[artigo] a formação profissional do as no brasil

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XV Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO BRASIL: um estudo de suas tendências históricas Severina Irene Tomaz Ferreira 1 , Dalliana Grisi Ferreira Brito 2 , Débora Suelle Marcelino de Miranda 3 1 Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Serviço Social, [email protected] 2 Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Serviço Social, [email protected] 3 Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Serviço Social, [email protected] Resumo- Este trabalho tem por objetivo é refletir sobre a formação profissional em Serviço Social resgatando as tendências que marcaram o processo formativo da profissão a partir de sua inserção na realidade social. Assim, é no binômio profissão/realidade que tal estudo se fundamenta. As reflexões que dão forma ao nosso trabalho são resultado de uma pesquisa bibliográfica realizada no curso de Mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba, no início do ano corrente, buscando contribuir para qualificar o debate em torno da temática, resguardando a herança cultural gerada no interior da profissão em sua relação com a realidade social na particularidade brasileira. Palavras-chave: Formação profissional, Serviço Social, realidade social Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas Introdução O objetivo desse trabalho é discutir a formação profissional em Serviço Social a partir de seus elementos conceituais, históricos e ídeo- teórios, no sentido de refletir sobre sua processualidade e a importância que assume no interior da profissão em tela, constituindo-se enquanto dimensão que contribui decisivamente para a construção da cultura profissional, bem como para a manutenção da própria legitimidade social da profissional, haja vista que segundo Netto (2009) a formação profissional se constitui em espaço de reprodução da profissão. Nessa perspectiva a análise da formação profissional dos assistentes sociais no Brasil, não pode ser procedida sem que se leve em consideração a relação dialética entre realidade e profissão 1 , buscando-se através da perspectiva de totalidade, apreender os elementos essenciais que dão forma ao processo de formação para exercício da profissão no Brasil. 1 Nesse sentido, é importante assinalar que há uma relação dialética e contraditória na forma como a profissão insere-se na dinâmica da realidade social, conforme Netto (1996, p. 89) “as profissões não podem ser tomadas apenas como resultado dos processos sociais macroscópicos – devem também ser tratadas como corpus teóricos e práticos que, condensando projetos sociais (...) articulam respostas aos mesmos processos sociais” (grifos do autor). Nesse sentido é importante assinalar, que demarcada a complexidade que envolve a formação do assistente social, complexidade que envolve o próprio objeto profissional, conforme Pontes (2008), constituindo-se numa síntese de múltiplas determinações, buscaremos sinalizar as tendências que se esboçaram em seu desenvolvimento histórico na sociedade brasileira. Destarte, nossos apontamentos partirão das reflexões produzidas por autores de reconhecimento nacional na área, tais como José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Ozanira Silva e Silva, dentre outros, buscando-se captar de seus estudos históricos as indicações necessárias para a apreensão do processo de formação profissional em sua historicidade. Metodologia Para o estudo em tela optamos pelo método materialista-dialético como perspectiva de análise da realidade social, pois compreendemos que o mesmo possibilita a apreensão dos fenômenos em sua totalidade, em seu movimento, captando a dinâmica e a constituição histórica do objeto. Tal estudo pode ser classificado como exploratório em cujo delineamento se procedeu à pesuisa bibliográfica, de acordo com as indicações de Gil (2002), buscando captar em estudos primários realizados sobre a temática, assinalados na literatura especializada, os elementos necessários à consturção de nossas reflexões. Os autores que apontamos acima realizaram estudos sobre a formação profissional em seus

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XV Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e XI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba

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A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO BRA SIL: um estudo de

suas tendências históricas

Severina Irene Tomaz Ferreira 1, Dalliana Grisi Ferreira Brito 2, Débora Suelle Marcelino de Miranda 3

1Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Serviço Social, [email protected]

2 Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Serviço Social, [email protected] 3 Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Serviço Social, [email protected]

