arquivo secreto do vaticano, tomo ii

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TOMO II Oriente COORDENAÇÃO GERAL J OSÉ E DUARDO F RANCO

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  • T O M O I I

    O r i e n t e

    C O O R D E N A O G E R A L

    J O S E D U A R D O F R A N C O

  • Projecto financiado pela Fundao para a Cincia e a TecnologiaPrograma Operacional Cincia e Inovao 2010 (POCI 2010) do Quadro Comunitrio

    de Apoio III e Comparticipao pelo Fundo Comunitrio Europeu FEDER

    Nota ao ttulo Arquivo Secreto do Vaticano: No nome original, Archivio Segreto Vaticano.Em italiano, o termo vaticano conserva a sua funo de adjectivo, originariamente aplicado colina homnima de alm-Tibre. Admitindo que, para muitos leitores portugueses, tal funo desapareceu sob a corrente substantivao, optmos por ceder convenincia desta traduo, cientes embora da sua menor preciso.

  • COLECO ARQUIVOS SECRETOSDIRECTORES

    Annabela RitaFernando Cristvo

    TtuloArquivo Secreto do Vaticano

    Expanso Portuguesa DocumentaoTomo II: Oriente

    Coordenao Geral da edioJos Eduardo Franco

    Direitos Reservados Esfera do Caos Editores

    DesignDesignGlow

    Impresso e AcabamentoPapelmunde SMG Lda

    Depsito Legal328036/11

    ISBN978-989-680-032-1

    1 Edio: Junho de 2011

    ESFERA DO CAOS EDITORESCampo GrandeApartado 521991721-501 Lisboa

    [email protected]

  • T O M O II

    O r i e n t eC O O R D E N A O C I E N T F I C A

    J O O F R A N C I S C O M A R Q U E SJ O S C A R L O S L O P E S D E M I R A N D A

    C O O R D E N A O G E R A L

    J O S E D U A R D O F R A N C O

  • ORGANIGRAMA

    Arquivo Secreto do VaticanoNunciatura de Lisboa

    Expanso Portuguesa Documentao

    {Costa Ocidental de frica e Ilhas Atlnticas, Oriente e Brasil}

    Instituies Financiadoras e Coordenadoras | Primeira Fase: 1998-2000 Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses

    Centro de Estudos Damio de Gis

    Instituies Financiadoras e Coordenadoras | Segunda Fase: 2005-2011 Fundao para a Cincia e a Tecnologia Centro de Estudos dos Povos e Culturas

    de Expresso Portuguesa Universidade Catlica Portuguesa CLEPUL, Centro de Literaturas e Culturas Lusfonas

    e Europeias Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Instituto Europeu de Cincias da Cultura Padre Manuel Antunes

    Coordenador do Projecto | Primeira Fase: Artur Teodoro de MatosCoordenador do Projecto | Segunda Fase: Jos Eduardo Franco

    Consultores CientficosArnaldo do Esprito Santo, Joo Francisco Marques,

    Lus Machado de Abreu, Manuel Saturino Gomes

    Equipa de InvestigaoCludia Castelo, Fernanda Santos, Maria Filomena Borja de Melo,

    Giulia Rossi Vairo, Jos Carlos Lopes de Miranda, Jos Eduardo Franco,Lus Pinheiro, Mrio Neves Santos, Paula Xavier

    Secretariado de Reviso Pr-EditorialJos Carlos Lopes de Miranda (coordenador)

    Cristiana Lucas, Fernanda Santos, Joo Teles e Cunha, Maria Lusa Gama, Marta Marecos Duarte, Paula Carreira, Susana Alves

    Reviso EditorialRicardo Ventura

  • PLANO DOS VOLUMES

    TOMO I

    Costa Ocidental de frica e Ilhas AtlnticasCoordenao Cientfica

    Arnaldo do Esprito SantoManuel Saturino Gomes

    TOMO II

    OrienteCoordenao Cientfica

    Joo Francisco MarquesJos Carlos Lopes de Miranda

    TOMO III

    BrasilCoordenao Cientfica

    Lus Machado de AbreuJos Carlos Lopes de Miranda

  • ndice

    TOMO IIORIENTEArchivio Segreto VaticanoArchivio della Nunziatura in Lisbona

    11

    Prefcio 13JOO FRANCISCO MARQUES

    Introduo 15JOS CARLOS LOPES DE MIRANDA

    Grficos 39

    Sumrios da Documentao 45

  • TOMO II

    ORIENTE

    Archivio Segreto Vaticano

    Archivio della Nunziatura in Lisbona

  • 13

    Prefcio

    O rio da histria alimentado pelo caudal da memria que por via oral e escrita vai deixando marcas ou vestgios do passado. Assim se caminha ao encontro do acontecido, saciando a curiosidade e a sede de conhecer nunca satisfeitas, acerca do que tem sido, na feliz designao de Marc Bloch, a vida dos homens no tempo. A globalidade da rede multissecular da missionao europeia, que os descobrimentos ibricos iniciaram nos espaos continentais de que se assenhoreavam, continua a ser mina, em aberto, imensa e sedutora. A pesquisa e a crtica de h muito a penetram como focos de luz que, iluminando ignoradas e escuras galerias, permitem ver o fenmeno em sua inteira extenso e labirnticos contornos nunca suficientemente explorados. Nichos arquivsticos, nacionais e estrangeiros, tm atrado o interesse de investigadores portugueses cujo aturado labor e ambio dos projectos fizeram jus a um reconhecimento imorredoiro. Silva Rego [Documentao para a Histria das Misses do Padroado Portugus do Oriente], Antnio Brsio [Monumenta Missio-nria Africana] e Artur Baslio de S [Documentao para a Histria das Misses do Padroado Portugus do Oriente. Insulndia] acodem de imediato como cabou-queiros pertinazes de valia difcil de superar, tal a grandiosidade dos acervos legados. Junta-se-lhes, na circunstncia, a srie documental afim [Archivio Segreto Vaticano / Archivio della Nunziatura in Lisbonna Documentao Sumariada Referente ao Oriente] que a avisada e benemrita Comisso dos Descobrimentos promoveu e subsidiou, quantum satis, agora oferecida ao pblico em colectivo trabalho execu-tado sob a orientao e surpreendente dinamismo do Doutor Jos Eduardo Franco, seu mximo responsvel. No sendo os documentos compilados transcritos em sua inteireza textual, as smulas apresentadas de cada um no escamoteiam em nada o essencial do contedo dos mesmos, o que possibilita a anlise exploratria preten-dida e ajuizar do interesse da integral leitura do escrito. A metodologia seguida obri-gou, como de no difcil entendimento se percebe, a ingente e beneditina colheita e cuidada sumariao de que resultou o repositrio de cerca de cinco milhares docu-mentos expedidos pela Nunciatura de Lisboa e pelo Vaticano em cujo Arquivo Secreto se encontram. O perodo a que pertence a maioria vai dos finais da era seis-centista aos incio do sculo ltimo, no fundo cobrindo uma muito longa durao, em que Portugal conheceu as Invases Francesas, a instaurao da Monarquia Liberal e o advento da Repblica, que correspondeu ao acentuado declnio e agonia do Padroado. De resto, o pomo da discrdia incidia sobre controvrsias e atritos jurisdi-cionais, graves como lamentveis, entre a Nao Fidelssima e a Santa S atravs da Propaganda Fide, que superintendia a evangelizao missionria em terras da gen-

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    tilidade onde habitava esse outro diferente rcico, cultural e religioso a converter f catlica. Alis, tudo se passava em espaos territoriais que sofriam inevitveis mudanas de soberania e governao poltica, pertenas da imensa sia, da ndia China, e da frica meridional, do Atlntico ao ndico. Placas giratrias permanece-ram at quase nossos dias Goa e Macau que abrangiam reas da Pennsula Indust-nica, frica Oriental, Prsia e sudeste asitico, bem como o grande imprio Azul Celeste at tocar a Coreia, aonde os missionrios portugueses semearam cristanda-des. Na rbita do Padroado, o contencioso com a Propaganda Fide, nos sculos XVIII e XIX, aqui assinalado objecto de escndalo, como seria natural, para os poderes indgenas enraizava no apenas no direito consuetudinrio da apresentao de bis-pos pela Coroa Lusitana, como na reivindicao de cristos luso-descendentes de serem identificados como portugueses, tambm por causa da proviso de ofcios.

    Problemas afloram nesta documentao a merecer rastreio sistemtico, referentes inculturao e aculturao religiosa, com a missionao jesutica em destaque; penetrao dinmica da pujante instituio das Misses Estrangeiras de Paris; aos vestgios da lngua portuguesa nas oraes, confisses auriculares e cate-quese em territrios onde j havia desaparecido a soberania poltica; ao papel desempenhado pela Nunciatura sediada no Rio de Janeiro durante a estadia da Corte e cativeiro de Pio VII por Napoleo Bonaparte, a rarefaco das marcas culturais da presena lusa em irremedivel declnio e hostilidade dos missionrios estrangeiros ao episcopado do Padroado, apesar da procura de um modus vivendi com os agentes credenciados da S Apostlica romana. As reformas introduzidas, no direito concor-datrio, quando julgadas pertinentes e inadiveis, no decurso da segunda metade de oitocentos no travaram, como o Ultimatum de triste memria ps a nu, a decadn-cia do Padroado. A expulso pombalina dos jesutas e o banimento das ordens reli-giosas em 1834 j o haviam, alis, mortiferamente minado e a Repblica acabou por consumar, no obstante o veemente e dramtico alerta de D. Antnio Barroso que, como poucos, conhecia a realidade. E quantos nomes dessa pliade de missionrios de apostlico zelo, espalhados no que continuava a ser o Alm-Mar portugus, no aparecem mencionados neste repositrio documental e incalculvel valor histrico? Mais: esta mole informativa, pela sua variedade e abundncia, potencializa ainda respostas a um leque de outras questes que, postas por historiadores criativos, podem ser continuamente trazidas comunidade cientfica.

    Os anais da gesta missionria portuguesa s se enriquecem, acentuemo-lo, como escavar sem desfalecimento, apesar dos horizontes de laicismo e indiferentismo, de memoriais adormecidos em vrios e nutridos tesouros como este que os investigado-res desta preciosssima empresa em boa hora oferecem ao pblico estudioso interes-sado em to importante temtica.

    JOO FRANCISCO MARQUES

    Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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  • 15

    Introduo

    O acervo documental aqui elencado procede do fundo da Nunciatura Apostlica em Portugal, que se acha hoje no Arquivo Secreto Vaticano. Torn-lo acessvel, atra-vs de indicaes sumrias que remetam o investigador para novos endereos, empresa da maior estima e momento para a historiografia portuguesa.

    Um dos mais promissores desses endereos seria talvez a histria da resistncia social indgena redefinio da jurisdio eclesistica nos territrios do Padroado. Consta destes volumes uma rica documentao nesse sentido, no s no mbito diplomtico, mas tambm na correspondncia privada dos missionrios e na vida social annima. Esta indagvel, no s na sobredita correspondncia, como nos pedidos de privilgios, de dispensas, de breves, de absolvio de censuras e, posto que onde menos se esperaria, em perto de uma centena de processos de inquirio sobre idoneidade ao episcopado. Alm das peas documentais de menor valor infor-mativo nesse sentido, como certides de estudos e de ordens sacras, eles renem preciosos depoimentos acerca do candidato e da Sede a prover (quando no da Sede de origem do candidato, em tratando-se de transferncia). H porm, sobretudo no primeiro volume do acervo, um timbre mais altissonante em funo do qual nos propomos estruturar a presente contextualizao, a saber, o da missionao em con-texto persecutrio. Trata-se ainda, em todo o caso, de um conflito de jurisdies ou, para ir mais longe, um conflito entre sentimentos de pertena que a modernidade foi agudizando at s guerras do sculo XX.

