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ASPECTOS CONTRADITÓRIOS E SEDUTORES NA PUBLICIDADE DE TELEFONIA CELULAR: O USO DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS COMO BASE DE ANÁLISE CRÍTICA EM SALA DE AULA 1 . Vitor Savio de Araújo* RESUMO Este trabalho visa mostrar a utilização de texto publicitário em sala de aula e como é possível estimular a leitura crítica de tais textos, tendo como base de análise anúncios de empresas de telefonia celular. A leitura de anúncios publicitários em sala de aula proporciona ao professor um recurso a mais no incentivo da produção textual, contribuindo também para a formação de um leitor crítico, pois tem condições de mostrar diversos fatores que envolvem a elaboração de um texto publicitário e os recursos persuasivos e contraditórios existentes nele. PALAVRAS-CHAVE: Publicidade. Anúncio Publicitário. Leitura. Sedução e Persuasão. Leitura Crítica. 1 Artigo Científico elaborado sob orientação da Profa. Ms. Maria Aparecida Batista Borges dos Santos.

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ASPECTOS CONTRADITÓRIOS E SEDUTORES NA PUBLICIDADE DE

TELEFONIA CELULAR: O USO DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS COMO BASE

DE ANÁLISE CRÍTICA EM SALA DE AULA1.

Vitor Savio de Araújo*

RESUMO

Este trabalho visa mostrar a utilização de texto publicitário em sala de aula e como é possível

estimular a leitura crítica de tais textos, tendo como base de análise anúncios de empresas de

telefonia celular. A leitura de anúncios publicitários em sala de aula proporciona ao professor

um recurso a mais no incentivo da produção textual, contribuindo também para a formação de

um leitor crítico, pois tem condições de mostrar diversos fatores que envolvem a elaboração

de um texto publicitário e os recursos persuasivos e contraditórios existentes nele.

PALAVRAS-CHAVE: Publicidade. Anúncio Publicitário. Leitura. Sedução e Persuasão.

Leitura Crítica.

*Graduado em Letras Português/Espanhol pela UCG. Especializando em Língua Portuguesa pela Universidade

Católica de Goiás – UCG. Correio eletrônico: [email protected]

1 Artigo Científico elaborado sob orientação da Profa. Ms. Maria Aparecida Batista Borges dos Santos.

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A publicidade desempenha um papel fundamental nas relações de consumo. Por

meio dela, um determinado produto chega ao consumidor, seu público-alvo. Vários autores

têm-se dedicado ao estudo da lingüística do texto publicitário e sua função persuasiva, dentre

eles, Santaella (1983/2000), Sandmann (1997), Vestergaard & Schroder, (2000), Citelli

(2001), Travaglia (2002), Fiorin (2000), à luz da semiótica peirceana e da análise do discurso.

O objetivo deste artigo é verificar os aspectos contraditórios e sedutores dos anúncios

publicitários de telefonia celular e como esse tipo de texto pode ser utilizado como proposta

didático-pedagógica, a fim de despertar no aluno o senso crítico e a importância do consumo

consciente. Sabe-se que a propaganda é um recurso utilizado para apresentar a empresa e seu

produto, seja com o objetivo de comercializá-lo ou apenas vender a imagem da empresa. No

entanto, as peças publicitárias nem sempre contêm informações necessárias ao consumo de tal

produto, tampouco são suficientemente esclarecedoras a ponto de informar sobre o produto

vendido e a empresa fornecedora.

Como recurso de comunicação, os anúncios carregam em si grande carga ideológica,

que se encontra com a ideologia do público-alvo. A aceitação do produto ou da idéia ocorrerá

quando houver necessidade de consumo, pela sedução, por meio do texto - verbal ou não-

verbal, ou pela identificação ideológica com o anúncio de determinado produto ou serviço.

Independentemente das diversas ideologias, percebe-se que alguns anúncios tentam motivar o

consumo por meio de situações criadas com o objetivo de persuadir o cliente a adquiri-lo. Por

isso, ocorre a relação de dependência entre o signo e ideologia, citada por Citelli (2001) “essa

relação de dependência leva a crer que só é possível o estudo dos valores e idéias contidos nos

discursos atentando para a natureza dos signos que as constroem”2.

Travaglia (2002) define discurso como “toda atividade comunicativa de um locutor,

numa situação de comunicação determinada”3. Por meio dele, pode-se despertar o sonho e os

desejos, mas nem sempre são consideradas as necessidades reais do indivíduo ou da

sociedade. Assim sendo, um produto pode despertar tais sonhos ou necessidades por meio da

estimulação pela imagem ou pelo discurso.

A suposta imagem de modernidade, representada pela utilização do telefone celular

em um grupo de adolescentes, onde há uma determinada disputa e/ou necessidade de

2 CITELLI, p. 26.3 TRAVAGLIA, p. 67.

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afirmação, chega a ter mais relevância que o objeto: o aparelho, que deveria ter como função

principal fazer e receber chamadas. Desta forma, a publicidade atinge o subconsciente do

público-alvo, buscando convencê-lo a todo instante da necessidade de consumir mais e mais.

Os meios utilizados para circular os anúncios vão desde folhetos, objetos deste estudo,

distribuídos nas ruas das cidades, à Internet, passando, obviamente, pela televisão. Percebe-se,

então, que o consumidor, diante de tantas opções, decide pela compra de determinado produto

não em função de sua real necessidade, mas de uma idéia criada para que pense nas supostas

vantagens que a utilização do produto lhe trará. Bentes e Mussalin (2004) afirmam que o

“sujeito não é totalmente livre, pois ele sofre as coerções da formação discursiva advindas do

texto enunciado” 4. Ou seja, ele limita-se à formação discursiva, e, por isso, não podendo se

expressar, devido às imposições, explícitas e implícitas, da sociedade, passa a pensar como os

outros pensam ou ainda permite que pensem por ele. Conseqüentemente, são inculcados em

sua mente os discursos da necessidade de consumo, presentes no contexto social em que vive.

