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O CONSUMO E A PRODUÇÃO DE BIODIESEL E A NECESSIDADE DE
AÇÕES MITIGADORAS DE EFEITO ESTUFA
Juliana Eiko Nascimento
Janaina Corrêa da Fonseca Dallan
RESUMO
As modelagens realizadas pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) a respeito
dos efeitos causados pelas mudanças climáticas e a avaliação das tendências da economia
global considerando os efeitos das mudanças climáticas e do potencial de diferentes
abordagens para adaptação a essas mudanças realizada pela equipe liderada por Sir Nicholas
Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial indicam cenários catastróficos para grande
parte da população mundial. Ignorar a necessidade de redução de emissões de gases de efeito
estufa torna-se mais onerosa que intervir no cenário atual. O biodiesel posiciona-se como uma
ação brasileira para redução dos níveis de emissões de alguns gases de efeito estufa gerados
por diesel mineral, redução do consumo deste combustível, além de outros benefícios
adicionais ao país como: menor dependência externa, desenvolvimento regional, geração de
empregos, entre outros.
PALAVRAS-CHAVES: Combustível Renovável, Relatório Stern, Efeitos das Mudanças
Climáticas
1. INTRODUÇÃO
O mais recente relatório elaborado pelo Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC)
enfatiza que as emissões de gases de efeito estufa devido a ações antrópicas são as principais
causas para as atuais mudanças climáticas e que os efeitos dessas mudanças climáticas serão
catastróficos, caso não sejam realizadas as ações necessárias para mitigar as emissões de
gases de efeito estufa.
Visando conhecer as tendências, a médio e longo prazos, da economia global considerando os
efeitos das mudanças climáticas e avaliar o potencial de diferentes abordagens para adaptação
às mudanças, o governo britânico solicitou um relatório a uma equipe, liderada por Sir
Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial (STERN, 2006).
O relatório Stern prevê que será mais oneroso ignorar os efeitos das mudanças climáticas
(cerca de 20% do PIB mundial) a combatê-los (aproximadamente 1% do PIB mundial).
O uso do biodiesel é uma maneira de minimizar tais efeitos, uma vez que o biodiesel
apresenta algumas características vantajosas em relação ao óleo diesel de petróleo: não
contém enxofre, é biodegradável e renovável.
2. OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo apresentar os cenários modelados considerando os efeitos
das mudanças climáticas, evidenciando a necessidade de políticas mitigadores de emissões, e
discutir a respeito da característica de recurso energético renovável do biodiesel e da sua
contribuição para a mitigação do efeito estufa e para a economia brasileira.
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O relatório STERN, elaborado por uma equipe liderada por Sir Nicholas Stern, ex-economista
chefe do Banco Mundial, foi divulgado em 30 de outubro de 2006 e visa apresentar a
tendência da economia global, considerando os efeitos das mudanças climáticas, e avaliar o
potencial de diferentes abordagens para adaptação às mudanças.
O relatório Stern foi baseado em consulta a partes interessadas e análise de evidências sobre
(STERN, 2006):
Implicações sobre a demanda de energia e emissões de prospecções para crescimento
econômico nas próximas décadas, para países desenvolvidos e em desenvolvimento;
As conseqüências econômica, social e ambiental das mudanças climáticas em países
desenvolvidos e em desenvolvimento, considerando os riscos de aumento da
volatilidade do clima e os principais impactos irreversíveis e a interação climática com
outros poluentes atmosféricos;
As possíveis ações para adaptações às mudanças climáticas e os custos associados a
elas;
Os custos e benefícios das ações para reduzir o balanço líquido global de emissões de
gases de efeito estufa, considerando o potencial impacto dos avanços tecnológicos nos
custos futuros;
Os impactos e a efetividade das políticas nacionais e internacionais.
Os impactos causados pelas mudanças climáticas previstos pelas modelagens apresentados
dizem respeito a: acessos à água, produção de alimentos, saúde humana, área disponível e
meio ambiente.
A disponibilidade de água será afetada através da intensificação do ciclo da água. O
aquecimento da superfície terrestre induzirá a uma maior evaporação e, consequentemente,
uma maior intensidade de chuvas, com maior risco de alagamentos. Estiagens e inundações
serão intensificadas. Haverá maior intensidade de chuvas em altas altitudes, menos
intensidade em subtrópicos secos e, provavelmente, mudanças substanciais nas áreas
tropicais.
