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receive the newsletter | contact | facebook vitruvius | pt|es|en 33k Like Like search ok research bookshelf newspaper magazines invitruvius architexts | architectourism | drops | my city | interview | projects | reviews online 185.08 preservação year 16, oct. 2015 magazines search in architexts ok archive | who we are | rules architexts ISSN 1809-6298 Patrimônio cultural em São Paulo: resgate do contemporâneo? Nadia Somekh Introdução A criação, em 1935, do Departamento de Cultura em São Paulo, por Mário de Andrade, foi uma inovação que se busca retomar na cidade contemporânea, pautada pelos valores da diversidade, da democratização e da modernidade. De lá para cá passamos por uma redução do escopo do que poderia constituir a herança patrimonial de São Paulo: a proteção de bens culturais, que antes olhava também para os saberes populares, se restringiu aos edifícios, deixando de lado a riqueza imaterial da produção cultural. Agora, em 2015, a comemoração dos 80 anos da criação do departamento de Cultura da cidade de São Paulo e 40 anos do Departamento do Patrimônio Histórico – DPH incita uma revisão. Através deste balanço se pretende fazer uma reflexão sobre a evolução, ou involução, dos instrumentos de proteção do Patrimônio Histórico em São Paulo, buscando sua reformulação através de uma política menos fragmentada do que as em curso. A partir da evolução do DPH, bem como de seus instrumentos de preservação, procuramos detectar lacunas ou involuções a partir dos conceitos e da efetividade dos mesmos. Hoje em São Paulo temos algo em torno de 3000 edifícios e 10 bairros tombados, o que envolve mais de um milhão de munícipes. Várias são as pressões que recaem sobre o DPH, tanto por causar limites ao capital imobiliário quanto pelo suposto excesso de tombamentos, além das inúmeras queixas quanto à sua inoperância burocrática. Além disso, a falta de instrumentos efetivos de captação de recursos impede a proteção e valorização de bens, que na sua maioria, são privados. A partir de 2013 um ponto de inflexão foi proposto na trajetória do DPH, dando maior visibilidade ao patrimônio da cidade, agilizando processos e buscando integração das decisões do Conpresp e da burocracia da prefeitura. Também se tem buscado alargar o conceito de patrimônio e fornecer formas mais efetivas de proteção. Este artigo foi estruturado em três partes: em primeiro lugar expomos o histórico das ações de preservação no município de São Paulo, a começar pelas do órgão nacional de proteção do patrimônio histórico, criado na década de 1930. Tratamos então do órgão estadual, criado no final dos anos 60, bem como dos antecedentes à criação do DPH. Em seguida descrevemos os períodos de transformação do DPH em seus 40 anos de existência. O objetivo é apontar diretrizes de uma política mais efetiva para o patrimônio cultural da cidade de São Paulo. Antecedentes ao DPH, 1935-1975 A criação, por Mário de Andrade, de um Departamento de Cultura da cidade de São Paulo surgiu como uma inovação em 1935. Segundo Murilo Marx (1), o departamento se manteve 185.08 preservação abstracts how to quote languages original: português share 185 185.00 teoria Sobre a erudição (parte 4/4) As histórias sobre a arquitetura moderna sem erudição, 1980-2010 Fernando Guillermo Vázquez Ramos 185.01 projeto Museu de Arte do Rio – MAR Um híbrido na praça Mauá André Balsini 185.02 patrimônio histórico Afinal, a primitiva capela jesuítica do Embu tinha ou não tinha torre? Carlos Gutierrez Cerqueira 185.03 projeto O projeto de teatro de Ludwig Mies van der Rohe Luciana Colombo 185.04 política urbana Devolvendo a cidade para as pessoas Diretrizes de desenho urbano para a requalificação de um bairro histórico portuário Adriana Araújo Portella , Inês de Carvalho Quintanilha, Nirce Saffer Medvedovski and Sinval Xavier 185.05 ensino Construir e viver a arquitetura Relatos de um workshop em ambiente universitário Maria Angela Dias and Raphael Marconi 185.06 teoria Design de superfície Uma experiência tridimensional Teresinha Barachini 185.07 paisagismo De bica a Parque Zoobotânico Arruda Câmara Origens e evolução do newspaper news arts&culture sketches events competitions selections Parque do Ibirapuera, São Paulo Foto Victor Hugo Mori in vitruvius

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185.08 preservação year 16, oct. 2015

magazines

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architexts ISSN 1809-6298

Patrimônio cultural em São Paulo: resgate do contemporâneo?Nadia Somekh

Introdução

A criação, em 1935, do Departamento de Cultura em São Paulo, por Mário de Andrade, foi umainovação que se busca retomar na cidade contemporânea, pautada pelos valores dadiversidade, da democratização e da modernidade. De lá para cá passamos por uma reduçãodo escopo do que poderia constituir a herança patrimonial de São Paulo: a proteção de bensculturais, que antes olhava também para os saberes populares, se restringiu aos edifícios,deixando de lado a riqueza imaterial da produção cultural. Agora, em 2015, a comemoração dos80 anos da criação do departamento de Cultura da cidade de São Paulo e 40 anos doDepartamento do Patrimônio Histórico – DPH incita uma revisão.

Através deste balanço se pretende fazer uma reflexão sobre a evolução, ou involução, dosinstrumentos de proteção do Patrimônio Histórico em São Paulo, buscando sua reformulaçãoatravés de uma política menos fragmentada do que as em curso. A partir da evolução do DPH,bem como de seus instrumentos de preservação, procuramos detectar lacunas ou involuções apartir dos conceitos e da efetividade dos mesmos.

