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ARQUEOLOGIA 1 PATRIMÓNIO I HISTÓRIA LOCAL ISSN 2182·7265

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ARQUEOLOGIA 1 PATRIMÓNIO I HISTÓRIA LOCAL

ISSN 2182·7265

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EDITORIAL

II Série, n.º 22, tomo 1, Janeiro 2018

Proprietário e Editor |Centro de Arqueologia de Almada,Apartado 603 EC Pragal, 2801-601 Almada PortugalNIPC | 501 073 566Sede | Travessa Luís TeotónioPereira, Cova da Piedade, 2805-187 AlmadaTelefone | 212 766 975E-mail | [email protected] | www.almadan.publ.ptISSN | 2182-7265Estatuto editorial |www.almadan.publ.ptDistribuição | http://issuu.com/almadanPatrocínio | Câmara M. de AlmadaParceria | ArqueoHoje - Conservaçãoe Restauro do PatrimónioMonumental, Ld.ªApoio | Neoépica, Ld.ªDirector | Jorge Raposo([email protected])Publicidade | Centro de Arqueologiade Almada ([email protected])Conselho Científico |Amílcar Guerra, António Nabais, Luís Raposo, Carlos Marques da Silvae Carlos Tavares da SilvaRedacção | Centro de Arqueologia deAlmada (sede): Vanessa Dias,Ana Luísa Duarte, ElisabeteGonçalves e Francisco Silva

Resumos | Jorge Raposo (português),Luisa Pinho (inglês) e Maria Isabel dosSantos (francês)Modelo gráfico, tratamento de imageme paginação electrónica | Jorge RaposoRevisão | Vanessa Dias, José CarlosHenrique, Fernanda Lourenço e SóniaTchissoleColaboram neste número |André Albuquerque, Nelson J. Almeida,Clementino Amaro, Ferran Antolín, José M. Arnaud, Ruben Barbosa, Ana C.Basílio, Luísa Batalha, João Belo, MarianBerihuete Azorín, Nuno Bicho, FlávioBiscaia, Carlos Boavida, Anabela

Borralheiro, Patrícia Brum, GuilhermeCardoso, António R. Carvalho, DanielR. de Carvalho, João Cascalheira,Enrique Cerrillo Cuenca, FernandoCoimbra, Luís Costa, Paulo Costa, Maria Isabel Dias, Mariana Diniz, Graça Cravinho, Pedro Cura, Joséd’Encarnação, Lídia Fernandes, CristianaFerreira, António Fialho, Rui RibolhosFilipe, José P. Francisco, Jorge Freire,Sara Garcês, Manuel García-Heras,Marijo Gauthier-Bérubé, Carolina Grilo,Vanda B. Luciano, Luís Luís, Ana P.Magalhães, João Marques, AndreaMartins, Ana Mateos Orozco, AlexandreMonteiro, César Neves, Luiz Oosterbeek,

Capa | Jorge Raposo

Imagem de visita à Rocha 1 da Ribeira dePiscos, no Parque do Côa, cerca de ummês após cheia registada no Inverno de2014. A linha tracejada a branco, à direita,marca a cota de inundação, aquievidenciada pela sobreposição de filtro quemescla a imagem original com umasuperfície aquática.

Foto © Luís Luís, Fundação Côa Parque,parcialmente sobreposta por imagemdisponível na Internet.

A abrir, esta Al-Madan Online confronta-nos com uma séria ameaça à integridade epreservação de uma das jóias da Arqueologia portuguesa, justamente integrada na listado Património Mundial da UNESCO: a arte rupestre do Vale do Côa, que em 1996 se

livrou da submersão provocada pela construção de uma barragem, mas está desde então sujeita acheias prolongadas. “As gravuras não sabem nadar” deu mote a um movimento que abalou asociedade portuguesa nos já distantes anos 1990. Presumimos hoje que continuarão a não saber.Contudo, constatamos que boa parte delas teve de desenvolver entretanto uma invulgar aptidãopara o mergulho em apneia!Conhecidas as condições ambientais da região, é expectável que a acção dos agentes naturaisaumente sazonalmente o caudal do rio Côa. Mas não é admissível permitir que esse efeito sejafortemente agravado pela ensecadeira que deveria ter funcionado só alguns meses, durante aconstrução da barragem, mas lá permanece quase 25 anos depois! É um enorme factor de riscopara um Património único e insubstituível, e também uma severa condicionante à suainvestigação, conservação e fruição pública. Identificar o problema e detalhar as suas causas econsequências tem o inegável mérito de alertar para a urgência de medidas correctivas quemerecem a atenção imediata da DGPC e da Fundação Côa-Parque.O Parque e o Museu do Côa justificam ainda outra abordagem nas páginas desta Al-MadanOnline, onde é defendido um modelo alternativo de gestão patrimonial. É um dos textos deopinião, que também se ocupam da investigação do século VIII e do paradigma dos orçamentosparticipativos. Os artigos dedicados a trabalhos e estudos arqueológicos são diversificados,temática e cronologicamente, e tratam contextos e materiais que vão da romanidade ao século XIX: da villa romana de Fundo de Vila (Tábua) à rede viária dessa época na zona doVimieiro (Arraiolos); das várias ocupações do Alto da Casa Branca (Lisboa) aos fornos de calcontemporâneos em Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Trofa; de 1/4 de dirham almóadarecolhido na zona de Alcácer do Sal, às gemas gravadas em alfaia litúrgica dos séculos XIV-XV eaos projécteis de armas ligeiras usados nos confrontos do século XIX. Há ainda um contributopara a história do ensino da Arqueologia em Portugal, a análise de fontes documentais relativasaos Paços do Município de Alcácer do Sal e à arte do guadameci em Évora e Vila Viçosa nosséculos XVI e XVII, e espaço para defender a tese que Fernão Lopes (≈1380/1390-1460) teránascido e sido sepultado no Alandroal. Por fim, desenvolvido noticiário arqueológico antecede ocomentário a diversos eventos e a agenda dos que são conhecidos para os próximos meses.E para começar bem, tem já a seguir uma reflexão sobre o binómio Arqueologia - Turismo.