Observa-se que a idéia de modernidade muito tem contribuído para o aumento das

relações de consumo. Muitas pessoas, por motivos diversos, querem ser notadas por possuir o

celular de última geração, popularmente denominado “da moda”, pois isto lhes garante certo

status. Acreditam que, se usarem um aparelho celular mais simples ou com menor número de

funções, serão rejeitadas pelas pessoas denominadas “modernas”.

Os anúncios de telefonia celular divulgam a idéia de que a tecnologia está a serviço

do desenvolvimento. Exemplo disso são as imagens exibidas pelos anúncios que exibem em

destaque novos modelos de aparelho, considerados “os mais modernos”, o que incentiva o

consumo e serve como indicador de que o aparelho que o indivíduo possui está obsoleto, que

ele deve trocá-lo por um novo. Há que se considerar também que informações adicionais,

como “todos [os aparelhos celulares vêm] com câmera”, servem para estimular ainda mais o

surgimento da suposta necessidade. Ambas, a câmera e os próprios aparelhos, são índices de

modernidade que criaram nas pessoas o desejo de tê-los, pois se comparando a épocas

anteriores, percebe-se que não havia a necessidade de sair para as ruas portando uma câmera

fotográfica ou um aparelho que desempenhasse tantas funções.

Em relação às promessas ou satisfação das necessidades de consumo, esses anúncios

elevam a auto-estima do consumidor. No entanto, corre-se um sério risco de certo produto não

satisfazer as necessidades do consumidor, o que implica no descumprimento do objetivo

4 BENTES & MUSSALIN (2004) p. 123.

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inicial do produto. A não realização de um desejo pode ter como causa o fato de o produto

realmente não dispor de meios para isso, ou, então, a não ser que o cliente não seja o público-

alvo. Outros fatores podem influenciar esse desejo não correspondido. Porém, nem sempre o

consumidor terá consciência disso e poderá chegar, algumas vezes, a reclamar, quando tiver

algum prejuízo financeiro colocado acima de qualquer desvantagem moral. Infelizmente, o

consumidor está bastante acostumado a não reclamar quando da não satisfação de suas

necessidades. É importante ressaltar que a questão apresenta outro lado, mas, como citado, o

prejuízo moral será difícil de ser ressarcido, pois se alguém se sente desvalorizado e compra

um produto para valorizar-se, mas continua sentindo-se igual após seu uso, o problema pode

estar no consumidor. Assim, percebe-se que medir esse nível de insatisfação consigo mesmo

não é tarefa fácil. Seria necessário que as empresas dispusessem de outros recursos que

pudessem identificar uma certa carência no possível cliente e que tipo de ação poderia ser

desenvolvida para preencher esse vazio. Agências de publicidade, antes de lançarem

determinado produto ou marca, podem, e devem, fazer pesquisa de aceitação junto às pessoas

de classes sociais diferentes, a fim de testarem o nível de aceitação e de satisfação dos

possíveis clientes envolvidos no processo de apresentação.

2. IDEOLOGIA E PERSUASÃO

Os textos publicitários, em sua maioria, estão carregados de certa intencionalidade,

pois por mais sutil que seja sua mensagem, há sempre um objetivo final. Para identificar essa

intencionalidade, é preciso que alguns fatores sejam observados, tais como a manipulação de

elementos lingüísticos e icônicos, ambos usados com o objetivo de persuasão. Interpretar os

textos e descobrir neles os vários aspectos envolvidos deveria ser feito por todo e qualquer

consumidor. Contudo, a população brasileira não está acostumada a isso. Conforme Santaella

(2002), durante a fase de interpretação de determinado anúncio, a Semiótica aponta alguns

efeitos que as mensagens podem causar nos diversos receptores, a saber:

“os primeiros são efeitos emocionais, quando o receptor é tomado por um sentimento mais ou menos definido; os segundos são os efeitos reativos, quando o receptor é levado a agir em função da mensagem recebida; os terceiros são mentais, quando a mensagem leva o receptor a aprender”5.

A intencionalidade presente nos anúncios, explícita ou implicitamente, é característica

fundamental do anúncio, pois uma objetiva vender o aparelho celular pelo valor promocional,

enquanto a outra tenta também vender o seu, mas desfazendo-se da primeira. No entanto,

5 SANTAELLA, p. 60.

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pode ocorrer um tipo de projeção do emissor para o receptor, movimento que busca atingir o

consumidor para a aquisição do produto.

Os processos argumentativos, tanto do anunciante, quanto da agência, são compostos

por signos e ícones que chamam a atenção para o produto e para a satisfação de certas

necessidades. Em relação a isso, Citelli (2001) afirma que “os recursos retóricos que entram

na organização de um texto não seriam meros recursos ‘formais’, jogos visando a ‘embelezar’

a frase. Ao contrário, o modo de dispor o signo e a escolha de um ou outro recurso lingüístico

revelariam múltiplos comprometimentos de cunho ideológico”6. Há, portanto, um jogo de

sinais como estratégia para despertar os supostos clientes em potencial do produto. O

anunciante, por meio de seu anúncio e produto, tem como objetivo imediato persuadir, para,

assim, vender. A esse respeito, Fiorin (2000) se posiciona dizendo que “o primeiro realiza um

fazer persuasivo, isto é, procura fazer com que o segundo aceite o que ele diz, enquanto o

enunciatário realiza um fazer interpretativo”. Esse papel interpretativo cabe ao público, no

caso, o cliente que se sente atraído pela oferta de determinado produto.