Hoje em São Paulo temos algo em torno de 3000 edifícios e 10 bairros tombados, o que envolvemais de um milhão de munícipes. Várias são as pressões que recaem sobre o DPH, tanto porcausar limites ao capital imobiliário quanto pelo suposto excesso de tombamentos, além dasinúmeras queixas quanto à sua inoperância burocrática. Além disso, a falta de instrumentosefetivos de captação de recursos impede a proteção e valorização de bens, que na sua maioria,são privados.

A partir de 2013 um ponto de inflexão foi proposto na trajetória do DPH, dando maior visibilidadeao patrimônio da cidade, agilizando processos e buscando integração das decisões doConpresp e da burocracia da prefeitura. Também se tem buscado alargar o conceito depatrimônio e fornecer formas mais efetivas de proteção.

Este artigo foi estruturado em três partes: em primeiro lugar expomos o histórico das ações depreservação no município de São Paulo, a começar pelas do órgão nacional de proteção dopatrimônio histórico, criado na década de 1930. Tratamos então do órgão estadual, criado nofinal dos anos 60, bem como dos antecedentes à criação do DPH. Em seguida descrevemos osperíodos de transformação do DPH em seus 40 anos de existência. O objetivo é apontardiretrizes de uma política mais efetiva para o patrimônio cultural da cidade de São Paulo.

Antecedentes ao DPH, 1935-1975

A criação, por Mário de Andrade, de um Departamento de Cultura da cidade de São Paulosurgiu como uma inovação em 1935. Segundo Murilo Marx (1), o departamento se manteve

185.08 preservação abstracts how to quote

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original: português

share

185

185.00 teoriaSobre a erudição (parte 4/4)As histórias sobre aarquitetura moderna semerudição, 1980-2010Fernando Guillermo VázquezRamos

185.01 projetoMuseu de Arte do Rio – MARUm híbrido na praça MauáAndré Balsini

185.02 patrimônio históricoAfinal, a primitiva capelajesuítica do Embu tinha ounão tinha torre?Carlos Gutierrez Cerqueira

185.03 projetoO projeto de teatro de LudwigMies van der RoheLuciana Colombo

185.04 política urbanaDevolvendo a cidade para aspessoasDiretrizes de desenhourbano para a requalificaçãode um bairro históricoportuárioAdriana Araújo Portella , Inêsde Carvalho Quintanilha,Nirce Saffer Medvedovski andSinval Xavier

185.05 ensinoConstruir e viver aarquiteturaRelatos de um workshop emambiente universitárioMaria Angela Dias andRaphael Marconi

185.06 teoriaDesign de superfícieUma experiênciatridimensionalTeresinha Barachini

185.07 paisagismoDe bica a ParqueZoobotânico Arruda CâmaraOrigens e evolução do

newspapernewsarts & culturesketcheseventscompetitionsselections

Parque do Ibirapuera, São PauloFoto Victor Hugo Mori

in vitruvius

vigoroso até a criação da Secretaria Municipal de Cultura em 1975, desmembrada da Secretariade Educação e Cultura no governo do prefeito Olavo Setubal. Sob a direção de Sábato Magaldi,foram criados o Departamento do Patrimônio Histórico – DPH e o Departamento de Informação eCriação Artística – Idart, desdobrados do antigo Departamento do Patrimônio Artístico Cultural.Concebidos complementarmente para inventariar e proteger bens culturais, definiram o ano de1922 como divisão de trabalho.

Capela de São MiguelFoto Victor Hugo Mori

No âmbito federal, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, criado atravésda Lei 378 de 1936 e regulamentado em 1937, passou a atuar em São Paulo tombandoexemplares bandeiristas isolados, tratando-os como “monumentos” históricos. O primeiro bemtombado foi a Capela de São Miguel, em 1938. Em seguida foram tombados o Sítio Morrinhos, aCasa Grande de Tatuapé e o Sítio Mirim (1948, 1951 e 1973, respectivamente), além doMosteiro da Luz em 1943. Não havia então predefinição de raio de área envoltória, mas sim umtratamento caso a caso da chamada área de vizinhança.

A criação do Sphan foi possível porque, no contexto brasileiro, os anos 1930 representaram aconstituição de uma burocracia racionalizadora da administração pública. A constituição de1934 atribuiu pela primeira vez ao Estado a salvaguarda de objetos culturais, o que abriucaminho para o desenvolvimento de uma política de preservação (2).

O tombamento e o poder de polícia eram os instrumentos do Sphan. O órgão adquiriu,principalmente no período autoritário, a atribuição de fiscalizar intervenções em sítios históricos.A cada bem tombado, caso a caso eram definidas áreas de vizinhança. Recursos públicos,aplicados a fundo perdido, financiavam as ações de preservação, o que não estimulava, demaneira geral, a participação dos proprietários públicos ou institucionais. A centralização, oescasseamento dos recursos e a visão desenvolvimentista resultaram numa ação passiva doórgão.

O golpe militar de 1964 renovou e modernizou os quadros burocráticos. No nível Estadual foramcriados órgãos de preservação. O Conselho de Proteção do Patrimônio Histórico, Artístico eTurístico – Condephaat foi instituído pela constituição do Estado de São Paulo. Com aregulamentação pelo decreto estadual de 19/12/1969, o Patrimônio Cultural foi definido como oconjunto de bens existentes em seu território pelo seu valor arqueológico, etnológico, histórico,artístico e paisagístico.

Casa Bandeirista no Butantã, São PauloFoto Victor Hugo Mori

Embora ampliando seu escopo discursivo, a ação do Condephaat nas primeiras décadas deexistência foi similar à do nível nacional: tombamento de “monumentos” bandeiristas,construídos em taipa de pilão e poucos recursos investidos de forma centralizada. Foi inovador,

primeiro parque urbano deJoão Pessoa PBCarlos Fernando Albuquerqueda Silveira

no entanto, na introdução de conjuntos urbanos, vilas operárias e a definição de áreasenvoltórias com raio 300 metros em torno de cada monumento.