    Vejamos como. Subjaz ao prprio nome e, a fortiori, autorepresentao da Modernidade

    um programa de reposio das coordenadas filosficas, sociais e polticas da Anti-guidade. Da a concepo moderna do passado mais prximo (um milnio inteiro, afinal) como uma era insignificante, designada em funo de ambas: a idade do meio. No cabe aqui a anlise de tantas rupturas que esse esprito dito renascentista viria realmente a significar para o Ocidente. contextualizao em objecto, interessa sobretudo a considerao da vertente poltica e a ela prevalentemente nos referiremos.

    Ora, nesse aspecto, avulta partida um trao macroscpico. A pertena do homem antigo sua Cidade total e exaustiva. O seu horizonte existencial e religioso, delineado por um mercado de satisfaes imanentes, entre mistagogias e cultos ofi-ciais, no se alarga alm da dimenso cvica. Melhor: tende a restringir-se a essa dimenso. por isso que o ordenamento jurdico romano no titubeia no reconheci-mento do tradicional direito de optio divinitatis mas no pode abdicar do disposto em matria cultual pela autoridade pblica competente. De facto, at os irredutveis

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    Judeus, corifeus do Deus nico e transcendente, enquanto aguardavam a realizao das suas promessas messinicas, l se iam encaixando nessa equvoca liberdade de culto. Mas, para isso, tinham que comprar, literalmente, atravs de um tributo, a isen-o do culto pblico que a conscincia lhes vedava. Tratando-se, para mais, de um nmero de isentos, praticamente contido em ntidos limites tnicos e confinado por um voluntrio isolamento social, essa compra satisfazia a pretenso absolutista da Cidade antiga e sossegava, seno os povos, ao menos as autoridades. Autorizado pelo jus civile, tambm o Deus transcendente e revelado a Israel se tornava de algum modo um deus da Cidade, e o seu culto era por isso um culto lcito (religio licita).

    O sistema funcionou at aparecerem na cena cvica os seguidores (a secta) de um Ressuscitado que inaugurara um novo Eon. Como os Judeus, tambm eles pre-tendiam adorar o Deus transcendente, fora do mundo, portanto, e exterior Cidade. Mas, diferena deles e com a agravante de ignorarem qualquer tranquilizadora barreira tnica e social no podiam comprar algo que j era seu, pois as promessas messinicas estavam cumpridas. Eram algo presente e real, e no futuro, desde que Cristo ressuscitara na carne inaugurando assim o eon ou saeculum definitivo. Para essa gente que vivia do lado de c do fim do mundo (hujus saeculi), o horizonte absoluto da Cidade antiga ficava radicalmente relativizado. Cristo, o Primognito de muitos (no dizer de Paulo) tornara-os Cidados de outra Cidade, o Cu. E, doravante, qualquer cidade mundana teria que se medir com o destino eterno do homem. At ao ano 311,1 pairar sobre eles um interdito de Nero (non licet esse christianos), que os condenou por ateus. Ateus, entenda-se, em relao aos gestos do culto em que se expressava e assegurava oficialmente - no sentido etimolgico de servio e obe-dincia a pertena Cidade. Acresce que, na cosmoviso animista dos antigos, essa recusa da religio pblica se traduzia numa repugnncia quase fsica, dada a identificao dos dolos, primeiro com os daimones e, depois, com os demnios da literatura apocalptica inter-testamentria. Tambm por isso eram ditos, em grego, asebeioi, isto , mpios, sem religio. Faltava-lhes a pietas, o sentimento filial de pertena e submisso ptria, cuja solidez fora garantida pela virtude da religio, ou cultus deorum, em que dissera-o Ccero espelhando um lugar-comum Roma sempre se distinguira acima das demais cidades, granjeando assim o seu imperium civile. No admira pois que o ttulo de condenao no tardasse a assumir explicita-mente uma reivindicao por parte do poder poltico. A diferena do cristo vinha a ser fundamentalmente o metro eterno com que media a sociedade e esse poder (que a cristandade, no por acaso, chamar temporal). No contexto de uma sua preten-so absoluta, essa diferena era percebida como recusa da cidadania e o cristo tor-nava-se hostis publicus, um inimigo do Estado, diramos hoje.

    O que certo que, de facto, num primeiro momento, a dimenso religiosa (que, na realidade dos factos, significava idoltrica) permanece alheia tanto auto-

    1 Neste ano, pela primeira vez, um rescrito de Galrio, reflectido dois anos depois, em Milo, no famoso pacto de Constantino e Licnio, reconhece o valor e a legitimidade das oraes dos cristos pelo Imperador e pela Repblica (Cfr. Lactantii, de mortibus persecutorum, XXXV).

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    -percepo, como hetero-percepo do cristianismo. Os apologetas procuraram o dilogo (ou a polmica), no com os sacerdotes nem com os mistagogos orientais, mas sim com outros parceiros e interlocutores que lhes pareciam mais conaturais, isto , os filsofos, tal como eram vistos no perodo helenista. As suas escolas (em latim, sectae) que eram originariamente designadas pelo sufixo grego ismos e tam-bm eles diziam viver sob o signo da busca da Verdade e do Bem (verum et bonum). Com efeito, s quando o cristianismo, precisamente em Roma, tomar conscincia de ser religio (e f-lo- por excelncia ao reivindicar, num significativo hbrido filos-fico-religioso, o estatuto antes inaudito de religio vera)2, que os cultos, a partir do paradigma cristo, se passaro a designar com tal sufixo.

    Esta j no , para o nosso propsito, uma consequncia de somenos. Por ela se pode ver que, uma vez identificado o cristianismo com a dimenso religiosa, foi afectada muito mais a noo de religio do que a de cristianismo. A questo da Verdade passa a ser relevante para o culto dos deuses, e este, antes metafisicamente agnstico e relativista, passa a ser encarado como um sistema ultimamente frus-trado, embora, se no for Revelado de afirmaes potencialmente vlidas do ponto de vista metafsico. Este aspecto no nos pode ser indiferente pois pauta toda a hist-ria da missionao. Por um lado, a possibilidade de uma filosofia crist permitir ainda aos missionrios da modernidade o exerccio da controversia escolstica junto dos bonzos. Procedente de fins do sculo XVIII, a documentao aqui alusiva Coreia ilustra esse tipo originrio de penetrao cultural conatural ao cristianismo das origens. Integrado numa embaixada a Pequim chefiada pelo pai, o coreano Ly do Documento n 524,3 (Ly-Seun-Houn, mais conhecido pela transcrio inglesa Lee--Sung-Hoon), foi expressamente enviado por Ly-Byok (Lee Byeok) que, como filsofo em busca da verdade, lera as obras de Ricci, vindas de Pequim (milagres dos ideo-gramas chineses!), e fundara um cenculo de letrados-catecmenos em Chon-Jin-An, hoje sede de um grande santurio. A correspondncia formal que com ele entreteve o Bispo de Pequim d conta de no tratar com nenhuma autoridade religiosa e estruturada nos moldes do dilogo filosfico (na De Deo verax disputatio ele teria aprendido a Cincia do Cu).4 E isso no obstava considerao destes dois corea-nos como os fundadores da Igreja Catlica no pas.

    Por outro lado, no seria decerto fcil encontrar um equivalente da Filosofia em todos os povos que a primeira globalizao trouxe ao contacto com o cristianismo. De

    2 A expresso j presente em Tertuliano, posto que com um significado de outro alcance, generali-zar-se- s a partir da paz de Constantino.3 Trata-se de um resumo de uma Rlation de ltablissement du Christianisme dans le royaume de Core, rdige en latin par Mgr de Gova, vque de Pking, et adresse le 15 aot 1797, a Mgr de Saint-Martin, vque de Caradre et vicaire apostolique de la province du Sutchuen en Chine: traduite sur une copie reue Londres, le 21 juillet 1798, que pode ler-se na ntegra em Henri Leclercq, Les Martyrs, Recueil de pices authentiques sur les martyrs depuis les origines du christianisme jusquau XX sicle, Tours, 1921 (Vol. XIII, La Rvolution et lExtrme Orient, pp. 164 a 168).4 Vide Pierre Byun Ki-Yung, Vue gnrale sur les quelques dix mille ans dhistoire spirituelle et culturelle du peuple coren, Sanctuaire de Chon Jin An, Swon, 1999.

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    modo que as categorias de pr-compreenso a que, espontaneamente, o missionrio far apelo para enquadrar o anncio cristo, na falta (e mesmo no s na falta) de um contexto filosfico, sero precisamente as da religio, que acaba assim por funcionar como o culturema universal mais conatural maturidade do cristianismo. Se lhe viesse a faltar esse caminho mais curto para o Evangelho, o missionrio ficaria mesmo eventualmente desconcertado. Assim se sentia Frei Joo dos Santos na sua misso Etipia Oriental (vora, 1609): No adoram a Deus nem tm dolos a que adorem, nem imagens, nem templos, nem usam sacrifcios. E assim, dificultosa-mente se convertem nem aceitam a lei de Cristo que muitas vezes lhes pregamos.5

    Grande parte do dinamismo missionrio que perpassa esta documentao radica precisamente na possibilidade de enxertar os sacramentos cristos em tantos signifi-cantes religiosos arquetpicos (templos, ritos, sacerdcio, sacrifcio) com base numa analogia que lhes permitia ter parte, desde sempre, no significado salvfico cristo.

    Ora esta considerao parece paradoxal, quando confrontada com uma sombra que atravessa toda a nossa documentao relativa China. O Documento n 497, por exemplo, uma carta do ltimo Jesuta Portugus na Corte Chinesa,6 missionrio em Pequim havia vinte e nove anos, a recorrer de uma pena de suspenso a divinis a que se expusera juntamente com outros trs ex-Jesutas, por conivncia com uma cerimnia chinesa (Ko teu) que seria por sua intrnseca natureza, supersticiosa Referimo-nos memria da condenao dos ritos chineses. A questo nunca dei-xou de preocupar todas as sucessivas levas de missionrios e nefitos ou clrigos indgenas. Em 1806, ano seguinte ao do falecimento do Jesuta, o Padre Georges dAlary, destinatrio da carta constante do Documento n 774, compunha durante a sua estadia em Macau umas apreciadas instrues para lidar com as suspersties chinesas. Com toda a probabilidade, so essas instrues que constituiro o grosso do manual da matria, intitulado Documentos da recta razo () coligidos para uso dos alunos chineses e vietnamitas, bem como dos catequistas em geral, editados por Monsenhor Jean-Louis Taberd, Bispo de Isaurpolis. 7 O que estava em causa era, alm da adopo de termos religiosos (a comear pelo prprio nome de Deus) extra-dos dos clssicos chineses, o dever de renunciar idolatria. sensibilidade nossa contempornea, em que o poltico e o religioso se distinguem saciedade, o argu-

    5 Cit. Apud Pedro Miranda, O ideal de um cristianismo depurado de religio?, in Brotria 144 (1997), p. 451.6 Assim Antnio Graa de Abreu, Padre Jos Bernardo de Almeida, o ltimo Jesuta Portugus na Corte Chinesa, in Actas do Colquio Internacional sobre o Humanismo Latino e as Culturas do Extremo Oriente, Fondazione Casamarca Itlia e Ctedra Humanismo Latino Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Macau 6 a 8 de Janeiro de 2005, Inter-University Institute of Macau, 2005.7 Documenta rectae rationis seu forma instructionis ad usum alumnorum sinensium, anamitarum, necnon et cathechistarum concinnata, a J. L. Taberd, episcopo Isauropolitano edita, Serampore, Fredericnagori vulgo, ex typis J. C. Marshman, 1839 cfr. ditorial, Notices Biographiques et Ncrologies, in Rvue des Archives des MEP, n. 217 (1999), p. 3. Depois do tirocnio de Macau, o Padre Alary (1731-1817), das Misses Estrangeiras de Paris, foi missionrio no Reino de Sio e posteriormente Reitor do Seminrio do seu Instituto.

