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Analises toxicolgicas e a questo tica Silvia O. S. Cazenave, Alice A. da Matta Chasin

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ANALISES TOXICOLGICAS E A QUESTO TICA Silvia O. S. Cazenave, Alice A. da Matta Chasin

RESUMO Os discursos a respeito da problemtica de drogas so carregados de represso, de intolerncia e de idias pr-concebidas a respeito das substncias ilcitas, mesmo quando esse discurso se camufla de projetos de preveno ou ainda, destacando as questes mdicas e de sade. O uso de substncias psicoativas (SPA) deve ser trabalhado sob o olhar da tica e no sob o olhar da moral, o que parece no corresponder verdade, visto que os projetos, trabalhos de pesquisa e aes polticas so muitas vezes apenas fundamentados em conhecimentos tcnicos e arraigados em conceitos e valores morais. Atualmente parece existir uma tendncia equivocada de considerar que os exames de triagem, para detectar usurios de drogas em escolas ou locais de trabalho, como mtodo de preveno ao uso ilcito de diversas substncias. Tal prtica do ponto de vista tico abominvel e desvirtua qualquer possibilidade de preveno possvel. A anlise de drogas de abuso fora do contexto mdico-legal e principalmente daquelas ilcitas, em urina ou qualquer outro material biolgico para verificao de uso de SPA pode trazer transtornos de toda espcie, que podero se refletir na formao desses cidados submetidos ao exame. Palavras chaves: Drogas, anlise toxicolgica, tica

DEPENDENCIA E PREVENO A mudana do estado de conscincia constitui comportamento inerente ao ser humano intensificado pelo uso voluntrio de substncias psicoativas (SPA). Sua discusso, porquanto atemporal, se atm aos princpios de cada poca mormente no que tange ao tipo diagnstico que se estabelece. Embora desde 1981 a OMS tenha emitido um Memorandum de experts sobre dependncia (Edwards, 1981), at hoje os conceitos propostos no foram incorporados pela maioria dos profissionais que atuam nesta. Este documento coloca a dependncia (farmacodependncia ou dependncia qumica) como uma sndrome (portanto com conotao de doena) onde o comportamento de busca prioritrio sobre todos os outros. Dado que vrias das substncias usadas para este fim so ilcitas de acordo com a legislao que versa sobre a questo das substncias psicotrpicas, cuja comercializao e fiscalizao so objeto da Legislao sobre drogas vigente no pas (constantes das listas da Portaria 344/98)

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(BRASIL,1998), remete-se freqentemente questo sobre o direito do uso e, infelizmente, os discursos a respeito da problemtica de drogas so carregados de represso, de intolerncia e de idias pr-concebidas a respeito das substncias ilcitas, mesmo quando esse discurso se camufla de projetos de preveno ou ainda, destacando as questes mdicas, de sade. Ao se questionar o direito de uso, vrias questes emergem : 1- A discusso sob o ponto de vista tico e no moral. Como muitas pessoas no fazem a valiosa distino entre estes dois conceitos tica e moral, apenas considera-se as diferenas entre as condutas que aprovamos ou desaprovamos na sociedade, entre o certo e o errado. Essa abordagem no tem pretenses filosficas, mas encerra preocupao e o compromisso com a situao em que a dvida sobre o comportamento mantm algumas questes a serem esclarecidas. Se a diferena entre tica e moral determinada pelas escolhas individuais, pelo carter no primeiro caso e pelos costumes ou pelos modos da maioria, no segundo, h nisso uma grande carga de inconsciente. Pode-se estar dando vazo a preconceitos, ou interesses econmicos, ou ainda a questes pessoais. Considerando-se essa carga de inconsciente em nossas aes no podemos saber se h validade em nosso julgamento. Poderamos ento pensar que esse julgamento apenas uma extrapolao de nossos preconceitos (RIOS, 1996). As provocaes contidas nessas questes alertam a olhar de uma maneira nova para uma realidade que j supostamente conhecamos antes. Muitas vezes uma nica pergunta, basta para que o problema seja encarado sob outra perspectiva. Devemos ser capazes de duvidar dos preconceitos que nos foram incutidos para que no estejamos declarando normas universais as quais no podemos garantir que sejam para o bem comum (RIOS,1996). Assim como tantos outros temas de fundamental relevncia, o uso de SPA deve ser trabalhado sob o olhar da tica e no sob o olhar da moral, o que parece no corresponder verdade, visto que os projetos, trabalhos de pesquisa e aes polticas so muitas vezes apenas fundamentados em conhecimentos tcnicos e arraigados em conceitos e valores morais. 2- Os mecanismos sociais para o controle do uso de substncias que possam trazer prejuzo s regras sociais de convivncia. Em contrapartida, hoje parece haver um excessivo resgate sobre o uso da TICA, palavra politicamente correta que tem servido aos mais distintos interesses e no usada em sua real essncia e significado sendo banalizada em pr de interesses diversos. Atualmente exige-se cada vez mais uma atitude tica e tanto o setor pblico como o privado criam seus prprios cdigos e probem diversas condutas consideradas imprprias. Porm o cumprimento destes cdigos ocorre devido ao temor em relao s conseqncias e no a estrutura de

