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1 Revista do FENATIB No ano em que o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau completa 10 anos, queremos voltar o nosso foco para a formação dos educadores. A partir das discussões e oficinas que iremos promover nesta edição, buscaremos estimular esses profissionais a refletir sobre a importante relação entre teatro e educação. Tal ação torna-se necessária para garantir que a criança espectadora tenha um monitoramento consciente, que inspire sua inteligência e liberte sua emoção.Outra ação necessária é a criação de uma política com relação ao teatro nas escolas. Se praticada com responsabilidade e conhecimento, contribuirá para desenvolver características fundamentais na personalidade da criança. Felizmente, contamos com uma grande aliada neste processo, a Secretaria Municipal de Educação, que entende o importante papel que o teatro possui na formação de seus alunos. Além de parceira nas discussões sobre a política a ser implantada nas escolas, a Secretaria também subsidiará oficinantes da área e participará do festival com um grande número de educadores. Em 10 anos, o Fenatib se estruturou e criou notoriedade entre os demais eventos do gênero realizados no Brasil. Agora, é hora de investir na formação dos educadores, não apenas durante o festival, mas durante todo o ano letivo. Somente desta forma, atingiremos o real objetivo do festival, que consiste em provocar a inteligência da criança através da arte. Se não provocamos, não educamos. Se não educamos, estaremos resumindo o Fenatib a entretenimento, e perdendo a grande oportunidade de utilizá-lo como instrumento de arte-educação e formação de platéia. Nossa intenção é ensinar as crianças a não serem somente atores da vida, mas autores da sua própria história. Arte- Educação e F ormação de P latéia * Presidente da Fundação Cultural de Blumenau Marion Bubeck *

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Revista do FENATIB

No ano em que o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau completa 10 anos, queremos voltar o nosso foco paraa formação dos educadores. A partir das discussões e oficinas que iremos promover nesta edição, buscaremos estimularesses profissionais a refletir sobre a importante relação entre teatro e educação.

Tal ação torna-se necessária para garantir que a criança espectadora tenha um monitoramento consciente, que inspiresua inteligência e liberte sua emoção.Outra ação necessária é a criação de uma política com relação ao teatro nasescolas.Se praticada com responsabilidade e conhecimento, contribuirá para desenvolver características fundamentais napersonalidade da criança.

Felizmente, contamos com uma grande aliada neste processo, a Secretaria Municipal de Educação, que entende oimportante papel que o teatro possui na formação de seus alunos. Além de parceira nas discussões sobre a política a serimplantada nas escolas, a Secretaria também subsidiará oficinantes da área e participará do festival com um grandenúmero de educadores.

Em 10 anos, o Fenatib se estruturou e criou notoriedade entre os demais eventos do gênero realizados no Brasil. Agora,é hora de investir na formação dos educadores, não apenas durante o festival, mas durante todo o ano letivo.Somente desta forma, atingiremos o real objetivo do festival, que consiste em provocar a inteligência da criança atravésda arte. Se não provocamos, não educamos. Se não educamos, estaremos resumindo o Fenatib a entretenimento, eperdendo a grande oportunidade de utilizá-lo como instrumento de arte-educação e formação de platéia.

Nossa intenção é ensinar as crianças a não serem somente atores da vida, mas autores da sua própria história.

Arte-Educaçãoe Formação de Platéia

* Presidente da Fundação Cultural de Blumenau

Marion Bubeck *

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Revista do FENATIB

O Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau venceu etapas, cresceu e multiplicou informações. Desde asua primeira edição, mais de cem mil crianças tiveram acesso ao teatro, uma experiência gostosa que possibilitou formaçãoe transformação de nossas crianças, possibilitou também muitas reflexões e grande diversidade de espetáculos comqualidade e o mais importante: conquistou o respeito das crianças.

O Fenatib surgiu em l997, e na época tínhamos a preocupação de criar uma política cultural descentralizada,preocupada com a formação de platéia e com o objetivo de atender crianças e adolescentes distantes do acesso cultural.

Blumenau sempre cultivou a produção do teatro e da música , mas passava por um momento contraditório, ondeo acesso cultural aos eventos era muito restrito. Repensando esse quadro, criamos uma proposta na qual fosse possívelgarantir à criança um espaço para o seu desenvolvimento pessoal e social, através de vivências e reflexões sobre oconhecimento artístico. Esse acesso gratuito ao teatro permitiu à criança criar gosto pela arte , no nosso entender não sepode gostar do que não se conhece.

Assim, surgiu o Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau ,um movimento que veio contribuir para ofomento do Teatro em nossa cidade e permitir uma troca entre os grupos participantes e convidados, proporcionandouma visão da arte teatral produzida atualmente no Brasil.

Os conhecimentos apresentados por esses grupos que aqui estiveram com seus espetáculos, bem como ostemas discutidos nas palestras e mesas redondas, com temas diversos sobre a questão teatral, foi possível compreendera dimensão da nossa proposta quando da realização da primeira edição do festival.

É dentro desse processo que o trabalho de teatro Infantil em Blumenau vem crescendo e contribuindo para aformação cultural de nossas crianças e adolescentes, facilitando a interação e oportunizando novas descobertas,conseqüentemente provocando transformações e conhecimentos.

Sentimos que essas vivências com o FENATIB e o exercício do teatro, possibilitaram o surgimento de cursosde teatro , em especial os da própria Fundação Cultural, onde passaram vários professores, já no início das primeirasedições do festival, e mais recentemente os cursos oferecidos pela Cia. Carona no Teatro Carlos Gomes, criando inclusiveuma mostra na escola que hoje atende cerca de 100( cem ) crianças e adolescentes. Além destes, outros cursos e oficinassão oferecidos dentro dos festivais e eventos, como na Mostra de Teatro Amador da Fundação Cultural, na Temporadade espetáculos da cidade e no Festival Universitário de Teatro.

Temos a certeza de que com essas iniciativas plantadas em vários pontos é possível sentir hoje o seu resultado,principalmente o crescimento que os grupos teatrais de nossa cidade vem apresentando..

Acreditamos que o teatro está sedimentado em nossa cidade e faz parte do cenário brasileiro por terconquistado seu espaço com um trabalho de qualidade, de representatividade e de formação de platéia, estabelecendoainda a comunicação necessária para o processo educativo, além de abrir portas para a percepção, para sonho, parafantasia e para espontaneidade sempre presente em nossas crianças.

Por essa razão é que o teatro vale a pena.

FENATIB:VVVVVivências de ivências de ivências de ivências de ivências de FFFFFormaçãoormaçãoormaçãoormaçãoormação

e e e e e TTTTTransformação.ransformação.ransformação.ransformação.ransformação.

Teresinha Heimann *

* Artista plástica, arte-educadora, Mestre em Educação do Ensino Superior na área de Estética pela FURB. Foi coordenadora do 1o ao 8o

Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau.Coordenadora do 1º ao 9º FENATIB

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Sabemos que o Fenatib é uma importante ferramenta para a cultura e a educação. Nosso olhar está voltadotambém para o fazer, contextualizar, apreciar, argumentar, fomentar e realizar discussões, contribuindo para o processode ensino-aprendizagem das crianças, como também dos pais e professores que tiveram ou não oportunidade devivenciar a arte em suas vidas enquanto crianças.

O acesso destas pessoas ao Fenatib faz com que o nosso público desenvolva o gosto pela arte em suasespecificidades, porque a arte envolve as linguagens e tem o poder de encantar, aguçar a criatividade, a percepção e oimaginário.

A criança necessita do estímulo, incentivada pelos pais e/ou educadores. São ações simples que podemmodificar a percepção pela cultura e o senso crítico deste público jovem para a continuidade e sobrevivência da arte.

Poder vivenciar essas linguagens é um privilégio de poucos, mas se bem aproveitadas, poderão ser umgrande marco para as crianças usufruírem a fantasia e envolverem-se na magia proporcionada pelos espetáculos.

Verificamos que há necessidade de trabalharmos cada vez mais engajados com os educadores, fazendocom que esses profissionais aperfeiçoem seus conhecimentos da arte, valorizando a cultura.

É sob este aspecto que a Fundação Cultural de Blumenau aposta na continuidade do Festival, desejando cadavez mais transformar este evento em uma ação maior, ampliando as discussões com profissionais de teatro e educação.

Fenatib: Cultura eEducação

Taiana Haelsner *

* Coordenadora do Festival a partir da 9ª edição. Especialista no “Ensino da Arte” e pós-graduanda em “Promoção e Gestão de Eventos”.

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Maria Helena Kühner *

Te-atrium = lugar de ver. Mas, como expressar/ fazer ver nosso complexo mundo contemporâneo? A perguntaparece permear todos os 31 espetáculos vistos no 7º FENATIB, remetendo a uma questão que aí se mostrou central: afalta, ou a busca de uma dramaturgia.

A falta de uma dramaturgia, no caso daqueles que, na ausência de respostas quanto ao que dizer contentam-se com:

- dirigir seus esforços no sentido de como dizer ( como se essa dissociação fosse possível!), concentrando-se noapuro e variação de recursos técnicos de todo tipo, de efeitos visuais, sonoros, uso de formas animadas, figurinos,adereços etc.etc. Resultam daí espetáculos em que se vêem atores com toda uma gama de recursos lúdicos / teatrais, emtermos de corpo, voz, movimento, gestual, mímica, capacidade de imitar, de caricaturar, de tornar presente um personagemcom uma bem-humorada visão crítica, de introduzir uma situação curiosa e interessante, de jogar com o improviso etc. etc.,mas cujo trabalho se esgota ou se dilui progressivamente por não conseguir se equilibrar no fio de um roteiro pobre, emque a estrutura cênica é primária, esquemática e repetitiva, em que a situação dramática não evolui, em que a fabulação(se, ou quando existe) é débil e insuficiente, os conflitos inexistem, a ação dramática, pouco ou nada desenvolvida, ésubstituída pela ênfase em diálogos tolos, cheios de gags, piadas, brincadeiras supostamente engraçadas, falas em queo lugar-comum é a tônica e os clichês se repetem, assim como se repete na cena o uso de recursos fáceis, macaquices egracinhas para tentar prender o público – que, muitas vezes, responde com dispersão e desinteresse crescentes.

- Ou um espetáculo em que se tenta, sem conseguir, compensar a pobreza de conteúdo e a falta de uma açãodramática com uma movimentação cênica – que não é em absoluto a mesma coisa - e da qual ficam igualmente excluídoso jogo de relações, contradições, revelações, peripécias e todos os demais elementos que compõem a seqüência deacontecimentos cênicos produzidos em função da ação de personagens. Ação que, obviamente, também se dilui ou seesvazia se esses personagens são estereotipados, sem consistência, indefinidos, se a mudança de cenas tem umapontuação deficiente, equívoca ou gratuita, sem nada que possa provocar a imaginação, enriquecer a percepção e asensibilidade do espectador infantil ou juvenil, ou estimular seu senso crítico e sua reflexão.

- A falta de uma dramaturgia também se evidencia no caso – que infelizmente ainda existe – de textos queinsistem em manter uma postura doutrinária ou moralista, em que uma trama ou narrativa banal, sem um mínimo deinventividade e de originalidade, é mero pretexto para uma “mensagem” ou “moral da história”, em que a relação adulto/ crianças é ainda uma relação autoritária, vertical, manipuladora, que as trata como “massa de manobra” oca e moldável,a ser normatizada e dirigida. O que é evidente no caso de espetáculos que provocam ou instigam a platéia infantil a umagritaria de macacos de auditório de TV, ou de animação de festinhas de aniversário – como no pior teatro de cunhomarcado ou exclusivamente comercial, que vê nas crianças apenas uma clientela mercadologicamente compensadora, naqual acham que vale a pena “investir”, até com uma produção dispendiosa ou visualmente atraente.

- Menos grave, mas mesmo assim ainda merecedora de atenção, a elaboração e/ ou domínio da expressão:assim como são equivocados um tati-bitati e/ou trejeitos, gritinhos e pulinhos supostamente infantis, é falha paralelatambém seu avesso, ou seja, o uso de termos, expressões, ou até idéias, pensamentos e visão que fazem parte daexperiência adulta – o que se revelou freqüente no caso de adaptações de contos / narrativas já existentes, que estavampreviamente direcionados pelos autores a um público adulto.

A busca de uma (nova) dramaturgia também se fez sentir naqueles que, dizendo-se ou sentindo-se compro-metidos com uma indefinida “contemporaneidade”, testam suas tentativas:

A Dramaturgia Ausente( e que falta ela faz! )

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- na renovação / inovação temática. Como dado mais auspicioso, no caso, um humanizador resgate de elementosesquecidos ou desqualificados por esta racionalista civilização ocidental cristã: o imaginário, a fantasia, a afetividade, olirismo e um humor lúdico e crítico, muito próximo, por vezes, da visão crítico-cômica da cultura popular. Aliás, repetiu-seneste ano um fato já registrado no 6º FENATIB: a ligação com a cultura popular, na pesquisa / adaptação de narrativas dediferentes raízes (indígenas, ibéricas, afro) ; ou no apelo ao folclórico, tomado como ponto de partida e com resultadostanto mais felizes quanto mais lhe foram acrescentados elementos novos e criativos capazes de fazer emergir suateatralidade; ou de uma escrita cênica pautada nos folguedos populares e incorporando, por vezes, de forma inventiva einovadora, seu humor, sua inversão de foco/ visão da realidade, sua síntese narrativa – mesmo que, às vezes, correndoo risco de assim reproduzir também os preconceitos de uma visão tradicional e conservadora.

- no uso da narrativa e resgate da palavra em sua oralidade e valor expressivo. Não cabe aqui a discussão daintertextualidade, ou do duplo, ou do falar simultaneamente em 1ª e 3ª pessoa que marcam a literatura (e não sódramática) contemporânea. Mas a inserção de traços narrativos, ou o trabalho com a narrativa oral cênica, foi uma dastendências mais marcantes ou um dos aspectos mais visíveis e constantes do Festival. O melhor ou o pior resultado, nocaso, ficou visivelmente ligado à capacidade de entender o que é uma linha de ação dramática e o que são os aspectosnarrativos da ação, ou seja, de não abandonar os recursos efetivamente dramáticos e cênicos. Do que vimos, quando oprojeto de encenação se sobrepôs ao texto, em vez de a ele se in-corpo-rar organicamente, a dissociação entre ambosacabou desvalorizando o texto – que assim perde seu potencial poético, mítico, mágico, não favorecendo sequer aencenação, ou seja, com prejuízo para ambos. O mesmo se dando no caso contrário, quando se enfatizou uma oralidadecentralizadora, “literalizando” toda a estrutura e esquecendo que teatro é re-present-ação, isto em uma ação que se fazpresença (no ator/ personagem) e presente (no tempo) e não simples “ilustração”, com a figura do ator, de cenas“contadas” ou descritas.

- na incorporação / fusão de diferentes linguagens, ora gerando um espetáculo multimídia (com projeções,vídeos, desenho animado); ou com inserção de técnicas de animação ( bonecos / atores), de técnicas circenses; ou coma dança, a música, a linguagem gestual /corporal como elementos ativos da expressão; ou fazendo do ator um performer,centrado em sua presença física e autobiograficamente estabelecendo uma relação pessoal e direta com os objetoscênicos e a situação em foco.

Mas, por tudo que vimos, uma conclusão se tornou possível e necessária: os melhores espetáculos foramaqueles em que:

- havia um bom texto, com uma carpintaria geradora de boas possibilidades cênicas;- com um adequado domínio da língua – não só em termos de correção ou da adequação à criança, mas decriatividade da expressão;- com uma temática sugestiva, não só enquanto idéia ou assunto, mas na própria forma de seu desenvolvimento,deram a encenadores e intérpretes um alicerce sólido para um desses trabalhos que é um presente para oespectador de todas as idades.

Enfim, o FENATIB continua sendo uma excelente panorâmica da produção para a criança e o jovem. Se oresultado final não apresentou um todo acabado e homogêneo, e sim irregular e díspar, nem por isso essa diversidadedeixa de ser significativa do revelar uma viva inquietação – sempre mais saudável que a apatia, o vale-tudo, ou omassificador comercialismo barato ainda presentes em nossos palcos.

* Autora Teatral, Pesquisadora e Ensaísta, com 26 livros publicados. Foi Membro de Direção, Consultoria ou Assessoria de diferentes órgãos

de cultura do RJ.

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Rubens Lima Jr. *

Para começar a falar de arte educação, é importante destacar quando isso começou na minha vida. Eraadolescente, tinha enormes dificuldades de relacionamento e era extremamente tímido, mas gostava muito de escreverpequenos textos e poesias. Uma amiga de escola me convidou então a freqüentar um grupo de literatura com jovens aossábados na Aliança Francesa da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e foi por aí que, junto com esses adolescentes, noinício, na prática e, mais tarde, “descobrindo” algumas teorias, principalmente os textos de Gianni Rodari (Gramática daFantasia- Summus Editorial) que começamos a trabalhar a criação verbal, fundando em 1984 o grupo Clãdestino de arteeducação.

A partir de então, o grupo se especializou na área da criação verbal e, dentro deste trabalho, nada é definitivo— pois ele se baseia na pesquisa de linguagens que estão sempre em mutação. No entanto, existem pontos básicos quedeterminam a maneira de atuar e trabalhar que gostaria de apresentar nesse texto.

Cada atividade que é desenvolvida, possui um tema central que é selecionado pelo seu potencial metafórico,pela freqüência com que aparece em obras poéticas e pelo processo de identificação que pode proporcionar ao participante.É fundamental, para a obtenção do trabalho criador, que o tema tenha uma ligação forte com o cotidiano de quemparticipa. Assim, há, por exemplo, uma atividade que utiliza o tema “lavação de roupas” e outro que tematiza uma“repartição pública”.

As atividades têm roteiros com maleabilidade suficiente para se adequarem ao público que pretendem atingir.Elas são modificadas de acordo com o local de sua realização e com a idade e posição social dos participantes. Estasalterações são feitas para que cada um possa trabalhar ao máximo a carga de vida que traz consigo.

Os roteiros de animação criativa produzidos são como mosaicos de citações diretas e indiretas de textos vindosda literatura, do folclore, da publicidade, do jornalismo e de outros ramos da comunicação de massa. Esse trabalhoprocura estimular a criação através de uma integração de todos os tipos de linguagem, já que o homem é em sicomunicação. Desta forma, aliadas às linguagens escrita e oral, aparecem a dramatização, a expressão corporal, a dançalivre, o canto, a música, o desenho, a escultura etc.

O modo de operar deste tipo de atividade baseia-se na tensão entre duas formas de discurso: uma, dominanteem nossa sociedade, a do discurso convergente e conclusivo, baseado na repetição, no já pronto e estabelecido; e a outra,a do discurso da criação, que é divergente e reelabora o real. O discurso da criação não anula o primeiro, apenas oincorpora e o ultrapassa, produzindo um campo transparente entre os dois. Dentro disto, se tomarmos como exemplo umjogo de futebol, a proposta será a de dar-lhe novas alternativas e modos de jogar, sem que a dinâmica do futebol sedescaracterize.

O clima é lúdico em todas as atividades, dando à expressão criadora uma desenvoltura maior. O ludismo permiteao participante — principalmente quando criança — o desenvolvimento de determinados aspectos de sua personalidadee ajuda a promover o seu ajustamento social, através de situações com as quais ele se identifica e nas quais vive seusproblemas. Tudo é realizado da forma mais bem-humorada possível. 0 clima pode variar da mais livre fantasia até oabsurdo e grotesco desbragado.

O riso lúdico serve como forma de expressão e desrepressão; estabelece cumplicidade e confiança entreparticipantes e animadores; cria, enfim, um clima psicológico propício à tarefa de criação. Na verdade, abre-se umabrecha para que o inconsciente se solte e para que a força metafórica do espírito vença barreiras, realizando um excelenteexercício de razão e emoção.

* Diretor de Teatro, Jornalista, Crítico de Cinema, e Professor do Depto. de Interpretação da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UNIRIO

A Formação DoArte Educador

Através da Criação Verbal

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Durante os trabalhos, o participante é encorajado a não repetir lugares-comuns, estereótipos ou clichês, sendoinstigado a ir além do já visto, sempre em busca do insólito. A senha para isto é “soltar o louco” na linguagem, tomar ogosto pelo ambíguo, pelo inacabado, pelo difícil.

A criatividade é explorada também enquanto análise e reflexão, visando formar um conhecimento crítico dofenômeno criador. Ela serve para explicitar a relação do texto literário como o mundo de cada um, já que as relações sociaissão observadas através das estórias criadas. Os problemas de convívio são colocados, então, em nível interpessoal,induzindo-se de modo lúdico à conscientização.

A partir destas premissas básicas, a formação do arte educador através da criação verbal vem realizando, aolongo desses anos, em grupo ou individualmente, diversos projetos. Além dos trabalhos de longa duração desenvolvidosem escolas e espaços alternativos com crianças, adolescentes, artistas e professores, é comum também o trabalho naanimação de eventos ocasionais — como lançamentos de livros e festas. Vários projetos comunitários já foram e atualmenteainda estão sendo desenvolvidos em diversas regiões brasileiras, graças principalmente às oficinas de criação verbal quesão ministradas em festivais, seminários, workshops etc.

Nas oficinas de criação verbal, as atividades possuem três formas básicas adaptáveis a variações segundo opúblico a que se destinem, seu nível cultural e faixa etária. A primeira forma é a chamada “sessão”, onde, a partir de umtema central, brincadeiras e jogos verbais são concatenados em um roteiro de animação que se desenrola em um tempodeterminado. A atividade é centralizada, os participantes desenvolvem atividades semelhantes simultaneamente e sãoconduzidos pelos animadores, que criam situações e procuram levá-los à criação pelo exemplo e pela cobrança deposicionamento diante da situação criada. Ou seja, não há, formalmente, exercícios separáveis, não está presente afórmula “agora vamos fazer o seguinte “modelo”. A sessão é uma grande brincadeira, ou uma grande peça em que osatores/autores constroem o texto aos pedaços.

Na segunda forma temos os “jogos de mesa”. São jogos criados pelo Grupo Clãdestino, em geral a partir dejogos tradicionais, que são dispostos simultaneamente e abertos à adesão dos participantes. Dentre estes, podemos citaro Jogo de Drama (a partir do jogo de damas), o Tome-Nó (a partir do dominó), a Cartomante, o Xofrango-Frango, o TôAí Nessa Boca etc. Os participantes desenvolvem atividades diferentes ao mesmo tempo, sem a existência de roteiro oucentralização, o que não dispensa, porém, a presença do arte-educador como dinamizador.

A terceira forma são os “jogos de estandes”, nos quais os participantes também desenvolvem atividadesdiferentes simultaneamente, inexistem centralização e tempos predeterminados, como nos jogos de mesa. Este tipo dejogo se apresenta de três maneiras distintas. Na primeira, os jogos não têm relação entre si. Já na segunda, existe um temacentral que inter-relaciona todos eles, como por exemplo, a Festa Junina. Na terceira, há um processo contínuo, em queuma série de estandes diferentes são dispostos seqüencialmente, como numa linha de montagem. Cada participantesegue a seqüência de atividades predeterminada, que possui uma lógica e é guiada por um tema central, como porexemplo a Repartição Cúbica, que satiriza as diversas etapas vividas numa repartição pública.

A formação do arte educador torna-se hoje em dia cada vez mais complexa pois as dinâmicas do fazer artístico,aliadas a avanços tecnológicos, vão provocar constantemente mudanças conceituais. Porém através de um trabalhoessencialmente prático, desenvolvendo antes de tudo a criatividade e a imaginação, tendo como premissa básica que acriatividade deve permear todo o processo criativo e emocional, podemos começar a trilhar e desenvolver a formação doarte educador.

A Interpretação NoTeatro de Bonecos

Humberto Braga *

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite para participar desta mesa que me parece bem interessante.Não porque faço parte dela, mas pela diversidade das pessoas que aqui estão. Todas diretamente ligadas ao tema – oteatro de bonecos ou o teatro de animação – mas por caminhos e atividades distintos.

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É uma honra para mim participar do 8º FENATIB. Este Festival representa, no meu entender, importante espaçode debate, de difusão e de troca de experiência para aqueles que se dedicam ao teatro para crianças. Acompanho durantemuitos anos a dedicação e a competência de Teresinha Heimann. Sei que é a sua crença na arte que impulsiona o esforçopara esta realização. Merecem, portanto, nossos aplausos, a Fundação Cultural de Blumenau, Teresinha e toda sua equipe.

Eu comecei fazendo teatro de bonecos no Grupo Revisão, no Rio de Janeiro, no início da década de 70. Depois,passei para o serviço público e, durante muitos anos, estive mais ligado às políticas públicas e à política cultural. Se por umlado essas experiências afastaram-me do fazer artístico, por outro, me deram a oportunidade de ter conhecido de pertoas realidades diferentes e a diversidade das artes cênicas em todas as regiões do país.

Quando tomei conhecimento do tema desta mesa – a interpretação no teatro de bonecos - a primeira questãoque me veio à cabeça foi refletir um pouco sobre a diferença entre interpretação no teatro em geral e no teatro de bonecos.Claro que existem diferenças, embora a base seja a mesma que é a do próprio teatro. Substituo, inclusive, o termodiferença por complementação ou extensão porque o teatro de bonecos necessita do conhecimento do fazer teatral eexige um conhecimento que vai mais adiante, o de suas especificidades.

No sentido mais amplo do termo, interpretar significa dar vida. Eu definiria interpretação em arte como dar vidacom autoria. Dar vida através de códigos de linguagem da comunicação não objetiva. O vôo da criação artística deveassegurar-se de completa liberdade e ousadia mas necessita também das balizas da dramaturgia, do perfil do personagem,da encenação e da especificidade da linguagem. O impulso da criação artística voa – e deve voar alto - mas, em seguida,deve planar e se ajustar no contexto da obra onde está inserida.

O boneco ou o elemento que o ator lança mão para sua expressão aparece ou pode aparecer como um meioentre a criação e a sua expressão. O teatro de bonecos, além de lidar com a base de teorias do próprio teatro, do ator, dainterpretação, lida ainda com a técnica que possibilita o meio entre sua criação e sua expressão.

Cada técnica de manipulação possibilita uma força de expressão apropriada que deva ser explorada em funçãodo papel que está sendo criado. Isto tem sentido e acho que nós todos concordamos com isso.

A grande dificuldade é que não existe uma dramaturgia específica para o teatro de bonecos. São raros os textosapropriados e, geralmente, são utilizados textos do teatro para atores ou adaptações de literatura e, em ambos os casos,a interpretação do ator/do manipulador carece de orientação que auxilie a criação do papel e de indicações ou rubricasespecíficas.

Mas de que teatro de bonecos estamos falando? E qual o conteúdo da interpretação que estamos buscando?

É verdade que cada técnica como a luva, vara, marote, fio, mista, sombra, possibilita melhor uma interpretação.Imaginemos um Professor Tiridá, buscando um exemplo conhecido, interpretado com boneco de fio. Fica até engraçadoimaginarmos isso. O teatro popular de bonecos, na grande maioria, trabalha com a luva porque possibilita mais agilidadee força de expressão apropriada.

Sobre isto Álvaro Apocalipse, nosso querido Álvaro, fala muito bem no livro sobre Dramaturgia para a novaforma da marionete. Ele afirma com muita propriedade que a marionete (o boneco) não fala certas coisas o que quer dizerque nem todo texto do teatro convencional se prestaria a uma montagem desse gênero. Ele vai mais longe e nos instigacom uma reflexão contundente. Ele diz que o boneco, guardadas as proporções, é um instrumento assim como o violãotambém o é. Servem a algo que transcende sua materialidade que é a expressão artística. O boneco é pois um instrumentoque serve à expressão do teatro.