Resumo- Este trabalho tem por objetivo é refletir sobre a formação profissional em Serviço Social resgatando as tendências que marcaram o processo formativo da profissão a partir de sua inserção na realidade social. Assim, é no binômio profissão/realidade que tal estudo se fundamenta. As reflexões que dão forma ao nosso trabalho são resultado de uma pesquisa bibliográfica realizada no curso de Mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal da Paraíba, no início do ano corrente, buscando contribuir para qualificar o debate em torno da temática, resguardando a herança cultural gerada no interior da profissão em sua relação com a realidade social na particularidade brasileira. Palavras-chave: Formação profissional, Serviço Social, realidade social Área do Conhecimento: Ciências Sociais Aplicadas Introdução

O objetivo desse trabalho é discutir a formação profissional em Serviço Social a partir de seus elementos conceituais, históricos e ídeo-teórios, no sentido de refletir sobre sua processualidade e a importância que assume no interior da profissão em tela, constituindo-se enquanto dimensão que contribui decisivamente para a construção da cultura profissional, bem como para a manutenção da própria legitimidade social da profissional, haja vista que segundo Netto (2009) a formação profissional se constitui em espaço de reprodução da profissão. Nessa perspectiva a análise da formação profissional dos assistentes sociais no Brasil, não pode ser procedida sem que se leve em consideração a relação dialética entre realidade e profissão1, buscando-se através da perspectiva de totalidade, apreender os elementos essenciais que dão forma ao processo de formação para exercício da profissão no Brasil. 1 Nesse sentido, é importante assinalar que há uma relação dialética e contraditória na forma como a profissão insere-se na dinâmica da realidade social, conforme Netto (1996, p. 89) “as profissões não podem ser tomadas apenas como resultado dos processos sociais macroscópicos – devem também ser tratadas como corpus teóricos e práticos que, condensando projetos sociais (...) articulam respostas aos mesmos processos sociais” (grifos do autor).

Nesse sentido é importante assinalar, que demarcada a complexidade que envolve a formação do assistente social, complexidade que envolve o próprio objeto profissional, conforme Pontes (2008), constituindo-se numa síntese de múltiplas determinações, buscaremos sinalizar as tendências que se esboçaram em seu desenvolvimento histórico na sociedade brasileira. Destarte, nossos apontamentos partirão das reflexões produzidas por autores de reconhecimento nacional na área, tais como José Paulo Netto, Marilda Iamamoto, Ozanira Silva e Silva, dentre outros, buscando-se captar de seus estudos históricos as indicações necessárias para a apreensão do processo de formação profissional em sua historicidade. Metodologia

Para o estudo em tela optamos pelo método materialista-dialético como perspectiva de análise da realidade social, pois compreendemos que o mesmo possibilita a apreensão dos fenômenos em sua totalidade, em seu movimento, captando a dinâmica e a constituição histórica do objeto.

Tal estudo pode ser classificado como exploratório em cujo delineamento se procedeu à pesuisa bibliográfica, de acordo com as indicações de Gil (2002), buscando captar em estudos primários realizados sobre a temática, assinalados na literatura especializada, os elementos necessários à consturção de nossas reflexões.

Os autores que apontamos acima realizaram estudos sobre a formação profissional em seus

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diferentes contextos, assim, nosso objetivo é analisar tal processo capatando os elementos históricos que marcam sua gênese e desenvolvimento ate os dias atuais. Resultados

Ao falarmos em formação profissional não estamos nos restringindo ao ensino em Serviço Social tão somente. A formação profissional é “um processo contínuo e inacabado de auto-qualificação, de educação permanente, de construção de saberes mediatizados pela prática social, na qual se insere a prática profissional” (PINTO, 1997, p. 46).

Destarte, a formação profissional em sentido amplo não se restringe ao ensino em Serviço Social, ao âmbito acadêmico, embora nesse espaço se dê inicialmente a preparação para o exercício profissional, mas expressa a direção social, teórico-metodológica e ética que deve nortear o processo sempre contínuo de qualificação para o exercício da profissão, envolvendo, portanto, as outras dimensões que a compõem como as dimensões interventiva e político-organizativa.