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    mento dos Jesutas isto , da relevncia cvica, e no propriamente religiosa, de ritos gregrios ligados ao culto dos antepassados e do imperador pode colher bas-tante bem. Mas o mesmo no aconteceria com os fiis chineses, a quem eles quere-riam poupar desnecessrias rupturas culturais. Por outro lado, do ponto de vista poltico, seria inevitvel, mais cedo ou mais tarde, a ruptura entre eles e um Imprio idlatra, um poder absoluto caucionado por uma idolatria ou, quanto mais no fosse, por um equvoco que consistia em expressar cultualmente a pertena ao mundo. Os gestos da religio, numa mente crist, adquirem um alcance radical e so reservados para exprimir a pertena do homem ao seu horizonte ltimo, o Cu, e no ao mundo. Sede religiosos, sim, mas para com Deus, apelava um apologeta do sculo III aos seus concidados. E este apelo tanto mais significativo quanto o contexto em que nos aparece, a modo de premissa irrenuncivel, o de uma tentativa de provar a lealdade cvica dos cristos, pois acrescenta: se quereis que Ele seja propcio ao Imperador.8 Nisso v-lo-emos melhor adiante profetizava a possibilidade de uma nova fundamentao religiosa do Poder. Mas no deixava de justificar a impo-pular demarcao dos cristos em relao aos ritos romanos (a religione romano-rum) com base, no s na vacuidade das divindades, como na natureza intrinseca-mente segunda da Cidade e do Poder, que viria a ser chamado temporal. Os ritos a que se recusavam exprimiam uma pertena indevida a Csar; eram o culto de uma majestade inferior (religio secundae majestatis).9 Ora, entre muitos dos que, na Europa, faziam a campanha da condenao (motivados, embora, por vezes, mais contra os Jesutas do que contra os ritos chineses) no de excluir que guardassem ainda na sensibilidade religiosa pessoal o paradigma da perseguio antiga e a repugnncia face culto idlatra da Cidade. Precisamente porque carregados de reli-gio cvica e patritica, os cultos dos antepassados e o arqutipo do imperador divino (ou celeste, que fosse) acabariam por exigir, l longe, na China, uma resistncia que, na Europa, tambm j urgia mas ficaria adiada enquanto os prncipes e os ministros do Estado moderno continuassem vestidos de cristos e camuflassem, sob a protec-o da Igreja, a perseguio que j iam realmente movendo ao seu insubmisso hori-zonte de eternidade. No tempo das luzes, geralmente sem o saberem (sublinhe-se geralmente para ressalvar os Jesutas e, a breve trecho, os Religiosos, enquanto tais), os cristos j se andavam de novo tornando na Europa hostes publici; mas foi aos fiis chineses que tocou inaugurar (e toca ainda hoje continuar) a nova poca de perseguio geral que a Modernidade j tinha prometido ao anunciar a restaurao da Antiguidade.

    Dizamos h pouco que a identificao entre o cristianismo e a religio afectou mais a noo da segunda do que a do primeiro; e pudemos individuar, desde logo, o facto de a religio com isso adquirir uma conotao filosfica. Agora, com esta inter-pretao do dilema missionrio acerca dos ritos chineses, vem a propsito aprofun-

    8 Esto religiosus in Deum, qui vis illum propitium imperatori. Cfr. Tertulliani Apologeticum, XXXIV, 3.9 Ibidem, XXXV, 5.

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    dar essa outra carga que o cristianismo injectou no campo semntico do religioso e que pode iluminar grandemente o ambiente persecutrio para que remete a genera-lidade da missionao dos sculos XVIII e XIX. Referimo-nos ao j aludido horizonte de eternidade que na linguagem corrente lhe ainda hoje inerente. A Religio assim entendida, isto , como antnimo do Sculo, gera um poder, e portanto uma cidada-nia, designados por espirituais, que se constituem como pertena prioritria e disputam o homem pretenso absoluta da Cidade. abismante a sensao de reminiscncia clssica que repassa a leitura dos modernos acta martyrum, quer no Japo de seiscentos, quer na Coreia, na China e Cochincina de sete e oitocentos. Em toda a parte se adivinha uma reedio do conflito com a Cidade idlatra, com os seus dolos funcionrios e o seu violento esforo de coeso; como tambm a reedio do argumento da primeira apologtica e da sua incomunicabilidade a saber, de que os cristos, alm de inocentes, so os melhores e mais leais dos cidados, enquanto o prprio Deus quem constitui a autoridade e as leis, desde que justas.10 O meca-nismo social victimrio,11 a perverso do aparelho jurdico e da justia, o drama comunitrio dos confessores e dos lapsi submetidos dias a fio s mais obscenas tor-turas, a espiritualidade agnica, a perquisio das casas e confisco de livros e objec-tos do culto, as movimentaes da retaguarda social de apoio, tudo remete para o confronto arquetpico entre Cristo e Roma. Quem ler os frios relatos das testemu-nhas, revive inevitavelmente a leitura dos acta martyrum primitivos e no pode deixar de se interrogar sobre a exacta repetio destas coordenadas.12

    10 Cfr. Tertulliani Apologeticum, XXXIII, 1: Noster est magis Caesar, a Deo nostro constitutoEsteada nas Cartas de Pedro (orate pro rege) e de Paulo (omnis auctoritas a Deo), tal atitude dos cristos face ao Poder poltico acabara por vingar sobre tendncias mais apocalpticas destina-das s margens da heterodoxia. Apesar da sua simpatia por elas, o prprio Tertuliano, que acabaria montanista na busca de um cristianismo radical sem compromisso algum com o sae-culum, e, para mais, num contexto persecutrio exacerbado, no pudera deixar de reflectir esta atitude j amplamente partilhada.11 A expresso, indispensvel para compreender qualquer fenmeno persecutrio, provm da antropologia girardiana (cfr. GIRARD, Ren, La violence et le Sacr, Ed. Grasset, Paris, 1972).12 Naturalmente, dado o contexto geralmente persecutrio do Extremo Oriente, numerosas so as passagens, por este acervo, de futuros mrtires, alguns dos quais canonizados. No I Volume, por exemplo, possvel reconhecer St Incio Delgado y Cebrin, Bispo e Mrtir (aludido nos Documentos n. 655 e 939, destinatrio da carta constante do n. 660 e autor de outra nos nn. 665 e 668), morto por inanio numa jaula aos 76 anos de idade, em 1838 foi canonizado em 1988 juntamente com uma multido de vietnamitas mrtires dos sculos XVII a XIX; S. Gabriel Dufresse, Bispo, com mais trinta companheiros leigos e St Agostinho Zhao Rong (Agostinho Tchau, na grafia do Documento n. 876) estes ltimos foram canonizados no ano 2000 pelo Papa Joo Paulo II e a sua memria consta no martirolgio romano, a 9 de Julho, sob o ttulo de Santo Agostinho Zhao Rong e 119 companheiros mrtires; de maneira anloga do protomrtir dos Actos, este, soldado de profisso, iniciou-se na f como chefe da escolta na execuo capital do Bispo; os Documentos n 641 e 1009 testemunham o incio da carreira missionria do Servo de Deus Odorico da Collodi, Presbtero e Mrtir (1778-1834) sobre ele pode ler-se GIURLANI, Silvio, Padre Odorico da Collodi, Missionrio Martire in Cocincina; Biografia del servo di Dio, Lucca, 1935. Sem que nos conste algum processo de beatificao, tambm venerado localmente como mrtir o Franciscano Gioachino Salvetti, aludido no I Volumeem 17 Documentos com notcias da perseguio, autor de cartas com o n. 839 e 842 e

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    Entre as vicissitudes persecutrias da China, amplamente reflectidas na docu-mentao do I Volume do Oriente, acha-se uma, protagonizada pelo Padre Adeodato de Santo Agostinho, que ilustra na perfeio esta nossa leitura. O incidente, basica-mente a interseco de um portador de correspondncia privada chegado de Macau, d origem a interrogatrios, prises, torturas, confiscos, intimaes apostasia, culminando com uma centena de condenaes vrias ao cabo de dois anos de exte-nuante opresso. objecto de um pormenorizado relato, datado de Pequim, a 10 de Outubro de 1807, pelo Padre Louis Lamiot, outra das nossas frequentes personagens; o qual relato se pode ler na impressionante recolha de Henry Leclercq, no mesmo Tomo em que, significativamente (v-lo-emos em breve), agrupa a Frana da Revolu-o e o Extremo Oriente.13

    De todos os factos a referidos, ressalta um punctum dolens, a saber, que as cartas que desencadeiam as suspeitas do aparelho burocrtico imperial e esto na origem de tantos tormentos, teriam a ver com a vexata quaestio da partilha de juris-dio eclesistica entre o Padroado (missionrios portugueses) e o Vicariato Apost-lico (missionrios italianos da Propaganda Fide). Aps quezlias insolutas, o Padre Adeodato ter consultado o Dicastrio romano competente e, entre outra correspon-dncia de rotina, chegavam-lhe, via Macau, certas instrues sobre a difcil partilha. A reflexo mais pertinente, f-la o prprio Lamiot, interpolando no relato o seu desabafo: Disputam este pas, diziam entre si os mandarins, quando ele pertence somente ao nosso Imperador. Mas como se h de fazer entender, a homens que no so mais do que matria, o que uma jurisdio espiritual?14 Um dos populares chineses apanhados nas malhas dos interrogatrios at parece ter-se sado bastante bem: Os aguadeiros dividem entre si as ruas e os bairros de Pequim. Quem alguma vez imaginou que isso seja atentar contra os direitos do Imprio? A nossa religio consiste na prtica de oraes, de jejuns e de boas obras, etc. [uma frase que parece sada do sc. III!] De maneira que, quando nos dividimos para a exercitar, no somos mais sediciosos do que os aguadeiros da cidade15

    Se to sensata argumentao no colhia algum sucesso porque o Poder se tinha previamente capacitado de que essa religio, diferena do negcio dos agua-

    destinatrio de outras com o n. 802 e 946 viria, em 1815, a ser Vicrio Apostlico de Chansi com o ttulo de Bispo de Euriense e a exercer penosamente o seu ministrio at morte, em 1843, em consequncia de uma paralisia nos membros inferiores contrada nos rigores do crcere.13 Henri Leclercq, Les Martyrs, Recueil de pices authentiques sur les martyrs depuis les origines du christianisme jusquau XXme sicle, Tours, 1921 (Vol. XIII, La Rvolution et lExtreme Orient, pp. 332-371).14 Ils se disputent ce pays, disaient les mandarins, tandis qu'il appartient notre Empereur. Quel moyen de faire entendre des hommes qui ne sont que matire, ce que c'est qu'une juridiction spiri-tuelle?, ibidem, p. 368.15 Les porteurs d'eau se divisent entre eux les rues et les quartiers de Pking. Qui a jamais imagin que ce soit attenter aux droits de l'empire? Notre religion consiste prier, jener, faire des bonnes oeuvres, etc. Ainsi, quand nous nous divisons pour l'exercer, nous ne sommes pas plus rebelles queles porteurs d'eau de la ville, ibidem, p. 368.

