descrito pelos entrevistados como um tcnico atento s solicitaes, aberto a sugestes e

    crticas dos usurios, compromissado em manter o ambiente vivo. Provavelmente o contato

    presencial com o desenvolvedor da ferramenta, no momento da implantao da CV, e,

    posteriormente, a facilidade de acesso a ele para soluo de dvida, tenham contribudo para

    que a pouca utilizao da funo de ajuda e a ausncia de suporte no tenham sido fatores

    limitantes para o uso da CV.

    No que diz respeito ao gerenciador de arquivos no portal de ensino, a ausncia dessa

    funcionalidade no constituiu uma limitao do ambiente virtual, pois isso devido

    incompreenso do usurio acerca da seleo do espao mais adequado para a publicao; e

    pode ser melhorado com instrues mais claras e objetivas sobre a publicao de matrias.

    Quanto falta de estmulo ao debate como finalidade do ambiente, observa-se que

    alguns entrevistados imputaram ao ambiente a funo de animao e participao,

    provavelmente pela ausncia de percepo da figura do mediador; e intranet a capacidade de

    integrao entre os ambientes.

    Cabe destacar que as comunidades virtuais pesquisadas foram constitudas a partir de

    finalidades distintas e a admisso dos mediadores deu-se tanto pela contratao de

    profissionais externos quanto por iniciativa dos prprios usurios. Esses usurios se

    ofereceram para exercer o papel de mediador da comunidade. Em ambas as situaes, as

    habilidades reconhecidas como necessrias ao papel de mediador foram similares,

    destacando-se as aes de incentivador e gerenciador da CV, mas diferenciando-se quanto ao

    domnio do contedo. Enquanto, em uma das comunidades, a familiaridade com o contedo

    no foi considerada como elemento dificultador da mediao, em outra, constituda tambm

    de usurios externos, o mediador teve dificuldades, por no ter domnio do assunto. Isso

    gerou constrangimento e limitao para motivar a participao, pois assumia que a relao

    com esses participantes era mais distante.

    A perspectiva de uma comunidade virtual homognea irreal em uma instituio que

    congrega grande variedade de relaes interpessoais e ambientes diversificados. Por essa

    razo, no se pode perder de vista que, independentemente das tecnologias adotadas, as

    interaes so influenciadas pela composio do grupo, por suas inseres institucionais e

    seus interesses.

    Em vista do exposto acima, vale ressaltar que, nos ambientes virtuais, o processo de

    mediao composto de facilitaes que possibilitam transcender os obstculos, as tarefas

    primordiais e rduas, ao fomentar o relacionamento entre pessoas conectadas, construindo,

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    ampliando e mantendo um bom fluxo de informaes circulantes (TEIXEIRA FILHO, 2002).

    Segundo esse autor, a reduo de custos de comunicao, o favorecimento da criao da

    memria institucional e do processo de inovao, as possibilidades de mais cooperao entre

    os participantes e o compartilhamento de conhecimento so alguns dos benefcios de uma

    comunidade virtual.

    Na questo do uso de CV, em que se pressupe o papel da interao e da mediao

    na dinmica dessas organizaes sociais, constatou-se que, nas comunidades implantadas, a

    proposta inicial de constituio de um espao de discusso e interao foi substituda por

    repositrio de informao e apoio. O desafio que se apresenta aos coordenadores a

    converso do portal em um espao de trabalho colaborativo. O desenvolvimento de um

    ambiente para a insero de comunidades virtuais baseado na motivao e no interesse

    comum (MACHADO, 2007) uma ao importante na constituio de espaos de gerao e

    compartilhamento de conhecimentos formais e informais entre pesquisadores e profissionais

    de sade.

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    Como citar este artigo:

    MACHADO, Rejane Ramos; CASANOVA, ngela; LAGUARDIA, Josu. Percepes e prticas dos

    atores em comunidades virtuais. ETD Educ. temat. digit., Campinas, SP, v.14, n.2, p.220-237,

    jul./dez. 2012. ISSN 1676-2592.