Destarte, a partir da relação dialética realidade-profissão a formação profissional deve ser compreendida como um processo mais amplo,

um processo dialético, portanto aberto, dinâmico e permanente, incorporando as contradições decorrentes da inserção da profissão na sociedade, o que implica a necessidade de acompanhar a dinâmica da realidade e da própria profissão, procurando identificar, de que forma a realidade social inflexiona a prática profissional (SILVA E SILVA, 1984,p.73).

Partindo dessa compreensão pode-se apreender o processo de formação em sua historicidade e em sua concretude, apreendendo-a numa perspectiva de totalidade iluminando a apreensão das particularidades de que se revestiu ao longo do desenvolvimento histórico da profissão na realidade brasileira. As análises dos autores apontados acima nos levam a apreender o processo de formação do Assistente Social no Brasil a partir de quatro momentos, que apenas se demarcam para efeito de análise, os quais descreveremos abaixo. 1. A tendência doutrinária: gênese do processo de formação do Serviço Social brasileiro.

O processo de profissionalização do Serviço Social está inscrito, conforme Netto (2009), na dinâmica da sociedade burguesa sob a hegemonia do capitalismo monopolista a partir das estratégias criadas no âmbito do Estado burguês para o enfrentamento da questão social. Assim, a profissão surge a partir de demandas sociais criadas pelas necessidades engendradas pelo processo de produção e reprodução das relações sociais. Partindo dessa perspectiva, o Serviço Social emerge no Brasil a partir das transformações sociais, econômicas, políticas e culturais em meados da década de 1930, transformações decorrentes da perda de hegemonia do modelo agro-exortador, que sustentava relações sociais baseadas no escravismo, e a ascensão do modelo industrial, que apontava para relações sociais capitalistas baseadas no assalariamento.

É importante destacar que a emersão do Serviço Social no Brasil está vinculada à Igreja Católica, através de seu apostolado laico, essa é uma mediação fundamentação para a apreensão da profissão no contexto nacional e que marca, articulada a sua vinculação à classe dominante o caráter conservador que revestiu hegemonicamente a profissão até as décadas de 1970 /1980.

O Centro de Estudo e Ação Social (CEAS) fundado pela Igreja Católica brasileira em 1932 é considerado, segundo Iamamoto e Carvalho (2003) como a manifestação original do Serviço Social no Brasil, surgindo para promover maior efetividade e rendimento às iniciativas das obras filantrópicas promovidas por representantes das classes dominantes de São Paulo. A partir das atividades do Centro eram desenvolvidas ações com aos “carentes” e especificamente junto ao proletariado, buscando-se afastá-lo de “influências subversivas”. A partir das atividades de formação do CEAS que é fundada a primeira escola de Serviço Social no Brasil em 1936, a Escola de Serviço Social de São Paulo, seguida pela do Rio de Janeiro em 1937, a qual além das demandas por formação,originadas da Igreja Católica, também começou a atender as demandas de formação técnica para atender à determinadas instituições estatais, pois o Estado passou a incorporar quadros de pessoal do CEAS para ocupar algumas instituições estatais2. 2 Iamamoto e Carvalho (2003, p. 174) indicam que a partir da apresentação do memorial do CEAS ao Estado “foram criados por este alguns cargos de fiscais femininos para o trabalho de mulheres e menores no Departamento Estadual de Trabalho”