Na análise dos anúncios publicitários em pauta, temos, no anúncio 1, da operadora

Claro, a oferta de aparelho celular a R$1,00 (um real). O valor do aparelho encontra-se

totalmente fora dos padrões, haja vista que nenhuma empresa, no Brasil, ofertaria um produto

de alta tecnologia por um valor tão irrisório. Contudo, o valor R$1,00, destacado em caixa alta

e em negrito, no topo do anúncio, tem como objetivo despertar a atenção do público para a

compra do aparelho celular, por mais que não haja a necessidade de fazê-lo. O valor

destacado é um signo que representa o valor do aparelho e que será interpretado por alguém

conforme sua ideologia. Ou seja, no valor de R$1,00 há, sim, uma intenção do anunciante em

chamar a atenção do cliente e “um dos meios óbvios de chamar a atenção do leitor consiste

em mostrar-lhe que aquilo que o produto oferece é de seu interesse. Os elementos de um

anúncio são responsáveis por essa tarefa[...]. São eles o título, a ilustração e o slogan, se os

houver”7. Contudo essa atenção só é despertada no momento em que o possível cliente sente-

se tocado e motivado a adquirir o produto por um valor tão baixo. Cria-se, assim, uma relação

de dependência entre o anunciante e o cliente. Essa dependência é conseqüência de uma das

idéias geradas pelo capitalismo, que dita as regras de consumo e de sobrevivência da

população.

6 CITELLI, p. 26.7 VESTERGAARD & SCHRODER, p. 56.

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De acordo com Citelli (2001), os signos, conforme sua disposição, são colocados

como expressão de uma verdade. Então, a intenção é que o valor demonstrado pareça real. No

entanto, sabe-se que não o é. No primeiro anúncio, observa-se que a persuasão acontece à

medida que se tenta convencer o consumidor de que é importante que ele aproveite preço tão

baixo. No entanto, entende-se que seria impossível praticar um valor tão reduzido,

deliberadamente, o que levaria à conclusão de que, desse modo, o possível cliente está sendo

enganado. No entanto, o segundo anúncio tenta convencê-lo de que é mais lucrativo adquirir

um aparelho celular de última geração “sem pagar nada” por ele. Assim sendo, ambas as

empresas tentam convencer o cliente a respeito de suas “verdades” quanto à existência do

menor preço e da possibilidade de lucro ou vantagem pelo cliente na compra de determinado

aparelho. Isto ocorre porque “as instituições se expressam através dos signos fechados,

monossêmicos, dos discursos de convencimento”8.

Ambas as mensagens estão impregnadas de ideologia, pois, sabe-se, não há

condições de se praticar um valor tão baixo sem que algo seja “dado” em troca. Por sua vez,

além de buscar esclarecer a mensagem anterior, há a intenção de vender o produto que,

inclusive, pode sair de graça, conforme o enunciado principal: “Aqui, o seu celular pode sair

de graça”. Ressalte-se que a persuasão ocorre em todas as sociedades, de uma forma ou de

outra, mas, principalmente, na sociedade capitalista. Logo, a propaganda é inevitável, e

inevitavelmente persuasiva, de acordo com Vestergaard & Schroder (2000). Tem-se, então,

que ambos os anúncios são manipuladores e desempenham a função de vender o produto e a

imagem da empresa.

Como as operadoras trabalham dois fatores distintos, o ideológico e o emocional,

percebe-se que, enquanto a Claro busca despertar a atenção do consumidor com a oferta de

um produto a um valor irrisório, a Brasil Telecom tenta desmentir essa oferta, afirmando que

isso não é possível. Porém, afirma que seu produto pode sair de graça. Os recursos utilizados

pelas operadoras não foram apenas recursos formais, mas usados para despertar o interesse do

público-alvo. Por isso, o cliente precisa estar atento para perceber o que está por trás das

propostas iniciais.

No anúncio da operadora Claro, o valor do aparelho celular está em destaque:

R$1,00, e o slogan sugere que o consumidor “escolha o seu”. Dessa forma, desperta no

consumidor o desejo de adquirir o produto, sugerindo que a aquisição dele será algo simples,

8 CITELLI p. 32

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devido ao baixo valor. No anúncio da Brasil Telecom, o que despertam a atenção do

consumidor, em primeiro lugar, é o ensaio de um ataque aparentemente ético à empresa

concorrente, desmoralizando-a, mostrando que seria impossível que o celular fosse adquirido

pelo consumidor por valor tão irrisório, ou “quase de graça”. Como opção para satisfazer a

necessidade de consumo do cliente, a Brasil Telecom oferece um produto de qualidade,

argumentando que, assim, o consumidor poderá economizar mais, comprovando esta

afirmação com demonstração de cálculos comparativos.

A atenção do provável consumidor é estimulada apenas pelos recursos icônicos,

pelas imagens e pela linguagem subliminar presentes nos anúncios, ávidos para fisgá-lo como

a um peixe indefeso. Isso não aconteceria, se os indivíduos, de forma geral, tivessem uma

base cultural diferente, se recebessem uma formação que lhes indicasse os diversos tipos de

discursos e como eles estão presentes em todos os processos comunicativos e se as relações

comerciais fossem pautadas na análise criteriosa das ofertas de produtos e serviços. Porém, a

sociedade brasileira parece ignorar esses valores, e age, muitas vezes, por impulso. Observa-

se que o fator ideológico está presente, pois ideologia é uma visão de mundo. Há tantas visões

quanto classes sociais, de acordo com Fiorin (1988).

