artigo ciencias
TRANSCRIPT
-
ESCOLA NORMAL SUPERIOR
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO E ENSINO DE CINCIAS NA AMAZNIA
MESTRADO EM ENSINO DE CINCIAS
ROSA OLIVEIRA MARINS AZEVEDO
ENSINO DE CINCIAS E FORMAO DE PROFESSORES: diagnstico, anlise e proposta
Manaus AM 2008
-
ROSA OLIVEIRA MARINS AZEVEDO
ENSINO DE CINCIAS E FORMAO DE PROFESSORES: diagnstico, anlise e proposta
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao e Ensino de Cincias na Amaznia, da Universidade do Estado do Amazonas - UEA, como parte do requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias.
Orientador: Prof. Dr. Amarildo Menezes Gonzaga
Manaus AM 2008
-
Ficha catalogrfica elaborada pela BK Editora Manaus/AM
AZEVEDO, Rosa Oliveira Marins
ENSINO DE CINCIAS E FORMAO DE PROFESSORES: diagnstico, anlise e proposta. Rosa Oliveira Marins Azevedo. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas - UEA, 2008.
163p. 30 cm
Orientador: Prof. Dr. Amarildo Menezes Gonzaga Dissertao UEA Mestrado Profissional em Ensino de Cincias na Amaznia
1. Formao de Professores. 2. Ensino de Cincias. 3. Novas Tecnologias. I Ttulo. C.D.U. 370.0
-
ROSA OLIVEIRA MARINS AZEVEDO
ENSINO DE CINCIAS E FORMAO DE PROFESSORES: diagnstico, anlise e proposta
Dissertao apresentada banca examinadora do Programa de Ps-Graduao em Educao e Ensino de Cincias na Amaznia, da Universidade do Estado do Amazonas - UEA, como parte do requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Ensino de Cincias.
Aprovado em _______ de ________________ de 2008.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________________________________________________________
Prof. Dr. Amarildo Menezes Gonzaga Universidade do Estado do Amazonas UEA
_________________________________________
Prof. Dr. Evandro Ghedin Universidade do Estado do Amazonas UEA
_________________________________________
Profa. Dra. Tania Suely de Azevedo Brasileiro Universidade Federal de Rondnia UNIR
_________________________________________ Profa. Dra. Ierec Barbosa Monteiro
Universidade do Estado do Amazonas UEA
-
Para Edinilson, Tailah e Matheus que, entre tantas coisas, no me deixaram esquecer que a vida no pra, continua dinmica, mesmo quando precisamos (e queremos) fazer dissertao.
-
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Amarildo Menezes Gonzaga, meu orientador, por me apresentar nova e significativa forma de olhar/conceber o processo de ensino-aprendizagem e pelas orientaes lcidas e precisas que me tornaram mais confiante perante o meu prprio modo de aprender. diretora, professoras e estudantes da escola pesquisada que me permitiram a presena no cotidiano escolar e ainda disponibilizaram tempo para dialogar sobre inmeras questes. Eliane Batista, pelo carinho, interesse e compromisso demonstrados durante o percurso de minha pesquisa. Ao Prof. Dr. Evandro Ghedin, pelo acolhimento, pela disponibilidade em ouvir e pelas contribuies preciosas, particularmente, em relao primeira parte deste estudo, no que diz respeito formao de professores. Profa. Dra. Ierec Barbosa Monteiro, pelas sugestes relevantes pesquisa e pela marcante presena de humanidade. Profa. Dra. Tania Suely de Azevedo Brasileiro, por ser parte importante de minha trajetria acadmica, por me aproximar dos desafiantes caminhos da pesquisa e, sobretudo, pelo dinamismo e compromisso to inspiradores. Raquel Gomes de Oliveira, que o Curso de Mestrado me permitiu conhecer, por ocasio da apresentao de um trabalho em So Paulo. Amiga querida, que possibilitou textos e disponibilizou tempo que contriburam para reflexes relevantes neste estudo. Aglamir Prado, pelo carinho demonstrado sempre, pela atitude acolhedora e por oferecer alternativas no ambiente profissional. Sandra Prudncio, amiga-irm, de alm-mar, sempre solcita e presente nos momentos mais difceis que ultrapassam os limites deste estudo. Regina Clia Valadares, Tnia Cardoso e Rita de Cssia, presenas marcantes que o tempo e a distncia no apagam. Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) e Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), por facilitarem a minha dedicao ao Mestrado, por meio da bolsa concedida. E, por fim, queles que primeiramente estiveram e sempre estaro comigo, Sicnio e Ni; Ca, Loura, Preta, Lila e El; Pmela e Paola; Rmulo, Nicolas, Matheus e Murillo: pais, irmos e sobrinhos.
-
Temia o meu regresso tanto como temera a
minha partida; as duas coisas faziam parte
do inesperado. O que me fora familiar agora
era desconhecido; o nico que mudara era
eu. Regressei com nada, mas atravs da
compreenso de minha viagem, obtive
confiana para fazer as necessrias e
difceis separaes de coisas que j no
tinham sentido. Regressei da viagem para
comear outra. Adaptado de Gilgamesh
-
RESUMO
Pesquisa no mbito educacional, especificamente sobre formao de professores, para efeito de conhecimento de como os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental trabalham com conceitos cientficos no Ensino de Cincias, quando utilizam as novas tecnologias. A perspectiva terica adotada situou a trajetria do Ensino de Cincias e a sua importncia para estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, indicando fundamentos discusso das necessidades formativas do professor do referido ensino e nvel de escolaridade. Essas necessidades conduziram a discusses sobre o processo de ensino-aprendizagem dos conceitos cientficos, assim como a possibilidade de utilizao das novas tecnologias, particularmente o computador e a internet, como recurso pedaggico para trabalhar tais conceitos. Quanto perspectiva metodolgica, foi construdo um itinerrio investigativo pautado na pesquisa qualitativa, legitimada atravs de tcnicas como a observao e a entrevista. Foram contatadas as Secretarias Estadual e Municipal de Educao, assim como trs escolas, para a coleta de dados. A partir disso, a pesquisa centrou-se em uma escola pblica municipal detentora de uma experincia exitosa no Ensino de Cincias, fazendo uso das novas tecnologias. Os dados coletados foram analisados com base na anlise emprico-interpretativa. Os resultados obtidos mostraram que o Ensino de Cincias se mantm pautado na transmisso, aos estudantes, dos conhecimentos cientficos j elaborados, a partir de uma prtica pedaggica fortemente influenciada pela memorizao. Tais constataes, alm de se constiturem em entraves para o aprendizado dos estudantes, ainda apontam os limites da prtica docente e de sua formao para ensinar Cincias. Decorrente das constataes, foi elaborado um projeto pedaggico de Especializao em Ensino de Cincias e Novas Tecnologias, como contribuio para o processo formativo de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e, conseqentemente, para o Ensino de Cincias. Palavras-chave: Formao de professores. Ensino de Cincias. Conceitos cientficos. Novas tecnologias.
-
ABSTRACT Research in the educational scope, specifically on teacher's formation, for effect of knowledge of how the teachers of the initial years of Basic Studies works with scientific concepts in Science Studies, when they use the new technologies. The adopted theoretical perspective pointed out the trajectory of Science Studies and its importance for students of the initial years of Basic Studies, indicating beddings to the quarrel of the formative necessities of the teacher of related education and school level. These necessities had lead the quarrels on the process of teach-learning of the scientific concepts, as well as the possibility of use of the new technologies, particularly the computer and the internet, as pedagogical resource to work such concepts. How much to the metodological perspective, on a qualitative research, legitimated research was constructed through strategies, as the comment and the interview. The State and Municipal Department of Education had been contacted and as well as three schools, for the collection data. From this, the research had been centered in a public school detainer of a large experience in Science Studies, making use of the new technologies. The collected data had been analyzed on the basis of the empiricist-interpretative analysis. The gotten results had shown that Science Studies if keeps centered in the transmission the students of the elaborated scientific knowledge already, from pedagogical practical one strong influenced by the memorization. Such this, beyond if constituting in impediments for the learning of the students, still points the limits out of the practical professor and its formation to teach Sciences. From this point, it was elaborated a pedagogical project of Specialization in Education of Sciences and New Technologies, as contribution for the formative process of professors of the initial years of Basic Studies and, consequently, for Science Studies. Key-words: Teacher's formations. Sciences Teaching. Scientific conceptions. New technologies.
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CTS Cincia, Tecnologia e Sociedade
ENS Escola Normal Superior
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
MEC Ministrio da Educao
NTE Ncleo Tecnolgico de Educao
NTIC Novas Tecnologias da Informao e da Comunicao
PCN Parmetros Curriculares Nacionais
PROINFO - Programa Nacional de Tecnologia Educacional
Q.N. Questo Norteadora
SEDUC Secretaria de Estado de Educao e Qualidade do Ensino
SEMED Secretaria Municipal de Educao de Manaus
UEA Universidade do Estado do Amazonas
UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
UNESP Universidade do Estado de So Paulo
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFRS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
-
LISTA DE FIGURAS
Figura 1-
Desenho das interaes no contexto da pesquisa..................................
