arquitectura portuguesa emergente 2000-2010

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ARQUITECTURA PORTUGUESA EMERGENTE 2000 - 2010 Disquisição e suas Representações Hugo Filipe Mendonça Ferreira Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura. FAUP. 2011 Docente acompanhante: Prof. e Arq. Pedro Gadanho

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Dissertação Mestrado Integrado FAUP2011

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ARQUITECTURA PORTUGUESA EMERGENTE

2000 - 2010

Disquisição e suas Representações

Hugo Filipe Mendonça FerreiraDissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura. FAUP. 2011

Docente acompanhante: Prof. e Arq. Pedro Gadanho

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ARQUITECTURA PORTUGUESA EMERGENTE

2000-2010

Disquisição e suas Representações

Hugo Filipe Mendoça Ferreira

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2011, para o cumpri-mento dos requesitos necessários à obtenção do diploma de Mestrado Integrado em Arquitectura, reali-zada sob a orientação do Prof. Arq. Pedro Gadanho.

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Quero agradecer ao Prof. Arq. Pedro Gadanho pela orientação e contribuições efectuadas no percurso de realização desta Prova. Um obrigado aos ateliês MOOV e Plano B e ao arquitecto Jorge Figueira, pela disponibilidade e interesse mostrados nas entrevistas realizadas para este estudo.

Aos meus pais a quem eu dedico esta prova. Pelo apoio, paciência e solidariedade incondicionais, pre-sentes quer no desenvolvimento deste estudo, como durante a realização do Curso de Arquitectura.

Aos arquitectos Henrique Granja e Etelvina Granja pela oportunidade, compreensão, conversas e lições apreendidas durante a minha colaboração no ateliê.

A todos os companheiros e companheiras que em Penafiel, Porto, Lisboa, Viena de Áustria e Santiago do Chile, me ajudaram nesta jornada, entre horas de ócio, filosofias e arquitectura. Um abraço especial ao Francisco, arquitecto guru de dúvidas existênciais e bombeiro socorrista em timings apertados.

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EMERGENT PORTUGUESE ARCHITECTURE

2000-2010

Disquisition and it’s Representations

Abstract

In the year of this study’s development, portuguese architecture was once again presented with the big prize of world architecture by the hand of the architect Eduardo Souto Moura (Pritzker 2011). This fact makes us, not only recognise the significance of the author’s work, but also makes us to look to the positive scenario where we can find the portuguese architectural pro-duction in the media – publications, exhibitions, conferences, blogs. Meanwhile this is also the scenario of lack of space and opportunities for those trying to keep a professional structure and for those trying to start one. It’s an unstable and consumerist reality that hardly is going back to the golden ages of the “masters”, facilitated of the “heirs” and acceptable of the “bastards”.

On the other hand, the last 10 years of the architectural panorama show relevant internal changes: the integration of development of technology, digital and of the communication in the creative and representative processes, mobility as a generative means of formation pa-thways and professional collaborations, the acknowledge of globalization and its economical, ecological and social paradigms. In this scenario, young architectural practices have emerged, aware of the multidisciplinary role of the architect as a cultural agent, to the collective in-terdisciplinarity as a competitive potential, and to the means of communication as a sharing exponent and social connection.

This study is focused in the analysis of a recent period of the portuguese architecture, 2000-2010, for the emergence of practices and attitudes towards architecture that denote those stimuli. Signs of radical change were not sighted, but of a diversity of the portuguese archi-tecture that we should be, and will be observant.

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Resumo

No ano presente ao desenvolvimento deste estudo, a arquitectura portuguesa foi mais uma vez presenteada com o grande prémio da arquitectura mundial pela mão do arquitecto Edu-ardo Souto Moura (Pritzker 2011). A constatação deste facto faz-nos não só reconhecer a importância da obra do autor, como nos levanta o olhar sobre o cenário positivo em que encontramos a produção arquitectónica portuguesa no seio mediático – publicações, expo-sições, conferências, blogs. No entanto este é também o cenário da debilidade de espaço e carência de oportunidades para quem tenta manter uma estrutura profissional e para quem tenta iniciar uma. É uma realidade instável e consumista que muito dificilmente regressará ao tempo áureo dos “mestres”, facilitado dos “herdeiros” e aceitável dos “bastardos”.

Por outro lado os últimos 10 anos do panorama arquitectónico demonstram transformações internas muito pertinentes: a integração do desenvolvimento tecnológico, digital e da co-municação nos processos criativos e representativos, a mobilidade como meio gerativo de percursos formativos e colaborações profissionais, o entendimento da globalização e dos seus paradigmas económicos, ecológicos e sociais. Neste cenário têm emergido jovens práticas arquitectónicas atentas ao papel multidisciplinar do arquitecto como agente cultural, à inter-disciplinaridade colectiva como potencial competitivo, e aos meios e formas de comunicação como expoente de partilha e relacionamento social.

Este estudo foca-se na análise de um período recente da arquitectura portuguesa, 2000-2010, pela emergência de práticas e posturas arquitectónicas indicadoras desses estímulos. Não des-cortinamos sinais de mudança radical, mas de uma diversidade da arquitectura portuguesa à qual devemos e vamos estar atentos.

ARQUITECTURA PORTUGUESA EMERGENTE

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Disquisição e suas Representações

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO. EMERGÊNCIA, Procurando a Emergência na Arquitectura PortuguesaO Contexto da EmergênciaO Conceito de EmergênciaA Emergência na Aquitectura Portuguesa

UM. ANOS 50-90, Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

(+)Emergências e InterpretaçõesInquérito à Arquitectura PortuguesaEscola do PortoÁlvaro Siza Vieira (=)Emergências e Matérias Transição dos anos 80 para os 90As escolas de ArquitecturaActividade profissional/Temas e AcontecimentosMatérias e Linguagens/Tendência(s)Comunicação - Informação, Medietização e Representação

DOIS. ANOS 00, Emergências recentes na Arquitectura Portuguesa

(||)Diversidade e ComunicaçãoGéneseComunicaçãoRepresentaçãoMetodologia e Estratégia(//)Casos de Estudo EmergentesMOOVPlano BAUZprojekt

CONCLUSÕES PROSPECTIVAS. CRISTALIZAÇÃO, Reflexões sobre a Emergência na Arquitectura PortuguesaOs Factores de MudançaA cristalização da Emergência

ANEXO: ENTREVISTAS MOOV, Plano B, Arq. Jorge Figueira

BIBLIOGRAFIA

WEBGRAFIA

VIDEOGRAFIA

ÍNDICE DE IMAGENS

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Procurando a Emergência na ArquitecturaP O R T U G U E S A

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fig 1. Flocos de Neve (página seguinte). A emergência tenta demonstrar que a partir de sistemas complexos de relações surgem estruturas, padrões e propriedades sobre um processo de auto-organização (citação do autor)

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Introdução

Depois de um ano e oito meses a colaborar num ateliê de arquitectura, aprendi a lidar cons-cientemente com as conjecturas e condicionantes que vão estando inerentes à prática da actividade em Portugal. A flexibilidade da experimentação dos temas e dos métodos ainda vai sendo levada com alguma rigidez…Se por um lado sei que estou envolvido num processo pessoal de transição entre a fase académica e a condição profissional, acredito que este é o momento de questionar os processos, os métodos e as estratégias da prática. No fundo ques-tionar os símbolos, os estigmas, os vícios que tornaram a imagem da arquitectura portuguesa contemporânea em algo irrefutável.

Fazer arquitectura em Portugal vai-se transformando utopia para os arquitectos da minha geração. É encaixar o acesso à profissão na precariedade da actividade. É ter noção do con-servadorismo, da competição pelo mediatismo, da falta de espaço, da falta de trabalho, da falta de dinheiro, da tecnocracia. Emigrem! Já dizia o Pritzker 2011, Eduardo Souto Moura. Por outro lado, é acreditar que a arquitectura portuguesa possa enaltecer a sua capacidade de mistura e combinação de contextos diversos na interpretação dos signos e instrumentos da contemporaneidade.

*

Este estudo tem por objectivo desenvolver uma consciência crítica e responsável sobre uma arquitectura portuguesa emergente entre os anos de 2000 e 2010, na compreensão dos seus métodos, estruturas, estratégias, temas e linguagens, pela representação dos processos inter-nos externos inerentes.

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fig 2. Capa da revista “Wondeland #1”; fig 3. Wallpaper da Revista “A10-New European Architecture; fig 4 Capa da publicação “Metaflux”

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Procurando a Emergênciana Arquitectura Portuguesa

O Contexto da Emergência

Constata-se ultimamente que o termo “emergência” tem vindo a ser utilizado com alguma frequência nos vários meios de comunicação1, através de expressões como “economias emer-gentes”, “políticas emergentes”, “mundos emergentes”. Esta transversalidade do termo vai sendo retratada pela cristalização de determinados fenómenos contemporâneos que tendem a manter-se e a fixar-se com tempo. Na arquitectura o conceito aparece aplicado tanto pela abordagem de “emergência” como necessidade de intervenções “urgentes” em países de ter-ceiro mundo ou situações de catástrofe, como pela tradução de atitudes mais jovens e “fres-cas” que aspiram a um crescimento no panorama arquitectónico. Sobre esta segunda visão considera-se os exemplos da revista A10 new European Architecture, pela atenção dada às aos novos projectos e edifícios das “estrelas” de amanhã de mestres esquecidos e de talentos desconhecidos2; e da plataforma “Wonderland”, uma rede europeia de 99 ateliês de 9 países diferentes, que na ob-servação das alterações do campo de acção da arquitectura europeia, desenvolve um esforço colectivo de colaboração transnacional na demonstração de exemplos e respostas de uma mudança

da prática de arquitectura: tudo que o que pode ser imaginado é exequível3.

Nestes últimos dez anos, a crítica da arquitectura portuguesa também tem debruçado alguma atenção sobre o termo, principalmente na tradução do debate geracional e das suas represen-tações. Com a exposição “Infl ux, Arquitectura Portuguesa Recente” (2003, Porto) foram apontados 45 produções de 15 ateliês que se mostravam emergentes no panorama arquitectónico nacio-nal. Alguns destes ateliês marcariam mais tarde presença na exposição “Metafl ux: Duas Gerações

na Arquitectura Portuguesa Recente” (2004, Bienal da Arquitectura de Veneza), cujo debate se fazia na reflexão da mudança de atitudes entre duas gerações de jovens arquitectos portugue-ses. Ambas as exposições reflectiam o interesse em debater os panoramas recentes da arqui-tectura em Portugal. Na primeira exposição propuseram-se temas de entendimento da arquitec-

tura traduzidos em termos correntes e demonstrativos4 como confluência, compulsão, confrontação, condensação e deslocação. Na segunda descreveram-se dois retratos geracionais, gerações “X” e “Y” como atitudes paralelas entre o “ortodoxo” e a “diversidade”. Mais recentemente, em 2007, a revista Arq.|a iniciou o projecto “Geração Z”5, que visa mostrar, analisar e debater as

emergentes práticas arquitectónicas portuguesas6, através da realização de debates, exposições e pu-blicações específicas. A discussão desta contemporaneidade arquitectónica portuguesa tem-se feito em torno das questões da globalização da comunicação, dos avanços tecnológicos, e do modo como as fronteiras internacionais vão sendo percepcionadas pelas novas gerações de arquitectos portugueses. Factores que se mostram criadores de uma emergência.

1 CORNING, P. (2002). The Re- Emergence of Emergence. Complexity. 7(6): 18-30, 42 BAPTISTA, Luís Santiago; VENTOSA, Margarida. “Perspectivas Internacionais”. Revista Arq|a (75/76 – Nov/ Dez 2009) pp. 343 http://www.wonderland.cx/concept.html (1/09/2011)4 GADANHO, Pedro; PEREIRA, Luís Tavares. Influx. Civilização Editora. (2003). pp 95 Este projecto vem-nos sido apresentado desde 2007, de forma momentânea e em colaboração com essas práticas emergentes. Os ateliês são convidados a apresentarem livremente o seu trabalho num caderno específico integrado na revista: “Depois da geração X e Y, eis a geração Z”. A posterior realização de exposições públicas visa a apresentação dos ateliês debatem metodologias, objectivos, práticas e condições recentes da arquitectura portuguesa.6 Baptista, Luís Santiago. Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 8

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O Conceito de Emergência

Dictyostelium discoideum. Talvez tudo tenha começado por aqui.7

Dictyostelium discoideum é um organismo, semelhante a uma ameba8, que tem sido alvo de es-tudo por parte de pesquisadores de matemática aplicada. A sua particularidade está presente na capacidade natural em se transformar, ora num conjunto de microrganismos unicelulares ora num único organismo multicelular, consoante a presença ou ausência de nutrientes. Com uma série de estudos chegou-se á conclusão que as células do Dictyostelium discoideum se orga-nizavam de baixo para cima numa espécie de fenómeno colectivo - Trata-se aqui, na verdade, de

um comportamento tipo bottom-up.9

O conceito de “emergência” tem sido estudado em vários campos da investigação como a Bio-logia, a Matemática e a Filosofia, no desenvolvimento de novas teorias de natureza evolutiva e comportamental. No estudo da pós-modernidade, a “Teoria do Caos” integrou a instabilidade e os fenómenos de interacção na explicação do funcionamento dos “Sistemas Complexos e Dinâmicos”, expandindo assim a percepção das coisas na relação entre a natureza, a sociedade e a mente humana. A emergência tenta demonstrar que a partir desses sistemas complexos de relações surgem estruturas, padrões e propriedades sobre um processo de auto-organização10.

Steven Johnson11 explica-nos no livro “Emergência – A vida integrada de formigas, cérebros, cidades

e softwares” (2003) que contemporaneamente a imprevisibilidade da forma como se comunica (televisão, internet, telemóvel) é exponencial na criação de relações sociais colaterais assen-tes no feedback e na auto-organização 2. Comportamentos que ele explica como uma mistura

entre ordem e anarquia12, sem regras fixas e sem hierarquia (mais diversificados) numa liderança do tipo bottom-up. Na sua opinião os sistemas emergentes podem ser extremamente inovadores e cria-

tivos, e têm naturalmente mais capacidade para se adaptaram às novas situações do que os padrões de

organização mais rigidamente hierárquicos.13

Na arquitectura este tipo de comportamentos bottom-up são visíveis na criação de redes e par-cerias colectivas no objectivo de um maior alcance prático e investigatório da profissão. Volta-mos a referir neste contexto a plataforma “Wonderland” pela abrangência e espontaneidade de um projecto isento de cooperações institucionais ou políticas. No caso português, os “ateliês de Santa-Catarina” (Lisboa) mostram ser um fenómeno bottom up deste tipo, pela colaboração entre artistas e arquitectos, nacionais e internacionais, na actuação sobre contextos diversos.

7 JOHNSON, Steven. Emergência – A vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares. (2003). (Tradução: Maria Carmelita Pádua Dias)8 As amebas são são protozoários pertencentes ao Filo Sarcomastigophora e ao sub-filo Sarcodina. (…)Sua forma pode ser bastante variável, e muitas vezes indeterminada, já que seu corpo gelatinoso assume formas diversas, em alguns casos - http://www.algosobre.com.br/biologia/ameba.html 11/05/20119 JOHNSON, Steven. (2003). Emergência - A vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares. (Tradução: Maria Carmelita Pádua Dias). Pag 310 CORNING, P. (2002). The Re- Emergence of Emergence. Complexity. 7(6): 18-30, 711 Steven Johnson (1968) é um autor americano Formado em Semiótica e Literatura Inglesa. já foi citado como um dos mais influentes pensadores do ciberespaço pelos periódicos Newsweek, New York Magazine e Websight. É editor-chefe e co-fundador da Feed, premiada revista cultural on-line - http://expeculando.wordpress.com/2007/07/10/steven-johnson/ - 11/02/201112 JOHNSON, Steven Emergência–A vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares. (2003) (Tradução: Maria Carmelita Pádua Dias). pp. 7913 JOHNSON, Steven Emergência–A vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares (2003) (Tradução: Maria Carmelita Pádua Dias). pag. 7

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Procurando a Emergênciana Arquitectura Portuguesa

A auto-organização é assim um processo recorrente ao uso da comunicação global, da partilha de infromação e de experiências. Um conceito que potenciado pelo uso da internet pode ser visto sem restrições de acesso e sem limites expansão. A emergência na arquitectura deverá ser interpretada a partir dos seus fenómenos bottom-up, livres e imprevisíveis na constatação da contemporaneidade.

A Emergência na Arquitectura Portuguesa

Na observação do panorama arquitectónico da Arquitectura Portuguesa dos últimos dez anos, identificamos sinais de comportamentos emergentes nos conceitos da comunicação e da di-versidade. Ateliês estabelecidos neste novo século, compostos por uma geração de jovens ar-quitectos nascida no Pós 25 de Abril, têm vindo a conquistar um pequeno espaço no contexto português para o desenvolvimento das suas práticas e experimentações arquitectónicas. O entendimento positivo da comunicação e das tecnologias digitais na arquitectura permite-lhes a manipulação de vários instrumentos na divulgação e partilha do seu trabalho a vários públicos. A diversidade dos seus percursos, moldados pela mobilidade física e mental, reflecte-se na estruturação multidisciplinar das suas práticas em diversos contextos, através de redes sociais e parcerias colectivas na ideia de uma auto-organização. Não procuram as estruturas fixas, assim como as regras ou ideologias estanques. Procuram com pouco fazer muito, ques-tionando os papéis da arquitectura e do arquitecto como agentes criativos, técnicos e sociais.

A percepção desta emergência deverá ser feita tanto no enquadramento da contemporanei-dade da arquitectura portuguesa assim como na presença dos contextos históricos internos e externos a ela. Acredita-se o panorama arquitectónico português possui desde metade do século XX, as condicionantes e traduções necessárias para a compreensão e análise desta emergência contemporânea portuguesa.

Começa-se esta análise por questionar o paradigma da arquitectura portuguesa que é o de ter uma “identidade”. Uma identidade presa na “Interpretação” de estilos e ideias internacionais a um contexto socialmente pobre, economicamente frágil e carente de mão-de-obra espe-cializada. A emergência dessa identidade, como positiva, aparece-nos na influência do Inqué-rito à Arquitectura Portuguesa (1955-60). O estudo revelou os aspectos mais tradicionais da arquitectura popular, feita sem arquitectos, na elementaridade dos recursos e das técnicas. Aspectos que se considerariam como uma expressão poética da arquitectura e do seu funcio-nalismo. Mas não terá sido o Inquérito uma revisão passiva da modernidade na eminência dos aspectos contextuais do lugar e das suas potencialidades? Por outro lado algumas personagens incluídas neste projecto mostraram-se proeminentes na leitura dessa identidade, como foi o caso de Fernando Távora na Escola do Porto. Ao longo dos anos a Escola do Porto tornou-se um projecto envolto numa estrutura pedagógica na qual os ideais da história, do lugar e as materialidades desenhadas ao pormenor, mostraram a valência da produção nortenha. No en-

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tanto não entendamos como emergente esta posição de contra-cultura com a Modernidade, pois este sentido empírico, abstracto e purista, além de se reflectir na “interpretação” de ou-tras referências como Adolf Loos e Alvar Aalto, anulou outras emergências neo-modernistas como Tasso de Sousa e Luís Cunha. A grande relevância da Escola do Porto para esta prova encontra-se na discussão da influêcia de uma “imagem” da arquitectura portuguesa, no re-conhecimento internacional que lhe fora atribuído assim com a emergência de referências nacionais propulsoras desse processo.

O papel de Álvaro Siza no desenvolvimento da arquitectura portuguesa é fulcral na interpre-tação da pós-modernidade e no reconhecimento internacional mediático que transportou para a produção nacional. Peter Testa reconhece no método de Álvaro Siza, envolto no dese-nho como elemento de percepção e transformação do espaço, uma das maiores emergências da sua arquitectura na criação de sínteses contextuais a partir de contextos tão diversos. Por outro lado esta valência “contextualista” acarretou outras denominações de ruptura e antago-nismo com a condição pós-moderna, como foi a revisão de K. Frampton no termo “Regiona-lismo Crítico”14. A estagnação do termo, na preponderância do reconhecimento nacional de A. Siza, elevou a arquitectura portuguesa a um processo de contaminação, na assimilação des-ta postura como referência formal, e a um mediatismo social e cultural centralizado na figura do arquitecto. A associação ao termo “arquitectura portoguesa” (termo usado por Manuel Mendes nos anos 90) reflecte esse mesmo estado “virusal”, que nem sempre se disciplinou pela referência do método, mas pelas leis físicas de uma “imagem” de qualidade apetecível.

O contexto arquitectónico português sofreu profundas transformações nos últimos 30 anos. A queda do regime totalitário, a adaptação à democracia e a entrada do país na União Euro-peia possibilitaram um conjunto de reformas e alterações sem precedentes. Se por um lado foram dadas respostas na habitação capazes de resolver situações sociais (SAAL) e de reestru-turação urbana (Expo 98, Porto 2001, Programa Polis), por outro foi evidente a carência de estruturas políticas e económicas capazes de controlar o crescimento exacerbado da constru-ção. Culturalmente o papel do arquitecto foi levado de forma simbólica na emergência medi-ática de personagens icónicas como Álvaro Siza e Eduardo S. Moura, mas a profissão nem foi sempre respeitada com a permanência do artigo 73/73 em vigor durante os últimos 30 anos. A democratização do ensino e a falta de rigor na abertura de cursos de arquitectura públicos e privados foi alterando compulsivamente o panorama arquitectónico português. O crescente número de arquitectos em actividade tornou o acesso à actividade e à encomenda uma fábula de difícil digestão na relação pouco equilibrada entra a oferta e a procura. Junta-se a este facto a proliferação de posturas e atitudes que tornou difícil a leitura de uma identidade na ar-

quitectura portuguesa15. Por outro lado a consciência da mobilidade interna para diversificação dos percursos, e a mobilidade externa com o programa Erasmus, permitiram uma abertura de mentalidades e de miscigenação16 que viria a dinamizar as dicotomias de continuidade/

14 Termo referenciado no livro “História crítica da Arquitectura moderna” (1980). K. Frampton 15 DIAS, Manuel Graça. (Entrevista). Arq|a (84/85-Set/Out 2010). pp 2616 Termo retirado dos ensaios escritos do livro: Influx, Arquitectura Portuguesa Recente. Civilização Editora. (2003)

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Procurando a Emergênciana Arquitectura Portuguesa

descontinuidade na evolução arquitectónica portuguesa dos anos 90 para os anos 00.

A observação destas transformações foi acompanhada pelo crescimento de uma mediatização na arquitectura portuguesa. A presença da arquitectura nos meios de comunicação genera-listas e da especialidade durante os anos 90 foi um processo transversal à sua evolução. No entanto ficou limitado à vivacidade da cena cultural lisboeta com o ascetismo e à ascensão da Escola do

Porto17. Encontraram-se as certezas das formalidades contaminantes de Álvaro Siza e Eduardo S. Moura, e consciencializou-se o carácter competitivo pela busaca mediática. A introdução da comunicação como um processo prático e metodológico da arquitectura só viria a encon-trar na década seguinte, sinais de uma positiva interpretação e autonomia.

Na tradução destes últimos dez anos elevaram-se temas e posturas que se tornam emergen-tes não só pelo significado da palavra, nos conceitos da auto-organização e bottom up, mas também pela comparação ao background anteriormente descrito. A consciência da mobilidade física e mental é não só dirigente à diversificação dos percursos formativos e profissionais mas à criação de parcerias e colaborações profissionais. Na ostentação de uma actividade profissional multidisciplinar, o individualismo é substituído por um colectivo multicéfalo como agente criativo competitivo. No confronto a um mercado restrito na praticabilidade da arquitectura vão-se inventando e descobrindo novos métodos, campos de actuação e ati-tudes. Atitudes desenhadas em siglas e nomes sonantes na criação de uma “imagem” e ideia de grupo. Os avanços tecnológicos digitais e da comunicação não só tornaram mais rápido o processo e o acesso à informação, como abriram espaço para novas experimentações virtuais, visuais e arquitectónicas. Estes factores traduzem-se na emergência de novos temas como a sustentabilidade, a economia de recursos, a efemeridade. A diversidade na experimentação construtiva e conceptual da arquitectura leva-nos afirmar que estes são sinais emergentes de uma mudança interpretativa da arquitectura portuguesa mais contextual nos seus métodos, estratégias e soluções.

17 GADANHO, Pedro. Arquitectura em Público. Dafne Editora. 2010. pp.297

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ANOS Factualidades Emergentes na ArquitecturaP O R T U G U E S A

SO

OP

fig 5. Maço de tabaco “Português Suave” (página seguinte).O avant- garde português encontrou-se na superficialidade gratuita da adaptação redutora dos modelos “estilísticos” que chegavam e que se recriavam sobre um pitoresco “português suave”. (citação do autor)

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Um

No capítulo anterior desmistificamos o conceito e o significado de “emergência” e fomos in-troduzidos àquilo que pode ser entendido e observável como “comportamento emergente”. É com base na compreensão de termos como “auto-organização” e “bottom-up” que iniciamos este capítulo numa busca de situações no teor da Arquitectura Portuguesa às quais possa-mos chamar de “emergentes”. O termo “auto-organização” será explorado sob a evidência de determinados “grupos”/“individualidades” que foram responsáveis por mudanças, quer no exercício da profissão do arquitecto quer no exercício da própria arquitectura em Portugal. O termo “bottom-up” pretende enquadrar as referências e ideologias influentes no percurso da Arquitectura Portuguesa a partir da segunda metade do séc. XX. Desta forma optou-se por balizar o estudo entre os anos 50 e os anos 90 com o objectivo de criar um background

consistente (dentro do tema) para aquilo que será analisado no segundo capítulo (Anos 2000 - 2010). Numa primeira fase falaremos de “Interpretações” – traçados influentes na compre-ensão da arquitectura portuguesa da segunda metade do séc. XX; e seguidamente analisare-mos “Matérias” – desconstrução de factores internos e externos à arquitectura portuguesa na leitura da mesma sobre as condições da pós-modernidade.

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fig 6. Capa Revista “Casa Bella, nº 539”

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

Emergências e Interpretações

Participação do Prof. e Arq. A. A. Costa no vídeo “Talking Heads” (Trienal de arquitectura Lisboa 2010)

Habituados a encontrar os conceitos da escassez e deslocação na leitura de uma identidade arquitectónica portuguesa, optou-se por iniciar este estudo pelos anos 50 com o Inquérito à

Arquitectura Portuguesa (Arquitectura Popular em Portugal) (1955-1960) conhecido como um estudo de excepcional importância1 para a produção arquitectónica nacional da segunda metade do séc. XX. De seguida faremos um breve apontamento ao que foi a “criação” de uma escola de arquitectura, a Escola do Porto, evocando a sua origem assim como o significado da sua matriz pedagógica. Por último ilustraremos a emergência dessa identidade pela obra de Arq. Álvaro Siza Vieira, quer pelos processos de investigação e de representação da arquitectura, quer pelo reconhecimento e influência adquiridos no panorama nacional e internacional.

(…) A arquitectura portuguesa sempre foi feita de interpretações globais a uma rea-

lidade diferente, mais pobre e até menos sofi sticada de meios comparativamente com

aquelas que eram as referências europeias (…) Não sei se existe uma arquitectura

portuguesa, mas acredito numa identidade na arquitectura portuguesa (…)

1 Associação dos Arquitectos Portugueses. Arquitectura Popular em Portugal. Edição da Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1980, pp.?

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Arquitectura Portuguesa Emergente 2000-2010

Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa

Começarei por fazer um apontamento crítico acerca do objecto e do objectivo, deste ex-tenso estudo que foi o Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa. Dada a intenção deste apontamento, tentarei ser breve num primeiro momento, mas não inconsciente sobre o seu conteúdo. Procura-se o sentido emergente do Inquérito na condição de influência factual em posteriores “associações de arquitectos”, no interesse humano e social a partir da investigação e da discussão de arquitectura, e qual o relevo que acabou por ter sobre uma cultura arquitec-tónica portuguesa inexistente na época.

O Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa, surge como ideia em 1949 pelo arquitecto Keil do Amaral (então pertencente á presidência do Sindicato Nacional dos Arquitectos), no entanto 6 anos passariam para que esta proposta de investigação iniciasse. Decorrido entre 1955 e 1960, o Inquérito foi dirigido por um grupo de arquitectos de duas gerações sendo a maior parte deles recém-formados. A estratégia passou por dividir o território em seis zonas limitadas ao continente, atribuindo-se uma equipa de três arquitectos para cada zona cujo trabalho seria o de estabelecer disposições concretas e pormenorizas sobre ocupação do território, estruturação urbana, materiais e processos de construção. O suporte final concre-tizou-se numa colecção de material documentativo e representativo das condições sociais, arquitectónicas e urbanísticas do território português dos anos 50.

Esta investigação coincide com um interesse particular do Regime Totalitário vigente em Portugal (1932-1974) em “criar um estilo arquitectónico nacional”. No entanto este facto deve ser entendido como um “equívoco intencional”, pois nunca foi intenção dos arquitectos intervenientes dar resposta directa a essa pretensão, tal como é referido de seguida:

Arquitectura Portuguesa Emergente 2000-2010

fig 7. “Quem tem medo do Corbusila?” (fotomontagem do autor)

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

Na realidade, àquele propósito, opõem-se os promotores do Inquérito, que procuram

sim, evidenciar a importância das relações entre os homem e o seu meio – social, eco-

nómico e geográfi co – na formulação de arquitecturas como sequência de processos de

construir longamente depurados que têm a ver com situações concretas bem defi nidas. 2

Resumidamente, o objectivo do Inquérito terá sido o debate sobre o carácter da arquitectura tradicional portuguesa, isento das intenções mais eruditas e urbanas da arquitectura. Assim, entendeu-se como meta as lições de coerência, de economia, de engenho, e de funcionamen-to, decorridas sobre a contextualização e apropriação do lugar, das pessoas e das lides rurais. Uma representação da arquitectura quase tectónica e artesanal ao mesmo tempo. Moderno? É notório que o interesse do Inquérito não era o entendimento da modernidade na arquitec-tura portuguesa, a partir da discussão dos modelos urbanos sobre aspectos mais ou menos utópicos, mais ou menos globais. A visão do Inquérito era intencionalmente tradicionalista e contextual, o que em certa medida acabou por ser também uma procura por uma identidade

portuguesa, facto qual não podemos associar directamente ao que foi o Movimento Moderno ou aos debates dos CIAM. Aliás o entendimento e aplicação do movimento Moderno em Portugal era, para os arquitectos da época, tanto um desafio à capacidade pessoal como um desafio ao regime político vigente:

as ideias e teorias modernas eram por nós mal conhecidas; não se podia dizer que

tivéssemos grandes convicções sobre o que fazíamos; mas a verdade também é que não

tínhamos outro trabalho, sabíamos que os projectos seriam rejeitados ou emendados se

não fossem conforme a expressão nacional (…)3

2 Associação dos Arquitectos Portugueses. Arquitectura Popular em Portugal. Edição da Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1980, pp. X3 PORTAS, Nuno, “Carlos Ramos (1987), Walter Gropius (1883) “in Memorian” (1969), Revista da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, Nº 0, Ano I, Outubro 1987, pp.88.

Factualidades Emer

fig 8. Levantamento de tipologias (Imagem reti-rada do “Inquérito à Arquitectura Portuguesa”)

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Arquitectura Portuguesa Emergente 2000-2010

Sérgio Fernandez

Portanto, em que medida se afastou o objectivo base do Inquérito em relação ao “estilo ar-quitectónico nacional” do Regime? Sabemos à partida que Portugal vivia uma situação de ditadura e de repressão social, obrigando muitas vezes os arquitectos a tomarem posições contraditórias. Por um lado os arquitectos serviam o Regime, sendo daí que viriam as en-comendas públicas; por outro lado buscavam outro tipo de experiências ligadas à investiga-ção e discussão de arquitectura - as manifestações colectivas de Arquitectos como a ODAM (Organização dos Arquitectos Modernos), o I Congresso Nacional de Arquitectura (1948), ou a presença de um grupo português (Viana de Lima, Arnaldo Araújo, Fernando Távora) no VIII CIAM. Não é intenção deste raciocínio menosprezar estas posições, no contexto da cultura arquitectónica portuguesa, mas importa afirmar que nunca fora tomada uma posição verdadeiramente franca de discussão da modernidade, sempre se preferiu o apaziguamento dos temas e das vontades. A principal discussão talvez se tenha feito em torno do papel do arquitecto. A modernidade era entendida por alguns dos arquitectos envolvidos no Inquérito como um “pretexto” ou necessidade de “alcançar” um arquitecto mais atento à tecnologia, com um espírito mais “técnico”, em prol de uma consciência mais social e antropológica. Reflexo deste empenho, viria a ser a Reforma de 57 (1957) promovida por Keil do Amaral, coincidindo com o período de industrialização em Portugal e do declínio assumido da postura Belle Epoque.