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valores que dirige a vida, portanto a ao se for temerosa, no embutida de tica. Neste sentido nos cabe analisar a submisso s anlises de drogas realizadas no ambiente de trabalho. Discutir o uso excessivo ou problemtico de SPA estar diante de problemas no apenas ticos, mas filosficos, epistemolgicos, metodolgicos, polticos, psicolgicos e de uma questo fundamental ligada investigao cientfica em prol da sociedade, pelo bem comum. Reconhece-se que, na atual crise em que est imersa a sociedade brasileira, na qual so flagrantes as desigualdades sociais, o acesso cidadania no se d de forma equnime. O compromisso deve ser algo que d idia de associao, de coletividade, rompendo com a idia dominante do pensamento burgus que a de individualismo. Deve-se ver portanto o significado desse compromisso com clareza, abrangncia e profundidade, com equilbrio fundamentado na tica. Quando se coloca em pauta o compromisso com a sociedade nos referimos no somente s competncias tcnicas, mas tambm polticas ( RIOS, 1995) Muitas vezes as aes sugeridas como projetos preventivos, nas quais est implcito a abstinncia completa de consumo de SPA so muitas vezes tecnicamente recomendveis, de alta tecnologia, elevada eficcia, porm podero servir aos mais diversos interesses polticos e em diferentes castas sociais, mas no serviro necessariamente para minimizar o uso problemtico de SPA ou sequer para prevenir a experimentao ou uso. As diferenas sociais refletem-se tambm como respostas distintas ao uso abusivo de substncias qumicas, no que diz respeito ao vnculo entre o grupo social e as atitudes de condescendncia ou no da prpria comunidade, porm inegvel que ocorre em qualquer classe social, cultural e econmica (ANDRADE, 1997). A preveno contra o uso de drogas tem sido assunto de destaque e so inmeros os projetos de instituies governamentais ou privadas com essa finalidade. Campanhas educativas, de informao, tm sido veiculadas em todo o pas, mas seu contedo , na maioria das vezes, questionvel no que diz respeito qualidade de informao, assim como em seu discurso na maioria das vezes preconceituoso e embutido de represso, tendo a interdio de consumo como o projeto de preveno em si, confundindo muito mais do que esclarecendo. A preveno classificada de acordo com seus objetivos em primria, secundria e terciria, cada uma delas contendo aspectos prprios e exigindo, para sua aplicao, um diagnstico prvio dos hbitos de consumo de drogas da populao alvo. Prevenir significa exercer uma ao anterior ao acontecimento. Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), a preveno primria passa por uma opo voluntria. Trata-se de prevenir a prpria