51
Figura 2- Desenho terico-metodolgico da pesquisa............................................ 54
Figura 3- Desenho dos procedimentos para a anlise de documento.................... 57
Figura 4- Desenho dos procedimentos para a observao e a entrevista.............. 60
Figura 5- Tela elaborada pelos estudantes............................................................. 88
Figura 6- Tela inicial utilizada para as atividades................................................... 104
Figura 7- Estudantes em atividade no computador................................................ 106
Figura 8- Estudantes jogando adedanha................................................................ 112
Figura 9- Estudantes em sala de aula em atividade de Cincias........................... 115
Figura 10- Atividades feitas pelos estudantes dos grupos 1 e 3............................... 116
Figura 11- Desenho da estrutura do Curso de Especializao................................. 127
-
LISTA DE QUADROS
Quadro 1- Identificao das professoras.................................................................. 92
Quadro 2- Prtica declarada pelas professoras do primeiro ano do Ensino Fundamental............................................................................................ 97
Quadro 3- Planejamento das aulas de Cincias do primeiro ano do Ensino Fundamental............................................................................................ 99
Quadro 4- Prtica declarada pelas professoras do quinto ano do Ensino Fundamental............................................................................................ 100
Quadro 5- Planejamento quinzenal das aulas de Cincias do quinto ano do Ensino Fundamental............................................................................... 101
Quadro 6- Dilogo entre a professora e os estudantes............................................ 111
Quadro 7- Prtica declarada pelas professoras do segundo ao quarto ano do Ensino Fundamental........................................................................... 119
-
SUMRIO
INTRODUO........................................................................................................... 13
1 FORMAO DE PROFESSORES E CONCEITOS CIENTFICOS NO ENSINO DE CINCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL...................... 17
1.1 Uma breve trajetria do Ensino de Cincias........................................................... 17 1.2 Por que e para que ensinar Cincias nos anos iniciais?........................................ 20 1.3 Formao de professores para o Ensino de Cincias nos anos iniciais................. 25 1.3.1 Perspectivas atuais da formao de professores................................................ 30
1.4 Conceitos cientficos e a prtica pedaggica de professores de Cincias............. 36 1.4.1 Conceitos cientficos como rede de conhecimentos articulados.......................... 41 1.5 Internet e conceitos cientficos no Ensino de Cincias........................................... 45
2 ITINERRIO DELINEADO PARA A PESQUISA..................................................... 51 2.1 Elementos bsicos da pesquisa.............................................................................. 51 2.1.1 Problema.............................................................................................................. 52
2.1.2 Questes Norteadoras......................................................................................... 52 2.1.3 Objetivo geral....................................................................................................... 52 2.1.4 Objetivos especficos........................................................................................... 53 2.1.5 Objeto da pesquisa.............................................................................................. 53
2.1.6 Sujeitos da pesquisa............................................................................................ 53 2.2 Desenho terico-metodolgico da pesquisa........................................................... 53 2.2.1 Pesquisa qualitativa............................................................................................. 54 2.2.2 Anlise documental.............................................................................................. 56
2.2.3 Observao e a entrevista................................................................................... 59 2.2.3.1 Observao....................................................................................................... 60 2.2.3.2 Entrevista.......................................................................................................... 62 2.2.4 Anlise emprico-interpretativa............................................................................. 64
-
3 ITINERRIO PERCORRIDO: um olhar sobre a formao de professores e o Ensino de Cincias na rede pblica de Manaus................................................ 66 3.1 A rede pblica estadual........................................................................................... 66 3.1.1 O contato com a coordenadora do PROINFO..................................................... 67
3.1.2 O contato com uma escola estadual ................................................................... 67 3.2 A rede pblica municipal......................................................................................... 69 3.2.1 O contato com a professora formadora................................................................ 69 3.2.2 O contato com a assessora de tecnologia........................................................... 74
3.2.3 A primeira escola municipal contatada................................................................. 78
3.2.4 A segunda escola municipal contatada................................................................ 83 3.2.4.1 Sobre o projeto exitoso.................................................................................. 84 3.2.4.2 Aproximaes do cotidiano dos professores ao ensinar Cincias.................... 89
3.2.4.2.1 Participao na reunio pedaggica da escola.............................................. 90 3.2.4.2.2 A observao das aulas de Cincias ........................................................... 102 3.2.4.2.3 A prtica declarada pelas professoras ao ensinar Cincias.......................... 119 3.3 Algumas consideraes sobre o itinerrio percorrido............................................. 124
4 PROPOSTA DE INTERVENO: Curso de Especializao em Ensino de Cincias e Novas Tecnologias.......................................................................... 127
CONSIDERAES PARA UM NOVO COMEO........................................................ 148
REFERNCIAS............................................................................................................. 151
ANEXOS....................................................................................................................... 158
-
13
INTRODUO
Oito anos como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental e
dezesseis anos como formadora de professores despertaram nosso olhar e grande
interesse para a pesquisa sobre os modos de ensinar e aprender, sobretudo, a
mediao possvel de ser feita pelo professor, na elaborao de conceitos pelos
estudantes. Particularmente, em se tratando do Ensino de Cincias, os trabalhos
desenvolvidos como professora na disciplina Fundamentos e Metodologia das
Cincias Naturais e Estgio Supervisionado possibilitaram-nos compartilhar
situaes do cotidiano escolar dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mostrando
que o Ensino de Cincias se mantm voltado para o acmulo de conceitos pelos
estudantes, objetivando a assimilao do conhecimento cientfico pela memorizao.
Nossas constataes a respeito do Ensino de Cincias, ao longo desses
anos de trabalho, so anlogas quelas feitas por pesquisadores da rea, como
Fracalanza, Amaral e Gouveia (1986); Delizoicov e Angotti (1990); Krasilchik (1987);
Cachapuz (2005), entre outros. Essas constataes revelam um Ensino de Cincias
com caractersticas idnticas s de trs dcadas atrs, ou seja, ainda no foi
superada a postura de professores que consideram esse ensino como uma
descrio terica e/ou experimental, afastando-o de seu significado tico e das
relaes com o mundo do estudante e, conseqentemente, com suas reais
necessidades. Revelam tambm, equivocadamente, que os conceitos cientficos,
que so o principal objeto de trabalho dos professores ao ensinar Cincias (BRASIL,
1997), podem ser construdos com os estudantes decorando nomes, frmulas e
enunciados.
O cenrio exposto segue na contramo de um Ensino de Cincias que se
quer como espao de conhecimento e discusso sobre o mundo, a natureza e as
transformaes produzidas pelo homem (BRASIL, 1997), e de estudos como os
realizados por Vygotsky (2000 e 2001), Mortimer (2000), Teixeira (2006), entre
outros, que consideram que os conceitos se constituem a partir de um sistema de
relaes, indicando, com isso, que a sua memorizao se faz improfcua.
Dessa forma, a efetivao de uma prtica pedaggica que compreenda
conceitos como um sistema de relaes, alm de estar empenhada em atender s
necessidades dos estudantes, dificilmente poder desconsiderar os avanos
provocados pelas Novas Tecnologias da Informao e da Comunicao (NTIC), visto
-
14
que estas tm alterado substancialmente o modo de viver e, particularmente, de
aprender dos seres humanos. Quanto insero das NTIC no cotidiano escolar, a
exemplo do computador e da internet, acreditamos, assim como Silva Filho (1998),
que a sua utilizao precisa considerar a qualidade do trabalho desenvolvido na
escola no processo de ensino-aprendizagem dos contedos.
Tais questes, que incidem, principalmente, na prtica pedaggica dos
professores, mostram-se preocupantes, uma vez que essa formao,
particularmente no Ensino de Cincias, permanece ancorada no paradigma da
racionalidade tcnica, que serviu de referncia para a Educao ao longo de todo o
sculo XX, no atendendo complexidade da sociedade atual (SERRO, 2005;
SCHNETZLER, 2002; ALMEIDA, 2001).
Essa situao revela que fundamental pensar a formao do professor
pautada na reflexo contextualizada e crtica das condies de sua prtica
pedaggica (PIMENTA e GHEDIN, 2005; CONTRERAS, 2002; ZEICHNER, 1993),
buscando penetrar em seu processo real de escolarizao, considerando que os
seus diferentes saberes (disciplinares, curriculares, pedaggicos e da experincia)
se articulam no trabalho dirio em interao com os alunos e com os outros
professores (TARDIF, 2006).
Tomando como referncia tais pressupostos, nossa proposta neste estudo
compreender como os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental
trabalham com conceitos cientficos no Ensino de Cincias quando utilizam as novas
tecnologias para efeito de elaborao e proposio de um projeto de formao de
professores capaz de contribuir para otimizar aquele Ensino, levando em conta a
utilizao das novas tecnologias.
Com essa finalidade, na primeira parte deste estudo, procuramos situar a
trajetria do Ensino de Cincias e a sua importncia para estudantes dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, buscando fundamentos discusso das
necessidades formativas do professor do referido ensino e nvel de escolaridade. Em
seguida, apresentamos uma discusso sobre os conceitos cientficos e a prtica
pedaggica dos professores, e tambm sobre a possibilidade de utilizao das
novas tecnologias como recurso pedaggico para trabalhar tais conceitos.
Na segunda parte, apresentamos o percurso metodolgico da pesquisa, por
meio da elaborao de desenhos capazes de permitir a visualizao geral do
itinerrio percorrido, explicitando os elementos constitutivos de cada desenho.
-
15
Partimos do delineamento dos elementos bsicos da pesquisa (problema, questes
norteadoras, objetivos geral e especficos, objeto e sujeitos da pesquisa) para, em
seguida, situar a perspectiva terico-metodolgica adotada para a apreenso do
objeto da pesquisa. Elegemos a pesquisa qualitativa para nortear a pesquisa e a
observao, a entrevista e a anlise de documento como tcnicas para a coleta de
dados. Destas, a anlise de documento, infelizmente, no se efetivou, pois no
tivemos acesso documentao necessria.
Vale considerar que ao delinearmos o percurso da pesquisa, tnhamos
conscincia de que iramos abrir um caminho, talvez uma pequenina trilha, dado que
o nosso objeto de pesquisa se reportava s NTIC, uma realidade ainda tmida no
cenrio escolar. Essa perspectiva, ao mesmo tempo em que nos assustou, tambm
nos desafiou, uma vez que consideramos que no existe caminho pronto, ele feito
medida que caminhamos1. Assim, optamos por no ignorar, do delineamento
traado para o nosso caminhar, o que no foi possvel efetivar, dada realidade que
encontramos durante o itinerrio investigativo que percorremos.
