arthritismo · depositar nos tecidos que constituem aquellas. a passagem para os tecidos onde se...

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BIO AHSTO rammiiE ARTHRITISMO E ACÇÃO DO LITHIO SOBRE VIRIAS MANIFESTAÇÕES ARTHRITICAS DISSERTAÇÃO INAUGURAL APRESENTADA A ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO *<8 a)-* PORTO l Rua do Carmo d 1886 3^/r ffd

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B I O AHSTO rammiiE

ARTHRITISMO E ACÇÃO DO LITHIO SOBRE VIRIAS MANIFESTAÇÕES

ARTHRITICAS

DISSERTAÇÃO INAUGURAL

APRESENTADA A

ESCOLA MEDICO-CIRURGICA DO PORTO

*<8 a)-*

PORTO

l — Rua do Carmo — d

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DIRECTOR

y i S C O N D E D E P ^ I V E I R A

SECRETARIO

f v I C A R D O D ' ^ A L M E I D A yFORGE

C O R P O G A T H E D R A T I C O LENTES CATHEDEATICOS

l.a Cadeira — Anatomia descriptiva e •' » r f i ' T>; : , " J o S o Pedira Dias Lebre. ­, Cadeh­a­Physiologia Antonio d'Azevedo Maia. v.." Cadeira —Historia natural dos me­t » „ d ' c a . m e n t 0 »­ Materia medica . . Dr. José Carlos Lopes. *. Cadeira— Pathologla externa e the­5 • C a K i l 0 " « J i r ' 0 . a ' ' • ■ • , • • Antonio Joaquim de Moraes Calda». = «£»;»;'•»—Medicina operatória. . Pedro Augusto Dias t>. Cadeira —Parto», doenças das mu­

lheres de parto e dos recemnas­

7 * rílZlL ' u * . , ■ , " . .' ­ ­ • • D r* Agostinho Antonio do Souto, í. Cadeira — Pathologla interna e the­

S ­ S i n 0 " ^ ™ ­ ;■ ■ ■ • • Antonio d'Oliveira Monteiro. » '«c îS«nî"" ra i« «medfe» . . . Manoel Rodrigues da Silva Pinto. L 0 * " Jr­Cl inica cirúrgica. . . Eduardo Pereira Pimenta. U> c í d f i í r Anatomia pathologica. Augusto Henrique d'Almeida Bran­il. ladeira —Medicina legal, hy­ dão.

giene privada e publica e toxico­

12.­ ' c a d e i r a ­ P a t o l o g i a "gerai/se"­ D ' ' ' * " * * ' A y r M *" G o>"'e i a««orio. PI,,,™*'°­l0,íia C h i 8 t 0 " a medica . . Illidio Ayres Pereira do Valle. inaimacia Isidoro da Fonseca Moura.

LENTES JUBILADOS

, t Dr. José Pereira Reis. secção medica João Xavier d'Oliveira Barro».

' José d'Andrade Gramaxo. Secção cirúrgica ' Antonio Bernardino d'Almeida.

í Visconde de Oliveira.

LENTES SUBSTITUTOS

Secção medica j Vicente Urbino de Freitas. ' | Antonio Placido da Costa.

Secção cirúrgica 1 Ricardo d'Almeida Jorge. ■ i Cândido Augusto Correia de Pinho.

LENTE DEMONSTRADOR

sacção cirúrgica Va^o.

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A Eschola não respondo polas doutrina» expendidas na dissert»?? enunciadas nas proposições.

(Regulamento ãa Eschola de 23 d'abril de 1840, art. 155.")

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A MEMORIA

M E U S P A E S

iîMâ ïl lâ

Minha veneração e meu respeito.

$

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A

WÈMWM MTWÏÏMÏMM

E A MEU FILHO

— > ^ l%.—

Representa este livro o epilogo da minha vida escolar, o prologo da minha entrada na vida social.

Por ambos os motivos vos pertence: tra­duz como epilogo a rainha permanência á vos­sa beira, c como prologo traduz o nosso futuro.

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m vi

mn mm e tint*

Fazendo-vos um oft'erecimento n'esta pagina, quero publicar a qualidade dos benefícios que me tendes dispensado e a indole do reconhecimento e estima

Do vosso irmão,

Jçtto.

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ptosis

Era-vos devido este publico testemunho d'iutima amizade e gratidão indelével, que vos tributa o

Vosso primo,

J3ENTO.

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Aceeitem este meu despretencioso escripto, como prova <lo alto apreço em que sempre tive a vossa amizade.

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AO SEU CUNHADO

íonsfantino Joaquim d fymk lemos

Pobre como v, representa este tra­balho a satisfação de um desejo al­cançado á custa de muitos sacrifícios.

Nada vale, mas significa immensa gratidão ao muito que lhe deve

o seu cuiuaãOj

gtnto.

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Ao lll.mn e Ex.m" Snr.

Monto Joaquim k Ijorató rfaldas

Como prova de admiração pelo seu ex­cellente caracter, grande saber e intellijren-cia.

© Jiisçtpfo ajtjaít^tbo.

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JkO JLL."° E pX.M0 S N I \ .

A bondade de V. Es. a tem direito-ao testemunho publico do meu reco­nhecimento.

Gostosamente cumpro este dever.

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AO SEU DIGNÍSSIMO PRESIDENTE

\h h i

Em homenagem ao peu primoroso talento c inconcussa probidade

©ff

J3ENTO ^ U G U S T O D ' ^ N D P ^ A D E .