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experincia de forma radical. A preveno primria do uso de drogas tem como objetivo a abstinncia. Sugere-se que um programa de preveno deva ter duas vertentes, uma dirigida pessoa que usa SPA, evitando o uso experimental, abuso e dependncia e outra dirigida aos pais e professores. De acordo com CARLINI et al. (1990), deve-se evitar alardes exagerados em relao experimentao de drogas, encarando-se este tipo de uso como fato relativamente comum da adolescncia e no como o primeiro passo para um caminho sem volta. Existem basicamente trs propostas distintas de linhas de atuao: o aumento do controle social, o oferecimento de alternativas e a educao, sendo a ltima linha desenvolvida a partir de seis modelos: do princpio moral, do amedrontamento, da informao cientfica, da educao afetiva, do estilo de vida saudvel e o da presso positiva de grupo. Cada uma destas propostas apresenta pressupostos tericos e filosficos distintos e eficcia diferenciada, e poucos com comprovao documentada de efetividade (CARLINI COTRIN, 1989) Nas aes educativas fala-se, predominantemente, da ao dos produtos psicoativos no sistema nervoso central, subliminar ou explicitamente reduzindo a experincia a uma questo biolgica, qumica, que aconteceria em um organismo igual para todos. Este enfoque dado sobre a substncia psicoativa, principalmente reforando a substncia ilcita, restringe qualquer programa que possa orientar adequadamente a relao entre o indivduo e o uso, pois somente destaca a relao indivduo/droga. Certamente este estreitamento conceitual, conduziu durante dcadas e ainda conduz as polticas pblicas sobre drogas, atravs do combate/guerra, da abstinncia das substncias ilcitas e portanto fadado ao insucesso. Outros projetos, auto denominados de preventivos, tm desenvolvido o controle do uso de drogas atravs da anlise obrigatria de urina, como j adotado por algumas empresas. Esse mtodo de triagem previamente conhecido pelos funcionrios na sua admisso, os quais devero concordar com as condies estabelecidas pela empresa. Situao j exposta anteriormente no que diz respeito submisso dos trabalhadores. Aps os resultados da triagem, realizada rotineiramente para todos os funcionrios, prope-se o encaminhamento para tratamento daqueles indivduos em que foi constatado o resultado positivo. A mesma metodologia, supostamente, poderia ser desenvolvida com estudantes e j foi proposta como projeto de lei em diversos estados, no entanto esse

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procedimento no poderia sequer ser cogitado considerando-se as conseqncias negativas a que os estudantes estariam sujeitos. Primeiramente devemos destacar que para que se possam lograr resultados positivos com a realizao de projetos de preveno aos danos produzidos no consumo de SPA, h necessidade de conhecermos o universo populacional que se pretende atingir. A epidemiologia estuda os padres de ocorrncia de doenas na populao e a cincia bsica da preveno no que se refere ao uso de SPA. Os estudos epidemiolgicos permitem relacionar prevalncia, incidncia e distribuio do uso, quer sejam vinculados a micropopulaes, assim como a macropopulaes, com estudos municipais, estaduais, regionais, nacionais ou internacionais (Kozel, 1990). No que diz respeito s drogas ilicitas e frente aos fatores que interferem na dependncia, a adaptao do modelo epidemiolgico deve ser realizada com cautela. Diferentes grupos populacionais, diversos tipos e disponibilidade de drogas, freqncia de uso variveis e aspectos culturais das populaes analisadas so limitaes que devem ser reconhecidas (Kozel, 1990). H muito que se discutir sobre os modelos propostos, mas faltam ainda dados a respeito no Brasil. A maioria dos dados est concentrada na rea de cincias mdicas (epidemiologia, psiquiatria, medicina, toxicologia...) ou na rea de direito (criminal, penal). Os dados referentes rea de educao so essenciais (CAZENAVE, 1998). Atualmente parece existir uma tendncia equivocada de considerar que os exames de triagem, para detectar usurios de drogas em escolas ou locais de trabalho, como mtodo de preveno ao uso ilcito de diversas substncias. Tal prtica do ponto de vista tico abominvel e desvirtua qualquer possibilidade de preveno possvel. importante frisar que sob aspecto tico, legal e social, tais projetos no devem ser implantados e as propostas j existentes de implantao devem ser amplamente discutidas. No entanto, importante avaliar tecnicamente os mtodos utilizados na determinao de drogas em material biolgico, para que possamos compreender ainda que outras conseqncias podero emergir dos resultados destas anlises.

AS ANLISES TOXICOLGICAS

As substncias qumicas quando introduzidas no organismo so geralmente biotransformadas em diversos compostos, mais hidrossolveis e que so eliminados pela urina, saliva, suor e podem inclusive ser detectados no cabelo.

