arquivo secreto 0 3 - uma noite em black tower - silver kane

90
Uma Noite em Black Tower Silver Kane Paulus era um rapaz que tudo tinha em bens materiais, sempre teve toda liberdade de experimentar o que quis. Vivia maneira dissoluta em meio a mulheres e drogas. Até que encontrou uma armadilha em que achava que seria impossível conseguir se safar. Disponibilização: Luka Digitalização: Marina

Upload: lcaviana

Post on 11-Nov-2015

240 views

Category:

Documents


9 download

DESCRIPTION

Livro de bolso em word.

TRANSCRIPT

Uma Noite em Black TowerSilver Kane

Paulus era um rapaz que tudo tinha em bens materiais, sempre teve toda liberdade de experimentar o que quis.

Vivia maneira dissoluta em meio a mulheres e drogas.

At que encontrou uma armadilha em que achava que seria impossvel conseguir se safar.

Disponibilizao: Luka

Digitalizao: Marina

Reviso: Meg

Formatao: Edina

Captulo I

Embora parea mentira, uma das coisas mais amargas deste mundo estar farto de tudo, tendo provado tudo, estar cansado de rir, de viver, de sentir todas as emoes boas e ms geralmente ms que encontramos neste mundo.

Algo assim acontecia com Paulus.

Paulus, a quem seus pais deixara uma fortuna mais que regular, uma dessas fortunas que no terminam nunca, por mais que se gaste, era um caso tpico do jovem para quem a vida j no tem emoo, surpresa, nem segredo algum. Desde os dezesseis anos no fizera outra coisa, a no ser gastar e divertir-se.

E dos dezesseis aos trinta e cinco anos um rapaz pode divretir-se muito, se tem dinheiro e s pensa nisto.

Para Paulus no existiam mulheres virtuosas, nem jovens inocentes, nem artistas de teatro que s se preocupassem com sua arte. le sabia que com dinheiro tudo se compra e se vende. Tambm comprava carros magnficos s pelo prazer de viver novas emoes, e aos vinte e oito anos, desejoso de ser um jovem intelectual comeou a escrever poesias de estilo grosseiro e amoral.

Apresentou-se num concurso, comprou todos os membros do jri e obteve meno honrosa.

Logo dedicou-se a viajar. Percorreu o mundo todo, vrias vezes, procurando sempre emoes diferentes com mulheres de diversas raas.

Por fim, como j nada lhe restasse para experimentar, dedicou-se s drogas, porm muito cautelosamente, porque Paulus era um desses tipos inteligentes e frios que gozam serenamente e sem qualquer despreendimento. Um desses fulanos duplamente repulsivos que ante um prazer, reservam-se todas as vantagens.

Na poca das drogas, conheceu um sujeito que, apesar de hediondo, era muito insinuante. Um desses tipos era Esquilo Cliss, que tinha seu quartel-general nos arredores de Charing Cross. Esquilo vendia a droga em pequenas quantidades, porm, na realidade, era um dos mais importantes contrabandistas do Reino Unido.

Visitava freqentemente o magnfico apartamento que Paulus possua em Curzon Street com vistas para o Hyde Park.

Sentava-se numa poltrona reclinvel, preparava uma dose dupla de usque, bebia um longo trago, estalando a lngua e dizia.

Isto que vida...

Ficava to satisfeito de ter uma amizade distinta como Paulus que, s vezes, no lhe cobrava a droga.

Mas, naquela noite, encontrou Paulus de mau humor, lendo uma revista onde s apareciam vedetes parisienses.

Que acontece? Paulus bocejou:

O de sempre. . .

Aborrecido?

-- E como quer que eu fique?

Na semana passada voc estava atrs de uma artista que lhe dava bola. Aquilo parecia-lhe um mar de emoes.

A artista deixou de me interessar.

Caiu?Paulus fz um gesto desdenhoso, como se espantasse uma mosca.

No tem nada interessante para oferecer-me, Esquilo?

E' que at as drogas comeam a aborrec-lo .

Tomadas em doses pequenas j no me produzem efeito. E sou bastante esperto para no aumentar a poro, porque sei que me afundaria sem remdio.

Vcc sempre foi um bloco de gelo. Paulus.

Bah!

Com efeito, estou pensando em algo que lhe parecer interessante. Acaba de ocorrer-me.

O que ?

Aluguei um castelo.

Um qu?

Um velho castelo na Esccia disse o velhaco com seriedade. Um castelo como os das lendas. Chama-se nada mais nada menos que Black Tower.

No me diga que tem fantasmas.

Os fantasmas j esto fora de moda. Eu aluguei o castelo com um propsito completamente diferente.

Qual?

Guardar mercadoria.

No me diga.. . Est-se tornando cada vz mais difcil encontrar um esconderijo seguro em Londres. A polcia j conhece todos os lugares onde meto o nariz. E se por acaso encontrarem uma s grama de coca comigo, vou para a cadeia at que apodrea de velho. Tive que procurar um lugar mais seguro.

Mas voc um tolo, querido. E, quando a polcia souber que voc alugou um castelo, ir revist-lo. Adivinhar logo para que foi alugado.

Desafio a qualquer policial revistar aquele.

E' muito grande?

Enorme. Cheio'de recantos, portas semi-secretas e quartos vazios. E justamente o que acaba de me dar a idia.

Que idia?

Voc quer se divertir de verdade com algo novo, cheio de emoes desconhecidas?

Ser que existe alguma emoo que seja desconhecida? bocejou aborrecidamente Paulus.

Escute meu plano.

Escut-lo no me custa. Mas no comece a dizer tolices. Oua, Paulus, eu no vendo a mercadoria somente a homens; mas, tambm, a mulheres. Mulheres que esto desesperadas para obt-las e que nem sempre contam com dinheiro suficiente.

Paulus sorriu.

Seu sorriso era lnguido, cansado e aborrecido. Transformava seu rosto numa mscara.

Comeo a compreender. Prossiga.

Algumas destas pequenas, so maravilhosamente bonitas e distintas, embora quando se empanturrem de droga e comecem a gritar; ningum diria. Algumas delas procedem de boas famlias e roubam de seus pais tudo o que podem roubar. Sei que se submeteriam a minha vontade por umas gramas de erva.

Os olhos de Paulus brilharam.

Eram uns olhos malignos, inteligentes e quietos. Uns olhos que no perdiam um detalhe e que pareciam adivinhar tudo.

Continuo compreendendo falou entre dentes. E o assunto cada vez me interessa mais.

Tambm sirvo a alguns cavalheiros como voc disse, astutamente, o vendedor. No so to importantes. Mas, enfim, gente que j est aborrecida de muitas coisas.

Que sugere?

Poderamos reunir quatro pequenas dessa classe e quatro homens de sua categoria, Paulus.

Sim.

Continua compreendendo?

Perfeitamente.

Mas temo que no chegue a perceber, com exatido, quanto divertida a brincadeira.

Creio que sim. Iremos todos ao castelo. Ficaremos todos uma noite em Black Tower.

Justamente.

De todo modo o que me prope no nada do outro mundo. Uma farra a mais.

No, esta ser diferente. Organizaremos um jogo de esconder naquele lugar. Quando um encontrar sua parceira, j poder retirar-se.. . mas vai tornar-se muito difcil! No pode imaginar como vai ser complicado encontrar algum naquele labirinto de quartos e corredores!

Paulus soltou uma gargalhada. Seus dentes compridos e perfeitos brilharam luz, como os de uma fera satisfeita.

E' que do contrrio no seria divertido disse, ao fim de uns instantes. A possibilidade de fracassar o que faz mais emocionante a situao. Quando pode ficar tudo pronto?

Dentro de trs dias. Paulus esfregou as mos.

Em seu ntimo no havia o menor remorso, a menor apreenso ante o que ia fazer.

S pensava na noite de Black Tower. Por fim, ia conhecer uma nova emoo em sua vida!

Captulo II

Um DIA mais tarde, no extremo oposto do Londres, nas ruas silenciosas e tranqilas que rodeavam Regente Park, um homem encontrava-se diante da morte.

Era um tipo parecido com Paulus, embora um pouco mais forte. Vestia um elegante roupo leve de seda e uma echarpe. Seus dedos estavam cheios de anis, e todas aquelas jias eram incrustadas de ofuscantes brilhantes. A abotoadura da camisa, tambm, trabalhada em curo e pedras preciosas.

O homem que se postava diante dele, era alto, moreno, de feies retas e apontava-lhe um revlver .

Os dois encontravam-se numa sala, luxuosamente mobiliada, cheia de quadros de pintores famosos, em cuja lareira, crepitavam umas toras de madeira.

Uma estranha atmosfera de intimidade e sensualidade envolvia aquela pea onde se mesclavam os quadros de excelentes pintores, os mveis bem talhados e os desenhos mais atrevidos que um desenhista possa conceber.

O homem do roupo, gemeu:

No dispare. . . No aperte o gatilho, por favor! Somos homens inteligentes e isto ter por fora uma razovel soluo! No atire!

O homem do revlver negaceou lentamente com a cabea.

No penso em atirar. Quero entreg-lo vivo, mas, depois de assinar uma confisso completa .

Na. . . nada ganhar com isso.

Farei com que a verdade triunfe e que se reconhea a inocncia de meu pai.

Dan... Voc um menino esperto.. . Seu pai no era, sabe ? Era um homem destes que sempre caminham em linha reta e no percebem as oportunidades que surgem a seu lado. Por isto acabou mal! Eu lhe disse que devamos continuar o negcio e le empenhou-se em desfaz-lo... Foi polcia com a histria. .. Atrapalhar um negcio assim! Malbaratar uma partida de diamantes, como aquela, que fora regada com sangue.

Voc acusou meu pai. Apanhou provas falsas e acusou-o de todos esses crimes. Voc levou-o forca! E ainda quer que eu faa um pacto? Ainda espera que eu acredite em voc?

O homem da echarpe suava copiosamente.

Desconfiava -de que aquela era uma questo de dinheiro, de muito dinheiro. S com uma soma fabulosa convenceria aquele imbecil. Mas precisava fazer fosse o que fosse, precisava salvar sua prpria vida.

Dez mil libras sussurrou, tateante. O jovem recusou lentamente.

Tinha a ponta do queixo quadrada, os lbios apertados. Seus olhos fizeram-se pequenos e cruis, como os de uma fera pronta a saltar.

Ci... cinqenta mil libras.

No, amigo.

E' uma fortuna. . . Uma fabulosa fortuna! Se voc trasladar esse dinheiro pra um pas, onde a moeda esteja baixa, poder viver como um maraj at o resto de seus dias. Por que nega? Voc no est refletindo bem, rapaz!

O suor penetrava nas- comissuras de seus lbios. Chegava-lhe at o interior da boca.

Aqueles olhos desumanos, duros, davam-lhe frio na nuca.. .

Q.. . qual seu preo? balbuciou, por fim.

Nenhum.

Nenhum?

Voc. S voc quero vivo. A nica coisa que desejo lev-lo polcia com uma confisso assinada .

Isso no devolver a vida a seu pai...

Eu sei.

. Rapaz.. . so cinqenta mil libras! E ainda posso melhorar a oferta. Por que no. . . cem? Pensou o que uma soma assim de dinheiro significa? No desconfia?...

Desconfio que o quero vivo.

O homem da echarpe secou at o suor. Percebia que aquele jovem era teimoso, e que no o faria mudar de opinio. Percebia, tambm, que no tinha outro remdio a no ser mat-lo;

No que convert-lo em um fiambre o desgostasse .

J teria feito isso desde o princpio, mas sabia que desenbaraar-se de um cadver muito difcil, numa cidade como Londres. Mas teria que decidir-se por aquela soluo.