A possível inspiração para a criação das áreas envoltórias baseia-se nas áreas de proteção amonumentos da França com raio de 500 metros. A partir daí formulou-se a ideia similar de umaárea envolvendo o bem tombado para sua valorização, agora não só de monumentos, mas deconjuntos urbanos. O município de São Paulo, a partir do DPH alguns anos depois, do nossoponto de vista, reproduziu este equívoco.

O novo órgão estadual estabeleceu uma ação complementar e paralela ao órgão federal,salvaguardando os bens de interesse do Estado de São Paulo e tombando “ex officio” osexemplares arquitetônicos inscritos no Livro de Tombo Federal. Caberia então aos municípios otombamento e proteção referente à memória e história da cidade, fato que passou a ocorrer apartir de 1988, com o tombamento de um casarão na rua Brigadeiro Luiz Antônio.

A Carta de Veneza, documento do Icomos de maio de 1964 (3), amplia a noção de monumentohistórico, estendendo-a não só a grandes criações, mas também a “obras modestas que tenhamadquirido significação cultural”. Segundo Beatriz Kühl (4), a criação em 1974 de um curso sobrerestauração e conservação de monumentos arquitetônicos na FAU USP, em parceria com oIphan e o Condephaat, possibilitou um debate consistente sobre o documento e pode terreferenciado a demanda municipal de proteção de conjuntos urbanos.

A proteção dos bens culturais em nível municipal ocorreu alguns anos após a criação doCondephaat, concretizando-se em 1974. Ocorreu por iniciativa da Coordenadoria Geral dePlanejamento – Cogep da Prefeitura Municipal de São Paulo, quando Carlos Lemos e BeneditoLima de Toledo fizeram um levantamento dos bens de significado cultural a serem protegidospara o órgão. Note-se que a primeira ação de preservação do patrimônio cultural surgiu dentrodo órgão municipal de planejamento urbano, dando origem às zonas especiais Z8-200, criadaspela Lei 83.285 de 1975.

Estação da Luz, São PauloFoto Nelson Kon

Em 1974, sob a coordenação da Cogep, vinculada ao gabinete do então prefeito MiguelColassuono, João Evangelista Leão encomendou uma série de projetos voltados à revitalizaçãodo Centro denominados “Projeto Centro: investigações preliminares”, em que se tratava dehabitação, transporte, áreas verdes e bens culturais. Dentro desse quadro é feita umaencomenda aos arquitetos Benedito Lima de Toledo e Carlos Lemos, ambos professores doDepartamento de História da FAU USP. Eles deveriam localizar conjuntos urbanos e organizaruma lista de edificações “dignas de tombamento”.

Esse primeiro inventário de bens culturais da cidade se transformou no documento Cogep-PR025/75, “Edifícios de valor histórico e paisagístico”. Esse documento foi posteriormente incluídono quadro 8B da lei 83.285 de 2 de dezembro de 1975, na lei 8759 de 7 de setembro de 1978(que estabelece as zonas de uso Z8-200) e no programa de preservação de bens culturaisarquitetônicos da área central de São Paulo.

A listagem dos bens culturais é composta de dois tipos de classificação: uma voltada paraedifícios isolados e outra de conjuntos urbanos denominados de “manchas” (5). A indefiniçãoinicial leva o DPH e a Cogep a se articularem para a regulamentação legal.

A indicação do banqueiro Olavo Setúbal para a prefeitura levou a Cogep a incluir no ProjetoCentro um estudo sobre a recuperação do Edifício América, antigo Martinelli, de propriedadeparcial do Banco Itaú América. O fato se concretizou com a posterior desapropriação pública ereciclagem durante a gestão seguinte.

Edifícios Altino Arantes e Martinelli, São PauloFoto Victor Hugo Mori

A identificação dos bens culturais foi o primeiro passo. Depois ocorreram os estudos dearticulação urbanística através do Plano de Reambientação de 1976 (6) e do Estudo deimplantação do Instrumento de transferência aplicado às áreas históricas do Município de SãoPaulo (7), também do mesmo ano. Esses estudos foram realizados pelas equipes técnicas daCogep, da Emurb e do DPH/SMC, por solicitação do novo coordenador da Cogep, CandidoMalta Campos Filho, que buscava integrar as duas dimensões. Através da análise urbanística,buscava-se avançar não só em relação à identificação dos bens culturais, inovando e definindoum plano de massas (8) através de gabaritos nos imóveis lindeiros, criando três níveis deproteção (P1, P2 e P3), como também formulando instrumentos de isenção tributária e detransferência do potencial construtivo (9), que só seria regulamentado pela lei 9.725 de 1984, nagestão democrática do prefeito Mario Covas. A aplicação dessa lei foi inoperante, mas deuorigem ao instrumento da transferência do potencial construtivo contido na legislação de 2004.

Embora a preservação do patrimônio histórico municipal tenha surgido no âmbito doplanejamento urbano, com a posterior criação do DPH, em 1975, e do Conpresp, com aefetivação do tombamento municipal em 1988, o patrimônio deixa de ser tratadourbanisticamente e volta a ser olhado de forma pontual, enquanto a Carta de Veneza, de 1975,preconizava a integração urbana e uma visão ambiental dos conjuntos a serem preservados.

O DPH e a Secretaria de Cultura: 1975 a 1985

O DPH foi criado no governo do prefeito Olavo Setúbal, dentro na nova Secretaria Municipal deCultura. Num Brasil autoritário foi um verdadeiro oásis dirigido por Sábato Magaldi, onde artistase pesquisadores progressistas puderam desenvolver seus trabalhos. Quando Murilo Marx setornou diretor, a relação com a questão urbana se manteve, levando à proteção não mais demonumentos, mas de conjuntos urbanos, como preconizavam as cartas patrimoniais.