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As anlises toxicolgicas so usadas na identificao e quantificao de agentes txicos para diversas finalidades. A mais conhecida e utilizada por sculos e da ser a mais aceita a finalidade mdico-legal em material biolgico ou em diversos outros materiais como gua, alimentos, medicamentos, drogas, etc envolvidas em ocorrncias policiais/legais. Uma outra aplicao das anlises toxicolgicas se refere ao controle de farmacodependncia ou dependncia qumica no ambiente ocupacional, ressaltando-se principalmente a vigilncia de condutores de transporte coletivos. O diagnstico laboratorial da intoxicao, seja ela aguda ou crnica, representa uma importante ferramenta para o mdico no que se refere ao tratamento bem como no acompanhamento do paciente intoxicado ou ainda no estabelecimento do risco (CAZENAVE, 1998). As anlises Toxicolgicas apresentam, portanto, importncia crucial na materializao do crime e no auxlio-diagnstico das intoxicaes nas diferentes reas da Toxicologia. Evidencia-se assim a importncia de reconhecer os aspectos analticos que envolvem estas anlises que, por se revestirem de caractersticas prprias, apresentam como pressuposto o carter inequvoco da informao. Um resultado analtico para ser inequvoco precisa ser gerado em nvel de excelncia e, para tanto os preceitos da Segurana (Garantia) da Qualidade Analtica devem ser observados. Envolvem os procedimentos e processos administrativos e tcnicos que controlam a qualidade dos resultados provenientes dos ensaios realizados no Laboratrio e que tornam possvel decidir sobre a confiabilidade dos resultados (CHASIN, 2001). A deteco de uma SPA deve ser feita atravs de mtodos de triagem e confirmada por tcnica diferente daquela utilizada na triagem. H vrios preceitos a serem observados nos mtodos confirmatrios e ainda que o uso de espectrmetro de massas seja considerado de eleio, por suas caractersticas de elucidar a estrutura da molcula, outros podem ser utilizados. De maneira geral preconiza-se que o mtodo de confirmao deve ser mais especfico e apresentar limite de deteco menor que o teste de triagem, para o alvo analtico(SAMHSA, 1994; SOFT/AAFS, 2002). No observar estes pressupostos pode configurar um crime de direitos humanos pois no se observaria a mxima do direito do "in dubio pro ru" (em dvida, a favor do ru). Os mtodos analticos mais utilizados com essa finalidade, de identificar os produtos eliminados so: 1) Cromatografia em camada delgada de alto desempenho (CCDAD) 2) Tcnicas de imunoensaio (RIA)

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3) Imunofluorescncia polarizada (IFP) 4) Cromatografia gasosa (CG) 5) Cromatografia gasosa ou lquida de alto desempenho acopladas espectrometria de massas (CG/MS ou HPLC/MS, respectivamente) Assim podem ser usados mtodos que utilizam a tcnica de cromatografia em camada delgada em vrias de suas modificaes; cromatografia em fase gasosa com vrios tipos de detectores como por exemplo, o de captura de eltrons (ECD), o de ionizao em chamas (FID) e o de Nitrognio e Fsforo (NPD) e cromatografia lquida de alta performance (HPLC). As tcnicas de CG/MS e HPLC/MS so as de eleio como de confirmao, independentemente da matriz biolgica enfocada, dada sua especificidade e, via de regra so as de referncia, considerada como sendo 100% especfica. A combinao entre a tcnica de imunoensaio para triagem e CG/MS para confirmao a mais freqentemente encontrada na literatura como sendo as de triagem e confirmao, respectivamente (CODY & FOLTZ, 1995) . Se no houver a possibilidade de se utilizar mtodos que utilizem CG/MS, outros podem ser empregados, desde que devidamente validados quanto aos seus parmetros de segurana analtica (CHASIN, 2001). Os mtodos de triagem so apenas qualitativos ou semi- quantitativos. Sobre esses cabe fazermos algumas consideraes: As drogas ou seus produtos de biotransformao so analisados separadamente em funo de suas caractersticas qumicas, ou seja, uma amostra de urina deve ser processada para cocana, para THC, para anfetamnicos, barbitricos, opiceos, etanol. O tempo entre a ltima utilizao da droga e a anlise determinante para obteno de um resultado positivo ou negativo.. No h possibilidade de separao entre as freqncias de uso e o resultado da anlise, mesmo sendo uma avaliao quantitativa. No podendo ser determinado o grau de intensidade do uso ou se estabelecer um diagnstico de dependncia