Seus olhos diminuram, tambm, fitando o homem que lhe apontava a arma.

No parecia ser muito esperto. Seguramente se deixaria caar. No devia conhecer os truques de um homem experimentado.

Relaxando o nervosismo, riu um momento.

Vamcs rapaz, vamos.. .

No se mova.

S desejo mostrar-lhe o dinheiro. Tenho-o aqui, numa gaveta central da mesa. Quero que se convena de que Mosley no lhe engana. Quero que voc toque as notas com seus prprios dedos.

No tente abrir essa gaveta.

Mas se. . .

Quieto!

Mosley, o homem ameaado, sorriu disfaradamente. Tudo ia bem. le no pensava abrir a gaveta. Era s uma cilada. Queria que o jovem se distrasse.

Est bem, voc ganha disse, suspirando ruidosamente. Que posso fazer? Chame a polcia.

Quero antes a confisso assinada.

No assinarei nada se no fr na presena da polcia. Confio muito mais na Scotland Yard que em voc.

O jovem mordeu o lbio inferior. Parecia refletir sobre aquela estranha mudana de atitude.

Parece-me muito razovel disse, por fim. E no h inconveniente de minha parte, que tudo se faa diante da polcia. Eu mesmo a chamarei.

Pegue o telefone.

le mesmo entregou-lhe o aparelho, aproximando-se de uma mesinha. Sabia que o jovem se distrairia, enquanto discasse o nmero. E na gaveta semi-aberta da mesinha estava o revlver.

' Eu posso discar... sugeriu, para dar maior sensao de inocncia.

No. Eu, mesmo o farei.

O jovem comeou a discar. Conhecia de memria o nmero da Scotland Yard. Enquanto desviava o olhar para o disco no percebeu que a mo direita de Mosley descia lenta e cautelosamente at as profundezas da gaveta.

No percebeu, tampouco, que aquela mo fechava-se em torno de uma coronha niquelada.

E, de repente, Mosley soltou um grito.

Foi um alarido de triunfo que pareceu romper de sua garganta. A mo direita subiu vertiginosamente com a arma empunhada. Seus olhos brilharam com um fulgor satnico.

De repente, no meio daqueles dois olhos, formou-se um terceiro.

Um disco de sangue.

O estampido devia ter sido audvel somente fora daquela sala atapetada de seda e carregada de livros, quadros e portas fechadas. Mosley abriu os braos, soltou a pequena arma, deu um espasmo e caiu para trs.Sua cabea foi parar quase diretamente sobre o fogo da lareira e seus cabelos comearam a chamuscar-se. O jovem teve que dar um salto at le e apagar com seus ps o fogo que comeava a propagar-se.

Logo dirigiu um olhar a Mosley. Um olhar onde no havia a menor satisfao.

A verdade era que no desejara mat-lo. Morto, Mosley j no lhe servia de nada. le tentara obter daquele velhaco uma declarao, uma confisso escrita. Mas j era intil pensar nisso.

Suspirou com cansao.

Talvez, de todo modo, encontrasse papis que lhe ajudariam em sua investigao. Talvez com aquilo, pudesse provar que seu pai morrera na forca, sendo inocente.

Por onde comear?

O jovem Dan Farley guardou sua arma e comeou a olhar em redor, quando, de sbito, todos os seus nervos, todos os seus msculos sofreram uma sacudidela.

Algum acabava de tocar a campainha da porta.

Dan sabia que aquele co do Mosley vivia sem criados, embora sua casa estivesse quase sempre Cheia de mulheres. Umas para a limpeza, outras para prazer do dono de tudo aquilo. No imaginava quem poderia ser agora.

Talvez uma visita feminina? Naquele caso era possvel que ela no conhecesse Mosley. Este selecionava suas amigas, mediante lbuns de fotos, que lhe mostravam em lugares clandestinos e as que escolhia, marcava encontro cem urna simples ligao telefnica.

Talvez le pudesse fingir. . .

No lhe custaria nem cinco minutos, dar umas libras a moa, fosse quem fosse, e pedir-lhe que lhe deixasse em paz.

No pensou muito.

Despiu o morto de seu roupo de seda e vestiu-o. Ficava-lhe um pouco largo, mas um roupo no tem necessidade de ser feito sob medida. Logo ocultou o cadver atrs de uma das poltronas. Respirou forte, tratou de adotar uma atitude desenvolta e natural e saiu para abrir a porta.

Contrariando o que esperava, no era uma garota que apareceu no umbral, sim um homem.

Um tipo pequeno e gil em cujos olhos se adivinhava algo negro, repulsivo, sem que no primeiro momento se soubesse porqu.

O recm-chegado olhou-o, com surpresa.

Julgava-o mais velho, diante.. .

Quem voc?

Chamo-me Esquilo Cliss.

Esquilo?

O outro deu uma gargalhada. Deu um passo para o lado e entrou com o maior desembarao.

Bem, claro que voc no me conhece pessoalmente. Mas vimos mantendo relaes comerciais durante muito tempo. No tem nada para beber? Sempre ouvi dizer que a adega de Mosley era invejvel.

Dan entrecerrou os olhos, enquanto meditava.

Era evidente que aquele tipo no conhecia o dono da casa, o que favorecia sua situao. Era evidente, tambm, que aquele tipo proporcionava a Mosley alguma espcie de diverso eu de prazer, fosse o que fosse.

O homenzinho entrou na sala. Examinou tudo com olhar de crtica, procurando o bar.

Dan conteve a respirao. Acabava de perceber que o bar estava justamente atrs da poltrona que servia de anteparo ao cadver.

Se Esquilo Cliss chegasse a acercar-se dali e desse um olhadela, le estaria perdido!

Naquele momento perguntou a si mesmo o que devia fazer. Golpear aquele tipo? Partir-lhe a cabea quando visse o cadver?

Mas, afortunadamente, seus olhos descobriram no ltimo memento uma garrafa de usque sobre uma bandeja de prata.

Sirva-se. Aquele da melhor qualidade.

Esquilo bebeu diretamente da garrafa.

Logo arrotou e olhou Dan com seus olhinhos pequenos e astutos.

J lhe disse murmurou. Julgava-o mais velho, muito mais velho.

E eu no julgo nada, porque no o conheo. Quem afinal voc?

O que supria Donken de mercadoria.

Naturalmente, Dan conhecia, tampouco, Donken, mas pensou na obrigao de exalar um ah de pessoa que est inteirada de tudo.

Por certo, voc est contente com os servios de Donken? Sim, claro.

Ultimamente a mercadoria subiu um pouco de preo, mas que cada vez torna-se mais difcil ela entrar no pas. Rogo-lhe que compreenda.

Dan semicerrou os olhos, para no demonstrar o fulgor metlico que aparecera neles.

De modo que eram drogas... De modo que aquele porco do Mosley, que acabara de matar, tambm era aficcionado delas...

Mas Esquilo continuava:

Pensei em oferecer-lhe uma comisso elevada se aumentasse as vendas entre suas amizades. Por isto vim aqui.

Dan continuava com os olhos semicerrados. Cada vez ia averiguando mais coisas do homem que acabara de matar e todas pareciam-lhe repulsivas.

No contestou.

Aquela atitude de milionrio indiferente devia parecer muito natural a Esquilo, porque este continuou sem suspeitar de nada:

As drogas so o negcio mais proveitoso em nossa poca, meu amigo. Praticamente todo o mundo terminar tomando-as. No percebe? A juventude necessita de algo novo cada dia, e s as drogas podem proporcionar-lhes. A polcia terminar mostrando-se indiferente ante este fenmeno. Creio que nossa fortuna no faz mais que comear.

Agora Dan sorria dbilmente, dissimulando a repulsa que aquele tipo lhe produzia.

De modo que Esquilo Cliss sonhava com uma juventude completamente submergida, destroada, borda da maior degradao fsica e moral, mas que ao mesmo tempo lhe enchesse os bolsos de ouro... Dan sabia bem que o drogado mente, rouba, mata, prostitui-se, faz qualquer coisa para conseguir um pouco de p, uma inveno que so o nico ideal de sua vida. Sabia, tambm, que as energias fsicas chegam ao afundamento total depois de pouco tempo de praticar o esporte das drogas. E sabia igualmente que poucos jovens, ou talvez nenhum, chegariam a adquirir o vcio se tipos como Esquilo no os excitasse oferecendo-os a coca no princpio com muita facilidade, para logo ir tornando-se mais exigente, medida que a vtima necessitasse da droga para subsistir e tornava-se disposto a fazer qualquer coisa por ela.

Inclusive os vendedores chegavam a colocar-se nas portas das escolas, oferecendo dissimuladamente sua mercadoria aos garotos de apenas quinze anos.

Um mundo sombrio abria-se, de repente, diante dos olhos de Dan, um mundo no qual este no imaginava chegar a afundar-se.

Por fim Esquilo estranhou o seu silncio.

No fala nada! ?

Creio que c que diz muito interessante. Mas agora estou cansado. . . Por que no me d mais detalhes, amanh? Posso receb-lo aqui mesmo.

A idia de Dan era avisar a polcia, dar conta do sucedido com Mosley e aceitar a deciso que no seu dia os tribunais adotassem contra le. Tambm pensava que no dia seguinte, quando Esquilo se apresentasse ali, de novo, a polcia daria o flagrante.

Mas o homenzinho fz um gesto vago.

Teremos ocasio de falar muito longamente de tudo isso. Agora quero tambm propor-lhe algo muito divertido.

Estou aborrecido de tanto divertir-me disse Dan, imitando perfeitamente Mosley.

Isso diferente.

Por qu?

Esquilo sorriu ladinamente e explicou ao falso Mosley tudo o que antes explicara a Paulus.

O sorriso com que Dan tentara escut-lo, foi fechando-se pouco a pouco em seus lbios.

Tudo aquilo parecia-lhe to miservel que no queria acreditar no que estava ouvindo.

Um baixo mundo no que at ento no acreditara, mostrava-se bruscamente ante seus olhos, com toda sua repulsiva crueza.

Caso seguisse seu impulso, deixaria Esquilo sem sentido com um s golpe, mas compreendia que assim no ia adiantar nada.

Precisava assistir quela estranha festa, conhecer a todos os que participavam dela e coloc-los nas mos da lei. E, para isso, precisava adotar a personalidade de Mosley.

Que lhe parece? perguntou Esquilo, por fim, rindo, divertido.

E' uma idia magnfica. Mas as pequenas so honradas de verdade? Nunca lidaram com homens ?

De verdade. A elas s interessa a droga.

Cata vez tornava-se mais difcil a Dan dissimular repulsa que sentia. A interpretao de seu papel ficava cada vez mais custosa.

Comparecer? perguntou Esquilo.

Por certo. Onde fica Black Tower?

Um grande mapa da Inglaterra e Esccia adornava uma das paredes. Esquilo assinalou, sem vacilar, um ponto desse mapa.

Aqui.

E' uma regio muito solitria.

A est o principal encanto de Black Tower .

De acordo, irei disse Dan. Podem contar comigo.

E este talvez seja o princpio de uma magnfica cadeia de negcios sugeriu Esquilo Cliss.

Pode confiar neles.

Os dois homens ainda permaneceram alguns minutos mais, reunidos na casa. Num tempo incrivelmente curto, Esquilo esvaziou a garrafa de usque.

No parecia ter o menor interesse em mover-se do lugar onde estava, embora de sua poltrona repassasse, com olhar de entendido, os quadros de valiosas assinaturas e as estantes onde, com, um gosto quase feminino, exibiam valiosas jias. O que havia naquela sala valia uma autntica fortuna.

Mas Dan somente torcia para que aquele repulsivo visitante no percebesse que naquela sala havia um cadver. Qualquer movimento de Esquilo produzia um sbito alarme.