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Dessa forma Iamamoto e Carvalho (2003) assinalam que a primeira escola de Serviço Social não surgiu apenas por iniciativa do movimento Católico laico, mas da demanda criada pelas próprias necessidades geradas pelas requisições do Estado. Nessa trilha a formação profissional do Assistente social sob a influência da Igreja Católica tem sua base no doutrinarismo e na moral, alicerçada no pensamento europeu, através do Modelo franco-belga. Silva e Silva (1984) assinala que tal modelo fundamentava-se numa linha de apostolado do “servir ao outro”, tomando como base o princípio neotomista de salvar corpo e alma. Conforme a autora do surgimento da primeira escola até 1945 a formação profissional era balizada a partir dos eixos: da formação científica, formação técnica, moral e doutrinária e afirma que o modelo franco-belga limitou-se a uma formação essencialmente doutrinária e moral. A partir de meados da década de 1940 a profissão e em conseqüência a formação profissional, sofre as influências do projeto desenvolvimentista que se inicia no país sob a influência dos Estados Unidos da América (EUA). Nesse contexto, os EUA despontavam enquanto potencia econômica mundial, após a Segunda Guerra Mundial, os quais buscavam expandir sua influência poítico-ideológica sobre os países capitalistas periféricos, com destaque para os países latino-americanos. Esse contexto influenciou o Serviço Social brasileiro, em que este aproximando-se do Serviço Social norte-americano, passou a dar ênfase a questão metodológica, buscando metodologias de ação que tornassem a prática profissional mais eficaz. Conforme Silva e Silva (1984), a formação passou a receber às influências da psicologia e da sociologia, a partir da influência teórica do funcionalismo, embora mantivesse os princípios e valores éticos enraizados no neotomismo3. Cabe destacar que a influência das disciplinas apontadas dá-se nesse contexto apenas num nível mais metodológico. A partir dessa interlocução o Serviço Social brasileiro se apropriou das metodologias de Caso, Grupo e Organização de Comunidade e posteriormente, Desenvolvimento de Comunidade. Esse processo impõe a construção de um perfil profissional mais técnico, que dominasse instrumentos e técnicas mais abrangentes e 3 Essa mistura de elementos diversos no interior da profissão, segundo Netto (2009) indica um traço que é constitutivo de sua natureza, o sincretismo, o qual frequentemente se expressa num ecletismo teórico-ideológico.

revestidas de cientificidade, apoiando-se nas Ciências Sociais, sobretudo na sociologia, conforme já apontamos.

Silva e Silva (1984) afirma, que a formação profissional desse período pauta-se na busca do avanço técnico que marca a profissão norteando-se pela necessidade de uma prática profissional eficaz, voltada à integração do indivíduo à sociedade harmônica. 2. O Processo de renovação profissional: novas bases para o processo de formação profissional.

O processo de renovação no Serviço Social no Brasil, apesar das mudanças ocorridas durante o início da década de 1960, só passou a ser efetivamente processado a partir da segunda metade da referida década, com a emergência do processo ditatorial no Brasil, conforme indica Netto (2004). Segundo o autor, o golpe de Abril a partir de uma política modernizadora, embora conservadora impulsionou o desenvolvimento das forças produtivas que moldado pela condição sociopolítica peculiar da ditadura apontou para a hipertrofia da “questão social” sendo administrada de forma crescente por políticas sociais centralizadas pelo Estado ditatorial. No âmbito da formação profissional passou-se a receber requisições de um perfil mais moderno, tecnificado e com traços mais “racionais”. Nesse sentido, Netto (2004) assinala que houve uma “profunda rotação” nos mecanismos vigentes na formação, para a qual contribuíram a ampliação das agências formadoras e a inserção da profissão no circuito universitário4. Destarte, a formação passou a sofrer as inflexões e os condicionamentos da educação superior sob o comando da autocracia burguesa, plasmada, sobretudo, na tecnificação. Outros vetores determinantes para uma mudança na formação, conectados ao que já apontamos: a interação efetiva com as disciplinas vinculadas às Ciências Sociais, a Sociologia, a Psicologia Social e a Antropologia5; o recrutamento de docentes provenientes de uma formação anterior à ditadura ou formados sob o militar-fascismo. Esses vetores, da formação e do âmbito da prática, contribuíram para precipitar um 4 De acordo com o autor até àquele contexto a formação de assistentes sociais dava-se em escolas isoladas e mantidas destacadamente por organizações confeccionais ou laicas, ligadas sobretudo, a Igreja Católica. 5 Netto (2004) aponta que esta interação apesar de ter se esboçado na passagem dos anos 50 aos 60 do século XX, só se concretiza no contexto apontado.

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amplo processo de renovação profissional, para a qual Netto (2004) também destaca a importância do processo de laicização.

No bojo e ao longo desse movimento se gestou a “erosão” e a ruptura com o Serviço Social tradicional, cujo movimento penetrou todas as latitudes onde o Serviço Social se implantava enquanto uma profissão legitimada, a partir do qual se desenvolveu o Movimento de Reconceituação latino-americano, o qual se desenvolveu entre os anos de 1965 a 19756, sendo “congelado” em decorrência dos processos ditatoriais em todo o continente.