Em todas as classes sociais, ocorre a disputa, seja entre tribos urbanas, grupos de

pessoas reunidas por afinidades comuns, ou não. Nelas, considera-se sempre o status social.

Por isso, portar um celular com câmera, que possui inúmeras funções, que, em muitos casos,

nunca serão usadas, coloca seu usuário dentro do grupo dos denominados “modernos”, o que

lhe garante uma pseudo-superioridade sobre os demais.

Observa-se que a sociedade vive em meio a sentimentos coletivos, cujo resultado é a

satisfação de necessidades que são sempre renovadas à medida que começam a aparecer

períodos de vazios na vida dessas pessoas. A publicidade se propõe a preencher tais lacunas,

pois o consumo de determinado produto pode acabar, pelo menos momentaneamente, com

esses sentimentos. Tem-se, como exemplo: os aparelhos celulares mais baratos não dispõem

de recursos avançados, como câmera fotográfica e filmadora, troca de imagens e até

localizador de pessoas. Quem adquire um aparelho de última geração considera-se ou pode

ser considerado como socialmente melhor colocado do que quem possui um aparelho simples,

sem recursos tecnológicos. Ao adquirir o aparelho mais avançado, o indivíduo sente-se

realizado em sua necessidade.

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3. ANÁLISE DOS ASPECTOS CONTRADITÓRIOS

Do anúncio de um determinado produto até a sua aquisição, muitas etapas são

percorridas. De um lado está o anunciante e, de outro, o cliente, que adquire o produto

visando satisfazer sua aparente necessidade de consumo ou sua real necessidade de utilizar tal

produto. Quando essa suposta necessidade não é satisfeita, o cliente sente-se enganado:

quando percebe que a oferta principal não corresponde ao que ele compreendeu de início ou,

então, quando o produto já foi adquirido, após ser visualizado e apreciado pelo cliente, mas,

após certo tempo, não corresponde às suas necessidades.

A respeito do aspecto contraditório, Vestergaard & Schroder (2000) afirmam que

“toda comunicação só diz o que realmente deve ser dito, pois não há razão para dizer tudo. A

boa razão para isso é permitir várias deduções a respeito do que foi dito”. Assim, percebe-se

que os aspectos contraditórios somente serão encontrados após análise criteriosa do anúncio,

pois eles não são decodificados na leitura superficial ou na primeira leitura. Se assim o fizer, o

consumidor perceberá que se trata de uma idéia enganosa. Mas até que ponto uma propaganda

realmente é enganosa?

Os anúncios são contraditórios à medida que se observam no mesmo anúncio

divergências entre o título em destaque e o detalhamento das condições de aquisição. No

exemplo número 1, da operadora Claro, tem-se: “Celular a R$1,00”. Observa-se que o título

principal encontra-se em caixa alta. Entretanto, nas condições no verso do anúncio, em fonte

reduzida, sem nenhum destaque, lê-se: “Promoção de aparelho a R$ 1,00: o valor

promocional é vinculado ao plano ofertado e válido para novas habilitações conforme plano

ofertado... permanência mínima de 18 meses e multa por rescisão antecipada”. A contradição

aparece no momento em que, inicialmente, o aparelho é supostamente comercializado a

R$1,00, mas o cliente fica obrigado a permanecer cliente por um período de um ano e meio,

pagando um valor mínimo de R$ 35,00 de assinatura revertidos em créditos para serem

utilizados em qualquer tipo de ligação ou serviço. Assim, o valor pago pelo aparelho

praticamente será compensado pela obrigatoriedade de um consumo mínimo, não existindo,

então, demonstração de gratuidade ou até mesmo de “bondade”, por parte da prestadora de

serviço. No anúncio 2, da Brasil Telecom, lê-se: “Aqui o seu celular pode sair de graça”.

Aparentemente, o anúncio mostra mais vantagens, pois, certamente, melhor que pagar R$

1,00 por um aparelho é tê-lo sem pagar nada. Para sustentar seu argumento, a operadora

mostra uma tabela comparativa de valores do aparelho e de planos. Inicialmente, não esconde

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que vende seu aparelho a R$29,00, nem que cobra uma assinatura mensal de R$14,50 pela

utilização do serviço, mas sustenta que ainda assim os valores são menores, pois, calculando-

se os valores pagos no mesmo período de 18 (dezoito) meses, haverá um lucro superior para o

usuário caso opte pela segunda Operadora, pois economizaria em relação à primeira. A

contradição aparece quando se tem a afirmação da não gratuidade do aparelho, pois, se assim

o fosse, qualquer pessoa poderia dirigir-se a uma loja e requisitar o seu telefone celular sem

pagar nada e utilizá-lo da forma que bem entendesse.

Muitos anúncios provocam no consumidor impulso de compra comparado ao

devaneio. São extremamente fascinantes e constroem um universo imaginário que sugerem a

idéia de êxito. Dessa forma, o consumidor consegue materializar a realização de algo em sua

vida a partir do consumo, suprindo a necessidade de realização de desejos, segundo

Vestergaard & Schroder (2000), quando se referem à propaganda como espelho psicológico.

Os autores afirmam, ainda, que o fato de a propaganda funcionar no nível do devaneio é

extremamente comum e que os consumidores estão acostumados a isso. Não se pode, então,

condená-la, e a seus elaboradores, pelo simples fato de chamar a atenção e despertar o desejo

de consumo.