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    deiros, implicava realmente uma pertena dos seus cidados a outra cidade e, justa-mente, intua nisso a subtraco ao seu domnio totalitrio. Como explicar a qualquer Imprio, a qualquer Reich ou Repblica Popular em suma, a qualquer Cidade absoluta que cada homem pode aceder a um horizonte que a ultrapassa? Se no conhece outro fim que no o de constituir todo o sentido da existncia humana, como pode conceber relativizar-se sem se anular? Nenhum Pretor nem nenhum Mandarim tinha conhecimento das duas esferas irredutveis do Poder a que o cristianismo entretanto habituou o Ocidente. Por isso, no se podia dar uma pertena que no ameaasse a outra. Aqui radicava, com vimos, a incapacidade de compromisso, em matria ritual, entre a Cria em Roma e o Palcio Celeste, em Pequim. Nesse conflito de pertenas radica tambm o preo de sangue pago pelos cristos chineses pelo sculo XX adentro, quando o mesmo Imprio, arrombadas as portas pelas potncias ocidentais, colheu, precisamente numa ideologia dos invasores que tinha a particula-ridade de negar o Cu, uma slida maneira de conseguir continuar a ser ele mesmo o Cu dos seus sbditos. O conflito e o seu preo de violncia persistem alis, ainda hoje, para alm do declnio das ideologias, na irredutibilidade dos catlicos a essa tentativa neo-regalista e neo-galicana que a Igreja Patritica.

    Outra reflexo, posto que sem o apoio do texto, cabe-nos a ns faz-la, melhor, depreend-la, do contexto do mesmo relato.

    Partimos ainda da considerao inicial. Nesse milnio dito do meio, tanto o saber como o poder se exerciam no novo horizonte da vocao do homem eternidade. Nem a Razo nem o Estado eram por isso absolutos. Quer isso dizer, por um lado, que era possvel admitir a existncia de Verdade para alm da Razo. E nem por isso as verdades ltimas, inacessveis Razo, tinham de ficar de fora das contas do conheci-mento, para lhe no perturbarem a indagao das penltimas. Com efeito, a no haver restries de parte na considerao de todos os factos documentados, a Companhia de Jesus, vtima do seu estatuto paradigmtico na resistncia a ambas as absolutizaes, fornece uma prova viva de que, independentemente das suas preferncias filosficas aristotlicas, a hierarquizao do saber pelo metro da Revelao, de modo algum era incompatvel com o mtodo experimental nas cincias da natureza.16

    Perdoe-se-nos este breve excurso sobre a absolutizao da Razo essa nova deusa a quem a Rvolution reconsagrou grotescamente a Catedral de Paris! e vol-

    16 Veja-se abundante documentao em Jos Eduardo Franco, O Mito dos Jesutas; em Portugal, no Brasil e no Oriente, Lisboa, Gradiva, 2007, Vol. II, p. 377 e ss). Tambm no nosso priplo docu-mental, pese embora o pouqussimo tempo que lhes resta para permanecer em cena, se acha ainda um ou outro Jesuta integrado na Ordem. No processo de inquirio de idoneidade do espanhol Padre Francisco Lanez, apresentado por D. Pedro II para Bispo de Meliapor (Documento n. 1145), figura o depoimento de um fsico Jesuta em actividade no Colgio de St Anto. Trata-se do francs Louis Nel Bourzes, que, por uma sua Letter to Father Estienne Souciet, concerning the Luminous Appearance Observable in the Wake of Ships in the Indian Seas, &c. (Taken from the Ninth Volume of Letters of the Missionary Jesuits) hoje considerado pioneiro e precursor de Benjamin Franklin, na sua teoria sobre a fosforescncia martima (cfr. Newton Harvey, Benjamin Franklins views on the Phosphorence of the Sea, Princeton, Princeton University, 1939).

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    temos ao prometido ngulo prevalentemente poltico do nosso discurso. Era possvel admitir Verdade para alm da Razo, dizamos. Pois bem, tambm era possvel con-ceber a existncia de Poder para alm do Estado. No ocidente catlico, a tenso nunca se relaxou, nem na teoria nem na prtica, e, na afirmao das duas esferas do poder, nunca a teocracia medieval se absolutizou. Com a nova carga semntica da Religio, o sacerdcio pertencia ordem do eterno ou espiritual e no se podia confundir com o mbito de competncia especfico do secular ou temporal. Por outro lado, o poder poltico, precisamente por j no ser todo o poder ao perceber-se agora como mera-mente secular, carecia mais do que nunca da chancela divina a que estava natural-mente acostumado. A mestria da Cristandade medieval esteve em no negar, simples-mente, ao Poder, essa chancela to conatural sade dos povos (embora no lhe tenham faltado, como nas origens, radicalismos heterodoxos nesse sentido) mas sim em exigir-lhe que fosse buscar fora de si mesmo essa cauo de legitimidade. Com isso, cada esfera aceitou a irredutvel heterogeneidade da outra. Tal pacto no isento de riscos. Mas, em maior ou menor equilbrio, ante a pretenso eclesial de societas per-fecta, o Poder poltico teve de aprender, at modernidade, a ir buscar fora de si, acei-tando-lhe a heterogeneidade, a cauo da legitimidade divina.

    Nunca demais sublinhar que esta relao, que os modernos veriam em termos de aliana entre o trono e o altar, foi inaugurada na problemtica possibilidade de um Csar cristo e nem sempre se processou na harmonia das esferas. Nem foi pro-priamente escrupulosa a observao dos respectivos mbitos de competncia. Que o digam a questo das investiduras, as excomunhes e interditos dos monarcas, e todos os tipos de guelfos e gibelinos. Todavia, ao referir sbditos e soberanos a uma mesma cauo, transcendente, sim, mas com um especfico mbito de aco na Cidade (outra coisa no a jurisdio espiritual), fundou realmente uma via crist para a legitimao sacral do poder. E em todo o caso, que nenhum dos dois, trono ou altar, tenha logrado reduzir o outro unidade17 prova precisamente que nunca se dissolveu essa tenso entre as duas esferas, vital para limitar o poder da Cidade e preservar o verdadeiro alcance da liberdade humana. Diminudo ou perdido de vista o seu horizonte eterno, pelo contrrio, essa liberdade hipoteca-se ao Poder e a Cidade absolutiza-se. Secularizao e Absolutizao caminharam juntas, porque a primeira, sob a aparncia do relativismo metafsico (e hoje tico), consiste na realidade em trazer o absoluto para dentro do mundo.

    Claro, estamos a falar de uma especificidade do Sul catlico, viabilizada decerto pelas circunstncias que deram azo ao fenmeno do papado. Num primeiro

    17 Entre outras bvias circunstncias favorveis a esta irredutibilidade (que vm a convergir na emergncia do Papado) tenha-se ainda em conta que, no mundo latino, o Altar aparece refor-adamente como algo no pertencente ao Sculo, dada a antiqussima extenso ao clero, san-cionada depois pela lei positiva do celibato, de uma conotao, de si, monstica. Tal conotao funciona como segunda barreira secularizao do clero, por mais secular que, tecnicamente, possa chamar-se, para se distinguir do religioso. A heterogeneidade do Trono, por sua vez, no poderia achar-se mais garantida, num contexto geral de transmisso dinstica do poder, essencialmente vinculada, pois, ao matrimnio.

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    momento da modernidade, a Norte, a carta de Lutero aos prncipes alemes e a experincia anglicana abriram caminho a um cristianismo de Estado sem voz alternativa real, restrito, ao modo do cesaropapismo oriental, ao horizonte nacional. Deste modo, a marcha da absolutizao podia encobrir a sua correlao necessria com a da secularizao. Tambm num segundo momento, a Sul, exigindo-lhe paula-tinamente cedncias de tipo regalista e galicano e impondo-lhe o pesado tributo de pactuar com o anticongreganismo larvar, na supresso dos Jesutas,18 os dspotas iluminados (na realidade, os seus ministros) tentaram a reabsolutizao sem secu-larizao, isto , com a Religio disponvel, a das massas. Mas no Sul essa Religio permanecera catlica. Se foi no Sul que se desencadeou e continua activo o Laicismo de Estrita Observncia, foi porque a reabsolutizao do Estado enfrentava, na verso catlica, o escolho dessa dimenso originria do cristianismo, praticamente neutrali-zada a norte, com a Reforma, como, havia muito, a oriente, com o cesaropapismo. A reabsolutizao moderna do poder esse processo que parecia culminar no tene-broso preo de sangue do martirolgio do sculo XX 19 mas continua hoje a buscar nas experincias da legiferao juspositivista a bandeira da liberdade absoluta teve assim, no Sul, de se fazer contra a Religio.

    Ora, este foi o clima poltico em que se formaram os protagonistas do nosso acervo documental, os missionrios. Foi no virar de sete para oitocentos que se desencadeou nas elites dirigentes a iluso da Liberdade atravs da submisso ao Estado absoluto, autor e no devedor da sua prpria legitimidade. Da e no pro-priamente da interseco cronolgica a afinidade espontaneamente intuda, na referida recolha de Leclercq,20 entre a Frana da Revoluo e o Extremo Oriente. Em

    18 Bem documentados se acham os ltimos Jesutas vagantes que, na China, juntamente com os da Rssia, quase logravam constituir uma ponte sobre o vazio, at restaurao da Ordem. Apare-cem, entre outros, o Padre Jos de Espinha SJ (1722-1778), que foi Presidente do Tribunal Impe-rial de Astronomia, o botnico Padre Joo Loureiro SJ (1717-1791), autor da Flora Cochinchinen-sis (Lisboa, 1790) e o Padre Jos Bernardo de Almeida SJ (1708-1805). So os ltimos Jesutas Portugueses Astrnomos na China (1583-1805), conforme o j clssico ttulo do Padre Francisco Rodrigues SJ (Apostolado da Imprensa, Porto, 1925). No pano de fundo das tentativas restaura-cionistas da Companhia, avulta tambm na presente inventariao a figura de Franois-Marie Halnat (1760-1808) que esteve entre os primeiros companheiros do Padre Nicola Paccanari, um soldado de profisso que, pelo fim de setecentos, sonhou, no Oratrio romano del Caravita (contguo Igreja de S. Incio), restaurar a sua Ordem. Depois de baldadas tentativas, a partir da Inglaterra, de se unir residual Companhia de Jesus na Rssia Branca, acabou por realizar a sua vocao apostlica nas Misses Estrangeiras de Paris. Falecido o fundador em circunstncias obscuras, os padres paccanaristas viriam quase todos a pedir admisso Companhia restaurada, em 1814. Sobre as personagens e vicissitudes da restaurao, frequentemente aludidas no presente acervo, pode ver-se INGLOT, Marek, La Compagnia di Ges nellImpero Russo (1772-1820) e la sua Parte nella Restaurazione Generale della Compagnia, Ed. PUG, Roma, 1997.19 Em RICCARDI, Andrea, Il secolo del Martirio; i cristiani nel novecento, Mondadori, Roma, 2000, pode respigar-se uma parte da imponente recolha dos mais de doze mil relatos autnticos chegados a Roma e catalogados pela Comisso Pontifcia Novos Mrtires, em resposta ao apelo de Joo Paulo II na Tertio Millennio Adveniente.20 Cfr. supra, nota 14.

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    ambos os quadrantes, o cristianismo revive as origens, e uma multido de mrtires atesta, aqum e alm-mar, o mesmo conflito entre o horizonte eterno da Pessoa e a divindade imanente da Cidade. Acresce que, na Frana, de onde procediam tantos missionrios,21 faltava j, lealdade cvica, a mediao positiva do Rei, entretanto substituda por um objecto directo e natural, a Nao. On disait vive le Roi, on dira vive la Nation, tero proclamado na decapitao do Rei. De sorte que, junto da Revoluo, a Nao, tornada nico fundamento da legitimidade do Estado e ini-miga, doravante, de todo o Estado no-nacional, contraiu o vcio da hematofagia, to tpico de todos os dolos, sem excepo para os modernos.