Talvez possamos afirmar que antes da realização do Inquérito, a asserção da arquitectura se estivesse a transformar numa questão política que mais ou menos vincada, poderá ter despon-tado outro tipo de compreensão acerca do que poderia vir a ser um pensamento sobre “arqui-tectura moderna portuguesa”, com uma atitude participativa dos arquitectos na resolução dos problemas da habitação, do território e da cidade sem constrangimentos nem obrigatorieda-des de estilo. No entanto, é ambíguo retirar qualquer sentido de emergência particularmente arquitectónico sobre o Inquérito, pois talvez se pretendesse uma actualização das linguagens formais e construtivas ou talvez se reivindicasse a arquitectura como um condensador social - o que só viria realmente a acontecer em 1974 com o projecto SAAL.

(…) Nós fi zemos um Curso de Cartazes. Tínhamos acesso às imagens da modernidade

e usávamo-las como referências para os nossos trabalhos. A arquitectura de Le Corbusier

e, até certo ponto, a de Kahn, funcionavam como uma espécie de fetiches para os nossos

projectos, nomeadamente a nível tecnológico. Entretanto começaram a chegar as infl u-

ências do Inquérito à Arquitectura Popular, que veio modifi car um pouco a situação. 4

O Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa não foi assim uma quebra ou uma mudança radical de paradigmas na arquitectura portuguesa do séc. XX. O Inquérito ambicionou rom-per com o estilo “português suave” mas em parte foi o reflexo de uma posição “à la portoghe-se”, aquilo que preferimos denominar de “interpretação” presente na adaptação de processos e debates arquitectónicos exteriores a uma realidade com condições territorialmente perifé-ricas, económico/socialmente pobres e politicamente difíceis, tal como referia A. A. Costa

4 OLIVEIRA, Ana. Uma escola, dois percursos. Prova Final para Licenciatura em Arquitectura. FAUP. 2007/2008. pp. 68

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

no início do capítulo. Incluir o Movimento Moderno neste contexto é induzir em erro tanto o objectivo como a realização do Inquérito. Todavia, este apontamento ambíguo entre o que “vem de fora” e o que “se faz cá dentro” começa a definir um traço comum no conceito de emergência da arquitectura portuguesa do séc. XX: uma “identidade portuguesa” que despre-za o radicalismo e que se agarra aos temas contemporâneos na interpretação sobre a escassez que deve ser questionada usando exemplos, que a partir da realização do Inquérito se tenham tornado mais evidentes desta postura, como talvez seja o caso da Escola do Porto.

Escola do Porto

O nome da “Escola do Porto” está associado a um legado de obras e personagens/referências de indiscutível valor no panorama da arquitectura portuguesa do séc. XX. Jorge Figueira pre-fere associar a esta denominação, à existência de um modo de fazer e um modo de pensar, quase que uma “tradição” de valores, ritmos, posturas e atitudes que funcionaram como o epicentro

da cultura arquitectónica das últimas quatro décadas do século XX português5. Pressupõe-se que este tipo de conclusões teórico/práticas abranjam tanto os seus intervenientes como as suas intervenções. A introdução deste tema nesta prova não tenciona ser mais uma “crítica emanci-pada” do que foi ou do que é o valor influente da Escola do Porto como referência na cultura arquitectónica portuguesa do séc. XX, pois para o fazer de forma justa teríamos de começar por questionar a sua existência, e isso não é relevante neste discurso. O desafio centra-se no questionar de forma consciente o que se entende por Escola do Porto, pelo significado e origem mas sobretudo pela sua referência actual, ultrapassando conceitos “técnicos”, “modos de fazer” e “modos de pensar”.

Evocamos a acção pedagógica do Mestre Carlos Ramos como Professor da Escola Su-

perior de Belas Artes do Porto; tal acção desempenhou, sem dúvida, um papel relevante

na formação dos arquitectos portugueses e, consequentemente, na qualidade do nosso

espaço. Evoquemos o Mestre e saibamos colher a sua lição.6

Contextualizando o assunto e a citação de Fernando Távora, o nome de Carlos Ramos está associado a uma mudança pedagógica no ensino da Escola Superior das Belas Artes do Porto desde a sua entrada como docente em 1941. A sua metodologia de ensino, é representada no que sabemos por sala da aula tipo “atelier”, onde promovia uma postura mais livre mas também responsável entre a discussão em grupo e a capacidade individual de cada aluno de-senvolver o seu método de trabalho. Que passava directamente pela forma de comunicação das ideias e habilidade na crítica das mesmas, onde a introdução da cultura arquitectónica de referência do racionalismo europeu e do Movimento Moderno, através de Carlos Ramos,

5 FIGUEIRA, Jorge. Escola do Porto:Um Mapa Crítico. e|a|darq. 2002. pp.176 TÁVORA, Fernando. “Editorial Revista Ra”. Revista da Faculdade Arquitectura da Universidade do Porto. Porto. Nº 0. Ano I. Outubro 1987. pp.4

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eram fonte de refl exão para estudantes e profi ssionais.7

Terá sido com esta atitude de construir uma escola de referência, que Carlos Ramos aprovei-tou a Reforma de 57 (à qual era contra), para convidar outros intervenientes para leccionar juntamente com ele, onde estavam por exemplo nomes como Rogério de Azevedo, Fernando Távora, ou Agostinho Ricca, todos eles referências na arquitectura da cidade do Porto e com reconhecimento geral. Nesta estrutura, a metodologia de Carlos Ramos permanecia como “sistema pedagógico”, assim como um entendimento particular sobre a modernidade e a reflexão sobre a formação de arquitectos – o ensinamento da arquitectura deveria integrar todas as disciplinas importantes ao seu desenvolvimento, o desenho, a construção, e a histó-ria. Foi possivelmente com Fernando Távora que esta insistência sobre a integração da história da arquitectura e do seu valor sob a interpretação do património, terá adquirido mais relevo no início do “reinado” da Escola do Porto. E talvez seja dos poucos momentos onde encontra-mos uma relação estreita com o objectivo do Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, pois pelo contrário, o aspecto do arquitecto moderno enquanto técnico não “encaixava” na interpretação modernista dos intervenientes responsáveis da escola, assim como o debate da modernidade não oferecia modelos nem métodos adequados à realidade portuguesa.8

Contudo será que o debate pessoal da Escola do Porto era o de “ser ou não ser” moderno? Ou o facto de ser sequer alguma coisa? Não há dúvida, que o sentido emergente que procuramos na Escola do Porto passará pela evidência desta mesma questão, pois pensamos que nesta lógica se associam os métodos e as doutrinas de ensino da Escola, assim como as posturas dos seus docentes, intervenientes, e até na obra construída – a relevância ou a contradição do modus operandi que Jorge Figueira descreveu anteriormente. Mas se assim foi, de que for-ma podemos debater a emergência do aparelho ideológico/educacional do “convento de S. Lázaro”? Sabemos que a Escola do Porto sempre manteve a continuidade de um projecto disci-

plinar9 (Manuel Mendes) desde os tempos da ESBAP até àformação da FAUP, devido a um corpo colectivo coeso cujo denominador comum talvez tenha sido Fernando Távora. Sob uma nova

perspectiva e rara inteligência10, quis produzir uma cultura arquitectónica portuguesa centrando o seu debate pessoal no relacionamento do que era modelo europeu e o que era condição do seu país. Não tenhamos dúvidas em entender a influência do papel participativo de Távora no percurso da Escola do Porto, pela contaminação das suas participações - O Problema da Casa Portuguesa (1947); I Congresso Nacional de Arquitectura (1948); no VIII CIAM (1951); In-quérito à Arquitectura Regional (1955 – 1960); e no XI CIAM (1959) intervindo neste caso nas questões de “revisão” do Movimento Moderno juntamente com Aldo Van Eyck e Alison e Peter Smithson. Pelo que entendemos deste conjunto de factores, Fernando Távora trouxe a importância e a poética do lugar enquanto elemento de condição positiva do pré-existente, a temporalidade do passado com valorização da História, e o carácter humano pela identidade

7 FERNANDES, Manuel Correia. ESBAP / Arquitectura Anos 60 e 70. Apontamentos (1980). Publicações Faup. Porto. 1988, pp.33 e 34.8 COSTA, Alexandre Alves. Considerações sobre o ensino. JA 55. Março 1987. pp. 8 -99 COSTA, Alexandre Alves. Considerações sobre o ensino. JA 55. Março 1987. pp. 8 -910 Testa, Peter. The Architecture of Álvaro Siza. Massachusetts : The MIT Press. 1984.

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

do presente. Aos 24 anos de idade escreveu:

Tudo há que refazer, começando pelo princípio. (...) o estudo da arquitectura por-

tuguesa não está feito (…). A casa popular fornecer-nos-á grandes lições quando

devidamente estudada, pois ela é a mais funcional e a menos fantasiosa (…). Ao con-

trário de uma via mais internacional ou modernizada ou arquitectura de caprichos

estilísticos.11

Quando Keneth Frampton, enquadrou a Escola do Porto numa tendência que ele chama de “Regionalismo Critico”, não denominou somente o aspecto conceptual arquitectónico ideológico, pois interessava-lhe essa “arquitectura de resistência”12, essa postura marginal em relação ao mainstream europeu e americano e ao debate do pós-moderno. A Escola do Porto decidiu ser uma escola: tornou-se um projecto em si (talvez desde a entrada de Carlos Ra-mos em 1941), definindo as ideologias e as pós-ideologias da modernidade. Reuniram-se as condições e foram-se ultrapassando as reformulações/imposições técnico/científicas para estabelecer as bases gerais e a orgânica do curso - os ideais da história, as valências contex-tuais, as tectónicas detalhadas e as materialidades desenhadas ao pormenor - o pilar, a viga, a alvernaria, o muro de granito. Penso que podemos assumir que a consideração da moderni-dade pela Escola do Porto é um legado inequívoco de Fernando Távora, da sua experiência, conhecimento e carácter participativo. Generalizando, o método da Escola do Porto ganhou “raízes” em vez de pilotis, assumiu o compromisso da investigação do espaço como disciplina específica, dominável e livre, traduzindo-se numa cultura estratégica de projecto simultânea a uma reinterpretação da arquitectura Moderna. O sentido figurativo tornou-se dispensável em prol de uma postura empírica mais abstracta mas também mais purista, mais sóbria e discreta – referências observáveis em Adolf Loos e Alvar Aalto.

Parte do fascínio europeu que se começará a sentir por Siza e pela Escola do Porto é o

de se poder assistir a experiências arquitectónicas que decorrem do projecto Moderno,

congelado e reafi rmado, num processo que encontra novas metodologias para a sua

implantação.13

A Escola do Porto foi adquirindo uma importante relevância na produção arquitectónica nortenha portuguesa semelhante a outras pedagogias europeias como Espanha e Itália com quem manteve afinidades culturais assumidas. Uma importância diferente das práticas do Sul (Lisboa) mais atentas aos paradigmas” mitológicos” e experimentais da Arquitectura Moderna e Pós-Moderna, aspectos pelos quais a Escola do Porto nunca ganhou interesse relativo. Nesse sentido e revendo a definição “regionalista crítica” de Frampton, será que a emergência da Es-cola do Porto, está presente no carácter de contra-cultura, de arquitectura de la resistance? Se

11 O problema da Casa Portuguesa12 GRANDE, Nuno. Arquitecturas no Porto:Escolástica e Contaminação. Habitar Portugal 2006-2008. pp.6213 FIGUEIRA, Jorge. Escola do Porto:Um Mapa Crítico. e|a|darq. 2002. pp. 55

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formos por aí, teremos que considerar que a sua “continuidade” formativa (“formatativa”?)/ pedagógica e ideológica, deu origem a um determinado tipo de produção que acabou por servir de referência e imagem da arquitectura portuguesa a partir dos anos 80. Uma consi-deração válida quando a avaliação deste facto passa inevitavelmente pela opinião e projecção exteriores sobre a arquitectura portuguesa, quando comparada a outras posturas com valor conceptual e contexto próprios. O exemplo mais concreto desta ignição mediática de uma “arquitectura portuguesa”, ou de uma “identidade portuguesa”, foi claramente o reconheci-mento internacional gerado em torno da obra de Álvaro Siza.

Álvaro Siza Vieira

Considero desde já que integrar a obra de Álvaro Siza em qualquer retrato intemporal da arquitectura portuguesa é inevitável e corrente. A obra de Á. Siza é avassaladora ao ponto de cair na veneração poética da arquitectura, na repetição nostálgica e intransigente de algo que já não é subjectivo para passar a pertencer discursivamente ao entendimento da “mitologia grega”, a um gig da Marvel ou a uma groupie dos Rolling Stones. Toda a gente o cita e recita. Talvez eu acabe por cometer o mesmo cenário porque sou português. Mas creio que existirá sempre espaço e tempo para encarar o fardo e levantar os braços.

Dissertar sobre a obra de Á. Siza no decorrer do discurso anterior sobre o Inquérito à Arqui-tectura Regional Portuguesa e sobre a Escola do Porto, parece obedecer a uma lógica quase de causa/efeito, de continuidade, de reinterpretação evolutiva quer de posturas e atitudes quer de doutrinas e ensinamentos assimilados. Todavia procurar um sentido emergente nos traba-lhos e sobretudo no percurso de Á. Siza nada tem de lógico e de efeito relativamente ao que abordamos e será nesse sentido que incidimos a nossa busca sobre a emergência representativa do que é ou poderá ser a “arquitectura portuguesa”. Isto é, não inquirimos a emergência de Á. Siza numa relação directa às metodologias do Inquérito com interesse absoluto sobre a tradição regional e o provincianismo, nem numa posição algo fundamentalista sobre o Moderno como pareceu ser a da Escola do Porto. Interessa-nos perceber a emancipação da cultura arquitectó-nica portuguesa alinhada com a metodologia e a mediatização de Siza em termos teóricos mas também públicos. Procuramos a razão e o efeito da perspectiva da arquitectura portuguesa como “arquitectura regionalista”, que Frampton enquadrou nos anos 80 em “Modern architectu-

re: a critical history”, e que ganhou um verificável reconhecimento internacional e possivelmen-te uma conveniência nacional como mais à frente verificar-se-á. Reconhecemos esta década (1980) como o fim da era da industrialização e a origem da era da comunicação global, onde na arquitectura emergiram personagens que geraram uma infl uência avassaladora sobre os meios em

que ganharam proeminência14. É neste contexto emergente da pós-modernidade que consciente-mente introduzimos a principal relevância da obra de Álvaro Siza para esta prova.

14 GADANHO, Pedro. Sob Influência: do Vulcão à pool genética. Habitar Portugal 2006/2008. pp. 29

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

Para entender o contexto pós-moderno de Siza, começamos por referir a importância e influ-ência que Fernando Távora teve no seu percurso, pois mesmo que não consigamos decorrer sobre uma metodologia regular, os temas da sua arquitectura reagem sempre sobre uma rela-ção interpretativa do contexto social, material e histórico. Outros factores importantes para a sua formação terão sido certamente os “paradigmas” entre o tradicional e o moderno15 nos quais os arquitectos do Porto se debateram nos anos 50 e 60 (como vimos anteriormente), e que coincidem com o seu percurso enquanto estudante e o seu início de carreira. Mas se nos primeiros tempos os seus trabalhos deambulam sobre esses “debates”, como é exemplo a Casa de Chá da Boa Nova em Leça, a partir dos anos 60 a sua interpretação já começa a ecoar outro tipo de análises, que não estão directamente ligadas às questões da tradição e da materialidade - Casa Manuel Magalhães no Porto (1967). E talvez seja no início dos anos 70 com o Banco Oliveira de Azemeis (1974)16, que todo este processo de debate pessoal se mostre inserido num registo mais próprio mas também mais assimilado com as referências de Loos e Aalto. Será importante recordar nesta sequência, o estigma de “ser português” envolto pelas condições de viver num país periférico reprimido até metade dos anos 70 pela própria cultura política e pelas condições económicas e sociais difíceis - o tipo de condicionantes que geraram na consciência arquitectónica portuguesa aquilo a que denominamos anteriormente como “interpretações”.

O seu enquadramento na leitura da condição pós-moderna demarca-se sobretudo pela busca processual e contínua assente em valores sensíveis à realidade e ao desejo da própria “evidência”17, numa articulação entre o social e a sobriedade técnica, porque é um moderno que toma cons-ciência de si mesmo e é capaz de se transformar pela racionalidade, integrando à razão uma dimensão sensível e intuitiva18. São exemplos desta emergência paradigmática, as obras da Ma-lagueira (Évora, 1977) e do Wohnhaus Schlesisches Tor (Kreuzberg, Berlim, 1980). Podemos observar nestes dois exemplos “emblemáticos” a procura do lugar como elemento essencial na arquitectura, assim como o contexto social e económico nos quais se inserem, sem deixar de admitir a possibilidade de novas articulações e apropriações do espaço. Não admitimos porém que estas condicionantes “regionalistas” são reflexo inevitável da condição pós-moderna no seu todo. Mas constituem o reflexo de uma atitude emergente que se começara a verificar desde os finais dos anos 50, através de um antagonismo entre um conjunto de problemáticas arquitec-tónicas tecno – funcionalistas e a emancipação do crescimento e progresso social na Europa. Imagem evidente do início desta incompatibilidade foram as críticas crescentes ao movimento Moderno onde o Team Ten teve um papel relevante na tradução de uma contra - utopia e no que mais tarde seria o fim de um “ideário progressista abstracto” (Modernismo), simbolicamente assinalado com a demolição de Puitt Igoe em 1972, como refere Charles Jencks19.

15 TESTA,Peter. The Architecture of Álvaro Siza. Massachusetts : The MIT Press. 1984. pp.17516 O banco Oilveira de Azemeis (1971-1974), assinala um processo de continuidade entre o passado e o presente. É uma interpretação da arquitectura racionalista dos anos 20 e 30, questionando as condições e os limites de se tornar um objecto. Uma “arquitectura para museus” como o próprio Álvaro Siza refere.17 Referência ao livro “Imaginar a Evidência” de Álvaro Siza Vieira18 RODRIGUEZ, Jacinto. Álvaro Siza, Obra e Método. 1992. Porto. Editora Civilização. pp. 1619 RODRIGUEZ, Jacinto. Álvaro Siza, Obra e Método. 1992. Porto. Editora Civilização. pp. 13

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E é neste contexto que reconhecemos em Á. Siza o confronto com arquitectura Moderna, não pelo sentido da oposição mas pela ausência de posição em si, como um gesto que se suspende entre o moral, o sistemático e as particularidades, devíamos antes atentar na sua metodologia: um

processo de trabalho sempre pronto a operar sínteses entre referências díspares20. A peculiaridade da sua metodologia acaba por ser a relação ao desenho como expressão artística, agregada a uma estratégia morfológica variável, revelando uma visão não determinista e possivelmente com um carácter ou escala mais humanos. Tal como observa Peter Testa, a arquitectura de Á. Siza é sempre um processo de transformação no existente e no pré-existente. Conscientemente ou não, os paradigmas pelos quais Siza se debate nesta época (ver Peter Testa, The Architec-ture of Álvaro Siza), são coincidentes com a observação de outros paradigmas emergentes da pós-modernidade do inicio dos anos 80. Talvez nos convenha relembrar o que foi explorado no primeiro capítulo, quando afirmamos a consciência do conceito de emergência explícito na su-peração da dicotomia entre ciências naturais e ciências sociais, revalorizando os estudos huma-nísticos e a compreensão da própria manipulação do mundo que ocorre nesta mesma década.

Será sobre este fardo de estigmas e ambiguidade de paradigmas que se vai prender o sentido emergente co-relacional da sua obra, que nos anos 80 vem-se a reflectir no início de um reco-nhecimento internacional que segundo Peter Testa, só não acontece mais cedo pelo facto de Á. Siza ser português e pela dificuldade da crítica em inserir a sua obra numa determinada cor-rente teórica. Tomamos com especial interesse este factor “mediático” sobre a obra de Á. Siza por dois motivos consequentes e de importante valor para a década seguinte: primeiro pela vi-sualização internacional da produção arquitectónica portuguesa, pelo “abrir de portas” ao reco-nhecimento mas também à troca de experiências arquitectónicas entre Portugal e outros países como a Suíça, Holanda e Espanha; segundo pelo crescimento da própria cultura arquitectónica portuguesa sob um efeito de “contaminação” da mesma assente em dogmas de continuidade adoptada, de um fundamentalismo conveniente que irá servir de “imagem” da arquitectura portuguesa nos dez ou vinte anos seguintes. Concentremo-nos rapidamente nesses dois factos:

20 GADANHO, Pedro. Sob Influência: do Vulcão à pool genética. Habitar Portugal 2006/2008. pp. 35

fig 9. Planta da Casa Manuel Magalhaes, Porto, 1967. fig 10. Planta do Banco Pinto e Sotto Maior, Oliveira de Azemeis, 1974

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

Álvaro Siza “Lá fora”

Siza é convidado a intervir em Berlim (Kreuzberg, Alemanha, 1980-84) no seguimento das suas experiências com o projecto SAAL no Porto (Bairro de S. Victor, 1974-79 e Bairro da Bouça, 1975-77) e na Malagueira (Quinta da Malagueira,1977-97). O carácter das respostas no campo social sobre contextos e lugares claramente diferentes, tornaram possível a expor-tação do seu trabalho para a cidade alemã como intervenção em tipologias semelhantes. O que mais tarde se repetiria em intervenções similares espalhadas pela Europa durante esta década de 80 como são exemplos as operações em Schilderswijk (Haia, Holanda, 1984-89), e dos projectos de planeamento urbano para o bairro de Pendino (Nápoles, Itália, 1986). É sobre esta lógica que recordamos K. Frampton, que envolvido no debate pós-moderno aca-tou a produção de Á. Siza no subcapítulo do “Regionalismo Crítico”, subjacente aos valores da tectónica e do lugar e à contextualização purista e crítica da arquitectura sobre o mesmo. Para K. Frampton esta era uma “arquitectura de resistência” que claramente se afastava de ou-tras posturas pós-modernistas “tipológicas/ideológicas” (Neo-racionalistas, Historicistas) ou “tipológicas/ simbólicas” (Estruturalistas, Neo-populistas, Irónico/paródia) ”. O que enten-demos por essa expressão é que mais do que erradicar uma ideia de estilo pós-moderno, Siza preferiu conduzir a sua obra (de forma consciente ou não) sobre um desafio com a própria condição pós-moderna. Convenhamos que a posição emergente que K. Frampton procura no percurso de Á. Siza, não pode definir a sua arquitectura pois se o fizer será redutora, mas defende claramente uma postura, uma ideia quase poético/simbólica da “velha guarda” que reemerge por entre os dogmas da globalização e a parafernália consumista que se fazia assistir nessa década. Numa época em a figura do “arquitecto” começou a ser frequentemente aponta-da pela crítica, pode considerar-se que Álvaro Siza se tornou uma “estrela” quase por antago-nismo, sendo incluído naquilo que pelo efeito da globalização passou a designar-se mais tarde por star system. Como todo o processo de mediatismo se torna transversal, pensamos que a questão do sentido emergente que procurávamos atrás com a obra de Á.Siza ganha assim um conceito mais generalista compreendido antes no reconhecimento especializado mas também no reconhecimento público. A atribuição do prémio Pritzker (Hyatt Foundation, Chicago) em 1992, não deixa de ser o reflexo do nível de prestígio e de virtude da obra de Siza dentro da prática da arquitectura, mas acaba também por centralizar a genialidade da figura e a influ-

fig 11. Projectos para Kreuzberg, Berlim, Alemanha, 1979

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Arquitectura Portuguesa Emergente 2000-2010

ência da mesma noutras áreas e na própria sociedade.

Frampton has not written extensively on Siza’s architecture, but it is signifi cant that

he fi ns in these Works primary examples of that he view as an emergent architectural

position.21

Álvaro Siza “Cá dentro”

O reconhecimento internacional da obra de Á. Siza que falamos atrás teve uma clara impor-tância não só pela significância que acrescentou à sua arquitectura e à exportação da própria arquitectura portuguesa, mas também à difusão de uma cultura portuguesa. No contexto português a transversalidade mediática da sua obra rapidamente se centralizou na figura do arquitecto como agente difusor e interveniente de cultura. Em consequência desta “valori-zação” que se começou a dar “um” arquitecto na sociedade portuguesa, o processo de me-diatização e visibilidade da própria arquitectura aumentou exponencialmente nos anos 90, e com isto uma ideia de cultura arquitectónica em Portugal. Desse ponto de vista, o contexto arquitectónico português também foi influenciado por esta transversalidade, primeiro pela emancipação do nome da Escola do Porto sobre outras práticas, e depois pela aceitação de uma postura “pura” e “racional” sobre a “imagem” geral dos arquitectos dessa escola. Não relativizamos o processo de evolução arquitectónica consequente nos seguintes anos assente nesses mesmos valores, mas encontramos aqui indícios de uma viciação que acabou por anu-lar outras possibilidades emergentes com foram os exemplos de um pós-modernismo, enre-dado na “invenção” da arquitectura sobre uma trauma de carácter cenográfi ca-decorativa-imagética

manipuladora da signifi cação colectiva, decorrendo assim o consenso público-produção-actividade

artística, entre outros, Manuel Vicente, Luís Cunha, António M. Miguel e Tasso de Sousa; ou mesmo práticas neo-modernas noutros territórios portugueses, como a obra de Pancho Guedes. Observar-se assim que a arquitectura da Escola do Porto não foi representativa da produção arquitectónica portuguesa, sobre uma conotação regionalista interpretativa de ou-tras referências nórdicas no contexto português, assim como a obra de Á. Siza não foi repre-sentativa da produção da própria Escola.

Dentro de outros factores, entendemos que este processo de mediatização em volta do nome e da obra de Á. Siza, foi um “estandarte” sobre o qual se tentou “gerar” a emergência de uma arquitectura portuguesa e do próprio nome do país. Este argumento não retira a emergência da sua arquitectura, pelo contrário, acrescenta-lhe mais importância pela influência e per-tinência do reconhecimento inerente, e pelo valor da sua figura na sociedade portuguesa. Foquemos este raciocínio em dois parâmetros que nos parecem relevantes para a sua compre-ensão, o primeiro em volta do nome e da sua “figura”, e o segundo sobre a influência da sua

21 TESTA,Peter. The Architecture of Álvaro Siza. Massachusetts : The MIT Press. 1984. pp.11

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

obra na emergência de uma “identidade” na arquitectura portuguesa:

. Centralização da “figura” – a partir dos anos 90, o nome de Á. Siza começou a ser associa-do a uma “marca nacional”, pelo carácter representativo do que poderia ser a imortalidade portuguesa, e a uma “marca regional” pela simbologia icónica que a sua produção poderia acatar nesta ou naquela região sobre o que podemos denominar de efeito Bilbao. Tal como re-corda Pedro Gadanho, escreveu-se no jornal PÚBLICO a propósito da exposição Álvaro Siza, Arquitecturas 1980-1990 no Centro George Pompidou em 1990, Siza, com 57anos, atingia “a

maioridade” e era “ um dos dez arquitectos mais importantes da actualidade”, Paulo Varela Gomes jun-

tava o arquitecto à “trindade” de Manoel Oliveira, José Saramago e Fernando Pessoa22. A relevância da sua celebridade ganhou durante os anos 90 um claro protagonismo e estatuto nacional não só de interesse arquitectónico mas também de interesse político e social. A figura de Á. Siza, extravasou o “arquitecto” tornando-se uma referência cultural na sociedade portuguesa. Não podemos deixar de referir neste contexto, o crescimento da mediatização generalista de ar-quitectura em Portugal evidente partir da década de 80 com a impressa – jornais EXPRESSO e PÚBLICO – e com a televisão generalista – RTP, cuja presença do nome “Álvaro Siza” ou “Siza Vieira” foi permanente em particular nas secções da Cultura, mas posteriormente noutras secções, consequência de uma factualidade mediática que num certo momento se torna inevi-tável a percepção de que o arquitecto parecia funcionar como um isco publicitário e era claramente

aproveitado como tal.23

. Consequência da contaminação – a “imagem” da arquitectura de Á. Siza foi sendo associada à ideia “pedagógica” da Escola do Porto, “aceites” como reflexo um modo de fazer e um modo de

pensar de uma arquitectura portuguesa. E tal como vimos anteriormente, a emancipação des-tes dois nomes viriam a subverter outras práticas e produções emergentes, não só do ponto de vista mediático, mas também na elaboração de uma “identidade” portuguesa, que acabou associada à interpretação da modernidade no significado da tradição através da expressão artística do desenho sobre o contexto. Relembramos nesta lógica a aproximação por experi-ência das práticas de Adalberto Dias e José Gigante, argumentando um ecletismo vulgar, numa vocação mais empiricista que experimental; a aproximação por referência de João Luís Carrilho da Graça, que apesar da sua formação na ESBAL buscou no norte as expressões do desenho para uma arquitectura plástica e de contenção de recursos (…) preenchida de tensões e contradições24, na recuperação do moderno de natureza mais conceptual; ou ainda o caso ambíguo de Edu-ardo Souto Moura, contemplando referências distantes das de Á. Siza e F. Távora e que cedo se distanciou da postura mais “artística” na busca conceptual, no plasticismo, na experiência dos materiais, descrevendo o real e o problema com o rigor de conceito natural25, mas cuja ideia do desenho como rigor, controlo, e expressão de projecto se encontram nesses “modos” aceites de pensar e fazer arquitectura.

22 GADANHO, Pedro. Arquitectura em Público. Dafne Editora. 2010. pp.15723 GADANHO, Pedro. Arquitectura em Público. Dafne Editora. 2010. pp.16224 MENDES, Manuel. Arquitectura portuguesa recente conjuntura, contingência, coincidências de um território. JA I00. Junho 1991. pp.48-61 25 MENDES, Manuel. Arquitectura portuguesa recente conjuntura, contingência, coincidências de um território. JÁ I00. Junho 1991. pp.48-61

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fig 12. (cima à esq.)Capa da Revista “Kenchiku Bunka vol.52 nº607”, Maio 1997fig 13. (cima ao cen.) Capa do Suplemen-to “Mil Folhas”, “Público”, 9 Dez. 2000fig 14. (cima à dir.) Cálice de Vinho do Porto “Álvaro Siza”fig 15. “Captain Siza and the Modern Is-sue” (fotomontagem do autor)

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Reconhecemos neste ponto (“Á. Siza cá dentro”) uma referência importante para o discurso deste trabalho, sobretudo na relevância que susteve sobre a emergência do reconhecimento de uma arquitectura portuguesa. E um dos principais factores foi de facto a mediatização em torno do tema da arquitectura e do arquitecto Álvaro Siza. A mediatização internacional, pela forma como ajudou a colocar as práticas arquitectónicas portuguesas na esfera da sociedade pós-moderna, e a mediatização nacional pelo significado da arquitectura no próprio país. Voltando à questão da emergência, a mediatização foi também importante tanto na centra-lização da figura e da consequência da contaminação, para “assegurar” o sentido emergente da obra de Siza. Mas podemos também concluir, que a esta transversalidade entre a figura e a obra, entre o mediatismo e a “pedagogia” que lhe associam, revemos a emergência de uma arquitectura portuguesa levada na inseminação “regionalista” e no “efeito arrastão” da própria mediatização. Será que podemos dizer que esta emergência da arquitectura portuguesa foi uma emergência por contaminação? Foi um processo inconscientemente criado, na lógica do efeito de outro, ou seja na manipulação da própria emergência em si?

A leitura deste processo não é generalista, mas sempre contextual. Importa perceber que a relação emergente entre Á. Siza e a arquitectura portuguesa nos anos seguintes, será uma relação vincular na estreita medida em que se deixaram mutuamente evoluir. A associação ao termo “arquitectura portoguesa” (termo usado por Manuel Mendes nos anos 90), reflecte esse mesmo estado “virusal”, que nem sempre se disciplinou pela referência do método, mas pelas leis físicas de uma “imagem” de qualidade apetecível. Julgamos dessa forma que arqui-tectura portuguesa precisava de encontrar fenómenos transversais a si, capazes de construir o seu próprio sentido emergente, um sentido mais global e autónomo desse conceito de “identidade portuguesa”.

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fig 16. (cima) Biblioteca do Pólo Universitário de Aveiro (Álvaro Siza, 1988-1995); fig 17 (baixo) Pavilhão de Portugal, Lisboa (Álvaro Siza, 1994-1998)

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Emergências e Matérias

A assimilação de novas condições sociais, políticas e culturais em Portugal na transição dos anos 70 para os anos 80 foi marcada por uma adaptabilidade democrática e cívica, dando origem a processos paralelos de transformação tanto na prática da arquitectura como na cultura arquitectónica portuguesa. A capacidade para entender a mudança não foi contudo um processo transversal, traduzindo-se em formas diversas e posturas discordantes sobre a fundamentação do que era ou não emergente. A condição antagónica da pós-modernidade na arquitectura portuguesa, foi por isso deixada ausente de uma reflexão profunda acerca da evolução do processo arquitectónico aliás como a própria modernidade já o tinha sido ante-riormente, pois o subdesenvolvimento português nunca as soube comportar completamente e rapidamente as subverteu. Preferiu-se antes a discussão superficial sobre a consistência ou a inconsistência do que eram as raízes versus uma euforia imaginativa, em prol do eterno “dile-ma” tradição moderna/modernidade tradicional, etc. Nessa circunstância, reflectimos sobre a citação de Manuel Mendes (abaixo) que refere uma atitude de apaziguamento português, onde para uns se aloja a “resistência” e para outros a “identidade” da nossa arquitectura, mas que não deixa na mesma de ser uma postura “sossegada” cíclica:

A arquitectura portuguesa apresenta-se não só heterodoxa relativamente ao que con-

vencionalmente se aceita como “arquitectura moderna”, mas, também, porque na hibri-

dez dos seus excessos se coloca à margem da modernidade estabelecida, e fora do âmbito

das suas críticas frontais.