Geralmente, a linguagem publicitária encontra-se carregada de certa sutileza, o que

fascina e desperta a atenção do consumidor para determinado produto. Sabe-se que a

linguagem é fruto de processos criativos que envolvem anunciantes e empresas de marketing

que têm domínio sobre tais técnicas e que, conscientemente, buscam provocar o público em

seus diversos pontos fracos ou em seu ego, por intermédio da argumentação afetiva e

apelativa.

4. A LEITURA DE TEXTOS PUBLICITÁRIOS NA SALA DE AULA

A sala de aula é um ambiente propício ao incentivo à produção e à interpretação de

diversos textos. O professor de língua portuguesa, comprometido com o processo de ensino-

aprendizagem, importante para a formação de indivíduos críticos, tem em seus alunos o seu

público-alvo. Assim como um anunciante, o professor tem possibilidades de “vender” seus

diversos produtos, que são os conteúdos, e estimular a produção de novos conteúdos,

incentivando, assim, a construção do conhecimento.

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Fundamental propõem como

objetivos, para a Língua Portuguesa:

“utilizar as diferentes linguagens, verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal, como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar as produções culturais e usufruí-las, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação”.

Nessa proposta encontra-se incluída a leitura de diferentes textos e a utilização de diferentes

recursos para estimular o pensamento crítico nos alunos. Entende-se que esse trabalho deva

começar no Ensino Fundamental, com continuidade no Ensino Médio. Ao estimular essa

busca pelo conhecimento, o professor estará contribuindo para a formação de indivíduos mais

críticos e terá condições de se aprofundar na leitura de outros tipos de textos com seu grupo

de alunos. O documento PCN, do MEC, destaca o domínio da leitura e do texto publicitário

como sendo de fundamental importância para os alunos, “Neste documento, foram priorizados

aqueles cujo domínio é fundamental à efetiva participação social, encontrando-se agrupados,

em função de sua circulação social, em gêneros literários, de imprensa, publicitários...” (p.53).

Os PCN de Ensino Médio revelam, ainda, a importância da leitura dos textos

publicitários, importantes para a formação da identidade cultural do aluno:

“a identificação da unidade cultural de um povo, em dada época, pode ser aprendida ao se comparar sua música, sua pintura [...], a leitura e a elaboração de manuais de instrução ou de outros textos técnicos...”.

O MEC destaca ainda que o uso de várias linguagens pode desenvolver a sensibilidade e

possibilitar a prática da leitura de diversos textos, contribuindo para uma melhor convivência

em sociedade e para a formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres.

Em sala de aula, a proposta inicial não deve ser a leitura imediata dos textos

publicitários, principalmente para turmas de Ensino Fundamental. Em princípio, deve-se

incentivar a criação de anúncios de produtos que fazem parte do mundo do aluno. O senso

crítico não é adquirido de imediato, e a percepção dos recursos de persuasão também virá com

a prática na elaboração e leitura de anúncios diferentes. No Ensino Médio, o professor poderá

ensinar aos alunos como produzir textos e avaliá-los. Deve esclarecer seus objetivos e

destacar que, no processo de comunicação, não apenas emissor e receptor são importantes,

mas a utilização de recursos que podem mostrar as intenções de ambos, tornando o processo

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de leitura mais prazeroso. Assim, os próprios alunos descobrirão, por meio da discussão, da

pesquisa e da produção textual os recursos adequados para a produção de seus próprios textos.

Ao analisar um produto, por meio do anúncio publicitário, os alunos escolherão os

argumentos utilizados para a venda do produto. A partir daí o professor, como mediador, deve

mostrar que existem vários signos e estratégias para dissimular a intenção do anunciante e

manipular o destinatário. Este é um bom momento para tratar da ideologia e dos recursos

argumentativos, orientando-os a pensar e a agir, tanto como emissores, quanto receptores.

Dessa forma, pode-se prever a reação do anunciante e a possível reação e comportamento do

receptor, conforme a aceitação ou não do produto.

As marcas lingüísticas que direcionam a construção do anúncio e do texto não podem

ser desconsideradas. É interessante observar que elas estão em evidência quando se deseja

atingir determinado público, que somente entenderá o anúncio se compreender os recursos

lingüísticos utilizados para sua construção. Orlandi (2000) afirma que compreender, então, é

saber como funcionam as coisas e como elas estão ligadas, ou seja, é preciso que os

anunciantes, neste caso, os alunos, decidam, primeiramente, sobre o produto que desejam

anunciar e quais recursos lingüísticos serão utilizados. Da mesma forma, é preciso que os

alunos receptores também entendam como foi construído o anúncio para compreender sua

totalidade. Nesse processo de análise, o professor orienta a seus alunos a observarem as

marcas lingüísticas presentes no texto analisado, observando e destacando as características

do texto e os recursos usados em sua criação. Como exemplo, no anúncio da Brasil Telecom,

lê-se a frase “Não se deixe enganar”. Nela temos a presença da negação que além de ter a

função de advertir o usuário a respeito da propaganda enganosa de seu concorrente, objetiva

vender seu produto. É interessante lembrar que existem marcas lingüísticas que apontam uma

direção no texto e que concorrem para a determinação do estilo. Maingueneau (1997) aponta

que por meio das marcas lingüísticas ocorre a intelecção de um texto e que tais marcas

funcionam como pistas permitindo uma decodificação adequada. Vemos no anúncio da Claro

a presença da forma verbal no Imperativo em:

(1) Escolha o seu

(2) Aproveite também: celulares Claro com câmera

(3) Traga suas três últimas contas e assine o plano Estilo 500.

(4) Assine o Plano Estilo.