Em relação à agricultura, a pior das conseqüências dos efeitos das mudanças climáticas sobre
será o aumento do número de pessoas passando fome no mundo, sem capacidade para
produzir ou para comprar alimento suficiente. Aproximadamente 800 milhões de pessoas
passam fome atualmente (~12% da população mundial) e a desnutrição é a causa de cerca de
4 milhões de mortes anualmente. De acordo com as modelagens, um acréscimo de 2 – 3°C
acarretará em um acréscimo de 30 – 200 milhões de pessoas passando fome.
Além da agricultura, as mudanças climáticas irão impactar na pesca também, afetando
aproximadamente 1 bilhão de pessoas que dependem do peixe como principal fonte de
proteína animal. Enquanto o aumento da temperatura dos oceanos pode aumentar a taxa de
crescimento de alguns peixes, pode também ocasionar redução dos nutrientes, limitando o
crescimento. Outros impactos sobre a produção de alimentos são apresentados na tabela
abaixo:
Tabela 1. Conseqüências das mudanças climáticas na produção de alimentos.
Impacto Conseqüências
Perda de espécies
essenciais
As mudanças climáticas irão afetar a distribuição e abundância de espécies,
ameaçando a viabilidade de espécies que são essenciais para produção agrícola
sustentável, incluindo polinizadores nativos das plantações e organismos do solo que
mantém a produtividade e fertilidade do local. Polinização é essencial para a
reprodução de muitas espécies vegetais e seu valor econômico global tem sido
estimado em $30 - 60 bilhões.
Aumento da
ocorrência de
inundações
Perdas por inundação da produção de milho pode dobrar nos próximos 30 anos,
causando danos adicionais, totalizando uma quantia estimada em $3 bilhões/ano.
Incêndios em florestas
e plantações
Em 2003, a onda de calor na Europa e a seca produziram severos incêndios em
Portugal, Espanha e França, resultando em uma perda total em florestas e plantações
de $15 bilhões.
Indução climática de
epidemias de pestes e
doenças
A epidemia de vírus Bluetongue na Europa, uma doença devastadora em ovinos, foi
associada ao aumento da resistência do vírus nos invernos mais quentes e a
disseminação do vetor.
Aumento de Ozônio
superficial
A queima de combustíveis fósseis aumenta a concentração de Óxido de Nitrogênio na
atmosfera, que aumenta os níveis de Ozônio na superfície na presença da luz solar e
do aumento de temperatura. Ozônio é tóxico para plantas em concentrações
superiores a 30 ppb, mas esses efeitos são raramente inclusos nas previsões futuras.
Muitas áreas rurais no continente Europeu e Centro-oeste dos EUA estão prevendo
um aumento na média de concentrações de Ozônio de cerca de 20% até a metade do
século, mesmo havendo episódios de pico de declínio.
Fonte: Adaptado de Stern Review: The Economics of Climate Change 2006
Os impactos das mudanças climáticas na saúde humana serão diversos: aumento no
crescimento e na distribuição de vetores transmissores de doenças, aumento de doenças
cardiovasculares, aumento no número de mortos por exposição ao Ozônio troposférico, por
desnutrição e por stress por calor e diminuição no número de mortes relacionadas ao frio, nas
altas latitudes.
Considera-se também que o ciclo da água, afetado pelas mudanças climáticas, será a causa de
muitos problemas de saúde, além das mortes por afogamento e desidratação. As estiagens
prolongadas causarão incêndios florestais e consequentemente doenças respiratórias serão
agravadas; os alagamentos proporcionarão o crescimento de fungos e a disseminação de
vetores de doenças, como mosquitos.
O nível do mar será aumentado, não só pelo derretimento de geleiras, como também pelo
aumento do número e da força das tempestades, e as áreas costeiras serão permanentemente
inundadas.
Isso causará grande perda de área, de infra-estrutura instalada, indústrias, portos, refinarias e
estações nucleares. Consequentemente, haverá uma grande migração de pessoas das zonas
costeiras. Além disso, o custo para proteger as cidades das inundações será elevado ao
quadrado do atual aproximadamente.
A Tabela 2 apresenta um resumo dos efeitos causados pelas mudanças climáticas.
Tabela 2. Conseqüências das mudanças climáticas no mundo.
Aumento
da Temp.