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A anlise deve ser realizada por profissional especializado e tecnicamente treinado para manipulao dos equipamentos Devido ao tempo gasto para realizao de algumas anlises e ao seu alto custo, o mtodo mais utilizado para triagem de uso de drogas tem sido o de imunoensaio, principalmente com a tcnica de imunofluorescncia polarizada (IFP). O fundamento do mtodo IFP a reao antgeno/anticorpo, sobre a qual so analisados dois importantes parmetros: a constante de equilbrio e a capacidade combinante da reao antgeno/anticorpo. Em funo desta tcnica devemos considerar: 1) Os interferentes das amostras biolgicas limitam a sensibilidade prtica desta tcnica. Isso se deve fluorescncia de compostos endgenos, ou de outras substncias existentes na amostra. 2) Molculas maiores como as molculas de protenas podem causar espalhamento de luz, alterando os resultados. Assim seria necessria a execuo de anlise de um branco da amostra de urina, sem a adio de reagente, para avaliao e desconto desta fluorescncia intrnseca. 3) Reaes cruzadas so passveis de acontecer, relacionadas s caractersticas do anticorpo, porm gerando interpretao equivocada dos resultados. 4) Os resultados das anlises so emitidos no em valor de concentrao e, sim, como positivos ou negativos. Isso significa que pode ser adotado um valor de cutoff, por exemplo, para as anlises de maconha esse valor de 50 ng/ml. Abaixo do valor o resultado considerado negativo e acima o resultado positivo. 5) O valor de cutoff pode ser modificado de acordo com a finalidade da anlise, ou seja, seguindo o exemplo acima, alguns autores adotam, para verificao de uso de maconha, um cutoff de 20ng/ml, sendo este critrio fundamental para emisso do resultado. 6) Alguns mtodos que utilizam tcnica de IFP sofrem interferncia de tcnicas de execuo como por exemplo a pipetagem, a qual crtica devido sensibilidade do mtodo, produzindo uma variao de resultados dentro da

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faixa de impreciso do mesmo. O uso de pipetas automticas de baixa qualidade produziu variaes de at 40% nos valores de milipolarizao para uma mesma amostra. Considerando todas as caractersticas analisadas e por ser uma tcnica de triagem, pouco recomendvel em um programa com finalidade de deteco de substncias na urina com o propsito de preveno. Existe possibilidade de reaes falso positivas como j constatado em trabalhos cientficos, por isso, todos os resultados positivos devem ser obrigatoriamente confirmados por CG/MS o HPLC/MS o que aumenta ainda mais o custo das anlises podemos considerar conhecimento Alm da observncia destes preceitos: anlises de triagem (presuntivas) e de confirmao h vrios sistemas de qualidade laboratorial que devem ser aplicados aos Laboratrios de Toxicologia que pretendam realizar estas anlises com competncia e nos nveis de excelncia exigidos e aceitos pela comunidade cientfica. Como exemplo citamos como as Boas Prticas de Laboratrio - BPL e a ISO GUIA-25, entre outros. H ainda aqueles que so utilizados especificamente em laboratrios de Toxicologia Forense como por exemplo o utilizado no NIDA (SAMHSA, 2003) ou o preconizado pela United Nations International Drug Control Programm (UNDCP, 1995) ou pela Sociedade de Toxicologia Forense - SOFT (Society of Forence Toxicologists) e a Academia Americana de Cincias Forenses - AAFS (American Academy of Forensic Sciences) (SOFT/AAFS) . Especificamente para laboratrios que realizam anlises toxicolgicas com finalidade forense em materiais biolgicos de indivduos vivos ou matrizes post mortem, o SOFT/AAFS - publicaram a primeira diretriz (Guidelines) em 1991, e atualizaes em 1998, 2000 e 2002. Estas diretrizes, semelhana de outras que tratam do mesmo tema (CHEN et al., 1990), expressam que na busca do reconhecimento formal da competncia dos laboratrios e na realizao de ensaios utilizados em toxicologia forense importante sejam observados todos os preceitos da qualidade, inclusive a realizao de Ensaios de Proficincia por comparaes interlaboratoriais e a implementao de diretrizes, em conformidade com as modernas prticas e exigncias preconizadas por normas internacionalmente consensadas. Estas diretrizes contemplam aspectos de toxicocintica (movimento da substncia no organismo, produtos de biotransformao encontrados, parmetros farmacocinticos a serem considerados nas interpretaes do achado, etc) e de farmacodinmica (mecanismos de ao). Apenas com esta prtica realizada pode-se inferir sobre caractersticas do uso e mais, inferncias sobre a eventual utilizao.