Dessa forma, na terceira parte, ao buscar descrever detalhadamente nosso
percurso, vamos mostrando os avanos e recuos vividos no processo. Entendemos
que essa atitude, que condiz com o pesquisador qualitativo, embora as nuanas
distintas, deveria ser assumida pela prpria Cincia que se legitima a partir da
revelao dos conhecimentos j elaborados, sem referncia aos problemas que
esto na sua origem e aos obstculos epistemolgicos que foram preciso superar
para elaborar o conhecimento (BACHELAR, 1991), dando a entender que esse
conhecimento obra de grandes gnios que, sozinhos e sem percalos, realizam
descobertas, podendo acarretar, com isso, prejuzos para o processo ensino-
aprendizagem dos estudantes (CACHAPUZ, 2005).
Ainda na terceira parte, no que diz respeito anlise dos dados, medida
que so apresentados, so analisados com base na anlise emprico-interpretativa,
no intuito de estabelecer conexes entre os dados obtidos e o referencial terico
1 Referncia ao poeta Antonio Machado, quando diz: Caminante no hay camino, se hace camino al caminar (Caminheiro no h caminho, o caminho se faz ao caminhar). Citado por MORIN, Edgar. O mtodo 1: a natureza da natureza. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 21.
-
16
construdo, possibilitando a obteno de elementos necessrios concretizao da
quarta parte.
Na quarta parte, propomos um curso na modalidade de Especializao em
Ensino de Cincias e Novas Tecnologias, com o objetivo de contribuir no processo
formativo de professores para ensinar Cincias nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, de modo que possam ressignificar sua prtica pedaggica, levando
em conta a utilizao das novas tecnologias para trabalhar com conceitos cientficos.
O projeto pedaggico do curso, inicialmente proposto ao Programa de Ps-
Graduao em Educao e Ensino de Cincias na Amaznia, da Universidade do
Estado do Amazonas, da Escola Normal Superior, constitudo por trs eixos de
articulao: o epistemolgico, o tecnolgico e o didtico-pedaggico, totalizando
doze disciplinas. O primeiro eixo sustenta seis disciplinas; o segundo, duas
disciplinas; o terceiro, quatro disciplinas. Cada eixo enfoca suas especificidades
caracterizadoras, tendo as disciplinas como marcos conceituais. Ao final de cada
eixo proposto um seminrio integrador, sendo o primeiro, Ensino de Cincias e
Novas Tecnologias; o segundo, Epistemologia do Aprender e da Prtica Pedaggica
em Ensino de Cincias; o terceiro, Projetos Inovadores em Ensino de Cincias.
Esperamos que o itinerrio investigativo percorrido, que deu forma a este
estudo, possa contribuir para reflexes e dilogos com outros itinerrios assumidos
por todos aqueles que tiverem acesso ao que ora apresentamos na condio de
registro.
-
17
1 FORMAO DE PROFESSORES E CONCEITOS CIENTFICOS NO ENSINO DE CINCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
A formao de professores e o Ensino de Cincias nos nveis Fundamental
(ltimos anos) e Mdio tm merecido algum destaque, o que pode ser constatado
nas obras de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), Carvalho e Gil-Prez (2006),
Cachapuz (2005), Nardi, Bastos e Diniz (2004), dentre outros. Isso s em referncia
a publicaes em livros, sem falar em tantas outras pesquisas de dissertao de
mestrado, e publicaes de artigos em revistas e peridicos como Cincia &
Educao (UNESP), Investigaes em Ensino de Cincias (UFRS), Ensaio
(UFMG)2, entre outros.
Por outro lado, as pesquisas em relao rea de Cincias nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, tanto em relao ao ensino, quanto formao de
professores, tm sido escassas. Grande parte das publicaes, embora relevantes,
so anteriores Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional de 1996 e aos
Parmetros Curriculares Nacionais de 1997, que desencadearam novas discusses,
tanto em relao formao de professores, quanto ao ensino, de um modo geral, e
em particular ao Ensino de Cincias para os anos iniciais.
A seguir, apresentamos alguns fatos da curta trajetria do Ensino de
Cincias nos anos iniciais do Ensino Fundamental (pouco mais de trs dcadas),
bem como discutimos a sua importncia nesse nvel de escolaridade, para efeito de
buscarmos fundamentos discusso das necessidades formativas do professor para
o Ensino de Cincia e, finalmente, passarmos a tratar sobre conceitos cientficos e
internet no mbito dessa rea do conhecimento.
1.1 Uma breve trajetria do Ensino de Cincias
Para traar a trajetria do Ensino de Cincias no Brasil, valemo-nos dos
trabalhos de Marandino (2003), Krasilchik (2000), Delizoicov e Angotti (1990) e dos
Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997). Nossa inteno fazer uma
2 Tais publicaes podem ser encontradas em: http://www.bauru.unesp.br/pos/posfc/index.htm, http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/revista.htm e http://www.cecimig.ufmg.br/ensaio/, respectivamente.
-
18
sucinta abordagem de algumas mudanas ocorridas naquele ensino, principalmente
em relao s prticas envolvidas.
At 1960, as aulas de Cincias eram ministradas apenas nos dois ltimos
anos do Curso Ginasial3. O cenrio escolar era marcado por um ensino mnemnico,
com aulas predominantemente expositivas, cujos relatos de experincia, e algumas
experimentaes, serviam para confirmar as teorias, jamais refut-las.
A promulgao da Lei 4.024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Nacional) ampliou a participao das Cincias no currculo escolar, tornando-a
obrigatria desde o primeiro ano do curso ginasial. As discusses e mudanas no
Ensino de Cincias, nessa dcada, foram pautadas nos projetos curriculares.4 Cabia
ao Ensino de Cincias desenvolver o esprito crtico dos estudantes, dando
condies para que descobrissem a cincia, reproduzindo o trabalho do cientista.
Por sua vez, os professores davam grande nfase s atividades experimentais,
seguindo rigidamente as etapas do mtodo cientfico, cuja influncia visvel, no
Ensino de Cincias, fez com que fosse considerado por muitos professores como
uma metodologia para essa rea de ensino.
Foi somente a partir de 1971 que o Ensino de Cincias passou a fazer parte
obrigatria do currculo dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Com a Lei
5692/71, estendeu-se s primeiras quatro sries do primeiro grau. Embora essa Lei
tenha trazido conseqncias nefastas para as disciplinas cientficas, que passaram a
ter carter essencialmente profissionalizante, descaracterizando as suas funes no
currculo, nesse perodo houve um grande questionamento, tanto em relao
abordagem, quanto organizao dos contedos de Ensino de Cincias. Na prtica,
no entanto, os professores mantinham aulas expositivas com forte apelo
memorizao de contedos pelos estudantes.
Tais questionamentos se intensificaram nos anos 80, com as propostas de
democratizao do pas, influenciando fortemente o Ensino de Cincias, que passa
a analisar as implicaes sociais e o desenvolvimento cientfico e tecnolgico no
mbito educacional. As questes relacionadas com a Cincia, Tecnologia e
Sociedade (CTS) ampliaram-se, e continuam cada vez mais presentes nas
3 Correspondem, atualmente, aos dois ltimos anos do Ensino Fundamental, mais conhecidos pela nomenclatura de 7 e 8 sries. 4 Esses projetos, destinados s 5 e 8 sries e, principalmente, ao 2 grau, consistiam na produo de textos e materiais experimentais que valorizavam o contedo a ser ensinado, propondo novas metodologias e procurando, por meio de guias para o professor, suprir a sua deficincia de formao.
-
19
discusses, fazendo parte de questes relevantes colocadas no contexto da sala de
aula nos anos iniciais de escolaridade. Dentre elas, o processo de construo do
conhecimento cientfico pelo estudante passou a ser a tnica da anlise
educacional. Todavia, apesar dos avanos, no foi superada a postura de
professores que consideram o Ensino de Cincias como uma descrio terica e/ou
experimental, afastada do significado tico e de suas relaes com o mundo do
estudante.
Propostas em busca de um Ensino de Cincias que contribusse para a
formao de um estudante mais participativo, reflexivo e autnomo intensificaram-se
na dcada de 90. Houve um aumento significativo de criao de centros de
pesquisa, projetos e divulgao de trabalhos realizados na rea5. Na segunda
metade dessa dcada, a promulgao da Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da
Educao Nacional) consolida uma profunda ressignificao do processo de ensinar
e aprender, ao prescrever o paradigma curricular, em que os contedos de ensino
deixam de ter importncia em si mesmos, e so entendidos como meio para produzir
aprendizagem dos estudantes (MELLO, 2000).
Procurando implementar o novo paradigma curricular, em 1997, o Ministrio
da Educao (MEC) disponibiliza, em carter de recomendao, a todos os sistemas
de ensino e escolas, os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental. Os parmetros para o Ensino de Cincias sugerem que a cincia seja
mostrada como um conhecimento capaz de colaborar para a compreenso do
mundo e suas transformaes, para reconhecer o homem como parte do universo e
como indivduo [...], favorecendo o desenvolvimento de postura reflexiva, crtica,
questionadora e investigativa (BRASIL, 1997, p. 23 e 24).
Neste terceiro milnio, mais visvel se tornou a urgncia de incorporar, nos
primeiros anos de escolaridade, a discusso de questes, ticas por excelncia,
relacionadas ao desenvolvimento cientfico e tecnolgico e CTS, principalmente
em decorrncia dos avanos propiciados pelas Novas Tecnologias da Informao e
da Comunicao (NTIC), por exemplo, computador e a internet, que tm provocado 5 A ttulo de exemplo, podemos citar: Projeto Ensino de Cincias a partir de problemas da comunidade (CAPES/UFRN, 1984); Projeto Fsica para a escola normal (CAPES/UFRJ, 1986); Banco de dados de fontes bibliogrficas para o Ensino de Cincias (GEPECISC, 1996); Centro de Cincias de Belo Horizonte e Rio de Janeiro (1963); Projeto de melhoria do Ensino de Cincias e Matemtica (PREMEM); Subprograma de educao para a Cincia (SPEC), vinculado Capes (Fundao Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior); o pr-Cincias e os programas de educao cientfica e ambiental do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico).