Por fim o tipo se despediu, sem desconfiar de nada.

Quando Dan fechou a porta, disse a si mesmo que tinha que resolver a macabra situao, de qualquer forma. Talvez o mais prudente fosse avisar polcia e relatar o que ocorrera.

Mas, avisando a polcia no poderia comparecer a Black Tower. Ento, tomou uma deciso.

Teria tempo de justificar todo o ocorrido. Agora, em troca, podia prestar um servio lei.

Sentia-se, ademais, enormemente confuso.

Precisava de tempo para refletir. Tinha, no momento, que sair do apuro em que se encontrava.

Percorreu toda a casa, especialmente seus profundos stos, em busca de uma pista.

Logo saiu ao jardim. Todos os contornos de Regent Park estavam silenciosos. S o rudo dos carros longnquo chegava-lhe vagamente do outro lado do arvoredo.

Dan escolheu uma zona do jardim que ficava muito oculta e onde a terra era branda.

Logo apagou todas as luzes para que sua silhueta, ao sair, no se recortasse de fora.

Tirou o cadver.

Uma hora depois, aps trabalhar intensamente, enterrou Mosley. Igualou perfeitamente a terra e ps sobre aquela zona diversos paus que encontrou espalhados pelo jardim. Confiava que a ausncia de Mosley no seria notada pelos seus distantes vizinhos, at ter transcorrido bastante tempo.

E, enquanto isso, sucediam muitas coisas.

Captulo IIIK.AN conhecia bem a Esccia, mas nunca estivera por aquela regio inspita e onde todos os elementos do mal pareciam ter marcado encontro.

Com efeito, o terreno tinha todas as caractersticas que faria ura mediano agricultor odi-lo. Rodo pela eroso, rochoso, seco, rido, no crescia nele nenhuma erva, exceto uns musgos midos que no poderiam alimentar nem meio-rebanho, inclusive para um pastor, aquela zona parecia maldita.

Umas poucas rvores secas se estremeciam ao impulso do ar que chegava dos escarpados O cu era cinzento, nublado e dava uma opressiva sensao de tenebroso. No se escutava outros rudos a no ser do vento e o zumbido do motor, alternado de vez em quando pelo choque de uma pedra que os pneumticos destroavam bruscamente.

Ao volante de sua Ferrari, Dan comia as milhas de caminho spero e pedregoso que lhe separava de Black Tower.

Deixara j muito atrs a ltima aldeia, e se perguntava se aquele caminho terminaria alguma vez, quando viu o castelo, no alto de uma suave colina.

No chamava a ateno pela sua situao, j que este se encontrava a pouca altura. Tampouco pelo impressionante de suas torres, pois estas eram chatas e comidas pelos anos. O que mais impressionava no castelo era sua velhice, a quase absoluta negrura de suas pedras.

Ao que parece no fora habitado durante anos e anos, e faltavam vidros em muitas janelas. Mas esta impresso era falsa, porque quando algum se aproximava o suficiente, podia ver que as portas estavam intactas, assim como os barrotes das janelas mais baixas, para que ningum pudesse entrar. Eram as janelas altas, que no ofereciam perigo, as nicas que pareciam descuidadas.

Por outra parte, uma recente fiao de luz eltrica indicava que o castelo fora cuidado por algum ultimamente.

Dan parou o automvel. Um no sei qu, ao colocar os ps em terra, lhe fz pensar que deveria ter trazido uma arma.

Algo ali crispava-lhe os nervos, que eriavam subitamente a pele.

A idia de que algum iria quele castelo divertir-se no lhe entrava na cabea, nuas quem sabe do que capaz a pessoa que se aborrece? No tomam algumas drogas, para sentirem emoes novas, ainda sabendo que isso destroar sua vida?

Naquele momento, comeou a chuviscar.

A chuva era mansa e suave no princpio, mas umas nuvens negras, flutuando por cima das torres, pressagiavam a tormenta.

Far uma noite de co, pensou maquinalmente Dan, enquanto acercava-se da porta.

Esta abriu-se antes que le chegasse.

O rosto trapaceiro e astuto de Esquilo apareceu no vo da porta entreaberta.

Entre, entre, Senhor Mosley... O tempo est ficando feio.

Escolheram uma pssima noite para reunirmo-nos resmungou Dan, continuando com sua falsa personalidade de milionrio aborrecido de tudo.

Ainda faltam algumas horas para a noite, Senhor Mosley. Eu: creio que isto ficar melhor, ainda.

Melhor?

Haver tormenta.

No vejo nisso alguma graa disse Dan, entrando no castelo.

Um castelo da Esccia sem tormenta perde a metade de sua graa, Senhor Mosley.

No me diga que tambm tem fantasmas.

Fantasmas, por desgraa, no. Aqui tudo moderno, embora de fora parea outra coisa.

Acendeu as luzes. Dan conteve uma exclamao de assombro ao ver o interior.

O castelo fora inteiramente restaurado, pelo menos no vestbulo, e o ambiente era acolhedor e moderno. Luzes indiretas faziam ressaltar ainda mais toda a beleza das velhas, pedras. Alguns tapetes abafavam o som dos passos. Valiosas cortinas cobriam as paredes. Para que no faltasse nada, havia quadros com figuras de antepassados, embora no se soubesse de quem. Podia ser que aqueles quadros valessem apenas como adorno.

Esquilo olhou-o complacente.

O que parece tudo isto, Senhor Mosley ?

Um palcio. Deve ter-lhe custado muitssimo dinheiro restaur-lo.

O dinheiro no me interessa, quando se trata de conservar uma obra de arte, e este castelo o . Mas no pense que tudo est como o que voc v, Senhor Mosley. Oh! no! S pude restaurar algumas peas do trreo e primeiro andar. A parte alta e os stos continuam sendo os de um verdadeiro castelo do Conde Drcula.

Assim ser mais emocionante.

Vo se divertir muito, Senhor Mosley.

Dan, para continuar interpretando bem seu papel, julgou-se na obrigao de improvisar um gesto aborrecido e perguntar:

E as garotas? Quantas so?

Quatro.

Gostaria de v-las.

Isso tiraria a emoo do jogo, Senhor Mosley. Tudo h de ser autntica surpresa.

Dan comeou a encher de fumo um cachimbo.

E os outros cavalheiros? Onde esto os outros cavalheiros? perguntou, como se le passasse em revista os participantes de uma caada.

Encontram-se na biblioteca, bebendo e fumando. Logo se conhecero. Por certo, ter ceado, Senhor Mosley.

Por qu?

_ Aqui, fora de bebidas, no posso oferecer mais nada. Organizei tudo como se fosse um bar.

Parece-me correto. Posso dar uma vista de olhos no palcio, antes de entrar na biblioteca?

Claro que sim, Senhor Mosley. Mas procure no arriscar-se ainda peles stos. Est tudo muito escuro e a luz somente aqui. Logo, quando a festa comear, lhe daremos uma-lanterna.

Dan disse lentamente:

Quando a festa comear...

' Sentia uma invencvel repugnncia, mas queria chegar at o fim. Esperava pegar com a boca na botija todos os participantes daquela sujeira.

Algo estranho deve ter observado Esquilo em seu olhar, porque balbuciou confusamente :

Est sentindo-se mal, Senhor Mosley?

Eu? Nada.

Parece preocupado.. .

E' que sou um pouco tmido disse Dan sombriamente. E agora, com sua permisso, vou dar um giro por seus misteriosos sales.

Enquanto se afastava, Esquilo continuou olhando-o.

Uma expresso brincalhona assomara em seus olhos.

Viu o visitante perder-se por um obscuro corredor e, ento, dirigiu-se at uma das enormes janelas . Olhou o horizonte que ia se enegrecendo paulatinamente .

A noite logo chegaria.

E ento.. . ento le demonstraria que era mais esperto que todos! Poria em prtica seu plano!

Esquilo saiu do castelo e dirigiu-se a um telheiro, situado na parte posterior deste, que antigamente servia de estbulo. O lugar era escuro e cheirava a mofo.

Mal o homenzinho colocou os ps ali, uma mo posou sobre sua boca, impedindo-o de gritar. Outras mos caram sobre seu corpo, prendendo-o, reduzindo-o mais absoluta impotncia.

Mas Esquilo no se- assustou. Esperou simplesmente que aqueles tipos percebessem seu erro.

Um deles murmurou:

Diabo, sinto.. .

No se preocupem. Disse-lhes que qualquer pessoa que entrasse aqui teria que ser imobilizado, imediatamente. Entrei sem avisar.

Poderamos ter cortado o seu pescoo.. .

No seriam to estpidos.

Um dos homens acendeu uma lanterna. Seus contornos se fizeram visveis, e pude ver naqueles trs tipos, trs autnticos gigantes, com aspecto de carregadores do cais de Londres. Usavam armas, e os volumes formados por suas cartucheiras apareciam claramente debaixo de seus casacos.

Esquilo sussurrou:

J esto todos na jaula.

Os quatro?

Sim.

Que temos de fazer?

No momento, esperar. J vi que-esto nos seus postos. Que horas so?

Sete.

Nesta poca do ano, comea a anoitecer demasiadamente tarde disse Esquilo, dominado pela impacincia.

Mas se j no se v nada! Esquilo meditou uns momentos.

Logo comearemos a funo. s oito em ponto. Esses tipos se repartiro pelos cmodos e comearo a procura.

Tem pequenas?

Nenhuma!

Os quatro homens lanaram de uma s vez uma sonora gargalhada.

Pois que diabo vo encontrar? perguntou um deles.

Vocs...

A gargalhada se repetiu. Os trs gigantes apalparam suas armas. Estavam to seguros de si que aquela situao lhes parecia cada vez mais divertida .

Onde ficaremos?

Esquilo extraiu de um de seus bolsos um papel, que desdobrou cuidadosamente, colocando-o debaixo da luz da lmpada. Reproduzia-se ali, um confuso mapa do castelo, com uns sinais claramente marcados em tinta vermelha. Junto a cada um daqueles sinais fora escrito um nome. Cada um dos trs indivduos sabia, assim, qual o lugar que lhe fora designado.

As oito em ponto e sem ser visto sussurrou Esquilo. O resto do plano conhecem perfeitamente. Cada um de vocs sabem o que devem fazer.

Naquele momento, retumbou um trovo nas alturas. A tempestade comeava.

Captulo IV

Quando Esquilo regressou ao interior de Black Tower chovia copiosamente, e o fragor dos troves era quase ininterrupto. Os vidros repica-vam e a paisagem era iluminada sinistramente pelos reflexos dos relmpados.

Tudo aquilo agradava extraordinariamente a Esquilo. At os elementos da natureza estavam a seu favor. Abriu a grande porta e dirigiu-se diretamente sala onde deixara seus hspedes. S tava um, o que le pensava que fosse Mosley.

Encontrou este ltimo perto da porta, examinando atentamente uns quadros pendurados numa das paredes.

A luz era insuficiente, mas os relmpados, atravs das janelas, iluminavam ttricamente aqueles rostos de homens p mulheres que muitos anos antes haviam atravessado os umbrais do alm-tmulo.

Uns rostos eram nobres, outros amargurados, alguns cruis. Um par deles, inclusive, era terrorficos. Seus clhos fitavam das sombras como se quisessem voltar outra vez ao mundo dos vivos, surgindo de suas esquecidas tumbas.

Esquilo, em silncio, parou, olhando a quem le julgava ser Mosley, um dos homens mais viciados de Londres.

A verdade que este no parecia. Tinha as cestas largas, os braos compridos e era o tipo do atleta. Durante alguns instantes imaginou se no se teria equivocado. Mas no, o equvoco no era possvel. le mesmo, Esquilo, fora falar-lhe em sua casa. E le prprio Mosley lhe abrira a porta.