    Para os missionrios, h em tudo isto uma consequncia ambivalente. Pese embora o estatuto de potenciais inimigos pblicos (dizia-se ultramontanos) com que a Ptria os perseguia, os Religiosos levavam consigo, tambm eles, o esprito do tempo. A pertena nacional significava pois, para estes missionrios de oitocentos, (como a fortiori para as autoridades portuguesas) muito mais do que teria signifi-cado para Xavier, Ricci, Nobili, Anchieta, todos eles estrangeiros e todos eles actuantes no Padroado, no tempo e no contexto em que essa ideia de Padroado ainda fora possvel.

    Daqui procedem duas consideraes muito pertinentes ao nosso propsito, uma sobre o profundo significado, s aparentemente contraditrio (e embora no isento de custos) da ideia de Real Padroado; outra, sobre as novas estruturas de plausibilidade do mundo social e da sua cpula religiosa,22 partilhadas quer pelas pessoas concretas dos missionrios europeus, quer pelas cristandades indgenas e mestias. Ambas acham frtil terreno de anlise neste II Tomo, sobretudo no 2 Volume.

    A primeira, sobre o real alcance da ideia de Padroado, aparenta algum atrito com o que ficou acima dito sobre o processo de reabsolutizao do poder no Sul catlico. Trata-se com efeito de uma jurisdio espiritual nas mesmas mos que detm o poder temporal.23 Todavia, h que ter em conta que essa jurisdio , a um

    21 No podemos deixar de assinalar quanto o nosso acervo atesta a vitalidade das Misses Estran-geiras de Paris. Passa diante de ns, s no I volume, uma vintena de figuras ilustres, todas facil-mente documentveis nos seus Arquivos em rede. Nomes como os dos Bispos Labartette, dAdran, Champenois, dos Mestres DAlary e Bilhre, e a assdua correspondncia do Padre Letondal com o Nncio bastariam a comprov-la. Sobre Nicolau Champenois (1734-1811), das Misses Estran-geiras de Paris, missionrio no Malabar (cfr. Documento n. 829); pode ler-se Anne Claire Pes-neaud, Mgr. Champenois, vque de Dolicha (1734-1810), Missionnaire dans la Mission malabare des Indes, Paris, MEP, 2000). Sobre o Padre Bilhre, Michel Dupouy, Thomas Bilhre (1723-1809), hros des Missions Etrangres pendant la Rvolution Franaise, Paris, MEP, 2002.22 Recorremos a consagradas categorias sociolgicas de Peter Berger, The Sacred Canopy, AnchorBooks Ed., Nova Yorque, 1969.23 O conbio, espontneo e pouco categorizado para os cristos portugueses, escandalizava, pelocontrrio os missionrios apostlicos: Finch vi saranno i Padri Francescani Portoghesi disubi-dienti, vi sar sempre molto a soffrire Non hanno in bocca che il padronato del loro Re, come se egli fosse Papa in queste terre, lamenta o Barnabita Paolo Nerini, em relatrio Propaganda Fide, sobre a sua misso no Pegu. O facto que, at certo ponto, era-o mesmo (Sobre esta misso barnabita e a Igreja na Birmnia, muito representativa do confronto entre o Padroado e

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    tempo, extraordinria e revogvel. Originariamente motivada pela sua funcionali-dade na proviso de ofcios eclesisticos em contexto feudal, foi o fruto histrico, geralmente incuo, de uma dada harmonia das esferas. S a urgncia de uma infra--estrutura para a evangelizao, no momento da expanso global das potncias hispanas (destacadas, para mais, como novo epicentro catlico no pano de fundo da redefinio religiosa da Europa), lhe viria a conferir o alcance, de si acidental, que lhe conhecemos. O compromisso fora concebvel no quadro ideal da Europa dos prnci-pes cristos timentes Deum e na suposio da responsabilizao pessoal pelo exerc-cio do poder. Ora estas condies encetaram de facto o seu processo de eliso nos prncipes da Renascena e j pouco resta delas no despotismo iluminado. Mas a defesa cannica da sua manuteno formal para alm do ancien rgime pde man-ter-se graas a uma especificidade que, por si s, bastaria a depur-la do seu tom teolgico inevitavelmente lusitano, a saber, o facto de se tratar sempre de uma delegao de faculdades no prprias. E na verdade, a natureza delegada da jurisdi-o espiritual do Rei temporal (com o preo tangvel da confirmao pontifcia de cada apresentado) basta para fazer a abissal diferena. Pensemos como seria ocioso o prprio nome de um Real Padroado Britnico. Quando unus sufficit non oportet duos convenire Pelo que, a um olhar minimamente perspicaz, mais do que um (efectivo) relaxar da tenso entre as duas esferas do poder, o instituto do Padroado sobretudo a sua manuteno para alm das condies harmnicas que o geraram funcionou na Cristandade hispana como sintoma da irredutvel dualidade dessas esferas e factor agudizante da permanente tenso em que se relacionam.

    A segunda considerao versa sobre as novas coordenadas que pautam o mundo social e a identidade colectiva, para j, do que hoje diramos os recursos humanos do Padroado, os missionrios europeus. E que esse tempo e esse con-texto dizamos h pouco em que a ideia de Padroado ainda fora possvel vem a ser tambm, pese embora o rasgo da Reforma e o esboar das afirmaes nacionais, o ltimo tempo em que no seria necessrio escrever unio europeia com mais-cula. certo que, no pico da perseguio entre portugueses, espanhis, franceses, italianos, irlandeses, alemes, holandeses, croatas, austracos, hngaros , os relatos testemunham uma unidade que s podia radicar na prioridade da filiao eclesial. Mas, no pequeno quotidiano, tal no impedia o lealismo nacional de seguir o seu curso e de forjar o dilema moderno entre a Ptria e a Igreja. Concomitantemente, no ser de excluir, tambm, neste mbito, que fiis de vrias geraes fossem na prtica sensveis ao tom lusitano, (no sentido da rima de significado com angli-cano, galicano, etc.), com que o Regalismo procurou domesticar o catolicismo. que, no sc. XVIII, ainda fora possvel ser-se portugus sem naturalidade portu-guesa, sem nenhuma raa particular, nem sequer nenhuma lngua particular, mas

    a nova jurisdio ordinria, seguimos, usufruindo de abundante documentao indita da casa--me de S. Carlo ai Catinari, Filippo Lovison, La Missione dei Chierici Regolari di S. Paolo (Bar-nabiti) nei Regni di Ava e Pegu (1722-1832), Archivio Storico dei Barnabiti di Roma, 2005. Para este excerto, cfr. p. 132).

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    to-somente por se ser cristo do Padroado. auto-percepo destes cristos (quando muito luso-descendentes) como portugueses, correspondia uma equili-brada hetero-percepo como tal, por parte dos missionrios estrangeiros. Mission-rio Apostlico na Birmnia (sob jurisdio de S. Tom de Meliapor), o Padre Sigis-mondo Calchi, Barnabita, comunica aos superiores, em 1722, as amarguras que lhe advieram de uma ordem do franciscano Frei Antnio das Chagas, a ttulo de Gover-nador do Bispado (embora no reconhecido pela Propaganda Fide): Era doravante proibido conta ele a todos os poucos cristos portugueses, sob pena de excomu-nho, falar-lhe, aproximar-se dele, aconselh-lo, ou arranjar-lhe o que quer que fosse nem que se tratasse de algo necessrio prpria vida.24 Mais para o fim do sculo, um certo cristo, de nome Gianci (grafia italiana para Janchi), comandante dos guarda-costas do Rei do Pegu, dado pelo Padre Cortenovis como portugus, tal como todos os seus colegas de corpo. A sua portugalidade teria muito pouco a ver com a geografia e com a cultura, se verdade que se mostrou to interessado na cultura europeia que foi pedir ao Padre Gerardo Cortenovis (missionrio advers-rio!), quando ele passou por Ava, que lhe fizesse um retrato de histria, poltica e religio dos estados europeus para o apresentar ao Rei!25 Procedem desta mesma comunidade, sempre dita portuguesa, dois dos trs primeiros padres indgenas da Igreja Birmanesa, ordenados em 1793, ao servio de Monsenhor Cortenovis: o Padre Jos Maungui Rodrigues, de Quiansaroa e o Padre Incio de Brito, de Ran-gum.26 Um atentado, de que escapou o Padre Melchior Carpani por manifesta falta

    24 sotto pena di scommunica, a tutti li puochi cristiani Portoghesi, di non parlarmi, agiustarmi, consiliarmi, o somministrarmi cosa bench necessaria alla vita humana (cfr. Lovison, op. cit. p. 59).25 il portoghese Gianci, che si era mostrato tanto interessato alla cultura europea da pregare Gherardo Cortenovis, che si trovava in Ava, di farli un ritratto distoria, politica, e di religione degli stati di Europa per presentarlo al Re (Ibidem, p. 302).26 Ibidem, p. 356. Este ltimo, poliglota e polgrafo, espelha nos seus ttulos o carcter italiani-zante do novo contexto cristo: Uma Grammatica Barmana per gli italiani; Um Dizionario ita-lianobarmano- pali, Um volume de Sermes em lngua barmana; 4) Farmacologia barmana com nomenclatura italiana e latina, e uma Recolha de Hinos e Cnticos religiosos em portugus e em latim. O portugus andava j a confinar-se ao papel de lngua-de-culto. Uns anos antes (1752), o relatrio do Padre Paolo Nerini d azo a uma imagem muito plausvel desta comunidade. Marc-la-iam peculiaridades litrgicas e cannicas legitimadas por privilgios do padroado (provavelmente seria mais o isolamento a determin-las), como trinar em dia de fiis defuntos, (come nel Santissimo Natale, observa escandalizado o italiano), suprimir a Anunciao coinci-dente com IV Feira Santa e prescindir de dispensa em impedimento matrimonial de afinidade de I grau. Mas o que mais escandaliza o estrangeiro so efeitos da longa radicao local, como o auto--sustentamento das misses pelo comrcio (em cujas rotas elas haviam tido origem, no esquea-mos) e, com sumo escndalo, o aroma sincretista que o missionrio imputa influncia jesutica: fanno commercio, quantunque siano Francescani, scusandosi con dire che pel mantenimento della Missione; e nella notte di Natale ammettono su la piazza della loro chiesa concerto di strumenti, che servono ogni giorno a far sinfonia per il Demonio (leia-se, usados no culto dos dolos), ed una balle-rina del paese per trattenere allegramente il popolo cristiano e gentile che concorre alla Festa (ibi-dem, p. 137). Para avaliarmos a iseno do parecer, tenhamos presente que o mesmo missionrio se insurgia pouco antes (ibidem, p. 136) contra as oraes em portugus impostas aos nefitos. Ainda hoje a historiografia eclesistica sobre o Padroado usa pintar a Santa Inculturao, toda do lado da Propaganda Fide. Mas no depender a inculturao mais autntica aquela que resulta

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    de jeito do facnora (prendera-se-lhe a lmina s pregas do hbito!), foi perpetrado em 1773 por uno dei padri portoghesi, di nome Fra Gaetano Maria Canarino, (o qual, a julgar pelo apodo, seria indiano)27. Curiosamente, no mesmo relatrio enviado ao Padre Angelo Cortenovis, Carpani, pouco depois de referir a trgica morte do seu janzaro, fra Gaetano Maria Canarino, portoghese, acrescenta que o golfo de Bengala, se achava inteiramente abandonado pelas naus portuguesas e tanto assim era que nenhum portugus morava ento no Reino de Pegu.28 Como se pode ver, na pena de um estrangeiro (talvez no na boca dos indgenas) j coexistem duas acepes da designao de portugus, a moderna, no sentido de poltica e etnicamente portugus e a antiga, equivalente a cristo do Padroado, eclesiasti-camente portugus.