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Escolhemos para assumpto da nossa dis­sertação o =Arthritismo = sem nunca pensar­mos em nos embrenhar nas différentes theorias pathogenicas da doença, nem nas muitas, que foram propostas para explicar a acção do li­thio.

E' propozito nosso esboçar apenas, o que ha de mais conhecido e seguro acerca da acção do lithio.

Não nos propomos a resolver o problema, cuja incognita existe na pharmacologia, mas simplesmente coordenar as manifestações do arthritismo, em que aquelle alcali tem applica-ção.

Para comprehendermos a acção do lithio buscamos o auxilio do conhecimento da sua ac­ção physiologica, commum a todos os alcalis e especial d'elle.

Não ha, na verdade, processo melhor e mais seguro para conhecer a acção therapeu­tics de qualquer medicamento, e sem ella a pharmacologia seria dominada por um empi­rismo de todo o ponto prejudicial.

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Conhecida a acção physiologica do medica­mento fica-se de posse da noção dos seus ef-feitos sobre o organismo são.

E se é certo que a acção medicamentosa deve no organismo doente differir da exercida no organismo são, é também positivo eme só aquelle caminho nos pode levar a fazer appli-cações racionaes e desprendidos da rotina tão antiga como prejudicial.

E' por isso que para explicar a acção do lithio sobre as différentes manifestações do arthritismo nos fundamos no conhecimento da sua acção physiologica.

Os factos são factos averiguados. Tão constantes são elles que não é fácil

encontrar outros em que se torne tão evidente a acção do medicamento.

Resto-nos explical-os á luz da physiologia e da anatomia pathologica, o que faremos tão modestamente como permittem as nossas apou­cadas forças.

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I

O lithio tem um logar de primeira ordem entre os agentes therapeuticos de maior im­portância.

Deriva elle da sua acção especial sobre o acido úrico, que por vezes se forma no organis­mo como consequência da combustão incom­pleta das substancias albuminóides, e da sua acção como alcali que é, da mesma ordem do sódio e do potássio.

Não tratamos aqui da acção physiologica do lithio sobre todas as funcções do organis­mo: o nosso fim é consideral-o nas suas appli-cações ao tratamento de um grupo de doenças que compromette a vida dos seus portadores.

São estas doenças différentes, com a patbo-genia separada, ou manifestações do mesmo fundo mórbido ?

IVão nos propomos resolver o problema que consideramos resolvido, mas sim com a

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solução achada satisfazer perfeitamente o nos­so espirito.

Hoje ha tendência para agrupar o que os pathologistas antigos separavam. E, no caso presente, Bazin derramou intensa luz no ca­minho a seguir, quando se trata de diagnosti­car e de tratar doenças cuja causa é a mesma.

Repugna ainda aos doentes a idéa de que as manifestações mórbidas que hoje se abran­gem sobre a denominação de arthritismo te­nham a mesma causa e se possam substituir no mesmo organismo umas pelas outras.

Ha, todavia, um meio de união entre as différentes manifestações mórbidas —é a pa-thogenia.

A causa, a producção de acido úrico em excesso, determina essas múltiplas e variadas manifestações do arthritismo — manifestações que não escolhem órgãos nem tecidos.

Onde o acido úrico se fixar, fica um ini­migo de que o doente só com grande difficul-dade se poderá vêr livre, e isso pondo termo a tempo á chegada de novos inimigos.

Para avaliarmos da acção therapeutica do lithio na doença em questão, precisamos de ir procurara causa primordial d'esta; nenhuma doença apparece em pathologia com uma pa-thogenia tão clara e tão desembaraçada de du­vidas, e é por isso que a therapeutica do ar-

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thitrismo é uma e única, não variando de au-ctor para auctor, de medico para medico.

E' ponto assente que o arthritismo prende com a formação do acido úrico em excesso, que ou se elimina pelas urinas, ou se vae fi­xar nos tecidos orgânicos, dando logar ás ma­nifestações variadas d'aquella doença.

Não se trata de simples coincidência: a contra-prova é tão fácil, que não ha duvidas acerca do papel desempenhado pelo acido úrico na doença tão bem descripta por Bazin e Du-jardin-Beaumetz.

Consideremos especialmente cada uma das manifestações do Arthritismo.

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II

A gotta

A gotta é doença vulgar, Não passando de uma manifestação do Ar-

thritismo, é considerada vulgarmente como ten­do a sua sede nas pequenas articulações.

Com effeito, em regra, esta doença co­meça por offender os dedos grandes dos pés, e em segundo logar os dedos das mãos.

N'um período adiantado da doença invade todas ou quasi todas as articulações dos mem­bros, isto quando já as pequenas estão defor­madas.

O doente vive tranquillamente, sem pen­sar sequer no que momentos depois passará.

De repente, uma dor lancinante se mani­festa na articulação do primeiro metatarsiano com a primeira phalange do dedo grande do pé.

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Á articulação turaefaz-se, a pelle cobre-se de rozetas vermelhas, e passados alguns mi­nutos o soffrimento tem attingido o seu maior auge.

0 ataque dura dois, três, quatro ou seis dias, depois do que o doente volta á tranquil-lidade.

Imagina ver-se livre do seu terrível inimi­go, e quando menos o espera, elle ataca-o com muito maior energia, parecendo que o descan-ço lhe angmentou a força.

Já não se limita á articulação do dedo grande do pé, invade as restantes articulações dos pés, as das mãos, e o doente soffre atroz­mente.