-
20
mudanas radicais em todos os setores da sociedade e, particularmente, no espao
da sala de aula. Uma dessas mudanas diz respeito ao tratamento, ainda tradicional,
dado aos contedos de ensino, o que tem produzido acirradas discusses em
relao formao de professores, para lidar com as novas exigncias da
sociedade da informao e da comunicao, em busca da formao de um
estudante crtico e participativo, na construo de uma sociedade mais justa e
solidria.
Apesar de todos os esforos ao longo desses anos, e os avanos nas
pesquisas em Cincias6, as inovaes pretendidas para o Ensino de Cincias foram
muito mais discutidas do que verdadeiramente incorporadas na sala de aula, no
permitindo que esse ensino contribusse, efetivamente, na formao dos indivduos
(AMARAL, 2003), levando-nos a questionar a importncia do Ensino de Cincias
para os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental no mbito dessa nova
sociedade global.
1.2 Por que e para que ensinar Cincias nos anos iniciais? Ao abordar a questo do para quem e do para que a educao em Cincia,
Cachapuz, Praia e Jorge (2004, p. 366) dizem que as duas abordagens esto
estreitamente articuladas, quando colocadas ao nvel da justificao social das
finalidades educativas. No entanto, entendem que para que o mais srio desafio
que os educadores tm pela frente, uma vez que a educao em Cincia deve dar
prioridade formao de cidados [...] capazes de participar ativa e
responsavelmente em sociedades que se querem abertas e democrticas
(CHASSOT, 2000 apud CACHAPUZ; PRAIA; JORGE, 2004, p. 366).
Considerando a importncia da educao em Cincia e entendendo-a como
rea interdisciplinar que integra campos relevantes dos saberes7, acreditamos que o
Ensino de Cincias pode contribuir com essa educao, promovendo a articulao
6 Embora no discutido nesse espao, dada a sua natureza breve, no podemos perder de vista que o movimento de mudana no interior do Ensino de Cincias est intimamente relacionado ao prprio movimento de reviso da didtica em nosso pas. Sobre a questo recomendamos consultar: CANDAU, V.M.(Org.). A didtica em questo. Petrpolis: Vozes, 1987. 7 Cachapuz, Praia e Jorge (2004) discutem a educao em Cincia como rea interdisciplinar, que integra campos dos saberes como a Filosofia da Cincia, a Histria da Cincia, a Sociologia da Cincia e Psicologia Educacional.
-
21
dos saberes no cotidiano escolar, em consonncia com as especificidades do
trabalho com estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, sem perder de
vista a necessidade de valorizar o conhecimento cientfico-tecnolgico.
Essa valorizao se faz relevante, principalmente nos dias atuais, porque o
conhecimento cientfico e a tecnologia que ele possibilita esto presentes em quase
todas as atividades do cotidiano, influenciando no estilo de vida e na possibilidade
de participao dos indivduos na sociedade. Isso que pode ser observado na
linguagem corrente, na mdia, nas brincadeiras das crianas e em muitas outras
situaes do cotidiano, trazendo conseqncias sobretudo para a educao.
Portanto, esse conhecimento se apresenta como o alicerce do
conhecimento humano, sendo considerado como a grande ferramenta para a
transformao do mundo contemporneo, medida que a sua apropriao e uso
ocorrem de modo inteligente (MOURA; VALE, 2003).
Tais questes levam-nos a refletir sobre a importncia do Ensino de
Cincias nos anos iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que os estudantes
desse nvel de ensino (7-10 anos)8 esto numa fase em que o pensamento lgico e
objetivo adquire preponderncia. A criana centra-se menos nela mesma, sendo
capaz de construir um conhecimento mais compatvel com o mundo que a rodeia
(DAVIS e OLIVEIRA, 1994).
Para Fracalanza, Amaral e Gouveia (1986), o Ensino de Cincias deve
contribuir para desenvolver o pensamento lgico, a capacidade de observao,
comunicao, reflexo, entre outras. Tais capacidades devem ser desenvolvidas
desde o nvel elementar, oportunizando aos estudantes discutirem e analisarem as
questes postas pela sociedade.
Dessa forma, em uma sociedade em que se convive com a valorizao
demasiada do conhecimento cientfico e com a crescente interveno da tecnologia
no dia-a-dia, no possvel pensar na formao de um cidado crtico margem do
saber cientifico (BRASIL, 1997, p. 23).
Ao referir-se formao crtica do cidado, Delizoicov e Angotti (1990)
afirmaram que, para atingi-la, em qualquer nvel de escolaridade, deve haver uma
8 A partir da Lei 11.274 de 06/02/2006, que altera o art. 32 da Lei 9394/96, o Ensino Fundamental obrigatrio, com durao de nove anos, passa a ter matrcula obrigatria a partir dos seis anos de idade.
-
22
formao bsica em Cincias (e Tecnologia) que possibilite ao estudante uma
melhor compreenso dessa sociedade, e uma atuao consciente sobre ela.
O interesse pela incluso da Cincia e da Tecnologia nos currculos, desde a
escola elementar, ampliou-se quando, em 1983, a UNESCO relacionou algumas
justificativas para essa incluso:
As cincias podem ajudar as crianas a pensar de maneira lgica sobre os fatos cotidianos e a resolver problemas prticos simples.
As cincias, e suas aplicaes tecnolgicas, podem ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas. As cincias e a tecnologia so atividades socialmente teis que esperamos sejam familiares s crianas.
Dado que o mundo tende a orientar-se cada vez mais num sentido cientfico e tecnolgico, importante que os futuros cidados se preparem para viver nele.
As cincias podem promover o desenvolvimento intelectual das crianas. As cincias podem ajudar positivamente as crianas em outras reas,
especialmente em linguagem e Matemtica. Numerosas crianas de muitos pases deixam de estudar ao acabar a
escola primria, sendo esta a nica oportunidade de que dispem para explorar seu ambiente de um modo lgico e sistemtico.
As cincias nas escolas primrias podem ser realmente divertidas (HARLEN, 1994 apud LORENZETTI, 2007, p.1).
Tais justificativas coadunam com a meta proposta pelos Parmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino de Cincias na escola fundamental: mostrar a
cincia como um conhecimento que colabora para a compreenso do mundo e suas
transformaes, para reconhecer o homem como parte do universo e como
indivduo (BRASIL, 1997, p. 23).
Para Hurd (1998 apud ROSA, 2007), essa cincia envolve questes do
cotidiano da vida do ser humano, provocando mudanas significativas na sociedade,
e exigindo novos comportamentos, que precisam do conhecimento cientifico e
tecnolgico para que os indivduos se sintam integrantes da sociedade,
independentemente do nvel de escolaridade.
A esse respeito, Rosa (2006) salienta que a escola necessita da contribuio
de conhecimentos em Cincia e Tecnologia para oportunizar a reflexo, o pensar
crtico, desde os anos iniciais de escolaridade, a fim de que os indivduos saibam
como se posicionar nas mais diversas situaes seja em relao a um texto
cientfico, uma notcia, uma situao ambiental ou social, entre outros.
Em relao ao ensino e aprendizagem em Cincias nos anos iniciais,
Signorelli (2001) chama a ateno para a dificuldade apontada pela maioria dos
-
23
professores em relao a esse ensino, tendo como justificativa que os estudantes
mal sabem escrever.
Sabemos que os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental esto
em processo de elaborao da leitura e da escrita e, portanto, nem todos lem ou
escrevem efetivamente. Esse fato no deve se constituir em empecilho para o
Ensino de Cincias, pelo contrrio, esse ensino pode favorecer a efetivao desse
processo.
Segundo Fracalanza, Amaral e Gouveia (1986), o Ensino de Cincias pode
contribuir para o domnio das tcnicas de leitura e escrita e, ao mesmo tempo,
possibilitar o aprendizado dos conceitos bsicos de Cincias.
Tambm, nesse aspecto, os Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1997) apontam que os temas de Cincias, por sua natureza cientfica e tcnica, e
por permitirem diferentes formas de expresso, podem ser de grande ajuda, pois
no se trata somente de ensinar a ler e a escrever para que os estudantes possam
aprender Cincias, mas tambm fazer uso das Cincias para que os estudantes
possam aprender a ler e a escrever (p. 62).
Ainda em relao a essa questo, Brandi e Gurgel (2002, p. 113) afirmam
que
[...] a articulao do ensino de Cincias com o processo [...] do aprendizado da leitura e da escrita da lngua materna portuguesa, ainda apresenta para muitos docentes um problema [...]. As Cincias, naquilo que tem de mais relevante como a possibilidade de explorao e compreenso do meio social e natural [...] podero contribuir para a insero da criana cultura cientfica.
Isso implica dizer que o Ensino de Cincias, na escola fundamental,
medida que possibilita ao estudante a apropriao de conceitos e procedimentos da
Cincia,
[...] pode contribuir para o questionamento do que se v e ouve, para a ampliao das explicaes acerca dos fenmenos da natureza, para a compreenso e valorao dos modos de intervir na natureza e de utilizar seus recursos, para a compreenso dos recursos tecnolgicos que realizam essas mediaes, para a reflexo sobre questes ticas implcitas nas relaes entre Cincia, Sociedade e Tecnologia (BRASIL, 1997, p. 24).
-
24
Dessa forma, ao se posicionar em relao ao porqu ensinar Cincias na
escola fundamental, Fumagalli (1998) contempla trs pontos principais: o direito das
crianas de aprender cincias, como sujeitos que so, integrantes da sociedade, e
que sabem dar significado ao mundo que as rodeia; o dever social obrigatrio da
escola fundamental de disseminar conhecimento cientfico de forma adequada; o
valor social do conhecimento cientfico, que deve contribuir para a formao de
indivduos crticos e conscientes dos seus atos.
Tal posicionamento evidencia a necessidade do Ensino de Cincias para a
formao de indivduos autnomos, que no se subordinam s regras impostas pela
sociedade. Embora a maioria dos indivduos faa uso e conviva com inmeros
produtos cientficos e tecnolgicos, raramente reflete sobre os processos envolvidos
na sua produo e distribuio, tornando-se limitada s imposies comerciais e dos
meios de comunicao, o que a impede de fazer escolhas conscientes (BRASIL,
1997).