Originalmente, a Secretaria Municipal de Cultura, criada em 1975, dispunha de doisdepartamentos que se incumbiriam da pesquisa em arquitetura: o DPH, que cuidaria dopatrimônio constituído até 1922, e o Idart, que ficaria com o patrimônio após esta data que faz orecorte da modernidade

No período assinalado, a constituição do DPH e a criação do Conpresp em 1985 representaramuma fragmentação com a questão urbana, uma vez que se baseou unicamente no instituto dotombamento, instrumento importante mas limitado em termos de proteção efetiva. É consensoentre especialistas que o tombamento é o primeiro passo para essa proteção, e que o quecaracterizou a ação do DPH neste período foi a identificação de bens a serem protegidos,abrindo processos de tombamento sem chegar a uma efetiva salvaguarda. As bem-sucedidasZ8-200 até hoje não se efetivaram, mais de 100 edifícios foram demolidos. Da lista de 1.500imóveis, 530 não foram tombados até hoje. No entanto, a proteção desses imóveis foi estudadapela Cogep (que se tornaria a Secretaria Municipal de Planejamento), ainda no final dos anos1970, pela proposição de isenções tributárias e a transferência do potencial construtivo. Esteinspirado no “Space Adrift” de 1968, apresentado nos debates à Sempla por um representanteda cidade de Chicago. O conceito virou política na Lei 9.725 de 1984, que transferia potencialconstrutivo de imóveis das Z8-200. A experiência de Chicago, em que a transferência eraefetuada para imóveis numa mesma quadra, foi inovadora na proteção de edifícios históricos.

Avenida Paulista, São PauloFoto Nelson Kon

O interesse na preservação de imóveis históricos e uma postura de “resistência” vieram do“trauma” da extinção de muitos dos casarões da avenida Paulista (números 283, 498, 510, 522,867 e 1125) logo depois de o Condephaat anunciar que abriria estudo de tombamento de 13mil imóveis no Estado e 3.250 na cidade de São Paulo (10).

Os proprietários, antecipando-se às notificações de abertura de processo de tombamento,derrubaram na calada da noite parte do patrimônio relevante de São Paulo, provocando umaforte reação da imprensa e da população. Em plena transição democrática, atos de protestosforam realizados, resultando numa proposta de lei da Secretaria do Estado à Câmara Municipal,ainda em 1982, mas que foi arquivada logo em seguida.

Na busca de obtenção de recursos privados para a recuperação de bens culturais, em 1984 oprefeito Mario Covas e seu secretário Jorge Wilheim encaminharam a Câmara Municipal umprojeto de lei, com base no anterior, proposto por Modesto Carvalhosa e Benedito Lima deToledo. Em essência, a lei previa a manutenção do potencial permitido pelo zoneamento no atoda transferência, descontada a área construída dos imóveis classificados com Z8-200 nasquadras lindeiras, dentro das zonas de uso que estivessem inseridas. Além disso, se houvessefruição pública do bem protegido, a transferência era de 100%. Caso contrário, apenas 60% dovalor da transferência seriam permitidos, com certificados expedidos pela Sempla.

Essa lei não se mostrou efetiva, pois só houve um caso de sua aplicação: em 1989 foramtransferidos 3.827,21 metros quadrados de um imóvel do Pateo do Collegio para uma nova sededa Cúria Metropolitana, projeto do escritório Rino Levi, que não chegou a ser construída (11).Entretanto, por parte dos responsáveis do planejamento urbano da cidade, foram formuladosinstrumentos para ir além do tombamento.

Pátio do Colégio, São PauloFoto Victor Hugo Mori

O DPH, criado em 1975, só teve sua Divisão de Preservação constituída em 1977. Neste ano,junto com a Cogep, por solicitação da Companhia do Metropolitano de São Paulo, foi iniciadoum segundo importante inventário nos bairros da Zona Leste onde seria implantado o metrô: aZML, ou Zona Metrô Leste. Um extenso levantamento foi elaborado com o objetivo de protegerbens culturais que seriam transformados não só com a implantação metroviária como tambémcom o adensamento previsto. Inúmeros imóveis desse inventário foram demolidos.

Pode-se concluir a partir disso que a simples identificação e até mesmo o tombamento deimóveis históricos, apesar de constituírem importante instrumento, são primeiros passos querequerem formas posteriores de proteção efetiva. Nos anos subsequentes o DPH se pautou porrealizar inúmeros e importantes inventários, que foram no entanto insuficientes para uma políticade preservação do patrimônio da cidade de São Paulo.

O Igepac e o Conpresp, 1985-2004

Sob a luz de um momento singular para a preservação, tanto na cidade de São Paulo como noBrasil, o Inventário Geral do Patrimônio Ambiental – Igepac foi gestado e teve sua metodologiaestabelecida entre os anos de 1982 e 1983. Esse inventário buscava ir além da preservaçãopontual do bem, identificando as características urbanas que constituíam o patrimônio ambientale cultural de cada bairro, registrando-as e elaborando propostas de preservação.

A delimitação espacial do Igepac era o bairro. Buscava-se uma sucessão de inventários, quepartiram do centro em direção às periferias, com o objetivo de chegar a cobrir todo o território domunicípio. O primeiro bairro a receber o Igepac foi a Liberdade, em 1983. Porém esse primeiroinventário não resultou em uma ação de preservação efetiva, considerando que na época oConpresp ainda não havia sido criado.

Após o início da atuação do Conpresp, em 1988, os Igepacs viveram um novo momento, poispuderam subsidiar medidas efetivas de preservação.

O bairro da Bela Vista foi alvo de um Igepac em 1985, o que resultou em um processo deabertura de tombamento em 1990 pelo Conpresp. O tombamento definitivo ocorreu em 2002,após atualização e algumas revisões quanto à propositura inicial (12). Diversos outros Igepacsforam elaborados ao longo das décadas de 1990 e 2000, o que não excluía a possibilidade deinventários temáticos serem realizados paralelamente.