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A forma imperativa é utilizada nestes casos, não no sentido de ordem como usamos

normalmente, mas com o objetivo de incentivar e estimular o indivíduo para que adquira o

celular, motivando-o a comprar ou a trocar de Operadora, como no exemplo número 2, que

vem antecedido por “Clientes de outras Operadoras ganham até 100% na compra de um Claro

Conta. Nesse caso, o recebimento do desconto de 100% refere-se à troca de Operadora, o que

somente vem a ser esclarecido nas informações apresentadas no rodapé do anúncio, segundo o

qual: “Promoção 100% de desconto: percentual do desconto variável de 0% até 100%, e

definido a critério exclusivo da Claro, considerando as 3 últimas faturas pagas, a análise do

histórico do cliente na outra Operadora”. Vale esclarecer que as condições não contradizem

totalmente o enunciado (3), mas o esclarece e estabelece a condição essencial de permanência

como cliente Claro por um período de 18 meses. Outra condição que não está esclarecida no

anúncio é que, caso haja o cancelamento do serviço antes do período de 18 meses, o cliente

está sujeito ao pagamento de multa contratual decrescente, mas que pode chegar ao valor total

do aparelho, como se o cliente o estivesse adquirido sem descontos ou subsídios. Avaliando

essas condições pode-se chegar à conclusão de que o melhor seria comprar o aparelho sem a

adesão a qualquer outra promoção, pois assim o cliente teria a liberdade de desfazer-se do

número sem ônus, caso não se sentisse satisfeito.

Todas essas questões são de interesse do professor ao trabalhar a leitura com os

alunos, porém não de uma só vez, pois há que começar a leitura e produção de textos

gradativamente, no ritmo de cada turma. Nesse sentido, Maingueneau (1997) adverte que

“para chegar a uma intelecção mais aprofundada do texto, o educando precisa ser preparado

para reconhecer essas marcas”. A escola tem esse papel importante na preparação dos alunos

para a identificação de tais marcas e para delas se utilizar em seu próprio discurso.

O grupo de alunos que vai elaborar o anúncio deve estar atento para o sentido das

palavras utilizadas para compor seu argumento. Ressalte-se que o sentido das palavras e dos

enunciados modifica o texto conforme a situação de produção, “de acordo com as posições

daqueles que as empregam”9. Esses aspectos que envolvem o discurso são denominados de

noção de formação discursiva, que é definida como aquilo que, numa formação ideológica

dada, isto é, a partir de uma tomada de posição e de uma conjuntura sócio-histórica determina

o que pode e deve ser dito”10. O sentido das palavras usadas na composição do anúncio não

estará nelas mesmas, mas no todo, haja vista que o sentido de cada palavra se altera conforme

o discurso.

9 ORLANDI, p. 4310 ORLANDI, p. 43

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Para que o aluno possa compreender a significação profunda dos textos e possa

recriá-los, o professor, em primeiro plano, mostra aos alunos um determinado anúncio, neste

caso, especificamente o da Claro. Sugere que os alunos realizem vários tipos de leitura (prévia

seletiva, exploratória etc.) e, em seguida, solicita que comentem a respeito. Nesse momento,

consideramos as idéias de Freire e Martins a respeito da importância da leitura de mundo,

conforme citado por Maingueneau (1997), segundo o qual é importante abordar os diversos

níveis de significação de um texto, não apenas a significação explícita, mas as sutis. Os alunos

do Ensino Médio têm capacidade de perceber as sutilezas do texto. Contudo, precisam,

simultaneamente, praticar a capacidade de interpretação e intelecção do texto. Por isso,

precisam ser orientados pelo professor.

Após a primeira leitura, pede-se que os alunos indiquem o que está sendo ofertado e

quais os atrativos dos produtos, bem como os recursos lingüísticos que revelam o fator

atrativo dos anúncios. As imagens logo aparecerão como itens importantes na leitura do

texto, pois também “dizem”, sem utilizar recursos textuais. Conseqüentemente, ocorrerá a

descoberta da importância dos signos icônicos para reforçar os valores de compreensão,

memorização e credibilidade do texto. Percebe-se que em determinadas situações o indivíduo

não se recordará bem das condições da promoção, ou talvez se lembre, vagamente, dos

valores, mas se no anúncio existir a imagem do produto ele se lembrará dela. Portanto,

entende-se que as imagens têm a função de otimizar a memorização. Nessa leitura, estão

também as cores dos textos que dão destaque a informações essenciais, como se pode

observar no anúncio da Claro, cujos valores são apresentados nas cores vermelha e preta,

ambos em negrito, que as destacam dos demais valores.

Ao associar cores e imagens o aluno passa a ter uma idéia sobre o que o anúncio vai

mostrar. Assim, o professor pode sugerir uma análise mais complexa, a fim de chegar ao

objetivo principal da atividade, que é despertar o senso crítico dos alunos. Para isso, o

professor pode começar mostrando o atrativo do valor de R$ 1,00, isto é, caso os alunos não

tenham se atentado ao valor e à oferta. Ao observarem o valor, pode-se começar um debate

sobre a realidade do comércio nacional e se realmente seria possível ofertar um aparelho por

esse valor. A leitura crítica se aprofunda a partir do momento em que as discussões têm início,

o que é extremamente importante, visto que é a partir da discussão dos fatores que

envolveram a criação das peças que nasce a curiosidade em observar outros fatores. Quando

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os alunos estiverem construindo seu próprio anúncio, eles estarão atentos a essas

características.