No Brasil a Reconceituação se expressou de forma particular, decorrência do contexto sociopolítico que imperava sob a ditadura. Netto (2004) aponta que desenvolveram-se aqui três perspectivas diferentes em termos ideológicos e sustentadas por eixos teórico-metodológicos opostos, quais sejam: a perspectiva de modernização conservadora, a de reatualização do conservadorismo e a perspectiva de intenção de ruptura.

A primeira se expressa tem hegemonia entre 1965 até meados de 1970, a qual apontou um processo de renovação profissional incorporando vetores do desenvolvimentismo, orientando tanto a prática, quanto a formação profissional para uma “modernização”. No âmbito da formação a ênfase foi dada à especialização e ao avanço técnico científico, buscando-se procedimentos metodológicos voltados a uma abordagem macrossocietária, impulsionada sobretudo, a partir da metodologia de ação do desenvolvimento de Comunidade.

A perspectiva de reatualização do conservadorismo, resistindo ao processo de laicizaçao na profissão e privilegiando os componentes conservadores da tradição profissional, legatárias do pensamento católico, orientando as perspectivas interventivas pelo traço microscópico voltado às questões subjetivistas, reivindicando uma renovação a partir da um referencial mais “científico” orientado pela Fenomenologia, o que segundo Netto (2004) apontou apenas para um “verniz” de modernização7.

Entretanto foi com a perspectiva de intenção de ruptura que o Serviço Social no Brasil impulsionou a quebra do monopólio conservador na profissão e pode reorientar a prática e a formação profissional. 6 O marco inicial desse Movimento foi o I Seminário Regional latino-americano de Serviço Social realizado em 1965 em Porto Alegre/RS, Brasil. 7 São expoentes dessa vertente as professoras Creuza Capalbo e Anna Maria Augusta de Almeida.

Esse processo rebateu fortemente sobre a formação profissional, que balizada por uma nova conjuntura sócio-política e econômica impunha novas requisições à profissão em decorrência da reorganização da Sociedade Civil e a redefinição do Estado, em bases mais democráticas sinaliza a construção de uma nova proposta alinhada à nova forma de pensar do Serviço Social, cujos fundamentos deslocaram-se da sociologia positivista e funcionalista para a matriz marxiana.

Essa nova proposta se expressou num movimento de revisão curricular entre os anos de 1978-1979, processo que segundo Carvalho (1984) contou com um dado qualitativamente novo, a participação das unidades de ensino vinculadas a ABESS. No entanto, o novo Currículo Mínimo para os cursos de Serviço Social só foi oficializado pelo Conselho Nacional de Educação em 1982.

A nova proposta defini novos objetivos, conteúdo e função social da formação profissional, “enfatizando sua importância no desenvolvimento de uma prática consciente e conseqüente no interior das relações de classe na sociedade brasileira” (CARVALHO et al, 1984, p. 108-109) e outros elementos do novo projeto profissional, como o Código de ética profissional de 1986, apontavam a busca em atender as demandas atreladas aos interesses das classes subalternas, balizadas por uma orientação ídeo-teórica crítica.

Dessa forma, pode-se perceber um giro no perfil profissional, de um perfil apenas técnico, para um perfil técnico-intelectual (IAMAMOTO, 2000), ou seja, de um profissional que apenas intervinha na realidade para um profissional que deve ser qualificado em termos de competências e habilidades para apreender as relações e os processos sociais que engendram suas demandas profissionais. 3. O quadro atual da formação profissional no Brasil: desafios e perspectivas.

Avançando na consolidação e no aprofundamento da Intenção de ruptura e recebendo os influxos das condições societárias que despontavam no início dos anos de 1990, numa dinâmica de transformações impulsionadas pela crise do capital iniciada em meados de 1970 e que provocou mudanças profundas no mundo do trabalho, no próprio Estado e na esfera da cultura, a profissão passa a realizar um processo de análise e revisão na proposta de formação dos anos 1980, buscando sintonizar a profissão à realidade social, no sentido de uma reorientação no perfil profissional. Esse processo implicou um movimento de auto-crítica expresso no reconhecimento de alguns equívocos e lacunas do projeto de

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formação anterior expressos em três tendências distintas: o teoricismo, o politicismo e o tecnicismo.