(°C)
Água Produção de
Alimentos Saúde
Área
Disponível Meio Ambiente
Impactos
Abruptos e
de Larga
Escala
1
Pequenas geleiras
nos Andes
desaparecerão
completamente,
ameaçando o
suprimento de água
para 50 milhões de
pessoas
Incrementos
modestos na
produção de
cereais nas
regiões
temperadas
Pelo menos 300.000
pessoas morrerão por
ano devido a doenças
relacionadas ao clima
(predominantemente
diarréia, malária e
desnutrição)
Redução da
mortalidade no
inverno em altas
latitudes (Norte
Europeu, EUA)
Derretimento de
geleiras causará
danos às
construções e
estradas em
partes do Canadá
e da Rússia
Pelo menos 10%
das espécies da
Terra estarão em
risco de extinção
80% de extermínio
dos recifes de
corais, incluindo o
Grande Recife de
Corais
A corrente
quente do
Atlântico
começará a
esfriar
2
Haverá uma
diminuição de 20-
30% na água
disponível em
algumas regiões
vulneráveis (ex.:
Sul da África e
Mediterrâneo)
Declínio
acentuado na
produção de
alimentos das
regiões tropicais
(5-10% na
África)
40-60 milhões
adicionais de pessoas
expostas à malária na
África
Até 10 milhões
de pessoas
adicionais serão
afetadas pelas
inundações
costeiras a cada
ano
15-40% das
espécies estarão em
risco de extinção
Alto risco de
extinção das
espécies do Ártico,
incluindo o urso
polar Potencial
derretimento
irreversível de
grandes
geleiras,
acelerando o
aumento do
nível dos
mares
Risco de
mudanças
abruptas na
circulação
atmosférica
Risco
crescente de
colapso das
geleiras da
Antártica
Risco
crescente de
colapso da
corrente
quente do
Atlântico
3
No Sudeste
Europeu, ocorrerão
sérias estiagens,
uma vez a cada 10
anos.
1-4 bilhões de
pessoas sofrerão
com a falta de água,
enquanto de 1-5
milhões de pessoas
receberão mais
água, correndo o
risco de inundação
150-550 milhões
adicionais de
pessoas em risco
de passar fome
(no caso de baixa
fertilização por
Carbono)
A produção
agrícola em altas
latitudes atingirá
o pico produtivo
1-3 milhões de pessoas
adicionais morrem de
desnutrição (no caso
de baixa fertilização
por Carbono)
1-170 milhões de
pessoas
adicionais serão
afetadas pelas
inundações
costeiras a cada
ano
20-50% das
espécies estarão em
risco de extinção
(25-60%
mamíferos, 30-40%
aves, 15-70%
borboletas no Sul
da África)
Colapso da Floresta
Amazônica
4
Haverá uma
diminuição de 30-
50% na água
disponível no Sul
da África e no
Mediterrâneo
A produção
agrícola
declinará 15-
35% na África e
por completo em
algumas outras
regiões (partes
da Austrália)
Acima de 80 milhões
de pessoas adicionais
expostas à malária na
África
7-300 milhões de
pessoas
adicionais serão
afetadas pelas
inundações
costeiras a cada
ano
Perda de cerca de
metade da tundra
do Ártico
Cerca de metade
das reservas
naturais no mundo
não cumprirão seus
objetivos
5
Possível
desaparecimento de
grandes geleiras no
Himalaia, afetando
1/4 da população da
China e milhares de
milhões de indianos
Aumento
continuado da
acidez dos
oceanos
causando um
sério colapso no
ecossistema
marinho e na
pesca
O aumento do
nível dos mares
ameaçará
pequenas ilhas,
áreas costeiras
mais baixas e
grandes cidades
do mundo como
Nova York,
Londres e
Tóquio
>5 Haverá grandes catástrofes e a maior migração populacional.
Fonte: Adaptado de Stern Review: The Economics of Climate Change 2006
A matriz energética brasileira apresenta-se muito dependente de combustíveis derivados de
petróleo, conforme está representado pela figura abaixo.
Figura 1. Matriz energética brasileira - 2003
4
Matriz Energética Brasileira
Fonte: Balanço Energético Nacional – Ministério das Minas e Energia - 2003
Oferta de Energia - 2002
Carvão Mineral e Derivados
6,6%
Hidráulica e
Eletricidade
14,0%Urânio e Derivados
1,8%
Outras fontes não-
renováveis
2,5%Derivados Cana-de-açucar
12,6%Lenha e Carvão vegetal
11,9%
Petróleo e Derivados
43,1%
Gás Natural
7,5%
Fonte: Atratividade do Setor Energético, 2004
A utilização de biodiesel altera a configuração da matriz energética brasileira, uma vez que os
processos produtivos de biodiesel mais utilizados no país são de transesterificação pela rota
metílica ou etílica, que utiliza como matérias primas ácidos graxos (óleo vegetal ou gordura),
catalisador (normalmente NaOH ou KOH) (COSTA, 2006).
O biodiesel é um combustível renovável, principalmente quando é produzido pela rota etílica.
Conforme estudos, o biodiesel apresenta características próximas ao do diesel, conforme pode
ser observado na tabela 3 abaixo.
Tabela 3. Comparação entre diesel e biodiesel.