    Cem anos depois, cristos como os dezasseis procos da Igreja Uniata Siro--Malabar, sbditos de Sua Majestade Britnica que, em 1887, pedem, em latim, um bispo siro nomeado pela Santa S ainda podem encarnar essa pertena a Portugal na identificao com um Rei, a quem chamam seu;29 mas at esse lhes ser tirado. Este tipo de populao, normalmente sobrevoado na historiografia eclesistica,30

    do encontro entre dois sujeitos culturais realmente distintos de um preo mnimo pago em sincretismo? E como pode haver missionrios sem encontro entre duas culturas? A menos queexistisse um Cristianismo sem cultura27 Ibidem, p. 263.28 il golfo del Bengala, ora interamente abbandonato dalle navi portoghesi, tanto che nessun portoghese dimorava nel Regno del Peg (cfr. Ibidem, p. 269).29 Cfr. Documento n. 2883.30 Infelizmente no s este o aspecto ignorado na dita historiografia. A qual, estruturada sempre sobre a instituio da Propaganda Fide como reconduo da actividade missionria a um mbito estritamente espiritual, usa reduzi-la, na anterior sujeio aos Padroados, dimenso temporalda colonizao. De onde decorreria, por exemplo, por interesses coloniais e preconceitos rcicos, a excluso de clero indgena, preocupao to central no novo Dicastrio (assim um texto respei-tabilssimo como a Histria da Igreja conhecida por Fliche/Martin, seus iniciadores. Veja-se, na edio italiana Ed. San Paolo, Roma, 1995 no Tomo XVII/2, Massimo Marocchi, La Congrega-zione de Propaganda Fide, pp. 363-378). Nisto se confunde o Padroado com a sua lenta degene-rescncia, por um lado, e, por outro, teorias e factos. Anterior ao conceito de colonizao, a mis-sionao portuguesa comeou por funcionar com base numa analogia entre pares, na relao diplomtica com o Manicongo (veja-se Joo Francisco Marques, A Religio na Expanso Portu-guesa - Vectores e Itinerrios da Evangelizao Ultramarina: O Paradigma do Congo, in Revista de Histria das Ideias, Coimbra, vol. 14 (1992), pp. 117-141). Precede em muitos anos a Congre-gao (1514), a primeira ordenao episcopal de nefito indgena (D. Henrique do Congo, inte-grado na embaixada D. Tristo da Cunha, com algum escndalo sim, mas dos romanos cardeais, decerto mais modernos que os ainda um tanto medievos portugueses). Tambm do Padroado, e muito anterior Congregao foi o primeiro seminrio europeu para a formao de um clero indgena, o Colgio de St Eli, fundado por D. Manuel para os jovens fidalgos congoleses, para no falarmos, no significado, independente do sucesso, da primeira tentativa em frica, no Con-vento de S. Vicente do Cabo, actualmente em territrio senegals (veja-se, sobre este particular, Julieta Arajo & Jos Ernesto Oliveira dos Santos, Os Portugueses e o Reino do Congo. Primeiros Contactos, In AA.VV., Missionao Portuguesa e Encontro de Culturas, Braga, UCP e Comisso Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, 1993, pp. 637-660). Mesmo nos scs. XVII e XVIII, a fortiori para o XIX, o suposto exclui fenmenos muito amplos e factos de grande valor simblico. Por ironia da Histria, por exemplo, teve de ser um indiano e clrigo do

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    representava no fundo uma persistncia da Cristandade, j que fora gerado na sua caracterstica relao de harmonia entre as duas esferas de poder.31 Tambm sobre ela se abate agora o dilema moderno entre as duas pertenas. Para muitos destes cristos que, nas suas lnguas indgenas e em latim,32 pediam a integrao no Padroado, a jurisdio formalmente romana do Vicariato implicava renunciar ao nico vnculo jurdico que dava corpo ao seu sentimento de portugueses. Que um poder emprestasse a sua infra-estrutura jurdica e institucional para dar corpo ao outro, era agora praxe residual, a extinguir a breve trecho. Na instituio, em 1622, da Sagrada Congregao de Propaganda Fide, com que Roma deliberara tomar conta do que era seu, j estava implicada, cabea, a redefinio jurisdicional das Igrejas filiadas na Metrpole goesa. Mas se essa redefinio se viu obrigada a trs sculos de marcha lenta e tortuosa,33 no foi somente decerto devido a uma oposio pouco mais que formal de um Padroeiro que, para mais, se andava comportando como concessio-nrio mau-pagador. A impresso que fica ao leitor da documentao latina da Nuncia-tura abona em favor do grande papel que, nessa obstruo, ter tambm tido o real sentimento de pertena a Portugal partilhado por muitos fiis que, nas circunstncias concretas, no dispunham de outro meio jurdico para o encarnar, que no o da Igreja.

    Padroado, posto que no benquisto, o primeiro Vigrio Apostlico nomeado pela nova Congrega-o, em 1638 (Veja-se Franois Combaluzier, Mathieu de Castro, Vicaire Apostolique de lIdalcan, Pegu et Golconde, in Rvue dHistoire cclesiastique, Lovaina, 38 (1943), pp. 131-151. Hoje pese embora a remoo do facto por serdios pruridos anticoloniais ainda no que resta do tecido social do Padroado que continuam muitas Igrejas da ndia a assentar e a perpetuar-se pelo clero e pela sucesso apostlica. Anualmente, nas listas episcopais constantes da liturgia papal da Epifania para a imposio dos plios, pode verificar-se sistematicamente que o maior fornecedor de nomes portugueses no o Brasil (onde todos falam portugus), mas sim a ndia (onde nin-gum o fala). 31 Nisto acerta plenamente o clich historiogrfico. A magna carta do missionrio moderno (uma instruo aos Vigrios Pallu e La Motte) apresenta o novo missionrio como qualcuno che tutto giudica sub specie aeternitatis (cfr. Marocchi, ibidem, p. 373). Depois, cotejando esse texto fundador, o autor continua: La preocupazione di spezzare ogni collusione com le autorit politiche ispira anche gli avvertimenti che riguardano il viaggio per le Indie. Essi infatti dovevano evitarei i territori occupati dal Portogallo o che dipendevano in qualche modo dal Portogallo e per-correre invece la via di terra attraverso la Siria, la Mesopotamia, la Persia e lIndia! O ponto de exclamao, nosso evidentemente, quer bradar modestamente aos cus, por to flagrante e reiterado incumprimento da magna carta da missionao moderna. Tal como a antiga, que se misturou com as rotas comerciais do Mediterrneo, a moderna missionao no podia passar sem anloga infra-estrutura no Atlntico e no Pacfico; a qual, a Sagrada Congregao, esbati-dos os primeiros mpetos reformistas, colheu sem escrpulo onde a havia, a comear pelo Padroado, fornecendo-lhe, mediante umas satisfaes formais de parte a parte, os recursos humanos que neste escasseavam. As ideias correntes sobre a instituio, assumidas num texto desta responsabilidade, continuam a brotar de um esprito programtico inicial que ficou radi-calmente incumprido e no resistiria ao simples folhear destes nossos volumes de documentos.32 Cfr. Documentos nn. 2877 e 2878.33 Em 1916, o Arcebispo de Goa, em carta dirigida ao Nncio (cfr. Documento n. 4747), ainda refere que as despesas referentes ao territrio ingls (parte da arquidiocese de Goa, a maior parte da diocese de Damo e as dioceses de Cochim e Meliapor passaram a ser pagas pelo Ministrio das Colnias, a ttulo de despesas de soberania. E acrescenta, com amarga mordaci-dade: a isto que agora chamam Padroado.

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    Isso explicaria porque, forados pelo novo curso das coisas a separar as duas pertenas, cristos de longa data, embora, se sentiriam prioritariamente portugueses, a ponto de sustentarem os numerosos cismas documentados nestes volumes e de ameaarem denunciar a prpria Concordata de 1886. Praticamente todo o III volume (Documentos n 3095 a 3853) reflecte a atribulada aplicao das concordatas ante a contestao de fiis no decerto etnicamente nem linguisticamente portugueses, sobretudo os de Ceilo (como tampouco o seriam os omnipresentes cismticos tonquinenses). No mesmo contexto, para vencer gradualmente a resistncia, se pode tambm com-preender a pacincia cannica com que se foi estipulando uma casustica de isenes da jurisdio ordinria, de modo a oferecer uma vlvula de escape s famlias mais irredutveis. esse o objecto de um decreto da Propaganda Fide, de 1877,34 que acaba por recomendar aos Ordinrios de Damo e Bombaim a elaborao de um catlogo de isentos devidamente actualizado, reconhecendo implicitamente a presso dos candidatos e o abuso do estatuto. Os tempos longos da Santa S e a prpria dis-tncia geogrfica tero ajudado pacincia necessria para a estratgia da cedncia calculada, to bem conhecida do pescador linha, quando reconhece a vitalidade da presa: Os do Padroado no obedecem queixa-se o Vigrio Geral de Puna de sorte que quase todos os goeses recebem de cara descoberta aquela condenao [do jornal O Anglo-Lusitano, por incitao ao cisma] e prosseguem com novas e inaudi-tas injrias contra o Delegado Apostlico, contra o Cardeal Rampolla e a Propa-ganda Fide (...) Esto eles acostumados a desprezar todas as decises da Santa S que lhes no agradam e, ao mnimo pretexto, a reivindicar clamorosamente novos favores e privilgios () E aos bispos deles, com seus clamores impertinentes, honra--os a Santa S com novos privilgios enquanto, a contra-gosto, os bispos da Propa-ganda Fide vo contando as concesses.35 Faamos excepo aos bispos, de que tambm constam cordatas tentativas de mediao e composio dos seus rebanhos. O desabafo do Vigrio de Puna tem de ser forosamente parcial nesta extenso geral de m vontade ao episcopado do Padroado, se certo que, no mesmssimo ano, o Arcebispo-Primaz informa o Nncio de que visitou as misses do Sul, chegando at Ceilo, e participou numa reunio com os Vigrios Apostlicos do Madur, Jaffra, Pondichery e Bombaim e com Monsenhor Persico, enviado da Santa S, com o fito de estabelecerem um modus vivendi entre as duas jurisdies.36 Alis, por esta altura, era j bem mais perceptvel uma bvia solidariedade de fundo da Hierarquia ecle-sistica, nacionalmente compsita, em detrimento de uma solidariedade nacional todos os dias posta em causa pela hostilidade do aparelho poltico. Em 1883, o Nn-cio agradece ao Arcebispo Primaz, D. Antnio Sebastio Valente, a eficaz defesa que

    34 Cfr. Documento n3024.35 Quisramos, como prprio, citar o original. A cpia da carta, num latim que recordamos fludo e elegante, consta do Documento n 3598. Infelizmente, com grande decepo presente, s dispomos do resumo com as citaes na nossa verso verncula. O tempo de Arquivo urgia e voava, recomendado mais sntese do que anlise.36 Cfr. Documento n 2695.