A partir de um amplo debate direcionado pela Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social (ABESS), que – que passou em 1996 a ser chamada de Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), gestou-se uma nova proposta de formação que se expressa na Proposta de Currículo Mínimo para os cursos de Serviço Social, trannfomrando-se depois nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Serviço Social8.

Essa proposta, buscou aprofundar a relação com a perspectiva teórico-metodológica fundada na teoria social crítica, aproximando-se sucessivamente de seus fundamentos ontológicos, a partir de suas fontes originais e de autores dessa tradição que resguardam a fidelidade ao método crítico-dialético, Porém, buscou também estabelecer um debate com as outras vertentes do pensamento moderno que cercam o legado histórico da cultura profisisonal.

Reafirma-se e consolida-se a direção social indicada nos anos 1980, avançando no sentido de rumos ético-políticos referenciados na luta pela emancipação humana, pela construção de uma sociedade sem dominação e exploração de qualquer natureza. Defende-se que o processo de formação se fundamente na tese de que “o significado sócio-histórico e ídeo-político do Serviço Social está inscrito no conjunto de práticas sociais que são acionadas pelas classes e mediadas pelo Estado, em face das seqüelas da ‘questão social’ (ABESS, 1996)”, assim a “questão social” passa a ser a base de fundação sócio-histórica da formação.

A pesquisa e a atitude investigativa passam à pressupostos centrais do processo de formação, haja vista que esta deve desenvolver um profissional com um perfil para “atuar nas expressões da “questão social”, formulando e implementando propostas para seu enfrentamento, a partir de uma qualificação intelectual e cultural de cunho generalista. Nesse sentido, a formação deve subsidiar a construção de competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas para que os profissionais tenham a capacidade de se inserirem no conjunto das relações sociais e no mercado de trabalho de forma criativa e propositiva, comprometendo-se com os valores e princípios do código de ética profissional. 8 Somente regulamentadas pelo Ministério da Educação em 2002, num processo de longa tramitação que incorreu em profundos cortes, sobretudo, no que toca aos aspectos de orientação ídeo-teórica. Cf. Iamamoto (2009).

Não obstante, esse projeto de formação, como elemento integrante e materializador do projeto profissional hegemônico na profissão encontra profundos desafios à sua manutenção na cena contemporânea, cena marcada pela exponenciação da reificação e do fetichismo dos processos sociais, conforme assinala Maranhão (2006), abrindo-se precedentes para o surgimento de tendências neo-conservadoras no âmbito das Ciências Sociais e Humanas, carregadas de um “irracionalismo exacerbado”, que funcional ao atual estágio de desenvolvimento da sociedade burguesa, como aponta Santos (2007), passa negar as grandes contribuições do pensamento moderno, sobretudo em sua vertente mais crítica, para a análise da realidade social contemporânea. Essas tendências, expressas no pensamento do movimento “Pós-moderno” rebate no Serviço Social abrindo espaços para a reatualização de posturas que resgatam o passado da profissão, cujos resultados mais marcantes em termos teórico-metodológicos, segundo Santos (2007) são: a volta à endogenia profissional, derivada de uma leitura fragmentada e “epistemologista” da realidade e a velha requisição por modelos de ação profissional tecnicistas condizentes com as requisições imediatas do mercado de trabalho, além de uma ênfase no “micro”. Discussão

A formação profissional, como espaço de reprodução reflete as inflexões que a profissão sofre na sua relação com a dinâmica contraditória das relações entre as classes sociais, mediadas pelo Estado.

Em sentido amplo não se restringe ao ensino em Serviço Social, ao âmbito acadêmico, embora nesse espaço se dê inicialmente a preparação para o exercício profissional, mas expressa a direção social, teórico-metodológica e ética que deve nortear o processo sempre contínuo de qualificação para o exercício da profissão, envolvendo, portanto, as outras dimensões que a compõem como as dimensões interventiva e político-organizativa.