Vale do Anhangabaú, São PauloFoto Victor Hugo Mori

Em 1985 foi iniciado o Igepac Barra Funda, que teve somente a área do Teatro São Pedroinventariada completamente, ficando o restante com fichas por terminar. Já a área central dacidade foi objeto de dois Igepacs: o primeiro em 1987, nomeado Igepac Centro Velho, e osegundo em 1988/1991, designado Igepac Centro Novo. Grande parte dos bens inventariadosnestes estudos já se encontravam protegidos pela Z8200. É importante salientar que estesestudos serviram de subsídio para o tombamento do Vale do Anhangabaú (13).

O Conpresp elaborou outros Igepacs sobre a região central de São Paulo: em 1990 para osCampos Elíseos e a Consolação, e em 1991 para o bairro da Vila Buarque. No período de 1993a 1997, os bairros de Santa Cecília, Higienópolis e Santa Efigênia também tiveram seusIgepacs. Porém, assim como os dois anteriores, sem solicitação de tombamento.

A zona sul da cidade também foi contemplada por um Igepac. O bairro do Ipiranga (IgepacIpiranga de 1992) teve como perímetro de estudo o Museu e o Parque da Independência, umaárea fabril, instituições assistenciais e áreas urbanas adjacentes. Já a Vila Mariana foi dividida,para efeito de estudo, em dois setores. Em 2002 o Igepac Vila Mariana – Setor Domingos deMoraes foi responsável pela abertura de processo de tombamento para o “Instituto Biológico eáreas adjacentes”. E em 2003 o Igepac Vila Mariana – Setor Chácara Klabin teve comoresultado o tombamento da área da Chácara Klabin (14).

Museu e Parque da Independência (Museu do Ipiranga), São PauloFoto Victor Hugo Mori

Com o passar do tempo e as demandas advindas da atuação do Conpresp, o DPH passou a ternovas atribuições burocráticas, no tocante ao universo dos bens tombados na cidade. Oaumento do volume de trabalho e a redução da equipe de técnicos do DPH foram responsáveispelo abandono, pouco a pouco, das práticas de inventário realizadas. Vale ressaltar que, alémdos Igepacs, que seguiam uma metodologia específica, o DPH também se dedicava ainventários temáticos, tais como o inventário da Arquitetura Moderna Paulistana, que iniciou porum pedido do Docomomo Brasil.

Ainda nos anos 1980, foi aprovada uma lei (10598/88) que isentava imóveis restaurados,protegidos por lei ou não, de 50% de IPTU, pelo período de dois anos. Nenhum proprietáriopleiteou esses recursos (15). As operações urbanas e a Lei de Fachadas prorrogaram dealguma forma esses instrumentos iniciais, mas com resultados pouco expressivos: somente 20edifícios se beneficiaram dessa legislação.

Um balanço de 25 anos do DPH/Conpresp, apesar de positivo, não vai além da abertura e dotombamento de quase 3.000 imóveis e 10 bairros. Tombou-se muito ou pouco em face da escalada metrópole? Não é possível dizer se o conjunto de bens tombados ou em processo detombamento dá conta da história de São Paulo. Um sistema de gestão poderia responder essaquestão, dentro de uma periodização do processo de urbanização da cidade, mas não foi issoque aconteceu com a criação do Cadastro dos Imóveis Tombados – CIT.

Edifícios Itália e Copan, São PauloFoto Victor Hugo Mori

O CIT pretende identificar a incidência de legislação de preservação (nas três instânciasgovernamentais) nos lotes do município de São Paulo. O projeto de disponibilização deinformações teve início em 1995 com a tabulação de dados em Excel que gerava listasordenadas por SQL. Também houve a tentativa de mapeamento dos bens tombados e de suasáreas envoltórias no Mapa Oficial da Cidade – MOC e no Gegran. Esse material hoje está disponível na Seção Técnica de Crítica e Tombamento (STCT) do DPH e no Centro deDocumentação. Para o mapeamento dos bens tombados, partiu-se da digitalização(escaneamento) do Gegran (pintado manualmente) e do MOC, com posterior inserção deinformações no Autocad. Esse trabalho foi realizado junto com o Condephaat, e só foi finalizadoem 2009.

A definição das Zonas Especiais de proteção Cultural – Zepec e do quadro 6, referente aarquitetura moderna, no PDE/2002, constituiu um avanço que, de novo, partiu do órgão deplanejamento urbano: a então Sempla, hoje SMDU. Nos planos regionais de 2004, a populaçãofoi instada a identificar, nas subprefeituras, bens a serem protegidos. Os levantamentos,heterogêneos – extensivos em algumas subprefeituras e inexistentes em outras – foramparcialmente incorporados, pela reduzida capacidade de absorção dessa metodologiainovadora. As Zepecs foram inovadoras porque permitiram à população identificar seupatrimônio, sua herança a ser legada a gerações futuras.

Resistência e fragmentação, DPH de 2005 a 2012

Até a formulação do Plano Diretor de 2002, a ação do DPH pautou-se por ampliar os inventáriose abrir processos de tombamentos, sem investir em proteção efetiva e sem estimular suaconservação. A definição das Zepecs, em 2002, se aplica às Z8-200 (muitas já demolidas), aosimóveis tombados pelo Iphan, Condephaat e Conpresp, além do Quadro 6, que apresenta umalistagem de imóveis de arquitetura moderna produzida pela Sempla, sem interferência do DPH.

OS Planos Regionais, por subprefeituras, aumentaram a listagem de bens indicados pelapopulação, num movimento inovador de definição do que deve ser preservado. Emborademocrático, o processo de indicação de bens culturais é heterogêneo e sobrecarrega ostécnicos do DPH, cuja estrutura foi ampliada com o Museu da Cidade e do Arquivo Histórico,tornando as dimensões do DPH maiores que a estrutura de preservação propriamente dita.