Neste texto, Álvaro situa-nos no interregno entre o homem e o instrumento. Dá luz ao campo que vai além damaterialidade e do objetivo e alcança o terreno da criação que é subjetiva, volátil e toca no sentido.

Eu assisti certa vez uma interpretação com boneco de fio onde - com um domínio técnico raro e uma interpretaçãoexuberante – o boneco rebelava-se contra os fios que o manipulavam. Subia pelos fios e chegava até à mão do manipulador,obrigando-a a comandar outra ação que ele, o boneco, desejava. Foi inesquecível. Mais brechtiniano impossível.

No Grupo Revisão, criei um bicho-folha que era, de certa forma um boneco de luva porque era todo vestido namão apesar de que era em pedaços: os olhos, a boca etc. Era uma interpretação extremamente naturalista. A interpretaçãobuscava um personagem em torno de como vivia meu bicho-folha, na natureza, embora com alguns componentescaricatos e imitando o humano. Ele era sonolento, falava pausado com voz grave e tinha um tom assim de filósofo, depensador. A empatia que este bicho criava com crianças era impressionante. Certa vez, uma mãe me procurou nocamarim, no final do espetáculo, e me apresentando um menino de uns 7 ou 8 anos, disse que seu filho já tinha assistidoao espetáculo umas três vezes. Contou-me também que, uma vez, saiu a foto do bicho-folha no jornal, na divulgação do

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espetáculo e ele recortou a fotografia e pregou na cabeceira de sua cama. Tudo que ele queria ali era ver o bicho-folha deperto. Diante desse depoimento, fui rapidamente vestir o bicho folha e o trouxe pra perto do menino. Quando ele viu, assimde pertinho, estendeu as duas mãozinhas querendo tocar no boneco e com a voz trêmula baixinha murmurando:biiiiiiichofoooooolha... Era um ídolo que se incorporou no seu subconsciente. Aqui, me remeto mais uma vez ao texto doÁlvaro Apocalipse, quando ele diz que o boneco legitima a informação para a criança. Daí, ser um excelente meio do teatrona educação. Mas este é um tema para outro debate.

Outra cena inesquecível pra mim foi num espetáculo do Ventoforte. Ilo Krugli tratava os bonecos numa linha maisbrechtiniana. Era até considerado no meio como um artista que não fazia teatro de bonecos e o utilizava num planosecundário ou como um meio de auxílio ao ator. Eu vi um espetáculo seu em Curitiba e, em certa cena, um boneco que elelevava de mão dada virava para a platéia e perguntava o que vocês acham que vale mais que dinheiro. Só vamosconseguir resolver este impasse – e era o conflito da peça - com alguma coisa que vale mais que dinheiro. Eu vi – ninguémme contou – eu vi uma criança chegar perto do palco tirar a bala da boca que estava chupando e entregou ao boneco.

Existem muitas teorias, regras que estudam a arte da interpretação. Não tenho a pretensão aqui de, em algunsminutos de conversa, avançar nem um pouquinho nas teorias x ou y. Preferi lembrar e contar alguns momentos que naminha vida, vendo ou fazendo, o espetáculo teatral foram inesquecíveis. E foram tantos que quando me lembro dessasexperiências sinto o quanto tocaram minha emoção. Porque a interpretação de tal forma adequada ao personagem, aotexto, à encenação, à técnica alcançou a síntese de tudo isso.

Sobre o teatro de bonecos na atualidade.

“O teatro de formas animadas responde a uma necessidade muito atual de trazer de volta os símbolos,ausentes do homem moderno. O Teatro de formas animadas é uma arte a serviço de idéias e emoções que não querempermanecer a nível consciente apenas mas, em tomando forma material, transcendem a própria matéria e revelam umarealidade invisível.” (Ana Maria Amaral, na coleção Texto e Arte, da Editora Edusp)

Uma transformação significativa aconteceu no teatro de animação do país, nas últimas três décadas. Mesmodiversificando a produção por diversos caminhos de estilos, este teatro avança sua trajetória com muita vitalidade. Partesignificativa dos grupos de teatro profissionais existentes, no país, com esta característica de grupo é deste gênero. Narealidade, este teatro venceu inúmeras barreiras e discriminações por fatores que, na realidade, deveriam ser seusméritos. Primeiro, por sua origem de expressão popular, depois, por sua ligação com o teatro infantil.

Superou as dificuldades, alargou cada vez mais seu espaço no panorama artístico de Norte a Sul, conviveu comdiversos estilos e tendências de todos os cantos do mundo e firmou nomes de grupos, dentre os mais respeitados dentroe fora do país.

Um componente forte da linguagem é a sua convivência com as artes plásticas, com a mímica, com a dança, ecom pesquisas avançadas no campo da música, da luz e de técnicas específicas.

Isto tudo cria até uma área nebulosa de compreensão sobre as variações de conceito entre teatro de formas animadas,teatro de animação, teatro de objetos, que nada mais é do que um enriquecimento de suas infinitas possibilidades.

O intercâmbio com diversos países é outra característica deste fazer artístico. Aliás, um dos primeiros festivaisinternacionais que inauguram a idéia de “país-tema” é o Festival de Marionetes de Charle-Ville, na França, quando foidedicado ao Brasil. O Centro UNIMA BRASIL auxilia a relação do movimento brasileiro com o movimento internacional. Aaproximação do Brasil com outros países e, em especial, com a UNIMA é resultado do trabalho de artistas e estudiosos queconseguiram difundir internacionalmente a importância do gênero.

Outra característica do teatro de animação, além do incessante estudo, é a necessidade de aproximação deseus artistas e de seus estudiosos, o que talvez tenha concorrido para que sua entidade – a ABTB - sobrevivesse durantetodo esse tempo superando também dificuldades.

Hoje, a realidade do teatro de animação mostra um quadro diferente de três décadas atrás. Alguns gruposcriaram e mantêm verdadeiros “centros de referência”, instalados em imóveis construídos ou adaptados com teatros,oficinas, bibliotecas, museus e acervos preciosos. Dedicam-se à produção, à experimentação e à formação de novosartistas. Em Curitiba, em Belo Horizonte, em Olinda, estão alguns deles em funcionamento permanente. Na Universidadede São Paulo, funciona um curso de pós-graduação, em nível de doutorado, na especialidade para onde vêm artistas deoutros Estados e ali, em nível acadêmico, aprofundam seus estudos. Os Festivais também se consolidaram e se destacamno calendário cultural do país promovendo o intercâmbio e difundindo o que há de melhor no panorama internacional.

A Associação Brasileira de Teatro de Bonecos, mesmo passando por altos e baixos, pode ser considerada um

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símbolo de resistência. Um raro exemplo de entidade de natureza cultural que comemora, em 2004, 31 anos de existênciacom efetivos trabalhos realizados.

A diretoria eleita, em janeiro de 2004, assumiu publicamente um compromisso: repensar a entidade a partir dasua história que foi relevante mas que necessita, agora, acertar seus passos, e enquanto entidade associativa, encontrartambém um novo papel frente ao que foi construído pelos próprios artistas. Estamos experimentando o trabalho atravésde comissões e o resultado já aparece. Nosso boletim alcança o quinto número. Sugiro que entrem em contato eacompanhem as notícias que vêm de diversos pontos de dentro e de fora do país.

Foi muito gratificante estar aqui durante estes dias com vocês.

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Magda Modesto *

Por muitos, classificada como sendo a primeira manifestação cênica, historicamente, registrada em diferentescomunidades, o Teatro de TÍTERES espelha as diferentes sociedades. Espalhados, mundialmente, os títeres sãofreqüentemente atribuídos à antropologia, entretanto, não pertencem apenas a esta, e à tradição, mas, acima de tudo, aoteatro e à contemporaneidade.

Como dizia Sergei Obrasov ‘O títere não é a imitação de um ser vivo, mas uma imagem coletiva transformadanuma alegoria’... - uma figura plástica, inerte, que para representar uma personagem depende da interpretação de umATOR para tornar-se uma imagem ‘movente’, diria mesmo ‘comovente’, pois busca e rebusca, no fundo d’alma, aslembranças, os sonhos e os mitos ou mesmo propicia, num distanciamento ‘bretchiano’, uma análise crítica através dodeboche, da ironia, da dramaticidade...

Peculiar às Artes, em geral, é o ato da criação e da identificação com a obra. Uma Obra de Arte só é reconhecidacomo tal através desse processo - um ato SUBJETIVO, ABSTRATO, compartilhado tanto pelo AUTOR como pelo seupúblico - o CATALIZADOR da mensagem, o CO-AUTOR.

Como afirmam os Javaneses ‘CRIAR é despertar a ALMA’ - por a ÂNIMA EM AÇÃO.- acordar o terceiro olho(órgão da visão interior).

Congregando conceitos de síntese, de transformação, de realização do impossível plausível, o Teatro deTíteres ou de Animação, Arte Cênica que é, se apropria também de todas as convenções teatrais.

Em seu livro “Towards an aesthetic of the puppet”, Steve Tillis – dramaturgo e pesquisador americano - comentasobre a responsabilidade do titeriteiro em fazer com que seu público se identifique com a alma de sua personagem, e que,acima de tudo, possui vida própria.

O que diferencia a Arte do Títere das outras artes, afirma Tillis, é a ‘atribuição de vida própria ao inerte’ -– umsimples ato de transformação do OBJETO em SUJEITO realizado pelo ANIMADOR (titeriteiro) que induz o PÚBLICO aacreditar na independência desse SER com ‘alma’ e ‘vida’ próprias.

Para tal transformação, o ANIMADOR não pode, apenas, ´MANIPULAR‘ - processo externo, ato frio dedestreza - necessita INTERPRETAR - processo interno de busca da sua personagem - uma ação calorosa de envolvimentoe amor. Pressupõe-se, então, que uma das convenções teatrais primordiais ao Teatro de Animação imprescindível naformação do ator-ANIMADOR (Titeriteiro) é a arte da INTERPRETAÇÃO. Só através desta pode o público, num processo

Animar TíteresManipular ou Interpretar?

* Profissional de Artes Cênicas, Especialista em políticas públicas na área cultural. Diretor de Produção e Ator. Especialização emGestão Pública no Centro de Treinamento do Pessoal do MEC.

* Titeriteira, Professora, Consultora em Teatro de Animação. Pesquisadora e Colecionadora de Títeres de Expressão Popular.

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de co-criação, acreditar na vida autônoma do títere.

É, pois, importante que o TITERITEIRO trilhe os caminhos do ATOR “HUMANO“ 1 que, para compor apersonagem, desenvolve um processo de pesquisa tanto psicológico quanto físico e apresenta a mesma em seu própriocorpo. Já o TITERITEIRO, ator que é, além da destreza do manipular, necessita desse mesmo processo de pesquisapara concretizar sua personagem, isto é ANIMAR (alma e energia) ao, até então OBJETO.- INERTE.

Bibliografia:

- OBRATSOV, Sergei – My Profession – Raduga Publishers, 1985, União Soviética.

- TILLIS, Steve - Towards an aesthetic of the puppet- Puppetry as a Theatrical Art – Greenwood Press, New York, EUA.

A Tessitura DoEspetáculo Teatral

Carlos Augusto Nazareth *

“Nas mais diversas culturas surge periodicamente a tendência para considerar o mundo como um texto econseqüentemente o conhecimento do mundo é equiparado à análise filológica desse texto: à leitura, à compreensão,interpretação...

...o texto universal compor-se-ia por “textos da vida” e “textos da arte”: unicidade contra pluralidade, existindo entreestas um isomorfismo geral ou mesmo uma relação generativa.” (Lotman e Uspenskij, 1973).

A partir destas afirmações de Lotman e Uspenskij, podemos pretender tomar um texto como expressão douniverso.

O macrotexto - o universo seria composto de milhões de microtextos que, interligados, o estruturariam.

E ainda mais: textos de arte refletem por mimetismo – conceito encontrado na Arte Poética de Aristóteles - ostextos da vida.

É a vida representada na arte.

Entretanto, o texto teatral é um dos muitos gêneros que, como muitos outros, reproduzem o mundo real atravésda “mimesis”.

“ O indizível – aí é que começa a Arte” (Herbert Read).

A palavra textus é o particípio passado de texere, empregado em sentido figurado, metáfora que considera oconjunto lingüístico do discurso como um tecido.

Compreende-se que a palavra textus tenha surgido num mundo judaico- cristão que possuía as tábuas da lei“escritas pela mão de Deus” (Êxodo,31,18) que assim torna sagrado o próprio ato da escrita. E o teatro tem sua origemno sagrado também.

O texto expressa o mundo e a compreensão e interpretação dos textos é a compreensão e interpretação da vidae do mundo.

1 - termo empregado por Sergei Obrasov, em seu livro “My profession” - pg. 27, em substituição ao, usual, “Ator dramático”.

* Professor de Literatura, especialista em Literatura Infanto-juvenil, Escritor, dramaturgo, Diretor Teatral, Crítico de teatro infantil do Jornaldo Brasil. Tem oito livros de ficção publicados.

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“A arte é a expressão da consciência humana em uma imagem metafórica única” (Susanne Languer).

O espetáculo teatral é uma narrativa que começou a ser analisada sistematicamente nos anos de 1915-1930, pelosformalistas russos que se apoiavam nas sugestões do grande folclorista Veselovskij. E foi ainda um folclorista, Propp, que,nesses mesmos anos, levou mais longe o método de análise. Estas investigações foram retomadas a partir dos anos 50, coma contribuição de etnólogos como Levy-Strauss e teóricos da literatura como Todorov, Bremond.

Partindo do conceito de trama, tecido, urdidura, o espetáculo teatral é um tecido composto da urdidura e tramade diversas linguagens: o texto, o ator – corpo, voz, interpretação, cenário, figurino – ou seja, a plasticidade, a música, aluz. Portanto o espetáculo tem idéias, emoções, música, plasticidade, movimento – corporalidade. Tem, além da açãodramática, a ação no sentido de fisicalidade, tão presente no teatro antropológico de Eugênio Barba.

Cada uma destas linguagens – e ainda há outras que se podem associar, como a linguagem de animação, doclown, do contador de histórias – têm, cada uma delas, que ser plenamente conhecida e dominada por seus executores. Énecessário que os criadores se apropriem das técnicas. Linguagem tem sentido, código, sintaxe. A luz tem significado, omovimento é narrativa, o som, a música é texto, o ator em movimento é a fisicalidade do teatro, que tem significado.

Portanto, é necessário para uma expressão artística que aceita, comporta, tantas linguagens que cada umadelas seja plenamente exercida e que seu conjunto resulte num todo único e harmônico, esteticamente agradável, quepasse emoção, prazer estético, que emocione e faça pensar. E o teatro para a infância como todo e qualquer teatro precisade todos estes requisitos para ser teatro.

“A fábula deve ser constituída dramaticamente, isto é, deve compreender uma ação única, que forme um todo coerentee completo em si mesmo e tenha princípio, meio e fim, de modo que seja um perfeito organismo vivo que possa produziro prazer o que lhe é peculiar. “ (Aristóteles).

Hoje a cena do teatro infantil, pelo que se viu na amostragem/Brasil que acontece no Festival de Blumenau, adiversidade de técnicas atrai os realizadores. Teatro de marionetes, teatro de sombras, narrativa oral cênica, o clown ediversas outras formas de expressão cênica estão presentes no palco. No entanto, esta diversidade e complexidade de tramartodas estas linguagens, exigem do realizador um conhecimento profundo das técnicas das quais se utiliza.

Um cirurgião que não domina bem sua técnica, mata seu paciente, o criador, a sua criatura.

Muitas das vezes, percebemos a intenção do criador, mas percebemos também a sua falta de pesquisa, estudo econhecimento. O Festival de Blumenau propicia uma oportunidade única de debate entre criadores e especialistas, um momentomuito mais vivo que uma crítica, pois permite o debate, os questionamentos, as dúvidas, perguntas e questões – reflexão.

De modo que vemos espetáculos de marionetes onde as pessoas não dominam a sutil técnica do fio, espetáculosde clown onde as pessoas não entenderam ainda esta linguagem. Parece que no teatro a ordem é fazer. Mas que fazeracontece se não traz o conhecer, o pesquisar, a técnica. O “achismo” ainda preside a maioria das nossas produções, comhonrosas exceções.

E é nessa tessitura composta de miríades de linguagens que se revela o desconhecimento das linguagens edessa forma não se consegue chegar a um tecido uno, esteticamente agradável, onde a qualidade seja o que produz oprazer estético, como diz o diretor inglês Peter Brook.: “A beleza de uma peça está na qualidade e na perfeição que opúblico é nela capaz de identificar”.

Nesta era de globalização, a criança ao pé da Internet não é mais a criança ao pé da lareira, mas ainda éessencialmente Criança. E nesta busca de manter viva esta Criança é que os criadores acompanham o seu tempo, como olho no futuro, o pé em suas raízes e suas cabeças eternamente no sonho.

As múltiplas expressões artísticas mantêm uma interlocução cada vez mais intensa, caminham adiante sempreem busca de nova formas de expressão.

Narrativas e histórias encantam o mundo desde o tempo do em torno da fogueira até hoje quando sobe aospalcos dos teatros. As histórias – em suas diversas formas de manifestação dominam os espaços, os mais diversos eganham novos contornos. E mais uma vez, neste momento, literatura e teatro caminham juntos

Teatro e literatura revivem - pois a história nos mostra momentos semelhantes - um processo criativo em construçãode uma forma de expressão que tem sido predominante nos espetáculos apresentados para criança - a linguagem teatral e oator, a linguagem da narração e o contador se unem, interagem, se complementam e recriam o contar.

O mostrar inerente da dramaturgia e o contar inerente da narrativa épica, vêm se associando nos palcos; não

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só do teatro infantil, mas do teatro adulto também. Mas no teatro infanto-juvenil predomina setenta por cento dasproduções, aproximadamente, no momento. Isto visto não só no próprio Festival de Blumenau, que nos dá essa visãoBrasil, como no nosso ofício de crítico de teatro infantil do Jornal do Brasil.

A narrativa oral cênica domina os palcos. Nada contra a narrativa oral cênica. O teatro grego narrava as cenasmais cruentas de mortes e assassinatos e não mostrava, no cinema Stanley Kubrick em seu filme “A morte passou perto”de 1955, que o lançou para o mundo. Mas é preciso que todos estejam atentos a algumas questões:

1. O teatro mostra e isto o torna único.2. Nada é proibido no teatro. Podemos portanto mostrar e contar.3. O contador de história que renasce precede ao teatro na história da humanidade e agora busca seu lugarno palco, sobre os refletores depois que as fogueiras se apagaram e se acenderam os televisores e DVDs.

No entanto narrativa dramática é uma coisa e narrativa épica é outra. Pode-se utilizar as duas no mesmoespetáculo, mas é imprescindível que quem as utilize domine as duas narrativas. Narrador não é contador. Narrador dizo texto independente de sua platéia, com ou sem quarta parede. O contador, sua história se faz na interlocução. Ocontador esboça seu personagem, rascunha, com um gesto, uma palavra, uma voz. O ator compõe integralmente seupersonagem, com voz, corpo, sentimento, intelecto, sintaxe própria. Um ator ainda pode contar, embora tenha que sepreparar para isso, mas dificilmente um contador poderá atuar se não se preparar muito para isso.

O contador traz um figurino neutro ou que se referencie ao todo do que conta, o figurino do personagem ajudaa compor a personalidade dele. O contador é neutro, pois precisa dessa neutralidade para ser muitos, o personagem édefinido, inteiro, íntegro.

E mais mil e umas nuances poderiam ser enunciadas, só que no modismo do contar e do mostrar as pessoasconfundem narrador com contador, contador com personagem, e acabam por colocando o ator, sem preparo específico,para contar, perdendo, assim a força da palavra, e colocando o contador, sem preparo, para atuar, fazendo assim umteatro de má qualidade.

No teatro – e por que não na vida – tudo pode, mas com competência.

“Um galo sozinho não tece uma manhã,

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito e o lance a outro;

de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro;

e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue,

se vá tecendo, entre todos os galos.”

João Cabral de Melo Neto

OS CONTADORES DE HISTÓRIA E O PALCO – A NARRATIVA ORAL

Hoje os contadores invadiram todos os espaços possíveis e isso é um fenômeno mundial. Temos contadores emcongressos, simpósios, festivais, proferindo palestras, contando em empresas, teatros, na Internet, tv, rádio, no espaçopúblico e privado, na área acadêmica e na educação informal.

Isso tem sido possível porque muitos contadores perceberam que necessitavam pesquisar e desenvolver umatécnica própria e uma consciência artística.

A arte de contar histórias surgiu muito antes do que outras artes e portanto quando vemos hoje contadores seapresentando em teatros não podemos dizer que seja algo sem sentido. É levar para a cena uma arte que já foi professada

* Benita Prieto – contadora de histórias – idealizadora do Simpósio Internacional de Contadores de Histórias, que se realiza há quatro anosno Rio de Janeiro, promovido pelo SESC.

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em praças, mercados, casas, palácios, ocas, senzalas, montes. Mas é importante diferenciar o teatro da narração dehistórias. Inclusive porque nasceram com vocações e funções diferentes.

Uma história sempre é apresentada e nunca representada. O público não é espectador, é interlocutor, já que ahistória se constrói coletivamente com o contador e o ouvinte. Os personagens dos contos são sugeridos e não vividos pelocontador. No teatro, temos a ação, já no ato de narrar a sugestão que suscita, na imaginação do ouvinte a construção dasimagens trazidas pelas histórias. A criação da história é coletiva, para tal o publico e o contador coexistem no mesmo tempoe espaço do era uma vez.... Todos vivenciam a história. E o mais importante é que, despida de todos os recursos cênicos,a narração sobreviverá sempre pois a palavra, a voz e o gesto do contador já são a própria cena.

O trabalho do contador está ligado à oralidade artística que contém inúmeras outras formas de expressão oral,como a que usamos nas nossas famílias, escolas, bibliotecas, bares. Daí a importância de percebermos que estamosvivenciando e compartilhando um momento cultural novo que terá de ser estudado e aprofundado pelos teóricos mas quese constitui num movimento cultural mundial de pesquisa e reinvenção de uma arte em evolução. É uma bela contribuiçãopara a renovação da cena dando a possibilidade de trabalhar com os microcosmos ou universos que compõem o mundo.A arte de narrar permite que pequenos grupos consigam expressar seus desejos artísticos através de um contador dehistórias. E daí vale o contador que conta sem recursos teatrais, vale também o que os usa, sem esquecer daqueles quemesclam narrações e atuações ou dos que usam um mesmo personagem que passa a ser o seu contador que contahistórias. Sem regras mas com o desejo de experimentar e construir uma nova linguagem, pois tudo pertence a algo maiorque se chama oralidade e que não admite limites.

Lourival Andrade*

Ao longo destes oito anos, acompanhando o FENATIB, como selecionador, debatedor e acima de tudo admirador,resolvi escrever sobre um tema que tenho me dedicado nestes últimos anos - o circo-teatro - e que agora percebo anecessidade de discutir, utilizando como espaço a Revista do Festival.

Ainda paira, entre os analistas de teatro, a velha pergunta: O que é teatro para criança e o que é teatro paraadultos?

Estudando e agora acompanhando espetáculos de circos-teatros, percebo que os seus espetáculos cabempara todos, como eles mesmos insistem em afirmar: Um espetáculo para famílias. O que chama a atenção é que o teatro,dito popular, consegue penetrar não só várias camadas sociais, mas também várias faixas etárias. Neste texto, pretendoapresentar aos leitores da revista um pouco da dramaturgia utilizada por estes circos-teatros e, em especial no Circo-Teatro N’Ana, a sua relação com o melodrama e com seus discursos.

Circo-Teatro:Teatro sem Idades

* Diretor e ator do Rinoceronte Alado Núcleo de Teatro e Dança/Itajaí-SC - Graduado em História/Univali - Especialistaem Teatro pela FAP/PR - Mestre em História Cultural pela UFSC - Doutorando em História – Cultura e Poder/UFPR -Diretor premiado em diversos festivais de teatro em todo o Brasil.

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1 O Circo-Teatro Nh’Ana fez muito sucesso entre as décadas de 40 a 70 em Santa Catarina, Paraná e São Paulo, tendocomo proprietários da companhia Isolina Almeida de Oliveira (Nh’Ana), Benedito Alves de Camargo (Tareco), AbigailCamargo (Biga), em suma, uma família que contratava artistas para participar das montagens e shows musicais. O quediferencia, principalmente o circo-teatro do circo tradicional, é que no primeiro não são utilizado animais, nem númeroscircenses espetaculares. Há no circo-teatro apresentação de uma peça teatral, normalmente acompanhada de um showmusical e de números especiais com o palhaço principal da companhia.2 MAGNANI, José Guilherme Cantor - Festa no Pedaço: Cultura Popular e Lazer na Cidade - São Paulo: Ed. Brasiliense,1984 - p. 126.3 AUGUSTO, Sérgio - Este Mundo é um Pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK - São Paulo - Cinemateca Brasileira/Companhia das Letras, 1989 - p. 17.4 AUGUSTO, Sérgio - Op. Cit. p. 29 - 1988 - p. 279.

O Circo-Teatro Nh’Ana1 montou ao longo de sua vida uma infinidade de peças, que os próprios artistas têmdificuldade de precisar e, isto é impossível, principalmente porque os relatos são poucos, sobrando apenas os livros decontas e o que a memória viva dos artistas pôde reter.

Do drama à comédia, e, é claro, percorrendo com muita intensidade o melodrama, este circo-teatro levou parao interior de Santa Catarina e de outros estados, entretenimento e lazer para pessoas que, na periferia dos grandescentros culturais, tinham por meio destes andarilhos e saltimbancos a possibilidade de se aproximar do mundo moderno.Estas companhias traziam o que havia de mais moderno em som, iluminação, figurinos adequados às montagens da épocae cenários que tentavam levar a imaginação dos espectadores para um mundo diferente do seu cotidiano.

As peças montadas pela companhia eram categorizadas como comédia, chanchada, alta comédia e drama.

A comédia ou chanchada não possuía um texto, mas um roteiro que era combinado entre os artistas antes decomeçar a apresentação. Era o momento da improvisação. Neste contexto, era perigoso ser dito algo que Nh’Ana nãogostasse, por isso todo cuidado era pouco para não fugir daquilo que o grupo se propunha, ser uma família apresentandopara famílias. Esta propaganda onde uma família estaria apresentando seu trabalho para famílias aparece em quasetodos os circos que já foram pesquisados no Brasil, como é o caso do Circo Rosemir que se apresentou no Jardim TrêsCorações na Zona Sul de São Paulo, onde o apresentador Clodoaldo enfatiza:

“Certo de que o espetáculo será do agrado das famílias de Três Corações, que saberão prestigiar o trabalho de umafamília que ali está para trazer um pouco de alegria às famílias da distinta localidade.” 2

Esta relação com o improviso está ligada às mais antigas tradições do circo e do teatro. A tradicional ComédiaDel’arte era desprovida de texto fixo, ficando ao encargo do ator o desenrolar de um roteiro previamente estabelecido pelacompanhia. O uso de elementos da Comédia Del’arte nos circos-teatros se faz notar não só pelo improviso (marca maisimportante), mas na capacidade de inventividade dos artistas, nas saídas burlescas, do colorido das falas e nos quiproquósdesencadeados a partir de uma proposição de um dos personagens. Tudo com muita rapidez sem deixar a platéia respirarpor muito tempo e mostrando a plena integração do elenco com o seu fazer artístico, esta confiança entre os artistas erafundamental para que seu objetivo fosse alcançado.