Se por acaso soubesse que o verdadeiro Mosley estava, agora, enterrado em seu jardim, Esquilo Cliss teria um estremecimento. Mas nem remotamente imaginava uma ccisa assim.

Aproximou-se de Dan e murmurou:

Que noite terrvel, eh, Senhor Mosley? Mas eu creio que com um castelo como este, as coisas fiquem mais divertidas no meio de uma boa tormenta .

Oh!

Que lhe chama a ateno nesses quadros ?

Sua qualidade. Alguns so muito antigos e tm grande mrito. Eu entendo um pouco da cultura medieval.

Eu j sabia, Senhor Mosley. Sua casa um autntico museu. Eu tambm entendo um pouco da arte antiga.

Voc mesmo escolheu esses quadros?

Sim.

. Gostaria de saber se efetivamente pertencem a pessoas que viveram neste castelo.

Esquilo soltou uma gargalhada. Tudo aquilo lhe saa cada vez mais divertido.

No, no pertencem aos antepassados de Black Tower. Eu mesmo escolhi esses quadros num leilo, em Glasgow. Pertencem a pessoas que nunca pisaram na Esccia em sua vida. Alguns deles assinalou-os com o dedo correspondem, segundo dizem, a cavalheiros franceses do princpio do sculo XVIII. No, aqui no h ningum dos que viveram em Black Tower, a menos que...

De repente, pareceu refletir.

luz espectral dos relmpagos seu rosto tornou-se mais plido.

O qu? perguntou Dan.

H uma lenda sobre Black Tower.

Todos os castelos escoceses tem sua estria. Eu no prestaria demasiada importncia a essas tolices.

Neste caso diferente.

Por qu?

Disseram-me, quando -aluguei o castelo, que aqui estava o quadro de algum que acabaria matando o novo ocupante, quer dizer a mim.

E', portanto, o retrato de algum que ainda vive?

Parece que sim.

E o encontrou ? Esquilo voltou a rir.

A verdade era que lhe desagradava aquele tema e que no podia evitar um estremecimento cada vez que o mesmo voltava a sua memria. O que lhe disseram acerca do misterioso ser cujo retrato estava ali e que haveria de assassin-lo, tirara-lhe o sono mais de uma noite. Mas agora compreendia que aquilo tudo era uma estupidez.

A voz lenta e sem matizes do jovem chegou at le.

Encontrou q quadro? - Nem sombra!

Mas este castelo muito grande. Pode estar oculto em algum lugar.. .

No deixe sua imaginao voar, Senhor Mosley. Aqui no h nada. Por muito grande que seja o castelo, eu o revistei bem. E no h mais quadros a no ser os do vestbulo e os que o senhor tem diante dos olhos.

Mas poderia ser um destes, no ?

No disse rotundamente Esquilo.

Por qu?

A pessoa reproduzida neste quadro no sei se homem ou mulher, mas deve usar na mo direita um anel com uma pedra vermelha. Parece que este foi um braso dos que habitavam Black Tower. O senhor viu, por acaso, algum quadro em que o personagem reproduzido use um anel com uma pedra vermelha?

Quando passeava por aqui olhei bem cochichou Dan e nenhum o usa.

Isto significa que o quadro no est aqui, e que a lenda no deixa de ser uma tolice.

Quem a contou?

A pessoa que me alugou o castelo. Era um velho, que vivia num casaro, num subrbio de Glasgow.

Era? J morreu?

Esquilo engoliu a saliva. No gostava de recordar aquilo. No havia graa em rememorar as interminveis noites perdidas em conseqncia da lenda.

Sim, logo depois morreu. Algum o assassinou, em sua casa, cora uma agulha impregnada de veneno.

Uma agulha curta, dessas que se pode ocultar no interior de um anel ?

Esquilo tremeu ao confirmar:

Si. . . sss. . . sim.

Por que treme?

Por nada. . . E' uma tolice. Mas no gosto de falar destas casualidades que s vezes surgem em nossas vidas.

Ser que se trata de uma casualidade?

O que pensa, Senhor Mosley?

Sim, claro murmurou o jovem. Tem que-ser uma casualidade; no h outra explicao.

O certo resmungou Esquilo, recuperando de todo o domnio sobre si. E' que vimos aqui para divertimo-nos. Deixemos de quadros desaparecidos e de coisas que no tm sentido. Quer conhecer seus novos amigos, Senhor Mosley?

Antes diga-me uma coisa. As moas ainda continuam no mesmo lugar?

' Decerto. E elas faro o que eu ordenar, porque do contrrio no tero suas pores de droga. So pessoas que j esto perdidas, Senhor Mosley e frisou com deleite. Per. . .di. . .-das.

Dan sentiu um asco mais forte. Percebeu que seus lbios endureciam ? suas mos se crispavam.

Com gosto teria amassado a cabea daquele tipo, mas compreendeu que assim no atingiria seu objetivo.

A comdia tinha que prosseguir.

Esplndido disse com um leve sorriso. 0 que lamento no v-las antes.

Ento a surpresa falharia, Senhor Mosley.

Compreendo.

Esquilo abriu servilmente a grande porta junto a qual se achavam e ambos entraram na biblioteca. Esta era uma enorme sala atapetada de vermelho onde as estantes estavam praticamente sem livros. Algumas paisagens pintadas a aquarela, adornavam os espaos vazios das paredes. Era uma sala meio restaurada e que produzia uma sensao desagradvel; parecia ser um dos lugares mais inspitos daquela casa. Dentro dela, sentados em suas poltronas e bebendo como cossacos, encontrava-se trs homens.

Dan contemplou-os bem. Imediatamente produziu-lhe uma sensao de repulsa que no pde dissimular.

Mas, uma vez dentro daquela aventura, decidira continuar at o fim. Tentou sorrir, enquanto se aproximava do centro da enorme pea, iluminada pelo resplendor de uns toros numa lareira e pela sinistra claridade dos relmpagos.

Captulo v

P AULUS foi o primeiro a saud-lo. E o fz de uma forma aborrecida, como se espantasse moscas.

Os outros dois eram indivduos fortes, bem vestidos e com aspecto de amantes da boa-vida. Seus olhos turvos indicavam que eram adeptos da droga, mas que esta no havia ainda comeado a causar estragos em seus organismos Ademais, segundo pensou Dan, aqueles indivduos no deviam realizar jamais um esforo, e no a mesma coisa um viciado que trabalha e um viciado que pode ficar trs dias seguidos de cama, se isso lhe apetecer .

A mesma obscura repulsa que lhe inspirara Esquilo inspirava, tambm, aqueles indivduos dispostos a arrancarem da vida todo o prazer que esta pudesse proporcionar-lhes, sem reparar em meios e sem pensar nas vtimas inocentes que poderiam deixar a seus ps.

Todos eles deviam ser considerados, ademais, como pessoas honradas, influentes, como honestos comerciantes, talvez, e isso fazia duplamente repulsiva sua presena ali.

Dan sentiu como um calafrio ao apertar suas mes.

Esquilo apresentou-os.

Este senhor Paulus. Colabora em revistas, escreve poesias e um grande entendido em assunto da bolsa. Se alguma vez precisar fazer uma boa inverso, consulte-o.

Eu no me ocupo de negcios disse aborrecidamente Paulus.

Esquilo continuou:

Estes dois senhores chamam-se Kenton e Bradley. Figuraram na lista de membros de nossa melhor sociedade. Aqui se renem hoje as melhores personalidades de Londres e isto me faz orgulhoso.

Dan pensou que bem valia a pena alguns, daqueles cavalheiros serem apresentados polcia.

Mas, naturalmente, calou-se.

Dentro de cinco minutos, vocs podem sair e comear a busca, cavalheiros explicou Esquilo. O aconselhvel, est claro, procurarem separadamente, e se em algum lugar do castelo tornarem a se encontrar, voltem a separar-se em seguida. Espero que a noitada seja agradvel a todos vocs.

Os quatro lanaram grunhidos de assentimento.

Cinco minutos depois, saam e se perdiam pelos recncavos do castelo.

O diablico plano de Esquilo Cliss comeara a realizar-se, mas eles nem suspeitavam.

Eram oito horas em ponto.

Nuvens baixas e espessas flutuavam sobre as torres de Black Tower. De uma nuvem a outra os raios saltavam, encrespando-se no cu com luz espectral .

Todo o plano de Esquilo cumpria-se de minuto a minuto.

le esperava que, at a meia-noite, nenhum daqueles homens se encontrasse com vida. Procuravam garotas para divertir-se e iam encontrar. . . a morte!

Esquilo Cliss sentia-se satisfeito.

Consultou uma vez mais a hora em seu relgio, convenceu-se de que ningum poderia chegar a Black Tower numa noite como aquela e felicitou- se uma, vez mais ao recordar que no casaro no havia telefone nem qualquer meio de comunicao com o exterior. Os quatro homens, que pensava matar, estavam bem encurralados.

Desceu ao sto,por uma porta secreta, muito comum em casares como aquele.

Foi diretamente a uma grande nave, onde no havia absolutamente nada, exceto umas grossas e silenciosas colunas e umas grades que davam para a parte posterior de Balck Tower.

Silenciosamente, na obscuridade, uma sombra saiu a passo.

Esquilo reconheceu a um de seus homens. Sabia que iria encontr-lo ali, pois que aquele era o lugar que lhe designara.

Johnson...

O sujeito chamado Johnson acercou-se dele.

Eles j esto por a?

Sim. Procuram por todas as partes. No comearo a suspeitar de nada at mais ou menos uma hora.

Mas alguns deles pode apresentar-se aqui a qualquer momento, no?

Ser que voc est nervoso, Johnson?

Nem fale.. . Um trabalho desta espcie para mim o mais simples do mundo.

Pois fique atento: No pode falhar...

Oua, Cliss...

O qu?

Apesar da segurana que aparentava, era evidente que Johnson sentia-se nervoso.

Por que quer que liquidemos esses homens? No vejo o que vai ganhar com isso. Todos eles so bons clientes, compram grandes quantidades de p e lhe do bastante dinheiro.

O que eles compram insignificante, tendo em conta o volume total do negcio. Para eles a droga um esporte que praticam com muito cuidado. Nunca chegariam a ficar em minhas mos e, portanto, nunca tirarei deles mais do que querem me dar.

Johnson compreendia, mas guardou silncio.

Esses quatro indivduos vivem s continuou Esquilo. Cada um deles separadamente, so fabulosamente ricos.

E qu?

Se desaparecerem, ningum notar sua ausncia durante um longo tempo. A vida que levam no deixa as pessoas se fixarem neles. Durante vinte dias, pelo menos, ningum se preocupar com eles.

Que ganha com isso?

Parece mentira que voc faa essa pergunta . Isto quer dizer que tenho vinte dias para esvaziar com toda tranqilidade suas casas. Para levar no s os grandes quadros de pintores famosos que tem nelas, e que significam milhares e milhares de libras; tambm as jias e algumas porcelanas, que so peas nicas. Ganharei com esta s operao muito mais do que poderia ganhar em toda a minha vida. No final, eu no sou mais que um modesto distribuidor de drogas. Nunca tive oportunidade de ganhar dinheiro dos grandes. A ganncia vai para o bolso dos que introduzem a droga, dos grandes comerciantes internacionais. Mas dentro de uns dias eu serei muito mais rico que todos eles.Um surdo despeito, um profundo .rancor palpitava na voz de Esquilo Cliss.

Era o despeito do que viu passar o dinheiro em frente a seu prprio nariz, sem poder toc-lo, e agora pensa humilhar os que o humilharam um dia, aqueles de quem sempre dependeu.