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Dentre outras verificaes estes sistemas contemplam anlises para verificar se o material est preservado e se as anlises apresentam especificidade, preciso e exatido suficientes para embasar a emisso dos resultados. Estas anlises, alm de realizadas em material biolgico, so realizadas tambm no ambiente mdico-legal para caracterizao das substncia apreendidas pelo aparato policial. Nos laboratrios que analisam as substncias psicoativas ou seja aquelas realizadas nos produtos relacionados com Lei de drogas (Lei n 11.343, de 23 de agosto de 2006) (BRASIL,2006) estes podem ser na forma de vegetais, ps, ampolas, seringas com lquidos, etc. Os mais freqentemente encontrados so: maconha, crack/cocana, Ecstasy, dentre as substncias proscritas e, artane, ciclopentolato, dietilpropiona, etc dentre aqueles cuja comercializao sujeita fiscalizao. Neste caso, realiza-se no s a caracterizao do princpio ativo como tambm a caracterizao de adulterantes que compem as chamadas drogas de rua. Dentre os adulterantes mais comumente encontrados na droga de rua, no caso do crack/cocana encontram-se os anestsicos locais (benzocana, procana, tetracana, bupivacana, etidocana, lidocana, mepivacana, dibucana, prilocaina), estimulantes (cafena, teofilina, ergotamina, estricnina, efedrina, fenilpropanolamina, metilfenidato e anfetamina) e piracetam; quanto aos diluentes, citam-se a glicose, lactose, sacarose, manitol, amido, talco, carbonatos, sulfatos e cido brico. Resultados obtidos em anlises de amostras apreendidas na regio metropolitana de So Paulo em 1997 indicaram em 70% destas teores de 20 a 55% de cocana no p, no havendo ocorrncia de amostra com porcentagem acima de 70. O crack apresenta bicarbonato de sdio como o adulterante mais comum e os teores de COC nesta forma variam de 35 a 99%, dependendo do processo de obteno (CHASIN & SILVA, 2003). Dentre os principais adulterantes (substncias adicionadas para mimetizar os efeitos estimulantes do MDMA) presentes nos comprimidos esto a MDEA, MDA, PMA (parametoxianfetamina), efedrina, cafena, dextrometorfano, cetamina, dentre outras substncias (COSTA, 2004). H tambm indicao da presena de adulterante em programas por vezes considerados de reduo de danos como o caso de verificao da presena de paraquat e glifosato na maconha comercializada. Trata-se de produtos com alta toxicidade e sua inalao/ingesto configura-se grave problema de sade pblica (LANARO, 2006).

CONSIDERAES FINAIS A anlise de drogas de abuso fora do contexto mdico-legal e principalmente aquelas ilcitas em urina ou qualquer outro material biolgico para verificao de uso de SPA pode trazer transtornos de toda espcie, que podero se refletir na formao desses cidados

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submetidos ao exame. A forma de tratamento dada a eles de desconfiana e pode gerar mais insegurana para aqueles que sejam consumidores, o que no possibilitaria uma atitude positiva nos mesmos. Para que haja de fato uma poltica sobre drogas, necessrio, em primeiro lugar, garantir uma educao para a vida e para a cidadania, onde todas as questes que afetem diretamente a vida dos alunos, neste caso, seja trazida para o trabalho pedaggico de cada sala de aula. Como dizia Paulo Freire, a educao que viabiliza a interveno sobre a realidade condicionadora e nesse sentido que se enfatiza a discusso como o caminho adequado para modificar o quadro atual sobre o problema de consumo de SPA. Um projeto de educao que tem por objetivos a autonomia e o dilogo, baseado na necessria orientao e na ajuda dispensadas aos sujeitos, no processo de passagem para a vida adulta. Desta forma, est se buscando uma abordagem geral e equilibrada, uma vez que se trata de um tema de carter amplo, biopsicossocial. Este olhar crtico lanado sobre a moralidade faz recompor o quadro do dever, modificar as leis, regras e normas codificadas pela moral e assumir seu papel social com responsabilidade.

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Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, vol.2, n2, jun, 2009.

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