Vale ainda ressaltar que estas comédias sem texto fixo ou também conhecidas por chanchadas não eram bemvistas pela crítica, que preferia os textos formais e elaborados segundo uma métrica aristotélica, considerando estes espetáculosmenores e com pouco valor artístico. João Luiz Vieira, em seu ensaio sobre a paródia no cinema brasileiro, Riso Amargo (aser publicado) , afirma que o termo chanchada tem origem italiana, derivado de “cianciata”, que segundo o Grande Dizzionariodella Lengua Italiana, significa “um discurso sem sentido, uma espécie de arremedo vulgar, argumento falso”3. No nossoDicionário Aurélio aparece o termo chanchada como: “porcaria”, “peça ou filme sem valor, em que predominam os recursoscediços, as graças vulgares ou a pornografia.” E “qualquer espetáculo de pouco ou nenhum valor”.

Esta discussão sobre o valor da chanchada no Brasil se dá principalmente no cinema, mas como os artistas decirco-teatro também usavam este termo para definir suas comédias de improviso, acredito ser necessário percorrer asorigens deste tipo de espetáculo, que tanta polêmica ainda causa nas publicações sobre a mesma.

“Os esforços para se reavaliar a importância cultural da chanchada, sem as lantejoulas do passadismo, não renderamaté agora um acervo satisfatório.” 4

As altas comédias eram apresentadas com textos elaborados por Nh’Ana ou comprados nos grandes centros.Um dos textos de Nh’Ana montados pela companhia foi “O Casamento de Nhô Bastião” (comédia em 2 atos) onde oprotagonista faz comparações entre a sua noiva e uma égua, inclusive na presença do pai da moça – Bento, ridicularizandoa personagem feminina, marcante em muitos textos da autora:

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“Bento: Fale logo, deixe de redeio.

Bastião: Nun chácuaia, i como to só, careço arranjá um divirtimento. Quero lhe pidi a mão co corpo i tudo materiá da suaégua, quero dize, da sua cria Maruca.”

Aproveito o momento para entrar em um detalhe do espetáculo que me parece ser extremamente relevante naanálise sobre as montagens do Circo-Teatro Nh’Ana e outros circos-teatros do Brasil. Percebe-se a música comofundamental para uma representação teatral, nos moldes das companhias mambembes de circo-teatro, logo sou remetidoao melodrama e sua importância na história do teatro.

O melodrama que, historicamente, surgiu como gênero teatral por volta de 1800, possui características muitoprecisas, e que muito se assemelha ao estilo de trabalho apresentado pelas companhias de circo-teatro no Brasil.

“Gênero popular, parece-se com o drama, mas distingue-se deste por efeitos cênicos espetaculares. Os acontecimentostrágicos, às vezes, assustadores são cortados por intermediações cômicas por balés. Espetáculo total, a músicaprepara a entrada dos personagens ou aumenta a intensidade dramática, anunciando os episódios marcados por umaemoção violenta. O movimento e a ação são predominantes, mas a sensibilidade aliada à moral ainda é indispensávelpara se fazer um melodrama.” 5

Com relação aos personagens, possuía uma estrutura com quatro tipos básicos. O vilão, responsável por todas asmaldades na peça (no circo-teatro também recebia o nome de ‘cínico’); a heroína, que sofria com as maldades do vilão (nocirco-teatro também conhecida como ‘ingênua’); o jovem amado da heroína, que tinha a responsabilidade de salvá-la dasgarras do vilão (‘galã’) e o “niais” ou tolo, que tinha a responsabilidade de entrar em cena nos momentos onde o público estáse derramando em lágrimas para fazê-lo rir de uma situação qualquer. Estes personagens são interpretados de formaexagerada, onde os maus são totalmente maus e os bons são completamente bons, desprovidos de qualquer profundidadepsicológica. O maniqueísmo é levado às últimas conseqüências.

Todos os acontecimentos mais importantes ocorrem de forma espetacular por meio de aparições surpresas esituações de forte impacto emocional, como a leitura de uma carta, ou a escuta de uma conversa atrás da porta.

Os circos-teatros de todo o Brasil seguiram a tradição do melodrama e conseguiram trazer para a platéia umaquantidade enorme de pessoas interessadas neste estilo teatral, apesar da crítica especializada ridicularizar o melodrama.

“Os críticos do século XIX rejeitaram crescentemente o melodrama com o decorrer dos anos, zombando dos espectadoressimpáticos ao estilo, apontados como ignorantes. Os autores cujas obras trouxeram a marca de elementos melodramáticosarriscavam-se à rejeição pela opinião ‘culta’. Esta visão não mudou entre os comentadores da literatura dramática e dahistória do teatro, em períodos posteriores. A crítica do século XX é praticamente unânime numa avaliação totalmentenegativa do melodrama.” 6

O que incomodava os críticos do século XIX e do XX era a falta de necessidade de verossimilhança apresentadapelo melodrama, sendo a resolução de seus problemas, na maioria dos casos, absolutamente desconcertante para osracionalistas e defensores do realismo. O melodrama tinha a capacidade de relativizar até mesmo as situações maiscorriqueiras do dia-a-dia. A preocupação do melodrama era emocionar o público até sua última gota de lágrima, não deconstruir cidadãos desejados para o Estado que se pretendia moderno.

O melodrama atraía um grande público, e aí cabe uma pergunta. Por que as pessoas iam assistir um espetáculoteatral, no circo-teatro e até mesmo em casas de espetáculo fixas, quando este público já sabia o final da peça e, às vezes,assistiam-nas mais de uma vez?

A melhor definição que encontrei, foi a de Silvia Oroz ao analisar o melodrama no cinema da América Latina, queconsegue chegar a uma definição entre a relação do público com a obra melodramática que me parece totalmenterespeitável e aceitável.

A autora parte da afirmação que a familiaridade dá margem a um fator importante entre o público e a obra: oconhecimento

“Este permite que o espectador saiba mais do que o herói/protagonista a respeito de sua sorte futura ou sobre suasrelações com outros personagens... O conhecimento do futuro, que, supostamente, tiraria osuspense da história, converte-se num elemento de interesse tão forte quanto a própria trama, e com istoestá próximo do domínio do futuro do herói/protagonista. Este domínio permite um certo controle/possesobre a narração, que tende a provocar um registro inconsciente de propriedade de um bem. Na comunicação de massasdo Brasil, revistas como AMIGA ou CONTIGO, publicam antecipadamente o resumo do que vai acontecer nas

5 VINCENT-BUFFAULT, Anne - História das Lágrimas: Séculos XVIII-XIX - Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988 - p. 279.6 DUARTE, Regina Horta - Noites Circenses: Espetáculos de Circo e Teatro em Minas Gerais no Século XIX - Campinas:Ed. da UNICAMP, 1995 - p. 210-211.

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diversas telenovelas, sem que isto lhes retire a audiência.”7

Correndo os olhos sobre a revista Veja, observei que o diretor da televisão Globo, Carlos Manga, ao comentarsobre os programas humorísticos no Brasil, também defende esta idéia de posse que o telespectador tem sobre determinadospersonagens, que devem dizer seu “jargão” ou “gag” no final de sua participação, porque o público, que já conhece estetexto, fica aguardando exatamente este momento da fala, onde, inconscientemente lhe dá a sensação de conhecer maisdo texto do que o próprio personagem que está se apresentando. Segundo o diretor, se este texto não for dito, pode levara uma grande frustração aos telespectadores ávidos por aquele momento.

As estruturas das peças montadas pelo Circo-Teatro Nh’Ana, tanto as mais renomadas(Direito de Nascer,Paixão de Cristo, Sansão e Dalila, Coração Materno etc) como aquelas escritas pela própria Nh’Ana, seguiam a estruturado melodrama e suas montagens aproveitaram deste gosto popular por este estilo para mambembar pelo Estado deSanta Catarina sempre acreditando numa boa quantidade de público sedento por teatro e por, pelo menos, algumaspoucas horas, ter o domínio do conhecimento sobre a encenação e poder profetizar de forma acertada sobre os destinosdos personagens que estavam a sua frente. Os artistas do circo-teatro vendiam o sonho para as pessoas que normalmenteestavam alijadas desta possibilidade.

É importante ainda fazer mais uma anotação sobre a importância, às vezes, relegada a segundo ou terceiro plano, domelodrama na história do teatro brasileiro. Um de nossos maiores atores foi João Caetano dos Santos (1808-1863), que percorreuvários estilos de teatro do seu tempo, como as tragédias clássicas francesas, os dramas românticos, os autores espanhóis eromânticos portugueses. Mas, o que lhe garantia a sobrevivência foi o melodrama, como bem destacou Décio de Almeida Prado:

“Quanto ao pão de cada dia, medido pela média da bilheteria, quem se encarregou de fornecê-lo ao ator brasileiro foi oimbatível melodrama, que, transbordando do palco para o romance, tingia de cores berrantes tanto a imaginação popularquanto a letrada. Nesta linha de forte teatralidade, que por isso mesmo ensejava vigorosas interpretações cênicas, JoãoCaetano percorreu toda a série de melodramaturgos franceses, de Guilbert de Pixerécourt a Anicet-Bourgeois.” 8

Estas experiências eram vivenciadas por todos que se predispunham ou que eram convencidos a penetrar omundo do circo-teatro. E o que eles diziam a toda esta gente, que, em várias oportunidades, lotavam as dependênciasacolhedoras e “confortáveis” do Circo-Teatro Nh’Ana ?

É aí que entra Isolina Almeida Oliveira, a Nh’Ana, dramaturga. Por meio de suas peças, ela definia o perfil do mundoque acreditava e pregava. Mais do que reproduzir discursos já prontos em peças já conhecidas e exaustivamente montadaspor companhias em todo o Brasil, Nh’Ana escreveu suas próprias peças. Explicitou por meio de seus textos o seu olhar sobreo mundo e sua responsabilidade em buscar um mundo mais cristão e moral, onde o casamento era assunto constante.

Os textos que consegui resgatar junto à família e na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro, por meio daSociedade Brasileira de Autores Teatrais, órgão que Nh’Ana era filiada e onde registrava seus textos foram: “O destino deduas vidas”, “Seu grande sacrifício”, “Não me condenes, meu filho”, “Fatalidade”, “Adios, pampa mia”, “O sacerdote e obandoleiro”, “Marisia”, “O casamento de Nhô Bastião”

Esta preocupação de registrar os textos não era apenas de Nh’Ana, mas da maioria dos autores, que viam nesta práticaa possibilidade de também ganhar um pouco mais de dinheiro, no caso de outra companhia decidir pela montagem da peça.

A legalidade era respeitada pela companhia de Nh’ana, e lhe garantia respeitabilidade entre a comunidade e osórgãos oficiais.

Não eram uma família tradicional (sedentários, trabalhadores registrados, freqüentadores de missas dominicaise filhos escolarizados), mas defendiam por meio de seus personagens e suas falas esta família e contribuíram paraperpetuar este objetivo em todos os locais onde passaram. Viajavam com uma bagagem muito maior que o próprio circo-teatro, eram os portadores de idéias cristãs e de valores morais rígidos, e conseguiam atingir um público que os meiosoficiais teriam uma grande dificuldade de fazê-lo.

Colheram as glórias de seu tempo, por sua competência artística e por sua organização administrativa e, comisto, conseguiram permanecer na ativa, mascateando sonhos até o início da década de 80. Legítimos artistas do teatropopular brasileiro, não se deixaram abater pelas dificuldades do nomadismo e levaram milhares de pessoas a imaginar, achorar e a gargalhar pedindo muito pouco em troca. Não há dinheiro que consiga pagar as recordações que deixaram emseu mambembar pelo Interior de Santa Catarina.

7 OROZ, Silvia - Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina - Rio de Janeiro - Rio Fundo Ed., 1992 - p. 36.8 PRADO, Décio de Almeida - História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908 - São Paulo - EDUSP, 1999 - p. 38.

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Revista do FENATIB

Milton de Andrade* e Monica Siedler **

A dramaturgia do movimento, conforme entendida na contemporaneidade, nasce a partir das inovações deteorias teatrais novecentistas que passam a desenvolver métodos de análise do movimento e da ação cênica. Das maisvariadas teorias nasce de forma orgânica, e muitas vezes complementar na interação entre tantas e diversas teorias, umaampla rede conceitual que gradualmente sedimentará metodologias de composição da dramaturgia do corpo, ou como émais conhecida no âmbito da dança, dramaturgia do movimento.

Neste artigo apresentamos de forma sintética alguns conceitos que regem a nossa prática pedagógica eartística, procurando, através das suas definições aplicativas, incrementar os procedimentos de composição da dramaturgiado movimento no teatro e na dança. Os conceitos de eucinética, coreologia e partitura corporal constituem, na nossaprática artística de “dramaturgos-do-corpo”, as bases instrumentais para a definição dos principais procedimentos decomposição da ação cênica. Optamos em apresentar os conceitos de forma serial, sem explorar e aprofundar devidamentea relação intrínseca existente no corpo teórico que os circunscreve, para que tenhamos de forma sintética e instrumentalos pressupostos necessários para uma futura investigação teórica.

Existem dois grandes planos de composição da dramaturgia do movimento que, seguindo a terminologia propostapor Rudolf Laban, podem ser definidos como eucinético e coreológico. A eucinética se ocupa da composição das açõesdinâmicas segundo princípios psicofísicos dentro da unidade espaço-tempo-energia determinada nos limites do corpo do ator-dançarino. A eucinética é a pesquisa da composição e do sentido do movimento num domínio onde são identificados osaspectos dinâmicos da ação. O nível eucinético é um primeiro plano de composição no qual são determinados os segmentosda ação, as diversas qualidades de energia, as variações do ritmo e a orquestração das relações entre as diversas partes docorpo do ator. A coreologia, por outro lado, é o estudo da harmonia das formas sobre a qual baseia-se a criação de seqüênciase escalas de movimentos projetados no espaço. Trata do sentido e da composição dos desenhos e das projeções domovimento expressivo no espaço geral, amplificado para fora e além do corpo do ator em forma de arquitetura espacial. Acoreologia constitui, em extensão ao plano eucinético, um segundo nível de composição da dramaturgia do movimento, ondeocorre o estudo e a composição da ação construída sobre elementos direcionais e sobre leis da estruturação e da configuraçãoespacial do movimento.

Tais planos, acima definidos, ordenam o trabalho de composição das partituras corporais, sendo estas instrumentosbásicos de composição da dramaturgia do movimento.

Pode-se encontrar referências sobre o conceito de partitura em diversas teorias novecentistas que se dispuserama estudar o corpo e a unidade psicofísica do ator. Stanislavski, o primeiro teórico a utilizar o termo partitura, foca suaspesquisas sobre a ação física como célula constitutiva da linha geral das ações dramatúrgicas. Voltada para a construção dapersonagem, a linha geral das ações físicas assegura uma atuação capaz de ser fixada e reproduzida numa partitura,garantindo uma harmonia e uma lógica conseqüêncial voltada à verossimilhança. Meyerhold não utiliza exatamente o termopartitura, mas herdando o sentido de precisão ideoplástica de Stanislavski, fala da necessidade de registro do “desenho do

Dramaturgia doMovimento:

Primeiras definições na busca deuma Metodologia de Composição

* Milton de Andrade, diretor e coreógrafo, Doutor em Artes Cênicas pela Universidade de Bolonha (Itália), docente doCentro de Artes da UDESC.

** Monica Siedler, atriz-dançarina, graduada em Artes Cênicas, pesquisadora do Grupo Poéticas Teatrais do Centro deArtes da UDESC.

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Revista do FENATIB

movimento” ou da “escritura dos movimentos plásticos”. De um lado, o trabalho de Meyerhold era marcado pela tendênciatipicamente futurista de liberação dos objetos cênicos com ênfase nos significados flutuantes e dinâmicos da construçãocênica; de outro lado, a biomecânica aderia-se perfeitamente ao formalismo russo com um certo desinteresse pela semânticacom ênfase na construção e na estrutura rítmica. Ao longo de anos de pesquisa, Meyerhold torna o trabalho de composiçãodramatúrgica sempre mais independente do texto, modelando a partitura através de noções propriamente musicais ao invésde se utilizar do pensamento dramatúrgico literário. Assim, sua linguagem de trabalho é composta de terminologias e depalavras como “ritmo”, “dança”, “biomecânica”, que, gradualmente, substituiriam ou incrementariam a noção clássica deinterpretação dramática. No mais, a biomecânica de Meyerhold define dois níveis de análise fundamentais para a criação deuma “pauta” de ação: o otkas e o predigra. O otkas é a ação contrária que precede a ação intencional, uma espécie de contra-impulso ou movimento preparatório que recolhe a energia necessária para agir e revela gradualmente a intenção da açãofinal. O predigra é a “pré-récita”, uma série de ações que o ator realiza livre da emissão verbal do texto, mas que, seguindoa sua lógica de composição, estrutura corporalmente o texto. Atualizando o conceito utilizado por Stanislavski, Grotowski limitaa utilização do instrumento da partitura ao trabalho do ator sobre si mesmo, empregando-o sobre as ações físicas, ou seja,sobre tudo o que não é texto. Pare ele o ator deve pensar em termos de movimento através da ação interiorizada e codificada.Sua preocupação a respeito da partitura pode ser notada nas suas reflexões a cerca da artificialidade (composição deartifícios), que segundo ele é a articulação de um papel através de signos criados pelo ator. Trata-se de uma metáfora queGrotowski utiliza ao se referir à notação dos signos visíveis constituintes das ações físicas do ator, que deve passar por umprocesso de auto-revelação de modo que possa discipliná-lo e transformá-lo em signos.

Na contemporaneidade das técnicas de composição da dramaturgia do movimento, a partitura pode ser entendidacomo um instrumento do ator que funciona como um esquema objetivo e diretivo criado a partir de referenciais e pontos deapoio para a elaboração da complexa relação existente entre a dramaturgia do corpo e a composição da cena. SegundoPatrice Pavis, tais pontos de apoio sustentam a memória cinestésica, o “corpo pensante” do ator.1 Este grau de definição decódigos da dramaturgia do movimento é guiado, segundo a terminologia de Pavis, pela partitura preparatória. A partiturapreparatória seria o recolhimento e a fixação de materiais trazidos pelo ator que ao longo dos ensaios são remodelados e re-significados a partir do olhar do diretor, gerando a partitura terminal. A análise dos princípios de composição cênica dosmovimentos expressivos deve ser assim guiada por um instrumental que faça o estudo da forma geral da ação, do seu ritmoem linhas gerais (início, ápice, conclusão) e da precisão dos detalhes fixados. Dessa forma, a partitura serve para fixar a formada ação, ou seja, animá-la de detalhes, impulsos e contra-impulsos, sendo a sua elaboração importante para o ator, pois deladepende a sua precisão, a qualidade de sua presença corporal e, também, a qualidade orgânica do sentido interior da ação.De acordo com Barba, é necessário que exista uma relação entre as partituras das ações físicas e a subpartitura, os pontosde apoio, a mobilização interna do ator. A subpartitura seria o que está subjacente à partitura corporal, o que não pode servisto concretamente, mas que pode se caracterizar por imagens detalhadas que permeiam o imaginário do ator. Desta forma,para Eugenio Barba, o termo partitura, quando aplicado ao trabalho do ator, indica uma coerência orgânica. E é a organicidadeque torna a “ação real”, ou seja, ela garante o fato de a ação existir respeitando princípios pré–expressivos que convertem ocorpo do ator em um “corpo-em-vida”. Orientando-se através de conceitos como ação real e pré-expressividade, busca-se aorganicidade do movimento através da precisão da forma e da expressão a fim de desenvolver e organizar o bios cênico doator, para então emergir novas relações e inesperadas possibilidades de significados dramatúrgicos.

Bibliografia:

BARBA, Eugenio. L’azione reale. In «Teatro e Storia», a. VII, n. 2, Il Mulino, Bologna. 1992

DE MARINIS, Marco (org.). Drammaturgia dell’attore, Porretta Terme , I Quaderni del Batello, 1996.

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GROTOWSKI, Jerzy. Risposta a Stanislavskij. In CRUCIANI, F. e FALLETTI, C. (org.). L’attore creativo. Milano, La CasaUsher, 1989.

LABAN, Rudolf. Choreutics. London, Macdonald and Evans, 1966.

PAVIS, Patrice. A Análise dos Espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003.

1 PAVIS, 2003:91.

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Revista do FENATIB

Marco Camarotti*

Compreendendo dramaturgia como o desenvolvimento de um drama proposto como cena, ou seja, odesenvolvimento cênico de uma ação ou conjunto de ações em torno de um ou mais conflitos, o que pode ser literário ounão, relaciono o texto teatral mais à cena do que à literatura, principalmente quando se trata de texto destinado ao públicoinfanto-juvenil. Não por rejeição à literatura, arte à qual tenho dedicado parte significativa de minha vida e pela qual declaroa mais completa paixão, mas pela busca de libertá-lo do rigor formal com as palavras que é próprio do texto literário ecorresponde, em certa medida, à expectativa estética do público adulto.

A criança, contudo, diferentemente do adulto, relaciona-se com a beleza e a arte privilegiando o fazer, ao invésda apreciação. Sua vivência estética está vinculada ao contato direto com as coisas, com as pessoas, com a natureza. Suarelação com o mundo é inteiramente poética. Por isso mesmo, a convivência com elas, principalmente com a que ainda noshabita, pode tornar o mundo e o absurdo da existência mais suportável para nós. Um contato que costuma ser praticamenteanulado pelo trágico ritual da passagem de cada indivíduo para a idade adulta. Passagem que esconde, na verdade, umlogro, pois nos exige esquecer a criança que fomos e nunca deixaremos de ser, a não ser mentindo para nós mesmos.

Em uma oficina que, há vários anos, coordeno na Universidade Federal de Pernambuco, em primeiro lugar,tento, junto com os alunos, exercitar a língua própria da criança. Língua, o “criancês”, que me foi ensinada pela primeiravez, em 1985, por três jovens, de idade entre 10 e 17 anos, da cidade de Pombal-PB, num espetáculo problemático, doponto de vista técnico, artístico e pedagógico, mas de incomum resultado quanto à comunicação com as crianças,exatamente por ter sido espontaneamente escrito com base nesse idioma. O espetáculo chamava-se A nave de Pim-Pome seu texto passou, desde então, a enriquecer tanto cursos que ministrei para alunos de graduação e pós-graduação,quanto experimentos dramatúrgicos desenvolvidos por alunos que passaram a trabalhar com Teatro-Educação.

O “criancês” já foi alcançado em diversos textos produzidos pelos alunos dessa oficina. Textos que passaram alhes servir de referência em sua atuação profissional, ao saírem da universidade e se tornarem arte-educadores de teatro.O exemplo de maior sucesso foi, sem dúvida, O rapto de Rodolfo, texto criado na oficina, posteriormente ampliado emontado profissionalmente, que já cumpriu várias temporadas, tendo, recentemente, feito parte da programação do 1ºFestival de Teatro Infantil de Pernambuco,

Se o “criancês” é o idioma básico para a construção de textos de maior comunicação cênica, essa dramaturgiaque perseguimos na oficina apresenta também outros requisitos. Os elementos nucleares são, naturalmente, o de toda equalquer dramaturgia: conflito, enredo e ação.

Por essa razão, não vou aqui me deter sobre eles, a não ser para lembrar que um dos equívocos mais comunsdo teatro para crianças tem sido o de se confundir ação com movimento. Ação pode se expressar por meio de movimento,contudo fatigantes correrias pelo palco, como ocorre com freqüência, não representam, necessariamente, uma ação ouconjunto de ações.

Por outro lado, considero importante esclarecer que sentido atribuo ao elemento enredo. Este, segundoSamira Nahid de Mesquita, pode variar de sentido, “mas não perde nunca o sentido essencial de arranjo de uma história”.Portanto, contém sempre “uma história”, constituindo “o corpo de uma narrativa”. Esse é o modelo narrativo tradicional,que ainda persiste, apesar de ter sido bastante transgredido pelas poéticas narrativas surgidas no século XX. Para PatricePavis, o enredo “é o estabelecimento cronológico e lógico dos acontecimentos que constituem o esqueleto da históriarepresentada”. Um conceito que se adequa igualmente à noção de fábula, que, a isso, apenas acrescenta o caráter denarrativa mítica, “uma espécie de reservatório de histórias inventadas, inscritas na memória coletiva”, como afirma Jean-

Dramaturgia no Teatropara Infância e Juventude

* Ator, encenador, escritor e arte-educador. Mestre em Teoria da Literatura (UFPE) e Doutor em Teatro (University ofWarwick – Inglaterra). Professor do Departamento de Teoria da Arte e Expressão Artística da Universidade Federal dePernambuco. Autor dos livros: A linguagem no teatro infantil, Diário de um corpo a corpo pedagógico, Resistência e voz:o teatro do povo do Nordeste, O palco no picadeiro: na trilha do circo-teatro.

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Revista do FENATIB

Paul Ryngaert.

A respeito dessa questão, acrescenta Samira de Mesquita: cada evento da narrativa mítica “possui umasignificação e se articula logicamente com os demais”. Um fato que, em seu conjunto, acaba por proporcionar explicaçõessobre as coisas da existência, da vida e do comportamento humano.

Levando em conta as especificidades do público infantil e a força pedagógica que esse teatro inevitavelmenteexerce, há um fator fundamental a ser considerado. O meu convívio de anos com esse universo levou-me a reconhecerque a expectativa maior de uma criança que generosamente senta num teatro, durante cinqüenta a sessenta minutos,para apreciar o desenvolvimento de um espetáculo teatral a ela dirigido, é a de poder defrontar-se com a vida, seusperigos, seus caminhos e descaminhos, passando por todas essas experiências sem nenhum risco pessoal, protegida queestá pela fantasia que o espetáculo lhe oferece. Fica claro, então, que, aquilo que na tríade conflito, ação e enredo, recebeeste nome, precisa, na verdade, ser visto como fábula.

Desse modo, nessa dramaturgia, torna-se fundamental a não utilização de anacronias, ou seja, de diferençasentre a organização da história e do discurso.1

Além dos três elementos básicos, o texto teatral para crianças requer também atenção sobre algumas questõesde suma importância para a comunicação com o público infantil. Eu as divido em duas categorias:

ELEMENTOS COMPLEMENTARES

a) Falas curtas - O caráter abstrato da linguagem verbal pode dificultar a comunicação com a criança, pois aaquisição desse tipo de inteligência só se dá no começo da adolescência. Como o mundo da criança até essemomento é dominado pelo concreto, ela percebe com mais propriedade aquilo que vê do que aquilo que ouve.Por essa razão, é que o semiólogo francês Richard Demarcy aponta que o espectador criança é muito maisatento ao que vê na cena, ao contrário do adulto, que percebe mais aquilo que ouve. Motivo pelo qual ele oclassifica como “indigente visual”.b) Ausência de subterfúgios, complexidades e subjetividades - Por causa da mesma dificuldade no quediz respeito à abstração.