E' bem certo que então já ha mais do que aquillo que vulgarmente se chama gotta ; são outras manifestações do arthritismo, que con­sideraremos separadamente.

Não queremos expor detalhadamente toda a symptomatologia da gotta ; o que nos préoc­cupa é a pathogenia, em frente da qual se explica a acção que sobre ella exerce o lithio.

Todos os auctores são concordes em que o acido úrico é o agente productor da gotta.

Produzido elle em excesso, e não se des­truindo á medida que se forma, vae flxar-se nas articulações, exercendo a acção de corpo estranho e irritante, factos que constituem o principal soffrimento dos gottosos.

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Como explicar a preferencia pelas peque­nas articulações dos membros?

Existem ellas nas extremidades, onde a velocidade circulatório é menor, e por isso, o acido úrico arrastado em suspensão no liqui­do sanguineo abandona este meio e deixa-se depositar nos tecidos que constituem aquellas.

A passagem para os tecidos onde se depo­sita, faz-se pelo processo exosmotico, o mesmo de que se servem as substancias proprias dos órgãos para n'estes se encorporarem, á parte a differença que existe entre um simples de­posito e o phenomeno da assimilação.

E' esta a razão mais plausível da preferen­cia.

Mas é facto incontroverso o de ser o acido úrico o agente principal da gotta ? Vejamos :

O acido úrico é o resultado da combustão incompleta das substancias azotadas, cujo resí­duo em logar de ser a uréa, que normalmente apparece na urina, é aquelle acido insolúvel no sangue e na urina, e tão insolúvel que se pre­cipita no seio dos dois líquidos.

Sendo assim, e sendo certo que a maior parte dos gottosos fornecem uma historia da doença, por onde se vê que tudo se passou de modo a obstar á regular combustão das subs­tancias azotadas, conclue-se que as funcções da assimilação são imperfeitas.

O abuso das carnes, principalmente das ri-

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cas em albunina, a vicia sedentária, ainda o uzo e abuso dos chamados alimentos de poupança, como o alcool e o café, são outras tantas cir-cumstancias que levam a acreditar ser o acido úrico o promotor dos seus sofTrimentos.

Mais ainda, é coincidência quasi ordinária o apparecimento de areias uricas nas urinas, e não poucas vezes se nota que quando as areias augmentam, os soffnmentos gottosos dimi­nuem.

São todas estas razões que não deixam duvida acerca da pathogenia da doença em questão.

O que determina a combustão incompleta das substancias azotadas? Ha por vezes um vi­cio da nutrição herdado, que leva comsigo a gotta a um descendente, em que se dão as circumstancias da gotta adquirida.

O modo como actua a hereditariedade, é tão obscuro n'este cazo como nos outros em que a sua acção é indiscutível.

Transmitte-se o vicio de nutrição ?Trans-mitte-se um estado acido do sangue, que favo­reça a precepitação do acido úrico? Transmit­te-se alguma influencia nervosa sobre os actos da assimilação? E' difflcil a resposta.

PTelIa se embaraçam todos os auctores, quando procuram o modo como actua a here­ditariedade.

Fora d'esta excepção, o excesso de carnes,

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esgotando as forças assimiladores, faz com que as substancias azotadas não experimentem to­das as phazes da combustão.

A razão do facto consiste em que, não au-gmentando o comburente, o excesso do com­bustível não se queima.

Uma parte queima-se, e assimila-se bem, a outra fica aquém pela segunda phase da combustão, pelo acido úrico.

Uma parte queima-se e assimila-se bem, a outra fica aquém da combustão completa, e deixa na economia o acido úrico, e como este é um agente incompatível com o regular funccionamento dos órgãos em que se depo­sita, acontece que perturba todas as funcções nutritivas e preparadoras, tornando cada vez mais acanhadas as forças da combuslão. A gotta então progride, segue, e vae prender os movimentos, deforma as articulações, etc.

Está então no seu maior auge, e o doente em perigo imminente.

Perante esta pathogenia, a respeito da qual parece não haver duvida, quaes as indicações a preencher perante um gottoso ?

Evitar a formação do acido úrico e promo­ver a eliminação do depositado.

E' então que o lithio preenche o seu es­pecial fim therapeutico, como vamos ver.

O lithio é empregado no estado de carbo­nato ou bicarbonato de lithio.

*

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Umas vezes no estado solido (carbonato); outras vezes no estado de dissolução nas aguas minero-medicinaes (bicarbonato).

Poucas são as aguas até hoje analysadas que conteem o bicarbonato de lithio em pro­porções therapeuticas ; as que o conteem são hoje muito procuradas, e muito apreciadas pelo mundo medico.

Em Portugal só se pode affirmar com se­gurança que as aguas das Pedras Salgadas o conteem. As de Vichy, aguas celebres, con­teem muito menor proporção d'aquelle sal do que as das Pedras Salgadas.

Mas vejamos o modo como o lithio actua beneficamente quando é empregado no trata­mento da gotta.

Tomando como assente a pathogenia já acima esboçada, é racional a explicação da in­fluencia do sal em questão. O lithio é, como o soclio, um alcalino, tendo como elle proprieda­des communs, alem da especial sobre os de­pósitos u ricos.

Como alcalino, augmenta a secreção sali­var, que é então mais alcalina, e de facto de­termina a mais fácil transformação das subs­tancias amylaceas.

Transformadas melhor as substancias amy­laceas, estas assimilam-se mais facilmente, e as funcções, que d'ellas dependem, fazem-se

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mais regularmente, contribuindo tudo para uma assimilação geral mais perfeita.