À parte as questões “estilísticas”, a condição pós-moderna em Portugal trouxe outro tipo de questões emergentes a considerar, pois foram paradigmaticamente relevantes no processo evolutivo arquitectónico português. Questões estas que se prendem mais com factores polí-ticos e sociais externos, que foram transformadores da disciplina da prática arquitectónica, e nos quais o arquitecto não teve ou não quis ter habilidade interventiva. Enumeramos: a

Manuel Mendes. Arquitectura portuguesa recente Conjuntura, contingência, coincidência de um território.

[JÁ I00. Junho 1991. pp.48-61]

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despolarização do mercado em Lisboa e no Porto; o aumento e o questionamento da questão das escolas e da disciplina da arquitectura; a mediatização especializada e generalista sobre um auto-reconhecimento do ponto de vista da prática e da crítica; uma ampliação dos sistemas de informação e divulgação de modelos e linguagens, paralelamente a uma diversidade inteligí-vel de temas e posturas. Estes parâmetros estão assim relacionados tanto com a discussão da prática como da cultura arquitectónica, mas prendem-se sobretudo com o discurso e com o papel do arquitecto, em volta dos problemas da profissão, da formação, da arquitectura e das suas representações. Julgamos ser importante no seguimento deste discurso, a intenção de diagnosticar essa questão heterodoxa da arquitectura portuguesa, que parece encontrar a partir dos anos 80 um conjunto de referências e condições paradigmáticas, influentes na emergência de uma arquitectura contemporânea portuguesa que falaremos mais à frente.

Transição dos anos 80 para os anos 90

A mudança de paradigmas políticos, sociais e culturais em Portugal, expostos nos anos 80, le-vantaram questões claras de mudança no campo arquitectónico português: a expansão urbana massiva ajudou ao crescimento de um “mercado eufórico da construção” que pela relativiza-ção e descomprometimento tanto dos poderes políticos como culturais, atribuiu ao arquitec-to uma imagem insignificante sobre o seu papel na organização do espaço e no desenho da cidade; o reconhecimento da cidadania afirmaram de certa forma uma abertura do mercado de trabalho para além de Lisboa e do Porto pela necessidade de resolução de projectos no in-terior do país, possibilitando assim uma descentralização da prática com a criação de gabine-tes públicos e privados mais locais, mas que pelo dinamismo desse “poder local”, tornou este processo permeável a questões de “influência” e nem tanto de cariz arquitectónico relevante; a existência clara de duas tendências na instrução de preceitos fundadores do projecto26, centralizadas nas cidades do Porto e de Lisboa, diverge pelas posturas, pelas referências e pela metodolo-gia. Todas estas condicionantes não foram relativas mas também não foram absolutas no carác-ter das suas soluções, pois assistiu-se a um outro tipo diversidade de linguagens e abordagens processuais, evidentes também no contacto do domínio entre gerações e nas “variantes arqui-tectónicas” das mesmas. O que nos parece importante apontar é que a relativização das pro-blemáticas trouxe para os anos 90 uma mudança transversal emergente, que a arquitectura em Portugal tendia a evitar e que consequentemente irá questionar a capacidade de adaptação ou de “ignorância céptica” da mesma. Falamos dos paradigmas externos da pós-modernidade aos quais à arquitectura portuguesa se tornou exposta, como o crescimento exponencial das cidades, a democratização do ensino, a mediatização generalista, a questão da comunicação e do desenvolvimento tecnológico. Julgamos que o entendimento destes factores de ordem política, social e cultural, quando aplicados no sentido global da mudança levantarão as pre-missas chave de uma emergência na arquitectura contemporânea portuguesa.

26 MENDES, Manuel. Arquitectura portuguesa recente conjuntura, contingência, coincidências de um território. JÁ I00. Junho 1991. pp.48-61

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As escolas de Arquitectura

(…) Havia duas escolas em 1975, hoje há mais de vinte (…)27

A existência de dois pólos formadores nas cidades do Porto e Lisboa, durante os anos 80, deu conta de divergências entre as mesmas pelas apetências e pedagogias assim como pela diversidade cultural e geográfica. A norte, a Escola do Porto conduzia-se na continuidade das influências e referências das suas figuras centrais (Fernando Távora e Álvaro Siza), pela assimi-lação do rigor e da importância do desenho para a manipulação de projecto e transformação do espaço, pelo entendimento da modernidade no prolongamento da história e na convicção da expressão do gesto sobre o lugar. A sul na capital, preferia-se uma aprendizagem talvez mais liberal, num autodidactismo experimental28, imediatamente mais aberta ao que era externo sobre fenómenos, absoluta na integração e interpretação das vontades da contemporaneidade sobre uma habilidade e capacidade estilística.

Se por um lado este factor gerou uma discussão, ainda que passiva, centralizada na proble-mática da arquitectura portuguesa do ponto da temática disciplinar pelo cruzamento de ex-periências e referências, originando estruturas profissionais influentes no futuro, por outro lado foi indiferente a outros processos de transformação e de desenvolvimento da sociedade portuguesa. Falamos por exemplo do boom económico e construtivo verificado no país nos anos 90, sobre o qual a problemática da formação do arquitecto mostrou ser “generalista” e “anárquica” no seu processo. Admitimos que o fenómeno foi rápido na sua aparição, e que as estruturas institucionais existentes não o puderam prever, todavia também não o souberam aproveitar do ponto de vista da revisão pedagógica, permitindo a abertura de novas licencia-turas generalistas e de outras mais ambíguas com títulos de formação em arquitectura, como “arquitectura de interiores”, ignorando a criação de estruturas mais pertinentes ligadas ao planeamento ou ao urbanismo por exemplo.

Com a abertura de mais escolas públicas e privadas durante os anos 90, a diversidade do ensino em arquitectura em Portugal viria a mostrar-se descontrolada e excessiva – 1986 foi o ano dessa explosão, com a abertura da Lusíada (Lisboa) e da ESAP (antiga Árvore) sendo que actualmente Portugal possui mais de 20 cursos registados na formação em arquitectura dos quais sete são públicos. O número de alunos em 1990 era de 3400 que passaram a 9000 no ano 2000. Do ponto de vista social, este acesso “democrático” ao ensino, deu origem a um universo mais disperso e talvez mais complexo acolhendo alunos de várias origens geográficas reflectindo-se numa participação mais diversificada e possivelmente menos snob. O estigma do serviço do arquitecto como um “bem de luxo”, talvez tenha vindo a dissolver-se nesta consequência com o passar dos anos, o que teria sido interessante se o reflexo se fizesse sentir do ponto de vista cultural e também da encomenda. Todavia esta amplificação desgovernada

27 FERNANDES, José Manuel. Arquitectura e Contexto. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.3728 MENDES, Manuel. Arquitectura portuguesa recente conjuntura, contingência, coincidências de um território. JÁ I00. Junho 1991. pp.48-61

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no acesso ao ensino, leva-nos a questionar por um lado a qualidade da formação do ensino da disciplina de arquitectura e por outro, o profissionalismo ou a carência dele na renúncia das instituições públicas em controlar os interesses privados (aliás como a polémica “política do betão” se tornou um espécie de motor económico do país nos anos 90) no desenvolvimento urbano. Não será errado admitir que pelo facto de escolas aparecerem como cogumelos29 nes-tes anos 90, os sistemas públicos existentes não tenham tido o tempo nem a habilidade de se adaptarem e complementarem com os sistemas novos (públicos), preferindo pedagogias generalistas e similares que lutam amigavelmente no ranking numérico das médias de acesso ao ensino. As escolas mais representativas e exemplares mostraram acolher o desencanto, a tec-

nocracia, o esclerosamento crítico ou mesmo o mais puro caos organizativo.30 Outro factor relevante neste âmbito foi a difusão do programa Erasmus e da sua influência sobre os que tiveram a oportunidade de conviver com outras experiências e realidades, do ponto de vista arqui-tectónico e cultural. Com a abertura das fronteiras europeias a partir da década de 80, o processo de formação em arquitectura tornou-se claramente mais livre e aberto apesar das referências terem continuado a chegar ao panorama português pela influência consequente da globalização mediática, informativa/comunicativa. O factor da mobilidade física disfarçou o conservadorismo tradicional de uns e enriqueceu o sentido mais cosmopolita de outros.

Não podemos ser cépticos sobre a amplitude do assunto da formação e da inserção do jovem formado relativamente à actividade profissional e à emancipação/continuidade do debate da arquitectura portuguesa. Vemos neste conteúdo do ensino de arquitectura em Portugal um dos factores mais relevantes na descoberta de uma emergência da arquitectura portuguesa contemporânea. A disciplina, assim como a prática começaram a encontrar pela primeira vez condicionantes interiores ambíguas, ora asfixiadas de um conservadorismo ora desgoverna-

29 GADANHO, Pedro. Corte transversal ou a Ausência do Discurso Crítico na Arquitectura Portuguesa do Final dos Anos 90. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.5930 GADANHO, Pedro. Corte transversal ou a Ausência do Discurso Crítico na Arquitectura Portuguesa do Final dos Anos 90 Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.61

fig 18. “Transformers - Batalhas Escolares” (fotomontagem do autor)

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das sobre o significado de arquitectura, cuja alternativa, como veremos mais à frente, será a de tentar encontrar outro tipo de estruturas interventivas.

Actividade Profissional/Temas e Acontecimentos

Queremos começar este tema com um excerto do discurso do presidente da Ordem dos Arquitectos, João Belo Rodeia sobre as comemorações do dia Nacional do Arquitecto no dia 16 de Julho de 2010. A generalidade do seu discurso é levada pela bandeira de vitória do seu mandato contra o Decreto 73/73 com a lei 31/2009, que como o próprio refere, foi uma luta de 36 anos e onde agora se salvaguardam os actos próprios dos arquitectos num “Direito à Arquitectura”. A pertinência deste excerto acaba por ser o resumo “triste”, a batalha adorme-cida e perseverante de uma parte da história da actividade profissional em arquitectura em Portugal que encontra o auge da sua precariedade nos últimos vinte anos.

Ainda que a nova Lei não seja perfeita, como todas as que resultam dos compromissos

que são próprios da democracia (…), a revogação do Decreto 73/73 e a implementa-

ção de uma Política Pública de Arquitectura constituíram e constituem objectivos cen-

trais no actual mandato da Ordem dos Arquitectos (…) que vão ao pleno encontro da

função social, da dignidade e do prestígio da nossa profi ssão que, por mérito próprio,

alcançou reconhecimento público inédito no nosso País, designadamente pelo papel

desempenhado pelos cerca de 18 000 arquitectos que, de Norte a Sul, do interior às

ilhas atlânticas, dentro e fora de Portugal, prestam serviço relevante nos mais diversos

âmbitos profi ssionais.31

31 RODEIA, João Belo. Discurso do Presidente da O. A. na sessão solene do Dia Nacional do Arquitecto 2010. 16-07-2010. http://arquitectos.pt/?no=2020492276,154. 4 /07/2011

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Ao desmontarmos este excerto, e enquadrando-o no panorama dos anos 90 da arquitectura em Portugal, debruçamo-nos num primeiro momento sobre insignificância dada ao papel do arquitecto no desenvolvimento e crescimento do território nacional na inexistência de um processo democrático generalizado na produção arquitectónica. Num segundo momento apercebemo-nos que o mercado público/privado da construção em Portugal, “sustenta” ou tenta sustentar 18 000 arquitectos actualmente. Um número que em 2001 rondava os 11 000, resultado sobretudo das condições de acesso ao ensino que falamos anteriormente. Num terceiro momento levantamos uma questão que não é evidente mas que reside na margem deste panorama: a ausência de um discurso crítico responsável na relação com a realidade em que se intervém, e aqui apontamos o dedo aos “produtores de referência” sobre os quais a sua participação poucas vezes saiu do conforto do gabinete ou da escola, acreditando que uma postura tecnocrática seria mais proteccionista para o interesse da arquitectura nacional e nem tanto da prática da mesma. Nesta lógica queremos conduzir dois pontos de análise: a encomenda/as grandes intervenções, e o reconhecimento público da actividade.

No panorama arquitectónico português dos anos 90, surgiram condições externas aparente-mente emergentes e consistentes para uma maior difusão e intervenção no território, com a introdução de um novo capital imobiliário, de políticas de concursos e distribuição da enco-menda pública. Contudo este acontecimento consequente da entrada de Portugal na União Europeia foi carente de estruturas políticas e sociais capazes de perceber e controlar o cres-cimento da construção num ordenamento equilibrado do território. Com isto o aumento da oferta profissional tornou-se um factor malicioso nesta equação pela falta de formação e carência de profissionalismo de alguns, ou pelo jogo de interesses de outros. A produção ar-quitectónica dos anos 90 tornou-se assim um processo ambíguo do ponto de vista da relação da qualidade e da quantidade das intervenções. Um processo onde as grandes encomendas ar-quitectónicas talvez se possam enquadrar em dois grandes pólos: de um lado as intervenções do âmbito infra-estrutural público e institucional, em Universidades, Escolas, donde foram exemplos, o Pólo Universitário de Aveiro, a Expo 98, o Porto 2001; do outro as grandes volumetrias de interesse privado comercial e residencial na consequência de um fenómeno especulativo imperativo sobre boom da construção, conduzido pelos operadores imobiliários absolutamente desinteressados na qualidade da paisagem artifi cial32. A ambiguidade destas posturas paralelas (uma com a consciência da constituição de um desenho unitário de cidade e territó-rio, outra na tendência especulativa onde o arquitecto é usado para legitimar índices constru-tivos na relação do “interesse” público e privado) acabou por relativizar a imagem global do arquitecto. Não consideramos isto como regra mas concluímos que a consequência do boom

da arquitectura foi acompanhado pelo crescimento da fama mundana da profi ssão.33

Mas será que estas condicionantes externas alteraram ou influenciaram a noção de “identida-de portuguesa”? Tomamos conta que este processo foi sobretudo incidente sobre a condição

32 FERNANDES, Fátima; CANNATÀ, Michele. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.19 33 GADANHO, Pedro. Corte transversal ou a Ausência do Discurso Crítico na Arquitectura Portuguesa do Final dos Anos 90 Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.59

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da profissão e sobre o papel do arquitecto na sociedade. Se a ideia de “identidade portuguesa” for a capacidade de síntese química, pela sua aptidão para gerar compostos de qualidade a partir de

elementos e contextos à partida muito diversos34, podemos pressupor que os arquitectos souberam ultrapassar esses paradigmas e continuaram a demonstrar como é que arquitectura portugue-sa não é produtora de uma especificidade única na consequência das influências e referências que absorve. Nesse sentido deveríamos antes questionar, a génese e a qualidade dessas mes-mas influências, pois essas serão o reflexo da imagem mais ou menos apetecível para a evolu-ção arquitectónica contemporânea, como veremos no próximo tópico.

A actividade profissional nos anos 90 não se centralizou sob única política sólida, mas tam-bém não soube diversificar-se profissionalmente neste processo de evolução da prática. As “figuras” proeminentes alcançaram outro tipo de contextos mais internacionais e mais talvez mediáticos, equilibrando as suas intervenções no contexto nacional sobre a alçada da enco-menda pública (muitas vezes por convite) em ânimos eruditos em prol da “arte”. O processo de mudança poderia ter sido mais participativo do ponto de vista do papel do arquitecto sobre as relações institucionais na relação do crescimento da sociedade com o seu território – faltou o discurso crítico mais intuitivo e interventivo, pois como Pedro Gadanho refere: (…) qual-

quer discurso crítico que se fi que pela análise intuitiva da espacialidade e da linguagem arquitectónica

ameaça, nos últimos anos, a soar supérfl uo35.

Matérias e Linguagens/Tendência (s)

A lógica construtiva no âmbito da arquitectura portuguesa encontrou sempre condicionantes ambíguas sobre os modos de operar numa intenção afirmada em pleno com a sua contem-poraneidade. A condição de Portugal ser um país periférico, economicamente frágil, e com uma mão-de-obra pouco especializada, não possibilitou uma consciência livre na exploração e experimentação das materialidades e das técnicas quando comparado com outras arquitec-turas de referência internacional. O avant- garde português encontrou-se na superficialidade gratuita da adaptação redutora dos modelos “estilísticos” que chegavam e que se recriavam sobre um pitoresco “português suave”. Mesmo a partir de 1974, com uma abertura cultural mais evidente, entendeu-se por conveniência ou conservadorismo encontrar uma espécie de “estilo tradicional português” refugiado nas estruturas simples de betão armado, preenchidas com alvenaria e rebocadas a branco. O moderno e o pós-moderno, tal como vimos anterior-mente, foram experiências cristalizadas na arquitectura portuguesa, quer pela emancipação de valores tradicionalistas na procura da “identidade portuguesa”, quer pela incompreensão dos espectros de referência internacional.

A partir dos anos 80, a eminência de um legado de referências nacionais foi constituindo um

34 GADANHO, Pedro. “Import/Export”. Habitar Portugal 2006/2008. Selecção Mapei/O. A. pp. 192 35 GADANHO, Pedro. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.61

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conjunto de modelos inspirados na construção de massa branca sem grande articulação tec-tónica e que francamente foi sendo usada de forma repetitiva na consagração de uma imagem que se pretendia de culto. Referimo-nos neste caso à geração que encontrou em Á. Siza uma proximidade nas superfícies puras de poética regionalista, onde a posição argumenta-se com um

ecletismo vulgar36 e é representada numa normativa “gráfica” da arquitectura portuguesa. O mesmo fenómeno se passaria mais à frente com a consagração de Eduardo Souto Moura, no panorama arquitectónico português nos anos 90, com as infl exões regionais do seu léxico mie-

siano, onde num maior ou menor pragmatismo, os seus seguidores faziam deliberadamente o discurso em torno das “peles”, das “caixas” e dos “contentores” 37, ora levitante ora assente em socalcos e

muros de granito38. Podemos admitir, que a Escola do Porto, constitui neste contexto a grande influência de produção arquitectónica nacional, na transformação das suas pedagogias, valo-res e modelos interpretativos da modernidade num conceito muitas vezes gratuito e aceite como “regionalismo crítico” atribuído por Frampton. Este encontro em termos da linguagem e da matéria vem reforçar a ideia de continuidade e de tradição que foi positivamente absor-vida como um valor representativo da Escola do Porto. A proclamação deste termo conseguiu inverter uma lógica profunda da arquitectura portuguesa em nome dessa fi cção supostamente exportável

– e que agora tudo entediante – que é a arquitectura portoguesa.39 A referência inicial, talvez se faça com a obra de Fernando Távora e depois no seu auge com a de Álvaro Siza, como um valor claro de exportação, e de fundamento do ponto de vista de modelo disciplinar. O reconhe-cimento internacional foi fulcral no entendimento de “imagem” da arquitectura portuguesa recaindo sobre aspectos únicos como a intacta (e carregada de aura) permanência da cidade antiga, a

utilização do azulejo, aquelas arquitecturas que remetem para uma linguagem de materialidade essen-

cial, ou de signifi cativa incorporação artesanal… onde a simplicidade das formas alia o espírito “chão”

da relativa escassez de meios à sofi sticação minimalista40. E aqui recapitulamos a ideia de “contami-nação” que nos fazia entender a assimilação por influência quer do contexto profissional (pela “repetição”), quer pelos media generalistas, delineando a arquitectura “portoguesa” como o panorama representativo da arquitectura portuguesa. Nesse sentido não só a ideia de tradição se tornou frágil, porque a noção de “identidade portuguesa” parecia estanque, como o fenó-meno difuso e perigoso da “cópia” se mostrava aceite na emancipação de novas referências.

Por outro lado, a convivência assumida entre várias gerações de arquitectos reflete uma di-versidade consciente na construção de diferentes interpretações do academismo moderno. Os processos e os percursos dos arquitectos de atitudes emergentes na década de 90 - nomes que hoje vão preenchendo uma second league do starsystem português - acatam experiências e fenómenos de uma interessante difusão e hibridez. Ou seja, diríamos que a produção arqui-tectónica nacional deste contexto (final dos anos 90) é-nos mostrada inicialmente pela assi-

36 MENDES, Manuel. Arquitectura portuguesa recente conjuntura, contingência, coincidências de um território. JÁ I00. Junho 1991. pp.48-6137 BARATA, Paulo Martins. Arquitectura e Nação-As idades de uma década de contradições. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.7738 GRANDE, Nuno. Arquitecturas no Porto: Escolástica e Contaminação. Habitar Portugal 2006/2008. Selecção Mapei/O. A. pp. 66 39 GADANHO, Pedro. Sob Influência: do Vulcão à pool genética. Habitar Portugal 2006/2008. Selecção Mapei/O. A. pp. 3540 PEREIRA, Luís Tavares. Relatório Minoritário. Influx, Arquitectura Portuguesa Recente. 2003. Editora Civilização. pp. 158

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milação das suas próprias referências muitas vezes disfarçada na posição defensiva da arquitec-tura “portoguesa”, contudo é também fléxlivel a outros tipos de experiências diversificadas, que as novas gerações foram tendo a oportunidade de confirmar e afirmar com percursos nacionais e internacionais.

Num primeiro momento observamos os casos de “emigração” interna, em que a infl uência da passa-

gem ou mesmo fi liação assumida na “Escola do Porto” acabam por permitir combinar o rigor de uma certa

disciplina formal com os elementos locais ou cosmopolitas de outras localizações geográfi cas41 – Inês Lobo e Ricardo Bak Gordon; no segundo caso, o aumento da mobilidade de estudantes e arquitectos entre os diversos países europeus, que sobre diversos programas de intercâm-bio, estágios pós-universitários, e outras colaborações, permitiram criar percursos pessoais mais

diversifi cados 42- Fátima Fernandes e Michele Cannatà, João Pedro Serôdio, Pedro Gadanho, Nuno Brandão Costa, Pedro Costa e Célia Gomes. O conceito de diversidade também encon-trou presença na multidisciplinaridade de práticas como as de Mendes Ribeiro e Margarida Grácio Nunes, pelo cruzamento de intervenções ligadas ao design industrial, artes plásticas e cenografia. Não esquecendo o facto de os ateliers de Fernando Távora, Álvaro Siza, Eduardo Souto Moura, Gonçalo Byrne ou Carrilho da Graça, se terem tornado escolas de formação para a maioria dos novos arquitectos que começaram a fazer carreira nessa década, a arquitec-tura emergente portuguesa dos anos 90, soube encontrar na diversidade dos seus processos e percursos as bases para um sentido mais global na evolução arquitectónica.

No entanto sentimos que foi uma década em volta de dois temas: a “assimilação” e a “confir-mação”. “Assimilação” reflecte-se na emancipação dessa nova geração mais aberta à expressão cosmopolita da sedução da imagem, dos factores da comunicação, dos aspectos de mudança, e pelo entendimento da mobilidade física enquanto factor formativo numa época de globali-zação – a busca pela diversidade essencial na evolução da arquitectura portuguesa. Por outro lado, a “confirmação”, revela a consciência do falhanço pós-moderno, a falta de espaço para debater as formas, o apego às referências, linguagens e discursos dos mestres portugueses. Houve assim um conjunto de intenções conceptuais relacionadas sobretudo com o processo e com a abordagem à arquitectura que apesar de “frescas”, não deixaram de expressar a sua arquitectura numa vitalidade “domesticada”43. Bastar-nos-ia folhear uma monografia dos Serô-dio & Furtado e outra do E. S. Moura para percebermos o quanto são diferentes na relação conceptual de criação do objecto, mas o quanto se encontram “presos” a uma continuidade em termos de “imagem”, linguagem e matéria.

Sem querer evidenciar uma rivalidade ou diferença geográfica, pensamos que a norte as ten-dências conceptuais e as ideologias contemporâneas reviram-se nos modelos que mais se aproximariam de um regionalismo ou internacionalismo críticos como foram exemplo as ma-terialidades e tectónicas nórdicas desse tempo; e a sul a exuberância internacional foi sendo

41 GADANHO, Pedro. Corte transversal ou a Ausência do Discurso Crítico na Arquitectura Portuguesa do Final dos Anos 90 Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.6642 GRANDE, Nuno. Percursos Geracionais. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.2443 GRANDE, Nuno. Percursos Geracionais Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.24

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fig 19. “Barbies Arquitectas”(fotomontagem do autor)

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lentamente substituída por uma atitude mais crítica e cautelosa na sua assimilação. Parece-nos dessa forma evidente, o paralelismo da evolução arquitectónica portuguesa com o efeito de “contaminação”, acrescentando ao valor da exportação da arquitectura portuguesa, um peso cuja consequência também é arbitrária de identificar. Referimo-nos aos casos emergentes desta época, que acabaram por relativizar as suas práticas à “escassez” de conceitos e matérias assimiladas na ideia da “identidade portuguesa”, como foi o caso do grupo ARX, na assimila-ção da experiência desconstrutivista com Libeskind sobre a influência nacional de Álvaro Siza presente na obra e no método, na obstinada sistematização dos processos da arquitectura e das suas oportunidades, no investigar e propor44.

Não encontramos neste tópico uma emergência arquitectónica particularmente relevante que se aplique directamente ao nosso discurso. O conceito da “confirmação” sobrepôs-se ao da “assimilação”, sem deixar grande espaço para manobras e riscos. Foi um contexto ausente na habilidade da interpretação com a genialidade do pragmatismo, para se agarrar aos for-malismos e à materialidade de uma “identidade portuguesa. Por outro lado a procura pela diversidade de aspectos mais transversais à arquitectura, como os percursos profissionais e a mobilidade física, aponta um interesse pela abertura aos processos globais da arquitectura, às condições de mudança, adaptação e de evolução de uma arquitectura portuguesa.

Comunicação – Informação, Mediatização e Representação

Tal como já foi referido anteriormente, a partir da década de 80, a comunicação arcou um papel relevante na evolução cultural e social de uma sociedade ocidental assumidamente ape-gada à exaltação do consumismo. Dentro de diversos factores, a expressão artística passou de um nicho de mercado restrito para uma proporção mais generalista, coincidindo talvez com a emancipação Nova Iorquina em termos de referencial cultural e artística do mundo – o expoente americano nas referências de “estilo” de vida. Factores que coincidem também com o grande desenvolvimentos das pequenas tecnologias, criação dos primeiros computadores pessoais, dos primeiros telemóveis, e mesmo da internet. A comunicação a par do desenvolvi-mento tecnológico tornou-se assim um processo mais rápido, mais democrático e sobretudo mais diversificado nos seus conteúdos, nas suas formas e no seu público.

Nos anos 90 observamos a arquitectura como expressão artística e económica de um desen-volvimento social ocidental, revisitada numa Hollywood League chamada Star System. Simultane-amente o processo de comunicação da mesma foi sofrendo transformações, tornando-se mais global e transversal tanto para profissionais, como para estudantes e até para leigos, pelo senti-do democrático e pela diversidade dos seus conteúdos associados à matéria. Dizemos por isso que a arquitectura foi adquirindo uma presença status quo mais visível na emergência de uma vontade imaginativa sobre os fenómenos culturais da sociedade pós-moderna, alargando-se na

44 DIAS, Manuel Graça. A última década do século XX. Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.45

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Factualidades Emergentes na Arquitectura Portuguesa

sua exposição ao fenómeno dos media de massa e sujeitando-se assim a um processo de mediatização

generalizada, que cresceu em todas as frentes, nomeadamente na imprensa especializada e generalista mas

também em todos os media e em todos os contextos45 – imprensa escrita, televisão, rádio e internet.

O desenvolvimento das tecnologias digitais ofereceu outras alternativas ao processo em ar-quitectura - o desenho digital, com a instalação de computadores nos ateliês de arquitectura, rapidamente substituiu o processo manual das rotring e dos vegetais, deixando parte do pro-cesso criativo/técnico arquitectónico “resolver-se” e “simular-se” em modestos ecrãs pixeli-

zados, originando assim uma transformação nos processos de representação da mesma, como veremos no próximo capítulo. Julgamos que a par de outras “transformações” na prática da arquitectura, estas mudanças na comunicação passaram a sustentar uma nova relação sobre a percepção generalista da própria arquitectura, e a uma transversalidade nos processos de desenvolvimento tecnológico sobre o próprio processo de criação, e se a mudança de media

muda de facto a mensagem46, encontramos neste tema um factor emergente na evolução arqui-tectónica na passagem do milénio.

Sobre estes processos de mudança o panorama português não diferiu muito da situação inter-nacional durante os anos 90. Em relação à imprensa escrita, tal como Pedro Gadanho afirma em Arquitectura em Público, a transversalidade da informação diversificou a presença do tema da arquitectura pela progressiva e permanente aparição em jornais diários e semanários (Ex-

presso, Público), no aumento de revistas especializadas (Arquitectura & Construção, Arquitectura

e Vida, + Arquitectura, Arq.a) e nas revistas de estilo de vida (Elle, Visão, Casa Cláudia, Attitu-

de), reflectindo-se dessa forma numa aproximação tendenciosamente mais generalista e mais multidisciplinar, como ocorreu com outras revistas internacionais de certo glamour (Blueprint, Wallpaper). Afirmamos por isso, que tanto o tema da arquitectura como a própria a arquitec-tura portuguesa emergiu no seio da sociedade cosmopolita sobre uma posição mais mediáti-ca, e com “ela”, o reconhecimento público de personagens de relevo como Á. Siza, Eduardo S. Moura, Gonçalo Byrne e J. L. Carrilho da Graça; prémios como o Pritzker de 1992; acon-tecimentos culturais como o da Expo 98 ou o Porto 2001, ou outros mais polémicos como o escândalo sexual de Tomás Taveira; e ainda a “aceitação política” de um “efeito Bilbao” prota-gonizado por membros do star-system, como Rem Koolhaas, Norman Foster e Frank Gehry.

Paralelamente a esta mediatização generalista, assistimos nos anos 90 na imprensa escrita da especialidade a um progressivo enfraquecimento ideológico no seio da crítica de arquitectura, no qual os críticos passaram da sua condição de managger à de MC (Mater of Ceremonies) reduzindo o seu

papel ao de apresentador do star system arquitectónico47, e assim os únicos “discursos” que obtiveram projecção para além do círculo restrito da academia (…) prenderam-se directamente com aparição

de novos meios de divulgação da arquitectura em Portugal48 – imprensa generalista que falamos

45 GADANHO, Pedro. Arquitectura em Público. Dafne Editora. 2010. pp.2446 DIAS, Manuel Graça. A última década do século XX Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.4347 GRANDE, Nuno. O Crítico Wallpaper. Arquitectura & Não. Pensar Arquitectura. Colecção Caleidoscópio. pp. 7148 GADANHO, Pedro. Corte transversal ou a Ausência do Discurso Crítico na Arquitectura Portuguesa do Final dos Anos 90 Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA. pp.64

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fig 20. Amostra de capas de revistas portu-guesas de Arquitectura e Arte, dos anos 50 ao ano 2010(8 primeiras). Capas de Revis-tas de “estilo de vida” presentes no mercado que incluem secções dedicadas à arquitec-tura (4 últimas). fig 21. (à esq.) Programa de televisão “Ver Artes/Arquitectura” - RTP2 (1996)

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anteriormente. Na nossa perspectiva também esta “limitou” a construção do seu discurso nas “limitações” do seu público, pois como afirmava Paulo Varela Gomes, as suas intenções do su-plemento sobre arquitectura no jornal Expresso, era a de “mostrar” às pessoas as diferenças de um edifico construído com a presença ou com a ausência de um arquitecto e do seu projec-to49. Continuou-se de certa forma a emancipar os nomes que melhor serviam de “imagem” de uma “identidade portuguesa”, combinando a vivacidade da cena cultural lisboeta com o ascetismo

e a ascensão da Escola do Porto50. Apesar dos efeitos positivos na divulgação pública do que era a suposta “qualidade” arquitectónica portuguesa, não podemos negar o efeito contaminante que determinadas “imagens” representaram na ostentação de uma “identidade arquitectónica portuguesa”, como vimos anteriormente com os exemplos de Á.Siza e Eduardo S. Moura. Importa reter nesta relação da informação/mediatização, a relevância divulgativa que o factor dos meios de comunicação passaram a comportar no contexto da arquitectura portuguesa e com ela uma transversalidade emergente na relação do que se procurava dar a conhecer como “arquitectura portuguesa” Vs aquilo que se fazia como “arquitectura portuguesa”, não só pela dimensão mediática mas pelo carácter competitivo que se lhe começava a impor.