ELEMENTOS ACESSÓRIOS

a) Animismo - Se a criança busca, na ficção teatral, acompanhar o desenvolvimento de situações que ela jáenfrentou, enfrenta ou haverá de enfrentar, na tentativa de aprender a lidar com essas dificuldades, o recursoao animismo reforça o poder comunicativo dessa representação, atuando como um excelente facilitador.b) Música - Já disse, em meu livro A linguagem no teatro infantil, que a música é um elemento motor, capaz deexercer uma função geratriz sobre o interesse e a criatividade da criança.c) Humor - Sobre este ponto, é preciso atentar para o fato de que é no insólito que se localiza a grande fontede riso do público infantil. Não é à toa que programas de televisão para crianças costumam usar e abusar derecursos como o pastelão, os trambolhões, as imagens aceleradas e as inversões de gênero.d) Maniqueísmo - Deixar claro, por meio da ação e não do discurso, o bem e o mal, com suas naturezasdistintas, não é uma ameaça à formação da criança, mas pode ajudá-la a fazer esse reconhecimento. Não sei deninguém, por exemplo, que, tendo sido criado ouvindo ou lendo os tradicionais contos de fadas, tenha acabadopor se confundir, acreditando que bem e mal estejam separados neste mundo, existindo em pessoas distintase não em todas as pessoas.

Finalizando estas anotações, gostaria de referir que, no centro de todos os ensinamentos que recebi dascrianças, em cerca de trinta anos de convívio, dentro e fora dos espaços acadêmicos, uma idéia consolidou-se, passandoa gerir e iluminar todos os meus projetos: a de que qualquer poética dramatúrgica voltada para a criança, precisa absorveressa criança não apenas como espectadora, mas sobretudo como co-autora do espetáculo, sem que isso seja confundidocom a provocação e a histeria coletiva que muitos espetáculos praticam. A participação autoral da criança deve, isto sim,resultar de um envolvimento espontâneo de cada criança com as situações básicas propostas em cena, de forma tranqüilae criativa, não massiva, gradual e coordenada. O que, sem dúvida, requer encenadores e elencos devidamente preparados.

1 As anacronias são de dois tipos: prolepses (quando se relatam fatos que ainda vão ocorrer) e analepses (quando seevocam acontecimentos já ocorridos).

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Revista do FENATIB

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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DEMARCY, Richard e outros. Semiologia do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1978.

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto 1: prolegômenos e teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1999.

GENETTE, Gérard. O discurso da narrativa. Lisboa: Veja, s/d.

MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. 2. ed. São Paulo: Ática, 1987.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

RYNGAERT, Jean-Paul. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Eliane Lisbôa *

O 9º FENATIB naturalmente reflete o longo caminho percorrido desde a sua primeira edição, e nele se revelamde certo modo os avanços do teatro Infantil no Brasil, para o qual sem dúvida o próprio Festival tem contribuído. Verifica-se que os tradicionais vícios do teatro infantil, de linguagem falsa, “infantilóide” ou até mesmo televisiva, vão desaparecendo.Estão sendo superados os estereótipos, normalmente presentes nas produções da área, a criança passa a ser respeitadadentro de seu universo imaginário, sem que se banalize ou mininize sua capacidade de entendimento.

O conjunto dos espetáculos apresentados ofereceu-nos uma variedade de linguagens distintas, todas elas ricas emsua natureza, do teatro de bonecos e sombras, passando pelo uso de objetos, ao teatro de atores, no palco ou na rua, e à figurasempre presente dos palhaços. Variedade de tons também, desde a grande cena, com intensa movimentação coreográfica, quese expande e invade o espaço da platéia, trazendo-nos atores múltiplos, dançarinos, cantores, em espetáculos de grande porte,até a cena intimista, silenciosa, que pede e exige concentração do público para sua inteira absorção.

Bem menos “infantil”, o diálogo com as crianças acontece, até mesmo porque não só elas cresceram nestes 9anos, como as novas que vêm chegando fazem parte de um novo tempo, e nós também já compreendemos que todos ostemas estão ao seu alcance, desde que se saiba como falar com elas.

Por outro lado, tem sido recorrente em todos os Festivais e não apenas nos de teatro infantil, identificar adramaturgia como um dos pontos mais polêmicos, e mesmo dos mais frágeis no conjunto das peças apresentadas. No 9º

Fenatib não foi diferente. Desde o momento da seleção, até a apresentação dos espetáculos, verifica-se em muitos casosuma estrutura dramatúrgica bastante frágil.

Embora a arte de contar histórias nos tempos atuais venha assumindo lugar preponderante, recuperando seulugar no convívio humano, e passando a integrar cada vez mais o espaço cênico, a questão do desenho dramatúrgico, e,finalmente, do que se diz ou do que se conta através de um espetáculo é ainda um dos seus maiores problemas. Ter o quedizer, saber o que se quer dizer, e como dizê-lo são uma única coisa, e a conjunção destes aspectos é que nos dá afinalum grande espetáculo.

Desde o grande movimento vivido pela arte teatral a partir da segunda metade do século XX, no Brasil um poucomais tardiamente, chegando às últimas décadas do século, com a grande virada cênica onde o corpo ganha importânciafundamental, o ator ocupando o espaço central fundante da arte teatral, foi esquecido por um largo período o uso de umadramaturgia escrita que antecedia à cena, e de algum modo determinava a construção desta. Isso gerou inclusive umquase abandono da figura do autor teatral, que se viu esquecido, e foi perdendo seu lugar no teatro. Este movimento porsua vez, curiosamente, gerou nos últimos tempos um recrudescimento da edição de textos, pois os dramaturgos continuavam

Dramaturgia ouContação de História

* Doutora em Teoria Literária pela Unicamp/SP. Diretora Teatral, Cantadora de Romances e Professora de Dramaturgia.

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a escrever e sentiam necessidade de pelo menos serem lidos, já que a cena não lhes dava mais lugar.

Esta mudança vem conjugada à absorção das novas tecnologias, e todos estes novos elementos pedem umanova postura dramatúrgica, mas o reconhecimento de cada um dos elementos da cena como componente de uma escritadramatúrgica, cênica, ainda não foi de todo apreendido. Observa-se em muitos momentos a figura do contador de históriasfora da dramaturgia cênica, como um elemento à parte: fica-se no estágio da contação, enquanto a teatralidade e adramaturgia são muito frágeis, incompletas. Do mesmo modo, em outros o aspecto espetacular e mesmo o teatral sereforçam, mas a dramaturgia carece de elementos, não está bem amarrada, deixa-se de “contar” o que quer que seja. Emoutros ainda, a cena é pura descrição, sem elementos dramáticos, e seus componentes são meros ilustradores de umaidéia. Isoladamente, muitos elementos podem funcionar bem, mas não se consegue com eles fazer uma mais forteamarração de idéia, e daí o sentimento de vazio, de falta de conteúdo. Outras vezes, são pequenos momentos, apenasesquetes que nos são oferecidos, e ainda não se consegue desenhar um todo dramatúrgico. O público que vê/lê oespetáculo se depara apenas com cenas/elementos isolados, sem possibilidade de fazer deles uma unidade significante.

Pensar a luz, a cenografia, o figurino, o gesto, a fala, o olhar, o espaço como um todo, como componentesdramatúrgicos, que serão lidos pelo público é a primeira tarefa dos criadores teatrais. E na narrativa construída identificartambém de que modo o texto das falas e os demais elementos constroem um novo texto.

A realização do espetáculo a partir do próprio processo de criação cênica, numa formulação muitas vezescoletiva, fruto das experimentações de diretor e atores, amenizou, reduziu, quando não apagou definitivamente a figurado autor. E o que se verificou muitas vezes nas cenas experimentais é que em grande parte delas ainda não se conseguede fato dizer alguma coisa. O grupo vive uma bela, e até mesmo importante experiência mas esta não chega a alcançar opúblico. Talvez até mesmo para cobrir esta falha ou este vazio, o teatro tem absorvido e incorporado a arte da contaçãode histórias, porque, de fato, todos precisamos e gostamos de ouvir uma boa história.

Não se entenda isto como um desejo de voltar atrás, mas trata-se sim de compreender o fato, este momento depassagem, para poder se recuperar hoje o querer dizer algo, evidentemente fazendo uso e incorporando a todos estesnovos elementos que conquistaram seu merecido lugar, que integram e compõem a cena como um todo. O que se precisaatualmente é dar o lugar certo a cada um destes elementos, integrando também a eles a figura do dramaturgo, cujarealização pode anteceder a criação cênica como pode estar conjugada a ela, simultânea e/ou integrada ao processo decriação. Compreender o lugar do dramaturgo, e em alguns casos do dramaturgista, é compreender que na cena tudo fala,mas que é preciso amarrar este todo, fazer de fato um todo e não apenas a união de um feixe de elementos desconexos.

Mais do que ou junto com a figura do diretor que tem este papel de “amarrador”, a figura do dramaturgo éaquele que vai pensar profundamente no que se está dizendo com estes elementos. E afinal o que se quer dizer, porquea cena em princípio só se justifica pelo que ela diz, compreendendo-se este dizer como a totalidade construída com luz,som, movimentação de atores, gestos, falas, cenário, figurinos e tudo o mais que esteja sendo visto ou ouvido em cena.

Tudo isto parece muito óbvio, não sendo mais do que o que se espera de toda cena teatral, mas de fato é o queem geral vem sendo menos atendido na construção cênica. E o abandono do dramaturgo gerou sim por muito tempo umacena insuficiente, precária do ponto de vista de seu conteúdo. Felizmente na atualidade ele volta a ocupar um lugarindispensável. A cena enriquece-se com sua presença. E sobretudo, o momento atual é o de identificar onde se coloca odramaturgo em relação ao contador de histórias.

Pode-se contar uma história de muitos modos, mas contá-la teatralmente, através de um espetáculo teatral, éuma outra arte diferente da arte do contador. São dois modos distintos de contar algo. O teatro, que nos últimos temposnão “contava” nada ou muito pouco, precisa agora identificar a diferença entre a figura do contador e a do ator. Muitoembora encontrem-se peças onde o contador está integrado à cena, outras mantêm-se no limite da simples contação dehistórias – entenda-se aqui o simples não como menosprezo, mas como identificação de uma arte que é específica, comum linguagem própria.

Por isso mesmo, pode-se ver como positivas as inúmeras adaptações de textos clássicos para a cena infanto-juvenil, e, ao mesmo tempo, é preciso retomar a busca de dramaturgos cuja obra está essencialmente voltada para essafaixa etária – entre eles podemos citar Vladimir Capella como um dos mais importantes no Brasil - porque há muito a dizerpara crianças e jovens a partir de temas e motivos que lhes são específicos. Um bom dramaturgo será capaz de produziruma obra que dialogue diretamente com eles, e claro conjugando-se este trabalho com a própria realização cênica deresponsabilidade de diretor e atores.

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Às vezes a voz dela me fazia dormir; (...) mas na maior parte do tempo eu simplesmente gozava a sensaçãovoluptuosa de ser levado pelas palavras e sentia, num sentido muito físico, que estava de fato viajando por algum lugarmaravilhosamente longínquo, um lugar que eu dificilmente arriscava espiar na última e secreta página do livro.

Assim Alberto Manguel (1997, p.132), descreve a experiência de ouvir histórias contadas por sua babá em diase noites de asma. Alguns, como Fernando Peixoto(1980.p.5), lembram da mesma forma as histórias ouvidas em torno dorádio: “O rádio era um instrumento mágico que nos transportava para um universo de fuga e fantasia”.

Compartilho, aqui, a experiência e reflexão que tenho feito a respeito do rádio, como um veículo expressivo. Etambém sobre a escuta. A idéia de parar para ouvir. E ouvir como possibilidade de imaginar.

Cheguei na questão da escuta através da fala, da voz de atriz. Isto aconteceu porque, como atriz, me sentitocada, me vi apaixonada pela possibilidade de trabalhar com o rádio, de tornar minhas vozes e palavras que, à frente domicrofone, se transformam em imagens e gestos.

Venho trabalhando com rádio há 15 anos. Dentro do Departamento de Arte Dramática, onde sou professora,comecei a desenvolver uma pesquisa ligada ao trabalho do ator feito para o rádio. À medida que nossa ação foi sefazendo, o grupo foi percebendo que precisávamos recriar um espaço de radiodrama que não havia mais. O Rio Grandedo Sul foi um pólo importantíssimo de produção de radioteatro, de radionovela e de radiodrama, mas como em todos oslugares do Brasil e em toda a América Latina, com o surgimento da televisão, esse gênero migrou para a televisão,esvaziando o rádio nesse sentido.

Hoje, muitos anos depois, o Núcleo de peças radiofônicas e Grupo Cuidado que Mancha, podem orgulhosamentedizer que além das publicações e dos espetáculos realizados1, têm dois programas na Rádio FM Cultura de Porto Alegre.Um programa feito para crianças, um dos poucos programas desse gênero no Brasil, que é produzido pelo Cuidado queMancha, o programa OUVINDO COISAS. E o programa RADIOTEATRO, feito pelo Núcleo de peças radiofônicas dePorto Alegre.

Nosso trabalho é marcado pela busca de uma expressão radiofônica contemporânea, uma linguagem que façasentido hoje, abrindo espaço para a escuta ainda que num mundo coberto de imagens.

Trata-se de pensar em outras imagens, imagens nem sempre visuais, provocações que a escuta traz para anossa imaginação.

Em especial no trabalho feito para crianças, temos tido uma excelente resposta. O discurso de que as criançasnão têm tempo, de que elas não aceitam alguma coisa com o ritmo um pouco mais lento, de que elas também precisamda profusão de imagens, do exagero da ação, esse discurso, se desfaz na profunda atenção, no interesse que as criançasmostram por uma boa história. E mais ainda, se esta história vier acompanhada de sons, vozes e músicas. Ou se a elasfor oferecida a oportunidade de criar e produzir sons, vozes, silêncios.

Walter Benjamin tem um trabalho importante a respeito do rádio e ele associa a idéia do ouvir, do falar, daoralidade, de estar em torno de alguém que conta e que fala, com a possibilidade que o rádio tem de fazer issocoletivamente e de forma muito mais ampla. Ele próprio, Walter Benjamin, escreveu para o rádio e, mais interessante

Escuta e Imaginação

Mirna Spritzer *

* Atriz. Professora e pesquisadora no Departamento de Arte Dramática, Instituto de Artes, UFRGS. Mestre e Doutoranda em Educaçãono PPGEDU/UFRGS. Coordenadora do Núcleo de peças radiofônicas de Porto Alegre. Membro do GEARTE, Grupo de pesquisas emEducação e Arte.1 CD para crianças, OUVINDO COISAS; Espetáculo adulto PROGRAMA DE FAMÍLIA; Livro BEM LEMBRADO, Histórias doradioteatro em Porto Alegre; Espetáculo/livro/CD para crianças, A FAMÍLIA SUJO; Espetáculo/livro/CD para crianças, O NATAL DENATANAEL.

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ainda, foi locutor de rádio e foi radioator também. Isto, por volta de 1930, ou seja, numa época em que o rádio estavanascendo e já então se reconhecia a capacidade do veículo de falar às pessoas, a muitas pessoas e a cada uma.

Pela experiência acústica o indivíduo constrói imagens que nascem do seu repertório pessoal. Cada ouvinteimagina personagens, ambientes e situações a partir da escuta das palavras, dos sons, das vozes, enfim do modo comoo ouvir lhe toca.

Esse repertório pessoal se constitui tanto daquilo que é único e singular como também do que é coletivo. Oimaginário, a memória coletiva. “A memória é a mais épica de todas as faculdades”, lembra Benjamin (1994, p.210).

A escuta repercute no espaço, embora o som atue no tempo. Basicamente, ele se apropria do espaço, namedida em que o momento da escuta é um momento de familiaridade, é um momento que para Barthes (1990, p.218 e219), a escuta é a referência da familiaridade, é a referência dos sons primeiros, é a referência da casa, do território, é oque demarca os espaços em que a gente existe, em que a gente convive com as pessoas.

A peça radiofônica constitui uma experiência pedagógica coletiva, criativa e que abre a atores e ouvintes, quemdiz e quem escuta, a possibilidade da imaginação criadora e reinvenção da memória, conectando-se ao imaginário coletivoe à imaginação de cada um. Uma pedagogia da imaginação. “A ficção, a imaginação daquilo que ainda não é, mas poderiaser, consiste, pois, numa das mais eficazes ferramentas de que dispõe a humanidade para a criação do saber” (DUARTEJr., 2001, p.135).

O exercício da oralidade e da escuta deve estar na experiência da criança. No teatro, no rádio ou na sala de aula.Seja na forma de leituras em voz alta, contação de histórias ou como práticas radiofônicas, todas elas experiências quepropiciam a imaginação. Ao falar, ouvir, produzir sonoplastia com os mais diferentes objetos, a criança exercita suaobservação sonora e revitaliza seu repertório acústico.

As incontáveis combinações que sons e silêncio, voz e efeitos sonoros podem produzir fazem com que o ouvinte,ao refazê-las na sua experiência, produza uma obra única.

A voz valoriza a palavra, as pausas, o silêncio e a intensidade. Preenche o texto com a ação sonora. Ao mesmotempo, encontra o ritmo da fala e dos silêncios. Silêncio que não é um acaso, mas uma escolha, uma pausa, a respiraçãonecessária.

Na peça radiofônica a imagem é construída pela voz em relação ao tempo. Tempo que reconstrói espaços enovos tempos. Na experiência acústica, o tempo do diálogo ator-ouvinte é um tempo de fantasia. Um tempo que permitea criação de espaços auditivos, imaginários e emocionais.

Como espaço privilegiado para a imaginação, o rádio e a peça radiofônica podem significar uma experiência deestar no mundo poeticamente.

Referências Bibliográficas

BAJARD, Elie. Ler e dizer. São Paulo: Cortez, 1994.

BARTHES, Roland. A escuta. In: O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1990.

BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas - Magia e Técnica, Arte e Política. Vol 1.São Paulo: Brasiliense, 1994.

DUARTE Jr., João Francisco. O sentido dos sentidos. A educação do sensível. Curitiba: Criar, 2001.

MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras,1997.

PEIXOTO, Fernando. Descobrindo o que já estava descoberto. in: SPERBER, George Bernard. Introdução à PeçaRadiofônica. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária,1980.

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No caminho para alcançar um objetivo determinado é que conheço o verdadeiro significado, oculto, anterior aoprimeiro passo ou movimento, do que fez mover-me na direção escolhida, independentemente do esforço, da complexidadeou do desafio. Quase sempre é assim. Uma experiência. Única e reveladora.

Também foi assim quando o FENATIB, com sua proposta inquietante de apresentar e questionar a arteapresentou-se como mais um desafio. Topei a parada. O artista tem essa missão. Acordar, tomar café, ler o jornal ecomeçar a dar forma aos seus próprios sonhos e, inevitavelmente, paralelamente, aos sonhos do público. Instigar ossonhadores. Assombrar o cotidiano de cada um unindo o sagrado ao profano. O maravilhoso exercício da arte de encenar.Mas é bem depois, quando todos os ingredientes foram cuidadosamente misturados é que o artista desfruta da experiênciade oferecer aos curiosos as possibilidades de provar a obra. De comparar os diferentes sabores. De trocar receitas etemperar seus espetáculos. Assim foi em Blumenau. Claro que isso não é assim “no mas”! E o vivente, quando sai de PortoAlegre, tem uma barbaridade de miudezas pra pensar. Tem a parte de calcular a quilometragem, preparar e carregarcaixas de equipamentos, instruir a equipe técnica, enviar as fotos em alta resolução, imprimir as declarações dos direitosautorais, até chegar lá... na escova de dentes. Fazer teatro é cuidar dos detalhes. O certo é que vale a pena!

Buenas tchê! Ao chegar no FENATIB já se encontra o clima adequado. Uma mistura de excitação, euforia ecuriosidade. Uma sensação diferente. Creio que é o sentimento que o encenador espera do espectador. A alma aberta aodesconhecido. A expectativa de ver no palco um segredo. Uma surpresa. Como se a cortina, ao abrir, fosse um presente,onde a embalagem, enquanto vai sendo rasgada, mostra seu conteúdo. Coisa de criança. Um prazer partilhado entre oartista de teatro e o espectador. Uma partitura que não necessita de combinações prévias ou ensaios. Uma mágica quevi acontecer bem na minha frente. Um evento onde amizade, vaidade, criatividade, medo, gentileza, insanidade, carinho,fúria e drama, subiam ao palco, andavam pelas ruas e mostravam seus segredos aos olhos atentos de crianças e adultos.Mais um exercício emocionante. Uma experiência única. O objetivo do ofício teatral. Temperar a vida com emoção.

* Diretor e Sombrista - Cia. Teatro Lumbra

Alexandre Fávero

Exercício, Experiênciae Ofício

Festival de BlumenauCarlos Augusto Nazareth

Em 2004, fui convidado por Teresinha Heimann da Fundação Cultural de Blumenau para cobrir o Festival deBlumenau, pelo JORNAL DO BRASIL, o que tornou a acontecer em 2005, quando estive novamente fazendo a critica detodos os espetáculos que se apresentaram no festival.

Participar do Festival é uma oportunidade única, pois temos uma amostragem do teatro para crianças de todoo Brasil, além de podermos ouvir especialistas em diversas áreas teatrais que propõe discussões e reflexões.

Acreditamos que uma das mudanças mais radicais necessárias para se fazer teatro para crianças seja anecessidade de constante reflexão, discussão e aperfeiçoamento de profissionais, estendendo-se esta discussão aosmediadores, pais e professores.

* Professor de Literatura, especialista em Literatura Infanto-juvenil, Escritor, dramaturgo, Diretor Teatral, Crítico de teatro infantil do Jornaldo Brasil. Tem oito livros de ficção publicados.

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Por isto, eu e Maria Helena Kuhner, ao lado de Rômulo Rodrigues, criamos no Rio de Janeiro o CEPETINCentro de Pesquisa e Estudo do Teatro Infantil que se propõe a diversas ações que visem, principalmente, a QUALIDADEdo teatro para crianças.

Lutamos contra toda uma prática cultural onde a criança e as atividades direcionadas a elas têm uma visãodistorcida, por parte mesmo de pais, educadores, dirigentes políticos, condutores da política cultural e educacional do país,onde o que é feito para a criança não tem espaço na mídia, não é valorizado em nenhum de nossos segmentos.

Isto revela um total descaso com a formação como um todo, do cidadão, onde a Arte já está mais do queprovado, é elemento fundamental.

A luta daqueles que trabalham com e para a criança é muito maior do que parece pois se trata de modificar omodo de ver e lidar com a cultura do produto cultural voltado para a criança, e também à educação, de todo um país,envolvendo todos os segmentos da sociedade.

Portanto, ações como a do Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau, que, na verdade, não se restringe aoperíodo do festival, mas a uma política durante todo o ano, devem ser mantidas, prestigiadas, ampliadas e, por que não, copiadas.

Quando recebemos o convite para a participação da cobertura pelo JORNAL DO BRASIL, fazendo não só amatéria de divulgação do evento, mas a crítica dos espetáculos que se apresentaram, entendemos a importância não só dadivulgação nacional do evento, mas da possibililidade também de se modificar a visão da crítica teatral, que se inclui nasmudanças necessárias de modo de ver, até mesmo pela própria classe teatral, pelos órgãos de imprensa e pelo público emgeral.

Em função disto, escrevemos um artigo, que ora transcrevemos:

O ESPAÇO DA CRÍTICA

Afinal, o que é o espaço da crítica ? Para que serve? Qual a sua função? Perguntas muitas vezes feitas;perguntas geralmente sem respostas, pois dificilmente se reflete sobre elas, embora sempre se reivindique a presença dacrítica nos órgãos de imprensa. A palavra crítica, num senso comum passou a ser utilizada e entendida como umcomentário negativo sobre determinado fato, ação ou outra expressão qualquer do humano.

Etimologicamente, crítica (do grego kritikós) significa: arte ou faculdade de julgar produções de caráter literário,artístico. Apreciação. Sempre pensamos na crítica com esta conotação – apreciação – claro que traz, subsidiariamente, umjulgamento de valor implícito, mas é exatamente este julgamento de valor objetivo, enquanto técnico, subjetivo, enquanto arte quegera a possibilidade de discussão do processo de criação do resultado artístico apresentado e que cria o espaço de reflexão.

É necessário que, antes de qualquer coisa, se pense sobre a função da crítica. Sobre a possibilidade que elaoferece de se discutir o fazer artístico, de proporcionar uma troca entre criador e receptor.”Eu, como criador, vejo como minha obra foi recebida, repenso, revejo, concordo, discordo, mas vou ser obrigado a olharpara a minha obra, para o meu umbigo, com o olhar do outro.”

E o crítico - que receptor é este? Uma pessoa, antes de tudo e também um especialista, com prática e vivênciadaquela expressão artística – pelo menos este deveria ser o crítico especializado - que emite sua opinião, num determinadodia, sobre uma determinada apresentação, de uma determinada manifestação artística, com todo o cuidado e respeito quemerece todo e qualquer criador, ou todo e qualquer ser humano, justificando ou expondo o porquê desta ou aquela visãosobre a matéria em questão.

O subjetivo é matéria do julgamento de valor. Por mais que se analise tecnicamente uma obra de arte, o imponderávelda arte, ali presente, suscita a imponderabilidade de quem assiste e tem que emitir uma opinião sobre aquilo que vê.

E que opinião seria essa? A tão decantada visão externa, isenta – se é que algo que vem do ser humano e queseja expressão do humano e do artístico, que seja “ expressão da alma” , possa ser isento.Uma opinião, diríamos nós, de quem não vivenciou o processo, que não está toldado pela paixão do ato criador que,inevitavelmente, prejudica a capacidade de análise distanciada daquilo que cria.

”Eu crio, portanto ali eu estou. Portanto olhar minha obra com olhar isento é me ver com um olhar externo demim mesmo, tarefa sobre-humana, quase impossível. Esta tarefa cabe ao outro. E aqui, no caso, o outro é o crítico”.

E esta opinião é isenta e justa? Evidentemente que não. Justa? Há uma análise do que está sendo mostrado, mas

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não um julgamento que condena ou absolve o produto artístico. Este é imune a este tipo de julgamento que absolve oucondena. A opinião do crítico ou de qualquer um não é um selo de qualidade do Inmetro – que muitas vezes também falha.

Todas as formas de expressão são válidas, dignas, quando feitas com sinceridade artística. No teatro, existemmuitos teatros. Os nossos espectadores são multi-universos.

Aí se encontra o subjetivo. Analisamos uma expressão artística através de nossa visão do que seja arte, dafunção da arte, de nosso papel no mundo, na sociedade, a partir de nossa formação como indivíduos, de nossa formaçãoacadêmica. E aí está a riqueza da crítica – da mesma maneira que um mesmo texto dirigido por mil diretores darão origema mil espetáculos, a crítica feita por diferentes pessoas, por diferentes critérios, levam a diferentes conclusões. E corre-seo risco de sermos injustos? Sempre.

Yan Michalsky não quis que suas críticas fossem publicadas em livro, o que só ocorreu, após a sua morte, pois,numa análise posterior, acreditava ter sido magnânimo com alguns espetáculos e muito rígido com outros.A crítica de uma obra de arte não é um exame da composição mineral de uma substância. A substância é a Arte e suaexpressão – efêmera e eterna – contraditória.

A crítica não é uma complementação da divulgação de seu trabalho , a crítica não tem função específica deatestar qualidade a um espetáculo, embora, claro, possa fazê-lo subsidiariamente.