Como alcalino augmenta a secreção do sueco gástrico, estimula a mucosa do estô­mago, e a consequência é uma mais perfeita elaboração do bôllo alimentar.

O preparo para as transformações inte­riores, para a assimilação, faz-se no estômago de modo mais perfeito.

E se as substancias albuminóides são me­lhor divididas no estômago, claro é que a com­bustão no seio dos tecidos é mais completa, prevenindo já até certo ponto a formação do acido úrico.

Todas as funeções se fazem regularmente. O sangue modiflea-se de modo a fixar

maior quantidade de oxigénio, que exercendo as funeções do comburente, vae queimar mais completamente o combustível, que no cazo prezente, é constituído pelas substancias al­buminóides.

Com effeito, é opinião hoje acceite que os alcalinos em pequena doze augmentant o nu­mero dos glóbulos rubros, dos conduetores do oxigénio aos tecidos, e augmentado o numero dos vectores é angmentada a quantidade do gaz que a hemoglobulina do sangue fixa. E por ser assim a combustão das substancias azotadas mais completa, a uréa, ultimo termo-

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da combustão, apparece no sangue em substi­tuição do acido úrico, producto anormal.

Não escondemos a opinião sustentada por alguns auctores de que os alcalinos, longe de produzirem o effeito que acabamos de lhes attribuir, enfraquecem as funcções, destroem os glóbulos rubros, levando o que fez uzo d'el­les em larga escala á pobreza orgânica —á ca­chexia.

Essa opinião, comquanto fosse aventada por um professor muito distincto, Trousseau, tem hoje um pequenissimo numero de sectá­rios.

Tudo depende da quantidade, do uso ou do abuso.

Em pequena dose produzem o effeito que lhes attribuimos ; em doses grandes, emprega­das por muito tempo prejudicam.

E' a lei de Claudio Bernard : toda a subs­tancia que em pequena dose excita os elemen­tos orgânicos, em dose grande deprime-os.

Conhecemos individuos que ha muitos an-nos fazem uso diário cie grandes doses de bi­carbonato de sódio, sem que n'elles se divise o mais ligeiro signal do estado cachetico.

O que affirmamos a respeito do lithio é o que se dá com todos os metaes da sua classe.

Mas o lithio tem sobre o sangue outra influencia que não podemos deixar de men­cionar como muito importante : é a que exerce

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na sua plasticidade, e que contribue de modo poderoso para a reabsorpção dos depósitos for­mados nos gottozos, e esta acção é favorecida pela diminuição da quantidade do sueco san­guíneo, a qual augmenta a velocidade circula­tória.

Esta acção, que o lithio exerce sobre as combustões orgânicas, é coroada pela que exerce sobre o acido úrico e uratos deposita­dos.

Andress Ure e Garrod são os auetores da descoberta que tanto beneficiou a sciencia e os doentes. Ure e Garrod sentiam-se impressio­nados com os resultados obtidos no tratamen­to das manifestações da diathese urica pelo emprego das aguas minero-medicinaes de al­guns estabelecimentos.

Eram elles devidos ao bicarbonato de so~ dio d'essas aguas?

Tal foi o problema que se propuseram es­tudar.

Nem todas as aguas minero-medicinaes produziam idênticos resultados, e por isso era natural que averiguassem se havia alguma coi-as especial, algum principio desconhecido, a que se podessem attribuir os effeitos sobre as manifestações da diathese urica.

Sujeitaram uratos, e cartillagens incrus­tadas d'acido úrico á acção de uma solução do bicarbonato de sódio, e verificando, que o

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effeito era nullo, abandonaram a idea geral de ser aquelle sal o productor dos resultados, cuja determinante se procurava.

Os nossos processos d'analyse chimica lançaram muita luz sobre o problema.

Com auxilio dos novos processos da ana­lyse descobriu-se na agua minero-midicinal de uma das fontes dos Pyrineos o lithio, e no-tou-se também o facto de ser d'aquella agua que os gottosos tiravam bons resultados no tratamento das doenças que os affligiam.

Seriam estes effeitos devidos á acção do lithio?

Ure e Garrod experimentaram com o car­bonato do lithio como o haviam feito com o bicarbonato de sódio.

Mergulharam tecidos incrustados do acido úrico e uratos n'orna solução de carbonato de lithio : passadas quarenta horas, tecidos e car­tilagens estavam limpas.

Estava resolvido o problema: era o lithio que tinha influencia sobre os depósitos do aci­do úrico e uratos.

D'ahi a grande procura das aguas lithicas. Como é que o lithio actua sobre aquelles

depósitos? As experiências demonstram que o lithio

tem grande affinidade para o acido úrico. Combinando-se com este acido orgânico

dá logar á formação do urato de sódio?

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O urato de sódio é perfeitamente solúvel no sangue.

Sobre os uratos dos depósitos o lithio actua deslocando a base e combinando-se com o acido do sal, dando também logar á forma­ção do urato de lithio.

Este resultado das experiências é aprovei­tado pelos pharmacologistas para explicar a acção do lithio sobre os depósitos gottosos do acido úrico e uratos.

Formando-se então o urato do lithio no interior dos tecidos é preciso que elle seja eli­minado.

Intervém então a acção geral do alcalino em questão.

Modificando a plasticidade do sangue, fa­vorecendo a reabsorpção, pela sua acção diuré­tica, commum a todos os alcalinos, determina a eliminação pelas urinas.

Deste modo se explica muito racional­mente a acção do lithio sobre os depósitos gottosos.