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    de si tomara face a uma campanha difamatria por parte dos jornais e do governo. A carta em latim mas releva do mbito puramente pessoal. Confortado embora pela solidariedade eclesistica que lhe garantira o Arcebispo, ele teme que a proverbial distncia e contemporizao de Roma jogue em seu desfavor: se por um lado de inimigos da Igreja, nada mais ele poderia esperar, por outro, via-se ento a braos com os seus superiores que, decerto pela distncia, no entendiam bem a questo.37

    Mas o que vem mais ao nosso caso o fito com que fecha a carta: Roga o Nncio ao Arcebispo que escreva ao Papa expondo o seu ponto de vista sobre a lastimvel situa-o das dioceses portuguesas e testemunhando a intransigncia e escassa fiabilidade do governo; ou seja, acossado pelas autoridades civis (outrora ditas temporais) do Padroado, ele espera a sua apologia junto de Roma, nada mais, nada menos, que das autoridades religiosas (outrora ditas espirituais) do mesmssimo Padroado. Estava quebrada e mais que quebrada a harmonia das esferas que tornara possvel tal institui-o. E na nova interaco dos sentimentos de pertena, a Hierarquia, pelo menos, a que estava no topo, via mais longe. Como sempre, porm, havia que contar com a dife-rente marcha das solidariedades de base social mais extensa, a que os jornais e o governo emprestariam habilmente foros jurdicos e eco diplomtico. Tendo a Santa S que manter o interlocutor poltico, o Nncio temeria justamente que a sua prpria queda fosse oferecida na bandeja diplomtica das cedncias.

    O certo que, como se v, a diatribe do Vigrio Geral de Puna que acaba por exprimir o seu ardente desejo de pr remdio a to grandes males pela abolio da perniciosa instituio do Padroado imediatamente motivada pelas delongas da Santa S na resoluo de uma contenda, a saber, a disputa da capela de SantAna, ocupada abusivamente pelos goeses, a quem seria intil (naturalmente, como estrato originrio da cristandade, detinham todo o patrimnio eclesistico hist-rico) depois de ter sido atribuda aos fiis da jurisdio ordinria, a quem seria imprescindvel. natural que a relao entre cristos das duas jurisdies degene-rasse por vezes em confronto aberto. Tal no admira; pois, at entre os missionrios, as animosidades nacionais haviam chegado, j desde o sculo anterior, a traduzir-se em episdios de desesperada violncia. O conflito aludido no Documento n 985, uma carta de um dos irmos Cortenovis, Barnabitas, figuras tutelares da Igreja bir-manesa, tivera foros de atentado mo armada da parte de um dos franciscanos portugueses (o qual, para desprimor da sua causa junto das mentes nativas, acabaria comido por um crocodilo).38 Note-se que em todos estes casos Ceilo, Tonquim, Birmnia se trata de Igrejas geograficamente afastadas do diminuendo raio de presena poltica e comercial de Portugal.39

    37 Cfr. Documento n 2857.38 Cfr. supra, Lovison, op. cit., p. 269.39 Outra Igreja que, em circunstncias semelhantes porfiava em ser portuguesa, a de Singa-pura. Aquele que tido por seu primeiro padre, vindo da vizinha Malaca, foi Joaquim Freire Brumber, destinatrio de uma carta aludida no Documento n. 1194. A se dirigiu logo nos primeiros dois ou trs anos aps a fundao da nova cidade, em 1822, para construir a sua

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    Ao mesmo tempo, porm, quer pelo princpio da realidade dos destinatrios, quer pela lngua eminentemente no-nacional que a todos unia, o primeiro dicionrio da lngua birmana, da autoria do tambm Barnabita Monsenhor Giovanni Percoto, no dispensa a mediao do portugus (latim-portugus-birmano).40 H pois nestes homens a persistncia de uma unio europeia sem maiscula, anterior restriosecular-nacional, quer pela prioridade de fundo da pertena religiosa sobre a secular, quer pela capacidade efectiva de exprimir essa pertena numa lngua no nacional.41

    Como temos vindo casualmente a sugerir, era em latim que se fazia a ponte de umas para outras naes evangelizadoras e destas para as naes a evangelizar. Em latim foi redigido em Macau o manual j referido para formar os catequistas e os seminaristas chineses e vietnamitas nas lides com as supersties chinesas.42 Num tempo em que urgia obviar proibio, na China imperial, de ensinar chins a

    primeira capela, na origem da actual Igreja de S. Jos (vide AA.VV., Glimpses and Memories of St Joseph's Church and the Portuguese Mission in Singapore 1825-1999, Church of St. Joseph, Sin-gapura, 1999, pp.7-9).40 A comunidade ainda poderia dizer-se linguisticamente portuguesa (em 1788, o Padre Alessan-dro Azimonti, chegado a Mergui, cidade Siamesa agora em mos birmanesas, dizia a um colega que os seus cristos falavam todos o portugus e que ele mesmo o entendia e falava satisfato-riamente, servindo-se dele para a catequese e para as confisses (Li miei cristiani parlano tutti il portoghese, io intendo e parlo quella lingua bastantemente, e della medesima mi servo per far loro il catechismo, e confessarli) e acrescenta, sublinhando o contraste com os portugueses de Rangum que estes tinham para com ele uma especial ateno e no lhe deixavam faltar nada! (Eglino poi hanno unattenzione particolare per me e non mi lasciano mancare nulla. Qui ho trovato casa e chiesa molto buona). Mas, tornando questo que aqui nos interessa, a da lngua, h que considerar que, j uns 50 anos antes, Monsenhor Gallizia mandara uns missionrios dedicar-se allo studio della lingua portoghese dellIndia, che era molto diversa dal portoghese dEuropa (cfr. Lovison, op. cit., p. 117).41 tambm aos quadros desta europeia catolicidade que as novas exigncias filolgicas das Luzes tm de ir buscar figuras-ponte para a raiz semtica do Ocidente. Quase ao mesmo tempo, em Coimbra e em Madrid, pontificavam nas ctedras de lnguas orientais, merc da erudita poliglossia do Colgio Urbaniano que os formara, dois missionrios cristos maronitas, Padres Paulo Hodar e Elias Scidiac (cfr. Documentos n 907 e 928). Hodar, celebrado ainda hoje pelos crculos arabistas portugueses, foi professor de Hebraico no Convento de Jesus e depois cha-mado iluminada Universidade pombalina. Com ele aprendeu rabe Frei Antnio do Rosrio Baptista, confessor de D. Carlota Joaquina e autor das Instituies da lingua arabiga para uso das escholas da Congregao da Terceira Ordem (Lisboa, 1774). Sidiac, segundo a descrio do Docu-mento que lhe alude, achar-se-ia em Roma em 1778, a pedir ajuda para a Igreja Siro-Malabar.Todavia, deve notar-se que, no obstante, por solidariedade natural, o Padre Elias Scidiac se dispusesse a procurar assuntos siro-malabares, a sua presena em Roma era-lhes substancialmentealheia. Cristo maronita natural de Alepo, foi desde a juventude aluno do Colgio Urbaniano e, data em causa, aguardava de Pio VI a resposta a uma splica de dispensa do juramento mis-sionrio para aceder a um honroso convite da corte da Madrid, onde viria a percorrer brilhante carreira, primeiro como intrprete de lnguas orientais (como aluno do Urbaniano, dominava tambm o italiano e o latim) e depois como Bibliotecrio. Como Hodar em Coimbra, alcando-rou-se pela sua obra a figura tutelar do arabismo hispnico. Veja-se Manuel A. Rodrigues, D. PauloHodar, Presbtero Maronita Professor de Lnguas Orientais na Universidade de Coimbra (1773--1780), in Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra 7 (1985) 1-66. 42 Vide supra, nota 8.

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    estrangeiros, o perito Padre Joaquim Gonalves Afonso, CM, (autor de uma interes-sante carta constante do Documento n 347), ao elaborar o seu dicionrio Chins para uso de estrangeiros escolhe espontaneamente a mesma lngua no nacional. Podemos surpreend-la tambm nas aventuras do j referido Padre Jos Bernardo de Almeida SJ, de cuja participao fnebre nos d conta, entre outras notcias da intermitente hostilidade imperial, o Documento n 795. Falecido a poucos anos da restaurao da sua Ordem, distinguiu-se na corte como cirurgio e amigo do valido do Imperador Quianlong (a quem D. Jos mandara obsequiosa embaixada),43 tendo sido nomeado para dirigir o grupo de missionrios estrangeiros que o serviram como intrpretes na desastrada embaixada britnica do General McCartney. So muito fundadas e expressas, alis, numa advertncia de um missionrio francs contem-porneo hostil aos portugueses as suspeitas de que a traduo, aliada vantagem de uma familiaridade de quase 30 anos quer com a mente chinesa, quer com a corte imperial, tenha sido utilizada cum grano salis para precipitar o fracasso da embai-xada. que a parte inglesa, sujeita aos intrpretes estipulados pelo Imperador, teve de se entender com estes na lngua da unio europeia sem maiscula, que era tam-bm a lngua da Religio da Europa44, o latim. Na resposta olmpica do Imperador, a empfia britnica ter sofrido talvez mais do que, de si, estava a pedir45 Mais surpreendente a quem olha os factos dois sculos volvidos, mas plenamente coerente com aquela funo, a utilizao do latim para facilitar a comunicao no s entre os missionrios europeus de vria nacionalidade mas, sobretudo, entre este e o clero nativo, da China e da Indochina. S. Francisco Rgis-Clet, cujo decreto de nomeao consta do nosso Documento n 866, apercebendo-se de que tinha sido mal entendido numa carta ao seu confrade vicentino Paulo Song (que nela vira uma acusao de preguia), apressa-se a esclarec-lo, por via das dvidas em latim.46

    Dois sculos apenas so tambm volvidos sobre outro facto extraordinrio vivamente documentado no nosso acervo e no decerto alheio a esta estranha unio

    43 A este propsito veja-se descrio e enriquecedora perspectiva em A. M. Martins do Vale, A embaixada enviada pelo rei Dom Jos I ao imperador Qianlong, em 1752, vista pelo procurador das misses estrangeiras de Paris em Macau, in Anais de Histria de Alm-Mar, ed. Joo Paulo Oliveira e Costa, vol. 5, Dez. (2004), pp. 509-536.44 Tanto na China como na Coreia os missionrios eram proibidos de pregar a religio da Europa e os confessores, na hora da libertao, exortados a abandonar a religio da Europa e a conformar-se aos costumes e religio do seu pas (veja-se, por exemplo, Rlation de ltablissement du Christianisme dans le royaume de Core, rdige en latin par Mgr de Gova, vque de Pking in, H. Leclercq, op. cit., p. 176.45 Vide Antnio Graa de Abreu, op. cit. p. 55.46 S. Francisco Rgis Clet, Presbtero e Mrtir, da Congregao da Misso, beatificado em 1900 e canonizado no ano 2000, chegou a Macau em 1790, acompanhado do ento Dicono Franois Marie Lamiot, seu confrade. Vide DAVITT, CM, Thomas, A Fresh look at Francis Clet, in Colloque; Journal of the Irish Province of the Congregation of the Mission, n. 2 (1980), pp. 13 a 32 e, hujusdem, Francis Clet as seen in his letters in Vincentiana, n. 5 (2001), pp. 2 a 8.