Após a análise das imagens, o professor orienta a leitura dos valores. Caso os alunos

não tenham percebido as condições necessárias, é hora de o professor sugerir sua leitura,

inclusive fazendo comparações com outras leituras de cotidiano, que são deixadas para trás,

como ocorre quando não se lê, por exemplo, uma bula de remédio, o que pode gerar

transtornos e falhas na utilização do medicamento. E esse hábito, se cultivado, pode causar

problemas durante a compra de um produto ou assinatura de um contrato, no futuro. A leitura

das condições da promoção pode começar por uma leitura superficial, a fim de verificar qual

o grau de entendimento dos alunos em relação a tais condições. Em seguida, o professor,

como intermediário, sugere a leitura pausada, linha por linha, para que sejam identificados

todos os fatores que causem contraditoriedade e podem gerar mau entendimento na aquisição

e utilização do produto. Neste trabalho, estão sendo investigados anúncios de telefone celular

e planos de serviços.

Nas condições de venda dos aparelhos da Claro está presente o seguinte texto:

“Promoção com restrições e não-cumulativa” e “O valor promocional é vinculado ao plano

ofertado e válido para novas habilitações conforme plano ofertado”. Alguns questionamentos

podem ser feitos aos alunos, para convidá-los a comparar as informações apresentadas em

destaque no texto publicitário, com as condições, tais como: O que quer dizer não cumulativa

ou com restrições? Para adquirir o aparelho é preciso, obrigatoriamente, adquirir um plano de

serviços? Esses questionamentos geralmente não são feitos pelos clientes na hora da aquisição

do aparelho, e geralmente os valores promocionais não estão disponíveis para as vendas de

aparelhos pré-pagos. O valor de R$ 1,00 é válido apenas se o cliente adquirir um plano pós-

pago e assinar um contrato de carência, que o impede de cancelar o serviço antes do período

de 18 (dezoito) meses. Caso o cliente opte pelo cancelamento, deverá pagar uma multa

rescisória que chega ao valor real do aparelho “Oferta sujeita à análise de crédito,

permanência mínima de 18 meses e multa por rescisão antecipada”. Nesse caso existe, então,

por parte da Operadora de Telefonia, um subsídio no valor do aparelho para que ele seja

comercializado por tão baixo valor. A análise de crédito para a venda de um aparelho pós-

pago consiste na pesquisa cadastral nos órgãos de defesa do consumidor, pois caso exista

alguma restrição de crédito o aparelho não poderá ser comercializado. É bom ressaltar que o

aparelho não pode ser vendido pelo preço à vista caso o interessado por ele tenha alguma

restrição de crédito, ou seja, por mais que o interessado queira adquirir apenas o aparelho,

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esse não é comercializado, pois somente deve ser vendido se vinculado a um plano de

serviços para utilização no período estabelecido pela Operadora.

Para análise da contradição, o professor e os alunos devem estar atentos aos aspectos

que compõem as condições e o texto, tais como o uso de empréstimo lingüístico, como em

“upgrade”, o uso de operadores argumentativos, como “por apenas R$ 1,00”, uso do tempo

verbal, geralmente no imperativo, como incentivo ao consumo e como fator de persuasão. O

professor, como mediador, deve tentar mostrar aos alunos a importância da leitura do anúncio

em análise e da leitura do anúncio que estão criando, tentando sempre imaginar o leitor desse

anúncio, para que ao lerem o que foi criado os alunos consigam transmitir sua

intencionalidade. Para isso, deve-se desenvolver o trabalho por grupos de alunos, a fim de que

seja feita a apresentação do trabalho para os demais grupos, tornando, assim, uma atividade

prazerosa, visto que cada grupo poderá identificar os recursos utilizados na elaboração de

cada anúncio.

Em última instância, é importante considerar que a aceitação de determinado produto

passará pelos custos de aquisição, o que deve ser bem explicitado nos anúncios a serem

elaborados, caso seja anúncio de um produto. Na análise dos anúncios em questão, tem-se nas

condições de comercialização do aparelho da Brasil Telecom os valores de cada plano e uma

conta demonstrando o quanto o cliente economizará se adquirir o celular da Brasil Telecom e

o quanto gastará se adquirir o aparelho da concorrente, a Claro. Os cálculos, neste caso, têm a

função de criar no possível cliente uma rejeição da oferta do concorrente, pois de nada adianta

ter privilégios na aquisição de um aparelho a R$ 1,00 se o gasto final será maior. Contudo,

nem todos observam esses detalhes e acabam por adquirir por impulso ou seduzidos pela

oferta. A análise criteriosa dos anúncios virá para evitar que tais situações ocorram, pois com

uma leitura e interpretação bem feita por parte do consumidor, será possível consumir de

forma consciente, o que trará, por conseqüência, economia e mostrará às empresas que é

preciso esclarecer melhor seus anúncios, pois a população está mais consciente e atenta às

possíveis armadilhas escondidas nos textos publicitários.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise crítica de anúncios passa pela cultura da população. Enquanto a escola

assume o papel de incentivar a leitura crítica e a formação do indivíduo social do ser humano

que tenha valores, a própria sociedade, dotada de tais valores, tem condições de disseminar o

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conhecimento e o senso crítico para com as diversas situações que lhe são impostas, podendo

submeter-se a elas tendo real consciência do que está ocorrendo. O ensino de Língua

Portuguesa é essencial para o desenvolvimento do senso crítico, pois por meio da disciplina o

aluno aprende a não apenas decodificar as informações, mas também a compreendê-las,

passando de simples receptores de informações trazidas por meios de telecomunicações para

pessoas que as recebem e que interagem com elas, podendo responder de várias formas às

imposições sociais. Essas respostas podem ser tanto positivas como negativas, sendo as

positivas a aceitação de produtos e serviços, públicos ou privados, e as negativas por meio da

recusa em utilizar esses produtos e serviços por considerarem que são abusivos e por poderem

causar danos à sociedade e ao consumidor em geral. O professor de Língua Portuguesa,

comprometido com o processo de ensino-aprendizagem, tem por intenção incentivar o

desenvolvimento do senso crítico, com isso pode motivar seus alunos para o estudo,

mostrando-lhes a diversidade da língua e suas várias utilizações, proporcionando-lhes e à

sociedade em geral recursos para a compreensão de diversos textos, por meio de uma leitura

mais complexa. Também possibilita ao aluno desenvolver a capacidade de se expressar

melhor em diversas situações e ambientes.