Observamos no entanto que o entendimento da comunicação em arquitectura no contexto português na passagem dos anos 90, não abarcou grandes exemplos activos na esfera de uma “promoção” arquitectónica. A leitura da comunicação na arquitectura continuou a ser resis-tente a esta percepção de uma nova cultura envolvida com a sua contemporaneidade, talvez pela associação a uma noção mediática e de marketing, que não seria valorizada positivamente enquanto parte do processo. A fama deste tipo de intervenções esteve mais associada a pro-cessos imobiliários privados, assente na publicidade e no consumo de valores pós-modernos relativos aos estilos de vida. Por parte da especialidade a atitude foi sempre mais ou menos passiva, preferindo-se a publicação em revistas de arquitectura e outras mais independentes, donde destacamos os arquitectos os Cannatà & Fernandes, promotores de publicações como “Arquitectura Contemporânea Portuguesa 1991-2001”, e de eventos como a Concreta no envol-vimento do sector construtivo com conferências públicas de arquitectura; a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto com “Discursos sobre Arquitectura” (1990). Apesar de en-contrarmos alguns factos emergentes neste tema da comunicação, admitimos que o contexto arquitectónico português dos anos 90 mostrou-se sempre mais passivo, quando comparado a outros exemplos contemporâneos na combinação da arquitectura com a comunicação como Norman Foster ou Rem Kolhaas. De forma geral deu-se uma valência maior à sobriedade do desenho como processo, método e expressão da arquitectura, com uma relação pouco trans-versal na amplitude a outras áreas e meios da comunicação. Confirmou-se a exaltação da tal “profissão poética” onde a arquitectura é-nos introduzida com um poema, com um esquisso e que silenciosamente fala por si própria.

49 GOMES, Paulo Varela. (conversa durante a apresentação do livro “Arquitectura em Público (P. Gadanho) no Cinema Passos Manuel, Porto)50 GADANHO, Pedro. Arquitectura em Público. Dafne Editora. 2010. pp.297

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ANOS

OOEmergências Recentes na Arquitectura P O R T U G U E S A

fig 22. (página seguinte) “Qr code”. No que diz respeito à comunicação, a internet representou nestes últimos anos um território muito mais interes-sante para gabinetes e arquitectos portugueses. (citação do autor)

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Falar de arquitectura recente é uma questão aparentemente simples quando o fazemos de forma despropositada, na conversa de átrio de uma qualquer conferência, na discussão de café sobre o star of the day no archdaily, entre o cigarro, o café e o esquisso durante a entrega de um concurso. Contamos a última aventura, critica-se o interesse ou o desinteresse, comentamos o tema da revista e o post do blog, comparamos os Robins aos Batmans, os wanna be aos que realmente o são, medindo a arquitectura contemporânea no contacto físico com a obra, no render e na elevação dos discursos dos nossos velhos heróis. O despropósito é assim essencial pois obriga-nos a estar em contacto com a contemporaneidade, mas também é vulgar, se não soubermos filtrar a quantidade de informação e opinião que hoje nos chega.

Procurar um sentido emergente na arquitectura recente pode conduzir-nos a uma aparente postura crítica com o presente e a uma rejeição do passado, a um discurso irónico e sabi-chão de quem acredita fazer parte de uma revolução. Isto não é verdade, mas também não é mentira. A realidade é que o “lugar” da arquitectura portuguesa mudou bastante nos últimos vinte anos - o crescimento económico do país, o desenvolvimento do ensino e da cultura, a emancipação mediática social, aliada às transformações da cultura global, foram condicionan-tes externas transformadoras do panorama arquitectónico português. Condicionantes estas, reveladoras de emergências atentas à diversidade, às lições de mudança, à pluralidade dos seus modos de expressão, e que lentamente se foram afastando das preocupações ideológicas de uma “identidade portuguesa”.

Dois

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Acatar a produção emergente dos últimos dez anos obriga-nos a retratar três gerações de ar-quitectos próximas com a realidade transversal contemporânea. As duas primeiras começaram a desenvolver as suas práticas pessoais ainda nos anos 90, sobre a apreensão da diversidade, da hibridação e deslocação nas suas práticas e nos seus percursos, e que hoje representam exem-plos práticos da arquitectura (in) convencionalmente aceite. A terceira geração talvez seja o sinónimo das condições mais recentes do panorama da arquitectura global, pela experiência física da mobilidade e adaptabilidade às condições de trabalho. Uma geração diversa por natu-reza perante a parafernália da correria dos tempos e absorvida nos fenómenos conspiradores e inspiradores da era da comunicação. “Juntam-se” desde meados dos anos 2000 em grupos multidisciplinares, desenvolvendo as suas práticas na consciência da “rede”, do experimenta-lismo real, hipotético e utópico na relação da expressão das arquitecturas e das performances.

Sem querer tornar repetição a análise crítica das exposições “Infl ux (Arquitectura Portuguesa Re-

cente, 2003) ” e “Metafl ux (Bienal de Arquitectura de Veneza 2004) ” feitas sobre as duas primeiras gerações: “X vs. Y-NOT = Diversity”, o nosso estudo incidirá principalmente sobre a terceira geração que falamos atrás. Dessa forma dividimos este capítulo em dois tópicos: “Diversidade e Comunicação” – desconstrução de factores internos e externos à arquitectura, influentes na compreensão das metodologias, estratégias, produções comunicativas e representativas das práticas arquitectónicas recentes; “Casos de Estudo Emergentes” – amostra de três ateliês (MOOV, Plano B, AUZprojekt) que exemplifique os paradigmas e os estigmas de consciências emergentes na identidade da arquitectura portuguesa.

Entendemos que o sentido emergente deve ser procurado na relação da arquitectura com as suas partes e os seus contextos. Portugal é um país pequeno, mas o seu contexto parece alarga-do! O reconhecimento da arquitectura portuguesa aliado aos factores da mobilidade e da co-municação possibilitaram trocas de experiências que, de tão diversas, tornam-se complexas na sua assimilação. Por outro lado, o facto de estes tempos serem tão próximos, pode tornar este sentido emergente completamente ordinário… É-me considerada uma condição tipo “Lost in

Translation”, não importa o significado etimológico mas a tradução elementar da realidade.

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fig 23. Recortes das capas das revistas “J.A. Geração X” nº 214 (Jan/Fev/Mar 2004) e “Arq|a Geração Z#1“ nº 75/76” (Nov/Dez 2009), respectivamente

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Emergências Recentes na Arquitectura Portuguesa

Diversidade e Comunicação

Começamos-se por esclarecer este título. A revista Arq|a lançava formalmente nos números compilados 75/76 (Nov/Dez 2009) o projecto intitulado “Geração Z”. A capa (com uma fo-tografia de FG+ SG1) parecia o cartaz de um festival de verão, com um conjunto extenso de personagens “jovens” reconhecidas no panorama arquitectónico português e internacional quer do ponto de vista da crítica como da obra construída, citando alguns exemplos: Pedro Gadanho, Carlos Sant’ana, Hans Ibellings, Luís Tavares Pereira, João P. Serôdio, José Mateus, Nuno Brandão Costa, Bernardo Rodrigues. Fazia-se ainda referência à exposição Habitar Por-

tugal 2006/2008, à dupla Tosca Lab na secção “Design”, e a João M. Gusmão, Pedro Paiva e Catarina Botelho na secção “Artes”. Com tantos nomes e temas “apetecíveis” neste festival, “os” cabeça de cartaz eram 4 nomes “estranhos”, antagónicos nas siglas, em idiomas desenha-dos a caps lock, em tons de marca registada, em gestos non sense tipo nomes de bandas indie – MOOV; Arquitectos Anónimos®; Kaputt!; AUZprojekt. O título do “festival” era “Geração

Z#1”. A letra “Z” vinha claramente no seguimento da classificação das gerações “X” e “Y”, no debate introduzido por Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira com a exposição “Metafl ux: Duas

Gerações na Arquitectura Portuguesa Recente”, realizada em 2004 no âmbito da 9ª Bienal de Ar-quitectura de Veneza. Uma referência “inspirada” na febre classifi catória2 iniciada por Douglas Coupland com “Generation X” (1991) e “Generation A” (2009). Salvaguardando-se nesse gesto de continuidade, Luís Santiago Baptista (editor da revista Arq|a), começou a utilizar o termo “Z” desde 2007 (arq|a 51) com um suplemento intitulado: “Depois da geração X e Y eis a Geração

Z”, dando assim início a um projecto que visa mostrar, analisar e debater as emergentes práticas

arquitectónicas portuguesas3. Este projecto vem-nos sido apresentado de forma momentânea e em colaboração com essas práticas emergentes. Isto é, os ateliês são convidados a apresen-tarem livremente o seu trabalho nesse caderno específico integrado na revista, e mais tarde numa exposição onde se debatem metodologias, objectivos, práticas e condições recentes da

1 FG +SG – fotógrafos Fernando Guerra e Sérgio Guerra

2 Termo retiro do texto De A a Z, a febre classificatória explicada às crianças. P. Gadanho na Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009); “De A a Z”. pp. 293 Baptista, Luís Santiago. Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 8

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arquitectura portuguesa. As sínteses desses “debates” são divulgadas posteriormente online no blog4 específico da “Geração Z”, e em forma de compêndio físico com um número da revista dedicado integralmente a esse assunto.

Tanto a questão da taxinomia como o debate geracional não são para nós relevantes. Vejamos: no J.A. nº 214 “Geração X” (Jan/Fev/Mar 2004) discutia-se essa questão geracional de um ponto vista tendenciosamente crítico e “céptico” optando-se por uma crítica comparada entre discursos e projectos de uma amostra de práticas bastante diversa nas posturas, nos percur-sos e nas idades dos arquitectos. Depois (ou simultaneamente) veio a “Metafl ux”, e além da geração “X” introduzia-nos a “Y”. Note-se que nenhum dos nomes incluídos na geração “X” da “Metafl ux” entrava nas contas da “Geração X” do J.A. Nº 240, e por outro lado um terço dos nomes apontados nessa “Geração X” eram integrados na letra “Y” da “Metafl ux” (Nuno Brandão Costa, A.S.*, Bernardo Rodrigues). Como se esta confusão não bastasse, a Arq|a apresenta-nos em 2007 outra descoberta: a “Geração Z”, apresentando nomes que já haviam sido incluí-dos na “Geração X” desse dito J.A, como os AUZproket e os Embaixada. Em que ficamos? Não ficamos!! Atribuir a denominação “Z” a um projecto que ainda está a decorrer (esperamos a 3ª edição no final do ano corrente), na continuidade de outro (“Metafl ux”) que foi uma amostra esclarecedora sobre os seus temas na relação da classificação com a arquitectura, pode tornar-se tendencialmente lógico nas suas afirmações e carente de conclusões. A sinalização das gera-ções conduz geralmente a temas tóxicos como o “conflito de gerações”, que vagamente afecta a

arquitectura, mas antes na sociedade em geral, precisamente por causa da luta por recursos cada vez

mais escassos no mercado de trabalho5. Preferimos um afastamento passivo em relação a esse con-flito. No ano de 2007 decorria o projecto “A caminho do País das Maravilhas: Jovens arquitectos em

Portugal” comissariado pelo arquitecto Luís T. Pereira na OA-SRN, donde provêm os convidados desta “Geração Z”, e sobre os quais não se especulava o factor “geração” ou sequer a sua “letra”.

Preferimos afirmar as diferenças de gerações do que o conflito entre elas – é importante dei-xar isto claro, antes que esta prova seja para outros mais um statement eminentemente mediático6. Pensamos que na arquitectura qualquer diferença implica uma mudança e isso observa-se num processo global sobre o qual as gerações não têm controlo ou percepção em si. Por ou-tro lado o conflito afirma um radicalismo igualitariamente consciente em termos de conhe-cimento e ética entre posturas e atitudes. Esclarecidas estas posições sobre a abordagem ao tema, levantamos quatro questões que nos parecem basilares na percepção das diferenças des-tas práticas emergentes, quando comparadas com o que foi apresentado no capítulo anterior:

4 http://geracaoz.wordpress.com/5 GADANHO, Pedro. De A a Z, a febre classificatória explicada às crianças. Revista Arq|a Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 306 GRANDE, Nuno. (Entravista). Revista Arq|a (84/85 – Set/Out 2010). pp 31

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Génese

Esta é uma geração nascida na sua maioria no pós 25 de Abril de 1974. Quando deixaram de ver o “Sítio do Pica-Pau Amarelo” cresceram na incerteza da preferência entre “Duran Duran” ou de “Talking Heads”, jogaram nas primeiras Spectrum, usaram o cabelo cumprido e as camisas de flanela no final da adolescência e ainda hoje referem os Pearl Jam como a melhor banda de sempre.

Julgamos lógico começar a falar desta geração pelo “local” onde nasceram. Tal como já men-cionamos anteriormente existem actualmente 22 cursos de arquitectura, entre públicos e privados. Mesmo com a quantidade abismal de alunos e licenciados espalhados geografica-mente, as produções que se vão mostrando emergentes no contexto português continuam a referir-se aos mesmos dois grandes pólos pedagógicos do Porto e Lisboa, talvez com maior ênfase para o segundo. No entanto isto não implica que seja mais fácil argumentar posturas, identificar “escolas” ou referenciar influências formativas – as motivações são hoje muitíssimo

diferenciadas7. A pulverização de vontades e opiniões aliadas a outros factores de ordem global e comunicativa mediática e mobilidade física, tornaram o “limite” da representação da “arqui-tectura portuguesa” difícil de arbitrar, pelo aparente sentido aleatório ou confuso com que se apresenta. Não acreditamos que seja uma situação recente pois tínhamos assistido em ge-rações anteriores a expressões de hibridação e deslocação similares. Todavia se essas gerações ainda encontravam nos mestres a influência, o gosto, o respeito, a tendência, observamos nesta geração mais recente um total descompromisso tanto pela componente formativa como com as referências que perseguem. Este factor pode ter 2 motivos: 1º- a partir do momen-to em que se juntam em grupos, a formação académica e profissional individual dissipa-se e mistura-se na diversidade do colectivo; 2º- a abertura ao mundo e busca pelo percurso diversificado e “personificado”, leva-os a considerar tantos os mestres, como os colegas da geração, como outras formas de expressão criativa, num tipo de formação “bottom-up” pelo contacto com a “vizinhança”, tal como a liderança interna desses colectivos se manifesta. Não podemos considerar que a constatação deste estigma seja o reflexo de uma ruptura. É o entendimento da contemporaneidade e das suas possibilidades, o que dificulta o entendi-mento dessa preocupação ideológica chamada “identidade portuguesa”… pela pluralidade e pelo alargamento de posturas, opiniões, e produções. Dessa forma optamos por balizar esta amostra em arquitectos que tenham acabado o seu percurso formativo no final dos anos 90/ inícios de 2000, e que tenham estruturado as suas práticas inevitavelmente no novo milénio. Acreditamos que só neste período é que encontramos um conjunto de condições externas favoráveis que questionem a arquitectura portuguesa na revelação do seu sentido emergen-te global. Algumas dessas condições já nos foram apontadas anteriormente com questões do mercado e do ensino, outras ganharam forma e rapidez como as TIC8 e a internet. Não buscamos nenhuma questão classificatória pois temos consciência que falando de arquitec-

7 DIAS, Manuel Graça. (Entrevista). Revista Arq|a (84/85 – Set/Out 2010). pp 1108 TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação

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tura recente ficarão sempre nomes por referir. Admitimos também que nos balizamos pela mediatização e exposição, mas tentaremos ser rigorosos e críticos na desconstrução de uma realidade arquitectónica tão recente.

Mobilidade

Tal como acontecia com os arquitectos da geração “Y”, os arquitectos desta geração cedo foram conscientes com o factor da mobilidade física e mental como parte integrante da sua formação e das suas condutas profissionais. Uma situação que não é novidade em si, se formos buscar os arquitectos “viajadores” como Marques da Silva, Viana de Lima e Fernando Távora, importando as ideias formais e conceptuais da modernidade; ou os casos de Pancho Guedes e Manuel Vicente que desenvolveram as suas carreiras entre Portugal e outros territórios, Moçambique e Macau respectivamente. Actualmente podemos dizer que o factor da mobili-dade representa um patamar diferente – é mais uma questão oportunidade do que de “afor-tunados”. Isto é, as políticas económicas, sociais e educacionais da União Eurpeia com aber-tura das fronteiras, os programas Erasmus e Leonardo da Vinci, associado ao fenómeno das companhias de aviação lowcost, tornaram os processos mais livres, democráticos e expeditos, adquirindo ao arquitecto uma capacidade nómada emergente. Existe actualmente uma maior facilidade em termos de acessos a outras realidades formativas enquanto estudantes e a outras opções de trabalho e de percurso para os recém formados, seja pela percepção pessoal de outros horizontes, seja pelo estabelecimento de redes sociais e de parcerias colectivas. Nesta equação observamos duas combinações: os que vão para fora e regressam para desenvolver as suas práticas envolvidas nas referências conceptuais e metodológicas apreendidas; e os vão para fora e ficam lá, criando micro empresas multiculturais, continuando a experimentação in locus de outras lições tectónicas e construtivas através da vivência e actuação de outros mercados. A situação não é, mais uma vez, uma novidade. No entanto estes percursos, cada vez mais numerosos, tornam-se tendencialmente mais híbridos e abertos, confirmando uma capacidade “tradicional” à arquitectura portuguesa, que é a de operar sobre os conceitos da hibridação e miscigenação. Conceitos estes cada vez mais emergentes no mercado e na socie-dade globais, o que torna a arquitectura portuguesa mais “apetecível” e que ao mesmo tempo pode revelá-la mais competitiva no contexto de um import/export generalizado9. Destacamos desta lógica a emergência de percursos envoltos na construção de parcerias, como são os casos do gabinete WUDA*, formado em 2006 por Inês Dantas (PT) e Florian Wurfbaun (GR) concen-trados na diversidade das suas práticas desenvolvidas entre Portugal, Alemanha e Áustria; o estúdio ReD criado em 2004 na colaboração dos arquitectos João Pedro Sousa (PT) e Marta Malé-Alemany (ES) operando entre Porto e Barcelona; ou o escritório Onoffice, num retrato mais cosmopolita formado por Ricardo Guedes (PT), João Vieira Costa (PT), Francesco Moncada (IT) e Leon Rost (US). Devemos considerar que a mobilidade enquanto condição profissional é

9 GADANHO, Pedro. Import/Export. Habitar Portugal 2006/2008. Selecção Mapei/O. A. pp. 192

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Emergências Recentes na Arquitectura Portuguesa

muitas vezes encarada como mais uma possibilidade de trabalho para os recém licenciados. As condições de desemprego nacionais ou o trabalho lamentavelmente mal remunerado (quando o é) levam muitos jovens arquitectos a completarem lá fora os estágios profissionais, comple-mentando as suas referências na experiência da arquitectura com colaborações e participa-ções paralelas, que posteriormente vão ganhando autonomia e destaque.

Mercado

A inserção destas práticas emergentes no mercado de trabalho é uma condição clínica no desenvolvimento das suas práticas. Vejamos: a ideia da encomenda na arquitectura é desde algum tempo uma política diversa entre dois sectores dirigentes na construção – o sector público e o privado. Sobre o segundo abordamos no capítulo anterior as “leituras” principais que o mercado imobiliário privado teve e continua a ter na relação da arquitectura com o território nacional, onde a oportunidade de actuação se cinge a arquitectos reconhecidos ou àqueles que vão construindo as suas “relações” e “conhecimentos”. Desta forma ficam a restar as pequenas encomendas de moradias e reabilitações, lojas e por aí adiante. O sector público é por outro lado aparentemente mais democrático, mas absorve-se na tecnocracia viciada dos concursos por convite e nas condições especiais de participação pela lógica omnipresente

de que apenas pode concorrer quem tem prática e que apenas terá prática quem consegue concorrer,

impedindo a renovação geracional na província portuguesa10. Dessa forma as grandes alternativas passam por outros concursos: concursos de “ideias”, os “mega-concursos” internacionais, os “mini-concursos” universitários. É-nos sabido que muitas destas competições não têm um carácter específico deambulando sobre a criação do objecto, a qualificação do espaço público, a proposta urbanística, a actuação efémera ou permanente, na especificidade ou inexistência de um programa, sobre lugares mais cosmopolitas ou soluções para mundos emergentes. A quantidade e variedade destes concursos são actualmente vastíssimas. A forma como se divulgam na internet e a facilidade com que custos de participação (alguns “simbólicos” ou inexistentes) são ultrapassáveis, geram uma participação em massa neste tipo de mercado - “bustler.net”, “e-architect.co.uk”, “arquitectum.com”, “espacodearquitectura.com”, “arqui-

10 SANT’ANA, de ZZZZ!?!! a Z, Parabéns à Geração Z. Carlos. Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 32

fig 24. WUDA*. Tridom Puzzle (Munique); fig 25. RED. MCity - FLUOScape (Kuntthaus Graz); fig 26. ONOFFICE.Shuffle House (Porto)

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tectos.pt” (Ordem dos Arquitectos), são alguns sites que vão elaborando e divulgando este tipo de competição. Os prémios variam consoante a exigência ou o carácter do próprio con-curso: prémio monetário, publicação numa revista da especialidade, concursos/publicações para jovens arquitectos (Europan) e a oportunidade de apresentar e expor o trabalho numa lugar atractivo, seja Tóquio ou na Trienal de Arquitectura de Lisboa. A participação nestes concursos constitui ironicamente, para muitas destas práticas emergentes, o primeiro gran-de passo na construção de uma carreira profissional, pela experiência, pelos prémios e pela divulgação instantânea dos projectos através da mediatização e comunicação globais e pela rede de contactos que vão optimizando. Continuam a existir outras formas de afirmação no mercado, que não passam necessariamente pela competição, ou pelos efeitos de uma globali-zação económica e comunicacional, contudo as limitações da encomenda obrigam a abordar outras formas de encarar a prática e/ou inventar novos modos de fazer e actuar11 pois olhando para

a situação económica actual combinada com a tendência demográfi ca de decrescimento populacional

na Europa e com o impacto ambiental da construção em geral, é óbvio que os arquitectos não podem

sobreviver só a projectar edifícios.12 Falamos aqui de dois factores emergentes para enfrentar a competitividade do mercado com a optimização dos meios e das ferramentas: a diversidade e colectividade. Em grupo alcançam-se campos inacessíveis a uma prática solitária ou hierarquizada13.

11 GADANHO, Pedro. De A a Z, a febre classificatória explicada às crianças. Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009); “De A a Z”. pp. 2912 IBELINGS, Hans. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp. 3413 AUZprojekt. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp. 141

fig 27. “The Beatles: saving The Earth” (fotomontagem do autor)

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Grupos

No J.A.nº 240 “Ser Independente”14 Manuel Graça Dias lançava um desafio interessante a alguns bloggers nacionais, que era o de produzir um texto que antecipasse o tema daquela edição, a “independência” – a Arquitectura como profissão liberal. Enquanto uns deambulavam pelos discursos deprimentes, queixosos da chuva e do sol, envolvidos na nostalgia crítica de quem reivindica os “direitos” à profissão liberal ou questiona a sua condição de “artista” incompreen-dido, outros assumiam que a “independência” em arquitectura são ideias deixadas por heróis cinematográficos como no filme “The Fountainhead”, pois quem corre pela arquitectura não dorme na ficção e confronta-se na sua contemporaneidade.Com que sentido falamos em in-dependência se observamos a arquitectura mais necessitada de incorporação de outras disciplinas

e agentes na procura de soluções quer por constrangimentos económicos e ecológicos15? Não será este o tempo de deitar para trás das costas estigmas e dogmas, e aceitar que a existência de mais arquitectos é

sinónimo de um enorme potencial criativo, cívico e cultural16? Nesse sentido preferimos enquadrar a “interdependência” dos modos emergentes na substituição da “independência” liberal da ar-quitectura. Isto é, na advertência ou não das condições de trabalho e da oferta de encomenda, observamos que estas práticas emergentes preferem juntar-se em “grupos” que colaboram com outros “grupos”, criando parcerias colectivas diversas na emergência de potencializar a sua criatividade, as soluções, e o tempo de resposta aos desafios a que se comprometem.

A experiência universitária, a mobilidade Erasmus, as redes sociais, a partilha de informação global são formas e instrumentos de desenvolver a génese e a actuação destas práticas. São

14 Jornal dos Arquitectos. nº 240. Ser Independente Jul/Ago/Set 201015 MACHADO, António. Jornal Arquitectos. nº 240. Ser Independente. Jul/Ago/Set 2010. pp.916 COSTA, Pedro Machado. Jornal Arquitectos. nº 240. Ser Independente. Jul/Ago/Set 2010. pp. 5

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redes que tornam possíveis, colaborações como a dos Ateliers de Santa Catarina (PT) com os Standardarchitecture (CN) no Tibet. A “interdependência” como condição emergente e transversal para a arquitectura revela um sentido simultaneamente ambicioso e consciente na intervenção de áreas criativas distintas sobre a criação e concepção do projecto. Por vezes a consciência para essas soluções passa mesmo pela colaboração com áreas criativas externas à arquitectura, que de certa forma sustentam a “estética diversificada”, a “diferença”, a arquitec-tura (?). Esta situação é algo similar à dos arquitectos das gerações “X” e “Y” como Inês Lobo na colaboração com João Gomes da Silva (arquitecto paisagista) e Gilberto Reis (antropólogo e escultor), ou Didier Fiuza Faustino com os Bureau dês Mésarchitectres, pelo paralelismo entre a arquitectura e a arte, as exibições, e as publicações. A diferença para estas práticas emergentes reside na integração de uma interdisciplinaridade sobre os conceitos e metodo-logias de trabalho intrínseca ao próprio conceito de “grupo”. Ou seja, diferentes equipas/dife-rentes combinações podem gerar a partir dessas “redes” interdisciplinares uma flexibilidade per-manente na busca da “experimentação” na arquitectura em lições conceptuais e comunicativas.

Destacamos neste contexto o ateliê MOOV (2003) que na percepção da valência comuni-cativa e experimental, mostra-se atento aos fenómenos contemporâneos na elaboração dos seus projectos em colaborações permanentes entre artistas, dançarinos, designers, e outros escritórios de arquitectura como o atelierDATA e os Kaputt. Temos noção que este tipo de emergências também se prendem com o conceito da multidisciplinaridade relativo às diversas actuações sobre diversos campos seja o design gráfico, digital industrial, publicações ou as produções efémeras. Todo o tipo de encomenda é um factor motivante para desenvol-ver e participar em desafios internos ou externos ao “limites” da arquitectura17, quer pela sustentabilidade do gabinete como pelo divertimento que possa acarretar a experiência. Uma multidisciplinaridade que já João Mendes Ribeiro nos mostrava possível nas suas experiên-cias cenográficas. Mais uma vez, a diferença/emergência assiste-se na leitura assumida da multidisciplinaridade num sentido informal, sem regras ou relações fortes nas concepções, isto é, sem integrar os conceitos de “especialista” ou “generalista” na essência do colectivo ou de cada um dos intervenientes (sócios/colaboradores). É um princípio que orienta a produ-ção arquitectónica na preferência/emergência de um autor multicéfalo, na inexistência de qualquer hierarquia, e antes na “liderança” bottom-up pontual na coordenação dos objectivos e da sustentabilidade do colectivo.

Relembrando Hans Ibelings, no tópico anterior, o arquitecto contemporâneo tem que se mostrar bastante flexível nas “formas” como faz a sua arquitectura na abertura ao “descom-promisso”, aos contextos diversos e às interacções sociais que isso possa acarretar. Citando Sanford Kwinter: Temos de encarar o facto de que em 30 anos talvez nem existam arquitectos. Porquê?

Porque o mundo é em grande parte gerado por aparatos administrativos (ou que benignamente se referem

como “oraganizações”)18. Podemos entender estes factos na emergência de um arquitecto como

17 KAPUTT!. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp. 11618 KWINTER, Sanfors. (Editorial). Revista Abitare (506- Set 2011). Ref: http://archen.mr926.me/tag/abitare (19/09/2011)

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agente cultural, como organizador de relações sociais, na substituição das posturas tradicionais19 mais ligadas ao trabalho do ateliê.

Nomes

A forma como se apresentam também é também um sinal emergente da sua natureza. Influen-ciados pela relevância comunicativa de alguns starsystem, revêem a natureza das suas práticas colectivas em expressões catchie, feitas de siglas e de provocações, na semelhança exacerbada de exemplos “heróicos” como os OMA, BIG, SANNA, MVRDV, WEST 8, os Archigram e os Superstudio ou até Le Corbusier (Charles-Edouard Jeanneret-Gris) – MOOV, MASEA, ReD, Kaputt!, OTO... A relevância desta postura não preza pelo indivíduo, como noutras gerações portuguesas anteriores em que a taxinomia não era uma questão importante pois era feita de nomes pessoais – Álvaro Siza Vieira, Eduardo S. Moura, João Luís Carrilho da Graça; nem pelo individualismo, na medida em que a existência de um mercado global e competitivo obriga a afirmação de posturas mais livres, criativas e diversificadas na contemporaneidade. Neste sentido entendemos cada designação destas, como um perfil, um “avatar”, uma forma de criar uma identidade que reflicta a afirmação do colectivo numa ideia e conceito único, que até poderíamos apelidar de “marca”, não de um produto Jean Nouvelle, mas sim da atitu-de mais “BANKSY” 20. Por outro lado, também podem ser sintomas de estigmas fashionable de ideias básicas de marketing na aspiração a uma contemporaneidade mediática, comunicativa e global, mas que não deixa por isso de representar uma emergência transversal pela consciên-cia das estratégias de visibilidade.

Comunicação

A integração de uma cultura de comunicação na arquitectura não é em si um fenómeno recente. Já Le Corbusier soubera utilizar os meios e instrumentos à sua disposição para co-municar a sua visão arquitectónica e promover-se na esfera pública em diferentes meios21. No entanto este factor da comunicação foi sempre sendo associado ao fenómeno nocivo e super-ficial da mediatização, o que de certa provocou alguma resistência na interiorização e integra-ção desta valência como “disciplina” da arquitectura portuguesa. Se para uns a arquitectura não necessita de referências virtuais nem de exposições fictícias, outro há que acreditam que arquitectura só é contemporânea na integração com a transversalidade social. Rem Koolhaas/OMA serve-nos de exemplo para esta segunda posição, pela integração da consciência comu-nicativa num contexto global (político, social, económico) sobre estratégias e ferramentas

19 KWINTER, Sanfors. (Editorial). Revista Abitare (506- Set 2011). Ref: http://archen.mr926.me/tag/abitare (19/09/2011) 20 Banksy (Bristol, 1975) – é um artista de rua britânico.21 VENTOSA, Margarida. O que mudou, o que não mudou e o que precisa de mudar. http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=49. 16/08/2011

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que normalmente associamos ao marketing. Neste contexto, e mais recentemente, podemos destacar também o arquitecto Bjarke Ingles/BIG na compreensão do consumo mediático paralelo à experimentação da sua arquitectura.

Ainda que estas ferramentas e conceitos, tenham estado sempre ao alcance do contexto por-tuguês, a emergência de outros conceitos emergentes como foi o “regionalismo crítico”, a Es-cola do Porto e a mediatização de Álvaro Siza, diluíram e afastaram este tipo de perspectivas da arquitectura portuguesa. Todavia encontramos recentemente sinais emergentes na cultura e produção arquitectónica, que apelam ao interesse da sua afirmação, intervenção e envolvi-mento na sociedade. São sinais de outras formas de actuar na condução de uma “mensagem” mais espontânea e global.

Como vimos no capítulo anterior só nos últimos anos é que arquitectura portuguesa atin-giu o desejo alcançável por uma classe média alargada22, repercutindo-se na exibição pública da arquitectura: exposições sobre arquitectos e obras, em galerias, museus, bienais ou trienais. Diríamos que a relação oferta/procura no que diz respeito à cultura arquitectónica portugue-sa, representa um balanço positivo na relação quantidade/qualidade de eventos, workshops, conferências, sejam situações dedicadas somente à arquitectura, ou na integração da mesma com outras áreas, da construção, da arte, do design ou do mix das indústrias criativas. Ao longo desta prova fomos mencionando alguns casos e personagens que deram origem a pu-blicações e catálogos emergentes na divulgação e crítica da arquitectura portuguesa recente – “Concreta”, “Infl ux/ Metafl ux”, “A caminho do País das Maravilhas: Jovens arquitectos em Portugal”, “Habitar Portugal”. Por vezes é um sinal tendencioso, na medida em que os organizadores des-te tipo de eventos acabam por ter uma aproximação maior aos arquitectos da sua geração, ou não – veja-se o exemplo da revista universitária Dédalo, que na última edição “Displace” (Abril 2011), soube integrar arquitectos de origens, mercados e gerações diferentes, dentro de um conceito único. Na nossa opinião esta é uma situação muito mais emergente, do que a vinda de um starsystem à Casa da Música. Vejamos: ambas são importantes como referência, como ob-servação, como momento de contacto com os espectros ou com os new wave, mas a cristalização da diversidade tem muito mais a oferecer para a evolução da cultura arquitectónica, do que a li-ção de uma arquitectura em vias de “extinção, que continua a ser aprendida e …apreendida…

Observamos no entanto que em ambos os “campeonatos” comunicativos, a “missão” dos gabi-netes é por norma a auto-divulgação, a amostra conceptual, o pormenor do caixilho, o render, num registo apático pelo “medo”, ou então demasiado “parvo” pelo à vontade com que se sentam na cadeira. Admitimos que neste tópico a arquitectura portuguesa padece de referên-cias e emergências, tanto na questão comunicativa/oratória, como na pertinência do discurso activo envolto na oportunidade que têm para falar e trabalhar em público. Destacamos aqui a abordagem dos Super Sudaka no Porto em 2010 com “don’t forget, it´s too late”23, com uma acção participativa e aberta na colaboração de arquitectos e artistas locais num projecto de

22 COSTA, Pedro Machado. Para além da Excepção. Habitar Portugal 2006/2008. pp. 16323 Consultar: http://supersudaca.org/blog/?p=1431

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invetigação sobre a cidade. (Pena não serem portugueses).