Mas o gottoso não soffre apenas dos de­pósitos articulares: o vicio da nutrição produz perturbações geraes importantes, e preciso é saber se o lithio se acha n'esses casos indica­do ou contra-indicado.

Com effeito, estabelecida a gotta, todas as mncções orgânicas d'ella se ressentem, ou mais verdadeiramente da sua causa.

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I l l

Com quanto a gotta se faça acompanhar de perturbações orgânicas que reclamam atten-ção especial, é certo que algumas d'ellas são communs a todas as manifestações do arthri-tismo.

Uma d'essas perturbações, e de todas a mais importante, é a dyscrasia sanguinea — a anemia — que por seu turno enfraquece todas as funcções.

Comprehende-se bem a fraqueza extrema dos gottosos, fraqueza que contribue para o progresso da doença dominante.

Extenuado, abatido, não tem as forças pre­cisas para fazer o exercício muscular que o caso reclama, como necessário á regular com­bustão das snbstancias orgânicas.

Não é essa a única razão d'obstaculo á com­bustão das substancias azotadas : outra, a mais importante, se impõe á attençào de todos.

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A anemia, constituída pela diminuição dos glóbulos rubros, arrasta a falta do oxigénio, comburente indispensável ao regular exercido das combustões orgânicas.

Não é contra-indiçado o lithio na anemia em questão: bem pelo contrario o lithio é in­dispensável no tratamento d'ella.

E não ha receio de que ella augmente com o emprego do alcalino. Tal anemia não desap-parece em quanto persistir a causa — a diathe-se urica.

Tendo desapparecido esta, restabelece-se a crase sanguinea, as funcções do organismo fazem-se com a regularidade normal, e, acon­tecendo isso, o sangue vae por seu turno re­ceber o beneficio que em grande parte lhe per­tence.

Tal é a razão porque a anemia dos arthri-ticos não reclama o tratamento das anemias or­dinárias.

Com quanto o ferro não deva ser rejeitado, é certo que o lithio, como especifico entre a dia-these urica, é também um especifico contra a dyscrasia anemica.

Este facto, que á priori se poderia prever,, tem frequente realização nos estabelecimentos-das aguas lithicas^

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IV

Areias

GRAVELLA URICA

A manifestação mais vulgar do arthritismo é a producção da diathese urica. A eliminação do acido úrico e de uratos pelos rins é quasi sempre um prodromo da doença geral, geral na sua causa e de manifestações generalisatus.

Pôde dizer-se que a gravella urica é uma doença providencial, um aviso, que tomado na devida conta pelo doente faz com que este se sujeite desde logo o tratamento que poderá evi­tar as outras manifestações da diffusão ão aci­do úrico.

Com effeito os rins podem no cazo presen-

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te considerar-se como válvulas de segurança, por onde se elimina um elemento extremamen­te nocivo ao exercício regular da vida.

E' vantajosa, por tanto, para o doente a eli­minação do acido úrico pelas urinas ; mas se elle muda de caminho ou se se forma em tal quantidade que se não pode eliminar in Mo, vae depozitar-se na pelle, nas articulações, nos nervos ou nos vazos, dando logar a manifesta­ções cutâneas, gotta, nevralgias e perturbações circulatórias.

E' esta a razão porque consideramos a gravella urica como uma doença providencial, o que por modo nenhum quer dizer que o doen­te lucre outra coiza mais do que o ser preve­nido de que doença mais grave o acommetterá, referindo-nos, entende-se ás pequenas areias e não aos cálculos volumosos, que podem com_ prometter a vida do doente em que se formam. Tem a gravella urica, alem disso, importância intrínseca, embora não tenha por si a importân­cia da gravella branca ou phosphatica.

Alem de produzir cólicas intensas, e isso pelo facto das agglomerações, não attingem as dimensões da gravella branca; cazos ha em que as areias produzem manifestações doloro-zas que incommodam muito o doente.

Facto importante a considerar: os sym-ptomas dolorosos da gravella branca verificam-

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se principalmente nos ureteres ; os da gravella rubra nos rins.

Qual a causa ? Responde a pathogenia das duas doenças.

Onde se formam as areias uricas? Onde se formam as areias phosphatiças ? as primeiras teem a sua origem no residuo da combustão incompleta das substancias albuminóides ; es­tes resíduos são recebidos pelo sangue, onde se acumulam ; do sangue passam ás urinas, cami­nhando já formados nos canaliculus uriniferos, e como estes estão na espessura dos rins, eis a razão da sede das manifestações dolorosas da gravella urica.

Não acontece o mesmo com a gravella bran­ca ou phosphatica. Tem ella, segundo as opi­niões dos melhoros auctores, como causa a in-flammação das vias urinarias, mas é a partir do bacinete que os cálculos adquirem maior vo­lume, e seguindo pelo ureter, é n'essa passagem que elles determinam as dores violentas da có­lica nephritica.

Para nós a principal importância da gra­vella rubra consiste em revelar um vicio de as­similação, que pôde ir até á producção de per­turbações geraes as mais graves.

Quando se tracta de fazer desapparecer a gravella rubra, necessário é proceder como con­tra todas as outras manifestações do arthritis-mo : modificar a alimentação de modo a retirar

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delia as substancias d'onde emana o acido úri­co, activar as combustões, favorecer a assimi­lação pela acção geral do lithio e dissolver o acido úrico pela acção especial do mesmo me­tal alcalino ; por tanto o lithio ainda é o princi­pal agente contra a gravella rubra.