Contraditórios e persuasivos ou não, os textos publicitários estão presentes para

vender idéias, produtos e serviços. Eles existem e são interpretados de várias formas,

principalmente da forma que o anunciante deseja. Porém, com a leitura crítica pelo

consumidor é possível desvendar as verdadeiras intenções de determinados anunciantes e

possibilitar a interpretação dos diversos textos em Língua Portuguesa, evitando, assim, que o

indivíduo seja persuadido por falta de informação a respeito do que lhe é proposto. O ato de

consumir, após uma leitura mais cuidadosa, passa a ser feito de forma diferente, pois antes de

adquirir um determinado produto, como um telefone celular, por exemplo, o possível cliente

terá condições de interpretar a oferta não apenas por meio do preço ou sofisticação do

produto, mas sabendo se realmente é uma boa oferta ou não, observando os vários fatores que

estão presentes no anúncio publicitário.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:

terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de

Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1985.

FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2000.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso.

Campinas, SP. Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 3ª ed. 1997.

MUSSALIM, Fernanda & BENTES, Anna Christina. Introdução à Lingüística:

Domínios e Fronteiras - Vol. 1. São Paulo: Cortez, 2004.

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise do discurso: princípios e procedimentos.

Campinas, SP. Pontes, 2000.

PEIRCE, C. S. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix, 1975.

SANDMANN, A. J. A linguagem da propaganda. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1997.

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. Brasiliense, 1983.

____________. Semiótica Aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

VESTERGAARD, T., SCHRÖDER. A linguagem da propaganda. [Tradução João

Alves dos Santos]; 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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ANEXOS

Anexo n° 1: Anúncio da Claro (frente)

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Anexo n° 2: Anúncio da Claro (verso)

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Condições da promoção Claro celular a R$ 1,00:

Promoção com restrições e não-cumulativa. Oferta válida para o estado de Goiás, para novas habilitações pessoa física de 13/12/05 a 31/12/05, ou enquanto durarem os estoques no período de vigência, no Plano Estilo e Claro SuperControle R$ 35. Limitada a 01 habilitação por CPF. Promoção Natal Claro: bônus nos Planos Estilo em minutos no valor igual ao da franquia mensal contratada para ligações locais de Claro para Claro, com mesmo DDD, utilizável após o consumo integral da franquia mensal e válido por 30 dias. Bônus no Plano SuperControle 35 Reais no valor igual ao da franquia mensal contratada para ligações locais de Claro para Claro, com mesmo DDD, válido por 30 dias e utilizável simultaneamente ao consumo integral da franquia mensal. Bônus concedido durante 12 meses, sendo extinto definitivamente em caso de inadimplência. Promoção de Aparelho R$ 1: O valor promocional é vinculado ao plano ofertado e válido para novas habilitações conforme plano ofertado ou; no caso de upgrade, para habilitações no plano ofertado ou superior disponível. Oferta sujeita à análise de crédito, permanência mínima de 18 meses e multa por rescisão antecipada. Promoção 100% de desconto: percentual do desconto variável de 0%'até 100% e definido, a critério exclusivo da Claro, considerando as 3 últimas faturas pagas, a análise do histórico do cliente na outra Operadora, marca e modelo do aparelho escolhido e Plano de Serviço em que for aprovada sua adesão. Consulte condições de parcelamento nas lojas Claro e agentes autorizados. Consulte o regulamento da promoção e maiores detalhes em www.claro.com.br ou ligue 0800 0363636. Imagens ilustrativas. GSM Claro só funciona com Claro Chip.

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Anexo n. 3: Brasil Telecom

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Condições da promoção da Brasil Telecom:

Promoção válida até 31/12/05. Fotos meramente ilustrativas. No Plano Pula-Pula Controle da Brasil Telecom GSM o cliente paga R$ 29,00 num mês e não paga no outro, o que corresponde a um valor médio de R$ 14,50 por mês. Até dezembro de 2008, data final da promoção do Novo Pula Pula 2008, o cliente paga 18 contas de R$ 29,00, o que eqüivale, em 36 meses, a uma conta média (franquia) de R$ 14,50 por mês, resultando no valor total a ser pago de R$ 522,00 em 36 meses. Na concorrência, a franquia mensal é de R$ 35,00, resultando no valor total a ser pago de R$ 1.260,00 em 36 meses.

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RESUMEN

Este artículo fue desarrollado con el objetivo de mostrar la utilización del texto publicitario en el aula y como es posible estimular la lectura de esos textos teniendo como aporte el análisis de anuncios de empresas de telefonía celular. La lectura de anuncios publicitarios en el aula proporciona al profesor un recurso más al incentivar la producción textual, contribuyendo así para la formación del lector crítico, pues ofrece condiciones de mostrar diversos hechos que hacen parte de la creación de un texto publicitario y los recursos persuasivos  contradictorios que existen en él. 

PALABRAS-LLAVE: Publicidad. Anuncio Publicitario. Lectura. Seducción y Persuasión. Lectura Crítica.

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