A crítica não é feita para ser apenas parte de um “press-release” para a venda de espetáculos. Criadores jádisseram – “precisamos de uma boa crítica para podermos vender nosso projeto.” – nada mais equivocado.Na verdade os produtores e divulgadores solicitam desesperadamente a presença do crítico, na verdade, desejam umelogiador. E quando a opinião do crítico não é a desejada, surge uma posição extremamente defensiva.Quando o crítico elogia, ele passa a ser um mestre no assunto, um amigo, um acarinhador, quase mito, para aqueles queforam elogiados. Quando ele aponta problemas, ele passa a ser uma pessoa presunçosa, dono da verdade que nãoentende nada da expressão artística que analisa.

Temos tão poucas possibilidades, tão poucos espaços para podermos discutir o fazer artístico que a crítica setorna uma das poucas possibilidades de diálogo. Diálogo sim, porque, como já dissemos, a crítica não é um atestado.Crítica é uma análise. Um questionamento. Uma pergunta. Uma dúvida. Uma proposta. Não pode ser unilateral. Parasurtir efeito tem que ser lida com certa generosidade pelos criadores. Tem que ser ponto de partida, jamais de chegada.

Bárbara Heliodora disse, em entrevista, acreditar que a crítica é paternalista. Em relação ao teatro paracrianças, diríamos mesmo que ela é maternalista.

O criador tem como parâmetro seu próprio imaginário e repertório e o momento da criação é indizível, como dizJean-Louis Ferrier: “O indizível – aí é que começa a arte”

Centrados em nossos umbigos, quando somos instados a olhar de fora para nossa criatura não aceitamos quese diga qualquer coisa sobre ela, que não elogios.

Este é o caminho mais curto para a estagnação.

A diversidade de opiniões é de suma importância. São necessárias muitas opiniões, divergentes, opostas,convergentes, para que se estabeleça uma saudável discussão.

Diz um antigo e conceituado crítico literário que o mais importante da crítica é provocar a discussão da obra dearte. Importante quando o criador não aceita a crítica, quando os leitores, uns concordam, outros discordam - aí se instalao debate, a reflexão. A crítica, então, cumpriu sua tarefa.

Este é o caminho para sair da estagnação.

Precisamos de mais críticos, precisamos de mais opiniões, precisamos de mais espaço na mídia, nas universidades,na graduação, nos cursos de pós-graduação, mestrados, doutorados, para discutirmos o teatro para crianças, precisamosde mais sinalizadores sobre a qualidade no teatro infantil – infantil, sim, por que não? Outra conotação pejorativa que seestabeleceu para essa palavra que representa um estado, na verdade de plena pureza e que precisa ser demolida.

Precisamos levar os mediadores, pais e professores para o teatro, para então podermos começar a formar platéia.

Os especialistas em literatura infantil dizem não haver criança leitora se não há pai leitor e professor leitor. O mesmopodemos dizer do teatro. Dificilmente, teremos criança espectadora se não tivermos pais espectadores, professoresespectadores.

E o teatro existe apenas na linha abaixo do Equador – na zona nobre da cidade. Toda a discussão do teatro para

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crianças parte de uma amostragem reduzida, dirigida a uma elite. E teatro é uma expressão popular. A interiorização doteatro é fundamental, criar a possibilidade de acesso ao teatro é fundamental. Vivemos um momento histórico-político-social de possibilidades de mudanças. O teatro para crianças não se aliena do contexto sócio-político, nem do Teatro, nemda Arte, nem da Cultura, mas cada um só pode cuidar do seu pedaço.

E teatro para quê? Para provocar, fazer pensar, emocionar, entreter, dar prazer estético. Expressão ancestral do humano.

E refletir para quê? Para repensar, buscar caminhos, aceitar descaminhos, discutir probabilidades, buscarpossibilidades – viver.

A crítica é feita para fazer pensar, para abrir um espaço de discussão, de reflexão.

E a crítica, embora técnica, não é feita apenas para a classe teatral, tem que ter uma linguagem acessível aogrande público, que possa tomá-la como um dos muitos referenciais que deve buscar para a escolha do espetáculo teatralque deverá proporcionar ao seu filho ou aluno – é responsabildade do mediador.

A qualidade do teatro infantil cai a cada ano, isto é uma opinião unânime. Que contribuição a crítica pode vir a dar a estecaminhar quase inexorável para espetáculos que, ao invés de formar platéias, afastam gerações das cadeiras do teatro ?

A crítica é um pequeno segmento de um amplo universo e que tem a fonação de trazer sua contribuição, sedeixarmos nossos egos na gaveta, olharmos com um olhar de fora, repensarmos, refletirmos, concordarmos, discordarmos,buscarmos e nunca chegarmos ao espetáculo perfeito. Porque este, nunca estreou.

Na verdade, a critica faz parte do processo criativo. Em primeira instância, por seu criador, depois por conhecidose, em última instância, por esse desconhecido, anjo ou demônio, feito de verso e reverso de uma mesma medalha: o crítico- que não é o algoz que tem um prazer imensurável de falar mal daquilo que vê. Muito pelo contrário, ver a arte a qual sededica ser bem realizada é tudo o que um crítico deseja. Tanto quanto o criador.

GiramundoPlanejamento & Projeto

Treinamento de Marionetistas

Marcos Malafaia *

Introdução

Este texto integra o Manual do Marionetista, conjunto de reflexões sobre Teatro de Bonecos, em fase depesquisa pelo grupo Giramundo. Foi desenvolvido, refletindo a prática de ensaios do grupo, desencadeada a partir dadireção de cena de Pedro e o Lobo em 1995, junto à equipe formada por Ulisses Tavares, Beatriz Apocalypse e GustavoNoronha. A maioria dos conceitos e procedimentos práticos de treinamento, básicos neste ensaio, decorrem daquelemomento. Também influenciaram as contribuições de Luiz Malafaia na introdução de metodologias derivadas do treinamentoesportivo nos processos de condicionamento físico e motor do marionetista. O texto é dividido em duas partes: “Fundamentosda Manipulação” onde são apresentados conceitos gerais e centrais para a compreensão dos processos de animação debonecos e objetos; e “Treinamento de Manipulação para Marionetistas” onde é exposta metodologia específica para oaperfeiçoamento da performance do bonequeiro. Neste número, nos concentraremos na primeira parte.

Primeira Parte - Fundamentos da Manipulação

A Manipulação é uma Linguagem

A manipulação é a arte do marionetista de animar um boneco ou objeto através do movimento. Mas, manipularum boneco é mais do que fazê-lo se mover. A interpretação através do movimento requer uma série de condições parase tornar convincente e integrada ao todo teatral de modo a criar a impressão de vida em um objeto inanimado.

* MARCOS MALAFAIA – MG – Marionetista, Artista Gráfico e Professor. Graduado em Sociologia pela UFMG. Pós Graduação latusensu “Arte e Educação” pela Universidade Estadual de Minas Gerais. É Diretor de Departamento Planejamento e Projeto Giramundo.

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Assim como o músico realiza a música através de um instrumento produzindo sons de forma ordenada, omarionetista cria o ato teatral através do boneco ou objeto, produzindo movimentos também de um modo coerente. Hásemelhanças entre a interpretação no Teatro de Bonecos e outras artes como a música, a dança e o desenho animado.Todos estes domínios propõem linguagens capazes de transmitir narrativas, sensações, emoções ou idéias de conteúdoconcreto ou não. Para atingirem estes fins, se valem de princípios e conceitos semelhantes: movimento, ritmo, intensidade,duração, composição são alguns e, como outras formas de linguagem, se estruturam através da sucessão ou sobreposiçãoordenada de partes elementares de modo a formar novas partes com graus crescentes de complexidade.

Por estas semelhanças, podemos realizar paralelo ilustrativo entre propriedades da manipulação no Teatro deBonecos e princípios musicais elementares. Da seguinte forma esquemática: Nota musical – movimentos simples; Melodia– movimentos complexos; Harmonia – cena teatral.

A nota musical é unidade básica da música convencional. Ela pode variar no tempo, em duração, e em suaexpressão, através do timbre dos diversos instrumentos. Na manipulação, a unidade básica é o movimentos simples. Omovimento simples é aquele que é acionado por uma única articulação. Uma articulação é um conjunto mecânicocomposto pela união de pelo menos duas partes com o objetivo de produzir movimentos. Portanto, a definição de umaarticulação se baseia principalmente na idéia da união de partes móveis. As articulações podem ser simples ou compostasdependendo do número de peças e movimentos componentes.

Na estrutura mecânica de um boneco, as articulações realizam, na maioria das vezes, movimentos circulares ouarcos. Assim, podemos definir um boneco como uma máquina cênica, dotada de uma forma plasticamente expressiva,formado por partes articuladas em torno de eixos e capaz de, através do movimento coordenado destas partes, representaro papel de uma personagem em um jogo teatral.

O estudo das notas musicais isoladamente corresponde ao estudo dos movimentos simples que integram orepertório de movimentos de um boneco. O repertório de movimentos de um boneco é o amplo conjunto de movimentospossíveis, sejam estes simples ou compostos.

Na música, a sucessão organizada de notas musicais define uma linha melódica. Na manipulação, a sucessãode movimentos simples gera um movimento composto. Portanto, o movimento composto é aquele formado pela ação devárias articulações, simultânea ou sucessivamente.

A sucessão e sobreposição de melodias gera, na Música, a dimensão harmônica. Na manipulação, a sucessãode vários movimentos, de um mesmo ou de vários bonecos, motivados e organizados pelo sentido dramático, gera umconjunto complexo, a cena teatral. A cena teatral do Teatro de Bonecos é baseada no movimento coordenado de um oumais personagens, subordinado a alguma forma de dramaturgia e existindo em um espaço cenográfico.

Portanto, tendo em vista a importância central do movimento para o Teatro de Bonecos, é preciso estudar amorfologia dos movimentos simples, compreender as regras sintáticas de sua união na formação de movimentos compostose procurar princípios de harmonia para a criação de uma cena teatral.

Achando o Personagem e Perdendo o Marionetista

Existe um conflito clássico, na reflexão sobre Teatro de Bonecos, entre o marionetista e a marionete. Variadapolêmica envolveu estas partes: seriam contraditórias ou complementares? Até que ponto o marionetista governaria oboneco? Seria possível o inverso, ou seja, a ação do marionetista ser comandada pela marionete? Como deveria secomportar o marionetista em cena, de forma discreta, submetendo-se à preponderância do boneco, ou de forma ativa,realçando a relação entre ambos?

Estas questões merecem investigação detalhada. No momento, concentraremos nossa atenção nas característicasda relação entre marionete e marionetista relativas à manipulação.

Na história do Teatro de Bonecos tradicional, o boneco sempre foi o foco central da atenção do espectador. Paraque isto ocorresse, várias inventos mecânicos, cenográficos, de iluminação e de manipulação foram criados, visando escondero marionetista ou disfarçar sua presença. Principalmente, a cenografia e a iluminação foram adaptadas para esta finalidade.O teatro negro esconde o marionetista atrás de uma cortina de luz; a cenografia para bonecos de fio cria janelas queapresentam os bonecos e escondem os marionetistas; para os bonecos de luva criou-se uma tapadeira ou biombos queescondem o marionetista e permitem a visão do boneco em seu topo. Em casos onde a presença do marionetista é inevitável,como no tradicional Bunraku, o marionetista se esconde atrás de uma manipulação rigorosamente discreta. Esta regra cênica,quando bem executada, é assimilada pelo público que passa a, naturalmente, desconsiderar a presença do marionetista.

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No entanto, os marionetistas, geralmente, sentem dificuldade para se colocar em segundo plano. Esta hierarquiaexige treinamento intenso e específico e uma diminuição da competição entre boneco e bonequeiro. É preciso enfraquecero ego para controlar o boneco, pois se trata de uma situação onde o controle técnico diminui a relevância dos gestos domarionetista para que os movimentos do boneco adquiram maior visibilidade. Os movimentos do marionetista devem serocultos, econômicos e discretos ao máximo; os movimentos do boneco devem ser aparentes, plenos e evidentes. A mestriado marionetista está em produzir os últimos através dos primeiros.

É muito mais fácil gerar um gesto pleno através de uma ação plena, assim como é muito difícil produzir um gestovigoroso através de uma ação discreta. Na solução desta contradição, está o virtuosismo. Normalmente, os marionetistasiniciantes precisam de reconhecimento ao seu trabalho. Para resolver esta insegurança, muitas vezes, realçam seuspróprios gestos para serem notados, o que retira a atenção do público do foco principal, o boneco. Cria-se a caricaturalperformance do “marionetista habilidoso”. Percebemos a qualidade de um pianista de olhos fechados, pois esta qualidadeestá no som. Da mesma forma, percebemos a qualidade de um marionetista sem precisarmos conhecer seu rosto.

Em sua prática, o marionetista lida, freqüentemente, com a perda de concentração causada por gestos excessivosque, quase sempre, são produzidos pela distração que rompe a vigilância sobre os movimentos do boneco. A vigilânciadeve ser permanente, até que se torne automática. Portanto, a distração corresponde à perda da atenção sobre o bonecoe à falta de presença do marionetista no ato do movimento. A vida através do movimento surge com a dedicação da mentee do corpo do marionetista ao ato de manipular. Quando o bonequeiro não está presente, o boneco morre.

A Interpretação em Movimento: O Estilo e o Caráter

Mesmo em um espetáculo maduro, que já possua repertório de movimentos e coreografia definidos, notamosa diferença da manipulação entre os marionetistas, ainda que atuem sobre um mesmo boneco. Daí a dificuldade de, numamesma montagem, alternar a manipulação de um mesmo boneco, entre dois ou mais marionetistas. As interpretaçõespossuem estilos próprios. O estilo de manipulação se baseia em diferenças sutis dos movimentos criados para a interpetaçãodas situações dramáticas e que se expressam no boneco, tornando-o mais doce ou brusco, mais atento ou disperso, maiságil ou mais lento, mais curioso ou mais alheio e assim por diante. Estas diferenças não indicam necessariamente erros,são variações da interpretação de um mesmo objeto. Mas são muito úteis para a ampliação dos recursos de ummarionetista. Um grande marionetista é capaz de incorporar e reproduzir diferentes estilos, variando suas interpretaçõesde acordo com as necessidades do personagem.

A evolução do marionetista, neste e em muitos outros pontos de seu processo permanente de aprendizagem,se deve ao desenvolvimento persistente da capacidade de observar. Observar a si mesmo, descobrindo seu estilo natural,e observar os outros marionetistas, tanto os mais experientes quanto os menos experientes, descobrindo os meios pelosquais eles executam seus próprios estilos.

Ao compreender as características de um estilo, o marionetista pode colocar em prática outra importantequalidade do bom bonequeiro: a imitação. Ele deve, rapidamente, tentar imitar o que vê, repetir, observar novamente eimitar novamente até reproduzir o que busca. Ser capaz de reproduzir um movimento é um grande passo para seucontrole, de modo a recriá-lo sempre que desejar. Ao atingir este estado, estará apto a inventar e a ampliar o que acabarade aprender. Ele domina a capacidade de imitação. O marionetista é um mimetista.

Uma coisa é o estilo pessoal de manipulação de cada marionetista. Outra coisa é o caráter do movimento de umapersonagem. O primeiro se refere ao bonequeiro, o segundo, ao boneco. É importante atentar para as conseqüências dofato de as personagens serem muito diferentes umas das outras. Para os bonecos, estas conseqüências são ainda maisacentuadas porque eles são personagens perfeitas, produzidas especialmente para papéis específicos. Uma bruxa éconstruída para ser a Bruxa. Jamais se tornará uma princesa ou a Princesa. Se isto acontecer, outro boneco deverá entrarem cena. Um lobo será sempre um lobo não sendo razoável imaginá-lo como um gato, em outro espetáculo. Os atoreshumanos possuem a faculdade de se transformar em diversas personagens. O boneco é a personagem.

Portanto, tanto as personagens quanto seus próprios movimentos são especiais, devendo se diferenciar uns dosoutros. É natural que o andar e comportamento de uma bruxa sejam diferentes dos de uma princesa. Do mesmo modocomo a forma dos bonecos é caricatural e estereotipada para realçar sua identidade e personalidade, seus movimentostambém assim devem ser. A composição de um repertório de movimento característico enriquece muito a construção dapersonagem, criando uma identidade de movimento. Neste sentido, a identidade de movimento de um boneco é um sub-conjunto, do conjunto de movimentos possíveis, composto por uma seleção de movimentos apropriados, em relação àscaracterísticas da personagem. Por isto, nem todo movimento possível é adequado a personagem, cabendo ao marionetistaselecionar aqueles que a melhor caracterizam.

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Um Boneco Vivo – O Automatismo

A experiência de treinamento de marionetistas permite a observação de certo padrão de etapas no processo deaprendizado da manipulação de um boneco. Padrão impreciso, porque demasiadamente variável, mas útil para a reflexãosobre o desenvolvimento da manipulação. Ao tomarmos contato com vários marionetistas e personagens, em espetáculosdiferentes, com bonecos de diversas técnicas, percebemos recorrências que podem nos auxiliar, tanto no treinamento demanipulação, quanto nos ensaios de cena.

Num primeiro contato, o boneco é duro e rebelde. As articulações ainda conservam as marcas de sua construção,as tintas recobrem parte móveis, o figurino se mostra engomado e rígido pelo tecido novo. Tudo contribui para uma maiorresistência ao movimento. O atrito ainda não teve o tempo necessário para realizar a modelagem fina que tornará rápido edelicado o movimento das articulações. O marionetista também se encontra em estado semelhante. Seus movimentos sãotímidos, imprecisos e indecisos, como se tateasse no escuro. Sua atuação é exclusivamente experimental, é preciso investigaras possibilidades do boneco para ganhar fluência em sua performance. O marionetista e a marionete ainda não se conhecem.

Logo após os primeiros dias, em seguida às primeiras correções e ajustes físicos do mecanismo do boneco, epassadas as primeiras horas de contato ininterrupto, os parceiros passam a criar certa intimidade. As reações de ambossão mais conhecidas, as possibilidades expressivas começam a aparecer e a investigação de movimentos e soluçõespráticas de cena tornam-se mais elaboradas.

Com a sucessão de ensaios e apresentações e com a longa convivência de palco e oficina, boneco e bonequeirotornam-se conhecidos. Afinal de contas, passaram centenas de horas juntos, dialogando, na solução de problemas, einvestigando possibilidades mútuas. O marionetista investiga o boneco diretamente, e a si próprio através do boneco.Como num lento jogo. Neste ponto, e depois de tudo, é normal que o marionetista adquira grande domínio sobre o boneco- seus movimentos são conhecidos, a execução da partitura de movimentos é precisa, as armadilhas mecânicas queacontecem na performance não são mais surpreendentes e já se conhecem seus antídotos. Além da intimidade, atinge-se um nível de desempenho profissional, ou seja, aquela destreza e facilidade na execução de gestos e procedimentos quedecorre da intensa repetição. A tranqüila precisão de quem realiza uma função por muitos anos.

Poderíamos pensar que este é o ponto final: o domínio técnico sobre o boneco. Mas acreditamos que omarionetista pode ir um pouco além. Ou muito.

Quando repentinamente um copo ou outro objeto cai próximo de nós, naturalmente temos o gesto instintivo detentar agarrá-lo antes que ele atinja o chão. As principais características desta ação reflexa são a sua rapidez, quaseinstantânea, e seu automatismo, ou seja, ele é um gesto reativo, não comandado pela razão. Da mesma forma acontececom o boneco. Após a longa convivência e treinamento, a fluência técnica é tal que começam a aparecer gestos e açõesreativos, muito semelhantes aos atos reflexos descritos anteriormente.Nestas situações, temos a impressão de que oboneco tem vontade própria, agindo e reagindo às situações de cena de forma independente do marionetista.

O boneco vivo é, portanto, reativo e instintivo, seu movimento é reflexo e automático e o marionetista desteboneco estabelece a paradoxal contradição de, por total presença e concentração no ato, se ausentar dele, criando ailusão de que não é mais necessário para que a madeira se mova.

A Coerência

Até o momento, apresentamos a manipulação como uma linguagem, por isto passível de ser decomposta ecompreendida; baseada no movimento e detentora de características como estilo e caráter; e capaz de ser, de tal mododesenvolvida, a ponto de criar automatismo e concentração intensos no marionetista. No entanto, cabe, nesta altura denossa reflexão, a iniciativa de aprofundarmos nossa definição dos conceitos fundamentais da manipulação pela análise deseus contrários, ou seja, das condições que interferem negativamente, prejudicam, ou mesmo, aniquilam a ilusão de vidaem um boneco ou objeto manipulado.

Na vivência como espectador, ocasionalmente, percebemos uma situação particular e curiosa: repentinamentenos envolvemos profundamente com a cena, deixamos a razão temporariamente de lado e, simplesmente, acreditamosque a personagem em ação está viva. As crianças realizam, freqüentemente, esta operação transformando encenaçãoem realidade, não diferenciando estas situações. Esta ilusão decorre da credibilidade da cena que, por sua vez, dependede diversos fatores. A credibilidade pode ser definida como a capacidade do movimento, personagem ou cena de sercrível, aceitos pelo espectador como verdadeiros. Esta condição é raramente estabelecida e mais difícil ainda de sersustentada por longo tempo, mas é o fundamento da ilusão, sedução e mágica do Teatro de Bonecos e pela surpreendente

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experiência da animação. Estes momentos ocorrem quando há confluência de fatores adequados aos propósitos daanimação. A esta situação de confluência de fatores positivos chamamos coerência que também pode ser definida comoa fluência ideal da linguagem da manipulação. Apresentaremos, em seguida, estes fatores e a relação de sua presença ouausência com o estabelecimento ou quebra da ilusão de animação.

Perceberemos melhor o que é necessário para definir a coerência se prestarmos atenção nos fatos que adestroem, ou seja, nos aproximando do conceito por exclusão. Analisaremos três níveis: o do movimento das articulações,o da interpretação do personagem e o da composição da cena. Devemos notar que estes níveis se aproximam da divisãoesquemática da manipulação como uma linguagem: a palavra (nota musical), a frase (melodia) e o texto (harmonia)porque as falhas de linguagem ocorrem principalmente nestes três ângulos.

Ao abordarmos o movimento das articulações, deveremos prestar atenção nos problemas que tocam osmovimento simples, que não se relacionam, por enquanto, com questões de interpretação ou dramaturgia. O que interferenegativamente num movimento? O que prejudica a beleza, clareza e expressividade de um movimento? De modogenérico, chamamos os problemas de movimento das articulações de ruído. O ruído é uma falha, imperfeição ou erro,relativo a um modelo ideal de movimento. Assim, um movimento contínuo que sofre um tranco apresenta um ruído queinterfere negativamente no conjunto ou, no caso de desejarmos que o movimento se interrompa, as “sobras” de movimentotambém interferem negativamente. A estas sobras de movimentos damos o nome de movimentos residuais. Movimentosresiduais são movimentos indesejáveis, excedentes ou redundantes, resultantes do descontrole. São particularmentepresentes nos bonecos de fio por sua natureza de pêndulo, mas acontecem em todos os gêneros do Teatro de Bonecos.

As falhas mais comuns, no nível primário do movimento, são causadas por erros de manipulação, problemas demecanismo, dificuldade de controle técnico do boneco ou por acidentes de cena. Podem ser agrupadas da seguinte forma:

1. de curso, são os trancos e movimentos residuais.2. de ritmo, são os excessos ou escassez de velocidade ou pulsação, de modo antinatural.3. de intensidade, são os excessos ou escassez de força.4. de amplitude, são os excessos ou escassez de tamanho do movimento.

No nível seguinte de complexidade, o da interpretação da personagem, as falhas mais graves se relacionamcom a perda dos movimentos animados. Os movimentos animados são aqueles que trazem a ilusão de vida ao personagemou objeto. Os movimentos opostos, ou não animados, são caracterizados por:

1. imobilidade, que aproxima o objeto do mundo inanimado.2. repetição, que aproxima o objeto do mundo das máquinas.3. redundância, que retira do objeto a inteligência, evidenciando sua subserviência e condução.4. excesso ou descontrole, que retira do objeto um sentido plausível para seu comportamento.5. escassez de repertório, que reduz a expressividade e interesse do objeto.

No terceiro nível, o da cena, a principal falha se refere à desarmonia da coreografia, conceito dedicado à dançamas que, transposto para o Teatro de Bonecos, define bem a notação e estruturação da seqüência de movimentos de umboneco ou de um conjunto deles. Neste caso, o boneco é parte de um conjunto maior e seus movimentos passam a sersubordinados a este todo. A discordância do movimento individual em relação ao conjunto obscurece a compreensão dacena, prejudicando a performance.

A busca de coerência em todos os níveis e sua sustentação pelo maior tempo possível produz profundoresultado no espectador que imerge, mergulha num estado de consciência cada vez mais profundo que o transporta paraa realidade alterada do espetáculo. E é lá onde ele deve estar. É este um dos mais importantes desafios do encenador.Todas as condutas perturbadoras que descrevemos anteriormente, retiram o espectador de seu fluxo interior, trazendo-o à tona novamente. O teatro, neste sentido, pode ser entendido como um transporte onde tudo o que não interessaprejudica a fruição da obra.

Todos os pontos levantados em relação ao estado ou situação ideal de coerência merecem ser detalhados,melhor definidos, mais amplamente comentados, uma vez que este conceito se posiciona, de modo central, na argumentaçãosobre uma teoria da manipulação e sobre a tentativa de se estabelecer metodologia clara que conduza o trabalho deaprimoramento técnico do marionetista. Retornaremos a eles, de modo mais prático, na segunda parte deste ensaio, quetratará do Treinamento de Manipulação para Marionetistas.

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A diversidade de nomenclaturas existentes para definir quem é o profissional que se expressa com a linguagemdo teatro de formas animadas, evidencia que essa é uma tarefa complexa. Historicamente, “titeriteiro” e “marionetista”sempre foram as expressões mais utilizadas. Porém, em janeiro de 1979, na cidade de Ouro Preto, durante o Congressoda Associação Brasileira de Teatro de Bonecos - ABTB, os artistas presentes ao evento decidiram que “bonequeiro” eraa palavra que melhor definia este profissional. Naquela época, o teatro de bonecos produzido pelos grupos no Brasil jáfazia rupturas estéticas visíveis em relação ao teatro de bonecos tradicional, o nosso “mamulengo”, e com o teatroproduzido em escolas bastante conhecido como “teatro de fantoches”. E “bonequeiro” passou a ser a nomenclaturacorrente. Mas este consenso não durou muito. Logo, apareceram outros nomes com a justificativa de que “bonequeiro”é expressão mais adequada para quem trabalha com boneco do tipo antropomorfo e, por isso, não aglutina outrasimportantes tendências mais contemporâneas desta linguagem.

Posteriormente, a denominação mais aceita foi “manipulador”, porque creditava a este artista a responsabilidadeda encenação. No entanto, muitos profissionais da área passaram a considerá-la inadequada porque pressupõe uma relaçãoverticalizada do ator sobre o boneco ou objeto. Esta visão não contempla um aspecto fundamental no trabalho deste artista,o diálogo entre a matéria de que é feito o títere, os mecanismos de articulação e manipulação, assim como as intenções domanipulador. Ou seja, a relação que se estabelece entre o artista que se expressa com bonecos e objetos ou formasanimadas é mais complexa do que a palavra “manipulador” confere. Certamente por isso, mais recentemente é freqüente ouso de nomenclaturas como “ator-manipulador”, “ator-bonequeiro”, “ator-animador”. São duas as novidades postas nessasexpressões: a primeira é a idéia de “animar” o objeto inanimado, a idéia de dar vida a algo; e a segunda diz respeito àpresença do bonequeiro como ator, como compositor da cena. É neste momento que se configura, de modo mais visível, aconcepção de que este artista é ator, é intérprete.