Presenciamos que, no que diz respeito à comunicação, a internet representou nestes últimos anos um território muito mais interessante para gabinetes e arquitectos portugueses. Faze-mos esta distinção, pois não falamos só da divulgação pessoal da produção arquitectónica, mas também do sentido da opinião, do registo escrito informativo e crítico que os one men band vão fazendo. Referimo-nos aos blogs que foram emergindo no contexto português servindo de filtro e partilha de informação a quem procura este tipo de conteúdos, num serviço global e totalmente gratuito, independentes de comissões editoriais, de editores, de decisores económicos24. Admite-se que a opinião em volta deste género de plataformas ainda é genericamente levada com alguma ambiguidade e suspeição, pelo aspecto de “diário” demasiado “aberto” de uns, pela falta de rigor ou ausência de bom senso de outros (mas acredita-se que parte do consu-midor a responsabilidade de avaliar e eleger as suas fontes). Em gesto referencial para o nos-so discurso mencionamos alguns blogs “mediáticos” portugueses que vão fazendo um registo pessoal “humildemente” sério na divulgação e crítica de arquitectura – “abarrigadeumarqui-

tecto.blogspot.com” (Daniel Carrapa); “quandoascatedraiserambrancas.blospot.com” (Pedro Machado Costa); “shrapnelcontemporary.wordpress.com” (Pedro Gadanho). As abordagens acabam por ser diferentes assim como os públicos que ambicionam: uns com mais clichés, uns “revoltosa-mente” críticos, outros mais diversificados e internacionais. Mas terão os blogs de arquitectura uma forte influência no sentido emergente do discurso arquitectónico português? Pensamos que tal como a situação internacional, os blogs portugueses funcionam como apenas como uma ferramenta livre e dinâmica na partilha global de informação. Tudo o que poderão acar-retar é chegar a mais públicos, partilhar mais experiências sem taxas e sem revisões literárias.

O fenómeno blog também é usado como ferramenta de comunicação do trabalho. Ousamos especular que esta seja uma tendência recente e mais integrada nas práticas emergentes que nos servem de estudo. O ateliermob (ateliermob.com) é um caso de estudo interessante na forma como aproveitou este formato desde 2005, para expor e apresentar em primeira ins-tância o seu trabalho, e simultaneamente o trabalho de outras práticas emergentes, prestando um “serviço público” na divulgação de informação útil e actual sobre a “cena” arquitectónica nacional e internacional. Tanto o discurso como os temas envolvem-se muito com que é re-lativo aos seus interesses e aos da sua geração, seja matéria arquitectónica ou design, vídeo e música, mantendo-se o registo a que se compromete, o de ser “um diário” entre o upload (do desenvolvimento dos seu projectos) e o share (no que divulgam). De forma semelhante, os estúdios MOOV e PlanoB, AUZprojekt, Embaixada, vão utilizando o formato blog, na complementaridade de outras plataformas que mantêm online (moov.tk; planob.com; au-zprojelt.com; embaixada.net), com um registo mais livre e dinâmico que os seus sites, em gesto de diário de obra e na exposição de um discurso crítico.

As main pages acabam por funcionar como uma amostra do trabalho, numa espécie de auto-

24 DIAS, Manuel Graça. Jornal Arquitectos. nº 240. Ser Independente Jul/Ago/Set 2010. pp. 4

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fig 28. ateliermob.comfig 29. shrapnelcontemporary.wordpress.comfig 30. abarrigadeumarquitecto.blogspot.com

fig 31. ateliersdesantacatarina.orgfig 32. sami-arquitectos.com

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fig 33. atelierdata.comfig 34. www.moov.tk

fig 35. auzprojekt.comfig 36. embaixada.net

fig 37. “heavy height title of ARCHI_COMUNICATION” )fotomontagem do auto. Representa-se Rem Ko-olhaas com as publicações “Content”, “Wired Kool World”, “SMLXL”e Bjarke Ingles com “Yes is More”

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monografia em gesto de portfólio, num mercado comunicativo global. Verificamos que o cui-dado mais ou menos arrojado, na construção destas plataformas não é indiferente, na medida em que funciona na complementação da imagem, da atitude, do nome, da prática. Não lhes é entendida a ambição de ganharem clientes ou encomendas com este tipo de comunicação, pois esses processos continuam a ser feitos pelas vias mais tradicionais, no contacto directo ou por

via de conhecimento prévio de um trabalho25. Acreditamos que o entendimento cai antes sobre a importância da comunicação da “imagem”, não no sentido superficial, mas na forma como a arquitecto sempre trabalhou inevitavelmente com ela. Estas práticas emergentes absor-vem-na sobre modos e dimensões diferentes, pela forma como cresceram com o acesso à informação e desenvolvimento da tecnologia, cada vez mais integrados nos modos de vida e nos modos de apresentação da arquitectura. Observando alguns sites de práticas emergentes temos diferentes leituras deste estigma na comunicação Web: privilégio em volta conceitos e das estratégias utilizadas na abordagem e concepção do projecto, pela utilização de “esquemas + gráficos + axonometrias + renders + fotografias + maquetas”, numa manipulação gráfica apelativa com links em forma de gifs e logos – atelierData e MOOV; a demonstração selec-cionada do texto + render + fotografia numa aparência clean, depurada e rigorosa – SAMI; apresentação em formato vídeo – Embaixada. O que achamos relevante enfatizar neste aspecto da “imagem” é o “desprezo” comum pela apresentação do desenho rigoroso, da plan-ta, do corte, do alçado. A arquitectura é-nos mostrada de uma forma dinâmica num recurso complacente com o valor do consumo global dos media, dos arquitectos e outros interessados. Não julgamos que esta opção se prenda somente com uma intenção transversal em chegar àqueles que não dominam os mecanismos da linguagem arquitectónica26 na esperança de con-quistar a globalidade dos públicos. Acreditamos antes que é uma característica inerente que não chega a ser questionada. É apenas o reflexo de uma profunda e transversal mudança de hábitos

e tomada de consciência sobre outras potencialidades que a prática oferece27.

Representação

Na continuidade da mudança de hábitos inerentes aos avanços tecnológicos, é-nos sabido que os processos de representação técnica da arquitectura sofreram desde algum tempo uma mu-dança drástica com a utilização do computador. Hoje a arquitectura dispõe de variadíssimos instrumentos “programadores” para facilitar e ajudar todos os processos de concepção e re-presentação, com softwares cada vez mais específicos, completos, rápidos, e abrangentes nas ferramentas de desenho bidimensional e de modelação 3D. Se nos anos 90 os gabinetes por-tugueses sofriam um período de adaptação a estas tecnologias, hoje o tempo é aparentemente maximizado perante a aceleração dos meios projectuais. No entanto o tempo é o mesmo ou

25 MOOV. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp. 7326 GADANHO, Pedro. De A a Z, a febre classificatória explicada às crianças. Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp. 2927 VENTOSA, Margarida. O que mudou, o que não mudou e o que precisa de mudar. http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=49. 16/08/2011

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menor pelas conjecturas tecnocráticas que arquitectura contemporânea é obrigada a respon-der, esgotando o outro tempo para “apurar” e “experimentar” arquitectura. Para que tudo isso funcionasse os gabinetes teriam que possuir estruturas computorizadas a trabalhar cons-tantemente em rede como vemos acontecer em alguns gabinetes dos starsystem como Zaha Hadid ou Herzog & de Meuron, um horizonte longínquo do caso português. Entendemos desta forma que estes avanços tecnológicos não representam por si só um factor emergente na arquitectura portuguesa. A emergência estará antes presente no domínio e habilidade em equacionar esses avanços nos processos de trabalho e na representação da própria arquitectu-ra, pela relação que poderá conter ou não na percepção da mesma.

A geração de arquitectos que nos serve de estudo sempre esteve habituada e mais do que adap-tada à questão tecnológica e informativa da arquitectura contemporânea: se o problema é o software, faz-se o download do trial, 20 minutos de tutorials no youtube…A integração destes pa-radigmas no processo de trabalho é feita com naturalidade na aspiração de modelos, imagens e conhecimentos que ponham em prática as suas intenções arquitectónicas. A representação da arquitectura é um meio abstracto, como sempre o foi, de descobrir e explorar soluções de proporção, escala, materialidades, que não folga pela invenção dos seus métodos mas pela adaptabilidade aos seus instrumentos. Ou seja por um lado a representação técnica continua a ser feita pelo desenho, pela geometria dos cortes, alçados e desenhos de pormenor; por outro a representação comunicativa é a transposição do desejo imaginativo variável na sua “técnica”, seja uma aguarela, uma serigrafia, um colage ou um render. Ainda não se alterou a forma como a arquitectura se interpreta do ponto vista técnico, porém o contacto da “imagem” com a mesma mostra-se permeável a outros temas ou fontes da contemporaneidade.

Na representação comunicativa destacamos a proximidade do design gráfico com a repre-sentação da arquitectura, na demonstração de esquemas funcionais, e esquemas de insolação, e gráficos, e tabelas, e diagramas, tudo renderizado em “montagens puzzle” tipo IKEA do it

yourself, numa posição meia vanguardista na virtualidade realista e omnipresente que nos vai mostrando quanto o objecto arquitectónico está integrado (ou não), bonito (ou não), diferen-te (ou não), e bem resolvido (ou não). Tomemos como exemplos as práticas MOOV + Ate-lierDATA e Onoffice, pela transmissão directa desse espírito comunicativo da arquitectura como um “produto consumível” lembrando as referências dos OMA, MVRDV ou BIG, pela

fig 38. “Turbine City” (ONOFFICE) fig 39. “Forwarding Dallas” (MOOV+AtelierDATA)

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fig 40. MarcosandMarjan - “Museu Tomihiro” (Japão, 2002); fig 41. MarcosandMarjan - “Sede da New England Biolabs” (EUA, 2001)

fig 42. e fig 43 ReD - “FlyingCARPET” (Lisboa, 2008)fig 44. e fig 45 ReD - MCity – CONEplex (Kunsthaus Gaz, 2005)fig 46. e fig 47 ReD - “Fachada Habitada” (Porto, 2009)

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confirmação de um reconhecimento internacional de propostas como “Forwarding Dallas” (EUA) e “Turbine City” (Noruega) respectivamente. A dinâmica explicativa e exemplificativa desses aspectos conceptuais da arquitectura deixou de ser uma necessidade apenas processual para o arquitecto, para passar a mostrar o quanto este ou aquele projecto são exequíveis e jus-tificáveis para quem consome essa arquitectura ainda em fase “embrionária”. Sabemos que na arquitectura o processo da concepção à realização não é assim tão literal, pois muitos factores externos podem comprometer mesmo a arquitectura isenta dessa “parafernália” virtual. Des-sa forma tanto a perspectiva burocrática na exemplificação de índices e percentagens, como a ideia de propaganda de marketing que podemos retirar acima, devem ser interpretados sob uma leitura competitiva e transversal que mercado global contemporâneo impõe.

Estes termos devem ser interpretados como uma aspiração consciente à comunicação e aos sinais da sociedade da informação, caracterizada pela centralidade da informação, a qual promove

uma transição da escala local para global, a mediação digital nos processos pós-mecânicos, as novas con-

fi gurações espaço – temporais e formas de sociabilidade28. O que podemos questionar é se de facto o trabalho hoje é mais pesado nas decisões iniciais de projecto e mais ligeiro na sistematização da sua execução, e se essa dependência da imagem eliminou o estaleiro tradicional como espaço de

teste e experiência, transformando-o num espaço de verifi cação.29 Se a primeira condição se confirmar acreditamos que a causa não se prende com a representação mas com a questão do mercado, e com o curto tempo de vida destas práticas que ainda mal tiveram tempo para ver nascer as suas produções. Por um lado sabemos que a competitividade dos concursos passa pela “pertinência” de determinada solução, portanto é natural que se explorem estratégias e conceitos de inter-venção na fase inicial de projecto. Por outro lado é imposta hoje à arquitectura um conjunto de regras técnicas e soluções patenteadas que tornam o processo de execução lento e restringido. Temos assim de equacionar que, pela saturação e competitividade do mercado, a produção arquitectónica destas práticas está mais preocupada em aguçar o engenho das suas soluções, instalando-se na noção de diversidade na substituição da ideia idiossincrática da arquitectura, crescendo de projecto para projecto, de obra para obra30. A segunda condição é ambígua, pois levan-ta aqui a relação da arquitectura com a representação enquanto método de trabalho, da mesma forma que falávamos no capítulo anterior de Á. Siza e da exaltação do desenho.

A mudança de instrumentos pode levar à mudança de métodos expressa em toda emergência pós-digital espacialidades arquitectónicas “mutáveis”, “reactivas”, “inteligentes”, responsáveis por outro tipo de relações entre o corpo e arquitectura/interface, mais mecânicas e ciber-néticas na construção e desconstrução do espaço. São experiências que não se referem tanto pela “imagem” mas pelo uso da tecnologia em si, pelas chamadas TIC, como é o caso de Marcos Cruz na parceria Marcosandmarjan, explorando estética de engenhos biológicos e digitais sobre a relação da arquitectura com a pele humana, mostra-nos um universo especulativo liberto

28 FURTADO, Gonçalo. Revisitando matérias. Revista Arq|a (84/85 – Set/Out 2010). pp 11029 BALDAIA, Bruno. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp. 4730 GADANHO, Pedro. De A a Z, a febre classificatória explicada às crianças. Revista Arq|a Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 30

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de vínculo pragmático imerso no ambiente de investigação para onde se deslocou31 no interesse pelo pensamento científico. Na potencialidade destes instrumentos, a arquitectura explora outros limites e desafios, reais e virtuais, cruzando outro tipo de conhecimentos na eminência dos fenómenos da sustentabilidade, complexidade e do emergente, entendendo as “tecnologias de informação e comunicação como uma aportação metodológica e não só instrumental32. Na emergência deste contacto da arquitectura com o desafio digital referimos também as pro-duções de José Pedro Sousa enquanto co-dirigente do ateliê ReD (2004), definindo a expe-rimentação arquitectónica no privilégio do processo metodológico a partir das ferramentas e tecnologias digitais. Nos processos dos projectos “MCity – CONEplex”, “MCity – FLUOSca-pe” (Kunsthaus Gaz, 2005)33, “FlyingCARPET” (Lisboa, 2008)34, podemos observar a familia-rização com as metodologias e práticas de investigação nas questões das matérias, das formas e das linguagens pelo recurso a scripts específicos que vão progressivamente ajudando a refinar e verificar todo o desenho. O processo digital não invalida porém a combinação com meios “artesanais” como no projecto “Fachada Habitada” (Porto, 2009) ou “MORslide” (Barcelona, 2004), pela combinação da simulação computorizada e construção de protótipos físicos para a exploração de texturas e expressões formais, traduzindo a experimentação arquitectónica numa hibridação de meios e instrumentos contemporâneos vanguardistas nas na expansão das potencialidades criativas.

Retiramos que a representação na arquitectura é de certa forma o reflexo criativo e emergen-te da sua concepção. Independentemente da técnica, dos meios ou dos instrumentos, toda a abstracção objectual é sinónimo das inquietações, das ambições, dos conceitos e dos gestos com os quais o arquitecto se sente mais ou menos identificado a utilizar no seu processo. É tão natural encarar o presente com as suas potencialidades digitais, assim como o desenho com caneta “bic” na exaltação de um método. Para Álvaro Siza o desenho é a linguagem do seu

caminho de experiências, de encontros (…) onde a arquitectura é uma arte e não apenas uma técnica

construtiva35. Para esta geração os scripts são a capacidade individual de ferramentas de expe-rimentação de recursos e métodos não lineares. Positivamente a arquitectura portuguesa é também levada para além de uma técnica construtiva.

Metodologia e Estratégia

Observamos nos tópicos anteriores que a existência actual de uma pluralidade de condições leva consequentemente a uma pluralidade e diversidade de posturas, de interesses e possivel-mente de estratégias. As questões da formação, da mobilidade, do mercado global, das redes

31 PEREIRA, Luís Tavares. Relatório Minoritário. Influx, Arquitectura Portuguesa Recente. 2003. Editora Civilização. pp. 16032 FURTADO, Gonçalo. Revisitando matérias. Revista Arq|a (84/85 – Set/Out 2010). pp 11133 Consultar: http://re-d.blogspot.com/2007/11/1.html (13/09/2011)34 Consultar: http://re-d.blogspot.com/2007/11/flying-carpet.html (13/09/2011)35 RODRIGUEZ, Jacinto. Álvaro Siza/ Obra e Método. (1992). Porto. Editora Civilização. pp. 19

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sociais e das parcerias, conduzem ao estabelecimento de percursos diversificados a actuar em simultâneo e em uníssono sobre diferentes territórios e outras áreas criativas. Fomos tentan-do nesta avaliação enfatizar a arquitectura portuguesa e o modo como esta parece encontrar as oportunidades emergentes necessárias para se afirmar contemporaneamente no panorama arquitectónico nacional e internacional. Na revista Arq|a nº84/85 (Set/Out 2010) encontrá-vamos um artigo de Cristina Veríssimo intitulado “Jovens Arquitectos Portugueses. Ciclo dos Jovens

Arquitectos Portugueses Premiados Internacionalmente”. Nele constatávamos o reconhecimento internacional que as produções arquitectónicas portuguesas têm obtido a partir de obras já construídas, pela participação em concursos nacionais internacionais com temáticas variadas, pela produção teórica e na área da investigação. Na atribuição desses prémios observamos e confirmamos as premissas “identitárias” que temos vindo a debater sobre esta geração de arquitectos, pela diversidade das escalas, dos temas, dos territórios e das linguagens encon-tradas nas suas produções. Não deixa de ser interessante que encontremos “misturados” a Ca-pela do CREU-IL (Porto, 2006) do Arq. Nuno Valentim, o quarteirão sustentável Forwarding Dallas (EUA, 2009) da colaboração AtelierDATA+MOOV, e a produção efémera do Pavilhão do Livro para a Feira do Livro de Madrid (2009) dos arquitectos Olga Sanina e Marcelo Dan-tas. Estes exemplos são uma amostra da existência actual de uma pluralidade na produção recente que se vai afastando do sentido da “virusal” da “simples “variação” que encontrávamos anteriormente como causa dos efeitos de contaminação da arquitectura “portoguesa” na in-fluência da Escola do Porto e dos seus protagonistas. Encaramos esta situação como positiva e emergente, não pela emancipação falaciosa de uma ruptura mas sim pela demonstração da capacidade da arquitectura portuguesa em receber outros estímulos ultrapassando deter-minados “limites” que pareciam “padronizados – É importante a capacidade de abertura ao Outro, na capacidade de síntese química (…) para gerar compostos de qualidade a partir de elementos

e contextos à partida muitos diversos36.

Revemos a exaltação do método na arquitectura portuguesa sobre a interpretação dos fenó-menos da contemporaneidade, que em muito se afasta do que falávamos no primeiro capítulo em respeito ao Inquérito ou à pedagogia da Escola do Porto. Se por um lado temos o hábito de enaltecer o desenho, a praticabilidade e o valor contextual do “lugar” como valores intrín-secos à arquitectura portuguesa, a actualidade social mostra-se necessitada do “descompro-misso” de regras e da substituição de imagens dessa “identidade” apreciavelmente exportável. Isto porque continuamos erradamente a ancorar “essa identidade” na formalidade da obra de Á. Siza, sem muitas vezes entender que a sua emergência mantém-se actual e “fresca” pela ge-nialidade com que respira o método livre assente no desenho como experimentação e trans-formação no dom da química, num acto “universal” sobre a arquitectura, como já K. Frampton nos alertava nos anos 80 quando se referia ao sentido emergente da sua metodologia.

Não nos interessa por isso perceber até que ponto os métodos actuais destas práticas emer-gentes se vão revendo ou encaixando nas taxinomias do “regionalismo crítico”, na valoriza-

36 GADANHO, Pedro. Import/Export. Habitar Portugal 2006/2008. Selecção Mapei/O. A. pp. 192

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fig 54. e fig 55. Kaputt! - “Torre Reciclarte” (Lisboa, 2007), Plantas correnpondentes

fig 50. e fig 51. SAMI - “Centro de Visitantes da Gruta das Torres” (Ilha do Pico nos Açores 2005), Planta geral correspondente

fig 48. e fig 49. Plano B - “Casa do Garrano” (Ourém, 2009), axonometria explodida correspondente

fig 52. e fig 53. Onffice - “Turbine City” (Stavanger, Noruega), Plantas correspondentes

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ção das proeminências “tradicionalistas” e “historicistas” do lugar nas lições de continuidade. Essas lições parecem-nos apreendidas mas também depreendidas de clichés. Tomemos como exemplo as práticas Plano B (2002) envolvida no desejo da preservação e manipulação dos valores naturais dos contextos em que intervêm na combinação de diferentes materialidades e compostos, das estruturas em madeira e terra, e das paredes em tabique; assim com os SAMI (2005) que vão mostrando o carácter compreensivo em volta da ideia do lugar e da paisagem, com a introdução de sistemas formais e construtivos na experimentação assimilada de outros sistemas locais como no caso do Centro de Visitantes da Gruta das Torres na ilha do Pico nos Açores. Outros há que assumem o método na especificidade de cada projecto num posicionamento “adisciplinar” na participação de várias áreas com enfoque na estratégia de pro-

jecto, normalmente contextualista seja de um modo arquitectónico, económico - social, programático ou

todos os anteriores37, como é o caso específico dos MOOV. Procuram as soluções híbridas, com uma forte motivação social e humanitária, na integração de sistemas ecológicos, adaptados e inventados, consciente e voluntariamente em soluções low budget, low tech pela introdução de elementos standard como toldes ou sinalizações. Numa perspectiva mais abrangente dessas causas, os Onoffice (gabinete entretanto extinto) mostravam o entendimento do mercado competitivo em que assumidamente desenvolviam o seu trabalho na construção de um méto-do aparentemente comum mas revelador de curiosidade pela enorme variedade e concentração de

perspectivas, de vontades, de interpretações, de desejos, de modos, de aproximações38. Já os Kaputt! são diversos por natureza, pela colaboração dos 9 elementos na construção de debate de ideias e construção autónoma de “ideologias” e de um léxico próprio que cresce todos os dias 39no reflexo da multidisciplinaridade “icónica”, efémera, de acção social, fazendo coincidir o trabalho da participação em concursos com o de iniciativa e financiamento próprios.

Todas estas percepções acabam por resumir temas, ambições, matérias, linguagens que en-quadram a lição do contexto no seu sentido condicionalmente cultural, independentemente dos instrumentos e meios que consideram sobre os seus métodos. A exaltação do desenho continua a estar presente, associado ao método de projectar e pensar a arquitectura em Por-tugal. Contudo sabemos que a projecção da arquitectura não se faz apenas de valores simbó-licos, e a diversidade dos exemplos apontados em cima mostra-nos que seja pelo gosto do desenho, da maqueta, da computação/representação gráfica, ou interpretação programática/funcional, a produção arquitectónica nacional emergente faz-se de gestos inteligentes e solu-ções oportunas. Julgamos que a emergência destas práticas encontra-se assim na dicotomia especificidade vs diversidade uníssona das metodologias, na vontade livre de questionar, e imaginar a profissão como um potencial global.

37 MOOV. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009) pp. 7338 DIAS, Manuel Graça. Perfis Mais Novos. Jornal Arquitectos. nº 240. Ser Independente Jul/Ago/Set 2010. pp. 2639 KAPUTT!. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009) pp. 118

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fig 56 e fig 57. “Walls” criações do artista street art português Alexandre Farto aka VHILS

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Casos de Estudo Emergentes

Ao longo deste capítulo foram sendo mencionadas várias práticas emergentes da arquitectura portuguesa para a análise dos tópicos assentes nos fenómenos bottom up e auto organização. Mesmo balizando a amostra numa geração de arquitectos nascida no Pós 25 de Abril e que constituíssem ateliê neste novo milénio, constatamos que a amostra é extensa e diversa. A pertinência das escolhas foi sendo feita no enquadramento dos temas e na procura de vários exemplos. Contudo admitimos que alguns nomes ficaram por mencionar, outros em que se dissertou pouco e que outros não se consideraram relevantes para este discurso. A próxima amostra tem como objectivo a percepção do cenário bottom up na consideração dos termos atrás analisados: a diversidade e a comunicação. Dessa forma enquadramos estas dicotomias em três casos de estudo – MOOV, Plano B e AUZprojekt. Os primeiros enquadram-se numa emergência multidisciplinar, ecológica, representativa e gráfica da arquitectura e outras for-mas de expressão artística; os segundos pela emergência pura de alternativa, de invenção, e rein-venção das técnicas lowcost na integração de outros sistemas construtivos; os terceiros pela emergência de experimentações críticas e políticas na arquitectura e o seu papel como “actor” comunicativo e social, que vindos da Escola do Porto suscitam a curiosidade pela discussão de continuidade ou descontinuidade pedagógica. Esta escolha não invalida todas as outras possíveis, foram aquelas que se acharam pertinentes para o conceito e praticabilidade da emergência na arquitectura portuguesa.

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fig 58. ateliê MOOV; fig 59. (página seguinte) equipa MOOV, imagens retiradas do suplemento “Geração Z” Arq|a nº51

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MOOV

“Os” MOOV (Lisboa) apresentam-se como um estúdio de arte e arquitectura, operando na

aproximação a diferentes campos de acção pela intercepção da arquitectura com outras áreas do conhe-

cimentos, sejam elas criativas ou técnicas40. A formação principal foi constituída no ano de 2003 pela colaboração dos arquitectos António Louro e João Calhau (ambos formados na pela Fa-culdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa) e do designer gráfico José Niza. Independentemente dos percursos formativos, nos quais não assumem nenhuma influência ou ideologia relevante, observamos que os seus percursos profissionais antes e depois da formação dos MOOV enunciam a complementaridade da sua participação no estúdio com os trajectos individuais: Arq. António Louro colaborou com o gabinete holandês KCAP Ar-chitects and Planners antes dos MOOV e actualmente lecciona arquitectura na Universidade Lusófona; o Arq. João Calhau integrou os gabinetes Contemporânea e Utopus em Lisboa, e desde 2005 que também trabalha na Norgesp; José Niza vai desenvolvendo o seu trabalho pessoal paralelamente com a colaboração nos MOOV.

Sobre a ideia de grupo, os MOOV assumem a sua postura colectiva como adisciplinar na mistu-

ra de criadores, ferramentas e modos de pensar de diferentes campos, na criação dos seus projectos, e que com esse disposicionamento surjam novos ângulos de abordagem ao mesmo problema41. A constante partilha da autoria dos seus trabalhos com artistas, performers e outros gabinetes de arquitectu-ra revela-se emergente na optimização das redes sociais como input externo relevante no pro-

40 http://www.moov.tk/ (28/08/2011)41 MOOV. (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009) pp. 69

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jecto para atingir a competitividade criativa dos mercados contemporâneos. Não se retratam como um gabinete multidisciplinar na actuação distinta em diferentes áreas, mas antes numa interdisciplinaridade a partir do contributo equilibrado de todas as partes constituintes das equipas destacadas para cada projecto. Com o passar do tempo esse posicionamento revelou o interesse do ateliê no desafio dos limites contemporâneos da arquitectura, na potencialidade de interacção com outras áreas performativas e criativas pela actuação de dinâmicas mais efé-meras. Tomemos como exemplos os projectos “Seta Amarela”, uma performance desenvolvida na reflexão dos diferentes usos e interpretações da comunicação e dos símbolos contempo-râneos realizada entre 2004 e 2006 para diferentes clientes/eventos; o “objecto catalisador” áudio visual “Scape”, apresentado na Trienal de Arquitectura de Lisboa de 2007; a instalação “Soap Catharsis Wall” (2009) que substituiu os tijolos que faltavam nos muros e edifícios da Rua Ciasna (Torun, Polónia) por “tijolos” de glicerina luminosos com várias mensagens de modo a enfatizar as cicatrizes que nos contam uma história invisível de confl ito abandono e evolução42.

As escalas e os programas sobre os quais desenvolvem as suas participações vão variando, mas observamos um interesse constante pelo que são temas e paradigmas globais comunitários, sociais e ecológicos. Tomamos conta que a diversidade das suas actuações e intervenções reve-la-se não só na intercepção da arquitectura com outras áreas criativas e técnicas, mas também pela abertura participativa dos seus processos às comunidades e aos seus utilizadores por via de soluções mais “instantâneas” tipo low cost/ low budget/ ready made – “Tecer a Cidade” (2008) e “Bairros Críticos” (2009/2010). São intervenções muito em voga hoje em dia, no desafio da potencialidade social e comunitária presente nesses fenómenos contemporâneos das “indús-trias criativas”. No entanto, não acreditamos na consideração destes casos como relevantes para a emergência da arquitectura, na medida em o produto final pertence a uma questão do foro cívico individual pelo conhecimento criativo, e nem tanto sobre o papel do arquitecto enquanto “técnico” de soluções construtivas, habitacionais e urbanas. Por outro lado um caso bastante revelador foi o projecto “Forwarding Dallas” (Dallas, EUA, 2009) com a colaboração do gabinete lisboeta atelierDATA. Este projecto ganhou o 1º prémio (aguarda-se a sua cons-trução), por levar para a cidade de Dallas (www.revision-dallas.com) uma reposta/solução assente em determinados princípios base que podem servir de referência a outras cidades do

42 http://www.moov.tk/ (28/08/2011)

fig 60. Performance“Seta Amarela” (Lisboa, 2006)fig 61. Instalação”Scape” (Lisboa, 2005)

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mundo que enfrentam os mesmos paradigmas da sustentabilidade, funcionando como protóti-

po de construções futuras43. Envolto numa equação de conceitos como “interacção da comunida-de”, “ecologia”, “agricultura urbana”, “maximização solar”, “habitação verde”, “cobertura ver-de”, “painéis foto - voltaicos”, “sistemas de rega e arrefecimento sustentáveis”; as montanhas e vales deste projecto desenham a complexidade do quarteirão de habitação e comércio numa estratégia urbana paralela a uma linguagem arquitectónica e sistema construtivo ecológico. Tudo parece “natural” no suporte “físico” dos termos conceptuais do projecto. Uma resposta específica para uma situação global. Este tipo de abordagem vem no seguimento de outros projectos anteriores (também feitos na participação de concursos), igualmente reconhecidos, que perseguiam a experimentação desses mesmos conceitos de sustentabilidade e ecologia – “Casas PAX” (Silves, 2005) e “Habitats Abertos” (Ilhas Galápagos, 2006) – revelando um interesse em trabalhar com esses temas emergentes (ou da “moda”) a partir de estratégias conceptuais e “visuais” de mercado que hoje em dia revelam-se como “as alternativas reais”. Positivamente ou não, “Forwarding Dallas” é o projecto mais publicado do gabinete tanto na imprensa da especialidade como na generalista, nacional e internacional (Detail Green; Architecture and Culture; Atittude; Visão; Arq|a), desenhando um cenário mediático inte-ressante para um gabinete que pouca ou nenhuma obra tem construída.

Entendemos que este mediatismo emergente decorre paralelamente com a consciência co-municativa da arquitectura contemporânea, em que os MOOV mostram ser um caso atento e de referência nacional (como foi referido no capítulo anterior). A forma como encaram a representação comunicativa dos projectos e as plataformas Web que vão gerindo, observa-mos um cuidado e um preciosismo inerente à criação de uma “imagem”/marca do “grupo”. Todos os elementos e instrumentos de comunicação detêm uma influência transversal do Web design e do design gráfico. Retemos isso na simplicidade com que o utilizador é levado a interagir com o site (www.moov.tk), nos links que o levam à descoberta da “rede” de ope-rações dos MOOV, pelo letring “cru” a negro e amarelo proeminente pela mensagem escrita. A atitude “urbana” lembra-nos outras formas de expressão contemporâneas como a street art,

43 http://moovblog.blogspot.com/2009/06/atelier-data-moov-win-revision-dallas.html (28/08/2011)

fig 62. Projecto “Habitats Abertos” (Ilhas Galápagos, 2006), estratégias de implantação, esquemas funcionais, imagens virtuais

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“Forwarding Dallas” (Dallas, EUA, 2009)

fig 63. (cima) Perspectiva geral; fig 64. Imagem virtual

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fig 65. Esquemas de implantação e de conceito do projecto; fig 66. Esquemas de áreas, tipologias e organização do programa

fig 67. Estudo de insulação; fig 68. pormenores de revestimento da fachada e de funcionamento do estore personalizado

fig 69. Fachada(s) Sul 0 12m

fig 71. Fachada(s) Norte 0 12m fig 72. Fachada(s) Norte0 24m

fig 70. Vista geral

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fig 73. Projecto “Casas Pax” (Silves, Portugal), esquema de conceito e funcionamento, funcionalidade energética, imagem virtual,

vai sendo similar à forma como apresentam os projectos com “nomes” fortes, sem fazer dis-tinção entre o que é projecto de arquitectura, performance ou instalação. Todos os projectos são apresentados da mesma forma, rápida e intuitivamente convidando o utilizador a seguir as hiperligações, “construindo” o conceito e vendo o resultado final na fotografia ou no render. Nenhuma informação é superficial, seja na apresentação do grupo, da sua ideologia (primeira mensagem do site), nos links externos (para o blog do gabinete) e nos contactos mostrando a localização do escritório com uma aplicação do Google Maps. O blog (“moovblog.blogspot.com”) criado em 2006 é uma plataforma mais livre, actuando nas dinâmicas dos trabalhos do gabinete, artigos de opinião e divulgação de exposições, conferências e outros interesses. Diríamos que para os MOOV a transversalidade da comunicação é encarada em todas as dimensões da “imagem” e como esta assenta naturalmente no seu trabalho. Recordamos o projecto “SWARS - Architectura Strikes Back” (MOOV + DASS, 2010), publicado na revista Beyond nº3 “Trends and Fads”, uma “sátira arquitectónica” em volta do tema da mediatização da arquitectura do starsystem convertendo edifícios ícone contemporâneos em naves espaciais que lutam entre si pela conquista suprema da galáxia.