E quando descobrirem que esses homens desapareceram ? perguntou Johnson com um sopro de voz.

Pensa que falaram com algum, que viria aqui ?

No, claro que no.

Ningum os relacionar comigo. Todo o mundo ignora que me conhecem e que lido com eles.

Johnson engoliu saliva. Achava que o plano de Cliss era mais astuto do que parecia.

Por outro lado continuou Esquilo ser impossvel que encontrem os cadveres aqui, embora a polcia chegue a suspeitar de algo.

Que faremos com os corpos ? Disse simplesmente Esquilo. Emparedaremos.

Quer dizer que abriremos quatro nichos nas paredes de Black Tower?

Exato. Os muros de Black Tower no foram tocados em oitenta ou cem anos e podem continuar assim um tempo igual. Embora a polcia encete uma investigao em regra, jamais encontrara os corpos. Eu sei como mexer numa parede sem deixar vestgios. Em vinte ou vinte e cinco dias surgiram manchas de sahtre, e os ladrilhos podres como se no fossem mudados nunca. Cravar uns ferros autenticamente velhos pode dar tambm um bom resultado. Sei que jamais a polcia descobrir o objeto do crime.

Johnson sorriu. Convenceu-se de que o plano, em sua simplicidade, oferecia poucas falhas e percebeu com natural satisfao, que le e seus companheiros iam ter uma boa participao nos lucros daquele trabalho.

No falharei.

Esquilo prestou ateno a um repentino rumor que s le captara e que parecia chegar de muito longe. Fz um gesto para que seu subordinado se calasse.

Algum se aproxima cochichou. Esses tipos esto se movendo mais depressa do que eu pensava.

Johnson empalmou silenciosamente o punhal, que levava num dos bolsos de seu casaco.

A lmina rebrilhou dbilmente.

Esquilo escapoliu, porque sabia que um chefe inteligente no precisa manchar de sangue as mos.

E, de novo, se fz silncio.

Captulo VIJ OHNSON espreitava entre as sombras. O punhal brilhava em sua mo direita, como parte de seu prprio membro.

No sabia qual dos quatro homens se aproximava, mas era o mesmo. le estava seguro de no falhar.

Viu oscilar, no outro lado do imenso sto, o disco de luz de uma lanterna.

O que avanava no conhecia o local. Notava-se sua vacilao no modo irregular de avanar, ora apressado, ora demasiado lento. Johnson sorriu, enquanto caminhava sigilosamente e com a astcia de uma raposa para colocar-se s suas costas.

O disco de luz era como um sinal que lhe indicava onde teria que assentar o golpe.

Jamais realizara um trabalho to fcil como aquele e com tantas garantias de xito.

Situou-se s costas do homem, que renegava em voz baixa, porque aquela situao, que no princpio lhe parecera to divertida, comeava a desagrad-lo .

Johnson, sorrindo, levantou o punhal. Acabara de reconhecer o homem que tinha diante de si, completamente dsprevenido. Era Kenton. O ladino Esquilo Cliss o assinalara horas antes, enquanto suas futuras vtimas iam chegando ao castelo.

Johnson, fazendo mais estreito e cruel seu sorriso, impulsionou o punhal at o corao de sua vtima. Soou um espantoso alarido.

Dan encontrara-se numa situao semelhante.

Deram-lhe uma lanterna e inteira liberdade no interior do castelo. E quando encontrasse uma das garotas, poderia ter a certeza de que ela colaboraria. Disseram-lhe tambm que alguns dos cmodos do andar superior estavam mobiliados e que neles encontraria bebidas e um toca-discos, para alegrar o hacanal.

No havia dvida de que para os trs malandros, os trs que acabara de conhecer, a situao no poderia ser mais divertida.

A le, em troca, produzia-lhe nuseas.

Ainda assim, desejava conhecer as moas, que j estavam intoxicadas at a medula. Sentia-se dominado por um violento desejo de salv-las, de redimir suas vidas.

Pensou que o que tinha a fazer primeiramente era encontr-las, quanto antes melhor, e reuni-las num dos cmodos. Seguramente atenderiam s razes e escutariam suas palavras; perceberiam o sinistro abismo em que afundavam irremediavelmente .

Mas onde encontr-las?

O castelo era enorme e to cheio de recantos que podia passar a noite toda naquela infrutfera busca.

Talvez aquilo fosse divertido para os outros, mas para le aniquilava os nervos.

Foi descendo pouco a pouco at o poro, onde era possvel encontrar algum e escutou, muito distante e abafado pelas paredes, um barulho estranho. Tratava-se do assassnio do primeiro viciado.

Dan apertou o passo, porque isso no figurava no programa.

A situao que estava vivendo j era bastante vexatria, mas no sabia que algum teria de morrer. E algum estava sendo assassinado barbaramente, pois um grito de agonia soara claramente.

O disco de luz da lanterna de Dan procurava pelos ngulos das paredes, voava de um lado a outro como numa dana vertiginosa, esperando focalizar um rosto humano, algo que lhe indicasse o que acabara de acontecer.

Dan empurrou uma porta.

O disco de luz projetou-se sobre um grosso tapete, sobre uns mveis de luxuoso entalhe, que dava sala um ambiente de distino e riqueza. E logo projetou-se sobre algo mais interessante: as pernas de uma mulher.

A mulher, fosse quem fosse, estava sentada numa das poltronas, e cruzara as pernas com desenvoltura e tranqilidade, deixando aparecer os joelhos.

A mulher usava sapatos pretos de salto alto, meias de seda muito finas e uma saia cinza. O busto estava comprimido por um apertado suter cinza.

Dan deixou o rosto para o final, mas quando a luz da lanterna o iluminou, no pde evitar uma dbil exclamao de assombro.

Aquela mulher, cujos cabelos louros claros emolduravam um doce rosto, era uma das mais bonitas que recordava ter visto em sua vida.

Tinha os olhos escuros e penetrantes. A luz da lanterna caa em cheio em seus lbios muito vermelhos .

Ao pensar que ela fosse uma das vtimas das drogas, uma daquelas que naquela noite se afundaria de todo, sentiu um estremecimento.

Era bonita demais e muito jovem, para que lhe acontecesse algum mal.

Ela murmurou:

Bem, que faz a parado? Por que me ilumina com esse foco como se eu fosse uma vedete?

Dan permaneceu em silncio uns instantes.

Tudo o que lhe ocorreu dizer, foi:

Como se chama?

Ndia.

Suponho que.. . Bem, suponho que esse porco do Esquilo Cliss lhe ter dito algo.

Quem Esquilo Cliss?

A surpresa deixou paralisado o jovem.

No o conhece?

Nem sombra.

Ento que faz neste castelo?

Se lhe disser no acreditar. Vai pensar que a histria de Branca de Neve.

Conte-me tudo direitinho. Pode ser que eu acredite. Eu sou muito idiota, sabe?

Vim parar aqui, refugiando-me da tormenta cochichou ela. Esta a verdade.

Como uma confirmao de suas palavras, estourou um trovo, estremecendo a estrutura de Black Tower. O relmpago iluminou os mveis da sala, e a figura harmoniosa da mulher moveu-se como uma esttua viva.

Fugindo da tormenta? sussurrou Dan, quando cessou o estampido dos troves.

Sim.

Ela se ps de p e acercou-se de uma das janelas . Os saltos altos eram como um pedestal para sua encantadora figura. Dan seguiu-a, meio hipnotizado.

Atravs da janela ambos viram um carro estacionado diante do castelo. Era pequeno e modesto; um Fiat, italiano, com motor atrs. A chuva batia sobre le firmemente.

Dan no recordava ter visto o carro antes, o que indicava ter a moa chegado pouco antes.

Que lhe aconteceu?

Que poderia acontecer-me? Esses carros, quando chove torrencialmente, comeam a molhar o motor. A duras penas pude chegar at aqui. Sei que agora no haver ningum que o faa andar at ficar completamente seco.

- E como entrou? No ouvi o barulho da porta.

A entrada principal fica aqui em baixo explicou ela. Muito perto do carro h uma pe-

quena entrada de servio. Vi que estava entreaberta e entrei. O mais estranho que estes cmodos esto totalmente escuros. Tampouco vi algum. Sentia-me disposta a passar a noite aqui, sentada nesta poltrona, quando voc apareceu.

Estou entendendo.

Voc o dono desta casa?

No, no sou.

A tormenta lhe surpreendeu, tambm? Dan resolveu dizer meia-verdade.

Sou ingls, jornalista, mas resido nos Estados Unidos. Estou aqui colhendo material para uma srie de reportagens.

De que espcie?

Artes plsticas e outros assuntos ligados cultura britnica.

Enquanto falava, o crebro de Dan trabalhava com rapidez. E parecia que Ndia no era uma das pobres pequenas dopadas.

Tambm faltava aclarar o' estranho grito, ouvido pouco antes, denunciando um atentado em Black Tower.

Tudo se apresentava muito mais complicado do que Dan pensara no princpio, mas uma cousa exigia urgncia: precisava colocar a salvo aquela jovem para que no se convertesse numa vtima inocente das circunstncias.

Tenho uma idia. Suponho que o que voc pretende descansar at que a tormenta amaine.

Claro.

L em cima deve haver uns dormitrios. Pode ocupar um deles e fechar a porta.

Se o que pretende aproveitar-se da situao lhe asseguro que.. .

Dan, fz um gesto para tranqiliz-la.

Nada mais distante de meus pensamentos.

Pois parece estranho, porque desde os dezessete anos aprendi que todos os homens pensam do mesmo modo.

Pelo que me toca, pode ficar bem sossegada .

De acordo, aceito sua oferta. Mas h um pequeno obstculo.

Qual?

No vim s. Como diz?

Trago uma amiga.

Apontou para um dos lados da sala, onde outra moa, to bonita que Dan no olhara antes, porque como ela, permanecia encolhida numa poltrona. Tambm usava sapatos de salto alto, meias de seda e saia muito curta, tentadoramente curta.

Captulo VII

PATRICK HODGES, carteiro rural, que fazia aquela rota cinco vezes por semana, deixou a bicicleta ao abrigo do toldo da tenda, desprendeu-se do capuz empapado pela chuva e entrou bufando no pequeno estabelecimento de seu amigo Ben Bay-nes, denominado O Descanso Eterno.

Uma vez no seu interior, Hodges despiu-se do impermevel e acercou-se da lareira.

. Ben Baynes saudou-o do balco.

Que noite horrvel, heim Patrick?

Uma noite de morte.

Homem, no precisa ficar assim...

E como vou ficar? Com esta chuva e ainda tenho que entregar duas cartas urgentes, chegadas ltima hora.

Para quem so?

Uma para Ralphson e outra para Blint.

Pois no precisa incomodar-se. Os dois me disseram que passariam aqui esta noite, para tomar um trago, e eu mesmo as entregarei. Esta sua noite livre. Que quer que lhe sirva? Usque ou rum?

Rum esquenta mais. E ponha uma poro dupla.

Quando Patrick bebeu dois ou trs tragos, comeou a animar-se.

Escute, Ben.

Que h?

Vi animao em Black Tower.

E isso que tem de estranho? J sabe que um fulano meio louco est empenhado em restaurar aquilo. At me recordo de seu nome. Chama-se Esquilo Cliss. O apelido de Esquilo se v que foi posto per causa do aspecto que tem.

Sim, isso eu-sei, mas parece-me que est noite chegou mais gente. S os vi, ao desviar-me um pouco de meu caminho habitual.

Ben Baynes fz um gesto de curiosidade.

Que gente?

Tipos que deviam ser importantes, a julgar pelos carros que usavam. Um deles, inclusive, eu vi entrai' com um Rolls no galpo que antes servia de garage. E que iam fazer l ?