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V

Asthma

E' a asthma uma das manifestações do ar-thritismo, que figura em um dos seus últimos períodos.

E' phenorneno muito frequente, a que os doentes não dão, em regra, a interpretação ver­dadeira.

Figura a asthma como phenorneno cons­tante n'um dos períodos do arthritismo tão bem descriptos por Bazin e Dujardin-Beaumetz.

Ainda a pathogenia d'esta asthma é clara, e por isso evidente a applicação do lithio. A asthma que consiste no espasmo inspiratório devido á excitação centrípeta e homologa dos nervos pneumogastricos, conforme apparece com as phases mais graves do arthritismo. as-

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sim se modifica á medida que aquellas mani­festações se attenuam.

Como poderá ella prender com o estado pathologico do arthritico?

A asthma é devida á excitação anormal dos nervos vagos.

Excitados anormalmente, anormalmente é excitado o bolbo rachidiano. O abalo nervoso produzido n'aquelle centro é tão grande relati­vamente que dura por muito tempo a excitação de volta, a excitação centrífuga', que produz o espasmo pulmonar constitutivo da asthma.

E' facto averiguado que o acido úrico é ex­tremamente irritante.

E' irritante quando determina nevralgias ; é irritante quando produz as manifestações do­lorosas nas articulações dos gottosos ; é irritan­te quando determina as fluxões articulares in­tensas, e que em breve sobem ao seu maior auge, e esta acção irritante, perfeitamente averi­guada, é a que nos explica o estado asthma-tico dos arthriticos.

O acido úrico, quando produzido em exces­so, não faz selecção de tecidos ou órgãos.

Não lhe escapam mesmo os nervos, sobre os quaes se deposita.

Não poupa, por tanto os pneumogastricos. Fixa-se n'elles, excita-os anormalmente e inten­samente, e desde essa occazião está estabele­cida a condição essencial da asthma.

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A asthma não tem lesão propria ; as autho-psias são sempre negativas, e sendo assim não repugna a explicação dada da asthma dos ar-thriticos.

Ainda o caracter intermittente irregular d'es-ta ultima, confirma até certo ponto a pathoge-nia mencionada ; os depósitos de acido úrico formam-se, persistem durante tempo indeter­minado e desapparecem. E' por este modo que se explicam os accessos da asthma dos arthri-ticos como se explicam os accessos da gotta, as nevralgias com o seu caracter intermittente.

Se todas estas razões não fossem bastan­tes para confirmar a pathogenia da asthma dos arthriticos, a influencia do tratamento faria o resto.

O tratamento pelo lithio, ordinariamente pelo carbonato do lithio solido ou pelo bicarbo­nato em solução nas aguas minero-medicinaes, ao mesmo tempo que vêem melhorar a pelle, retardar e diminuir os excessos da gotta, sus­ter as nevralgias etc. etc. melhoram e por ve­zes extinguem os accessos asthmaticos.

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VI

Lesões vasculares do arthritismo

São variadíssimas as lesões vasculares de­vidas á diffusão do acido úrico e uratos, e, por tanto, fazendo parte da doença geral de que nos temos occupado=o arthritismo =.

São de variadas espécies, como dissemos, e por isso mui différentes as manifestações symptomaticas a que dão logar, sendo certo que todas obedecem ao tratamento geral.

Umas vezes as manifestações apparecem na pharyngé, outras vezes no coração e grossos vasos e outras nos capiliares da superfície cu­tanea.

As lesões da pharyngé são muito frequen­tes. Poucos são os arthriticos que não soffrem

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de angina chronica, das mais rebeldes ao tra­tamento.

Examinando então aquella parte do appa-relno digestivo nota-se facilmente que os vasos da mucosa estão varicosos.

Esta alteração dos vasos exerce sobre a mucosa acção irritante, e ao mesmo tempo, pe­las difficuldades na circulação, a mucosa tor-na-se sede de uma inflammação chronica, que só será modificada ou debellada, quando, seja attenuado ou tenha desapparecido o estado va-ricoso.

A angina chronica é, como dissemos, phe_ nomeno muito vulgar nos arthriticos. Resiste ella a todo o tratamento que não seja o appro-priado a combater o estado geral de que faz parte. Ainda é o lithio que exerce influencia notável sobre o padecimento em questão : pela acção geral, commum aos alcalinos, combate a inflammação chronica; pela sua acção especial desengorgita os vasos, porque elimina d'elles os depósitos.

D'esté modo ao mesmo tempo que com­bate as consequências do estado varicoso dos vasos pela sua acção dissolvente, desempe-de-os, e restabelece a regularidade circulatória.

Pela sua acção externa concorre podero­samente para augmentai' os effeitos do uso in­terno.

E' por isso que, com grande vantagem, nos

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estabelecimentos de aguas lithicas, se usara as pulverisações das mesmas, projectando-as so­bre a pharyngé.

Mas as perturbações circulatórias não se reduzem ao que acabamos de considerar : ou­tras muitas de subida importância se fazem notar nos casos complexos do arthritismo. Occupam o primeiro logar na attenção dos clínicos as lesões cardiacas, pela importância do órgão em que ellas se fixam.