Também não está restrita a mera preparação para a inserção do assistente social no mercado de trabalho, nela rebatendo os elementos éticos e teórico-metodológicos que perpassam os projetos profissionais em disputa constituindo-se enquanto importante espaço de disputa de hegemonia no interior da profissão, em decorrência de ser esta um espaço heterogêneo, em que se expressam diferentes visões de mundo, de homem e de profissão, em que se

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desenvolvem projetos profissionais9 distintos, os quais por sua vez estão vinculados à determinados projetos macrossocietários, conforme indica Netto (2006).

O ensino do Serviço Social, enquanto espaço formativo essencial, reflete as inflexões do quadro de referências que perpassa a formação profissional em seus aspectos mais gerais, a qual como apontamos, sofre as inflexões da relação realidade-profissão, portanto, as diretrizes, os valores, os princípios e a prática didático-pedagógica que balizam o ensino na profissão, materializados nos currículos das unidades de ensino são expressão desse movimento dialético em contextos históricos determinados. Conclusão

Apesar do percurso sintético e em certa medida apenas indicativo da formação profissional do assistente social no Brasil em seu processo de desenvolvimento, reafirmamos a necessidades de tomar essa categoria em termos reflexivos a partir da dialética realidade-sociedade, no sentido de se buscar o aprofundamento das análises necessárias à compreensão desse processo numa perspectiva de totalidade.

Reafirmamos a importância da perspectiva de intenção de ruptura para a relação indicada acima, sobretudo, por ter possibilitado a aproximação da profissão à tradição inaugurada por Marx. Tradição que apresenta o recurso heurístico de apropriação dos fundamentos ontológicos das relações e dos processos que engendram a subordinação e a exploração e uma classe por outra. Destarte, como indica Maranhão (2006) pelos problemas que ainda se interpõem à plena concretização da ruptura com o tradicionalismo na profissão, problemas que colocam desafios à formação profissional, torna-se imprescindível a apropriação cada vez maior dos fundamentos ontológicos da teoria social de Marx, pois embora tenhamos a consciência de não é possível haver um Serviço Social marxista, também entendemos ser possível a construção de práticas críticas e 9 De acordo com Netto (2006, p. 04) “os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as bases das suas relações com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais privadas e públicas”.

consequentes alinhadas com os compromissos dos projetos societários das classes subalternas. Referências ABESS/CEDEPSS. Proposta básica para o projeto de formação profissional. In: Serviço Social e Sociedade . n. 50. ano. XVII, abril, 1996. ____. Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. In: Cadernos ABESS . n. 7. São Paulo: Cortez, 1997. CARVALHO, A. M. P. et al. Projeto de investigação: a formação profissional do assistentes social no Brasil. In: Serviço Social e Sociedade, São Paulo: Cortez, 1984. n. 14. ano. V, abril. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa . 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. IAMAMOTO. M. V. CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 15. ed. São Paulo: Cortez, 2003. MARANHÃO, Cézar. Henrique. Sincretismo, tradição marxista e estratégias de atuação profissional : notas sobre a importância histórico-ontológica dos fundamentos para a ruptura com o conservadorismo no Serviço Social. Recife, 2006. Mímeo. NETTO, J. P. Serviço Social e tradição marxista. In: Serviço Social e Sociedade. n. 30, São Paulo: Cortez, 1989. p. 89-102. ____. Transformações Societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, n. 50. ano, XVII, abril de 1996. p. 87-131. ____. Ditadura e Serviço Social : uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1994. PINTO, R. M. F. Estágio e Supervisão: um desafio teórico-prático do Serviço Social . São Paulo: PUC/NEMESS, 1997. PONTES, R. N. Mediação e Serviço Social . 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008. SANTOS, J. S. Neoconservadorismo pós-moderno e Serviço Social brasileiro . São Paulo: Cortez, 2007. SILVA e SILVA, M. O. Formação profissional do Assistente Social: inserção na realidade social e na dinâmica da profissão . São Paulo: Cortez, 1984.

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