No tenho idia, mas me parece que essa gente se engana. No recordam o que se diz desse lugar.

Ben Baynes teve um estremecimento.

No passa de lendas, forjadas por crebros supersticiosos.

Lendas? Voc no se recorda de Philip, o administrador de Black Tower, que vivia em Glas-gow?

Claro que me recordo.

Pois deve saber que o mataram faz pouco. Pura casualidade.

Casualidade ou no, tambm morieu do mesmo modo a ltimo pessoa que alugou o castelo.

Expressou-se com uma entonao especial, como se temesse, inclusive, pronunciar o nome de Black Tower.

No diga que acredita na histria da mulher do quadro. E' apenas fantasia.

Mas Patrick, apesar de suas palavras, estremeceu violentamente, quando um novo relmpago iluminou o salo do pequeno bar. E no voltou a falar, enquanto no passou o efeito do susto.

O da mulher do quadro sussurrou olhando Ben Baynes pode ser que seja mera fantasia, mas algo estranho ocorre ali. Que diabo! Voc sabe o que se propala boca pequena: que algum, pertencente a ltima famlia que possuiu Black Tower, liquidaria quantos se atrevessem a colocar os ps ali. J sabe como eram orgulhosos os antigos donos. Mas eles tiveram de vender o castelo a qualquer preo, por causa de suas dvidas e foi um golpe mortal. Disseram que nunca perdoariam os que ocupassem aquela casa; e que uma das mulheres da famlia os exterminaria.

E bebeu outro trago de rum.

Ben Baynes fz o mesmo.

Sim, certo. Qualquer habitante do lugar o tem fresco na memria, como tem fresca a morte do comprador do castelo, que em seguida quis instalar-se nele. No durou nem duas semanas! Logo esteve sob o encargo de uma firma administradora uns tempos, sem que ningum o quisesse, e quando o pobre Phil o alugou.. ., morte para o pobre Phil! Eu no sei o que pensar disso tudo, mas em mim o medo est subindo ao cocoruto.

Outro trovo sacudiu o bar. Agora, dos dois ao mesmo tempo, j no tentavam dissimular. Tampouco davam conta de que estavam esvaziando a garrafa de rum para animar-se.

Naquele passo, dentro de dez minutos j no sobraria nada.

Ademais estou muito seguro de que seja uma patranha, isso da mulher do quadro continuou dizendo Patrick, o carteiro. Os rumores j os conhece bem. A pessoa que iria liquidar a todos que entrassem ali, estaria pintada num quadro dentro da casa. Era uma mulher e usava um anel com uma, grande pedra vermelha.

Sim, j me recordo disso. Recordo-me melhor que voc.

Esse quadro no ngua entre os que h em Black Tower, mas certa vez algum me falou de que, efetivamente, estava ali.

Tero tirado?

Soltou uma gargalhada, enquanto acrescentava:

No. Quase posso assegurar-lhe que eu saberia . Percorro a comarca palmo a palmo o me inteiro de tudo o que ocorre.

No, definitivamente no creio que o quadro seja uma mentira. O que sucede que est em algum lugar do castelo. Haver um momento em que algum, talvez esta noite mesma, se encontrar cara a cara com le.

Os deis estremeceram novamente e a tempestade no cessava.

Era uma das piores noites que se recordavam naquela comarca da Esccia. O taverneiro comeou a encher seu cachimbo, mas estava to nervoso que o tabaco se derramou no cho.

H algo mais sussurrou o carteiro.

.. Algo.. . mais?

Sim. Tambm ouvi dizer h tempos em uma de minhas corridas pela comarca algo que se referia a essa mulher, a mulher do quadro. Algum disse que no era uma mulher como as demais .

Em que sentido? No me diga que tinha dois narizes ou que uma de suas pernas era mais comprida que a outra!

No, nada disso. . . A pessoa que me falou disse que de pernas e de corpo estava muito bem. Que era uma mulher sensual. Mas seu rosto era queimado em parte, por causa de um acidente. Era um pequeno monstro.

Dan dominou seu assombro depois de iluminar durante uns segundos aquela mulher. Seus olhos percrustaram todos os detalhes daquele corpo e em especial aquele estranho rosto.

No podia, negar que, em outro tempo, aquelas feies deveriam estar cheias de encanto e de uma singela beleza.

Tinha uma doce expresso, talvez um pouco lnguida e sonhadora, mas cheia de distino. Adivinhava-se que a dona daquele rosto era uma mulher de boa famlia, educada pelos melhores professores, que exercia a suprema arte da elegncia que muitas pessoas no chegam a adquirir em toda a sua vida.

Isso quanto a um dos lados de seu rosto.

O outro lado no podia dizer que pertencia a uma mulher ou a um monstro. Estava completamente carcomido pelas chamas, e no era mais que uma massa fofa que cobria toda a face at o nascimento dos lbios. Por sorte seus olhos estavam intactos, e isso dava quelas feies uma certa expresso de humanidade. Dan pensou que aquela mulher devia ter sido excepcionalmente formosa, mas agora, luz dos relmpagos, apresentava uma fisionomia de monstro.

Dan sussurrou:

Quem essa mulher?

Encontrei-a perto de Black Tower.

Tambm se extraviou com a tormenta?

No. Disse-me que jornalista e est escrevendo umas reportagens sobre esta zona da Esccia . Mas seu carro, tambm, sofreu uma avaria.

Estranha casualidade.. .

Recolhi-a continuou Ndia mas parece que trouxe m-sorte. Ao fim de pouco tempo, meu carro tambm comeou a ratear.

Dan murmurou:

Tambm estranha a profisso dessa mulher.

Por qu? perguntou a desconhecida. Sua voz era clara e harmoniosa, embora ligeiramente

metlica. Ser que no posso ser reprter s porque tive um dia a desgraa de queimar-se ?

Um reprter tem que tratar com o pblico. Bem, perdoe-me... murmurou Dan. Sem perceber fui demasiado cruel.

No tem importncia. O que quiz dizer que meu aspecto no agrada s outras pessoas, verdade ?

No quis dizer exatamente isso. Tudo questo de.. . de.. .

De costume, no assim?

Sim, isso. Eu creio que tudo seria questo de v-la durante algum tempo.

Obrigada. Voc um homem bem-educado.

Dan continuava focalizando a mulher com sua lanterna, mas quase era desnecessrio, porque o fragor da tormenta aumentava, e o claro dos relmpagos iluminava como se fosse pleno dia.

E voc deve ter sido uma mulher muito bonita disse Dan. Lamento o acidente.

Eu j me acostumei cortou secamente ela. Bem vamos ao mais prtico. Meu nome Nora e ouvi o que antes contava a Senhorita Ndia. E' provvel passarmos a noite neste castelo?

No vejo inconveniente, se se trancarem em seus quartos.

Por qu?

No estou sozinho em Black Tower, e todas as demais pessoas que aqui se encontram, so homens.

Nora soltou uma gargalhada rouca.

Pensa que algum homem vai aproximar-se de mim, amigo?

Por que se atormenta assim? Voc , em muitos aspectos, uma mulher como as outras

A gargalhada se repetiu.

Mas era uma gargalhada densa e amarga, como Dan no recordara ter ouvido jamais em sua vida.

De acordo disse Nora. me encerrarei para que no me toquem. Agora, quer-nos ensinar quais so os nossos formosos aposentos?

Esto no andar superior.

Ndia, dando mostras de menos nervosismo, perguntou:

No seria mais prudente que pedssemos permisso ao dono da casa?

Eu mesmo lhe direi.

Ento vamos.

Precedidas por Dan, que manejava a lanterna, as duas mulheres subiram ao primeiro andar. Dan estava muito longe de suspeitar, naquele momento, que a famosa mulher do quadro, a temvel assassina, era uma mulher de rosto queimado.

Mas nada sucedeu.

Foi fcil encontrar no primeiro andar um dormitrio bem instalado, onde as duas mulheres ficariam a ss. Dan teve a precauo de recomendar-lhes que fechassem a porta por dentro o no a abrisse a ningum. Calculou, tambm, que pelas janelas seria muito difcil entrar, de modo que, neste particular, ficou tranqilo.

O disco de luz de sua lanterna continuou iluminando corredores silenciosos, estranhos cmodos, onde as sombras pareciam dormir um sono de sculos. . .

De repente, aquele foco de luz captou a silhueta de um homem escondido num ngulo e parecia no querer ser visto. Dan suspirou ao reconhecer nele Bradley, um dos pssaros que lhe fora apresentado pouco antes. Dos outros, Paulus e Kenton, no voltara a saber nada desde que os quadro se dispersaram por Black Tower em busca da aventura.

Bradley estava nervoso e intranqlo. Parecia muito amolado pelo fato de Dan lhe ter encontrado ali.

Maldita noite! resmungou.

Sim murmurou Dan. No estamos nos divertindo muito.

Eu no pensava divertir-me.

Por que no?

A reao de Bradley chamou a ateno de Dan, que se aproximou dele, sem deixar de focaliz-lo em nenhum momento. Pergunto-me o que pretendia voc ao vir aqui. Eu supus que fosse um viciado, como os demais.

E sou, mas de classe diferente.

Explique-se, Bradley, se no secreto.

Per que h de ser? Maldita seja, j comeo a ficar farto! Pensei que seria diferente, razo porque aceitei. Eu fui tempos atrs um viciado, mas por sorte pude curar-me. Ento me dediquei a estudar os efeitos dos estupefacientes e seus mtodos de distribuio. Pensava, talvez, que pudesse salvar muitos homens, considerados irremediavelmente perdidos. Mas Cliss, que ainda me considera um cliente habitual, porque lhe compro droga para minhas anlises, convidou-me para esta grotesca comdia. Santo Deus! A nica coisa que eu queria saber por mim mesmo at que ponto uma mulher jovem pode chegar por causa da droga. Queria fazer investigaes sem as quais minhas experincias seriam incompletas. Per isto estou aqui. No sei que espcie de tipo voc, Mosley, mas me parece ver em seus olhos que no to porco como Paulus e Kenton. Se quiser ajudar-me a salvar algumas dessas pequenas, sua conscincia lhe agradecer. O que se preparou aqui esta noite, simplesmente execrvel.

Dan no pde evitar um suave sorriso.

Menos mal. Nem tudo estava perdido. Diante de seus olhos tinha um homem que conseguira sair dos sinistros abismos da droga, que conseguira, inclusive, impor sua vontade para ajudar os demais a escapar daquele terrvel flagelo. Homens ccmo Bradley faziam Dan pensar que nem tudo estava perdido; que h no corao humano um fundo de bondade, e que s faz falta vontade e energia para despert-lo.

Eu no me chamo Mosley decidiu confessar .

No?

Sou um jornalista e me chamo Dan. Cheguei a Londres, faz pouco, para resolver um assunto que afetava a honra de meu pai, morto h anos. Meti-me neste embrulho quase sem saber como, mas minha nica inteno ajudar as mulheres que se encontram aqui, esta noite.

Bradley exalou um suspiro de alvio.

Contento-me encontrar um ser humano. Pensei que j haviam terminado.

Por que no unimos nossos esforos? Parece-me absurdo que, procurando o mesmo objetivo, tenhamos cada um de ir por caminhos diferentes. De acordo, mas antes desejava comer um pouco. Tenho lcera no estmago, e devo comer bastantes vezes ao dia e em pequenas quantidades. Trago no meu carro algumas gulodices, prevendo isso. Acompanha-me? Tenho muito prazer em convid-lo, amigo.. .

... Dan completou o jovem. Chamo-me Dan.

Felicito-me em conhec-lo. Nunca precisei tanto encontrar um homem que pensa como eu. Vamos ? Meu carro est no galpo situado ao lado de Black Tower.