As lesões valvulares são as que dominam. O acido úrico e uratos não deixam de deposi­tasse sobre as válvulas cardiacas, produzindo por isso lesões que compromettem considera­velmente a vida do doente. São as incrustações nas válvulas cardiacas que produzem pertur­bações circulatórias geraes de grande impor­tância, e que por vezes dominam no doente. As insufficiencias valvulares são as lesões mais frequentes, tanto averiguadas pelo diagnostico como verificadas pela autopsia

O acido úrico e os uratos vão depositasse nos tecidos das válvulas. Estes perdem a elas­ticidade, não podendo por isso adaptar-se aos orifícios correspondentes, produzindo d'esté modo a insufficiencia. São geraes as perturba­ções circulatórias que do facto derivam, e tão graves sob o ponto de vista do prognostico como as que não prendem com a causa em questão.

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Conhece-se, ou prezume-se pelo menos a pathogenia da lesão, e por isso até certo ponto é justificado o emprego do lithio, principalmen­te porque ha outras lesões concommitantes da mesma natureza, que se beneficiara com o tra­tamento anti-arthritico.

Poucos ou nenhuns são os resultados que de tal tratamento se colhem nas lezões valvu­lares : tira-se algum proveito da medicação sym­ptomatica, como acontece nas lesões d'aquella ordem, mas de qualquer natureza.

O arthritismo dá logar a uma manifestação cutanea, que chega a ser curiosa.

E' frequente nos indivíduos affectados d'a­quella doença a sensação de frio em determi­nadas partes da pelle, quando a restante dá a sensação do calor normal.

Qual a causa de tal facto? Será uma perturbação nervosa? Será uma perturbação circulatória? E' opinião nossa que se dão ambas as cou­

sas, embora a primeira seja consequência da segunda. Levam depósitos de uratos e acido úrico, fazendo-se no interior dos capillares, uma anemia ás extremidades nervosas? ou abaixa a perturbação circulatória, reduzindo a com­bustão local a temperatura da região?

De ambos os modos se explica o phenome-no em questão, phenomeno que não tem im-

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portancia prognostica, mas simplesmente dia­gnostica.

Todavia o phenome cede rapidamente ao tratamento, e na ordem chronologica do desap-parecimento dos symptomas é elle dos pri­meiros.

Com effeito, a perturbação circulatória ex­plica muito satisfatoriamente o phenomeno em questão. Ha deficiência de irrigação sanguínea como consequência da reducção do calibre dos vasos capillares ou da obturação d'estes.

Falta por consequência o elemento essen­cial da combustão orgânica, sem a qual ella é impossível.

Com a diminuição da quantidade do sangue vem a diminuição nos glóbulos rubros, e por tanto o vehiculo do oxigénio é diminuído na sua quantidade.

E como o oxigénio é o comburente sem o qual não pôde haver combustão orgânica, segue-se que a diminuição na quantidade d'elle arras­ta a fraqueza de combustão, e como consequên­cia o abaixamento de temperatura, a sensação de frio, emfim que os doentes accusam em re­giões determinadas da pelle.

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VII

Perturbações gastro-intestinaes

A doença era questão, que em regra pren­de com o abuso gastronómico do doente, ter­mina por enfraquecer consideravelmente o ap­petite para os alimentos, e que por seu turno aggrava a perda de forças.

Mas não é esta a única perturbação gástri­ca ligada ao arthritismo.

Os arthriticos em um periodo adiantado da doença são dyspepticos.

Fazem mal as digestões, que são morosas, incommodas ; alteram-se-lhe facilmente os ali­mentos no estômago.

A constipação intestinal segue as pertur­bações digestivas.

Como se poderá combater esta dyspepsia?

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GO

E' preciso conhecer antecipadamente a sua pa-thogenia.

E' ella devida ao vicio sanguíneo, e por con­sequência á alteração dos líquidos gástricos ?

E' ella devida a perturbações circulatórias, devida á coarctação dos vasos pelo acido úrico e uratos?

E' provável que as duas causas se reunam para produzir a dyspepsia, mas é certo que só o tratamento especifico pelo lithio pode minorar os incommodos gástricos em questão.

Pouco a pouco ellas vão desapparecendo, se obedecem ao tratamento.

0 appetite começa a apparecer, a digestão a fazer-se melhor, e a regularidade nas fun-cções da clefecação fecha o quadro quando o tratamento é efficaz.

Comprehende-se que a fraqueza do doen­te, resultante do vicio de assimilação, se ag­grave consideravelmente se a disgestão se não faz por modo regular.

Ressentem-se as funcções orgânicas que dependem de uma boa digestão, e ao mesmo tempo os alimentos quaternários não vão para a circulação bem preparados para completa combustão.

Effeito e causa são, portanto, as perturba­ções gástricas.

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SALIVAÇÃO

Os doentes, em regra, sentem-se pouco dispostos a acreditar que o exagero da sali­vação, em certas condições, torna o prognos­tico mais favorável.

E' um facto a que os auctores dão a maior importância. Quando o arthritismo obedece ao tratamento lithico, a salivação augmenta, e as condições especiaes, a que nos referimos, con­sistem n'um sabor metallico pronunciado pro-ducto das glândulas salivares. E' elle devido á presença de acido úrico e dos ura tos, que só de retorno apparecem na saliva.

Accumulados em différentes tecidos orgâ­nicos, são restituídos ao sangue sob a forma cie urato de lithio na maior parte, e por tan­to vão dar á saliva o seu sabor, o sabor me­tallico que os doentes accusam, exactamente na occasião em que sentem modificados para bem os symptomas do arthitrismo que os do­mina.

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V I I I

Manifestações cutâneas

As manifestações cutâneas são symptomas mui frequentes do arthritismo. Parecem-se ellas com as manifestações de muitas e variadas doenças localisadas na pelle, sendo certo que mais frequentemente apparecem manchas ne­gras, que mais se assemelham a contusões do que se figuram consequência do estado patho-logico geral.