O Ensino de Cincias torna-se, assim, presena basilar no que diz respeito
ao preparo para o exerccio da cidadania9, constituindo-se em
[...] espao privilegiado em que as diferentes explicaes sobre o mundo, os fenmenos da natureza e as transformaes produzidas pelo homem podem ser expostos e comparados. [Portanto] ao se considerar ser o Ensino Fundamental o nvel de escolarizao obrigatrio no Brasil, no se pode pensar no ensino de Cincias como um ensino propedutico, voltado para uma aprendizagem efetiva em momento futuro. A criana no cidad do futuro, mas j cidad hoje, e, nesse sentido, conhecer cincia ampliar a sua possibilidade presente de participao social e viabilizar sua capacidade plena de participao social no futuro (BRASIL, 1997, p. 25)
Tais argumentos mostram a relevncia do Ensino de Cincias e a
necessidade de seu desenvolvimento organizado e planejado. No entanto, as
prticas escolares revelam que essa rea no vista com prioridade, principalmente
nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Delizoicov e Angotti (1990) constataram essa situao ao apresentarem
algumas razes para a situao desfavorecida do Ensino de Cincias de 1 a 4
9 O preparo para o exerccio da cidadania estabelecido pela Constituio Federal de 1998, Art. 205 e pela Lei 9394/96, Art.2 do ttulo II (BRASIL, 1996).
-
25
sries, entre elas lacunas na formao de professores e prioridade dada
alfabetizao e matemtica10.
Essa tambm a constatao feita por Gouveia e Leal (2003 apud
DELIZOICOV; LOPES; ALVES, 2005), ao afirmarem que pesquisas avaliativas dos
processos de Ensino de Cincias na escola fundamental apontam que os
professores, em geral, dedicam pouco tempo ao ensino dessa rea. Geralmente, o
tempo destinado, segundo Krasilchik (1987), empregado com os estudantes
precisando decorar nomes, frmulas, enunciados de lei, etc, levando o ensino a um
processo doloroso, que chega a causar averso.
Da mesma forma, Cachapuz (2005) e Cachapuz, Praia e Jorge (2004)
revelam anlises do Ensino de Cincias que mostram o fracasso de estudantes, e
mesmo sua recusa nessa rea de ensino, apontando a necessidade de aprofundar
seus aspectos, tendo em vista a formao dos professores.
Ainda a esse respeito, Brandi e Gurgel (2002, p. 114) so enfticos quando
afirmam que o Ensino de Cincias no tem obtido o sucesso necessrio [...], pois o
professor das sries iniciais [...] no apresenta capacitao adequada para introduzir
o aluno nesse ensino.
Assim, interessa-nos sobremaneira discutir a formao de professores para
o Ensino de Cincias nos anos iniciais do Ensino Fundamental, analisando a sua
complexidade e as necessidades formativas desses professores, a partir das
perspectivas atuais de formao.
1.3 Formao de professores para o Ensino de Cincias nos anos iniciais
Nas ltimas trs dcadas, de acordo com Schnetzler (2002), o que mais se
encontra na literatura sobre a formao de professores, em particular no mbito das
Cincias, so temas que expressam constataes de que geralmente os professores
no tm tido formao adequada para dar conta do processo de ensino e
aprendizagem de seus estudantes, em qualquer nvel de escolaridade.
Essa situao nos leva a pensar sobre a complexidade da profisso
professor, principalmente em relao s necessidades postas pela sociedade atual,
10 Tal situao se mantm quase inalterada atualmente, haja vista que o tempo destinado s aulas de Cincias sempre inferior ao de Matemtica ou Lngua Portuguesa. Uma total incompreenso, como dizem os autores.
-
26
a exemplo das relacionadas s novas tecnologias, levando-nos a questionar: ser
que mais complexo ser professor atualmente do que foi no passado? Para Nvoa
(2001, p. 1):
difcil dizer se ser professor, na atualidade, mais complexo do que foi no passado, porque a profisso docente sempre foi de grande complexidade. Hoje, os professores tm que lidar no s com alguns saberes, como era no passado, mas tambm com a tecnologia e com a complexidade social, o que no existia no passado. Isto , quando todos os estudantes vo para a escola, de todos os grupos sociais, dos mais pobres aos mais ricos, de todas as raas e todas as etnias, quando toda essa gente est dentro da escola e quando se consegue cumprir, de algum modo, esse desgnio histrico da escola para todos, ao mesmo tempo, tambm, a escola atinge uma enorme complexidade que no existia no passado. Hoje em dia , certamente, mais complexo e mais difcil ser professor do que era h 50 anos, do que era h 60 anos ou h 70 anos. Esta complexidade acentua-se, ainda, pelo fato de a prpria sociedade ter, por vezes, dificuldade em saber para que ela quer a escola. A escola foi um fator de produo de uma cidadania nacional, foi um fator de promoo social durante muito tempo e agora deixou de ser. E a prpria sociedade tem, por vezes, dificuldade em ter uma clareza, uma coerncia sobre quais devem ser os objetivos da escola. E essa incerteza, muitas vezes, transforma o professor num profissional que vive numa situao amargurada, que vive numa situao difcil e complicada pela complexidade do seu trabalho, que maior do que no passado. Mas isso acontece, tambm, por essa incerteza de fins e de objetivos que existe hoje em dia na sociedade.
Entendendo essa complexidade, no sentido posto por Morin (2005, p. 38),
quando elementos diferentes so inseparveis constitutivos do todo [escola,
professor, estudantes, currculo, ensino], e h um tecido interdependente, interativo
[...] entre [...] as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si, sim mais
complexo ser professor, na atualidade.
Grande parte dessa complexidade, como expe o prprio Nvoa (2001),
ocorre pela incluso da tecnologia na educao escolar. As mdias do mundo atual e
as Novas Tecnologias da Informao e da Comunicao divulgam informaes em
ritmo acelerado, cuja diversidade/quantidade deixa as pessoas perplexas e
indecisas. O mundo apresentado por meio da TV, computador, internet, vdeos,
etc, confundindo informao com conhecimento (TOSCHI, 2002).
Ao estabelecer a diferena entre informao e conhecimento, Pimenta
(2005) afirma que conhecer vai alm de obter informaes. Conhecer implica
trabalhar as informaes, isto , analisar, organizar, identificar suas fontes,
estabelecer as diferenas destas na produo da informao, contextualizar,
relacionar as informaes e a organizao da sociedade.
-
27
Conclui Pimenta (2005, p. 39): trabalhar as informaes na perspectiva de
transform-las em conhecimento uma tarefa primordial da escola. Essa tarefa se
consolidar medida que o professor no assente o seu saber na informao, mas
quando procura desenvolver conhecimentos no modo como se investiga, como se
faz cincia.
Frente a essas questes, que se intensificam no incio deste terceiro milnio,
o que muda na formao de professores, especificamente do Ensino de Cincias
dos anos iniciais?
Ao tratar das novas demandas para a formao profissional docente,
Giovanni (2003, p. 207) oferece-nos contribuies para responder questo:
a sociedade mudou e, com ela, o mundo, as relaes interpessoais, a
comunicao entre indivduos e entre grupos, o acesso ao conhecimento e s informaes de todos os tipos;
em decorrncia do avano das novas tecnologias da comunicao, vivemos hoje numa sociedade que os estudiosos denominam de sociedade da informao;
na esfera econmica, isso significa a globalizao dos mercados, a mundializao da economia, o que, por sua vez, resulta, nas esferas poltica, tica e moral, numa situao em que, gradativamente, os valores e tradies se modificam e, na vida cotidiana, novos hbitos, necessidades de consumo e novas atitudes se impem;
para o processo de formao de professores, esse quadro impe mudanas curriculares, novos contedos, novas estratgias ou mediaes, novos recursos, novas habilidades e competncias.
Embora as mudanas apontadas, segundo Pereira (1999 apud
SCHNETZLER, 2002), a formao de professores permanece, desde a sua origem,
sem alteraes significativas em seu modelo. O paradigma da racionalidade tcnica,
que serviu de referncia para a educao ao longo de todo o sculo XX, ainda se faz
presente, guiando a atividade do professor para uma prtica instrumental, dirigida
para a soluo de problemas mediante a aplicao de teorias e tcnicas cientficas
(SERRO, 2005).
Em uma pesquisa realizada com 200 professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental da rede municipal de Recife, Almeida (2001, p. 118) confirma essa
situao, revelando limites da prtica docente e, conseqentemente, de sua
formao, seja inicial, seja contnua, no mbito do Ensino de Cincias:
-
28
- os professores ainda esto muito voltados para uma viso sobre a natureza das Cincias Naturais fortemente influenciada pela posio epistemolgica empirista/positivista;
- h uma correspondncia entre as vises empiristas/positivistas dos professores e suas prticas pedaggicas, em contrapartida aqueles que apresentaram vises mais atuais sobre a natureza das Cincias ainda mantm suas prticas docentes influenciadas pelas crenas de que ensinar cincias necessita de desenvolver atividades de laboratrio;
- em relao aos PCNs, no que se refere ao ensino de Cincias Naturais no 1 e 2. ciclos do Ensino Fundamental, so propostos trs blocos temticos: Ambiente; Ser humano e sade; Recursos tecnolgicos;
- [...] observou-se que o ltimo bloco no foi contemplado pelos professores, alm disso, o ensino por projeto tambm no visto como prioridade nas respostas apresentadas e, portanto, no atendendo a proposta governamental.
Por aproximao, poderamos dizer que a situao apontada pela pesquisa
corresponde ao que Carvalho e Gil-Prez (2006) denominaram de viso simplista
sobre o Ensino de Cincias. Ou, em outras palavras, que a Cincia ensinada,
basicamente, por transmisso dos conhecimentos cientficos j elaborados, sem
permitir aos estudantes a aproximao com a forma como esses conhecimentos so
construdos, levando a vises distorcidas da Cincia, que criam desinteresse, e
constituem-se em obstculos para o aprendizado dos estudantes (CACHAPUZ,
2005), revelando os limites da prtica docente e, conseqentemente os limites de
sua formao, seja inicial, seja contnua.