É certo que o pixel nunca há-de substituir completamente o papel, do mesmo modo que

não há-de ser um tag de rodapé que vai salvar a fl oresta amazónica. Mas a realidade

é que não basta falar. Já entrámos na Era Bio e na moda Eco.44

Tal como a componente comunicativa a representação dos projectos do MOOV assenta na valorização virtual e cénica pela dimensão gráfica com que as propostas são apresentadas e compreendidas. A representação comunicativa funciona como uma síntese das ideias concep-

44 MOOV. Pixel vs Paper. http://moovblog.blogspot.com/2009/01/linhas-do-pensamento.html (28/08/2010)

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tuais do próprio projecto, pela explicação construtiva das estratégias e dos objectivos de cada trabalho por esquemas e diagramas funcionais até à sua execução. O uso da simulação virtual com renders e fotomontagens opera nessa síntese como a clarificação final do projecto.

A emergência de ateliês como os MOOV fazem-nos sintetizar de forma exponencial os fe-nómenos da diversidade e comunicação em que a arquitectura contemporânea pode ser in-terpretada e manobrada. As suas práticas e estratégias aproximam-nos de um contexto global inspirado num cooworking físico e experimental, mas que pode ser ao mesmo tempo espe-cífico e interventivo. Características que reflectidas na arquitectura portuguesa induz uma abertura ao Outro na diversificação da sua capacidade evolutiva.

fig 74. Publicação “SWARS” (2010) - publicado na revista BEYOND #3 “Trends and Fads”

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fig 75. “Permanência vs Impermanência” (Plano B) imagem retirada do suplemento “Geração Z” Arq|a nº 57; fig 76. (página seguinte) equipa Plano B

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Plano B

O ateliê Plano B (Lisboa) foi criado em 2002 pelos arquitectos Eduardo Carvalho, Francisco Freire e Luís Gama. Apresentam-se com um posicionamento crítico, experimental e radical na exploração dos temas da escassez, reutilização e sustentabilidade através de sínteses tecno-lógicas entre o tradicional e o contemporâneo. Na leitura de um mundo envolto pelo media-tismo e carregado pelo consumismo, encaram a sua postura como alternativa e reaccionária no encontro da arquitectura com os debates e paradigmas sociais e ecológicos do planeta.

Revisitando a poética dos materiais das obras de Kengo Kuma ou a experimentação formal e constru-

tiva das obras do Shigeru Ban 45, o Plano B vai questionando as convenções e os preconceitos da construção numa postura participativa e contextualista de obra para obra. Encontram essa ideologia na conjugação e exploração de matérias naturais (terra e palha), nos sistemas estru-turais, com materialidades artificiais (alcatrão e outros derivados do petróleo) nas superfícies expostas. A emergência desta dicotomia é o reflexo de uma postura acrítica no debate dos conceitos do natural vs artifi cial, permanência vs impertinência, lucro vs sustentabilidade 46. Diría-mos que a preponderância destas questões é um desafio complexo e criativo na relação entre a ética e a estética, lembrando outras ideologias do mesmo género como as de Lacaton e Vas-sal com a pertinência da efemeridade na arquitectura. Por outro lado a postura participativa aproxima o Plano B de outras estruturas mais voluntárias presentes em produções contem-porâneas no “mundo emergente”, (América do Sul, Continente Africano, Índia) de extrema

45 Jornal Arquitectos. Nº 223. Escassez. Abril – Junho, 2006. pp. 10246 Plano B. Suplemento Geração Z Arq|a nº 57 (Maio, 2008). Da 99 à 106

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fig 77. ; fig 78 e fig 79. Exposição “Geraçã Z ciclo #1” (Lisboa, 2010) fig 80. “Homeland” (Bienal de Cerveira, 2007)

contenção de custos como os R&Sie, Rammedearth, Anna Heringer and Eike Roswag, ou num “mundo de conflito e catástrofes” como actuam as organizações Architecture for Huma-nity, a Relief International, Kleiwerks International.

A valência construtiva das suas produções é implementada numa abordagem sobretudo con-textualista e tradicional. O plano B integra a arquitectura no desafio das materialidades atra-vés de sistemas e métodos construtivos fora do mercado “comum”, como a construção em adobe, tabique e terra. Dessa forma o desenvolvimento dos seus projectos tem-se feito sobre-tudo em contextos rurais, com a construção de pavilhões, pequenas casas e outras estruturas. Destacamos aqui a construção dos pavilhões de apoio agrícola (2005) em Alco-chete, em que se exploram as potencialidades de elementos pré-fabricados como blocos de cimento celular para as fundações, painéis modelares de madeira, chapas galvanizada para a cobertura apoiada numa estrutura de madeira, a utilização fardos de palha, corda, tela plástica, rede de gali-nheiro galvanizada, rebocos de cal para a construção das paredes autoportantes (responsáveis pela sustentabilidade ecológica e térmica do projecto), e óleo queimado das máquinas agríco-las para protecção das madeiras. A enfermidade dos pro-cessos construtivos tem funcionado também em pequenas demonstrações expositivas e workshops que vão servindo como parte da construção dos seus projectos e na divulgação dos sistemas construtivos inerentes – parti-cipação na Feira Terra Sã (2002 e 2003), “Home-land” na “Bienal de Cerveira 2007” e o espaço expositivo do grupo na “Exposição Geração Z, ciclo #2” (Lisboa, 2010).

Dada a pequena escala das suas produções, a metodologia do grupo é tricéfala e encontra no colectivo as individualidades necessárias para a complementaridade das suas estratégias. Porém todos os elementos do grupo assumem um papel activo e participativo na construção dos projectos e protótipos assim como a colaboração externa na execução dos mesmos. Ser-

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vimo-nos do exemplo do pavilhão “Colunas de Terra” (Benedita, 2007) feito na colaboração do Plano B com a associação “Barafunda”, com o objectivo de envolver a comunidade local nas actividades da associação. O projecto desenha-se com 9 colunas feitas a partir de uma mistura do solo local e palha sustentam uma estrutura em madeira de pinho coberta com uma membrana translúcida, que vai buscar as referências assumidas da casa Farnsworth (Mies van der Rohe) e as Bamboo Grid Shell Structures (Shigeru Ban).

Apercebemo-nos que o envolvimento insistente sobre a experimentação construtiva revela uma inquietação constante na evolução da sua prática arquitectónica, o que em si revela sinais emergentes em descobrir processos que actuem de forma simples sobre os seus propósitos práticos e pragmáticos com a comunidade. Em conversa com o Arq. Eduardo, este dava o exemplo da “Casa da Arruda” (2008) como uma experiência interessante nesse envolvimento entre o cliente e o arquitecto em que a dada altura o primeiro revelava sinais positivamente entusiastas com o decorrer da construção. Este caso especifico tem outra particularidade em que a emergência que se mostrou transversal: durante a construção da casa foi criado um blog específico - planob-arruda.blogspot.com - pelo Plano B em parceria com o dono da obra, que durante 8 meses serviu de plataforma de divulgação da obra e dos trabalhos, integrando constantemente a actualização via Web de toda a construção. Este processo “virtual” acabou por atrair desconhecidos, seguidores do blog, que pela curiosidade foram respondendo aos ape-los oferecendo mão-de-obra voluntária na construção da casa.

O projecto da “Casa da Arruda” mostra-nos a integração de técnicas construtivas tradi-cionais e contemporâneas na concepção habitacional. Sobre o limite de uma pré-existência dese-nhou-se um pequeno e modesto “pavilhão” habitável de rigorosas proporções e ritmos, in-versos pelas portadas de madeira que cobrem os vãos, e o policarbonato translúcido que

fig 81. “Colunas de Terra” (Benedita, 2008), planta, alçados, axonometria explodida, perspetiva geral, voluntários que participaram na construção

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fig 82. Perspectiva exterior; fig 83. perspectiva interior

fig 84. Implantação sobre planta topográfica

fig 86. Alçado Sul

fig 88. Corte B

fig 87. Alçado Oeste

fig 89. Corte A

“Casa da Arruda” (2008)

fig 85. Planta 0 2m

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fig 90. perspectiva da estrutura de madeira; fig 91. preenchimento das paredes com terra e palha

fig 92. Pormenores constructivos dos vãos exteriores fig 93. Axonometria Expodida

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esconde o revestimento térmico de cortiça das paredes exteriores. Seguindo a “tradição”, toda a estrutura da casa é de madeira de pinho assente numa plataforma de betão com a pedra da pré-existência para regularizar o terreno. A composição das paredes exteriores é feita de policarbonato, cortiça, e implementado o sistema tabique em tudo o que é interior com a terra, palha, madeira, reboco e cal. É um projecto que se enquadra nos paradigmas actuais da sustentabilidade, do trabalho voluntário e participativo, fomentando uma proposta singular, crítica e “alternativa”, conquistando um pequeno espaço para a interrogação de outros modus

operandi. A emergência destes sistemas construtivos no debate dos factores da sustentabili-dade e da gestão dos recursos naturais, faz com que a “Casa da Arruda” seja uma das obras mais referenciadas do ateliê do ponto de vista da sua publicação e divulgação - “Habitar 2006-2008”, “YearBook 2008-2009, Arquitecura em Portugal”.

Recapitulando o episódio do blog da “Casa da Arruda”, o Plano B repetiu o formato diário de obra noutros projectos, “Colunas de Terra” (planob-barafunda.blogspot.com), “Casa do Gar-rano” (planob-garrano.blogspot.com) (Ourém, 2009) e “Songline the Idea” (planob-songline.blogspot.com, songline-diary.blogspot.com) (E.U.A., 2009). Este último projec-to, nasceu a partir de um convite para a realização de um workshop em El-Rito (Novo México), no qual o Plano B aproveitou o propósito da viagem para realizar mais 5 worshops durante a travessia do país da costa este à costa oeste. O projecto transformou-se numa viagem crítica ocidental no

entendimento da demonstração das fragilidades do modelo capitalista e da expectativa trazida pela nova

presidência do E.U.A47. Dessa forma decidiu-se que cada workshop teria o objectivo de cons-truir uma palavra utilizando as técnicas tradicionais e os materiais naturais com a finalidade de exprimir uma ideia alternativa na percepção do progresso: We must learn to hope in the absence

of na expectation of progress48. Retiramos destes processos um entendimento emergente na lei-tura da arquitectura sobre os processos transversais da comunicação global.

Por outro lado esta dicotomia entre os sistemas high performance/low tech não ostenta gran-de cumplicidade com os processos representativos da arquitectura. Na opinião deste ateliê as “imagens de arquitectura” são muitas vezes insinuosas de prazer e relaxe ou satisfação, uma

paródia do que a vida é; a arquitectura é o cenário da vida que inclui o confl ito e a morte, algo que a

cultura da imagem dos arquitectos, tendem a subtrair 49. Isto reflecte-se na atenção dada ao desenho bidimensional como instrumento primordial de representação. As axonometrias e os detalhes construtivos rigorosamente explicados são a abstracção mais próxima da certeza de que o conceito e as materialidades se conjugam de forma exequível.

Julgamos que o Plano B detém a sua arquitectura como uma disciplina preferencialmente construtiva no processo arquitectónico. Cada obra aborda princípios e experimentações di-versas entre a pertinência da estratégia e integração dos paradigmas pelos quais o grupo se rege. Pensamos que a integração das suas práticas no contexto da arquitectura portuguesa

47 http://planob-songline.blogspot.com (1/09/2011)48 http://planob-songline.blogspot.com (1/09/2011) 49 PLANO B. (Entrevista). Revista Arq|a (84/85 – Set/Out 2010). pp 55

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Emergências Recentes na Arquitectura Portuguesa

pode mostrar-se antagónica pela forma como abordam os temas da sustentabilidade e da “eco-arquitectura”, que apesar de contemporâneos, ainda se encontram em “digestão” pela sua aplicação a um contexto mais generalista. No entanto esta consciência emancipada de preconceitos revela-nos outros campos na experimentação arquitectónica que encaramos como positivos na emergência de uma arquitectura portuguesa.

fig 94. “Songline the Idea” (EUA, 2009), montagem final; fig 95. palavra “Progress” em freante à escultura de A. Kapoor (Chicago, 2009)

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fig 96. Proteção para pés de cadeira; candeeiro de betão (2004); fig 97. (página seguinte) equipa AUZprojekt

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AUZprojekt (Póvoa de Varzim) é um ateliê de arquitectura com um posicionamento ideolo-gicamente indefinível, operando na potencialidade dos temas políticos, críticos e irónicos da contemporaneidade com a curiosidade de mexer nas coisas1 e na arquitectura. Foi formado em 2003 por Jorge Lapa, José Macedo e Pedro Santos (1977), todos arquitectos pela FAUP2, adoptando a fonética da palavra “casa” na hegemonia das marcas e produtos especiais3.

Retiramos do “portfólio” dos AUZprojekt que a experimentação de cada projecto vai sendo feita em conjugação com seu contexto e propósito. Agrada-lhes tanto a ironia do placar pu-blicitário servindo como pele de um módulo habitacional urbano (“S.U.F.”, Tektónica 2003), como o ritmo dos ripados de madeira na aspiração ao conforto exterior da casa que avista o mar (“Casa Dr. Reginaldo Spenceire”, Vila do Conde, 2008). Assim como o carácter efémero da reutilização de contentores para casas de férias (“S.F.O.”, Tektónica 2006), como a “pedra à vista” na casa se rural que se recuperou (“Casa Beiriz”, Póvoa de Varzim, 2009). É vista sem preconceito a contradição perene que um mesmo método arquitectónico pode criar. Um método tricéfalo interessado na articulação de ideias de cada elemento do grupo alcançando os campos inacessíveis a uma posição solitária ou hierarquizada4.

1 Termo retirado do texto: AUZprojekt,Suplemento Geração Z, Arq|a (nº65, 2009) 2 Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto3 AUZPROJEKT, (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 1414 AUZPROJEKT, (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 141

AUZprojekt

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Julgamos que o entendimento do papel do arquitecto como agente multidisciplinar é enca-rado á priori na metodologia e sustentabilidade deste ateliê. Contudo é uma multidisciplina-ridade centrada a um nível conceptual, uma crítica, provocando e enaltecendo o confronto da arquitectura com a componente social, económica, e política. Vejamos a proposta “III-Investimentos Imobiliários”, para a Trienal de Arquitectura de Lisboa 2007 – Vazios Urbanos. Nesta participação, os AUZprojekt, propunham uma “escultura”, uma peça interventiva que não pretendia actuar no espaço mas sim despertar a responsabilidade ética do arquitectos e da sua comunidade para a importância da construção dos vazios e cheios de que cidade é natu-ralmente feita - um lápis. Um lápis na metáfora ao desenho do espaço público, ou à ausência dele. Um lápis que constrói destruindo, e destrói para a construir, gerindo a audácia do fazer “alguma coisa” e do não “fazer nada”, uma dupla dimensão ética. Porque é melhor o vazio de um

não-projecto que a contínua manufactura da projecção de uma produção que, densifi cando o imaginário,

o atravanca funcionalmente lançando-o no encantamento de uma deriva sem retorno à própria lógica

de cidade.5

Numa alternativa à construção, o trabalho dos AUZprojekt debruça bastante interesse sobre o tema da reciclagem e da reutilização de objectos que vulgarmente assumem presença em situações “externas” à arquitectura dela - o painel publicitário, o andaime, o contentor. No seu entendimento estes podem ser parte integrante da arquitectura ou arquitectura no seu todo, quando compostos de determinada forma para determinado propósito. As participações nos concursos Tektónica em 2003 e 2006 mostram-nos propostas diferentes dentro desse tema. O projecto “SFU6 - Social Furniture Urban” (2003) considerava a integração de células ha-bitacionais de carácter temporário na cidade para suprimir as necessidades dos sem abrigo coma manipulação de quatro objectos urbanos comuns: um banco, duas paragens de trans-porte público (de tamanhos diferentes), um quiosque. Ao banco adicionava-se a hipótese de

5 AUZPROJEKT, III-Investimentos Imobiliários, http://www.auzprojekt.com/iii-investimentos-imobiliarios-de-intervencao/(9/09/2011)6 Consultar: http://www.auzprojekt.com/suf-social-urban-furniture

fig 98. Serviço Férias Obrigatório (concurso Tektónica 2006) fig 99. III-Investimentos Imobiliários (Trienal Lisboa, 2007)

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albergar um cacifo, e aos restantes objectos associavam-se abrigos em “forma” de contentor num piso elevado do chão. O projecto “S.F.O.7 - Serviço de Férias Obrigatório” (Tektónica 2006) abordava o mesmo tema da “reciclagem” e dos contentores na criação de casas de férias. Este projecto só concebe um objectivo: ironizar o facto de o governo português, em 2004, ter gasto oitocentos e dezoito milhões de euros na compra de dois submarinos para as Forças Armada. Os AUZprojekt propuseram para este projecto a construção de casas de férias à beira mar para todos os habitantes portugueses pelo mesmo montante. Importa mais o valor da mensagem do que concepção da arquitectura.

Este tipo de posturas fazem recordar as produções dos franceses Lacaton & Vassal conceptu-alizando os sistemas de construção das estufas, os EXIT com utilização do andaime em per-formances expositivas, assim como os WEST 8 ou Didier Fiuza Faustino na reciclagem do uso do contentor. Todas elas têm de alguma forma um significado social ou paradigmático com a contemporaneidade. Os AUZprojekt parecem ambicionar as mesmas questões com este tipo de experimentações de carácter mais efémero. Tomemos como exemplo mais dois projectos: “TUB” (2004), módulo habitacional com 1,20 m de largura dividido em 3 pisos, construído a partir das estruturas simples de andaimes, e o “XOU” (2004), um pequeno pavilhão urbano para performances artísticas.

Estas posições podem ser questionáveis, ou mesmo ironizadas em si mesmo, correndo o risco de se tornarem caricaturas. Um lado menos sério da arquitectura, que num legado da Escola do Porto talvez não pareça “pedagogicamente aceitável” (pelo menos desta forma). Como os próprios afirmam: formámo-nos, quase sempre, numa inclinação ao contrário8. Julgamos que este tipo de atitudes centra-se objectivamente no acto da arquitectura enquanto exercício mental e experimental, numa abordagem reflexiva das suas inquietações. Por outro lado estas

7 Consultar: http://www.auzprojekt.com/sfo-servico-de-ferias-obrigatorio/8 AUZPROJEKT, (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 139

fig 100. XOU- Street Pavilion (Concurso Peepshow, Canadá, 2004) fig 101. TUB-Construir é já Habitar (2004)

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fig 102 e fig.103. Perspectivas exteriores

“Casa Dr. Reginaldo Spenceire” (Vila do Conde, 2008)

fig 106. Planta piso 1

fig 104. Planta piso -1

fig 107. Planta piso 2

fig 105. Planta piso 0

0 2m

A A

A A

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Emergências Recentes na Arquitectura Portuguesa

fig 108. Perspectiva interior; fig 109 e fig 110. Perpectivas exteriores

0 2m

fig 111. Corte A

fig 112. Alçado Poente

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inquietações tornam-se ambíguas de avaliar quando em 2008, os AUZprojekt apresentam o projecto da “Casa Dr. Reginaldo Spenceire”. Se a busca anterior ia sendo feita nas materiali-dades industrializadas, nos elementos standart, na percepção do efémero, a casa em Vila do Conde aborda paradigmas diversos, numa arquitectura mais gestual, austera, com texturas e ritmos e “guardas manufacturadas”. Reconhecemos que se trata de uma encomenda privada e que eventualmente a liberdade para trabalhar não terá sido a mesma com que se elabora um concurso. No entanto não seria de esperar neste projecto, uma reflexão mais livre dos temas habitacionais, ao contrário de uma avaliação contemporânea “aceitável”, com lages de betão, muros em basalto, portadas de madeira? Mais uma vez a contradição será o facto de se sentirem “bombeiros” sem protocolo9.

O sentido descomprometido deste ateliê assume uma maior presença na forma como comu-nicam os seus projectos. As imagens têm um aspecto “cru”, essencialista, sem muitos “tru-ques” ou efeitos de Photoshop, uma espécie de colage publicitária com a arquitectura a servir de cenário a vários elementos desconexos. Outro exemplo é a primeira mainpage do ateliê (oldsite.auzprojekt.com): um conceito em forma de jogo Spectrum, onde o visitante é convi-dado a ser personagem, a andar de skate, a conduzir um carro no objectivo de percorrer um pequeno cenário urbano onde se encontram os projectos expostos. Actualmente possuem uma plataforma mais dinâmica em forma de site/blog (auzprojekt.com), que além do mostru-ário selectivo dos projectos, serve de “caderno de obras”, e de relatos escritos.

Por outro lado a normativa deste ateliê também se encontra nos aspectos tácteis físicos da arquitectura, no lado da construção e da obra10. Observamos isso com a casa em Vila do Conde, em que se deu à arquitectura o aspecto “templo” e não a hipótese de ser elemento catalisador ou performativo como noutros projectos. Talvez seja um gosto natural, talvez seja um res-quício de algum legado (“bom filho à casa torna”), ou apenas a vontade de trabalhar na ambi-guidade, de não ter uma ideologia ou linguagem fixa, pois ser coerente também pode levar à estagnação. Os AUZprojekt enaltecem o desejo de fazer o que se acha necessário:

Se não for preciso desenhar melhor. Até achamos que essa “exaltação do desenho” só

pode ser feita por quem fi cou órfão de todas as outras técnicas.11

9 AUZPROJEKT, (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 14010 BAPTISTA, Luís Santiago. Editorial Geração Z #1. Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp711 AUZPROJEKT, (Entrevista). Revista Arq|a (75/76 – Nov/Dez 2009). pp 141

fig 113. SFU - Social Furniture Urban (2003)

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Emergências Recentes na Arquitectura Portuguesa

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ACAO ALIZCRIST

Reflexões sobre a Emergência na Arquitectura P O R T U G U E S A

fig 114. (página seguinte) capa do album Yellow Submarine dos Beatles 1969

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Ao longo deste estudo fomos incitando de forma conclusiva os tópicos e os temas abordados. Acreditamos que o objectivo foi cumprido em resposta à problemática crítica e curiosa exis-tente á priori: arquitectura portuguesa emergente entre os anos de 2000 e 2010, na compre-ensão dos seus métodos, estruturas, estratégias, temas e linguagens, pela representação dos processos internos externos inerentes. Sobre estes foi-nos apontada a consciência das inter-pretações, factualidades, diversidade e da comunicação num tipo de discurso opcionalmente crítico e ambicioso nas suas afirmações. Tem-se a noção que seria mais seguro entrar numa normativa descritiva dos processos históricos e críticos, do que apontar o dedo à passividade dos discursos, à discussão dos termos, à relevância dos símbolos da arquitectura portuguesa.

O retrato da emergência na arquitectura portuguesa é extenso e complexo de avaliar. Por outro lado, julgamos ter reunido os factores e os intervenientes necessários para a sua disser-tação ainda que tenham escapado alguns, outros levianamente entendidos, outros entusiasti-camente absorvidos. Para uma reflexão final sobre o tema e sobre todo o estudo, sugerimos dois tópicos na continuidade daqueles que foram apontados na introdução:

Conclusões Prospectivas

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Os factores de mudança

A estrutura escolhida para o desenvolvimento deste estudo reunia temas e acontecimentos sobre quase 50 anos da arquitectura portuguesa, desde a realização do Inquérito à Arquitectura

Portuguesa (1955-60) até ao ano 2010. Todos os factos foram importantes para perceber a evolução do panorama arquitectónico e compreender os seus factores emergentes Porém a compreensão destes últimos dez anos de arquitectura deverá ser feita sobretudo na leitura da pós-modenidade, ou seja a partir dos anos 80. Falamos das transformações económicas e culturais que a arquitectura portuguesa percepcionou com a adaptação à democracia, a entra-da do país na U E., a abertura das fronteiras europeias e a democratização do ensino, visíveis na dicotomia entre a percepção e a intercepção dos paradigmas pós-modernos na sociedade portuguesa. Assistimos à habilidade erudita de desprezar a influência das estruturas políticas na actividade e, de reconhecer sobre si uma ideia de identidade portuguesa, assente no for-malismo e materialismo das interpretações de Álvaro Siza e mais tarde de Eduardo S. Moura.

Estes factos levam-nos assinalar uma condição fulcral sobre os estigmas arquitectónicos por-tugueses contemporâneos, que foi a emergência da arquitectura no seio da sociedade, através dos meios de comunicação. Mais ou menos generalistas e especializados, jornais, revistas e televi-são, o crescimento da cultura arquitectónica foi consciencializando leigos e profissionais à emancipação da arquitectura pós-moderna, ou ainda “moderna” para alguns, nas linguagens puristas e abstractas das “caixas de fósforos” de “linhas direitas”, ao discurso banalizado entre o “estético” e do “funcional”. Uma condição emergente com o reconhecimento internacional de Á. Siza e o seu estrelato por antagonismo nos anos 80, e mais tarde, na individualidade influente do seu papel como arquitecto, como persona de cultura e de valor simbólico nacional. Esta emergência da arquitectura trouxe por arrastão todo o mediatismo seguinte na ostentação da pedagogia da Escola do Porto, o valor do desenho, da história e do lugar. Assim como a figura de E.S. Moura enquanto seguidor do legado dessa identidade, no minimalismo conceptual tão apetecível para a plasticidade arquitectónica dos jovens arquitectos dos anos 90. Uma noção de identidade reconhecida numa aspiração formal e poucas vezes na interpretação crítica da mesma

Por outro lado, os factores da mobilidade e a emergência de uma cultura arquitectónica abriram os horizontes físicos e mentais para outras experimentações no inicio dos anos 00. Começaram a existir entendimentos paralelos à noção da identidade portuguesa, através de

uma experiência de imersão prologada em contextos exteriores1, nas práticas americanas, holandesas e suíças (ARX, a.s*, Nuno Brandão), a integração das influências da arte e cenografia (Ber-nardo Rodrigues, João M. Ribeiro), o uso das TIC como método criativo (Marcos Cruz), ou aspectos mais tectónicos de origem industrial entre a arquitectura e o design (Guedes & deCampos). A leitura da identidade passou a fazer-se sobre um contexto de diversidade, não só do ponto de vista formal e linguístico, como também no discurso expansivo na integração de outras práticas na leitura representativa da arquitectura.

1 PEREIRA, Luís Tavares. Relatório Minoritário. Influx, Arquitectura Portuguesa Recente. (2003). pp 159

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Conclusões Prospectivas

A permanência dessa diversidade no tempo mostrou ser neste estudo, um dos factores emer-gentes desta década. Esta constatação afirma-se na análise efectuada no último capítulo. Ob-servamos que não só os factores da mobilidade e do desenvolvimento tecnológico foram e são importantes, como os paradigmas sociais, culturais e económicos contemporâneos. O mercado competitivo, economia de recursos, a relação insustentável da procura/oferta, são algumas das condicionantes observáveis às quais não podemos ser cépticos. Dessa forma re-estruturam-se as estruturas internas dos ateliês, à procura de novos campos para trabalhar e experimentar formas de arquitectura. Apelou-se a um papel comunicativo do arquitecto à in-tegração deste com interacções sociais e culturais. Por exaltação de contradição, entendemos que um arquitecto experiente no panorama pós-moderno como Manuel Graça Dias, enalteça o facto de que a sua geração sempre se viu a fazer arquitectura, e que pejorativamente os as-pectos valorizados hoje são a “Originalidade a todo o custo” e “situações holandesas”2. A realidade é que Portugal não é o país de à 30 anos atrás, o contexto foi-se alterando e arquitectura parece um pouco modificada nos seus valores, nos seus símbolos e nas suas referências. A diversida-de de hoje torna a arquitectura portuguesa difícil de arbitrar. Mas não será isso também um sinal emergente? Julgamos que a identidade da arquitectura portuguesa é a sua capacidade de mistura e combinação de contextos diversos na interpretação dos signos e instrumentos da contemporaneidade. Nesse sentido a diversidade será uma valência emergente.

A cristalização da emergência

“A cristalização de um fenómeno bottom-up que se mantém no tempo” é uma das prin-

cipais “leis da emergência”.3

Talvez possamos equacionar neste discurso a possibilidade das práticas emergentes, que fo-mos apontando ao longo do estudo, se fixarem no panorama arquitectónico português. A complexidade da resposta é tão maior quanto a capacidade da sua especulação. Até à reali-zação deste estudo, estas práticas têm uma idade média de 8 anos. Algumas começaram na “garagem”4 e hoje alugam ou compram o seu openspace em forma de “andar” na baixa, outras já tiveram esse “andar” mas regressaram à “garagem”, outras vão remodelando a “garagem” para que esta não pareça (que) “tão na mesma”.

Sabemos que este processo de fixação de um ateliê de arquitectura demora tempo e requer fundos, e para isso é necessário ter encomenda ou participar em concursos, e se possível ganhá-los. No entanto a encomenda é rara para estes ateliês e os grandes concursos são mui-

2 DIAS, Manuel Graça. (Entrevista). Arq|a (84/85-Set/Out 2010). pp 263 JOHNSON, Steven. (2003). Emergência–A vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares. (Tradução: Maria Carmelita Pádua Dias). pp. 794 O termo “garagem” é referido às bandas de música que encontram nesse espaço a primeira sala de ensaios.

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tas vezes restritos a quem já possui obra feita e outras parcerias paralelas. Neste sentido, o processo de auto-organização destas práticas emergentes mostra-se atento a essa inconstância com a gestão da sustentabilidade dos ateliês bastante flexível, pela abertura a outras áreas criativas e outros mercados, nas colaborações externas e, sem especular muito sobre o futuro. (…) sonhadores profi ssionalmente agrupados em estruturas informais, que desenvolvem este trabalho pró-

prio em horário pós-laboral (…) resistindo e insistindo na tentativa de fazer e construir projectos a sério5.

A divulgação mediática das práticas emergentes poderia ser um sinal da sua cristalização. Foi apontado no capítulo anterior que a crítica da especialidade tem mostrado interesse no debate destas práticas e na sua exaltação com exposições e conferências. Além das referidas no decurso do estudo, lembramos o J.A. com a rubrica “Perfi s Mais Novos” que desde 2009 vai fazendo o apontamento de algumas práticas jovens relevantes no panorama português. Enten-demos que hoje ultrapassa-se de forma facilitada alguns limites de exposição na comparação a outras gerações anteriores. A possibilidade dessa divulgação persiste na existência de con-cursos e publicações universitárias, nas revistas da especialidade, nas exposições e acções das indústrias criativas. Paralelamente, o fenómeno bottom-up da internet exalta essa divulgação na possibilidade de uma “auto-promoção”. Por outro lado todo este fenómeno mediático não será o suficiente para a sustentabilidade dos ateliês., pois não implica um sinal de maior oferta de trabalho. Apesar de a circulação da informação ser feita de forma global, o interesse sobre esta prevalece na classe dos arquitectos e daqueles poucos que se seguem a matéria.

Julgamos que a cristalização destas práticas emergentes deverá ser feita através de um percur-so consciente e seguro. Consciente das potencialidades do seu trabalho, do interesse sobre o trabalho do Outro, da habilidade de gerir o tempo, da emergência do arquitecto multidisci-plinar e agente cultural. Seguro da efemeridade das vontades e da construção dos projectos, do positivismo, do nomadismo físico, intelectual e virtual que a contemporaneidade nos ofe-rece. Todos estes são premissas de contemporaneidade que podemos equacionar na produção arquitectónica de forma evolutiva e regenerativa. A naturalidade com que estes fenómenos acontecem deverá corresponder à naturalidade da arquitectura portuguesa se produzir sobre si e sobre o Outro, consciente do que pode alcançar realista e hipoteticamente.