Quando assim não é, simulam doenças de pelle, que por vezes enganam os clínicos mais experimentados.

O que é certo é que taes manifestações são das primeiras a obedecer ao tratamento pelo lithio empregado internamente, principalmente

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quando elle está em dissolução em agua, de que se faz uzo na applicação em banhos.

A cor escura das manchas começa a des-apparecer, e em breve a pelle é restituída ao seu estado normal.

Isto, já se vê, acontece nos casos felizes, n'aquelles em que o tratamento não encontra uma resistência, que é vulgar mesmo contra os medicamentos cFacção mais conhecida e mais segura.

Alem das manchas escuras a que já nos referimos, a maior parte dos arthriticos quei-xam-se de dartros nos pés.

Assim classificam elles as manifestações cutâneas tão vulgares nos dedos dos pés, que consistem na descamação da epiderme, na hy-pertrophia dos tecidos subjacentes, derme e te­cido cellular subcutâneo, que apresentam por vezes profundas rhagadas.

De resto as manifestações parecem-seumas vezes com as do eczema chronico, outras com as placas da psoriasis, e nas mais raras vezes, com as da elephantiasis dos arabes.

Com que prendem estas manifestações cu­tâneas ?

São muitas as causas que podemos invocar para a explicação, sem saber qual d'ellas põe maior quinhão para a producção das manifes­tações cutâneas.

E' o vicio de nutrição, que por seu turno

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vae reflectir-se nos elementos da pelle, dando logar a manifestações anómalas ?

E' a irritação produzida pela presença do acido úrico, que, á semilhança da do arsénico, altera a pelle ?

E' o resultado da varicosidade dos vasos sanguíneos, produzida pela presença de depó­sitos d'acido úrico no interior dos vasos?

Não está averiguado qual o papel que exer­ce cada uma d'estas causas, sendo certo que a nossa razão nos diz que todas ellas cooperam para a producção das manifestações cutâneas do arthritismo, que só desapparecem ou que só se attenuam pelo uzo d'um tratamento cujo agente principal é o lithio e os seus compostos.

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IX

Cachexia

E' a cachexia o ultimo termo do arthritis-mo, quando um tratamento conveniente e a tempo não poz embaraços á sua marcha.

Tudo então se reúne para levar o doente ao depauperamento orgânico que constitue a cachexia.

A anorexia, privando o doente da quanti­dade necessária de alimentos ; a perversão da digestão, alterando-lhes a qualidade, e uma assimilação viciada, consistindo na combustão incompleta das substancias albuminóides ; di-minuindo-lhes os elementos de reparação or­gânica; congestões visceraes devidas á irrita-

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ção pelo acido úrico, contribuindo para a per­versão funcional do organismo, os artheromas dos vasos, as lesões valvulares do coração, tudo, emíim, se reúne para levar o organismo ao estado de pobreza, que é o ultimo degrau a descer no caminho de um desenlace fatal.

A par d'estas perversões funcionaes ha já, em regra, n'este período a immobilisação das articulações, de sorte que os últimos tempos do doente são de verdadeira atribulação.

A morte é o mais feliz incidente em tal estado.

Não falíamos na cachexia arthritica por suppormos que o lithio a pode beneficiar.

Nada d'isso : a medicação symptomatica é a única a instituir perante tal estado.

E' este o mais poderoso argumento para se mostrar a necessidade de a tempo se em­pregar a medicação lithica contra os progres­sos do arthritismo.

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NOTA

Encontra-se o lithio em algumas das aguas minero-medicinaes hoje em exploração na Eu­ropa.

As primeiras analyses feitas ás aguas de Vichy não assignaiaram quantidade alguma de lithio ou de seus saes; todavia, hoje, são ellas consideradas como aguas lithicas.

O mesmo acontece com as de Vais. Royat e Mondariz fornecem aguas lithicas, embora de mineralisação insignificante.

A segunda analyse feita ás aguas de Vidago assignalou-lhes o lithio.

Com segurança, das aguas do paiz são as das Pedras Salgadas, que o possuem, em doze verdadeiramente therapeutica.

Comquanto elle exista em todas as aguas d'aquelle estabelecimento, é certo que é na agua do Penedo que elle se encontra em maior

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quantidade, pois que ella é de gr. 0154, no es­tado de bicarbonato, segundo a analyse do Sr. José Julio Rodrigues, professor de chimica na Escola Polytechnica de Lisboa.

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PROPOSIÇÕES

Anatomia. = Existem communicações entre os capillares sanguíneos e lymphaticos.

Physiologia. = Ha nervos sudoríficos. Materia Medica = O arsénico é um agente de

poupança. Pathologia geral = A frequência do pulso,

mesmo sem lesão vascular, não é signal certo da febre.

Pathologia externa. = As feridas do abdomen com perfuração do intestino não determinam necessariamente a morte, mesmo quando se não promova o anus contra natura.

Anatomia pathologica = Os carcinomas são epitheliomas.

Pathologia interna. = A gravélla phosphatica é mais grave do que a urica.

Operações =. Só nos casos de epiplocele re­cente podemos reduzir o epiploon.

Partos = A febre puerperal não é sempre uma septicemia.

Higiene =» Não admittimos a lei da inei-dade.

^ i s t o Pôde imprimir-se A. Placido da Costa.

O DIRECTOB.

Visconde d'Oliveira.