Objetivando superar tais limites so apontadas necessidades formativas do
professor para a atender s novas exigncias da sociedade e da realidade escolar:
I) dominar os contedos cientficos a serem ensinados em seus aspectos epistemolgicos e histricos, explorando suas relaes com o contexto social, econmico e poltico; II) questionar as vises simplistas do processo pedaggico de ensino das Cincias usualmente centradas no modelo transmisso-recepo e na concepo empiricista-positivista de Cincia; III) saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a construo-reconstruo de idias dos estudantes; IV) conceber a prtica pedaggica cotidiana como objeto de investigao, como ponto de partida e de chegada de reflexo e aes pautadas na articulao teoria-prtica (SCHNETZLER, 2002, p. 215)11.
Como sntese dessas necessidades, Tardif (2006, p. 39) assinala como
caractersticas para o professor ideal:
11 Segundo a autora, essas necessidades formativas do professor de Cincias so apontadas por Carvalho e Gil-Prez (1993); Menezes (1996); Porln e Toscano, 2000.
-
29
[...] conhecer sua matria, sua disciplina e seu programa, alm de possuir certos conhecimentos relativos s cincias da educao e pedagogia e desenvolver um saber prtico baseado em sua experincia cotidiana com os estudantes.
Tanto a abordagem de Schnetzler (2002) quanto a de Tardif (2006) enfocam
as necessidades formativas no conhecimento do professor, indo ao encontro da
afirmao de Cachapuz (2005), de que a mudana no Ensino de Cincias s
ocorrer a partir de uma mudana profunda na epistemologia do professor.
Nesse sentido, o conhecimento do professor pode ser compreendido como
um conjunto de concepes epistemolgicas que so concepes globais,
preferncias pessoais, [...] nem total e coerentemente explicitadas, nem ordenadas,
nem com uma estrutura hierarquizada entre os elementos que a compem
(PACHECO e FLORES, 1999, p. 16).
Pimenta (2005) situa o conhecimento nas dimenses cientfica, tcnica,
tecnolgica, pedaggica e humana, como condio para o professor analisar
criticamente a sociedade e seus valores. Alm dessas, Alarco (1996) prope a
dimenso do conhecimento de uma filiao profissional, que envolve o
conhecimento de seu valor, de suas potencialidades, de sua funo social e da
dinmica de construo da profissionalizao docente.
Shulman (1992 apud ALARCO 1996, p. 155-156), na tentativa de identificar
estratgias de formao que respondam s necessidades formativas do professor,
traz discusso o conhecimento cientfico-pedaggico, situando-o como:
- uma forma de conhecimento (compreenso de um assunto) caracterstica
dos professores, que os distingue, na maneira de pensar e de raciocinar, dos especialistas da matria propriamente ditos;
- um conjunto de conhecimentos e capacidades e uma predisposio interior que caracteriza o professor como tal e que inclui aspectos de racionalidade tcnica associados capacidade de juzo, improvisao e intuio;
- um processo de raciocnio e de ao que permite aos professores recorrer aos conhecimentos e compreenso queridos para se ensinar algo num dado contexto, para elaborar planos de aco coerentes, mas tambm para espontaneamente os rever ou at improvisar perante uma situao imprevista. Neste processo desenvolvem-se novos conhecimentos, novas intuies e disposies e cresce a sabedoria da prtica. Atravs da reflexo na ao os professores actuam segundo o seu entendimento das situaes educativas, elaborando planos convenientes e incluindo situaes imprevistas. Durante esta aco/reflexo adquirem ou renovam conhecimentos, intuies e atitudes.
-
30
O que observamos, em sntese, nessas abordagens, uma articulao
teoria-prtica que busca oferecer elementos para o fazer do professor, a partir de
uma prtica refletida. Essa prtica vista, principalmente, nas ltimas duas dcadas,
como espao privilegiado de construo de conhecimento, estando, portanto, entre
as principais necessidades a serem consideradas no processo formativo do
professor, seja na formao inicial ou contnua.
1.3.1 Perspectivas atuais da formao de professores
Considerando a literatura mais recente sobre a formao de professores12,
possvel identificar a existncia de pelo menos quatro perspectivas13: os saberes, as
competncias, a pesquisa e a reflexo.
A discusso em torno do saber docente foi introduzida por Tardif (2006), que
define o saber docente como um saber plural, formado pela unio de saberes da
formao profissional (saberes transmitidos pelas instituies de formao de
professores), saberes disciplinares (saberes sociais definidos e selecionados pela
instituio universitria e incorporados na prtica docente), saberes curriculares
(dizem respeito aos objetivos, contedos e mtodos a partir dos quais a instituio
escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos) e saberes
experienciais (que brotam da experincia e so por ela validados, incorporando
experincias individuais e coletivas).
Nessa definio, Tardif (2006) situa o saber do professor na interao entre
o individual e o social, evidenciando essa interao a partir de seis fios condutores.
O primeiro desses fios saber e trabalho, trata da ntima relao entre o trabalho na
escola e na sala de aula. O segundo fio condutor a diversidade do saber, refere-se
idia de que o saber dos professores plural; um saber-fazer de origem social. O
terceiro a temporalidade do saber, corresponde ao saber que adquirido em
momentos diferentes de vida e da carreira profissional. O quarto fio condutor a
experincia de trabalho enquanto fundamento do saber, diz respeito aos saberes
oriundos da experincia do trabalho, o saber do trabalho sobre saberes. O quinto,
12 A ttulo de exemplo, podemos citar: Rios (2003); Andr (2005); Pimenta e Ghedin (2005); Tardif (2006). 13 Vale ressaltar que no estamos determinando um critrio cronolgico para abordar as perspectivas da formao de professores, mas apenas definindo um critrio didtico para a exposio.
-
31
saberes humanos a respeito de saberes humanos, expressa a idia de trabalho em
que o trabalhador se relaciona com o seu objeto de trabalho por meio da interao
humana. O sexto e ltimo fio condutor, saberes e formao profissional, exprime a
necessidade de repensar a formao de professores, levando em conta os seus
saberes e as realidades especficas de seu trabalho cotidiano.
Segundo Pimenta (2005, p. 42), o conceito de saberes est sendo
substitudo pelo de competncias, e adverte: [...] competncias, no lugar de saberes profissionais, desloca do trabalhador para o local de trabalho a sua identidade, ficando este vulnervel avaliao e controle de suas competncias, definidas pelo posto de trabalho. Se estas no se ajustam ao esperado, facilmente poder ser descartado. Ser assim que podemos identificar um professor? No estariam os professores, nessa lgica, sendo preparados para a execuo de suas tarefas conforme as necessidades definidas pelas escolas, estas por sua vez tambm como um modelo nico, preestabelecido? [...].
Por outro lado, completa Pimenta (2005, p. 42),
[...] o termo tambm significa teoria e prtica para fazer algo; conhecimento em situao. O que necessrio para qualquer trabalhador (e tambm para o professor). Mas ter competncia diferente de ter conhecimento e informao sobre o trabalho, sobre aquilo que se faz [...]. Portanto, competncia pode significar ao imediata, refinamento do individual e ausncia do poltico, diferentemente da valorizao do conhecimento em situao, a partir do qual o professor constri conhecimento. O que s possvel se, partindo de conhecimentos e saberes anteriores, tomar as prticas [...], coletivamente consideradas e contextualizadas, como objeto de anlise, problematizando-as em confronto com o que se sabe sobre elas e em confronto com os resultados sociais que delas se esperam. Os saberes so mais amplos, permitindo que se critique, avalie e supere as competncias.
Embora concordemos com Pimenta quanto ao fato de a substituio de
saberes por competncias no se resumir questo puramente conceitual, o prprio
Tardif (2006) utiliza os termos como sinnimos, ao destacar que a prtica do
professor um espao de construo de competncias (ou saberes)14.
Para Brasil (2001), a concepo de competncia15 nuclear na formao de
professores, sendo entendida como a mobilizao de conhecimentos que sero
14 Tardif (2006) utiliza o termo competncias para designar os saberes que os professores utilizam no seu trabalho cotidiano para desempenhar as suas tarefas. 15 Uma anlise das implicaes dos termos competncias (plural) e competncia (singular) pode ser encontrada em Rios (2003).
-
32
transformados em ao. Esses conhecimentos, na viso de Silva (1999 apud Rios,
2003, p.79), so de natureza cognitiva, scio-afetiva e psicomotora que se
expressam de forma articulada, em aes profissionais, influindo, de forma
significativa, na obteno de resultados distintivos de qualidade.
Encontramos em Perrenoud (2000) e Brasil (2001) uma grande quantidade
de competncias (no mnimo dez) que vem sendo posta como necessria
formao do professor. Numa aluso a listas de competncias, Nvoa (2001) prope
uma sntese e destaca duas como necessrias a essa formao: no primeiro nvel,
competncia de organizao do trabalho escolar nas suas mais diversas dimenses.
Essa organizao mais do que o simples trabalho pedaggico, mais do que o
simples trabalho do ensino, o professor um organizador de aprendizagens. No
segundo nvel, destaca a competncia relacionada com a compreenso do
conhecimento. No basta deter o conhecimento para saber transmiti-lo, preciso
compreend-lo, ser capaz de o reorganizar, de o reelaborar e de transp-lo em
situao didtica em sala de aula.
H de se considerar, todavia, a advertncia de Rios (2003, p. 90): no h
listas de competncias que daro conta da complexidade da formao e da prtica
do educador, do docente, uma vez que estas so construdas na prxis, no agir dos
sujeitos. O que significa dizer que a formao acontece medida que o professor
chamado a orientar a sua ao de modo construtivo.