Teatro Municipal, São Paulo Foto Victor Hugo Mori

A estrutura original do DPH, tripartite, incluía a Divisão de Preservação, com as seções de: 1.Levantamento e Pesquisa, 2. Crítica e Tombamento, 3. Divulgação e Publicações, 4. Projeto,Restauro e Conservação, 5. Programas de Revitalização; a Divisão de Iconografia e Museus,com as seções: 1. Administração de Museus e 2. Museu Imagem Fotográfica da Cidade de SãoPaulo; e a Divisão do Arquivo Histórico, com as seções de: 1. Estudos e Pesquisas, 2.Classificação e Catalogação de Manuscritos.

Ao incluir dimensões importantes como o Museu da Cidade e o Arquivo Histórico, o DPH perdeuo foco na preservação. O Arquivo Municipal foi desligado em dezembro de 2012. A preservaçãoem 2002 tinha 60 técnicos. Hoje o quadro é de 19 técnicos, sendo que 8 já podem seaposentar, sem previsão de substituição.

Em 2010, constituiu-se o Museu da Cidade. Em 2012 o Arquivo Histórico foi desmembrado doDPH, que por decreto deve ter foco na preservação. O Arquivo Histórico e o Museu da Cidade,desmembrados, se organizariam numa fundação aos moldes do Theatro Municipal. Essareorganização se justifica pois dará mais força à integração do patrimônio com a questãourbana. Por outro lado, fortalece também o papel do Museu, pois, na cidade contemporânea, aCultura, mais do que o turismo, tem um papel estruturador.

O Conpresp, vinculado ao gabinete da SMC, atuou de forma desintegrada com o DPH, emboraseu suporte técnico se fundamentasse na Divisão de Preservação. Técnicos dessa divisão sóeram convidados a participar das reuniões do Conselho quando chamados a apresentar suaspesquisas e pareceres. O Conselho também se mantinha de portas fechadas para a população,convidando apenas os diretamente interessados na pauta para apresentação de suaspropostas.

Casa número 1 (atual Casa da Imagem), entrada do Beco do Pinto e Solar da MarquesaFoto Nelson Kon

Um passo importante desse período foram as recuperações de ícones do nosso patrimônio,parcialmente financiados por recursos do BID para o centro: Casa número Um, Beco do Pinto eCasa da Marquesa, e Theatro Municipal. Além da premiada Praça das Artes, uma posturainovadora de recuperação do antigo Conservatório Musical, aliada a um projeto contemporâneoque já vinha sendo idealizado havia tempos e que foi parcialmente implementado graças aoprojeto do Brasil Arquitetura e do empenho do secretário Carlos Augusto Calil à frente da SMC.

Como vimos, a transferência de potencial construtivo, criada em 1984 pela Lei 9.725/1984, nãoproduziu resultados expressivos. De 1984 até 2004, foram emitidas 22 declarações, das quaisforam efetuadas apenas três transferências (16).

A partir de 2004, sob a Lei 13.885/04 (Lei de Zoneamento), até 2014, quando o atual PlanoDiretor foi aprovado, os resultados melhoraram, mas ainda em pequeno número: foram emitidas36 declarações, das quais 44 transferências foram efetivadas. Uma declaração pode serparcelada em mais de uma transferência. Esses números, frente ao de imóveis protegidos nacidade, mostram a necessidade de instrumentos mais efetivos de captação de recursos pararecuperação e conservação de bens tombados.

No ar, instalação de Laura Vinci, 2010. Beco do Pinto, São PauloFoto Nelson Kon

A SMDU contabiliza 2.672 Zepec-BIR, bens privados de interesse público, que podem transferirpotencial. Esse interesse público, porém, não desperta na sociedade paulistana (ou brasileira)grande empolgação ou prestígio: a proteção é vista como uma limitação econômica, e o DPH évisto como órgão restritivo. A negação do prestigio social dos bens culturais, aliada àinexistência ou entrave de aplicação de instrumentos de incentivo (Lei de Fachadas, LeiRouanet etc.), provoca desvalorização social e econômica dos bens tombados.

O CIT, criado em 1985 e implantado em 2009, não se constitui de fato num sistemainformatizado de gestão do patrimônio, pois apresenta problemas na disponibilização e manejo.No que concerne à inserção de dados, existe o entrave relativo ao endereço do imóvel, que nãoé a chave de entrada, pois a chave de inserção é o setor/quadra/lote (SQL), o que dificulta aclareza da consulta.

No que se refere à inserção de legislação de tombamento, não é possível distinguir, por bemtombado, quais instâncias de tombamento incidem sobre ele – se Iphan, Condephaat ouConpresp – ou mesmo quais resoluções se aplicam. Por exemplo a incidência da RES. 28/13,que libera de anuência do Conpresp a reforma simples.

Existe também o conflito relativo à diversidade de informações. O sistema de logradouros temduas formas distintas de identificação, e o CIT está estruturado de uma terceira forma. Sãolimitantes também a falta de interligação com o Mapa Digital da Cidade e com outras bases dedados, como por exemplo o elaborado pela Fundação para a Pesquisa em Arquitetura eAmbiente – Fupam para o DPH em 2012.

O Fundo de Captação de Multas – Funcap, criado em 1985 e regulamentado em 2006, só

passou a ser aplicado em 2014, quando problemas de gestão foram resolvidos: notificaçãoadequada aos proprietários, informação e definição de quadro contábil na Secretaria deFinanças, além do novo cálculo de multas (decreto de 31 de janeiro) e da recente transformaçãode multas em compromisso de reversão de danos ao bem tombado (Lei de agosto de 2015).