A apresentação destas nomenclaturas não encerra as dúvidas que pairam sobre a denominação mais adequadasobre o trabalho deste profissional. Por isso o trocadilho usado pelo mamulengueiro Chico Daniel1, da cidade de Natal, ilustrabem a discussão: Bonequeiro: conheço, quem é? Com a brincadeira, nosso mestre mamulengueiro reafirma que trata-se de um profissional conhecido, mas as dúvidas sobre quem é o artista bonequeiro permanecem.

O intento por desfazê-las pode principiar identificando-o pelo que faz. Mas obstáculos já surgem aí, uma vez queé um profissional que faz um pouco de tudo. O mais simples seria iniciar dizendo que o ator-animador é um artista que encenaespetáculos, expressando-se com bonecos. E na realização desse trabalho, normalmente, concebe o texto, ou seja, édramaturgo; confecciona os bonecos, os objetos, o que lhe exige competências para esculpir, pintar, costurar e, assim, éescultor, pintor e figurinista; concebe e executa o cenário, e materiais de cena... é cenógrafo e aderecista; seleciona a trilhasonora e, às vezes, compõe músicas para o espetáculo... é músico; interpreta, utilizando bonecos e objetos para representare, atualmente, é comum extrapolar os limites da “tenda ou palquinho” tradicional dos bonecos e atua numa relação direta como público, ou seja, é ator; dirige o próprio espetáculo, é diretor; concebe a iluminação para o espetáculo, é iluminador; levantaos recursos financeiros e condições materiais para a realização do trabalho, além de divulgar e vender o espetáculo, éprodutor; define o material gráfico, tais como programa e cartaz, assim, também é artista gráfico.

A polivalência desse artista faz lembrar o ator italiano do final da Idade Média e princípio do Renascimento, ovagabondo, que fazia de tudo um pouco, ou muito de tudo, desde magia, dança, prestidigitação, contava histórias,propunha jogos de azar, vendia produtos miraculosos e... fazia teatro.2

Marionetista, ManipuladorAtor-Animador e Outras

NomenclaturasValmor Beltrame - Níni *

* Professor de Teatro no Curso de Artes Cênicas e no Mestrado em Teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC.1 O mamulengueiro Chico Daniel a utiliza com freqüência em cena. Um boneco pergunta: - Você conhece fulano de tal? Eo outro responde: - Conheço, quem é?

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Como se vê, trabalhar com teatro de animação é atividade que envolve o conhecimento das práticas de outrasprofissões. A realidade concreta de muitos profissionais brasileiros que atuam com esta arte exige, no exercício daprofissão, o domínio de conhecimentos próprios de outros campos. Exige a realização de tarefas que, mesmo não tendoformação na área, os atores-animadores precisam executar.

O tema da formação profissional do ator-animador vem, há anos, despertando o interesse de profissionaisenvolvidos com esta arte. Em setembro de 1990, realizou-se em Londres o “Simpósio Internacional sobre a Formação deDedicação Plena para Marionetistas.”3 O evento foi realizado no Teatro Lilian Baylis e reuniu professores e diretores dasescolas de teatro de marionetes da Europa, com o objetivo de discutir “a necessidade de formação acadêmica plena paraprofissionais de teatro de marionetes.” Na verdade, autoridades inglesas se mobilizavam para criar o bacharelado nessaárea, junto à Escola Central de Fala e Drama, o que acabou ocorrendo em 1993. A apresentação de trechos, a seguir, daspalestras dos convidados ao Simpósio é enriquecedora por revelar divergências e pontos comuns em torno do tema,notadamente em relação à visão do que seja a arte do teatro de animação e do profissional ator-animador.

Para John Blundall, “o teatro de animação é um teatro sintético que combina uma grande variedade de formasde expressão. Nenhuma arte pode estar ilhada das demais e muito menos a arte do teatro de animação” (Blundall, apudSimpósio,1990:21). A afirmação do diretor artístico do Cannon Hill de Birmingham, Inglaterra, é importante na medida emque destaca a característica de aglutinar, de sintetizar diversas formas de expressão criadora integrando a arte do teatrode animação e nela interagindo. “(...) não estar ilhado das demais artes” não significa, porém, que o bonequeiro devaconcentrar em si o domínio de tantas áreas do conhecimento. A polivalência do bonequeiro, característica singular desseprofissional, pouco comum em outras profissões pode, ao mesmo tempo, estar permeada de problemas, uma vez quedificilmente alguém consegue ter domínio completo sobre tantas áreas simultaneamente.

Henryk Jurkowski prefere focar a discussão no questionamento sobre as diferenças e similitudes entre o trabalho do atore do marionetista, afirmando:

A questão que se coloca é se existem diferenças entre um ator -manipulador e um ator. Alguns partem do princípio de quetudo é teatro, tanto o teatro de animação como o teatro de atores são, na sua essência, teatro. Outros defendem que o teatrode animação e o teatro de atores são disciplinas distintas. Tenho me perguntado se os dois podem ser chamados deintérpretes? Para mim o ator, no palco, se transforma na personagem. Já o bonequeiro, no palco, concentra toda a sua forçacriativa em fazer do boneco a personagem. O intérprete faz uso de diferentes recursos para contar uma história (Jurkowski,apud Simpósio, 1990:17).

A tentativa do Professor do Departamento de Direção Teatral da Escola de Teatro de Bonecos da AcademiaTeatral de Varsóvia, sugerindo diferenças entre ator e intérprete, colabora pouco na identificação de diferenças entre otrabalho do ator e do bonequeiro. Pelo visto, existem peculiaridades na Polônia, país de Jurkowski, onde ator é diferente deintérprete. No contexto brasileiro, as expressões se eqüivalem. No entanto, o professor aponta uma característica fundamentalno trabalho do bonequeiro quando diz que “o ator se transforma na personagem. Já o bonequeiro concentra sua força criativaem fazer do boneco a personagem no palco.” Há, dessa maneira, o deslocamento do centro da atenção para o objeto. Nessadiferença está, certamente, uma das características marcantes do trabalho do profissional de teatro de animação.

Essa posição é reafirmada por Caroline Astell-Burt, professora na Escola Politécnica de Middlesex, Inglaterra: “Estousegura de que não é necessário convencer alguém de que as técnicas do teatro de animação são únicas, são específicas. O quenão significa que tais técnicas não sejam comuns a outras formas de arte. Defino o marionetista como o artista que trabalhaessencialmente através de objetos para se comunicar” (Astell-Burt, apud Simpósio, 1990:30). Assim, vai despontando comoconsenso a idéia de bonequeiro como ator que se expressa “animando” objetos; fazendo com que o centro da representação nãoesteja no seu corpo como intérprete, e sim, no objeto. Esta singularidade é fundamental para a compreensão desta arte.

É importante, ainda, destacar as reflexões de Nina Dimitrova, do Instituto Estatal de Teatro de Sofia, Bulgária,porque propõe a formação diferenciada para o marionetista, evidenciando que os processos de criação são distintos dosdo trabalho do ator. A professora afirma:

O processo de criação no teatro de animação é diferente do processo de criação no “teatro de atores.” No teatro deanimação existe um sujeito e um objeto no processo de criação: o ator é o sujeito e o boneco é o objeto. No entanto, oator de teatro é, normalmente, sujeito e objeto do seu próprio ato de criação. No teatro de bonecos, o ator vive com o

2 A noção de ator “vagabondo” é apresentada pela professora Beti Rabetti, no artigo: “Grupos Trupes & Companhia:momentos emblemáticos da história do teatro.” In revista Urdimento N.1, 1997.3 O Simpósio foi patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian e British Council e reuniu conferencistas do Reino Unido, França,Espanha, Romênia, Polônia e Bulgária. As citações são extraídas do relatório disponível nos arquivos da FCK - (1990:1-51).

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boneco, o que não acontece noutras formas de expressão cênica. Por isso, o teatro de animação exige um tipo deformação distinta da formação destinada aos que querem trabalhar como atores (Dimitrova, apud Simpósio, 1990:10).

A presença do objeto na cena como protagonista da ação é a razão da diferença apontada pela professora.Mas, ao dar ênfase à necessidade de uma formação específica, Dimitrova deixa de explicitar a importância de o ator-marionetista conhecer e se preparar como ator. Fica a impressão de que o trabalho do ator não faz parte da formação doator-marionetista e este parece-me um aspecto essencial ao seu trabalho.

A posição defendida por Margareta Niculescu, da Escola Superior da Marionete na França, reúne elementosque, ao mesmo tempo em que destaca particularidades, inclui este profissional na arte do teatro. O trecho da sua palestraé revelador:

Poderíamos definir o marionetista como o artista que cria formas, formas no espaço, pequenas ou grandes, bi outridimensionais com diferentes tipos de material. Isto o converte num artista plástico que deveria se formar numa escola deBelas Artes? O marionetista também é um artista que dá vida a objetos através de movimentos e da energia do seu própriocorpo. E precisa de uma grande destreza física e imaginação para traduzir os movimentos do seu corpo em movimentosdo boneco. O marionetista seria, assim, mais coreógrafo? Mas também cria situações dramáticas, o que talvez o aproximemais do ator. Ou quem sabe o marionetista seja alguém que sabe fazer tudo! Talvez, Deus tenha dotado um grupo deindivíduos de todos os talentos necessários e são só estes indivíduos que podem chegar a ser marionetistas! Creio que omarionetista é, essencialmente, uma pessoa de teatro, um artista intérprete (Niculescu, apud Simpósio,1990:7).

Deixando de lado a ironia explicitada no pensamento da diretora romena, sobretudo quando se refere aos múltiplostalentos do bonequeiro, cabe ressaltar que Niculescu aponta para a necessidade de que tem o profissional de teatro deanimação de dominar, sim, uma multiplicidade de conhecimentos fundamentais para a realização do espetáculo, mas chamaa atenção para seu trabalho de intérprete, destacando a importância do domínio do espaço e da expressividade do corpo.

As opiniões dos cinco professores referidos, com experiências distintas e provenientes de diferentes realidades,apresentam, em comum, a necessidade de ver o teatro de animação como expressão cênica, ou seja, o teatro de bonecosprecisa ser compreendido antes de tudo como teatro. No entanto, trata-se de uma arte que reúne e sintetiza elementos deoutros campos artísticos, notadamente das artes visuais, exigindo do profissional que atue com essa expressão, conhecimentospróprios dessa área. Ao acordarem que o ator-animador é interprete, evidenciam a necessidade de uma formação quecontemple saberes próprios da profissão de ator. E desse modo fica explícito que nem todo ator é marionetista, mas todomarionetista é ator. O ator não precisa dominar as particularidades que caracterizam o teatro de formas animadas, mas oator-animador não pode dispensar os saberes próprios da arte do ator.

O que caracteriza a arte do teatro de formas animadas é a presença do objeto/boneco interposto entre o ator-animador e o público; a relação ou comunicação do ator-animador com a platéia é mediada pela presença do objeto. Nasmúltiplas formas de animar a marionete, a presença do ator-animador definindo, escolhendo e selecionando os gestos eações do boneco é imprescindível. Por isso é ator, mas um ator que, para o exercício da profissão, precisa dominarsaberes que são próprios da arte do teatro de formas animadas.

Referências Bibliográficas

BELTRAME, Valmor. Animar o Inanimado: a formação profissional no teatro de bonecos. Tese defendida na ECA-USP,São Paulo: 2001.

RABETTI, Beti, Grupos Trupes &Companhia: momentos emblemáticos da história do teatro. In Revista Urdimento N.1,Florianópolis: UDESC, 1997.

SIMPOSIO Internacional sobre la Formación de Dedicación Plena de los Títeres. Londres: Calouste Gulbenkian, BritshConceil, Teatro Lilian Baylis, 1990.

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Os dias das crianças de hoje – de classe média para cima, pelo menos – são cheios de brincadeiras e fantasiasdiferentes das que tínhamos à nossa volta quando éramos crianças. A gente não clicava muito para brincar, nem serebobinava muita coisa, se é que entendem o que eu quero dizer. É claro que a maior parte das coisas que fazíamos ascrianças ainda fazem – brincar, “pintar e bordar” – mas sem dúvida há muitas novidades e desafios no campo que une hojeo tema da infância e o da cultura.

Entre as muitas questões que poderiam servir de entrada a essa zona de fronteira, sugiro uma: afinal, a infânciaestá ou não mudando? E a partir dessa primeira questão chegaremos a outras tendências do debate contemporâneosobre mídia, cultura e infância.

Phillippe Ariès já tinha deixado claro, na década de 1970, o quanto o conceito de infância é construído socialmente.1

De uma cultura para outra, e de uma época para outra, variam as idéias sobre a infância, variam os papéis das criançase varia a duração do que se entende por infância. Em um livro publicado no Brasil nos últimos anos, embora escrito nadécada de 1980, o americano Neil Postman denuncia o que chama de “desaparecimento da infância”: para ele, se ainvenção da imprensa “criou” a infância – já que a generalização da leitura passou a demandar os longos anos em que acriança fica na escola, separada dos adultos – a televisão estaria se encarregando de destruir a infância. Tudo lhes émostrado, lamenta Postman, acabaram-se os véus que protegiam os segredos adultos, diluindo-se a fronteira bemdemarcada entre as gerações.

Só que a coisa não é tão simples assim. O educador inglês David Buckingham, por exemplo, faz uma crítica bemequilibrada às teorias apocalípticas do “desaparecimento da infância”. Em primeiro lugar, diz ele, essas teorias se apóiam em umavisão do público das mídias como uma massa homogênea e sem forma, e não como indivíduos com identidades singulares, eainda por cima mediadas pela cultura e pelos diferentes contextos em que os programas de TV são assistidos, os jornais são lidos,as músicas ouvidas no rádio, o cotidiano enfim vivido. Em segundo lugar, essas teorias descrevem implicitamente as criançascomo totalmente passivas e indefesas diante da manipulação das mídias. Por fim, a tese do desaparecimento da infância carregaem si um fatalismo, diz Buckingham, que deixa bem pouca margem para intervenções positivas.

Ele chama atenção para a imagem bem diferente da infância que emerge hoje no outro extremo do debatesocial sobre a infância e as mídias: ali, as crianças deixam de ser vistas como vítimas passivas e passam a ser entendidascomo tendo uma “sabedoria natural espontânea” negada aos adultos. “Se a TV era uniformemente má, os computadoressão uniformemente bons”, diz Buckingham, de certo modo ironizando o discurso determinista, segundo o qual as inovaçõestecnológicas naturalmente tornarão as crianças “sabidas, auto-confiantes, analíticas, criativas, tolerantes em relação àsdiferenças, socialmente conscientes, globalmente orientadas”, e assim por diante.

São duas visões bem diferentes da infância contemporânea, e de suas relação com a mídia. Na primeira, a mídiaestá acabando com a infância; na segunda, a mídia está levando as crianças ao esplendor de sua criatividade e inteligência.Ambas as visões, como nos aponta Buckingham, são marcadas por um determinismo tecnológico ( a idéia de que atecnologia conduz necessariamente a alguma coisa) e também por um essencialismo (a idéia de que as “crianças” - ou “oshomens”, “as mulheres” ou “os velhos” - são essencialmente alguma coisa). Por trás da primeira visão, está a concepçãoromântica da criança como um ser esssencialmente indefeso e vulnerável; por trás da segunda, a concepção igualmenteromântica da criança liberada, conectada, do “geninho tecnológico”.

A conclusão do autor me parece muito lúcida. Ele diz que nenhuma dessas visões dá “uma base realista para aelaboração de políticas culturais, sociais e educacionais que possam de fato habilitar todas as crianças a lidar com as

Novos Tempos naProdução Cultural paraCrianças (e com elas)

Gilka Girardello *

GILKA GIRARDELLO – SC - Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC, doutora em Comunicação (USP),mestre em Ciências Sociais (NSSR-Nova York).

1 ARIÈS, Philippe: História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981.

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realidades culturais mutáveis nas quais nasceram.” E que botar a culpa na mídia ou festejá-la de forma deslumbrada é“superestimar seu poder e subestimar as diversas maneiras como as crianças criam seus próprios significados e prazeres”.2

O velho ditado de que “criança é tudo igual” nunca me pareceu tão problemático como quando fizemos umestudo3 em quatro diferentes locais de Florianópolis – uma escola particular de elite, e três públicas - uma perto da praia,outra em favela e outra no centro da cidade. Uma das perguntas que fizemos às crianças era muito simples: “o que vocêfaz num dia comum, desde que acorda até quando vai dormir?”

Anotamos todas as referências que as crianças fizeram, e chegamos a algumas conclusões interessantes. Porexemplo: em todas as escolas urbanas, a TV era a coisa de que as crianças mais falavam, mas na escola da praia o quevinha em primeiro lugar era a brincadeira. Fazia sentido, já que era lá que as crianças tinham espaço para correr emliberdade, sem medo da violência ou do trânsito.

Outro dado que mostra o quanto os contextos sociais diferentes geram infâncias diferentes: somente as criançasda favela falaram muito de trabalho doméstico em sua descrição do cotidiano. Enquanto nas outras escolas a TV e abrincadeira eram sempre as duas atividades mais citadas, na favela a brincadeira só vem em terceiro lugar, depois dotrabalho. Quando nos explicavam seu dia-a-dia, meninos e meninas de 7 anos daquela região, uma das mais violentas epobres da cidade, contavam que cuidavam dos irmãos menores enquanto os pais iam trabalhar, limpavam a casa e faziamcomida, sem poder ir brincar lá fora por medo dos tiroteios.

Por mais que saibamos da potência criadora da infância, não poderíamos imaginar que essas crianças emcondições materiais tão pobres recebessem os produtos culturais da mesma forma que os meninos e meninas da elite.Estes, na mesma cidade, têm videogames e computador em seus quartos, e acesso aos mais maravilhosos filmes, peçasde teatro, livros e jogos que se produz no mundo. Poderíamos ainda comparar esses indícios de diferentes infâncias como relato de “um dia comum” feito em 2003 por uma menina de 11 anos, moradora de um assentamento do Movimento-Sem Terra em Campos Novos, interior de Santa Catarina, em outra pesquisa coordenada por nós:

“Acordo cedo, às seis da manhã. Acendo fogo, tomo café-da-manhã e vou pra a escola, que fica no mesmoassentamento.Ao meio-dia volto pra casa e almoço com a minha família. À tarde faço o serviço de casa, como lavarroupa, lavar louça e varrer a casa. Cuido do meu irmão de 3 anos. Toda tarde meus pais vão pra roça e eu fico com meusdois irmãos em casa.”. 4

Dados como esses reforçam a idéia de que é impossível falar das “crianças” em geral, em sua relaçãocom as mídias e a cultura, sem levar em conta seus diferentes contextos sócio-culturais.

Podemos enriquecer essa discussão com a perspectiva dos Direitos da Criança. A noção da criança comoagente da cultura e como sujeito social está na base de um movimento crítico que a partir da Convenção da ONU sobreos Direitos da Criança, em 1989, vem pensando esses direitos nos campos da educação, da comunicação e da cultura.5

Esse movimento afirma que as crianças têm direito à Provisão (a oferta de informação e de produtos culturais diversificadose de qualidade); à Proteção ( contra produtos nocivos ao seu desenvolvimento); e à Participação (o direito de poderemtambém produzir cultura de modo pleno).

O direito das crianças e jovens à participação na produção de comunicação foi por sinal uma das bandeiraslevantadas mais alto na IV Cúpula de Mídia para Crianças e Adolescentes realizada este ano no Rio. Quem esteve lá pôdese emocionar com o ativismo lúcido de jovens e crianças que representavam mais de 60 países. Uma cena que nunca vouesquecer foi a plenária de encerramento da conferência, quando em todos os momentos partiram das meninas e dosmeninos as idéias mais brilhantes e as palavras mais certeiras.

O público ficou especialmente impressionado com quatro meninas adolescentes da Malásia, que mostraramuma reportagem que tinham feito em vídeo sobre sua visita ao Iraque, em 2001, antes da invasão norte-americana. Novídeo, em tom de diário pessoal, sete crianças de Kuala Lumpur visitavam crianças em escolas, hospitais e abrigos deBagdá. Narrada pelas crianças, a reportagem mostrava imagens de um ponto-de-vista infantil, no melhor sentido dapalavra: “nas salas de aula de Bagdá três crianças têm que dividir a mesma carteira”. Por três minutos - um longo tempopara nossos olhos acostumados com a TV comercial - olhares em close de bebês órfãos da guerra sucediam-se na tela,

2 BUCKINGHAM, David: After the death of Childhood: growing up in the age of electronic media. Cambridge: Polity Press, 2000. (p.57)3 Em conjunto com Isabel Orofino: O Imaginário Infantil e as Mídias: um estudo de recepção com crianças de primeira série emFlorianópolis. (Funpesquisa, 2000). Ateliê da Aurora (www.aurora.ufsc.br)4 Girardello, G: Será mesmo que criança é tudo igual?. Disponível no site Ateliê da Aurora (www.aurora.ufsc.br)5 Desse impulso fazem parte as Cartas e recomendações da UNESCO sobre a Criança e as Mídias (ver Feilitzen e Carlsson, 2002) e asConferências de Cúpula sobre Mídia para Crianças e Adolescentes.

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ao som do Concerto de Aranjuez. Ao final, as próprias crianças-repórteres dirigiam-se às crianças iraquianas, numamensagem que transpirava sinceridade: “Prometemos não descansar enquanto a ONU não retirar suas sanções sobre oIraque. Por favor, sejam fortes, tenham esperança.” O vídeo terminava com a menina apresentadora dizendo: “A guerrae a política são jogos de adultos. Mas nesse jogo quem perde são sempre as crianças.”

Quando as luzes se acenderam, as meninas autoras do vídeo fizeram do palco um discurso, espontâneas, semnem precisar olhar para os papeizinhos que traziam nas mãos: “Nós, os jovens do mundo, temos uma voz. Por favor,adultos, nos dêem o direito de usar essa voz. Sabemos que ainda precisamos que vocês nos guiem. Se vocês deremum papel a uma criança, ela fará um lindo desenho. Com a ajuda de vocês, esse desenho se transformará em algo aindamais rico. Mas por favor: trabalhem conosco, não para nós”, disseram Amanda Khairul, Marisha Shakil, Sarah Chene Jennifer Guan, ecoando uma das idéias centrais da Carta final, escrita pelo Fórum dos Adolescentes da IV Cúpula.

Resumindo o que foi dito: essa consciência aguçada das próprias crianças e jovens sobre seus direitos à culturaé, portanto, mais um traço que começa a emergir como característica do momento presente, e que deve ser levado emconta por aqueles que se dedicam à produção simbólica voltada à infância. Outro desses traços é a noção de que aexperiência cotidiana das crianças, seu enraizamento sócio-cultural, faz uma enorme diferença na forma como cadacriança recebe os produtos de arte e informação que nós, adultos, lhes oferecemos. As especificidades infantis, do pontode vista da imaginação e do desenvolvimento cognitivo e subjetivo, são sempre matizadas pelas dramáticas diferenças noscenários em que vivem as crianças de carne e osso. Um último traço característico da reflexão contemporânea sobre ainfância e a produção cultural é a percepção de que os nossos discursos adultos sobre o tema marcam-se por um vaivémentre imagens contraditórias de como são as crianças de hoje: mais inteligentes ou mais consumistas do que “em nossotempo”? Mais ágeis intelectualmente ou mais alienadas e passivas do que as crianças das gerações passadas?

Não há respostas simples a questões como essas, é claro. O que podemos fazer é, além de nos debruçarmossempre mais criticamente sobre elas, buscarmos manter a tocha acesa: nessa corrida de revezamento, tratar de entregaràs crianças de hoje algumas centelhas do que de melhor inspirou nossa própria infância, e alguns fósforos para que, casoventos de novas direções para nós desconhecidas apaguem o fogo, elas mesmas possam reacendê-lo.

O Educador de SensibilidadesFátima Café * - Ine Baumann **- Sérgio Miguel Braga ***

A formação de um educador não pode se dar apenas através da aquisição de conhecimento pedagógico, ou deacumulo de conteúdos a serem transmitidos, ou tão pouco de armazenamento de técnicas metodológicas. Não que issotudo não tenha grande importância e relevância num processo pedagógico.

Mas e a sensibilidade?

Como um educador pode transmitir conhecimento se não possui sensibilidade para tanto? Quando dizemossensibilidade não nos referimos à capacidade de se emocionar assistindo a um bom filme, admirando uma obra plástica ouainda ouvindo uma bela música. Mas nos referimos à capacidade de perceber o outro e os diversos caminhos, muitasvezes tortuosos, que cada indivíduo traça no desenvolvimento de sua personalidade e na formação de sua peculiar formade interpretação do mundo e do conhecimento que lhe é transmitido.

Clarice Lispector vislumbra, numa crônica publicada em 02 de novembro de 1968 no Jornal do Brasil, RJ, aexistência de uma outra forma específica de percepção:

Sensibilidade inteligente

“... apesar de admirar a inteligência pura, acho mais importante, para viver e entender os outros, é possuir sensibilidade

* Atriz, Contadora de Histórias, Diretora Teatral e Autora, Especialização em Expressão Corporal pela Universidade Gama Filho – RJ,especialista do Proler em narração de histórias.

** Atriz e professora. Licenciada em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pela Faculdade Estácio de Sá/RJ.

*** Ator, professor e produtor de teatro, formado pela UNIRIO.

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“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção.”

Paulo Freire

É da maior importância considerar que o teatro de bonecos será um dos mais eficazes instrumentos de ensinonum futuro bem próximo. Com o boneco nas mãos o professor poderá alfabetizar, contar histórias, dar aulas de geografia,ciências, história, matemática, utilizando qualquer uma das técnicas possíveis.

O boneco ensina de uma forma diferente, e essa diferença está na maneira lúdica e jocosa com que ele secomporta. Seus trejeitos e vozes engraçadas despertam o interesse das crianças proporcionando a interatividade e aaprendizagem acontece de forma mais espontânea.

As crianças podem manipular os bonecos, criados por elas mesmas com materiais reutilizáveis, e improvisar emcima do tema proposto pelo professor. Ou melhor, deixar que criem uma situação dramática, e resolvê-la. Assim fazendo,as crianças estarão se tornando mais preparadas para a vida, pois resolver essas situações cênicas, quer dizer criar

O Teatro de Bonecoscomo Ferramenta para um

Aprendizado mais Eficaz e InclusivoRafael Sol *

inteligente. Inteligentes são quase que a maioria das pessoas que eu conheço. E sensíveis também, capazes de sentir e dese comover. Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser coma cabeça, suponho que seja um dom. E, como um dom, pode ser abafado pela falta de uso ou aperfeiçoar-se com o uso.”

Que instrumentos costumamos utilizar para desenvolver esse dom em nossos alunos? Pois não seria um dospapéis do educador o de estimular em seus alunos essa capacidade de percepção?

Mas como fazê-lo, se nós próprios não nos percebemos aptos a exercer essa sensibilidade?

Antes de transmitir, precisamos adquirir.

Que elementos podemos utilizar para nos conhecermos e as nossas próprias potencialidades?