Ao abordar a questo da formao e ao docente, Andr (2005) afirma que
h um consenso na literatura educacional quanto pesquisa ser um elemento
essencial nessa formao. Nesse sentido, Beillerot (2005, p. 87) indaga: em que a
formao pela pesquisa seria necessria para formar profissionais mais
competentes?. Admitindo no poder responder objetivamente questo, o autor (p.
88) oferece algumas opinies, entre elas que a pesquisa seria suscetvel de formar
[...] docentes no esprito crtico, na dvida metdica, no comportamento racional [...].
Ao tratar sobre o ensino e a pesquisa na formao docente, Santos (2005)
mostra que h controvrsias a esse respeito. Cita uma pesquisa realizada por
Foster, e a sua concluso de que a atividade de ensinar e de pesquisar so
atividades distintas, que exigem diferentes habilidades e conhecimentos. Por outro
lado, fala do pioneirismo de Stenhouse que, h mais de trinta anos, defende a
pesquisa como elemento imprescindvel no trabalho docente.
-
33
Esse posicionamento tambm defendido por Freire (2000, p. 32), para quem
ensinar exige pesquisa. O que h de pesquisador no professor no uma forma de
ser ou de atuar que se acrescenta de ensinar. Faz parte da natureza da prtica
docente a indagao, a busca, a pesquisa. O de que se precisa que, em sua
formao contnua, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como
pesquisador.
Ainda em relao a essa defesa, consideramos oportuna a observao de
Andr (2005, p. 60):
Um risco associado ao movimento de defesa do professor pesquisador o de acentuar o processo de desvalorizao da atividade docente, pois formar o professor pesquisador pode significar a busca de um status mais alto, j que a pesquisa tem muito mais prestgio que o ensino. Reforar o papel do professor como pesquisador pode muito simplesmente ser uma forma camuflada de evitar o enfrentamento das reais dificuldades pelas quais passa a escola hoje, entre as quais, a falta de condies concretas para um trabalho docente de qualidade.
Ghedin (2004) chama a ateno para a dificuldade de superao do
distanciamento entre a pesquisa acadmica e a prtica pedaggica, o que afasta os
professores de um processo autnomo de conhecimentos, e sugere que, para
viabilizar uma formao centrada na pesquisa, necessria uma reviso no modo
como os cursos de formao de professores so pensados, organizados,
estruturados e executados (p. 409). Assim, fica evidenciado a necessidade de se
considerar a importncia da pesquisa para a formao docente sem, todavia,
descuidar das condies para que ela ocorra articulada ao ensino.
Na direo de uma proposta de superao entre professores e
pesquisadores, Liston e Zeichner (1990 apud LISITA, ROSA e LIPOVETSKY, 2005)
sugerem que a formao de professores d condies para que os docentes
identifiquem e organizem as estratgias pedaggicas e os meios adequados para o
ensino. Para tanto, consideram, como condio necessria, a formao de
professores como profissionais reflexivos.
Tais idias desenvolvidas por Schn (1983 apud PIMENTA, 2005) propem
uma formao profissional baseada numa epistemologia da prtica, ou seja, na
valorizao da prtica como momento de construo de conhecimento, por meio da
reflexo, anlise e problematizao desta, e o reconhecimento do conhecimento
-
34
tcito16, presente nas solues que os profissionais encontram em ato. Schn,
segundo Pimenta (2005), chama ateno para o conhecimento na ao, reflexo na
ao e reflexo sobre a reflexo na ao.
O conhecimento na ao o conhecimento que os profissionais demonstram
na execuo da ao, tcito e manifesta-se na espontaneidade com que uma ao
bem desempenhada. A reflexo sobre a ao se d a partir do momento em que
os profissionais conseguem descrever o conhecimento da ao, analisando-o e
verbalizando-o, retrospectivamente. Esses dois momentos tm um valor epistmico,
que poder ser intensificado, quando ultrapassados, levando reflexo sobre a
reflexo na ao, que ajuda a determinar as aes futuras, a encontrar novas
solues (ALARCO, 1996).
O movimento de reflexo da atividade docente abre novas perspectivas, e
passa a dar prioridade tambm formao do professor-pesquisador da sua prpria
prtica, como inerente atividade reflexiva. Indo alm da perspectiva schniana,
autores como Contreras (2002), Pimenta e Ghedin (2005), Zeichner (1993), entre
outros, trazem importantes direcionamentos prtica reflexiva, numa viso mais
contextualizada e crtica das condies sociais das prticas docentes.
preciso ter clareza de que essa reflexo no pode ser concebida como um
processo de pensamento sem orientao; ao contrrio, ela tem o propsito claro de
definio diante dos problemas e atuao, considerando as situaes que esto
alm de intenes e atuaes pessoais (CONTRERAS, 2002).
Uma das maneiras de se pensar a prtica reflexiva encar-la como a vinda
superfcie das teorias do professor, para anlise crtica e discusso (ZEICHNER,
1993, p. 21), isso porque, medida que o professor examina suas teorias e prticas
e as expem a outros professores, tem mais hipteses para visualizar as suas
falhas, aprender uns com os outros.
Embora a prtica reflexiva esteja sendo amplamente discutida no campo da
formao de professores, colocando-se como um campo frtil de pesquisa em
relao s necessidades formativas do professor, particularmente do Ensino de
Cincias, como j revelado em alguns estudos17, outros estudos apontam que a
prtica reflexiva tem sido posta como uma moda a ser adotada sem que se observe 16 Schn, apoiando-se no filsofo Michael Polanyi, afirma que o conhecimento tcito : espontneo, intuitivo, experimental, conhecimento cotidiano [...] (DUARTE, 2003, p. 615). 17 A ttulo de exemplo, citamos a obra organizada por Nardi, Bastos e Diniz (2004).
-
35
o seu verdadeiro sentido, suas possibilidades e suas limitaes18. Nesse contexto,
importante considerar o alerta feito por Ghedin (2005, p. 147):
Ningum deve ser obrigado a ser reflexivo, embora todos devam ser estimulados a s-lo. Ns estamos propondo que tal processo tenha incio pelo ensino em todos os nveis. Mas tal fato h de iniciar-se, primeiramente, pelo prprio professor. Se no h um professor com postura reflexiva, como podemos esperar estudantes reflexivos? A introduo de metodologias de formao reflexiva no nvel dos estudantes e dos professores tem de ser progressiva e atender maturidade dos sujeitos envolvidos. um processo que requer pacincia, pois os resultados no so visveis no curto prazo.
Atentos a essa situao, preciso considerar que o professor, ao refletir
sobre a prpria prtica, converte-se em um pesquisador19 que produz
conhecimentos e colabora para que outros conhecimentos sejam produzidos, num
processo contnuo que exige tempo, vontade, maturidade, reflexo, sendo condio
essencial ter-se um trabalho coletivo em todo processo ensino-aprendizagem.
Dessa forma, a complexidade da atividade docente deixa de ser vista como
obstculo e, por vezes, um fator de desnimo, para se tornar um convite a
ultrapassar o ensino meramente verbalista, mnemnico e com poucas perspectivas
(CACHAPUZ, 2005). Para tanto, ressaltamos, faz-se necessrio promover a
organizao da atividade docente enquanto trabalho coletivo/investigativo que
propicie formao efetiva, superando concepes simplistas ou distorcidas sobre o
Ensino de Cincias.
Tais exigncias evidenciam que a efetividade do trabalho docente depende,
particularmente, do conjunto de aes adotadas pelo professor, a partir da
perspectiva terico-metodolgica por ele assumida, quer implcita, quer
explicitamente. Numa referncia a esse trabalho, Delizoicov, Angotti e Pernambuco
(2002) salientam que, ao preparar a sua aula, o professor se preocupa em rever o
contedo; organizar uma seqncia de explicaes, partindo do mais simples para o
mais complexo; buscar exemplos prticos para os conceitos que vai apresentar e
selecionar exerccios para os estudantes fazerem em sala de aula e em casa.
18 Algumas possibilidades e limitaes foram apontadas no trabalho de Diniz e Campos (2004). 19 Para Nvoa (2001, p.1), o professor pesquisador e o professor reflexivo, no fundo, correspondem a correntes diferentes para dizer a mesma coisa. [...]. A realidade que o professor pesquisador aquele que pesquisa ou que reflete sobre a sua prtica.
-
36
Essas aes do professor no demonstram a efetiva participao do
estudante no processo de ensino-aprendizagem, ao contrrio, revelam um estudante
passivo, pronto a receber os conceitos transmitidos. Isso evidencia falta de
compreenso docente acerca de como os conhecimentos cientficos so
construdos. Essa compreenso condio fundamental ainda que no suficiente
para um Ensino de Cincias mais eficiente (CACHAPUZ, 2005), pois contribui para
que o professor procure investigar a prpria prtica pedaggica, e busque
conceitos cientficos significativos promoo da inter-relao Cincia, Tecnologia e
Sociedade, to necessria para que os estudantes desenvolvam uma postura crtica,
questionadora e investigativa perante si mesmo e o mundo (BRASIL, 1997).
Essa questo evidencia a necessidade de discutirmos como se d a
construo de conceitos, e a possibilidade ou no de transmiti-los aos estudantes.
Antes, porm, procuraremos compreender o que so conceitos cientficos.
1.4 Conceitos cientficos e prtica pedaggica de professores de Cincias Teixeira (2006) defende que uma compreenso slida, por parte dos
professores, do que sejam conceitos cientficos, e como estes podem ser
apreendidos, pode subsidiar a elaborao de atividades que promovam o seu
aprendizado de maneira significativa pelos estudantes.
Quando se procura compreender o que so conceitos cientficos, e como
ocorre o seu aprendizado, observa-se que no h consenso entre os estudiosos do
assunto, entre eles Piaget, Ausubel e Vygotsky. No artigo que trata dos fundamentos
tericos que envolvem a concepo de conceitos cientficos na construo do
conhecimento das Cincias, Teixeira (2006) discute e analisa alguns entendimentos
do que so conceitos cientficos, que contribuem para discusses nesse sentido.
Vejamos, primeiro, o que significa conceito no sentido geral.