Igreja de Santo Antônio, Praça do Patriarca, São PauloFoto Nelson Kon

Em síntese, muitos são os problemas a superar: a elitização do conceito e gestão do patrimônio,a desconexão com a questão urbana, a falta de instrumentos que avancem em relação aotombamento e que estimulem os proprietários e a sociedade a conservar e valorizar os bensculturais, o atraso nos sistema de gestão e, principalmente, um quadro funcional sem renovaçãoe em processo de envelhecimento e extinção. Dos 60 funcionários existentes em 2002, resta umquadro dramático de 18 técnicos, 9 em processo de aposentadoria.

Reinventando o patrimônio cultural: buscar novos recursos

Como vimos, o processo contínuo de identificação, inventário e tombamento não efetivosconduziram a uma situação de congestionamento do DPH, não só em termos numéricos, mas dedimensão de objetos tombados. A preservação propriamente dita do patrimônio histórico nãoocorre vinculada a uma política urbana, e não se conhece o Patrimônio “protegido”, que emgrande parte é privado. Também não se estimula uma valorização social da história e damemória da cidade através de instrumentos financeiros aos proprietários privados de bens deinteresse público. Não havia visibilidade nem integração da questão patrimonial.

Um primeiro esforço consistiu em promover vários seminários que resultaram na contribuiçãopara o aperfeiçoamento das Zepec no Plano Diretor. Um outro passo foi a criação do EscritórioTécnico de Gestão Compartilhada – ETGC, articulando a Superintendência do Iphan em SP, oCondephaaat e o DPH/Conpresp (também unificados). Em dezembro de 2013, foi assinado oconvênio que articula ações dos três órgãos. A partir daí questões comuns passaram a serdebatidas e construídas de forma integrada, 35 áreas envoltórias foram regulamentadasconjuntamente, mas falta ainda a constituição de um balcão único para facilitar a vida dosmunícipes paulistanos com questões de preservação que envolvam duas ou mais instituições depatrimônio.

Praça das Artes, Brasil Arquitetura, São PauloFoto Nelson Kon

Quanto aos instrumentos de obtenção de recursos para a preservação, ainda estamos emestágio incipiente. Com o novo Plano Diretor aprovado em 2014, a transferência se transformapara o direito de construir e não mais o potencial não utilizado do terreno, ficando agora limitadoà metragem correspondente ao tamanho do terreno. A transferência não é só para benstombados: amplia seu objeto para áreas ambientais, para habitação de interesse social, o quereduz os recursos dirigidos especificamente para a preservação. Existe uma corrida para obteras diversas modalidades de Transferência do Direito de Construir – TDC: a partir de da Lei16.050/14 foram emitidas 72 declarações, porém ainda não houve efetivação de transferência,que exige regulamentação da lei. No total foram emitidas 148 declarações, 116 delas só emParaisópolis. Até agora 31 foram transferidas. Ainda não se efetivaram, segundo SMDU,

demandas para áreas ambientais: nenhuma transferência em Zepam foi solicitada.

O Funcap passou a receber multas e conta com quatro milhões de reais obtidos após astransformações no processo de gestão. O Conpresp estabeleceu quatro prioridades para osrecursos: o monumento da Independência, a Vila Maria Zélia, que passa por umarecaracterização participativa, o projeto de recuperação e manutenção para as fontes de SãoPaulo, além de ações de educação patrimonial. Parcerias estão previstas para incrementar osparcos recursos disponíveis.

Os recursos do Fundurb estão previstos para a finalização da Praça das Artes e para o restaurodo Edifício Sampaio Moreira. Recursos da lei Rouanet e outras parcerias estão usados peloInstituto Pedra para o complexo projeto da Vila Itororó.

Vila Itororó, São PauloFoto Victor Hugo Mori

A experiência internacional de projetos urbanos aponta que recursos podem ser obtidos com umprotagonismo maior do arquiteto na construção coletiva de uma cidade com qualidade eurbanidade. Isto inclui a preservação e conservação do patrimônio através de um projeto, indoalém da mera definição de gabaritos para áreas envoltórias de bens tombados.

O debate de paisagem cultural e patrimônio imaterial demanda uma atualização de posturas einstrumentos mais amplos e inovadores do que os até então utilizados. Além disso, umademocratização das propostas vem sendo demandada pela sociedade.

Para dar contar dos desafios, a nova direção do DPH estruturou uma proposta de políticabaseada em cinco diretrizes. A primeira é a estruturação e refundação do DPH com foco napreservação e no conhecimento do que já foi tombado ou está em processo de tombamento,para efetivamente responder se o que está protegido corresponde aos períodos de evoluçãourbana da cidade.

A segunda diretriz é a inserção urbanística da salvaguarda do patrimônio histórico e apossibilidade de obtenção de recursos através de grandes projetos urbanos, como asoperações urbanas previstas para a cidade no novo Plano Diretor, lei que incluiu novosinstrumentos, tais como territórios culturais e Zepec de proteção cultural, além de isençõestributárias.

A terceira é o processo de inventários e identificação do patrimônio a ser protegido, a serdescentralizado num diálogo constante com a população para definir sua “herança”. Convênioscom universidades poderão dar consistência e foco aos procedimentos inovadores que deverãoser aplicados dentre suas novas perspectivas, voltados para pesquisa aprofundada.

Como quarta diretriz temos a agilidade de procedimentos e respostas mais rápidas à sociedade,a ser constituída através da informatização, articulação com as demais esferas de governo ecapacitação técnica.

Finalmente, a quinta diretriz que é a obtenção de recursos e a valorização da memória coletivapara reconstituir nossa história em busca de um futuro de melhor qualidade urbana, tornando opatrimônio histórico um elemento de inclusão social em face dos desafios de uma modernidadelíquida, pois desestruturada (17).