Por outro lado pensamos que essa naturalidade tem que ser feita na consciência dinâmica do risco, ponderando o que se assimila mas também o que se estagna. É interessante observar que a maioria dos arquitectos que compõem estas práticas possui formação universitária em Lisboa, e quando essa formação é feita na Escola do Porto, o factor da mobilidade foi impul-sivo de outros modos de explorar a arquitectura, pois com Jorge Figueira nos lembra, o Porto

não é uma escola tão pujante como o seu legado permitiria sonhar que fosse, (…) não tenho a certeza

que responda com efi cácia ao desafi o de ser uma escola de ponta no início do século XXI 6. A natura-lidade faz-se mais facilmente quando existem estruturas livres e isentas de preconceitos, de

5 SANT’ANA, Carlos. De ZZZZ!?!! A Z, Parabéns à Geração Z. Arq|a (75/76-Nov/Dez 2009). pp 32 e 336 FIGUEIRA, Jorge, Já há faculdades capazes de fazer sombra à FAUP, texto de Mariana Correio Pinto, P3, Jornal Público, (22/09/2011), http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura/587/j%C3%A1-h%C3%A1-faculdades-capazes-de-fazer-sombra-%C3%A0-faup

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Conclusões Prospectivas

ambições diversas e momentâneas. Esta designação deverá ser entendida tanto em questões pedagógicas como de ideologia prática da arquitectura.

A continuidade destes fenómenos bottom-up é algo sobre o qual não faz sentido especular. Tal como o Dictyostelium discoideum7 tem a capacidade natural em se transformar, os desígnios so-ciais contemporâneos são tão imprevisíveis como as relações colaterais que lhe assistem. Na observação da “cultura de massas” esta década foi eminente no revivalismo dos anos 80, como essa havida sido dos anos 50. Se a “história” se vai fazendo de 30 em 30 anos, a emergência da mudança na arquitectura portuguesa vai sendo observável. Esperamos dessa forma que daqui a vinte anos (ou somente 10), estejamos a ter, dentro de um tom similar, inquietações, dúvidas, e debates sobre arquitectura portuguesa. Será sinal de que esta possuirá emergências suficientes, para que entusiasticamente falemos sobre ela.

*

7 Ver: Conceito de Emergência in Introdução

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Para o encerramento deste estudo foram realizadas um conjunto de entrevistas a alguns dos intervenientes que integram o cenário da arquitectura portuguesa contemporânea, seja do ponto de vista da prática como da crítica – MOOV, Plano B e o arquitecto Jorge Figueira. A opção pretendia incluir pontos de vista e perspectivas simultaneamente divergentes e con-vergentes sobre o tema. As questões não aspiravam à observação directa da emergência na arquitectura, mas antes ao cruzamento da estrutura do trabalho na síntese inquietante dos paradigmas da arquitectura portuguesa nestes últimos dez anos.

Importa afirmar que as emergências que assinalamos com este estudo não encerram o seu conteúdo nem o debate sobre o tema. A observação de um panorama recente da arquitectura leva-nos à revisão constante das seguranças e convicções, na influência de um novo livro, na revista do mês, no blog do dia. Dessa forma a inclusão destas entrevistas, nesta fase do estudo, pretende a consideração das opiniões dos leitores e intervenientes deste cenário, mas tam-bém o desafio a qualquer discussão e opinião futura.

Anexo: Entrevistas

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MOOV

Entrevista efectuada no dia 6 de Setembro com o Arq. António Louro, em Lisboa.

Autor: Peter Testa afirmava nos anos 80 que o sentido emergente da arquitectura Álvaro Siza prendia-se acima de tudo com método do seu autor, envolto na exaltação do desenho como ins-trumento de percepção, criação e transformação do espaço, desafiando assim algumas condições pós-modernas. Considerando o panorama actual da arquitectura portuguesa, que condições acham desafiadoras na relação com o vosso método, as vossas estratégias e objecti-vos na emergência das vossas práticas arquitectónicas?

MOOV: Quase nenhumas..(risos)..

É óbvio que um estúdio é sempre moldado pelo sítio e pelo entorno cultural social e econó-mico onde nasce, neste caso nunca nos podemos distanciar de Portugal e em especial Lisboa que é onde nos mexemos de um modo mais próximo. A segunda questão da identidade/ar-quitectura portuguesa, nós crescemos com ela e eu acho que ela de certo modo existe ainda que nos media seja passado um determinado tipo de identidade muito focada na Escola do Porto, obviamente porque é a que de alguma maneira ao ter uma linguagem mais homogénea acaba por ser aquela que é capaz de comunicar melhor os seus propósitos. Ou seja, uma ar-quitectura que seja menos homogénea, mais explodida nos outputs que apresenta, no próprio modo de pensar e sobretudo eu diria mais evolutiva, aqui não há nenhum sentido pejorativo a uma arquitectura, eu diria.... Menos… convulsiva, é muito mais difícil passar a mensagem do que o que se esta a fazer. Porque muitas vezes quando percorres o percurso de comunicação, seja publicações em revistas ou jornais, ensaios, aquilo que tu tas a reflectir já não é a pratica. Isto tem a ver com a aceleração dos meios de produção e de comunicação, mas muitas vezes o que tu tas a fazer e os teus interesses já não correspondem àquilo, não tanto o que apresentas em conferência mas por exemplo o que está a sair nos livros ou o que esta a ser debatido ou que ta a ser escrito, e nesse sentido é mais difícil. Para nós que nascemos no meio lisboeta e focando o principio do ensino, um bocadinho anárquico, ou seja permitem te fazer tudo.

Nós aproveitamos isso um bocadinho, temos modos de fazer diferentes, mas eu diria que a característica comum a todos é o não haver regras, ou seja as regras são feitas projecto a projecto. Eu diria project-specific, tens um projecto com determinadas características e tu aí defines quais são as ferramentas e o tipo de linguagem e comunicação que queres utilizar. Não há uma fórmula que vai sendo aplicada. Mas à medida que vais fazendo trabalhos também vais um modus operandi, é impossível em cada projecto começar tudo de novo. Mas nesse sentido nós que estamos cá dentro será um bocadinho difícil perceber qual é o nosso modus operandi. Os nossos projectos são muito diferentes, pode ser um filme, uma banda desenhada ou um edifício e nesse sentido as ferramentas que usas para um ou para outro são diferentes. Uma coisa que gostamos sempre que possível é misturar as disciplinas e daí a palavra “adisciplinar” que não existe. Nós não nos regemos pelo multidisciplinar porque é uma coisa onde tu con-

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Anexo: Entrevistas

vocas as várias disciplinas para fazer uma coisa. Nós o que fazemos é : convocas várias disci-plinas para fazer um projecto mas gostamos de baralhar e por de repente um designer a fazer arquitectura ou um cineasta a fazer arquitectura e nos de repente estamos a fazer o trabalho do cineasta. Quando vais para fora da tua disciplina, perdes as palmas; quando és ensinado e produzes alguma coisa tens preconceitos. Se eu desenhar aqui este frontão e digo: o último projecto tem isto. Ficas horrorizado. Mas isso é apenas um preconceito que tem a ver com os teus anos todos de formação, o que tu vês, a tua educação e nos também temos isto. E para evitar isto chamamos pessoas que não têm preconceitos e que podem fazer perguntas inte-ressantes que nos nunca faríamos. É um bocado misturar tudo e ver no que dá. Nem sempre dá bons resultados, mas isso é um caminho que se vai fazendo. Outra coisa que não gostamos de ter medo, provavelmente agora menos, é o medo de arriscar. Convidar pessoas que não conhecemos to bem mas gostamos do trabalho e dizemos “queres trabalhar connosco?”, e com é obvio este método sem rede as vezes da certo, outras nem por isso. Mas é assim que se vai conhecendo pessoas. Hoje em dia temos pessoas com quem trabalhamos de forma regular que não conhecíamos da primeira vez, apenas o trabalho e decidimos arriscar.

_____

A: A aceitação da comunicação ou da internet/media, reflecte-se nesse modus operandi?

MV:Uma coisa posso te dizer, sem internet nos não existiríamos. Por muitas e variadas razo-es. Primeiro porque a internet permitiu que poucas pessoas fizessem muito. Uma só pessoa consegue comunicar com centenas de pessoas apenas com email. Imagina sem internet, a enviar cartas para esta gente toda, estas coisas pequeninas são tão simples. Sem internet não teríamos a capacidade de produzir o trabalho que produzimos e o mesmo e valido para as ferramentas de software. Permite uma rapidez naquilo que fazes que de outra forma não tínhamos hipótese. Há sites que parecem de ateliês grandes e no fundo é uma pessoa, e isso para nos e muito interessante. O gap entre o profissional e o amador hoje em dia é muito reduzido e as ferramentas que um e outro têm ao seu dispor são muito similares. E aqui estou a ser injusto porque o amador acaba por ser uma pessoa que tem menos meios. E será só uma questão de perceber onde investir para ter um bom trabalho.

Em termos de comunicação permitiu nos ser independentes. Neste sentido tu tens um site e as pessoas podem aceder ao site e ver o trabalho que tu tens. Ou um blog que permite as pessoas acompanhar o nosso trabalho num tempo reduzido. Ou seja, não estamos dependeres de um editor par comunicar com as pessoas. Temos consciência que o que consegues produzir tem um impacto relativamente reduzido mas elas estão lá. Encontro-te na rua, e digo “este é o meu site” tu podes ir lá ver. Antes dizia “saí nesta revista”, ou então trazia um portefolio debaixo do braço. Nessa relação é muito importante ter o feedback e mostrar o que estamos a fazer. O nosso site funciona como um best of, os projectos mais interessantes. O blog é mais “ruff ”, como um arquivo.

As novas tecnologias permitem nos conhecer mais coisas em menos também, coisa que era

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difícil. E sobretudo entrar em contacto com pessoas. Mandaste um email, vieste cá, isto tudo se passou em 3 dias. E é muito importante para estabelecer sinergias. Como é óbvio muita coisa passa ao lado, “informação não é conhecimento”, tens de conseguir absorver e de algu-ma forma ruminá-la para transforma-la em conhecimento. Hoje em dia o que sentimos é que nos falta alguma capacidade de poder pensar melhor sobre o que estamos a fazer, o arquitecto não tem só de produzir como também pensar sobre aquilo que produziu e depois ainda tem de discutir o pensamento sobre o que produziu, quase tudo de forma gratuita. Torna se difícil. Nos já tentamos algumas vezes, como por exemplo o texto que escrevemos para a Dédalo, tentamos pensar naquilo que estamos a fazer mas é uma coisa que não nos e natural e é di-fícil por falta de tempo. Acabamos por cair nos lugares comuns. Há coisas que é preciso ter tempo para pensar. Há certas coisas que nos fazemos menos. Por exemplo conferências têm um tema. Nós antes pegávamos no tema, o que temos a dizer sobre isso, mas descobrimos que na maior das vezes, não tínhamos nada a dizer. As introduções ficaram mais pequenas e concentramo-nos no trabalho. Haveria muito mais a dizer, mas não temos tempo para dizer alguma coisa relevante, é preciso investigar, ler. Perdemos esse tempo a fazer projectos. O que tentamos fazer é escolher uma serie de projectos que alinhavados mostram uma linha de trabalho que mostra o que pensamos. Outra coisa que gostamos é a parte das perguntas e respostas nessas conferências pois acaba por gerar mais discussão.

As comunicações permitiram uma independência mas muitas vezes é pouco pensado. Por outro lado obriga-te a ser exigente com o conteúdo que mostras e comunicas. Nós tentamos sempre comunicar para um maior número de pessoas e isso tem um influência nas peças que pões “lá fora” consoante o público a que se destina, se é uma revista de arquitectura ou mais generalista, etc. Tentamos que seja perceptível, pois achamos que nem todas as pessoas tenham que saber ler arquitectura. A nós interessa-nos comunicar com as comunidades, pois algo de novo pode acontecer aí. E vamos aprendendo com estes processos na forma como os gerimos, para que esses processos também se tornem mais eficientes.

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A: No estudo da arquitectura portuguesa dos últimos 20 anos encontramos o apreço de al-guns autores críticos na defesa de uma “identidade” formal e ideológica. Por outro lado temos a consciência que a alteração dos contextos poderá levar naturalmente à diversificação dessa “identidade”, ou então a que seja interpretada de outras formas. Revendo as vossas práticas como emergentes, de que forma reconhecem ou não essa “identidade”, e de que forma inter-pretam a vossa produção na continuidade ou não desse mesmo conceito?

MV: Diria que daquilo que as pessoas interpretam como arquitectura contemporânea por-tuguesa, quase nada passa para o nosso trabalho. Passam no entanto algumas coisas mais tradicionais. Uma preocupação com um arquitectura mais sustentável que trabalhe com os elementos que tema suas disposição. E aí olhamos muito lá para trás, numa arquitectura vernacular e tentamos introduzir algumas estratégias que eram utilizadas. É um património

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Anexo: Entrevistas

construtivo e não tanto de linguagem. Agora a identidade da parede branca e o vão bem desenhado, encontraras muitos pouco no modo como fazemos arquitectura. Não é porque achemos que é bom ou mau, é apenas uma algo que não nos identificamos e que não faz parte da rotina de trabalho. A própria preocupação com detalhe, no nosso caso é relativamente limitada. Preocupamo-nos mais como o conceito geral do que com o detalhe, ou seja, acha-mos que Deus não está no detalhe mas antes no conceito e forma como geres e interpretas o programa dependente do orçamento que o cliente tem. Podes ter ideias incríveis, se dispara o orçamento nunca vai ser construído, nunca vai existir. Falando em construir, para nós é uma obra não construída tem tanta importância como uma construída. Daí que fazemos projectos que sabem que não vão ser construídos, mais especulativos, mas que acabam por ser impor-tantes em termos de conhecimento para outros projectos no futuro. Daí este pé sempre na Arte e na Arquitectura, porque uma acaba por contaminar a outra. Não sabemos bem em que proporção nem como. Se tens uma atitude de experimentação e de investigação num campo menos ligada à construção “pura e dura” e que isso se vai reflectir no modo como encara essa construção, o contrário também é verdade, ou seja uma abordagem mais pragmática depois também se reflecte no modo como consegues levar a cabo a confiança às pessoas para pode-rem construir. Por exemplo em obras de espaço público mais complexas termos de estrutura etc, tens de ter um discurso que dê confiança a quem te está a autorizar. Se não queres passar por isto podes fazer peças mais pequenas que não pedes autorização a ninguém, que é um coisa que também nos agrada, que é actuar um pouco à margem, mas isso tem uma escala – Não podes por doze tendas no chiado sem pedir autorização. Tens que saber enquadrar o que queres fazer e como queres fazer.

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A: Os MOOV assumem-se como um estúdio de arte e arquitectura com um posicionamento adisciplinar. Na compreensão dos 8 anos de existência dos MOOV, de que forma os processos da investigação e da comunicação se reflectem na emergência das vossas práticas perante o contexto arquitectónico contemporâneo português e internacional?

MV: O nosso projecto de investigação é feito durante o ano de projecto, tentando condensar toda a reflexão, investigação e conhecimento nesse processo. Daí que quando te digo que fazemos pro-jectos que sabemos de ante mão que não vão ser construídos, ele acabam por ser uma investiga-ção. Às vezes não sabemos bem o quê! Mas as coisas ficam na cabeça, um, dois, três anos e de repente apercebes-te que esta é a oportunidade de fazer e de por em prá-tica alguma ideia passada. Mas como somo uma equipa muito reduzida e temos uma pressão de trabalho muito grande, diria que a investigação mais “clássica”, de fazer o levantamento dos casos de estudo, perceber as semelhanças e as diferenças, etc, raramente fazemos isso. Fazemo-lo em função de casos específicos e objectivos mediante determinado projecto que estejamos a desenvolver: “nós estamos a fazer isto, que precisamos de saber?”.

E isso é um bocadinho o que é um ateliê. Uma acumulação de conhecimento, com as maque-

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tas que vamos produzindo, os textos que vamos escrevendo… E será dessa forma que vamos fazendo a “grande” investigação. Se ela é coerente ou não? Umas vezes será outras não.

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A: Será essa predisposição em perceber os contextos de forma diferente, sem nenhuma regra impositiva sobre a arquitectura que torna o vosso trabalho mais emergente?

MV: Diria que a abordagem pessoal se prende com a capacidade de trabalhar com as pes-soas cliente e promotores, fazendo um projecto aberto onde por vezes entregas apenas uma estratégia onde as pessoas podem finalizar. Isso talvez reflicta uma maneira de estar. Repara nós não somos da opinião que o arquitecto deva desenhar tudo. Muitas das coisas que vemos absolutamente incríveis não tiveram a mão do arquitecto. O arquitecto é um personagem im-portante para a construção do nosso entorno físico, mas não é o último nem o fundamental. Existem muitas mais forças, pessoas e características que influem nesse entorno. E elas devem ser chamadas para perceberem o que querem e o que não querem. Como arquitecto tens uma capacidade de descodificar vontades ou de dar a essas vontades uma materialização física.

Quando vais trabalhar com uma comunidade, não vais à priori decidir o que é bom e mais tarde aferir as conclusões. Por outro lado não podes ir de mãos vazias, tens de introduzir uma pequena abordagem, algo que gere a discussão. Muitas vezes chegas à conclusão que não precisas de fazer nenhum projecto, mas apenas um “manual de instruções” que as pessoas gerem consoante o gosto e as vontades da comunidade. Nós gostamos que os edifícios sejam colonizados pelas pessoas. Os edifícios não são museus de pertença do arquitecto. Os edifícios envelhecem, o tempo faz parte da arquitectura. Vivemos um tempo instantâneos nas respos-tas e na comunicação mas de certa forma tentamos contrariar isso desenvolver projectos que tenham a capacidade de mudança com o tempo e com as pessoas.

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Anexo: Entrevistas

Plano B

Entrevista efectuada no dia 6 de Setembro com o Arq. Edurado Carvalho, que posteriormen-te enviou as respostas via e-mail.

Autor: Peter Testa afirmava nos anos 80 que o sentido emergente da arquitectura Álvaro Siza prendia-se acima de tudo com método do seu autor, envolto na exaltação do desenho como ins-trumento de percepção, criação e transformação do espaço, desafiando assim algumas condições pós-modernas. Considerando o panorama actual da arquitectura portuguesa, que condições acham desafiadoras na relação com o vosso método, as vossas estratégias e objecti-vos na emergência das vossas práticas arquitectónicas?

Plano B: Convém primeiro caracterizar o Plano B como um gabinete não-comercial, do qual ninguém depende para subsistir economicamente. Esta seria a principal estratégia de viabilidade mas também a principal inconsequência da nossa prática.

Dito isto, os nossos métodos e objectivos são a utilização simultânea de técnicas de constru-ção antigas que utilizam materiais naturais (taipa, adobe, tabique), com outras técnicas e ma-teriais de base tecnológica (betão armado, asfalto, policarbonato), numa arquitectura cons-truída com a participação comunitária, voluntária e não-especializada. Este esquema triplo procura responder ao desafio clássico da arquitectura de construir um edifício que se sustenha fisicamente, que seja caracterizador da nossa época e contexto, e que seja útil (individual e colectivamente).

A nossa prática relaciona-se menos com o panorama actual da arquitectura portuguesa e mais com a percepção de um estado que surge nas sociedades desenvolvidas: o incremento das capacidades tecnológicas (e o impacto que têm na natureza) e o simultâneo desejo de preservação da natureza. Estas categorias – natureza e tecnologia – que no passado assumiam campos aparentemente irreconciliáveis encontram-se hoje, por assim dizer, a caminho de um entendimento no processo em que as tecnologias estão a “devir naturais”, isto é, a tornarem-se mais inteligentes, cooperantes e adaptativas. E nesse processo de naturalização, a tecnolo-gia ganha o potencial para colonizar os campos mais radicalmente naturais, como a vida, que dessa forma se “artificializa”.

O que nos parece desafiante no tempo actual é tentar perceber como é que as tecnologias – que se alteram a um ritmo frenético - e o ser humano – que se adapta - interagem no mundo e que espécie de coisas produzem.

Ou para responder mais directamente à pergunta, as condições que observamos e que acha-mos desafiantes são dois desejos ancestrais e antagónicos que procuram um encontro: o do domínio e o da preservação. O desejo, provavelmente ilusório, de se poder comer da árvore do conhecimento e manter a inocência da nudez.

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A: No estudo da arquitectura portuguesa dos últimos 20 anos encontramos o apreço de al-guns autores críticos na defesa de uma “identidade” formal e ideológica. Por outro lado temos a consciência que a alteração dos contextos poderá levar naturalmente à diversificação dessa “identidade”, ou então a que seja interpretada de outras formas. Revendo as vossas práticas como emergentes, de que forma reconhecem ou não essa “identidade”, e de que forma inter-pretam a vossa produção na continuidade ou não desse mesmo conceito?

PB: Não é muito correcto falar de uma identidade formal sobre quem, como nós, não tem quase obra construída e a que tem serem pequenos edifícios, muitos sem a necessidade de cumprir quaisquer regulamentos e por isso, relativamente experimentais.

De qualquer forma, no plano teórico pelo menos, o resultado formal da nossa prática será, em grande medida, afectado pelos constrangimentos dos materiais que procuramos utilizar, da mesma forma que a arquitectura tradicional sofreu esses constrangimentos. Por essa via poderemos ter uma ligação formal de continuidade com a arquitectura portuguesa. De facto, a utilização da terra ou da madeira como material estrutural impede muitas das liberdades que encontramos em alguma da arquitectura actual. E por esse motivo, a arquitectura a que chegarmos, deverá tendencialmente ser monolítica, simétrica, com relativamente poucas aberturas. Estas talvez sejam características da identidade formal da arquitectura portuguesa.

Por outro lado como procuramos a utilização de materiais industriais no exterior dos edifí-cios, a formalização dos mesmos tende a ser menos familiar, uma vez que a utilização destes materiais não tem sido muito frequente na arquitectura portuguesa.

De qualquer forma o desafio que sentimos, no campo formal, é o de tentar adquirir ferra-mentas de projecto novas, nomeadamente digitais, que não sejam a maqueta, o esquiço e o desenho técnico. Isto porque em grande medida são as ferramentas de projecto que determi-nam as possibilidades formais dos edifícios.

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A: O Plano B assume um posicionamento crítico, experimental redutor e radical na explo-ração dos temas da escassez, reutilização e sustentabilidade através de sínteses tecnológicas entre o tradicional e o moderno. Na compreensão dos 9 anos de existência do PLANO B, de que forma os processos da investigação e da comunicação se reflectem na emergência das vossas práticas perante o contexto arquitectónico contemporâneo português e internacional?

PB: Da nossa experiência de 9 anos podemos dizer que a comunicação via internet e publica-ções em papel foi fundamental para dar visibilidade à nossa prática. Temos hoje a consciência que essa divulgação é sobretudo entre pares, da qual não resulta necessariamente um aumen-to pela procura do nosso trabalho.

O que pode quer dizer, por um lado, que os meios de comunicação funcionam e por outro lado, que a nossa proposta, por ser fundamentalmente crítica e experimental, não é particu-

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Anexo: Entrevistas

larmente interessante para quem procura, por exemplo, uma habitação que utilize materiais e técnicas tradicionais (que tem sobretudo uma motivação nostálgica ou ecológica nessa pro-cura), nem é interessante e viável para eventuais promotores que procuram soluções optimi-zadas economicamente (que a utilização de técnicas tradicionais ou a integração de trabalho não-especializado, quase automaticamente anula).

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Arq. Jorge Figueira

Entrevista efectuada no dia 22 de Setembro

Autor: Peter Testa afirmava nos anos 80, que o sentido emergente da arquitectura de Álvaro Siza prendia-se sobretudo com método do seu autor, envolto na exaltação do desenho como instru-mento de percepção, criação e transformação do espaço, desafiando assim algumas condições pós-modernas. Considerando o panorama actual da arquitectura, que condições acha desafiadoras na emergência de uma arquitectura portuguesa?

Jorge Figueira: Essa descrição do Peter Testa faz sentido sabendo nós a relação umbilical que a arquitectura do Siza tem com a sua prática enquanto arquitecto que desenha. De facto, não é concebível a obra do Siza e a presença do Siza sem aquele esquisso permanente e aquela visão voraz do mundo traduzida em esquisso. E muitas vezes mais linearmente, ou menos, a arquitectura dele parece decorrer desses esquissos, mesmo quando se tratam de desenhos de outras pessoas, animais, que não faz muito agora, parece haver uma correspondência entre essa visão lírica do mundo a partir do desenho e a arquitectura dele. Isso está muito impreg-nado na sua relação com a arte moderna e no fascínio enorme que tem, enfim, nas pessoas que se foram crescendo e foram evoluindo nos anos 40, nos anos 50, nos anos 60, nos anos 70, a presença muito forte de figuras como Picasso, enfim, toda a arte abstracta, a arte cubis-ta, enfim, esse universo que depois tem o seu componente também arquitectónico, era um personagem como o Corbusier. Esse fascínio pelo desenho, essa ideia de que o desenho mais livre e mais simples, de caneta sobre papel, pode captar o mundo, pode organizá-lo e pode reinventá-lo e isso pode passar para a arquitectura, é de facto algo que o define. Eu diria até que talvez seja o arquitecto do século XX que, já um pouco tardiamente, no sentido de ele tra-balhar nos anos 60, 70, 80, de ser o arquitecto que mais próximo está dessa ideia do desenho como captando a essência das coisas e como depois sendo possível ele ser passado, traduzido, para a arquitectura. Portanto, esse momento, essa magia, digamos assim, é irrepetível porque as figuras do nosso século... Bom, a seguir ao Picasso apareceu, na segunda metade do século XX uma figura como Andy Warhol, por exemplo, que é tão brilhante e tão visionário como o Picasso mas não desenha, manda fazer, manda copiar, manda serigrafar, manda repetir... Nós

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estamos mais perante a dádiva e o contributo de uma figura como o Andy Warhol do que de uma figura como o Picasso. Digamos que o Andy Warhol está para nós como o Picasso está para o Siza. A magia tem que vir de outro sítio ou não vem de sítio nenhum, ou já não existe magia, eventualmente. Ou ela tem outro rosto. Apesar de tudo me interessa dizer é que eu vejo muito a nossa experiência contemporânea e o início deste século XXI como sendo um ajuste de contas, não no sentido negativo ou agressivo desta expressão, mas um ajuste de contas no sentido de um balanço, uma reinstalação das coisas do século XX, portanto, quem sabe se o Picasso e os esquissos não poderão ser reintroduzidos? Ou quem sabe para onde nós pode levar ainda o Andy Warhol como figura marcante da segunda metade do século XX? Ou seja, interessa-me muito, admito que possa não resolver tudo, mas interessa-me muito a ideia de que no nosso tempo, no século XXI, o balanço, o recolocar das questões do século XX pode ser operativo, ou continua a ser operativo. De alguma forma, a obra e o sucesso do Eduardo Souto Moura, por exemplo, hoje, tem a ver com o facto de ela ser uma obra de balanço e de recolocação de questões da arquitectura do século XX. Não penso que haja na obra do Eduardo Souto Moura nada que não esteja inscrito na grande história do século XX, nas grandes arquitecturas do século XX, nas grandes personagens do século XX. E isso não faz do Eduardo Souto Moura menos contemporâneo, como se tem visto. Evidentemente que pode ser curto, ou pode parecer nostálgico, mas eu acho que não é. Porque o século XX e a experiência do século XX na primeira metade, na segunda metade, Picasso versus Andy Wa-rhol. A própria ideia de pensar os dois ao mesmo tempo. Quer dizer, no século XX nunca se pensou os dois ao mesmo tempo, ou há um domínio do Picasso, vamos supor, e depois há um domínio do Andy Warhol. A possibilidade que nós temos hoje de pensar o Picasso e o Andy Warhol ao mesmo tempo, ou como eu fiz na Casa da Música, agora a propósito da música e da arquitectura, pensada com o Porter e o Philip Glass ao mesmo tempo, depois traduzido no Sufjan Stevens que eu apresentei, essa conjuntura, essa dicotomia que se pode criar como diálogo que já não é o Bom e o Mau, ou o Preto e o Branco, que cria uma relação interessante e renovada no nosso tempo. É, provavelmente, a magia a que nós nos podemos expor. E não acho que seja uma má magia, ou que seja uma magia em perca, acho que podemos, apesar de tudo, contar com a economia e a rapidez do esquisso e do desenho livre digamos, à Picasso, para facilitar a conversa, ao mesmo tempo que podemos pensar em termos de serigrafia, de colagem, de repetição à maneira da Pop Art do Andy Warhol e podemos colocar as duas coisas em diálogo, eu acho que é um belíssimo horizonte.

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A: Será uma questão de “Revivalismo”?

JF: Eu percebo o que queres dizer, é isso que eu estava a tentar dizer só que eu nunca usaria a palavra revivalista, porque a palavra revivalista é uma palavra com uma conotação negativa e é uma palavra que remete muito também para a tradição do século XIX, dos ecletismos, a ideia do revival tem a ver com a ideia de uma nostalgia sobre qualquer coisa que se perdeu. E eu não acho que se trata de revivalismo até porque o nosso tempo é tão rápido que a própria

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Anexo: Entrevistas

ideia de revivalismo significaria parar no tempo ou recuperar o tempo perdido... Acho que ninguém tem hoje essa veleidade ou tem essa inocência. O revivalismo significa uma espécie de inocência, de repente vamos colocar-nos a fazer arquitectura, ou a fazer música como se fazia há 20 anos ou há 50 anos. Toda a gente sabe que isso, em termos de condições práticas, é um pouco infantil, é um pouco inocente, não existe essa noção estática do tempo. Portanto não é um revivalismo, é um ajuste de contas, que é uma expressão que não resolve tudo, é uma reinstalação, é um “redux”. Eu fiz um livro sobre o Siza em Berlim que se chamava exactamente “Modern Redux”. “Redux” que é uma expressão latina, tem sido muito utilizada no cinema. Há aquela versão: “Apocalipse Now Redux” que é uma espécie de reinstalação, de revificação. Portanto, nesse sentido sim, nesse sentido aquilo que nós vivemos hoje é uma reconquista, uma reinstalação de conceitos, de princípios, de autores do século XX, mas as condições mudaram tanto do ponto de vista tecnológico, do ponto de vista cultural, do ponto de vista do modo como vivemos, que essa reinstalação é no sentido do futuro e não no sentido do passado. Quer dizer, obriga-nos a avançar e não... E porque é muito misturada, como eu dizia, Picasso versus Andy Warhol, Porter versus Philip Glass, não é unilateral, pelo menos na minha visão não é unilateral, não é os bons e os maus, não é os minimalistas contra os pós-modernos, quer dizer, é uma visão que sente conforto e muita da história e dos exemplos e das experiências que ocorreram no século XX. E nem sequer, repara, aqui talvez um ponto importante: nem sequer eu estou a falar com especial apreço pelas vanguardas dos anos 20. Obviamente que tenho apreço pelas vanguardas dos anos 20, como tenho apreço pelas neo-vanguardas dos anos 60, como tenho apreço pelas anti-vanguardas dos anos 80. Todas essas épocas e todos esses exemplos me interessam. E eu acho que isso é uma coisa do século XXI, poder ser o século XX.

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A: No estudo da arquitectura portuguesa dos últimos 20 anos deparamo-nos que alguns au-tores críticos defendem a existência de uma “identidade” formal e conceptual na arquitectura portuguesa. Por outro lado temos a consciência que a alteração dos contextos poderá levar naturalmente à diversificação dessa “identidade”, ou então a que seja interpretada de outras formas. Na leitura do contexto actual, envolto nos avanços das tecnologias digitais e da comu-nicação, de que forma se pode interpretar a continuidade ou não desse termo?

JF: São várias questões importantes. Primeiro ponto: De facto existe uma arquitectura por-tuguesa, acho que isso é uma coisa boa e não uma coisa má. Poderá parecer evidente, porque nós somos um país pequenito e pobre e portanto, termos uma coisa é melhor que não termos essa coisa, porque não temos assim tantas coisas. Por razões histórias que agora seria difícil enumerar, mas, enfim, remeto muito para as aulas e para o trabalho do Prof. Alves Costa, que está aqui ao lado. É possível identificar, por razões históricas, uma certa sensibilidade que, muito rapidamente e muito toscamente, eu definiria em dois ou três parâmetros: o primeiro, de uma certa economia de meios, porque não somos centro da Europa, nem o centro do mundo, ou não somos há muito tempo o centro do mundo, portanto, uma certa economia

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de meios; Um certo gosto por uma escala moderada, ou seja, por uma certa delicadeza no próprio desenho dos edifícios do ponto de vista da escala. Quer dizer, muitas vezes, quando a gente visita o centro da Europa, ou a Europa mais, enfim, luterana ou protestante e vemos aquelas igrejas enormes e depois pensamos na nossa igrejinha de pequena cidade, ou nas coisas que depois se constroem no Brasil, obviamente, ou mesmo em África, mais tardia-mente, há um certo controlo escala, uma certa delicadeza no controlo da escala que tem uma componente portuguesa, de facto. Se quiseres, é um pouco como a doçaria conventual. A doçaria conventual é também um património português, é extremamente doce, e há uma certa doçura na arquitectura portuguesa, nunca é, nessa grande arquitectura histórica, diga-mos, século XVII, XVIII, XIX, nunca é gritantemente gigantesca nem gritantemente feia, digamos assim. Pode ser inacabada, pode ser um pouco tosca, pode não ter muito interesse erudito mas geralmente é bem composta, tem um certo decoro, tem uma certa compostura. E eu acho que isso passa depois para o século XX. Os arquitectos modernos, do século XX, já não estou a falar dos tradicionalistas, mas os arquitectos modernos do século XX, os que nós conhecemos de Lisboa, do Porto, etc, também têm essa economia, têm essa compostura, têm essa delicadeza de desenho de escala. Agora, isto é um ponto. Este ponto não significa que eu considere que a arquitectura portuguesa seja somente isto. Eventualmente pode ser uma espécie de ADN, que depois não significa que a arquitectura portuguesa seja cúbica, branca, severa, austera e silenciosa. A arquitectura portuguesa é um bicho, um monstro com muitís-simas cabeças. Com as cabeças que, por exemplo, até 74 faziam que houvesse arquitectura em países africanos, ou até 99 houvesse arquitectura em Macau, feita por arquitectos portu-gueses. Ou seja, a arquitectura portuguesa existe, tem esse ADN, essa doçura, obviamente que isto não é muito científico dizer-se, mas eu suponho que o posa dizer, mas depois tem também uma grande inquietude, tem também um grande nervo, tem também uma compo-nente, digamos, sulista no sentido africanista ou asiática no sentido do extremo oriente, está muito dividida entre o afecto pelo centro da Europa, portanto, pelo norte, pela civilização ao mesmo tempo que se deixa ser mais bárbara e mais crua quando se constrói em Moçambique ou quando se constrói em Luanda, portanto, estou já obviamente a falar dos últimos 40 ou 50 anos. De repente, mesmo com esse ADN, ou com essa matriz, eu penso que a arquitectura portuguesa se espalha para muitos horizontes, se espalha para muitos lados. Aquilo que eu não concordo e às vezes acontece é, de facto, imaginar-se que a arquitectura portuguesa pode ser uma espécie de postal, definido unidimensionalmente e unilateralmente como uma coisa bem comportada, etc, etc.