Segundo Teixeira (2006), um dos significados atribudos a conceito o de
uma palavra ou smbolo que rotula uma dada coisa que partilha atributos em
comum, assumindo caracterstica de definio, uma vez que, se o atributo que o
conceito rotula no pode ser encontrado na coisa representada, ento o conceito
no pode ser aplicado. Nessa perspectiva, conceitos podem ser caracterizados
como sendo:
-
37
1. generalizaes a partir de casos localizveis empiricamente: cada conceito resulta da abstrao de informaes sobre objetos ou eventos perceptveis. Ele a construo de generalidade a partir de casos especficos, empiricamente localizveis; 2. representaes mentais de categorias localizveis no mundo emprico. O conceito ave, por exemplo, no tem existncia emprica concreta; ele representa a abstrao de informaes sobre vrias espcies animais que apresentam, em comum, algumas semelhanas; 3. um conjunto de informaes fixas adquiridas pelos indivduos. Isto , no h variao no significado do conceito. Uma vez que ele aprendido, ele ser utilizado pelo indivduo, ao longo da sua existncia, sem alterao do seu significado. No caso do conceito ave, ainda que novas informaes a respeito das mesmas sejam produzidas ou que o indivduo empregue o conceito ave em diferentes contextos, a definio do que ave permanece inalterada: trata-se de animal com penas, bico e asas; 4. um estoque de informaes memorizadas. Quanto mais informaes forem acumuladas, maior ser o conhecimento. Assim, tanto a aprendizagem quanto o desenvolvimento cognitivo so conseqncias da memorizao: o indivduo aprende o que ele memoriza e todas as funes que o fazem alcanar estgios intelectuais mais elaborados decorrem do uso que ele faz do que memorizou. Ambos, aprendizagem e desenvolvimento cognitivo confundem-se com a memorizao e o uso das informaes; 5. [...] agrupamentos de informaes [...] que so adquiridos atravs das associaes percepto-sensitivas, por meio da identificao dos atributos salientes as caractersticas externas dos objetos e eventos , julgamento das similaridades e diferenas desses atributos salientes com os dados registrados na memria e a associao de um termo para nomear o conjunto de atributos (TEIXEIRA, 2006, p.122).
Nessa caracterizao, os conceitos so entendidos como sendo nomeao
de coisas de uma determinada natureza, em que so abstrados os seus caracteres
particulares e secundrios, e generalizado o que h de comum e essencial a todas
as coisas de uma mesma natureza (BALZARIAN, 1994).
Em relao aos conceitos cientficos, a mesma linha de entendimento pode
ser encontrada entre aqueles que os compreendem como rtulos ou propriedades
perceptveis, fruto de constatao feita pelos pesquisadores de regularidades no
mundo emprico, em que feito um registro do que foi verificado, enumerando e
descrevendo as circunstncias em que as propriedades foram observadas,
nomeando-as. Vendo por esse aspecto, a principal diferena entre conceitos
cientficos e no-cientficos, que o primeiro grupo foi produzido atravs do registro
e da descrio precisa do que foi observado. Portanto, os professores que entendem
conceitos de acordo com a perspectiva apresentada, tendem a conduzir suas
prticas de modo linear, centrada na transmisso de conceitos, cuja meta
memorizar a informao correta, pois entendem que os conhecimentos so
-
38
apreendidos pelos estudantes de forma passiva, em que um conhecimento vai se
somando a outro, sem rupturas e inquietaes (TEIXEIRA, 2006).
Vygotsky (2000 e 2001) discute conceitos em duas perspectivas: conceitos
espontneos e conceitos cientficos, destacando a unicidade cognitiva do processo
de aquisio destes. Logo, considera como cientfico todo conhecimento de origem
formal, relacionado s cincias sociais, lnguas, matemtica, cincias fsicas e
naturais, e que apreendido como parte de um sistema de relaes, ao contrrio do
conhecimento espontneo, composto de conceitos no-sistemticos, no-
organizados, baseados em situaes particulares e adquiridos em contextos da
experincia cotidiana.
J Piaget (2002) denomina conceitos espontneos aqueles que constituem
as idias da criana acerca da realidade, que so independentes dos conceitos no-
espontneos, e que vo gradativamente substituindo os primeiros, uma vez que do
ponto de vista da teoria operatria de aprendizagem, as aquisies humanas
seguem estgios de desenvolvimento, partindo do mais simples at chegar aos mais
complexos.
Ao contrrio de Piaget, Ausubel, Novak e Hanesian (1980) defendem que a
aprendizagem de conceitos sobrepuja o carter da estrutura cognitiva existente no
estudante, necessitando das condies do desenvolvimento e da capacidade
intelectual, da natureza do conceito e da forma pelo qual ele mostrado ao
estudante.
Por outro lado, Vygotsky (2001) considera que o ensino direto de conceitos
impossvel e pedagogicamente estril (pode-se no mximo apresentar definies de
conceitos). Adverte que o professor que segue por esse caminho costuma no
conseguir mais do que uma assimilao de palavras, um verbalismo puro e simples,
em que a criana no assimila o conceito, mas a palavra e sente-se impotente ao
tentar empregar, de modo consciente, o que foi assimilado.
No entanto, ao se referir a essa questo, Arnsdorf e Davis (1961 apud
AUSUBEL, NOVAK e HANESIAN, 1980) afirmaram que o ensino direto de conceitos,
associado ao uso de provas concreto-empricas, pedagogicamente confivel e
pode at acelerar a sua aquisio.
Porm, Vygotsky (2000) categrico ao afirmar que um conceito um ato
real que no pode ser ensinado por treinamento, mas que vai sendo construdo pela
criana medida que suas funes intelectuais (ateno, memria, lgica,
-
39
abstrao, capacidade para comparar e diferenciar) vo se desenvolvendo. Postula
que o aprendizado uma das principais fontes de conceito da criana em idade
escolar, e tambm fora impulsionadora de seu desenvolvimento.
Ao tratar do processo de formao de conceitos, Vygotsky (2000) procura
comparar o desenvolvimento dos conceitos apreendidos pela criana na escola
(conceitos cientficos - relacionados aos conhecimentos sistematizados) com os
conceitos apreendidos por meio de experincia pessoal e concreta (conceitos
cotidianos - estabelecidos em decorrncia das interaes do dia-a-dia).
Assim, Vygotsky (2000) distingue trs fases bsicas na formao de
conceito. A primeira, conglomerado vago e sincrtico de objetos isolados, a fase
em que a criana tem uma imagem desarticulada dos diferentes elementos, a
manifestao da tentativa e erro no desenvolvimento do pensamento.
A segunda, pensamento por complexos, um nvel mais elevado que
constitui um pensamento mais coerente e objetivo, embora ainda no reflita as
relaes objetivas do mesmo modo que o pensamento conceitual, pois ainda um
pseudoconceito, que produzido cada vez que a criana
[...] se v s voltas com uma amostra de objetos que poderiam muito bem ter sido agrupados com base em conceitos abstratos. Por exemplo, quando a amostra um tringulo amarelo e a criana pega todos os tringulos do material experimental, possvel que se tenha orientado pela idia ou conceito geral de um tringulo. A anlise experimental mostra, porm, que na realidade a criana se orienta pela semelhana concreta visvel, formando apenas um complexo associativo restrito a um determinado tipo de conexo perceptual. Embora os resultados sejam idnticos, o processo pelo qual so obtidos no de forma alguma mesmo que no pensamento conceitual (VYGOTSKY, 2000, p. 82-83).
A terceira formao de conceito a fase em que a criana comea operar
com conceitos, a praticar o pensamento conceitual, antes mesmo de ter uma
natureza clara dessas operaes. Tal formao pressupe abstrair, isolar e
examinar elementos separadamente da totalidade da experincia concreta da qual
participam, sendo igualmente importantes unir e separar.
As investigaes que Vygotsky (2000, p.133-134) e seus colaboradores
conduziram com crianas em idade escolar mostraram que [...] quando o currculo oferece o material necessrio, o desenvolvimento dos conceitos cientficos ultrapassa o desenvolvimento dos conceitos espontneos. [Isso ocorre porque] A criana provavelmente acha difcil solucionar problemas que envolvem situaes da vida cotidiana, porque no
-
40
tem conscincia de seus conceitos e, portanto, no pode operar com eles vontade, conforme a tarefa exige.
Por outro lado, os conceitos que elabora no processo de aprendizado
escolar, com a colaborao do adulto, consegue resolver. Embora, no incio, esses
conceitos estejam distantes, medida que evoluem, encontram-se. Isso acontece
porque a criana s
[...] adquire conscincia dos seus conceitos espontneos relativamente tarde; a capacidade de defini-los por meio de palavras, de operar com eles vontade aparece muito tempo depois de ter adquirido os conceitos. Ela possui o conceito, mas no est consciente do seu prprio ato de pensamento. O desenvolvimento de um conceito cientifico, por outro lado, geralmente comea com a definio verbal e com sua aplicao em operaes no-espontneas. [...] Poder-se-ia dizer que o desenvolvimento dos conceitos espontneos nas crianas ascendente, enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos cientficos descendente (VYGOTSKY, 2000, p. 134-135).
Portanto, embora se desenvolvendo em direes opostas, os conceitos
espontneos e os conceitos cientficos no esto em conflito, visto que se articulam
dialeticamente, e fazem parte do mesmo processo. O que acontece que os
conceitos espontneos foram sua trajetria para cima ao se desenvolverem no
sentido da abstrao, abrindo caminho aos conceitos cientficos. Isso evidencia a
importncia da formao de tais conceitos, pois eles potencializam o
desenvolvimento e ressignificam as idias cotidianas dos estudantes (LIMA e
MAUS, 2006).
As discusses possibilitadas pelos estudos de Vygotsky (2000 e 2001)
contribuem para a compreenso dos professores acerca de como a criana forma os
conceitos cientficos que so trabalhados na escola, favorecendo o entendimento de
que transmitir conceitos no logra resultado satisfatrio quanto aos objetivos
escolares, e ajudando-os a encontrar caminhos constru