Edifício Esther e Escola Caetano de Campos (atual Secretaria Estadual da Educação), São PauloFoto Victor Hugo Mori

A visibilidade de nossa história poderá ser alcançada por meio de ações mais contemporâneas,como primeira Jornada do Patrimônio que ocorrerá em dezembro de 2015 e prevê asensibilização da população numa grande mobilização de reconhecimento dos elementos aserem preservados na cidade de São Paulo. Imóveis públicos e privados, roteiros que ocorremde forma fragmentada, palestras de especialistas e atividades artísticas serão reunidas num fimde semana para resgatar a narrativa construída de forma voluntária e coletiva.

Como entendemos que a contemporaneidade se pauta pela diversidade, democracia evalorização dos princípios da modernidade, reinventar o patrimônio cultural significa dartransparência e possibilitar sua abertura e deselitização. Significa ir além dos instrumentostradicionais como o inventário e o tombamento, que mesmo importantes mostraram-seinsuficientes na real proteção da memória. É o começo de um longo percurso, mas agora numaboa direção.

notas

1MARX, Murilo. Depoimento. Revista do Arquivo Municipal, v. 204, São Paulo, SMC, 2006, p. 9-10.

2FREITAS, Marcelo de Brito Albuquerque Pontes. A transferência de potencial construtivo: um novoinstrumento de preservação em áreas históricas. In: ZANCHETI, Sílvio (Org). Estratégias de intervençãoem áreas históricas. Recife, 1995, p. 168-174.

3ICOMOS. Carta de Veneza. Veneza, 1964.

4KÜHL, Beatriz Mugayar. Notas sobre a Carta de Veneza. Anais do Museu Paulista, vol. 18, n. 2, São Paulo,jul./dez. 2010.

5COGEP – Coordenadoria Geral de Planejamento. PR. 025/1 – Projeto Centro – Áreas Verdes Análise deCaso: Martinelli. São Paulo, Cogep, 1975.

6COGEP – Coordenadoria Geral de Planejamento. Plano de reambientação urbana. Mimeo. São Paulo,Cogep, 1977.

7EMURB – Empresa Municipal de Urbanização. Estudo de implantação do instrumento transferência aplicadoàs áreas históricas do município de São Paulo definidas como Z8-200, na Lei 8.328 de 02/12/1975. SãoPaulo, Emurb, 1976.

8COGEP – Coordenadoria Geral de Planejamento. Plano de Reambientação – Vol. 1 – PesquisaArquitetônico-Urbanística. São Paulo, Cogep, 1976.

9COGEP – Coordenadoria Geral de Planejamento. Plano de reambientação urbana. Mimeo. São Paulo,Cogep, 1977.

10FREITAS, Marcelo de Brito Albuquerque Pontes. Op. cit.

11FREITAS, Marcelo de Brito Albuquerque Pontes. Op. cit.

12D´ALAMBERT, Clara. Bela Vista: a preservação e o desafio da renovação de um bairro paulistano. Revistado Arquivo Histórico Municipal, v. 204, São Paulo, SMC, 2006, p. 151-168.

13Resolução37. São, Paulo, Conpresp, 1992.

14BAFFI, Mirthes. O Igepac e outros inventários da Divisão de Preservação do DPH: um balanço. Revista doArquivo Histórico Municipal, v. 204, São Paulo, SMC, 2006, p. 169-190.

15VENTURA, David Vital Brasil. Incentivos à preservação do patrimônio cultural edificado em São Paulo: atransferência de potencial construtivo e a “Lei de Fachadas”. Bauru, XII Congresso Internacional deReabilitação do Patrimônio Arquitetônico e Edificado, 2014.

16Entrevista com Penha Pacca da SMDU.

17GASPAR, Ricardo; AKERMAN, Marco; GARIBE, Roberto (orgs). Espaço urbano e inclusão social: a gestãopública na cidade de São Paulo (2001-2004). São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2006.

referências complementares

EMPLASA. Bens culturais e arquitetônicos no município e na região metropolitana de São Paulo. São Paulo,Sempla, 1984.

CERVELLATI, Pier Luigi; SCANNAVINI, Roberto. Bolonia: Política y metodologia de la restauración decentros históricos. Barcelona, Gustavo Gili, 1976.

EMURB – Empresa Municipal de Urbanização. Caminhos para o centro. São Paulo. São Paulo, Prefeitura deSão Paulo/Emurb/CEM/Cebrap, 2004.

SOMEKH, Nadia (Org.). Preservando o patrimônio histórico: manual para gestores municipais. São Paulo,CAU-SP, 2015.

SOMEKH, Nadia; SILVA, Luís Octávio. A reconstrução coletiva do centro de São Paulo. Simpósio: "A cidadenas Américas. Perspectivas da forma urbanística no século XXI". Santiago de Chile, 51º CongressoInternacional de Americanistas, "Repensando las Américas en los Umbrales del Siglo XXI", 14-18 jul. 2003.

sobre a autora

Nadia Somekh, Doutora pela FAU / USP é professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura eUrbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente exerce a função de presidente doCONPRESP e de diretora do Departamento do Patrimônio Histórico – DPH.

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Yara R. Oliveira · Universidade Católica de Brasília

Excelente texto; informativo e instigador, permite ampliar a discução dopatrimônio na paisagem cultural de outras cidades brasilieiras.

Like · Reply · Nov 5, 2015 12:35am

Maria Cristina Da Silva Schicchi

Nádia,Parabéns pelo relato (quase depoimento no seu caso) das histórias dosórgãos municipais de planejamento e preservação em São Paulo e osinstrumentos e ações já propostas para a preservação dos bensculturais. É, sem dúvida, um importante registro da memória do esforçoque já se fez para a criação de uma política de preservação municipal.Mas sobretudo, o texto deixa transparecer o vigor com que você tem sedebruçado sobre a questão da preservação cultural no seu contextoatual. Um grande abraço,Cristina Schicchi.

Like · Reply · Nov 14, 2015 11:43am

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