Em relação à segunda parte da pergunta, em relação ao que está a acontecer hoje, às tecnolo-gias, etc, eu acho que essa matriz, de gosto e necessidade pela economia de meios, de com-postura no sentido de ter uma certa delicadeza no desenho ou na composição digital ou como lhe quiseres chamar, eu acho que são coisas boas e não coisas más. São coisas perenes e que fazem sentido. Agora, isso não significa, no meu ponto de vista e não significava há 40 anos, nem há 20, nem há 30, nem há 10, portanto, não significa hoje que a arquitectura portuguesa tenha um colete de forças, ou que tenha que se comportar bem, ou que tenha que ir numa

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Anexo: Entrevistas

certa direcção, porque mesmo com essa doçura a gente pode imaginar, obviamente, muitos bolos, enfim, um banquete, quase uma orgia de sobremesas. Eu reconhecer a arquitectura portuguesa como objecto, não me obriga a ter uma posição bem comportada, ou, enfim, exclusivista em relação ao que essa arquitectura portuguesa pode significar. Pelo contrário, se calhar podemos dizer que é um bocado como o fado. Parece-me tolo, ou impensável, negar a existência do fado. Parece-me também tolo, negar que com o fado, como muita gente faz agora, se podem fazer experiências muito interessantes. Bom, mais ou menos interessantes, para a esquerda ou para a direita. Também me parece importante não negar a possibilidade de haver um anti-fado ou de haver coisas que não têm nada a ver com o fado. Mas que de alguma forma, se farão sempre um pouco em reflexo com a existência do fado, ou seja, como uma espécie de campo magnético que é aquilo que os turistas querem ver, que é o que os turistas consideram postal de Portugal, ou seja, mesmo que nós nos afastemos do fado, ou mesmo que nos afastemos da arquitectura portuguesa nesse centro nevrálgico eu penso que nós estamos sempre obrigados a relacionar-nos com isso.

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A: Na tradução destes últimos 10 anos de produção arquitectónica portuguesa, os termos “diver-sidade” e “comunicação” parecem ganhar uma presença assinalável. “Diversidade” na hibridação de posturas, percursos, métodos e linguagens. “Comunicação” pela relevância me-diática e expositiva em volta da disciplina e na forma como os meios e instrumentos de comu-nicação passaram a metodologia dos ateliês mais recentes. Que considerações se podem reter e questionar na emergência destes dois termos na arquitectura portuguesa?

JF: A diversidade é uma condição contemporânea. Eu não posso supor que num país como Portugal, que sendo pequeno apesar de tudo tem muitos arquitectos e muitas escolas de ar-quitectura e te muita gente a trabalhar, se possa imaginar que de repente há, como se dizia nos tempos do comunismo, uma linha justa. Não é uma linha justa, o que é que defino que é bom e o que é mau? Isso parece-me impraticável e até insuportável, portanto, eu sou com certeza um entusiasta da diversidade, não sou entusiasta da ideia de que não devemos reco-nhecer ou trabalhar com aquilo que existe, e aquilo que existe é uma força magnética, o fado, como lhe disse. Ou seja, essa diversidade pode e deve existir, eventualmente em confronto ou em aliança, ou em dialéctica, digamos assim, com aquilo que é menos diverso, ou com aquilo que é uma força, digamos, centrípeta da arquitectura portuguesa. Vamos lá ver, o que eu estou a tentar dizer é o seguinte: eu sou a favor da diversidade mas não sou a favor da ideia que de repente nós podemos imaginar que estamos na Bélgica, ou que estamos na Holanda, ou que estamos em Paris, ou que estamos em Milão, ou que estamos em Nova Iorque. Ou, se quiseres, eu então perfilaria a ideia de António Variações, do Minho a Nova Iorque, mas com o Minho envolvido, ou seja, eu posso aqui citar, enfim, quando era estudante e fizemos a revista Unidade eu a certa altura entrevistei o arquitecto Távora e ele tinha dito em Serralves que ti-nha visitado a obra de Frank Gehry na Califórnia e que tinha achado muito interessante a obra de Frank Gehry na Califórnia, dizendo, portanto, que Frank Gehry estava bem na Califórnia.

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Isso foi antes de Bilbao, etc. E eu perguntei-lhe na altura, enquanto estudante, e pareceu-me que o tinha apanhado no sítio certo e perguntei-lhe: “Diga-me uma coisa, arqui-tecto Távora, porque é que nós não podemos imitar o Frank Gehry como vocês imitaram o Corbusier?” e ele disse-me: “Para não fazerem as coisas tolas que nós fizemos! Para não fazerem as coisas ca-ricaturadas que nós fizemos.” A pergunta era boa mas a resposta foi ainda melhor. De facto, a questão é que quando nós ambicionamos essa diversidade a todo o custo podemo-nos pôr em bicos de pés e de repente fazer caricaturas de coisas que se passam lá fora. E portanto, faze-mos uns pequenos “Frank Gehrys” ou umas pequenas “Zaha Hadids” ou uns pequenos “Steven Holls”, etc. Portanto a diversidade é com certeza um horizonte importante mas não deve ser uma obsessão, talvez seja isso que eu quero dizer, não deve ser uma obsessão. Talvez, a diver-sidade se tiver que acontecer acontece. Eu admito que me interessa talvez mais a ideia que a diversidade deve surgir porque nós somos diferentes dos outros e dos que nos antecederam. Porque nós vemos outras coisas, porque nós temos outra visão, porque nós viajamos para ou-tros sítios, porque nós vemos outra música ou vemos outras séries de televisão. A diversidade deve acontecer como uma coisa natural e não propriamente como ambição, digamos, à parti-da. Deve ser qualquer coisa que se alcança no fim e não deve ser ambicionado à partida. Por exemplo, eu, em relação ao Porto, em relação à arquitectura do Porto, eu sempre ambicionei estar próximo do Porto, nunca ambicionei ser diverso em relação ao Porto. Sempre me foi mais... Porque eu sou diverso, porque eu sou de outro tempo e porque eu sou de outro sítio a minha ambição foi sempre a ambição da proximidade e da homogeneidade, nunca foi a ambi-ção da diversidade, porque eu a diversidade já sabia que a tinha, que eu era diferente, já sabia que o era. Portanto, digamos que a minha ambição, a haver alguma, estamos agora a falar em termos auto-biográficos, foi, pelo contrário, de me aproximar do centro.

Bom, em relação à comunicação, é evidente que a Beatriz Colomina, o Mark Wigley e toda a gente… tem feito imensa literatura brilhante sobre isso. Não sou nada moralista desse ponto de vista, acho que a arquitectura é comunicação, é comunicação se calhar desde sempre, não interessa mas é comunicação. Não nos interessa, desde a arquitectura moderna, desde que os “mass media” existiram, a fotografia, a imprensa, as revistas, blablabla, depois a televisão, o cinema, portanto a arquitectura está totalmente, entre aspas, “corrompida” pela ideia de comunicação, pela ideia de “mass media” e aquilo que acontece hoje é que obviamente a co-municação é muito mais intensa, muito mais... Vital. Achando que isto é verdade, não posso também deixar de dizer que, obviamente o mercado das imagens e o mercado da comuni-cação é hoje muito mais á flor da pele e muito mais competitivo e muito mais exigente. E portanto obviamente que há uma aceleração a esse nível.

Eu quando ouço alguns arquitetos, enfim nossos amigos, dizer, tentar fazer uma crítica à hegemonia das imagens e ao mesmo tempo estão a falar com slides atrás de obras belíssimas, quer dizer, então não faz sentido. Eu não luto contra esse moinho ou contra esse fantasma. A destreza do controle do projecto de comunicação tem muito haver com o nosso tempo. Por outro lado, faz-me às vezes impressão, por exemplo no que diz respeito ao mundo digital,

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Anexo: Entrevistas

de repente essa diversidade de que tu falas e essas tecnologias significam que de repente tu tens soluções de ateliês na Noruega ou da Finlândia, ou de Itália ou da América que são muito próximos, que em termos de linguagem visual são muito próximas. Provavelmente porque é o software que manda ou porque são os renders que mandam ou a tecnologia que te limita muito a própria expressão visual. E depois como em tudo há modas. Há modas de fazer tex-turas há modas de software, que desse ponto de vista são também muito semelhantes aquilo que acontecia á 10 anos ou á 20 ou á 40 anos atrás. Os arquitectos copiam-se muito não é? São quase esponjas desse ponto de vista, quando vêem que alguma coisa está a dar, seja em esquisso, como, tu não és obviamente desse tempo mas, eu quando entrei na faculdade, na escola de Belas Artes nos anos 80, era obrigatório fazer a axonometrias, perspectivas aéreas à Siza não é? A destreza do aluno no primeiro, segundo ou terceiro ano, via-se em quem con-seguia fazer aquelas perspectivas aéreas à Siza. Havia uma contaminação disso e depois houve outras contaminações, etc.

O que eu não concordo minimamente é pensar que por o mundo hoje estar mais alargado, por haver mais tecnologias, por haver outras complexidade nas tecnologias, a ideia que não há modas ou cada blogger ou cada artista digital nos confins do mundo está a inventar uma coisa sua e estão no fundo milhares, ou milhões de pessoas a inventar coisas suas, com certeza que há muita invenção mas também há muita copia, também há muita derivação, também há muitas perspectivas aéreas a serem desenhadas por todo lado não é?

O outro ponto é que, evidentemente que há uma vontade grande, e eu pessoalmente tenho essa vontade e alguns arquitectos também. Por exemplo os Arquitectos Anónimos de quem gosto muito de trabalho deles. É também interessante, que havendo esse apetite pela imagem, havendo esse apetite pela comunicação, havendo essa voracidade do mundo digital, pensar na hipótese de uma negação disso tudo, não é? Ou seja de fazer uma coisa que seja brutalmen-te anti-digital, se é que a palavra tem algum sentido. Anti-digital ou brutalmente tosco ou, fractal ou brutalmente não aerodinâmico ou brutalmente não bolha, quer dizer, fazer a certa altura regressar a um outro universo. Eu estava a ver ontem na série americana Family Guy e nos Simpsons, isso é muito evidente, nos Simpsons e agora no Family Guy, que é a diferença do desenho entre os primeiros episódios dos Simpsons e os últimos. E os primeiros são ex-tremamente toscos, as figuras são todas absolutamente toscas e os desenhos não tem qualquer tipo de sofisticação e portanto aquilo é tudo mal amanhado. E depois com o tempo ganha uma clareza, um brilho um recorte, uma nitidez. E nós vivemos nesse tempo, da nitidez, do recorte, dessa respiração, dessa sedução que é extraordinária, digamos desse recorte digital, digamos dessa alta resolução. E eu acho que é muito bonito e muito interessante quando descemos na baixa resolução e descemos ao tosco e imperfeito e portanto teoricamente es-taríamos a desviar-nos de uma, dessa rota que se tem imposto cada vez mais, como sendo de alta resolução, de grande complexidade do ponto de vista da construção da forma, do ponto de vista da própria estrutura da forma, enfim, de toda a maquilhagem tecnológica que existe há volta da arquitectura e voltar ao imaginar, imaginar o momento onde as coisas são mais

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toscas e são mais impuras e são mais imperfeitas e são mais inacabadas e portanto são mais contra comunicação e não pró-comunicação, embora acabem por ser comunicação de todo o modo como é evidente.

Não tenho qualquer veleidade em dizer que isso é não imagem ou que isso é não é comunica-ção, não é, porque eu sei pelo menos desde os anos 80, desde que o Peter Saville desenha as capas dos Joy Division ou dos New Order como sendo coisas sem imagem coisas cinzentas ou coisas abstractas sem os nomes das bandas na capa, que isso tinha um efeito comercial e um efeito editorial, um efeito culto absolutamente fantástico, e portanto, não tenho esse prima-rismo que muita gente tem de achar que a não-imagem, contudo às vezes dá vontade de estar próximo dos primeiros episódios dos Simpsons, e desse inacabamento, dessa imperfeição mais do que da alta resolução digital em muitos episódios.

_____

A: Mas haverá lugar para todos?

JF: Há lugar para todos obviamente, obviamente que há lugar para todos. O fundamental, não estar em bicos de pés, não ter uma avidez absoluta por ser diverso ou ser comunicante.

Eu sou a favor da ideia de entrar no jogo, ou de entrar no sistema ou de entrar naquilo que somos, não sou nenhum eremita. Se fossemos todos o Herberto Helder, não podíamos con-viver em sociedade, as coisas não avançavam. Portanto eu sei o mundo em que vivemos. Mas não me parece que a questão fundamental seja ser absolutamente ou prioritariamente diverso ou ser absolutamente ou prioritariamente comunicante. Eu prefiro ser outra coisa qualquer, que não sei qual é que é, e eventualmente a diversidade e eventualmente a comunicação acon-tecer. Para mim são instrumentos para eu fazer qualquer coisa e para eu ter a minha posição, neste caso, enfim, no nosso mundo da arquitectura, etc. São instrumentos mais do que fins. Porque às vezes as pessoas querem ser muito diversas e ficam absolutamente homogeneizadas nesse desejo de diversidade, ou às vezes querem ser comunicantes e estão apenas a gesticular na rua, a gesticular na internet.

O importante é ter uma relação intensa com aquilo que existe e com aquilo que somos e com aquilo que aconteceu na história e com aquilo que acontece ao nosso lado, com os campos magnéticos como eu dizia, que fazem a nossa cultura como gosto, obviamente por ir do Mi-nho a Nova York.

É tudo o que te sei dizer nesta altura do campeonato.

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Anexo: Entrevistas

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LIVROS E CATÁLOGOS

Arquitectura Popular em Portugal, Edição da Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1980

Arquitectura Portuguesa Contemporânea Anos Setenta/ Anos Oitenta, Fundação Serralves, 1991

Arquitectura Portuguesa Contemporânea 1991-2001.ASA

CORNING, Peter A: The Re- Emergence of Emergence, Complexity, 2002

ESBAP / Arquitectura Anos 60 e 70, Apontamentos, Publicações Faup, Porto, 1988

FIGUEIRA, Jorge: Agora que tudo está a mudar, Pensar Arquitectura, Colecção Caleidoscópio

FIGUEIRA, Jorge. Escola do Porto: Um Mapa Crítico, e|a|darq, 2002

GADANHO, Pedro: Arquitectura em Público, Dafne Editora, Porto, 2010

GRANDE, Nuno: “Crítico Wallpaper” Arquitectura & Não, Pensar Arquitectura, Colecção Caleidoscópio, 2005

Habitar Portugal 2006-2008, Selecção Mapei /Ordem dos Arquitectos

Influx Arquitectura Portuguesa Recente, Civilização Editora, Porto, 2003

JOHNSON, Steven: Emergência – A vida integrada de formigas, cérebros, cidades e softwares, 2003. (Tradução: Maria Carmelita Pádua Dias)

Metaflux: Duas Gerações na Arquitectura Portuguesa, Civilização Editora, Lisboa, 2004

OLIVEIRA, Ana: Uma escola, dois percursos, Prova Final para Licenciatura em Arquitectura, FAUP, 2007/2008

RODRIGUEZ, Jacinto: Álvaro Siza, Obra e Método, Civilização Editora, Porto, 1992

TESTA, Peter: The Architecture of Álvaro Siza, The MIT Press, Massachusetts 1984

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BIBLIOGRAFIA

REVISTAS

ARQ|A

Arq|a nº 3, Set/Out 2003

Arq|a nº 61 Set 2008

Arq|a nº 53 Jan 2008

Arq|a nº 80/81, Ma/Jun 2010

Arq|a nº 77, Jan/Fev 2010

Arq|a nº 44, Abr 2007

Arq|a nº 78/79, Mar/Abr 2010

Arq|a nº 71/72, Jul/Ago 2009

Arq|a nº 70, Jun 2009

Arq|a nº 55, Mar 2008

Arq|a nº 41, Jan 2007

Arq|a nº 57, Mai 2008

Arq|a nº 64, Dez 2008

Arq|a nº 39, Set/Out 2006

Arq|a nº 38, Jul/Ago 2006

Page 130: Arquitectura Portuguesa Emergente 2000-2010

Arq|a nº 17, Jan/ Fev 2003

Arq|a nº 52, Out 2007

Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

Arq|a nº 84/85, Set/Out 2010

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 51, 2007

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 53, 2008

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 55, 2008

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 57, 2008

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 61, 2008

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 63, 2008

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 65, 2009

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 67, 2009

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 69, 2009

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 77, 2010

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 80/81, 2010

Suplemento Geração Z in Arq|a nº 82/83, 2010

JORNAL DOS ARQUITECTOS

Antologia 1981-2004, Jornal dos Arquitectos, Publicação Trimestral, 218-219, Janeiro a Junho 2005

J.A., nº 55. Março 1987

J.A., nº I00, Junho 1991

J.A., nº 208, A condição Pós-Moderna, Nov/Dez 2002

J.A., nº 210, Seis Propostas para o Prémio Polis, Mar/Abr, 2003

J.A., nº 214, Geração X, Jan/Fev/Mar 2004

J.A., nº 223, Escassez, Abr/Mai/Jun, 2006.

J.A., nº 234, Ser Populista, Jan/Fev/ Mar, 2009

J.A., nº 235, Ser Rico, Abr/Mai/Jun, 2009

J.A., nº 236, Ser Pobre, Jul/Ago/Set, 2009

J.A., nº 237, Ser Português,

J.A., nº 238, Ser Emigrante,

J.A., nº 239, Ser Crítico,

J.A., nº 240, Ser Independente, Jul/Ago/Set, 2010

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BLOGS

http://www.abarrigadeumarquitecto.blogspot.com

http://www.ateliermob.com

http://bldgblog.blogspot.com/

http://www.planob-arruda.blogspot.com/

http://www.planob-barafunda.blogspot.com/

http://www.planob-songline.blogspot.com

http://www.quandoascatedraiserambrancas.blospot.com

http://www.moovblog.blogspot.com

http://www.revistadedalo.blogspot.com/

http://www.re-d.blogspot.com

http://www.shrapnelcontemporary.wordpress.com

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SITES

A caminho do país das maravilhas, http://www.oasrs.org/conteudo/agenda/noticias-trienal-detalhe.asp?noticia=101

FIGUEIRA, Jorge, Já há faculdades capazes de fazer sombra à FAUP, texto de Mariana Correio Pinto, P3, Jornal Público, (22/09/2011), http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura/587/j%C3%A1-h%C3%A1-faculdades-capazes-de-fazer-sombra-%C3%A0-faup

http://www.arquitectos.pt

http://www.arquitectum.com

http://www.atelierdata.com

http://www.ateliersdesantacatarina.org/

http://www.auzprojekt.com/

http://www.banksy.co.uk/

http://www.big.dk/

http://www.bustler.net

http://www.e-architect.co.uk

http://www.embaixada.net/

http://www.espacodearquitectura.com

http://www.habitarportugal.org/

WEBGRAFIA*

* Endereços consultados entre Dezembro de 2010 e Setembro de 2011

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http://www.kaputt.pt/

KWINTER, Sanfors. (Editorial). Revista Abitare (506- Set 2011). Ref: http://archen.mr926.me/tag/abitare

VENTOSA, Margarida. O que mudou, o que não mudou e o que precisa de mudar. http://www.artecapital.net/arq_des.php?ref=49.

http://www.moov.tk/

http://www.outrosmercadus.pt

http://www.oma.eu/index.php?option=com_content&task=view&id=128&Itemid=2

http://www.planob.com/

http://www.portuguese-architects.com

RODEIA, João Belo. Discurso do Presidente da O. A. na sessão solene do Dia Nacional do Arquitecto 2010. http://arquitectos.pt/?no=2020492276,154.

http://www.sami-arquitectos.com

http://www.supersudaca.org/blog/?p=1431

http://www.wonderland.cx/concept.html

http://www.wuda.eu/

_________

VIDEOGRAFIA

Arquitectura sem Arquitectos, Ver Artes/Arquitectura”, RTP2, 1996, http://www.youtube.com/watch?v=PdoqPSm5M-o

Be kind Rewind, Michel Gondry, 2008

Where good ideias come from, Steven Johnson, http://www.youtube.com/watch?v=NugRZGDbPFU&feature=player_embedded

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ÍNDICE DE IMAGENS

fig 1. Flocos de Neve - http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c2/SnowflakesWilsonBen-tley.jpg

fig 2. Capa da revista “Wondeland #1” - http://www.wonderland.cx/magazine_01.html

fig 3. Wallpaper da Revista “A10-New European Architecture - http://www.a10.eu/servicelinks/about.html

fig 4 Capa da publicação “Metaflux” - http://shrapnelcontemporary.wordpress.com/archive-texts/metaflux/

fig 5. Maço de tabaco “Português Suave” - http://www.tttt.ru/countries_tools/countries/portugal/show.htm

fig 6. Capa Revista “Casa Bella, nº 539” - http://www.blaubooks.com/auctions/bid/52

fig 7. “Quem tem medo do Corbusila?” - fotomontagem do autor

fig 8. Levantamento de tipologias - Arquitectura Popular em Portugal. Edição da Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa, 1980

fig 9. Planta da Casa Manuel Magalhaes, Porto, 1967 - ÁLVARO SIZA PROFISSÃO POÉTICA, ELEC-TA/THE ARCHITECTURAL PRESS, 1986

fig 10. Planta do Banco Pinto e Sotto Maior, Oliveira de Azemeis, 1974 - ÁLVARO SIZA PROFISSÃO POÉTICA, ELECTA/THE ARCHITECTURAL PRESS, 1986

fig 11. Projectos para Kreuzberg, Berlim, Alemanha, 1979 - TESTA,Peter. The Architecture of Álvaro Siza. Massachusetts : The MIT Press. 1984

fig 12. Capa da Revista “Kenchiku Bunka vol.52 nº607”, Maio 1997

fig 13. Capa do Suplemento “Mil Folhas”, “Público”, 9 Dez. 2000 - GADANHO, Pedro. Arquitectura em Público. Dafne Editora. 2010.

fig 14. Cálice de Vinho do Porto “Álvaro Siza” - http://www.aluisa.com.pt/uploads/47acl.jpg

fig 15. “Captain Siza and the Modern Issue” - fotomontagem do autor

fig 16. Biblioteca do Pólo Universitário de Aveiro (Álvaro Siza, 1988-1995) - http://v23.lscache5.c.bigcache.googleapis.com/static.panoramio.com/photos/original/9104289.jpg

fig 17 Pavilhão de Portugal, Lisboa (Álvaro Siza, 1994-1998) - http://w3.ualg.pt/~ealmeida/Fotos/Pav_Portugal_EXPO98.jpg

fig 18. “Transformers - Batalhas Escolares” - fotomontagem do autor

fig 19. “Barbies Arquitectas”- fotomontagem do autor

fig 20. Capas de revistas portuguesas de Arquitectura e Arte, dos anos 50 ao ano 2010.

Capas de Revistas de “estilo de vida” presentes no mercado que incluem secções dedicadas à ar-quitectura:

Atitude - http://2.bp.blogspot.com/_Yknid-UiSeQ/TNwRkR9uZOI/AAAAAAAABKM/wW-3Fi kteak/s400/Atitude.jpg

Casa Cláudia - http://www.google.pt/imgres?q=www.casaclaudia.pt&um=1&hl=pt-PT&s a=X&biw=1366&bih=634&tbm=isch&tbnid=5Y5-rNr07Tut7M:&imgrefurl=http://www.vila campina.pt/pressGallery_Eng/Cc.html&docid=75ctZqtxCoBiAM&w=480&h=622&ei=lG9tTu WZ-MIGe- QbppdXeBA&zoom=1

Visão-http://3.bp.blogspot.com/_Y8d6Ck8gFjY/SvqiWjysadI/AAAAAAAABr0/38McGxCcylk/s400/

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Elle Decor: http://www.magnation.com/product-detail/76af6142cd8877e2638c979d6573935b/Elle-Decor-Italia-Sea-Freight.jpeg

fig 21. Programa de televisão “Ver Artes/Arquitectura” - RTP2 (1996) - http://www.youtube.com/watch?v=PdoqPSm5M-o

fig 22. “Qr code” - http://arquivosmaximus.blogspot.com/2009/03/artigo-qr-code-padao-de-codigos-de.html

fig 23. Recortes das capas das revistas “J.A. Geração X” nº 214 (Jan/Fev/Mar 2004) e “Arq|a Geração Z#1“ nº 75/76” (Nov/Dez 2009), respectivamente

fig 24. WUDA* Tridom Puzzle (Munique) - http://www.habitarportugal.org/hp2009/uploads/imgs/1243950307S0sEO1ug4Dr54OU9.jpg

fig 25. RED. MCity - FLUOScape (Kuntthaus Graz) - Arq|a nº 84/85, Set/Out 2010

fig 26. ONOFFICE.Shuffle House (Porto) - http://www.jornalarquitectos.pt/pt/240/mais%20novos/

fig 27. “The Beatles: saving The Earth” - fotomontagem do autor

fig 28. ateliermob.com

fig 29. shrapnelcontemporary.wordpress.com

fig 30. abarrigadeumarquitecto.blogspot.com

fig 31. ateliersdesantacatarina.org

fig 32. sami-arquitectos.com

fig 33. atelierdata.com

fig 34. www.moov.tk

fig 37. “heavy height title of ARCHI_COMUNICATION” - fotomontagem do auto.

fig 35. auzprojekt.com

fig 36. embaixada.net

fig 38. “Turbine City” (ONOFFICE) - http://www.jornalarquitectos.pt/pt/240/mais%20novos/

fig 39. “Forwarding Dallas” (MOOV+AtelierDATA) - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 40. MarcosandMarjan - “Museu Tomihiro” (Japão, 2002) - Influx Arquitectura Portuguesa Recente, Civilização Editora, Porto, 2003

fig 41. MarcosandMarjan - “Sede da New England Biolabs” (EUA, 2001) - Influx Arquitectura Portugue-sa Recente, Civilização Editora, Porto, 2003

fig 42. e fig 43 ReD - “FlyingCARPET” (Lisboa, 2008) - http://4.bp.blogspot.com/_2CoLFYLJ4XY/R0VmDlx6zgI/AAAAAAAAAOA/kEU6NFj23e8/s1600-h/ReD_VK_FlyingCARPET_01.jpg

fig 44. e fig 45 ReD - MCity – CONEplex (Kunsthaus Gaz, 2005) - http://1.bp.blogspot.com/_2CoLFYLJ4XY/RysTTKqPegI/AAAAAAAAAHc/UQ4vFH7QNjU/s1600-h/24_red_web_m-city_spa-ce01_02.jpg

fig 46. e fig 47 ReD - “Fachada Habitada” (Porto, 2009) - Arq|a nº 84/85, Set/Out 2010

fig 48. e fig 49. Plano B - “Casa do Garrano” - Arq|a nº 84/85, Set/Out 2010

fig 50. e fig 51. SAMI - “Centro de Visitantes da Gruta das Torres” - http://habitarportugal.arquitectos.pt/pt/projects/67.html e http://www.jornalarquitectos.pt/pt/234/mais%20novos/

fig 52. e fig 53. Onffice - “Turbine City” - http://www.jornalarquitectos.pt/pt/240/mais%20novos/

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fig 54. e fig 55. Kaputt! - “Torre Reciclarte” - Arq|a nº 84/85, Set/Out 2010

fig 56 e fig 57. “Walls” Alexandre Farto aka VHILS - http://alexandrefarto.com/

fig 58. ateliê MOOV - Suplemento Geração Z in Arq|a nº 51, 2007

fig 59. equipa MOOV - Suplemento Geração Z in Arq|a nº 51, 2007

fig 60. Performance“Seta Amarela” - moov.tk

fig 61. Instalação”Scape” - moov.tk

fig 62. Projecto “Habitats Abertos” - moov.tk

fig 63. Projecto “Forwarding Dallas” Perspectiva geral - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 64. Projecto “Forwarding Dallas” Imagem virtual - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 65. Projecto “Forwarding Dallas” Esquemas de implantação e de conceito do projecto - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 66. Projecto “Forwarding Dallas” Esquemas de áreas, tipologias e organização do programa - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 67. Projecto “Forwarding Dallas” Estudo de insulação - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 68. Projecto “Forwarding Dallas” pormenores de revestimento da fachada e de funcionamento do estore personalizado - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 69. Projecto “Forwarding Dallas” Fachada(s) Sul - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 71. Projecto “Forwarding Dallas” Fachada(s) Norte - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 72. Projecto “Forwarding Dallas” Fachada(s) Norte - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 70. Projecto “Forwarding Dallas” Vista geral - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 73. Projecto “Casas Pax” - moov.tk

fig 74. Publicação “SWARS” - moov.tk

fig 75. “Permanência vs Impermanência” Suplemento Geração Z in Arq|a nº 57, 2008

fig 76. equipa Plano B - Arq|a nº 84/85, Set/Out 2010

fig 77, fig 78 e fig 79. Exposição “Geraçã Z ciclo #1” - http://geracaoz.wordpress.com/2010/10/16/261/

fig 80. “Homeland” (Bienal de Cerveira, 2007) - planob.com

fig 81. Projecto “Colunas de Terra” - http://www.planob-barafunda.blogspot.com/

fig 82. projecto “Casana Arruda” Perspectiva exterior - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 83. projecto “Casana Arruda” perspectiva interior - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 84. projecto “Casana Arruda” Implantação sobre planta topográfica - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 86. projecto “Casana Arruda” Alçado Sul - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 88. projecto “Casana Arruda” Corte B - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 85. projecto “Casana Arruda” Planta - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 89. projecto “Casana Arruda” Corte A - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 87. projecto “Casana Arruda” Alçado Oeste -http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

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fig 92. projecto “Casana Arruda” Pormenores constructivos dos vãos exteriores - http://www.habitar-portugal.org/ficha.htm?id=30

fig 90. projecto “Casana Arruda” perspectiva da estrutura de madeira - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 91. projecto “Casana Arruda” preenchimento das paredes com terra e palha - http://www.habitarpor-tugal.org/ficha.htm?id=30

fig 93. projecto “Casana Arruda” Axonometria Expodida - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=30

fig 94. “Songline the Idea” (EUA, 2009), montagem final - http://www.planob-songline.blogspot.com

fig 95. palavra “Progress” - http://www.planob-songline.blogspot.com

fig 96. Proteção para pés de cadeira; candeeiro de betão (2004) - Suplemento Geração Z in Arq|a nº 65, 2009

fig 97. equipa AUZprojekt - Arq|a nº 75/76, Nov/ Dez, 2009

fig 98. Serviço Férias Obrigatório (concurso Tektónica 2006) - Suplemento Geração Z in Arq|a nº 65, 2009

fig 99. III-Investimentos Imobiliários (Trienal Lisboa, 2007) - http://trienal.blogs.sapo.pt/6622.html

fig 100. XOU- Street Pavilion (Concurso Peepshow, Canadá, 2004) - oldsite.auzprojekt.com

fig 101. TUB-Construir é já Habitar (2004) - Suplemento Geração Z in Arq|a nº 65, 2009

fig 102 e fig.103. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Perspectivas exteriores

fig 104. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Planta piso -1 - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 106. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Planta piso 1 - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 105. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Planta piso 0 - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 107. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Planta piso 2 - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 112. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Alçado Poente - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 111. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Corte A - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 108. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Perspectiva interior - http://www.habitarportugal.org/ficha.htm?id=195

fig 109 e fig 110. Projecto “Casa Dr. Reginaldo Spenceire” Perpectivas exteriores - http://www.habitar-portugal.org/ficha.htm?id=195

fig 113. SFU - Social Furniture Urban (2003) - auzprojekt.com

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