Dan no sentia apetite naquele momento, mas compreendia que no devia deixar s aquele homem. Poderia ser vtima de um atentado. Portanto decidiu acompanh-lo, e ambos desceram ao andar inferior.

Captulo VIII

O CARRO estava tal como Bradley o deixou. Entraram nele, e Bradley apertou um boto do porta-luvas. Logo comeou a comer um pequeno sanduche de presunto, depois de oferecer a Dan, que recusou .

Voc sabe o que representa um carregamento de herona de vinte e cinco mil dlares? perguntou, de repente.

Pois.. . vinte e cinco mil dlares.

Que inocente que voc , meu amigo! engoliu um bocado e olhou-o plcidamente. Um carregamento desta espcie vendido, significa pelo menos, meio milho de dlares.

E' possvel?

Duvida? Por que pensa que os traficantes de drogas chegam ao crime com tanta facilidade? E que sabe voc de drogas?

Pouco. . . o que todo mundo sabe.

E' que ningum sabe nada. Conhece ao menos quais so as principais drogas?

Pois.. . o pio, a herona.. .

O pio, a cocana, a caucabis, o methadone, a morfina, o demerol, o normetadon, o quetodemidon e a destromoramide. E ainda esqueo algumas.

No sabia... que voc era to esperto.

Simples curiosidade. Conheo, ademais, os efeitos de cada droga. O pio, por exemplo, uma substncia que se obtm das vagens, antes de amadurecer, da' dormideira chamada popularmente flr-do-sono, cultivada na ndia, China, Turquia, algumas zonas do Mxico e em todo o Oriente Mdio. Produz uma sensao de eufrico bem-estar e d lugar a fantsticos e incrveis sonhos. Quando falta a um indivduo viciado, intoxicado, este sofre dores terrveis e nuseas. Mas o pio no mais que o princpio.

Tirou uma garrafa chata com vinho Ros de Borb; ns e esvaziou-a de um trago.

O pio tem muitos derivados, principalmente a morfina, a codena e a herona. A morfina um alcalide branco e cristalino obtido diretarnente do pio. Medicinalmente possui muita eficcia, mas uma das drogas mais viciosas que existem. A codena no tem tanta importncia, mas a herona , em parte,, a rainha das drogas. Deriva diretamente da morfina e cinco vezes mais perigosa que esta.E' uma substncia cristalina que varia de cr desde o branco mais puro ao cinzento, chegando a alcanar um tom castanho claro. Produz intensas reaes, fantasias, fora e bem-estar, alm de eliminar os desejos sexuais. O toxicmano a quem faltar essa droga matar, roubar e cometer-qualquer delito para angari-la. As pequenas que voc conhecer esto, sem dvida, entregues mesma. Nada lhes importa se obtiverem sua poro. E' uma droga que se pode aspirar ou injetar. A administrao por via nasal de uma grama ou duas pode ser suficiente para cair nas garras do vcio.

Evidentemente, Bradly era um entendido. Dan sentia-se assombrado e timidamente perguntou:

Como se preocupou em aprender essas coisas ?

Simples curiosidade, meu amigo. As drogas so um problema de nosso pas, e um homem consciente deve conhec-las.

Felicito-me ao ouvir suas explicaes. Que sabe da cocana?

Hummm... E' muito simples. Um alcalide que se obtm da macerao das folhas de coca, que se cultiva principalmente na Amrica do Sul. E' uma droga cristalina que, ao contrrio da herona, excita os desejos sexuais. Se se usa em grandes doses produz falta de sono e uma completa extenso, at chegar a causar a loucura ou a morte. E h quem mistura a cocana com a herona em uma espcie de coquetel que recebe o nome de dinamite. Pode administrar-se por via bucal, injetar-se ou aspirar-se.

Acendeu um cigarro antes de continuar:

E quanto a cannabis, a famosa marijuana, que tem mais de trezentos nomes diferentes. E' a erva do cnhamo, de cuja semente, vagem e caule se extrai a droga. O produto da erva se fuma, embora tambm seja usado em forma liquida. Os efeitos dessa droga so terrveis, porque levam diretamente ao homicdio.

Expirou uma lenta tragada de fumo.

Como v, o catlogo muito variado. E no falo das drogas sintticas, das que cada ano descobrem-se vrias, para no cans-lo. Neste mundo artificial e estpido em que vivemos, as pessoas se lanam s drogas com verdadeiro frenesi, e sua produo e venda so um dos principais negcios do sculo vinte. Claro que voc, um homem so e que ainda no experimentou seus efeitos no me compreende.

No, no o entendo.

Ns pensamos que as pessoas ou so felizes ou no so, na realidade disse Brandley com um sorriso de fastio. Voc no juraria que Marilyn Monroe era o cmulo de felicidade terrena? Tinha juventude, tinha o amor a dar com os ps, tinha dinheiro e era uma das mulheres mais famosas do mundo e uma das mais invejadas. At que, de repente.. . crack! De repente, voc e u descobrimos, com assombro, que era uma desdita-da que estava borda do desespero e que num momento determinado sentiu a loucura de tomar mais soporfero do que necessitava. Dou-lhe esse nome para demonstrar-lhe que o mundo moderno no d a felicidade, que as pessoas procuram por outro caminho. Creia-me, no h felicidade mais completa que a produzida pelas drogas, embora seja artificial! Quando algum est debaixo de sua influncia, pensa ser o homem mais rico, mais poderoso, mais elegante e mais amado pelas mulheres que existem no mundo.

Dan olhou-o com certa surpresa.

Parece que voc defende o uso das drogas, Bradley.

Oh! no! sorriu. O mximo que fao reconhecer que a angstia do mundo atual faz seu uso cada vez mais freqente e que do uma felicidade artificial, coisa que, por outra parte, ningum nega.

Soltou outra baforada de fumo, enquanto parecia contemplar a escurido que os rodeava.

E como funciona c mercado internacional das drogas? perguntou Dan. Voc, que parece um entendido, deve saber.. .

Claro que sim, meu amigo, claro que sim... O mercado internacional das drogas, embora a voc parea que tem que se desenvolver em ambientes srdidos, est manejado por pessoas elegantes, que movem milhes. Graas a modistas, perfumistas arquelogos, milionrios que parecem viajar por prazer... Todos esses so os que viajam ao Oriente e compram a matria-prima, a droga sem elaborar, que faz falta no mercado.

Mas, que... no Oriente ningum probe o cultivo dessas plantas? perguntou, assombrado.

Na realidade, no. Acaso voc sabe o que o Oriente Mdio? Uma srie de pases pobres em contnua luta e onde julgam influncias estpidas e sinistras. A polcia corruptvel e s vezes qs prprios governantes tm participaes nos benefcios da droga. O principal pas produtor, antes, era a China, e a mercadoria se comprava em lugares determinados nos sinistres portos de Shanghai, e Hong-Kong, mas agora a China vive sob outro regime, onde proibido o trfico de entorpecentes. Os provedores marcham, ento, para o Oriente Mdio, a Indochina, Mlaga e ndia. Dali fazem transportar a mercadoria para a Itlia, onde se elabora.

Como a transportam? No esquea que os que fazem estas viagens so autnticos milionrios e pessoas elegantes das quais ningum desconfia. s vezes trata-se, inclusive, de mulheres belssimas. Um sorriso a tempo, uma gorjeta e a metade das maletas no so abertas. Outras vezes a droga viaja em fundo duplo da bagagem e, se a situao chega a ser muito difcil, em lugares secretos do navio. s vezes este lugares secretos no so descobertos nem sequer quando o navio ancorado. Homens de confiana dos estaleiros j o haviam construdo assim. Mas para conseguir tudo isso e mover tantos recursos precisa-se que as ganncias sejam de centenas de milhes...

E so, amigo.

Dan olhou atravs da janela. Pensou maquinalmente nos que no seriam ricos. O dinheiro, o

grande dinheiro passava por estranhos caminhos. E, de repente, sentiu pena e uma espcie de asco.

Voc disse perguntou, olhando Bradley que a mercadoria se elabora na Itlia. Como possvel? No vai dizer-me que a Itlia tambm um pas perdido como o Oriente Mdio.

Oh, no! Como ia atrever-me a dizer isso? A Itlia um pas maravilhoso. O que acontece que na Itlia, e concretamente na Siclia mora a mafia. Voc j deve ter ouvido falar nesta antiqussima organizao secreta. A mafia, da qual foi chefe o finado Lucky Luciano, faz o carregamento da droga, transforma-a em lugares secretos e a reexpede, j elaborada, aos Estados Unidos. s vezes a droga se elabora legalmente em fbricas autorizadas, como no caso de uns importantes laboratrios suos e outros franceses, cujos diretores falsificavamas partidas de material e asseguravam estar trabalhando em produtos inofensivos quando, na realidade, tranformavam em herona. Esses pssaros foram descobertos faz pouco, mas as penas que lhes corresponderam foram mnimas.

Fz uma pequena pausa e acrescentou:

Ao chegar a droga aos Estados Unidos, o panorama se transforma. Neste pas tm que vender a droga, que custou cem mil dlares por vrios milhes. Por isto, a droga distribuda em raes nfimas entre os vendedores, que so gente pobre, prostitutas, chefes de quadrilhas e donos de cabars e cassinos. Todos eles esto obrigados a guardar o segredo e a pagar religiosamente. Qualquer anormalidade, qualquer traio se castiga com a morte imediata.

Exalou outra coluna de fumo, enquanto dizia em voz baixa:

Este mundo o que eu conheci.

Exato, amigo. E esse mundo o que nos rodeia agora.

Tenho de acabar com Esquilo Cliss sussurrou, com voz tensa. Isto no pode terminar assim...

Acabar com quem? perguntou zombeteiro Bradley. No poder. Basta salvarmos as garotas.

Captulo IX

ESQUILO, Cliss sentia-se satisfeito. Afundado na poltrona mais cmoda da biblioteca, contemplava o crepitar da lenha, j quase extinta, enquanto no interior crescia mais e mais o fragor da tormenta. Os troves retumbavam nas grandes salas-vazias de Black Tower, mas isso no fazia seno acentuar a sensao de placidez e de conforto que se tinha ali dentro.

Consultou seu relgio.

Eram dez horas. Sem dvida seus homens haviam terminado j a maior parte do trabalho. E dizer, dava por descontado que ao menos dois de seus convidados j estariam mortos.

Teria que fazer uma inspeco pelos lugares onde seus homens estavam situados, para convencer-se de que tudo caminhava segundo o plano previsto.

Dobrou uma lista na qual estivera trabalhando e a guardou em um dos bolsos de seu casaco. Era uma lista de compradores dos objetos que pensava tirar das casas de seus convidados. Muitos dos objetos os conservaria, porque Esquilo Cliss era dotado de um fino senso artstico, e o que mais lamentava era no ser multimilionrio para colecionar objetos de arte que fossem nicos no mundo. Mas os outros o venderia num instante e com um bom lucro. Os nomes que figuravam na lista que acabava de guardar com grande cuidado eram. de toda confiana. Vendendo-lhes, podia contar com a segurana de no ter logo complicaes com. a polcia.

O lucro iria ser mais que substancioso. E valeria mais do que o assalto a um banco bem recheado.

Sumido nesses lisonjeiros pensamentos, Esquilo desceu ao poro onde deixara Johnson,.

Movia-se com rapidez e segurana, pois conhecia Black Tower palmo a palmo. Ao chegar ao poro, procurou o lugar onde deixara Johnson. E, com efeito, encontrou-o ali, com o punhal coberto de sangue.

Aquele homem era Kenton. A julgar por sua cr, devia estar morto h mais de uma hora.

Magnfico disse Cliss, com a complacncia do que contempla uma obra de arte bem acabada. Vejo que no falhou o golpe.