É claro que o ensino convencional desenvolveu uma série de instrumentos que levam o professor a estudarmeios para atingir um fim. Que normalmente é resumido numa nota no boletim escolar. São meios e avaliações específicasque nos orientam no sentido de desenvolver a capacidade lógica e racional de nossos alunos.

Mas, e a capacidade de sentir? Como estimular? E como aferir?

A arte, sem dúvida, é um dos caminhos que podem ser seguidos. O jogo teatral, a literatura, os contos de fadas,a narração de histórias, as artes plásticas, a música etc.

Bons caminhos!

Mas como trabalhá-los?

Estamos acostumados a procurar resultados, a exigir respostas prontas e únicas para nossas perguntas. Noentanto, a arte pressupõe várias respostas, tantas quantas pessoas forem indagadas. Não há acerto. Nem verdadesúnicas. Cada um é uma verdade única!

Lidar com as diferenças assusta e amedronta. Mas aponta para um caminho de desenvolvimento de umindivíduo mais pleno.

Para sabermos que educador queremos ser, precisamos pensar em que indivíduos queremos formar?

Queremos de nossos alunos respostas rápidas e corretas ou indagações criativas e lúcidas?

O que queremos?

* Graduando em Educação Artística, habilitação em Música pela Universidade Estadual de Minas Gerais. Arte-educador, professor deteatro de bonecos, músico, bonequeiro e ator.

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repertório para resolver as situações do cotidiano.

Uma oficina de teatro de bonecos pode ser montada em qualquer sala, desde que seja ampla. O arte-educador seencarrega das ferramentas e a criançada traz a sucata de casa. Dessa forma, acontece também um ato de consciênciaambiental, com a diminuição de resíduos sólidos domésticos na forma de caixas de papel, embalagens plásticas etc.

Então, já que tornar o aprendizado convencional mais divertido e prazeroso é o desafio do educador moderno,traçamos uma série de ações para que isso se torne uma realidade dentro de sala de aula:

- Definição da temática da peça a ser construída: conteúdos de língua portuguesa, folclore, tema livre, meioambiente etc...- Apreciação de livros, procurando notar as peculiaridades das ilustrações e as relações entre os personagensda história.- Prática de desenho, tendo como base: letras e números, para que a prática do desenho seja encarada commais facilidade. É o começo da criação de personagem.- Elaboração de um roteiro coletivamente (texto dramático).- Apreciação e investigação dos materiais reutilizáveis visando a criação dos bonecos.- Confecção dos bonecos e elementos de cena com os materiais adquiridos.- Jogos teatrais.- Ensaio da peça visando a apresentação. (Tempo de reflexão e aperfeiçoamento do roteiro).- Definir e divulgar a data do espetáculo.- Apresentação da peça com a presenças dos pais, parentes e amigos. A duração é de 15 minutos em média.- Avaliação sobre o processo vivenciado.

Esse trabalho vem sendo desenvolvido em Belo Horizonte com o público de ensino fundamental, de 1ª a 4ªséries. Desde 2002, já produzimos 8 peças inéditas No final do trabalho, vem sendo comum os pais comentarem que ascrianças ficaram mais desinibidas, comunicativas e mais humanizadas. Isso se deve principalmente pelo fato de jogarmoscênicamente, também com trabalho de voz e pelo poder de sensibilização que o teatro traz consigo.

No meu conceito, a educação artística é a disciplina-mãe dentre todas as outras. Não por ser melhor, mas simporque todas as matérias do currículo deve beber na fonte da arte-educação. Tenho dois exemplos pra dar. Lá vai o primeiro

Tenho uma amiga que formou-se em matemática, e sempre dizia que não seria reconhecida como professorachata, que terá um jeito todo especial de ensinar. Quando começou com a prática, pode ver que o buraco era mais embaixo. O conteúdo de matemática é muito técnico, específico, e com o passar dos meses seus alunos foram ficando compreguiça. Ela me confessou seu drama e eu lhe dei de presente um fantoche recomendando que pensasse numa formade usá-lo em sala de aula, como professor substituto. Pois bem, na semana seguinte, no meio da sua aula, minha amiga,de propósito, deixa o giz cair no chão, quando abaixou para pegá-lo, sua mesa, que ficava no meio da sala, a encobriu. Eraa tenda. E quem surgiu então? Alguém adivinha? Foi o fantoche que eu havia lhe dado assumindo a postura de professor.Isso quebrou aquela tensão, deu frescor a aula, e a resposta dos alunos foi muito positiva.

O outro exemplo que tenho para relatar é sobre a encenação que fizemos sobre a Inconfidência Mineira. Numa açãoem conjunto entre Educação Artística e História, confeccionamos os bonecos da trama (Tiradentes, os inquisitores, etc.) enquantoo professor de história cuidou da adaptação do roteiro. Os pequenos bonequeiros aprenderam com muito mais satisfação amatéria, pois havia uma atividade prática de artes. Enquanto fomos produzindo os bonecos, também fomos relembrando ahistória. Ou seja, o aprendizado aconteceu de forma mais natural, fora do âmbito tradicional. E fazendo arte: trabalhando comtintas, desenhando, recortando... Mas o melhor de tudo foi que desenvolvemos o fazer artístico, fizemos a montagem, eapresentamos no auditório para as outras turmas. Ou seja, o conteúdo de uma única série chegou a todos os alunos do escola.

Colocamos esta metodologia no papel, e tivemos a honra de ficar em 1º lugar na IVª Mostra de InovaçõesPedagógicas em Lingua Portuguesa, do Sesc-MG. Prêmio este que visa fomentar a teorização da prática de ensino. Afinal,pouco se escreve sobre o que é aplicado dentro de sala de aula. O projeto “Pequenos Bonequeiros” se destacou dentreos demais projetos pela interdisciplinalidade lúdica que traz consigo, além da educação ambiental.

É também um projeto de arte inclusiva, pois já o adotamos em vilas e favelas, e com a montagem concretizadapela comunidade, existe a perspectiva de renda pro grupo. Ou o elenco pode comercializar o espetáculo, ou conseguirincentivo de empresas que assimilaram o que é responsabilidade social. Quem quiser adotá-lo, sinta-se à vontade.Pedimos somente que nos comunique, para simples documentação.

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Os adultos são tão sérios, cheios de máscaras, preconceitos e regras...

Se pudéssemos crescer sem perder a espontaneidade e o espírito de liberdade da criança, com certeza, teríamosadultos menos doentes no mundo. (Gabriela Dominguez)

O Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (FENATIB) nasceu em 1997 “da necessidade de secriar um espaço de reflexão do fazer teatral para criança”, escreveu sua mentora e organizadora, Maria TeresinhaHeimann, na revista publicada no ano seguinte para documentar e, com efeito, sem querer fazer jogo de palavras e já ofazendo, refletir a importância daquele acontecimento que a Fundação Cultural de Blumenau inaugurava.

“Descentralização cultural”, “arte nos bairros”, “acesso cultural”, “formação de platéia”... Sobre esses e outrostemas ligados ao Festival e às ações da Fundação, Teresinha Heimann discorreu, nos documentos impressos nas revistaseditadas a cada novo Festival, com o conhecimento que a prática lhe conferia. De forma especial, quando, respondendo àquestão Por que o FENATIB?, escreveu o prólogo de O teatro dito infantil, edição comemorativa, lançada em 2003, e quefoi organizada por Maria Helena Kühner. Um livro memória do Festival que reuniu ensaios, artigos, transcrições dos debatese das palestras proferidas pelos profissionais que, ao longo de seis edições, tinham concorrido, até então, o FENATIB.

Agora, completos oito anos de celebrações, reflexões, atuações e ações, pode-se afirmar que quem ganhoucom o FENATIB foi Blumenau e nós, gente de teatro, artistas, técnicos, educadores, que tivemos o privilégio de contribuir,em alguma medida, para a construção desse rico processo.

De forma especial, ganhou o público da cidade, em particular suas crianças e adolescentes, os principaispersonagens dos acontecimentos, nos quais atuaram sobre suas mentes, sonhos, corações e imaginação. Para alguns, deuma maneira menos consciente e, para outros, de um jeito mais decisivo e presente, como aconteceu com GabrielaDominguez (17 anos), Mariliz Schrickte (17 anos) e Douglas Davidoski (17 anos).

Formação de platéia também quer dizer formação de gente, e de gente de teatro, profissionais da arte: atores,autores, sonoplastas, figurinistas, cenógrafos etc. Quer dizer formação de cidadãos e cidadãs.

O espetáculo Sobre Patativas e Corujas – Pra quem viu e não pede segredo (texto, sonoplastia e direção deGabriela Dominguez) foi o grande presente que a Cia de Triato entregou ao público do oitavo FENATIB, numademonstração VIVA de que o Festival estava, naquele momento, sendo coroado da maneira mais plena e sensível que osidos de 1997 poderiam prever ou imaginar.

Do lugar de onde vimos nascer e florescer o FENATIB, Ana, João e Nina compõem certamente, de formaemblemática, os seus protagonistas. Foi na Lona do Circo da Fundação Cultural que, com a colaboração de Leandro deAssis, o público se fez presente aos três espetáculos da Cia de Triato celebrou, em agosto de 2004, as cenas armadaspor aqueles três jovens atores: Gabriela, Mariliz e Douglas.

Eles não pediram segredo, e eu não me fiz de rogado!

Quem dançou com aquelas cirandas e se encantou com os versos de Patativa do Assaré, também não quersegredo! Ao contrário, todos nós queremos que esta história tenha continuidade na voz de seus próprios autores:

“A primeira peça a gente nunca esquece...

Num dos primeiros festivais, assisti Uma Professora muito Maluquinha, montada pelo grupo Real Fantasia/MG.Já era apaixonada pelo Ziraldo e, ao ver sua obra ganhando vida foi um momento mágico!”.

Hoje, ao apresentar nossa peça, vejo nas crianças da platéia a “Gabriela” de 8 anos atrás...

Nossa experiência como espectador nos deixa a preocupação de agradar as crianças, de fazer um trabalho queas encante, exatamente como nós ficávamos ao ver um bom espetáculo.

Quando viajei para a Paraíba, em Janeiro deste ano, fiquei realmente encantada com tudo o que vi. O folclore do

Sobre Ana, João e Nina(pra quem viu e não esqueceu)

Eduardo Montagnari *

* Professor de Sociologia e Diretor de Teatro na Universidade Estadual de Maringá. Doutor em Sociologia pela Unesp/Araraquara e com Pós-Doutorado em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp.

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Por quantas vezes não ocorre de escorrer os sentimentos aos olhos quando, estes, emocionados, direcionam-seao frescor da novidade de uma imagem inusitada e surpreendente a qual, numa fração de instantes, desvela e revela ummundo tão completamente desconhecido e, ao mesmo tempo, intensamente presente em nossas vidas? O mundo é muitomais do que aquilo que simplesmente vemos. Ele é, também, todas as possibilidades que dele podemos depreenderimaginativamente. Por isso, a poesia completa o mundo, pois nos oferece uma nova percepção das coisas.

A animação, enquanto linguagem teatral, apresenta-se como manifestação da necessidade básica de ilusionamentohumano. O homem, ávido por representar a si, ao mundo e às suas forças invisíveis, encontra na expressão simbólica do objetoanimado a mais engenhosa forma para traduzir o mundo poético, projetando seu verdadeiro “eu” nas coisas que o cercam,antropomorfizando-as. Imbuído desse misterioso sentimento dêitico, é-nos possível reproduzir e apreciar, teatralmente, oencanto do ciclo existencial de todas as coisas. É da imperatividade em exteriorizar um mundo de idéias e sentimentos, escondidopor detrás de muros de pele e carne, que nasce o teatro de animação.

Nas especificidades dessa linguagem, na interação simbiótica e mágica entre ator, objeto e público, apresenta-se uma ponte pela qual podemos reencontrar o mítico e religar o homem ao sentimento sacro, ao lúdico e ao encantatório.O tempo condensado, sacralizado, a superposição de significados, a síntese e a subversão da realidade convencionadaabrem portas de comunicação com o indizível, com a verdade profunda e escondida de todas as coisas; a verdade danegociação das realidades, da descoberta do vasto campo das possibilidades reais e imaginárias. No teatro de animação,homens e coisas animadas se igualam em valor, de tal maneira que não identificamos mais o objeto ativo nem o passivo,pois ambos tornam-se unidade indivisível que compartilham o elã vital, insuflando no espectador, também, um pouco dacentelha divina que permeia o maravilhoso balé de movimentos de simulação e dissimulação de vida e morte.

Para falarmos de uma dramaturgia para o teatro de animação, podemos começar ponderando que a criaçãodramatúrgica começa com uma semente (propostas, pretextos) que detona o desejo de desenvolver algo. Essa sementedeve ser uma imagem geradora que comova e produza histórias. Pode ser uma imagem suscitada por um objeto, um lugarno espaço, um personagem ou outra coisa qualquer que, fundamentalmente, impressione-nos e nos estimule a dizer algosobre. A partir dessa semente é que serão feitas improvisações imaginárias que relatarão uma história, compondo umaescritura ou cena teatral. Imaginação é a imagem em movimento. Imaginar é transformar a imagem dinamicamente. Umaimagem, por si, é estática. Uma vez que improvisamos com ela, tornâmo-la dinâmica. A criação dramatúrgica deve prever o

Teatro de“Animaçãoe Dramaturgia

Paulo Balardim *

* Ator-bonequeiro, cenógrafo e pesquisador de teatro de animação.

nordeste é apaixonante, mágico. Ao me deparar com tanta coisa linda, achei que era algo a ser mais explorado por nós, aqui dosul. O grupo estava com propósitos de começar um novo trabalho, e através da minha viajem, encontrei o tema da nossa peça.A alegria, o colorido e as lendas tinham tudo a ver com uma infância que há algum tempo anda esquecida, que é sentar no chão,contar , ouvir e viver histórias e o mais importante, CRIAR sua própria maneira de brincar, sem precisar apelar aos eletrônicos...

Às vezes, me pergunto por quê escolhi o teatro como profissão. Ainda não encontrei uma resposta totalmenteconcreta, mas uma opção plausível que encontrei foi de que eu tenho muitas saudades da minha infância. Onde eu podia criarmeu mundo de possibilidades consideradas irreais pelos adultos, ou seja, brincar de faz-de-conta (muito faz-de-verdade na minhaopinião!)

O tempo foi passando, mas a necessidade de viver coisas diferentes não passou. Inconscientemente, encontreino teatro um meio de continuar a brincar, de viver em mundos diferentes.

Obviamente que cada um de nós têm suas razões para estar no grupo. Mas com certeza a influência destes 8anos como platéia do FENATIB foi um ponto em comum na nossa paixão pelo teatro infantil.

Pra falar bem a verdade, não abandonamos nossa infância, apenas a agregamos ao começo da nossa vida adulta”.

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O Festival de Teatro Infantil, em sua nona edição, livrou-nos de um complexo de inferioridade de muitas décadas.De fato, nos anos cinqüenta do século vinte, perguntamos ao grande diretor e ator francês Jean-Louis Barrault como era oteatro infantil na França e ele nos respondeu que na França eles davam Molière para as crianças. Pouco mais tarde, numcongresso da ASSITEJ, soubemos que na Inglaterra eles encenavam Shakespeare para o público infantil. Na época o nossoteatro infantil estava engatinhando e apesar do Tablado no Rio e Tatiana Belinky e Julio Gouveia em São Paulo, a produçãoera muito modesta, e o máximo que se fazia era aproveitar contos de fada. O dominante ainda era pensar que teatro infantildeveria ser infantilóide. Agora, no Festival de Blumenau tivemos Shakespeare e Moliére, a comprovar o amadurecimento donosso teatro para crianças e adolescentes, perdendo o estigma de um teatro de segunda classe.

Possivelmente, a denominação de Teatro Infantil tenha contribuído para o preconceito com essa forma de teatro.

Um Teatro “adulto”para Crianças

Clóvis Garcia *

movimento contínuo da cena para suscitar no leitor, ou público, a constante interpretação multissignificativa. Alguns elementossão fundamentais para uma boa criação, como a surpresa (o acontecimento inesperado), o suspense (a expectativa do quepode acontecer) e a comoção (a criação deve abalar, perturbar, tocar de alguma forma os sentimentos do público).

Dramaturgia, portanto, é o registro de um mundo de imagens dinâmicas, de uma improvisação imaginária captadapor todos os sentidos em um suporte, seja ele papel ou a própria cena, através de caneta ou ações físicas e/ou psicológicas(para esta improvisação imaginária, a marca da sensorialidade é imprescindível. Quando a imaginação não percebe osensorial, a obra fica chata. O sensorial ativa e induz ao poético). Dramaturgia é o desenvolvimento do drama, uma açãoconflituosa que impele as imagens à dinamização, à imaginação. O conflito (alguma coisa que se opõe a outra coisa de algumaforma), portanto, é o cerne da dramaturgia. Ele é que causa o desequilíbrio que irá mover os acontecimentos. Ao seu redororbitarão as peripécias (imprevistos, incidentes) da história representada. E, se o conflito é o motor de toda a ação dramática,o combustível para esse motor é a angústia e o desejo, ou os dois ao mesmo tempo. Toda angústia interna revertida aoexterior e todo desejo contrariado geram conflito –sejam de ordem cultural, sobrenatural, físico, psicológico etc.

Ao elaborarmos uma dramaturgia específica para o teatro de animação, devemos observar as propriedadesintrínsecas da linguagem, suas especificidades e suas limitações. A força do teatro de animação está naquilo que o objeto-personagem, desprovido de vida, mas com o valor convencionado de um ser vivo, pode realizar de forma única, ou seja,aquilo que somente suas propriedades físicas, respaldadas pela convenção cênica, permitem-lhe realizar. O objeto, pelaforma como sua fisicalidade se nos apresenta no jogo cênico, descreve, por si só, grande parte de sua composiçãodramática. Entretanto, é através da interpretação e manipulação que o ator irá potencializar as propriedades do objeto,conduzindo as imagens dinamizadas para o espectador. E, na forma como será realizada a interpretação e a manipulação,em conformidade com as características físicas do objeto-personagem, é que será construído o discurso. Assim, pararealizar a criação dramatúrgica, vale lembrar que, os objetos personagens:

- Podem realizar ações impossíveis, transgredindo as leis da física (velocidade, tempo, peso);- Pela sua função simbólica, podem aludir a muito mais do que são;- Podem transgredir as proporções e, com isso, construir um discurso;- Não necessitam transformar-se, “são” em si mesmos;- São mais aptos para as convenções, pois “são” convenções. Dessa forma, a permissividade do público é muito maior;- Não necessitam ter fisicalidade antropomórfica, embora a eles se atribuam qualidades antropomórficas nostraços psicológicos;- Exigem a cumplicidade do público na aceitação das convenções;- Podem voar, multiplicar-se, transformar-se, explodir, desaparecer imediatamente, com uma velocidade quenenhum ser humano possui;- Dizem algo pela significância do material que os constituem.

* Doutor em Artes e Professor Emérito da USP. Professor de Graduação e Pós-Graduação da ECA/USP. Foi ator, tendo estreado em 1949em teatro infantil, diretor, cenógrafo e figurinista.

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O nome, ainda que inadequado, tornou-se clássico, marcando sua origem no século XIX, quando era feito por crianças queé o que ele significa. De fato, as primeiras notícias que temos do teatro infantil, sendo a primeira de 9 de maio de 1847 como espetáculo Arthur ou Dezesseis Anos Depois, no Teatro Tivoly do Rio de Janeiro, bem como as seguintes, só nos falamde teatro infantil feito por crianças, algumas se tornando estrelas populares, como nossas atuais atrizes infantis da televisão.Assim, a italiana Jesuína Montani e a portuguesa Leonor Orsat, a famosa Gema Curiberti, também italiana, cognominada “apequena Ristori”, Julieta dos Santos, as três irmãs Lambertini (lembrando que a primeira e melhor boneca Emilia da televisãofoi Lucia Lambertini, descendente dessa ilustre família teatral), e o elenco infantil do Maestro Brito que ocupava no final doséculo o Teatro Éden Lavradio do Rio de Janeiro.

A tradição do teatro infantil feito por crianças continua pelo século vinte, tanto que em 1905, Olavo Bilac e CoelhoNeto publicam, conjuntamente, um livro com dez peças, denominado Teatro Infantil, para serem representadas porcrianças e ainda em 1938, Joracy Camargo e Henrique Pongetti, nomes famosos da nossa dramaturgia para adultos,editam 18 peças, também para serem encenadas por crianças. E não é possível esquecer Carlos Góes que na década devinte escreveu ou adaptou 17 peças, montando, inclusive, a primeira opereta feita por crianças, Branca de Neve.

Foi somente em 1948 que uma companhia alemã, em visita ao Rio de Janeiro, apresentou teatro feito poradultos para crianças. A novidade para nós, e que era uso antigo na Europa, fez grande sucesso, induzindo companhiasentão famosas, como Os Artistas Unidos e a de Sérgio Cardoso, a encomendar e encenar peças, com grande aceitaçãopor parte do público, dirigidas â audiência infantil. Desde então, se desenvolveu o nosso teatro para crianças e adolescentesmas a denominação de Teatro Infantil permaneceu apesar de nossas tentativas, nos anos 70 quando procuramosestabelecer o Centro Brasileiro da Associação Internacional de Teatro para Crianças e Adolescentes. Se a iniciativa teveuma vida produtiva, mas relativamente curta, agora já temos, com bases mais sólidas, o Centro Brasileiro. A denominaçãode Teatro Infantil permanece e não dá mostra de ser abandonada. A qualidade, porém, do Teatro para Crianças eAdolescentes, superará o preconceito decorrente da denominação inadequada.

O Festival de Blumenau, tão importante por ser o único especializado no Brasil, pois nos demais o Teatro Infantilé apenas uma parcela, representa não somente a importância desse teatro para o público jovem mas o reconhecimentode que ele tem características próprias, por ser dirigida a um público específico, que tem direito ao atendimento das suasnecessidades estéticas e ao desenvolvimento intelectual e social que o teatro proporciona. Mas o evento deste ano, alémdo mais, destacou-se por seu alto nível de qualidade artística a revelar uma cuidadosa e eficiente seleção.

Dos espetáculos apresentados, temos a destacar, evidentemente, as adaptações dos textos clássicos. Molière, aCompanhia Muito Franca, do Rio de Janeiro, nos trouxe uma adaptação do Avarento, da espécie comédia de caracteres, agrande especialidade do autor francês, que tirou o tema da comédia de Plauto, Aulularia ou A Marmita de Ouro.

Com elementos da Comédia Dell’Arte, que tanto influenciou Molière. a montagem transmite ao público jovem a graçae sátira do texto original. De Shakespeare, a Companhia Teatral Trivial Encena, também do Rio, escolheu uma das suascomédias italianas, consideradas sentimentais mas que com seus disfarces e qui-pró-quós divertem bastante. Dois Cavalheirosde Verona recebeu uma montagem cuidadosa e bem realizada como o texto e o público jovem mereciam.A esses doisespetáculos devemos juntar a montagem da Companhia da Casa Amarela, de Catanduva, SP, A Lua e o Poeta, texto sobre asúltimas horas de Garcia Lorca, antes de ser assassinado pelos franquistas. Com uma linha altamente poética, o texto trata detemas raros no teatro infantil, como a poesia, o medo, a morte, de grande importância para a formação dos jovens espectadores.

Também importantes são os temas da nossa realidade social. Dois espetáculos abordam diretamente osproblemas da injustiça e das desigualdades sociais, em linhas diferentes mas com características poéticas. A História doHomem que se Transformou em Cachorro, da Téspis Cia. De Teatro, de Itajaí, SC, trata da questão do desempregonuma fábula simbólica com elementos poéticos. Queluzminha, da Cia. Vagalum Tum Tum, de São Paulo, a pretexto deum caso amoroso, aborda com sensibilidade o problema dos sem-teto urbanos.

O nosso Folclore, cujo aproveitamento é um dos grandes caminhos de um teatro nacional (descoberta, aliás, mundialpois na última olimpíada teatral de Moscou cerca de 70% dos espetáculos aproveitavam a cultura popular dos respectivos países)teve, no Festival., aproveitamento de diferentes formas do Folclore, com excelente resultado. Vale a pena destacar Sacy Pererê-a Lenda da Meia-Noite da Companhia de Teatro Lumbra de Animação, de Porto Alegre, com uma impressionante demonstraçãode técnica teatral, tendo como tema o mito aculturado indígena-português-africano. E por outro lado, a temática da linguagemfolclórica, com a utilização de um trava-língua, da Cia. Pop de Teatro Clássico, do Rio de Janeiro, A Aranha Arranha a Jarra,a Jarra Arranha o Trava-língua, mostra como se pode dramatizar um jogo de palavras.

Mas , sem ser necessário destacar um a um, todos os espetáculos do Festival apresentaram um excelente nívelartístico, mostrando como o nosso Teatro Infantil já se tornou adulto. E “at last but no least” a ótima organização do Festivalcontribuiu para que tivéssemos uma semana de Arte Dramática para o público jovem de excepcional qualidade.