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    europeia dotada de uma lngua e religio, tanto mais prprias quanto mais univer-sais. Tal facto, que ilustra talvez o trao mais dinmico dessa identidade europeia universalista j ento em extino ( bvia a sua insustentabilidade, no tempo em que se estreou o explosivo conceito poltico de espao vital dos estados nacionais) indicia uma Europa que era ainda fundamentalmente um facto de conscincia, sem indexao propriamente geogrfica.47 Merc da persistncia anacrnica que fosse do Padroado, a partir de 1808, muitas pessoas que na frica, na ndia, na China, na Tartria, no Tibete, na Malsia, em Singapura, na Indonsia, na Birmnia, no Cam-bodja, na Tailndia, herdassem ou abraassem essa Religio da Europa, teriam uma parte conspcua da sua vida, mesmo quotidiana, governada a partir da capital de um Portugal, tambm ele, de natureza escassamente geogrfica. Era ento natural (veja-se o Documento n 136) que, no Rio de Janeiro, fizessem escala um francs, o Padre Raffael Umpierres,48 e um italiano, Frei Giuseppe Maria da Morrone, em trn-sito para Macau. Em tom bastante rotineiro, o Cardeal Fontana, Prefeito da Propa-ganda Fide, escreve ao Internncio deixado na agora perifrica Lisboa, remetendo uma carta dirigida a Monsenhor Marchini, Procurador da mesma Sagrada Congrega-o em Macau, para que seja enviada a Monsenhor Marefoschi, Nncio Apostlico de Portugal, e de l (isto , do Rio) possa ser enviada s ndias Orientais.49 De facto, a sede da sua Nunciatura acompanhou a Rainha ao Rio de Janeiro e foi de l que informou Roma, proveu bispados e parquias, concedeu faculdades ordinrias e extraordinrias (estas durante o cativeiro papal na Frana, sem comunicao com a Santa S), concedeu dispensas de impedimentos matrimoniais e sacramentais, aten-deu apelos, cominou e absolveu censuras, emitiu os mais diversos Breves (desde a regulamentao das vestes corais dos cnegos de Macau50 concesso de Oratrios privados, pblicos e semi-pblicos,51 mandou dinheiro, livros e relquias vindos de Roma, aprovou e enviou missionrios de toda a Europa catlica at ao dia em que os bons comerciantes de Lisboa declararam Portugal independente do Brasil e exigi-ram com burguesa pusilanimidade, que viesse definhar, numa Europa doravante

    47 A representar de maneira rocambolesca essa Europa mental, aparecem-nos no I Volume (cfr. Documentos n, 96, 564 e 908) as figuras dos Padres, pai e filho, Caetano Victorino e Jos Custdio e de Faria. Este ltimo o romanesco Abade Faria, tido por fundador da cincia do hipnotismo, imortalizado na personagem homnima do Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas. s numerosas peripcias da consagrada biografia do luso-gos que, juntamente com o pai e mentor, como ele recm-ordenado Padre, deslumbrou primeiro a corte de D. Jos e depois os crculos revolucionrios de Paris, dever acrescentar-se uma polmica teolgica por indagar, decerto concomitante concluso do seu doutoramento no Colgio Urbaniano de Roma, e provavelmente especificada no Documento n 908.48 Trata-se do Procurador da SC de Propaganda Fide na China de 1823 a 1837, mais tarde cle-bre como professor de mandarim no Colgio Urbaniano (vide Josef Mtzler, Das Archiv der Missionsprokur de S.C. de Propaganda Fide in Canton, Macao, Hong-Kong, Roma, PAU, 2000, pp. 77 a 139).49 Cfr. Documento n 642.50 Cfr. Documento n 441.51 Cfr. Documentos n 402, 405, 415, 445, 446.

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    cada vez mais estreita, um Rei coroado ao longe, que soubera tirar da ameaa napo-lenica uma ocasio para medir Portugal pela vastido dos Trpicos.52

    Sublinhemos finalmente o maior dos paradoxos que procede da impossibili-dade de continuar a pertencer a esta efectiva unio europeia. que sem essa possibi-lidade, vedada pelas novas circunstncias da secularizao e da absolutizao, no h defesa que valha ao Padroado. Quem ler o Dirio Portugus de Frei Paulino de S. Bartolomeu,53 facilmente se d conta de que no seriam propriamente calnias os juzos sombrios com que, na sua India Orientalis Christiana (impressa em Roma, em 1794, aps uns vinte anos de misso no Padroado), o reputado indilogo carme-lita irritava o Conde de Anadia.54 O Estado portugus que, em nome do seu Rei, se desdobra retoricamente em exigncias de juramentos, fundamentaes jurdicas e enervantes diplomacias em prol do Padroado, o mesmo que o mina por dentro, desfazendo-lhe a estrutura congreganista que sempre o alimentara. o prprio Patrono que aniquila o Padroado, simplesmente porque este, quer pela necessria abertura internacional, quer pela sua natureza anti-secularizante, deu em estorvar, mais do que caucionar, a sua nova pretenso de poder.

    Em 1777, dissipada por enquanto apenas a rede pedaggica e missionria jesutica, ainda temos notcia, no Documento n 76, do envio de quatro capuchinhos italianos para Angola.55 No virar para oitocentos, o Frei Raimondo di Dicomano que

    52 Sobre esta experincia sui generis de Portugal, pode ler-se com proveito SCHULTZ, Kirsten, Tropical Versailles: Empire, Monarchy, and the Portuguese Royal Court in Rio de Janeiro, 1808--1821, Routledge Ed., Nova Iorque, 2001. Na p. 149 oferece-se bom repertrio documental sobreuma curiosa figura de cuja priso nos d conta o Nncio no Documento n. 963. Trata-se do Padre Joaquim de Sousa Ribeiro, pretenso Bispo de S. Domingos, pioneiro do abolicionismo entre os ndios e os escravos negros do Nordeste.53 Paulino de S. Bartolomeu, OCD, o nome de religio de Ivan Filip Vezdin (Hof am Leitha-berge, 1748 Roma, 1806), erudito austraco de origem croata, missionario in India, pioniere dellindologia, padre della filologia indoeuropea, fedele e devoto collaboratore del dotto Mecenate Cardinale Stefano Borgia, como consta da lpide gravada pela cidade de Velletri, por ocasio do II centenrio da sua morte, na fachada do antigo Museu Borgiano, onde acumulou grande parte da sua bagagem cientfica. Consumado erudito, autor de um Viaggio alle Indie Orientali, um clssico da indologia, domina na perfeio o portugus (esteve um ano em Lisboa antes de partir para a ndia), e personagem muito assdua no I volume do presente Tomo, tambm por via de uma caixa de livros que se lhe extraviou e por que a Nunciatura parece ter movido mun-dos e fundos. Para o fascinante Dirio Portugus, veja-se uma interessante publicao bilingue numa Revista da Faculdade de Letras de Zagreb: TNikica Talan, O "indilogo" croata Ivan Filip Vesdin (1748-1806) e as "ndias Portuguesas", in Studia Romanica et Anglica Zagrabiensia (SRAZ), Vol. 51 (2006), pp. 57-101.54 Cfr. Documento n. 984.55 Sobre as vicissitudes destes quatro Capuchinhos e dos seus derradeiros sucessores sob o reinado de D Maria II, bem como sobre as assduas relaes entre a misso Capuchinha e o Reino do Congo, pode ver-se uma recente tese de doutoramento que no deixaria de beneficiar da consulta deste fundo: Kabolo Iko Kabwita, Le royaume kongo et la mission catholique, 1750-1838: du dclin l'extinction, avec prface de Guy Bedouelle, Paris, Karthala ditions, 2004. Veja-se tambm Teobaldo Filesi e Isidoro Villapadierna, La Missio Antiqua dei Cappuccini nel Congo (1645-1835) Studio preliminare e guida delle fonti, Istituto Storico dei Cappuccini, Roma, 1978.

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  • TOMO II ORIENTE

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    jura fidelidade ao Padroado no Documento n 1061 ainda sagrou e coroou D. Aleixo I e o seu sucessor D. Henrique I, Reis do Congo.56 A sagrao dos reis do Congo tor-nara-se uma prerrogativa dessa secular misso capuchinha que, pela estranheza do clima, dizimara regularmente centenas de perseverantes italianos e espanhis. Em 1834, porm, j no h retrica que possa mascarar o esvaziamento do Padroado. Frei Paolo da Bene, o ltimo representante da misso capuchinha, cuja partida nos referida no Documento n 978, tem de deixar Angola na clere execuo do ilumina-dssimo decreto. ltima dinastia dos Manicongo faltar de vez quem sagre o suces-sor. Est prestes a comear a nova colonizao ao estilo da Conferncia de Berlim. O prprio Acordo Missionrio da Repblica parecer arrepiar algum caminho ante a necessidade de recrutar efectivos para a nova presena colonial. Mas no espelha mais que uma fatalidade: a do pattico fracasso de tentar formar, no Seminrio das Misses que D. Joo VI fundara, uns confrangedores missionrios civis, eivados de cidadania e religio-ptria. Fizeram-se alguns doutos cidados (partituras h at, no notvel esplio musical de Cernache do Bonjardim, ufanamente assinadas pro memoria pelo cidado Fulano)57; mas no deixaram rasto nas Misses.

    Outros o fizeram e fazem ainda, tambm a partir de Cernache do Bonjardim.58

    Observadas no nosso cenrio documental, as dimenses dessa gesta actual so relati-vamente modestas. So porm proporcionadas a uma cultura que se foi fechando do

    56 Frei Raimundo de Dicomano autor de uma relevante Informazione presentata all'Ill.mo e Ecc.mo Sig.re Dom Michele Antnio de Mello, Governatore e Capitano Generale del Regno d'Angola per F. Raimondo di Dicomano, Missionario Cap.no Italiano della Provincia di Toscana; nella quale descrive tutto ci che vedde e osserv ne i tre anni, che stette missionando nell Congo, sopra i cos-tumi, le opinioni religiose e politiche delle Nazioni de' Neri dell'Affrica Occidentale, confinanti colli stati di sua Maest Fedelissima, e che gli sono tributarie, e che abitano al Nord della citt di S. Paolo dell'Assunzione. Cfr. BRSIO, Antnio Duarte, Frei Raimundo de Dicomano, Informao do reino do Congo, 1798, Separata de Studia, 34, Lisboa, 1972.57 Est em curso a catalogao do seu acervo documental. Nele avulta, entretanto, um arquivo musical que atesta um impressionante nvel de formao e capacidade executiva nas mais diversas formaes vocais e instrumentais. Merc da graciosa cedncia quer da Sociedade Mis-sionria, quer do autor da transcrio, P. Pedro Miranda, foi possvel executar, na Semana Santa bracarense de 2008, na Igreja de Santa Cruz, uma annima Dominga de Ramos conforme o Rito Bracarense, para coro a cappella (SATB), a partir de cpia datada de 1863. A obra, em cuja opo ritual no descabido farejar um pouco do lusitanismo que temos vindo a referir, empresta o ttulo a uma gravao publicada em Roma, pelo Instituto Portugus de Santo Ant-nio, com alguns excertos seus (cfr. Dominga de Ramos conforme o Rito Bracarense & aliae Portu-galiae Sacrae Cantiones, ab Anble Concentu in Ecclesia Sancti Antonii Lusitanorum in Urbe peractae, die 25.10.03, Romae, Ed. IPSAR, 2003). Conforme a respectiva nota crtica, nela se manifesta a eficcia litrgica de uma polifonia rigorosamente a cappella, perfeitamente identifi-cvel como msica do sc. XIX, mas sem qualquer preocupao de revivalismo, bastante inspi-rador de muitos compositores europeus coevos e superado nos verdadeiramente grandes.58 Encarregado da sua fundao foi D. Manuel Joaquim da Silva, da Ordem Militar de Avis, Arcebispo titular de Adrianpolis, cujos prstimos so aqui encarecidos em carta do Cardeal Gonzaga ao Nncio (cfr. Documento n. 937). Esto presentes no I Volume dois irmos seus tambm Bispos do Padroado, D. Marcelino Jos da Silva, Bispo de Macau aqui aludido (cfr. et Documentos n. 40 a 42 e 1137), e o vicentino D. Eusbio Luciano Gomes da Silva (cfr. Docu-mento n. 22), nomeado Bispo de Nanquim mas precocemente falecido em Goa.

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  • ARQUIVO SECRETO DO VATICANO

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    lado de c do tempo e se habituou a viver com mais janelas para o seu ptio interior, e menos vistas p