Mas Johnson disse com um sopro de voz quase inaudvel.

No fui eu quem o matou. . .

Captulo X

ESQUILO ficou paralisado. Acreditaria em qualquer coisa no mundo, menos no que acabava de dizer Johnson.

Est louco?

No fui eu.. . Juro!

Cliss pensou que seu subordinado estava a ponto de sofrer um ataque de nervos e que se sentia afetado por uma espcie de pesadelo. Certo que aquele poro, estremecido pelo fragor da tempestade, era para desenquilibrar qualquer ente, mas le sempre imaginara que Johnson era um homem de mais tempera.

Bem, bem, tranqilize-se.. .

E foi a dar uma palmada nas suas costas, quando notou que no punhal de Johnson no havia uma gota de sangue.

Sentiu uma corrente de ar gelado atravessar-lhe a espinha. Oua...

Johnson estava mais alm do limite do horror. Seu medo era to grande que no conseguia mover-se dali. De repente Esquilo, com uma olhadela mais certeira, percebeu o terror estampado nos olhos do gangster.

Johnson. . . que aconteceu?

Foi uma mulher.. .

Diabo, explique-se!

Eu ia liquidar Kenton. . . Era tudo muito fcil.. . le usava a lanterna, de modo que distingui seus relevos com claridade.. . Assestei o golpe direto ao corao, quando, de repente, algo me deteve. Parei assombrado.. . uma mo de mulher, armada com uma faca, apareceu no reflexo da luz projetada pela lanterna.

Esquilo exigiu com voz fremente:

Continue!

Tudo foi muito rpido.. . De repente, ela moveu o punhal duas vezes. Nunca vi tanta rapidez. .. Antes de refazer-me do susto, Kenton j tinha recebido duas facadas -no corao. Caiu, de repente, soltando a lanterna, e um silncio espantoso se fz neste maldito poro.. . Eu contive a respirao e s escutava o som muito suave que produzia a mulher ao expelir o ar pela boca. Sem dvida estava furiosa e me procurava, mas a escurido era absoluta e no podia ver-me. Fiquei quieto, muito quieto, at que seus passos foram afastando-se pouco a pouco.Cliss tratou de manter-se sereno.

No compreendo, Johnson.

Que que no compreende?

Voc pode ser qualquer-coisa, menos um pateta e covarde. Sua verdadeira profisso a de assassino. No vai dizer-me que se assustou diante de uma mulher? Por que no liquidou ela tambm, ou pelo menos averiguou o que acontecia?

No pude faz-lo.

Nem viu pelo menos como era ?

No. S suas mos. . .

E por que diz que no se atreveu a atac-la?

Precisamente porque vi sua mo.

Que tem isso de particular? resmungou Cliss. Ser que pretende fazer-me de louco, Johnson?

Essa mo disse o assassino com um sopro de voz usava um anel com uma grande pedra vermelha.

Esquilo Cliss ficou um momento sem respirar .

Compreendia perfeitamente o que devia ocorrer Johnson, j que tambm le se sentia, nesse memento, como se seus msculos se paralisassem, de repente.

De modo que uma mulher assassina, que usava um anel com uma grande pedra vermelha...

Tudo aquilo, que le no desejara acreditar, manifestava-se ante seus olhos como algo verdadeiramente fantstico. Aquela lenda maldita de que le se riu, concretizava-se.

Johnson murmurou:

Chefe, temos de sair daqui.

No faa caso. Voc deve ter sofrido um pesadelo.

E o morto, que est aqui, no lhe parece uma boa prova? Ainda pensa que sonhei?

No. Algo de verdade h no que diz. Mas vamos fazer uma coisa,, Johnson. Vamos tomar um trago e reunirmo-nos com Paul e com Lomas. Creio que entre todos, poderemos chegar a alguma concluso razovel.

Contanto que me tire desse maldito poro qualquer coisa vai bem, chefe.

- Vamos logo.

Os dois juntos, extremando as precaues, avanaram pelas silenciosas naves de Black Tower. Cada um deles levava uma arma. Seus msculos estavam tensos e seus ndices pareciam prontos para o disparo.

No foi difcil encontrarem Paul e Lomas, os outros dois assassinos, nos lugares que lhes foram 'designados. Nem Paul nem Lomas tinham nada que contar. Ao contrrio de Johnson, seu trabalho resultar dos mis aborrecidos at aquele momento. Nem haviam visto ningum, nem nada se aproximara deles para esquentar a coisa.

Os trs se reuniram na biblioteca. Cliss no quis que Johnson desse explicaes para os outros. Comeava a perceber de que no era o mesmo atuar numa cidade, como estavam acostumados a fazer aqueles tipos, como atuar em Black Tower. Havia algo ali que desfazia os nervos, e mais uma noite de tormenta.

Os quatro homens, bebram silenciosamente. Por fim .Esquilo perguntou:

Nenhum desses pssaros apareceu por vossas zona?

Nenhum, chefe.

Pois ainda faltam trs com vida. E so j dez e meia da noite.

Temos tempos, no?

Vamos procur-los decidiu Cliss. Os procuraremos em grupo e acabaremos com eles de uma vez. Logo teremos que empared-los e no deixar nem um leve rasto de seus passos. Tambm teremos que desfazermo-nos dos automveis, despencando-os em lugares diferentes e bem distante de Black Tower. Isso nos d trabalho para toda a noite.Ao amanhecer temos de estar rumo Londres para esvaziar as casas desses imbecis. Agora j no nos sobra muito tempo.

De acordo, chefe.

Johnson parecia ter-se reposto. Os quatro homens puseram-se em movimento.

Ao sair da biblioteca, viram Dan a quem eles pensavam ser Mosley e Bradley, que entravam juntos na casa.

Magnfico sussurrou Cliss. Vamos a eles. Assim poderemos matar dois pssaros de um s tiro.

Captulo XIEram quatro homens, Esquilo, Johnson, Paul e Lonas, contra dois s, Bradley e Dan.

Nenhum desses dois, suspeitava que iam ser atacados. O que faziam na realidade era procurar as moas que supunham estar em Black Tower.

De repente um curto som metlico advertiu Dan. Era um som que produz um gatilho de uma arma ao ser montada.

Deu um rapidssimo empurro em Bradley, enquanto le mesmo lanava-se no lado oposto.

A primeira bala passou entre os dois. Outras trs, quase simultneas, se estilhaaram contra as grossas paredes do vestbulo.

Dan gritou, olhando at o lugar onde estava Bradley:

Solte a lanterna!

O mesmo j havia soltado a sua, enviando-a longe, mas Bradley no soubera atuar a tempo. O disco de luz que ainda sustinha na mo direita era para seus inimigos uma pista demasiado clara. De repente soaram trs detonaes mais, e Dan percebeu o sinistro plaf, plaf, das balas ao fundir-se num corpo humano.

No precisou ouvir o grito de agonia de Bradley para compreender que este fora alcanado mortalmente .

Conteve uma praga.

No suspeitara at aquele momento que estranhas derivaes ia assumir aquele assunto. le estava seguro de encontrar-se ante uma quadrilha de malandres e corruptores, mas no -diante de um grupo de frios assassinos. Esquilo e seus homens, ao que parecia eram as duas coisas ao mesmo tempo.

Um suor lvido apareceu nas frontes de Dan. Tinha que escapar dali.

Para no fazer o menor rudo, comeou a rastejar, afastande-se em direo a uma das portas, cuja posio entrevia vagamente. Percebeu que poderia perder-se com um s relmpago iluminando o local. Seus inimigos s precisavam v-lo alguns segundos para liquid-lo sem piedade.

De repente os relmpagos cessaram, mas o perigo era muito evidente.

Dan incorporou-se, entre a escurido, o se disps a correr at a porta onde estava sua nica possibilidade de salvao.

E ento um novo relmpago iluminou o vestbulo como se fosse de dia!

Esquilo gritou.

Ali est!

Quatro balas silbilaram em sua figura. Dan saltou at a porta com a velocidade de um gamo.

Mas no chegou at ela. Sabia que as armas de seus inimigos j estavam apontando aquele lugar, e que apertariam os gatilhos quando seu corpo se recortasse no umbral.

Em lugar disso, Dan atacou de surpresa. Uma das poltronas do vestbulo voou at o assassino mais prximo. O que recebeu o impacto foi Lomas.

Este lanou um rugido, caiu para trs e arrastou em sua queda o pequeno Esquilo Cliss.

Novamente se fz escurido. A luz do relmpago, cessara.

Dan, que at ento no quisera utilizar sua arma, compreendeu que no teria outro recurso seno matar.

Quando um novo relmpago iluminou a cena, seus inimigos procuraram-no com os olhos.

Foi Paul o primeiro que o viu.

Viu um rosto fechado, quieto, junto a uma das janelas. E viu a arma que estava diante daquele rosto.

A detonao o deixou cego.

No chegou a compreender que uma bala acabava de destroar sua cabea. No chegou a escutar seu prprio grito de horror.

Esquilo chiou como um rato assustado:

Cuidado! Est armado!

E Dan procurava seu corpo com duas balas que soaram atravs da sala, estremecendo o solo. Os trs assassinos que sobravam com vida compreenderam que no momento, no lhes sobrava mais remdio que fugir.

Foi Esquilo o primeiro que saltou at a porta com uma rapidez que fazia honra ao seu apelido.

Johnson e Lomas seguiram-no. Dan poderia ter disparado outra vez, mas no quis gastar mais balas, sem ter a certeza de alcan-los. S lhe sobraram cinco projteis pois acabara de gastar trs e no podia permitir-se ao luxe de ficar desarmado ante aquela quadrilha.

Viu que os trs tinham fugido para o lado norte da casa.

Encaminhou-se para o sul.

No tinha nenhum interesse em encontr-los. Pensou que o que convinha fazer era sair o quanto antes de Black Tower, procurar um telefone e chamar a polcia.Mas e as duas mulheres encerradas no quarto do andar superior? Que seria de Ndia e de Nora? Atreveriam-se a atac-las aqueles abutres?

Esta vacilao foi o que decidiu-o a ficar em Black Tower. Tinha que reduzir impotncia aqueles trs bandidos e entreg-los a polcia.

Encostou-se a uma das paredes e aguardou.

O silncio era -absoluto nesse momento, por contraste com o fragor dos troves que antes haviam cado sobre a casa.

Dan no conhecia bem Black Tower. No sabia onde encurralar seus inimigos, mas seu instinto lhe disse que devia ficar perto do quarto onde encontravam-se Ndia e Nora, a fim de proteg-las.

Comeou a andar.

Movia-se sigilosamente, como uma sombra, com os movimentes suaves e cautelosos de um gato.

Chegou ao andar superior.

Novamente os troves haviam comeado sua sinfonia estremedora. Outra vez os relmpagos iluminavam com seus resplendores os corredores interminveis da casa.

Foi no final de um deles que viu aquela silhueta. No pode reconhec-la, mas era algum que tinha uma arma na direita.

Os dois apertaram o gatilho de uma s vez. As balas se perderam zumbindo e chocaram-se por fim contra as grossas paredes.

Dan, apegado a uma porta, esperou o prximo relmpago. Todos os seus msculos estavam tensos.

Quando aquela luz mortal iluminou de novo o corredor, le apertou o gatilho. Viu seu inimigo vacilar, dobrar-se de joelhos, enquanto a claridade do relmpago tornava-se mais intensa.

Mas Dan no compreendeu que outro inimigo estava s suas costas.

No, no compreendeu at que j era demasiado tarde.

At que aquela coisa dura abateu-se sobre sua cabea e lhe produziu a sensao de que a horrvel tormenta da noite estalava exclusivamente dentro de seu crnio.

Captulo XIIH MOMENTO em que