Parâmetro Biodiesel Diesel
Viscosidade cinemática a 40°C
mm²/s 3.7 - 5.8 2.5 - 5.5
Massa específica
kg.m³ 8.7 - 8.9 8.2 - 8.6
Número de Cetano 46 - 70 Mínimo de 42
Poder calorífico superior
MJ/kg 39.4 - 41.8 ~ 45
Enxofre
% 0.0 - 0.0024 0.0 - 0.2
Fonte: Adaptado de O Biodiesel – Instituto de Tecnologia do Paraná, 2004
As características “viscosidade cinemática” e “poder calorífico” interferem diretamente no
consumo de combustível. Há redução de consumo de combustível em misturas na proporção
de até 50% de biodiesel devido à maior lubricidade desse combustível. Acima dessa
proporção, o consumo aumenta, uma vez que o biodiesel apresenta menor poder calorífico.
Algumas das vantagens da utilização do biodiesel são apresentadas na figura abaixo:
Figura 2. Vantagens do biodiesel em relação ao diesel de petróleo
Fonte: DABDOUB, 2003
O Brasil oficializou o uso de biodiesel com a Lei nº. 11.097, de 13 de janeiro de 2005, que
permite a adição de um percentual mínimo de biodiesel ao óleo diesel mineral
comercializado, em qualquer parte do território nacional. Esse percentual obrigatório será de
2% a partir de 2008 e 5% a partir de 2013.
4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O uso do biodiesel etílico em sua forma pura como combustível seria um combustível
totalmente nacional e 100% renovável. O uso do biodiesel na sua forma pura diminui a
emissão de dióxido de carbono em 46%, de fumaça preta em 68%, de Enxofre em 100% e de
hidrocarbonetos não queimados em 36%. Deve-se considerar também que a utilização do
biodiesel em misturas com o diesel de petróleo já apresenta melhorias significativas em
relação às emissões citadas acima.
A adoção desse combustível em escala nacional também trará benefícios econômicos, como
menor dependência externa, desenvolvimento regional, geração de empregos, menor êxodo
rural, desenvolvimento da agricultura familiar e implantação de novas indústrias.
É necessário considerar os vazamentos, emissões indiretas de gases de efeito estufa durante o
processo produtivo, na cadeia de produção e consumo de biodiesel. Porém, mesmo
considerando os vazamentos, é inevitável concluir que a produção e o consumo de biodiesel
seja uma política necessária para minimizar as condições que aumentam o efeito estufa.
Dentro do contexto do Relatório Stern, o Brasil já está tomando a iniciativa ao promulgar uma
lei ( Lei nº. 11.097, de 13 de janeiro de 2005) para uso obrigatório do biodiesel em mistura ao
óleo diesel de petróleo.
Porém, dada a criticidade dos cenários previstos e a capacidade brasileira, tanto tecnológica
como de produção de óleo vegetal ou gordura animal, o Brasil poderia utilizar-se de políticas
mais agressivas em relação ao uso de biodiesel e de desoneração de impostos para a produção
do mesmo, uma vez que o biodiesel brasileiro ainda é mais caro do que o diesel comum.
Deve-se atentar também a possibilidade de que o incremento da área plantada com
oleaginosas podem invadir florestas tropicais, diminuindo assim o seqüestro de Carbono pelas
florestas.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Atratividade do Setor Energético, 2004 – Disponível em:
http://www.ebape.fgv.br/novidades/pdf/D02P01A01.ppt. Acessado em 29/05/2007
Brasil. Lei Nº 11.097 de 13/01/2005. Dispõe sobre a introdução do biodiesel na matriz
energética brasileira; altera as Leis nºs 9.478, de 6 de agosto de 1997, 9.847, de 26 de outubro
de 1999 e 10.636, de 30 de dezembro de 2002; e dá outras providências.
COSTA, J. B.; OLIVEIRA, S. M. M. Produção de Biodiesel, 2006 – Instituto de Tecnologia
do Paraná
DABDOUB, M.J. Por Um Biodiesel Com Identidade Brasileira, 2003 – Disponível em: www.camara.gov.br/internet/comissao/index/perm/capr/CAPR_BIOUSP.pdf . Acessado em: 25/05/2007
Instituto de Tecnologia do Paraná. O Biodiesel, 2004, ed 003 – Disponível em:
www.tecpar.br/cerbio/biodiesel/Ed_003.pdf. Acessado em: 30/04/2007
STERN, N. Stern Review: The Economics of Climate Change 2006 – Disponível em:
http://www.hm-
treasury.gov.uk/independent_reviews/stern_review_economics_climate_change/stern_review
_report.cfm. Acessado em: 26/04/2007.