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Grupos Participantes do 8º e 9ºFENATIB

ACB TEATRALEspetáculo: MAMÃE, COMO EU NASCI?Autor: História e Concepção: Antonio Carlos Bernardes a partirdo livro pedagógico de Marcos Ribeiro - Direção e Cenografia:Antonio Carlos Bernardes - Figurinos: Douglas Nogueira - Músicase direção musical: Ubirajara Cabral - Iluminação: Djalma Amaral- Desenho de animação: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca - Apartir dos desenhos de animação: Bia Salgado - Operador devídeo: Marcos Uurutay Oliveira - Operadora de luz: ValériaSanches - Rua Santa Clara, 261/902 Cep: 22250-040 - Rio deJaneiro/RJ - Fone: (21) 2205 4483 / 2547-7678 - E-mail:[email protected]

CERCÊNICOEspetáculo: FALTOU LUZ, MAS ERA DIAAutor: Grupo Cercênico - Direção: Sheylli Caleffi - Cenografia:Tadica Veiga e Sheylli Caleffi - Figurinos: César Augusto Ribeiroe Virginia Santos - Iluminação: Fábia Regina - Montagem eContra-regra: Diego Godoy - Elenco: Patrícia Saravy, KarinaPereira, Natasha Gandelman e Rafaella Marques - Contato:Rafaella Marques - Rua Campos Sales, 749 apto. 13 Cep: 80030-230 Curitiba/PR - Fone: (41) 254 3080 / 9135-6370 - E-mail:[email protected]

CIA. ABARÉTEATROEspetáculo: BOI VIRAMUNDODireção: Orlando Moreno - Cenografia: Orlando Moreno -Iluminação: Rodrigo Júnior - Figurinos: Neide Ruas e ZenildaMuniz - Contra-regra: O Grupo - Bonecos: Orlando Moreno -Maquiagem: Talita Berth - Elenco: Eduardo Plugger, OrlandoMoreno, Talita Berth - Contato: Orlando Moreno Jr. - Rua Olímpia,437 - 11740-000 - Itanhaém/SP - [email protected] - Fones:(13) 3426-3717 e 9778-5338

CIA. ABARÉTEATROEspetáculo: NAU CATARINETAAutor, Direção, Cenografia e Contato: Orlando Moreno -Figurinos: Zenilda Muniz - Sonoplastia: Wladmir Portugal -Iluminação: Luciana Marques - Montagem e Contra-regra: Ogrupo - Elenco: Eduardo Plugger, Orlando Moreno e Talita Berthi- Rua. Olímpia, 437 - Cep: 11740-000 - Itanhaém/SP - Fone: (13)3426 3717 - E-mail: [email protected] /[email protected] - Site: www.abareteatro.com.br

CIA. ARTICULARTEEspetáculo 1: AVOA-VOA, TICO-TICO!Autor, Direção, Sonoplastia, Iluminação e Contato: DarioUzam - Cenografia: Hernandes de Oliveira - Figurinos: HercíliaVieira e Surley Valéria - Montagem: O grupo - Contra-regra:Valter Lago e Bárbara Campos - Elenco: Fabiana Barbosa eAlexandra TavaresEspetáculo 2: O VALENTE FILHO DA BURRA E A PRINCESATERRAAutor: Câmara Cascudo e adaptação de Dario Uzam - Direção:Dario Uzam - Cenografia: Valter Valverde e Lourenço - Figurinose bonecos: Valter Valverde e Surley Valério - Desenho e leiautedos bonecos: Hernandes de Oliveira - Montagem dos Bonecose articulações: Valter Valverde - Leiaute/Desenho doscenários: Lourenço e Valter Valverde - Sonoplastia: Raul Teixeira- Iluminação: Dario Uzam (assessoria de David de Brito) -Montagem: Valter Valverde e Cia. Articularte - Contra-regra: Ogrupo - Contato: Dario Uzam - Rua Cataguazes, 35 Cep: 02042-020 São Paulo/SP - Fone: (11) 6876-5634 - E-mail:[email protected] ou [email protected]

CIA. CÊNICA DESTERRADOSEspetáculo: “A NOVA ROUPA DO REI”Autor: Livre adaptação do grupo - Direção, Iluminação eContato: Geraldo Cunha - Cenografia: Nei Massa - Figurinose Maquiagem: Mariana Schmitz - Sonoplastia: Luciano Py deOliveira - Montagem: O grupo - Elenco: Mariana Schmitz e NeiMassa - Rua Imbuia, 66 Monte Verde Cep: 88032-490 -Florianópolis/SC - Fones: (48) 238 0646 e 9962 9282 - E-mail:[email protected]

CIA. DA CASA AMARELAEspetáculo: A LUA E O POETAAutores e Diretores: Drika Vieira e Carlinhos Rodrigues - Elenco,Cenografia, Sonoplastia e Montagem: Drika Vieira e CarlinhosRodrigues - Figurinos: Drika Vieira - Iluminação:carlinhosRodrigues - Trilha Sonora Original: Nelsinho Costa, AntonioDo e Carlinhos Rodrigues - Árvore Cenográfica: Luis Rossi -Aspectos Coreo-gráficos: André Perosa - Contato: Jose CarlosRodrigues Da Costa - Rua Mogi Mirim, 63- Ap. 21 - 15800-120 -Catanduva-SP - Fone: (17) 3521 1009 Ou 9781 5606 - Email:[email protected] - Site:www.acproducoes.com.br

CIA. DE TEATRO DAS COISASEspetáculo: ZÔO- ILÓGICOAutor: Cia De Tetro Das Coisas - Diretora: Veronica Gershman- Elenco: Claudio Saltini e Henrique Sitchin - Figurinos: ClaudioSaltini - Iluminação: Henrique Sitchin - Sonoplastia: MauricioGrassmann Martello - Montagem: Cia Teatro Das Coisas - Contra-regra: Teka Queiroz - Contato: Claudio Saltini - Av. Piassanguaba,2097 - 04060-003 São Paulo/SP - Fone: (11) 5589 3841 E 93642447 - E-mail: [email protected]

CIA. DE TRIATOEspetáculo: SOBRE PATATIVAS E CORUJAS - “PRA QUEMVIU E NÃO PEDE SEGREDO”Direção, Figurinos e Cenografia: Gabriela Dominguez - Sono-plastia: Fábio Schmidt - Colaborador: Leandro de Assis -Contato: Gabriela Dominguez - Rua Germano Schreiber, 277Cep: 89021-160 - Blumenau/SC - Fone: (47) 326 3359 - E-mail:[email protected]

CIA. DOS NOTÁVEIS CLOWNSEspetáculo: “AMOR DE PICADEIRO” TRES PALHAÇOS EMBUSCA DE UM CIRCOAutor e Direção: Cia Dos Notáveis Clowns - Elenco: SuzanRibeiro, Charles Wesley E João Guilherme Ribeiro - Cenografia:Jorge CunhaFigurinos: Anibal Pacha - Sonoplastia: Jeff Cecim e Operação:Daniel De Melo - Produtora: Carolina Bragança - Contato: JoãoGulherme Ribeiro Pinho - End: Cidade Nova Ii Tv. We 18 Nº 112- 67130-460 Belém/PA - Fone: (91) 3212 8173/ 9962 4061 -Email: [email protected]

CIA. EXPERIMENTUS TEATRAISEspetáculo: O MENINO DO DEDO VERDEAutor: Daniel Olivetto e Marcelo de Souza a partir do romancehomô-nimo de Maurice Druon - Direção: Marcelo de Souza -Assistente de direção: Sandra Knoll - Cenografia/Figurinos/Sonoplastia/Ilumina-ção: Daniel Olivetto e Marcelo de Souza -Operação Técnica: Alexandre Winkel e Fernando das Neves -Elenco: Daniel Olivetto - Contato: Daniel de Oliveira da Silva -Rua Alberto Werner, 382 - Cep: 88303-160 - Itajaí/SC - Fone:(47) 3045 2754 - E-mail: [email protected]

CIA FÁTIMA CAFÉEspetáculo: O GUARDIÃO DAS HISTORIAS DAS 1001NOITESAutora e Diretora: Fatima Café - Concepção e Interpretação:Fatima Café - Musica Original: Carlos Café - Iluminação:Renato Machado - Fotos: Walter Junior - Bonecos: Fatima Cafée Carlos Café - Contato: Fatima Café - Rua Bulhões De Carvalho,238 - 22081-000 - Rio De Janeiro/RJ - Fone: (21) 9134-3713 - EMail: [email protected]

CIA. GENTE FALANTE TEATRO DE BONECOSEspetáculo: CIRCO MINIMALAutor: Paulo Fontes - Direção artística: Paulo Fontes - Direçãode cena: Liane Venturella - Iluminação e Cenografia: PauloFontes - Direção de cena: Liliane Venturella - Figurinos daequipe: Vera Parenza - Trilha sonora: Gustavo Finkler -Operação de luz e som: Mário Cavalheiro - Montagem: PauloFontes e Eduardo Custódio - Recepção do público e produçãoexecutiva: Eduardo Custódio - Manipulação e construção dosbonecos: Paulo Fontes - Rua 24 de Maio, 44, apto. 24 Cep:90050-180 - Porto Alegre/RS - Fone: (51) 32277973 / 9837 6135- E-mail: [email protected]

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Revista do FENATIB

CIA MUITO FRANCAEspetáculo: O AVARENTO HARPAGÃOAutor: Molière com adaptação de Bruno Bacelar - Diretor: BrunoBacelar - Elenco: Leonam Thurler, Ricardo Romão, Adelmo Milani,Luciana Fontenelle, Rodrigo Dias, Ana Paula Rodrigues e FláviaPepe - Cenografia: Andre Sanches - Sonoplastia: Carlos Café- Figurinos: Augusto Pessôa - Adereços: Augusto Pessoa -Iluminação: Marcio Leandro - Maquiagem: Flavia Pepe -Programaçao Visual: Walter Brum Design - Cenotecnico: AndreSalles - Ass. De Direção: Maria Fernanda Lamim - Ass. DeProdução: Josué Fernandes - Produção: Sergio Miguel Braga -Contato: Bruno Coutinho Da Hora - Rua. Senador Vergueiro,218 - Bl. A - Apto: 707 - Flamengo - Rio de Janeiro/RJ - Fone:(21) 2222 3119 e 9325 5627 - E-mail: [email protected]

CIA. OANI DE TEATRO-CHILE/BRASILEspetáculo: O ENCANTO DE UM BEIJO E OUTROS CONTOSAutor: Criação Coletiva - Direção: Camila Landon e ValeriaCorrea - Cenografia, Figurinos e Montagem: O grupo -Sonoplastia e Ilumi-nação: Luciano Bugmann - Elenco: CamilaLandon e Valeria Correa - Contato: Camila Landon Vto -Presidente Araújo Brusque, 374 - Cep: 89030-080 - Blumenau/SC- Fone: (47) 327 5164 - E-mail: [email protected]

CIA. POP DE TEATRO CLÁSSICOEspetáculo: A ARANHA ARRANHA A JARRA, A JARRAARRANHA O TRAVA-LÍNGUAAutor e Diretor: Demétrio Nicolau- Elenco: Angela Fabri, LucianaShira Kawa, Marcella Dale E Stella Brajterman - Cenografia eFigu-rinos: Teca Fichinski - Iluminação: Demetrio Nicolau -Montagem: Magno Nogueira - Direção De Movimento: NaraKeiserman - Con-tato: Demétrio Nicolau - Rua Pinheiro Guimarães149/123 - 22281-080 - Rio De Janeiro RJ - Fone: (21) 2537 0156E 9352 7850 - E Mail: [email protected] - Site:www.companhiapop.com.br

CIA. PRETO NO BRANCOEspetáculo: “UM VÔO PARA SANTOS DUMONT”Autor, Direção e Figurinos: André Brilhante - Cenografia:Márcia Viveiros - Sonoplastia: Anneli Olljum - Iluminação: RomiroVasquez - Montagem: Companhia Preto no Branco - Contra-regra: Iara Porto e Andréa Carvalho - Ass. direção: Perla DiMaio e André De Angelis - Direção musical: Warley Goulart -Contato: André Ricardo de Angelis - Av. Geremário Dantas, 1143apto. 301 - Cep: 222760-400 - Rio de Janeiro/RJ - Fones: (21)24245184 / 8855 5184 / 8803 5184 - E-mail:[email protected]

CIA RÚSTICAEspetáculo: PANDOLFO NO REINO DA BESTOLÂNDIAAutor: Inspirado No Livro Pandolfo Bereba,de Eva Furnari -Direção e Cenografia: Patricia Fagundes - Elenco: RobertaDarkiewicz, Marcelo Bulgarelli, Alvaro Rosacosta, Vanise CarneiroE Karen Radde - Figurinos e Adereços: Antonio Rabadan -Sonoplastia: Lisandro Bellotto - Iluminação/Montagem: EduardoKraemer - Musicas: Alvaro Rosacosta e Simone Rasslan - Letras:Alvaro Rosacosta e Patricia Fagundes - Contato: Patricia Fagundes- Rua Ramiro Barcelos, 2391 - 95780-000 - Porto Alegre- RS -Fone: (51) 33351411 Ou 9967 2379 Ou 632 4602 - Email:[email protected] ou [email protected]

CIA TEATRAL TRIVIAL ENCENAEspetáculo: DOIS CAVALHEIROS DE VERONAAutor: William Shakespeare Com Adaptação De Nadege Jardim- Diretora: Nadege Jardim - Elenco: Aléssio Castro, AngeloMayerhofer, Cristiano Queiroz, Fernanda Maia e Roberta Costta- Músico: Janjão Junior - Cenografia E Figurinos: Cica Modesto- Direção Musical: Katia Jorgensen - Iluminaçaõ: FernandaMantovani E Lara Cunha - Contra-regra: David Souza -Montagem: Encena Produções - Produção: Nadege Jardim ERoberta Costta - Contra-regra: David Souza - Contato: NadegeJardim - Rua Filinto De Almeida, 45/401- Cosme Velho - 22241-170 - Rio de Janeiro-RJ - Fone: (21) 2245 3193 Ou 9315 9844 -E-mail : [email protected]

CIA TEATRO LUMBRA DE ANIMAÇAOEspetáculo: SACY PERERÊ - A LENDA DA MEIA NOITEAutor E Diretor: Alexandre Fávero - Elenco: Alexandre Fávero eFlávio Silveira - Figurinos: Cia Tearo Lumbra - Iluminaçaõ:Alexandre Fávero - Contra-regra: Flávio Silveira - Cenografia:Alexandre Fávero - Sonoplastia: Cia Teatro Lumbra - Montagem:Cia Teatro Lumbra - Técnica De Palco: Fabiana Bigarella -Contato: Alexandre Fávero - Rua Damasco,109 - Cep: 90160-010 - Porto Alegre-RS - Fone: (51) 3022 4478 Ou 9978 5657 - E-mail: [email protected] - Site:www.clubedasombra.com.br

COMPAÑÍA OMAR ALVAREZ TÍTERESEspetáculo: EL NIÑO DE ARENA (ILUSIONES Y MAREAS)Autor: Rafael Curci - Direção: Omar Alvarez e Rafael CurciCenografia: Gladys Garnica - Desenho e realização de Títeres:Gladys Garnica - Sonoplastia: Gustavo “Popi” Spatocco -Iluminação/Contato: Omar Alvarez - Montagem: o grupo -Titeriteiro Solista: Cláudio Alvarez - Assistente Técnico: PabloDella Chiesa - Endereço: Witcomb, 2623 - Villa Balester/BuenosAires/Argentina - Fones: (054) 11 4767 4213 / Fax: (054) 114764-1661 - E-mail: [email protected] - Site:omaralvareztiteres.com.ar

GESTUS, UMA FÁBRICA DE SONHOSEspetáculo: EL MOLINETEAutor: Original de Carlos Adrian Martinez, com Tradução eadaptação de Guto Lustosa - Direção: Guto Lustosa - Atoresmanipuladores: Guto Lustosa, Luciano Bugmann e Camila Landon- Iluminação: Martiniano Almeida - Operação de luz: MarisaCesconetto - Cenotécnica: Marcos Almeida - Confeção dosbonecos: Guto Lustosa e Carlos Adrian Martinez - Contato:Guto Lustosa - Rua Imaruí, 35 - Vila Nova Blumenau/SC - Fone:(47) 329-1779 - E-mail: [email protected] [email protected]

GRUPO TEATRAL ELEMENTOS EM CENAEspetáculo: TEATRANDOAutor: Ivan José Cardoso Henrique da Cunha - Direção: BetoMurphy - Cenografia e Figurinos: O grupo - Iluminação: BetoMurphy - Direção Musical: Marcelo Branco - Preparação Vocal:Janaína Trasel Martins - Preparação Corporal: Raimundo Arossie Beto Murphy - Elenco: Rejane Wilwert, Jucélio Pandini, PauloSá, Caroline Carvalho e Marcelo Branco - Contato: RobertoMurphy - Rua Paraíba, 1301 - Fone: (47) 3041 1301 - E-mail:[email protected]

GRUPO TEATRAL LAURO GÓESEspetáculo: A CAIXAAutor: Guilherme Peixoto e Mônica Longo - Diretor: GuilhermePeixoto - Elenco: Mônica Longo e Guilherme Peixoto - Manipula-dores: Mônica Longo E Guilherme Peixoto - Cenografia EFigurinos: Mônica Longo - Iluminação: Guilherme Peixoto -Sonoplastia: Fernado Spessatto - Montagem: Grupo TeatralLauro Góes - Opera-ção Luz e Som: Carla Abrão Parizzi- Contato:Mônica Longo - Rua Amado Borges De Castilho, 73 - 89600-000Joaçaba/SC- Fone: (49)3521 0191 E 9975 5376 - E-mail:[email protected] e [email protected]

GIRA CIA TEATRAL DA COOPERATIVA PAULISTA DETEATROEspetáculo:TARDE DE PALHAÇADASAutor E Diretor: Jairo Mattos - Elenco: Vanessa Ton Ton,Carlos Baldim, Andre Ceccato e Gilmar Guido - Cenografia eFigurinos: Gira Cia Tetral - Sonoplastia: Vanessa Ton Ton -Música Ao Vivo - Iluminação: jairo Mattos e Ari Nago - Montageme Contra-regra: Cia Teatral - Produção e Administração:Mario Sergio Loschiavo - Contato: Mario Sergio Loschiavo - RuaIperoig, 742 Ap 53 - 05016-000 - São Paulo-SP - Fone: (11) 3862-7946 Ou 9994 1186 - E-mail: [email protected]

GRUPO TEATRO QUE RODAEspetáculo: A FORMIGA DA ROÇAAutor: Criação Coletiva do grupo com roteiro final de Liz Eliodoraz- Preparação Corporal: Rodrigo Cruz - Figurinos: Ilza Bicalhoe Grupo Teatro que Roda - Adereços: Marcos Lotufo e GrupoTeatro que Roda -Programação visual: Marcos Lotufo -Programação visual e violei-ro: Doma da Conceição -Sanfoneiro: Dr. Paulo Antônio Gonçalves - Texto: Coletivo, comroteiro final de Carlos Cipriano e Liz Eliodoraz - Produção: DionízioBombinha e Liz Eliodoraz - Contato: Liz Eleodoraz - Rua 15, 65/1104 Cep: 74140-090 - Goiânia/GO - Fone: (64) 214 2640 / 96032288 - E-mail: [email protected] [email protected]

LUDUS COMPANHIA DE TEATROEspetáculo: O REI DOENTE DO MAL DE AMORESAutor: Augusto Pessôa - Diretor: Rubens Lima Junior - Elenco:Andrea Bacellar, Augusto Pessôa, Gustavo Maranhao, RodrigoLima e Simone Beghinni - Cenografia: Renato Marques e AugustoPessôa - Figurinos: Augusto Pessôa - Iluminação E Montagem::Ricardo Marques e Rubens Lima Junior - Direçao Musical: RodrigoLima - Contra-regra: Atores - Contato: Rubens Lima Junior -Rua Martins Pena, 47/303 - 20270-270 Rio De Janeiro/RJ -Fone: (21) 2234 8111 - E-mail: [email protected] [email protected]

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TEATRO XIRÊEspetáculo: CIRANDAAutor: Andréa Elias e Jefferson Barbosa - Direção: Andrea Elias- Cenografia e Figurinos: Joana Lavallé e Gabriela Bardy -Sonoplastia: P.C. Castilho - Iluminação: Djalma Amaral -Montagem: Niuxa Drago e Andressa Leite - Operadora de som:Niuxa Drago - Operadora de Luz: Andressa Leite - Elenco:Andréa Elias e Tiago Quites - Contato: Roberto de Moura Filho- AV. Epitácio Pessoa, 360/101 Cep: 22410-090 Rio de Janeiro/RJ - Fones: (21) 2537 3383 e 9613 5369 - E-mail:[email protected]

TRECOS E CACARECOS NÚCLEO DE TEATRO DEANIMAÇÃO DA COOPERATIVA PAULISTA DE TEATROEspetáculo: FOLIA DE BOIAutor: Kelly Horácy e Lilian Guerra - Direção/Cenografia/Montagem: Núcleo Trecos e Cacarecos - Figurinos: Lílian Guerrae Kelly Horácy - Iluminação: Vinícius Feio e Junior Della Páschoa- Direção Musical: André de Souza e Cezinha - Elenco: KellyHorácy, Lilian Guerra, Petterson da Costa, Cezinha e Dalton -Contato: Lilian Guerra - Rua Southey, 77 Cep: 04276-080 SãoPaulo/SP - Fones: (11) 5068 2239 / 3873-5805 / 9957 6525 /9851 9380 - E-mail: [email protected] - Site:www.trecosecacarecos.cjb.net

TÉSPIS CIA. DE TEATROEspetáculo: A HISTÓRIA DO HOMEM QUE SETRANSFORMOU EM CACHORROAutora: Denise Da Luz, A Partir Dos Fragmentos Da Obra DeOsvaldo Dragun - Direção, Cenografia E Montagem: MaxReinert - Elenco: Denise Da Luz, Cidval Batista Jr. E Ilaine Melo- Figurinos: Denise Da Luz - Sonoplastia: Arnou De Melo EMax Reinert - Contra-regra: AC Floriano - Contato: Denise DaLuz - Rua Zacarias Baptista Moura, 114 - 88302-385 - Itajaí - SC- Fone: (47) 349 9615 Ou 9903 1167 Ou 9903 7275 - E-mail :[email protected] - Site: www.tespis.com.br

TRUPE DE TRUÕESEspetáculo: “UM HERÓI FANFARRÃO E SUA MÃE BEMVALENTE”Autor: Ana Maria Machado - Direção, Cenografia e Figurinos:Paulo Merísio - Sonoplastia: Larissa Vitorino e Ana CândidaMachado - Iluminação: Fernando Prado - Montagem e Contra-regra: O grupo - Assistente de direção: Aline Barchelli - Contato:Maria de Maria Andrade Quialheiro - Rua Bernardo Cupertino,840/1204 Cep: 38400-444 Uberlândia/MG - Fones: (34) 32363281 / 8812 1012 - E-mail: [email protected] [email protected] - Site: www.trupedetruoes.cjb.net

VAGALUM TUM TUMEspetáculo: QUELUZMINHAAutor: Cia Vagalum Tum Tum - Diretor: Angelo Brandini -Elenco: Angelo Brandini E Cristiane Lima - Cenografia eFigurinos: Sylvia Moreira - Sonoplastia: Aline Meier -Iluminaçao: Sueli Matsuzaki - Operador de Som: Vitor Osorio -Contato: Angelo Brandini - Rua Croata, 206 - 05056-020 - SãoPaulo/SP - Fone: (11) 3675 3750 Ou 9644 7202 - E-mail :â[email protected] - Site: www.ciavagalum.com

VALDEVINOS DE OLIVEIRAEspetáculo: “OS CENOURAS”Autor: Valdevinos de Oliveira - Direção: Márcio Libar -Cenografia, Figurinos e Sonoplastia: Valdevinos de Oliveira -Iluminação: Leonardo Carnevale - Montagem: Fabio Freitas -Elenco: Leonardo Carnevale e Fábio Freitas - Contato: LeonardoCarnevale Ignácio da Silva - Rua Taylor, 52/301 Cep: 20241-060- Rio de Janeiro/RJ - Fones: (21) 2508 6800 / 2210 0976 / 99232256 - E-mail: [email protected]

ZABRISKIE TEATROEspetáculo: LUAS E LUASAutora E Diretora: Ana Cristina Evangelista - Elenco: AnaCristina Evangelista, Livia Martins e Vinícius Vargas - Cenografia:Zabriskie Teatro - Figurinos: Ana Cristina Evangelista -Montagem: Sergio Kitiniz - Contra-regra : Bel Vilela - Produção:Marcus Fidelis - Trilha Sonora Original: Ana Cristina Evengelistae Jorge Beat - Responsavel: Marcus Fidelis Ferreira Castro(Zabriskie - Produções Ltda - CNPJ 03.398.793/0001-37) - Rua148 Q .65 L 30 - 74170-110 - Goiania-GO - Fone: (62) 242 1542- E-mail : [email protected] - Site: www.eteatro.cjb.net

MARIZA BASSO E CATAPIMBA CIA DE TEATRO CIRCENSEEspetáculo: O CIRCO DOS OBJETOSAutor: O Grupo - Direção, Sonoplastia e Contato: MarizaBasso - Cenografia, Figurinos e Montagem: O grupo -Iluminação: Silvio Selva - Rua Antonio Alves, 7 41 Cep: 17010-170 Bauru/SP - Fones: (14) 3212 2340 / 3222 7358 - E-mail:[email protected] ou [email protected]

NÚCLEO CONTEMPORÂNEO DE TEATROEspetáculo: “A GUERRA DOS MUTANS”Autor: Fábio Bibancos (Idéia original), Mariana Veríssimo e PatríciaGaspar (Texto) - Direção: Ângela Dip - Cenografia: Iara Jamra- Figurinos: Cássio Brasil - Sonoplastia: Eduardo Queiróz -Contra-regra: Lucas e Herbert - Produção: Luiz Ricci - Elenco:Daniela Récco, Joaquim Lopes, Maria Laura Nogueira, Ana Liz,Iivan Lumem e Ana Luíza Garritano - Contato: Daniela Récco -Rua Rio de janeiro, 224 Cep: 01240-010 São Paulo/SP - Fones:(11) 3666 1904 / 3326 2266 / 9909 6094 - E-mail:[email protected]

OGAWA BUTOH CENTEREspetáculo: O CAIXEIRO VIAJANTE OU O VENDEDOR DEILUSÕESAutor E Diretor: João Roberto De Souza - Elenco, Cenografiae Figurino: João Roberto De Souza - Contato: João Roberto DeSouza - Rua Bandeira Villela, 125 - 14200-000 - São Simão/SP -Fone: (16) 684 1858 e 9396 6606 - E-mail: [email protected] -Site: www.butoh.com.br

O GRITO CIA. DE THEATROEspetáculo: Megera quem dera...Preguiça já era!Autor: Adaptação de Leandro de AssisDiretor: Leandro de AssisCenografia, Figurinos, Montagem e Maquiagem: Leandrode AssisSonoplastia: Mailon Bugmann e Richard HuewesIluminação: César GermanoElenco: Leandro de Assis, Carlos Santos, Terezinha Sestrem,Diego Negherbon, Felipe Elisio, Mara Andrade, RichardHuewes, Mailon Bugmann, e Poly Vendrami.Responsável:Leandro de AssisRua Caiapós, 76 – Blumenau/SCFone: (47) 3328 0466

RINOCERONTE ALADO PRODUÇÕES E EVENTOS LTDA.Espetáculo: VIDAS EM MARTÍRIOSDireção/Sonoplastia/Contato: Lourival Andrade - Cenografia/Figurinos: Mônica Belorro - Cenotécnica: Fábio L. Sardo eLourenço Cardoso Jr. - Produção: Vânia Andrade - Contato:Lourival Andrade - Rua Laudelina Dionísio, 922 Cordeiros - 88310-300 - Itajaí/SC - Fone: (47) 263 1561 - E-mail:[email protected]

SERES DE LUZ TEATROEspetáculo 1: ESPALHANDO SONHOSAutor, Direção, Cenografia, Figurinos, Sonoplastia,Montagem e Elenco: Lily Curcio e Abel Saavedra - Iluminação:Darko MagalhãesEspetáculo 2: O ACROBATAAutor: Lily Curcio e Abel Saavedra - Direção: Nani Colombaioni- Cenografia e Figurinos: Seres de Luz Teatro - Sonoplastia:Abel Saavedra - Iluminação: Darko Magalhães - Montagem: LilyCurcio e Abel Saavedra - Contato: Liliana Marcela Curcio ouCristiano Abel Saavedra - Praça F. Roosevelt, 82 - Campinas/SP- Fone: (11) 3258 7457 - E-mail:[email protected]

TEATRO JABUTIEspetáculo: “ELEONTINA”Autor: Carina Scheibe e Diana Rodrigues Goulart, baseado noscontos “Eleontina” de Éveli Alcântara de Queiroz; “Arrepiante” deJosé Honório Marques e “As bruxas de Florinpa” de GiovanniBatista Bello Neto - Direção: Révero Ribeiro - Cenografia: LucilaHom - Figurinos: Luciana Siqueira - Sonoplastia e Músico:Erick Sciasci - Iluminação: Rafael Pereira Oliveira - Montagem:O grupo - Contra-regra: Révero Ribeiro - Maquiagem: CarlosEduardo Silva - Criação e confecção de bonecos: PauloNazareno - Preparação vocal: Cláudia Todorov e Teresa Pesenti- Contato: Carina Scheibe - Rua Servidão Bem Viver, 62 Cep:88063-257 - Florianópolis/SC - Fone: (48) 237 3505 - E-mail:[email protected]