Votos de boa leitura!

Jorge Raposo

Pedro Patacas, Franklin Pereira, MiguelPessoa, Rui Pinheiro, Inês V. Pinto,Leonor Pinto, Sandro Pinto, LuísRaposo, Raquel C. Raposo, ClodoaldoRoldán García, Maria Isabel Sarró, ChrisScarre, Isabell Schmidt, João L. Sequeira,Fernando R. Silva, Elisa Sousa, João P.Tereso, André Teixeira, André Texugo,João Torcato, António Valera, AntónioValongo e Gerd-Christian Wenigeru

Os conteúdos editoriais da Al-Madan Onlinenão seguem o Acordo Ortográfico de 1990.No entanto, a revista respeita a vontade dosautores, incluindo nas suas páginas tantoartigos que partilham a opção do editorcomo aqueles que aplicam o dito Acordo.

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ÍNDICE

II SÉRIE (22) Tomo 1 JANEIRO 2018online

EDITORIAL ...3

CRÓNICAS

ARQUEOLOGIA

As Gravuras Ainda não Aprenderam a Nadar:impacto das cheias na arterupestre do Vale do Côa entre 1996 e 2016 |Luís Luís...10

A Arqueologia e o Turismo:útil binómio a acautelar |

José d’Encarnação...6

ESTUDOS

Quinta das Covas, uma Villa Romana em

Fundo de Vila, Tábua |Raquel Caçote Raposo

...29

O Sítio Arqueológico do Alto da Casa Branca (Tapada da Ajuda, Lisboa) | GuilhermeCardoso, Clementino Amaro e Luísa Batalha...35

Os Fornos de Cal Artesanais nosConcelhos de Vila do Conde, Póvoa

de Varzim e Trofa na ÉpocaContemporânea: contributo para

o seu estudo | Fernando Ricardo Silva...41

A Rede Viária Romana como Objeto de Reflexão: a propósito dos troços calcetados da Herdade das Postas e da ponte da Fargelinha(Vimieiro, Arraiolos) |Ruben Barbosa...50

Gemas Gravadas numa Alfaia Litúrgica |

Graça Cravinho...60

Bater a Caçoleta: subsídio para o estudo da coleção de projéteis de armas ligeiras do Museu Leonel Trindade | Rui Ribolhos Filipe...74

Breve Nota sobre 1/4 de Dirham Perfurado de Cronologia AlmóadaEncontrado Junto a Qasr al-Fath / Alcácer [do Sal] | António RafaelCarvalho...68

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O Ensino da Arqueologia no Século XIX: uma abordagem preliminar de propostas,programas e cursos | Daniel Martins da SilvaRodrigues de Carvalho...80

¿Por qué no se estudia el siglo VIII? Una reflexión historiográfica y bibliométrica |Ana Mateos Orozco...98

HISTÓRIA DA ARQUEOLOGIA PORTUGUESA

Museu do Côa: dodiscurso institucional

ao museu participativo |José Paulo Francisco

...86

OPINIÃO

Guadamecis e Guadamecileiros de Évora e Vila Viçosa: uma arte

de luxo em 1500-1600 |Franklin Pereira...131

Do Castelo até à Ribeira: um olhar sobre os Paços do Município de Alcácer do Sal | AntónioRafael Carvalho...114

Textos de...

José d.’Encarnação [pp. 182-184]; João P. Tereso et al. [pp. 185-187]; João Cascalheira et al. [pp. 187-189];Fernando Coimbra e Luiz Oosterbeek [pp. 190-191];António Valera [pp. 192-193];João P. Tereso [pp. 193-194];Manuel García-Heras et al. [pp. 195-196];José M. Arnaud et al. [pp. 197-198]

EVENTOS

Agenda...199

PATRIMÓNIO O Estranho Caso da Ota: o paradigma dos Orçamentos Participativos e os resultadosde um projecto “comunitário” | AndréTexugo e Ana Catarina Basílio...104

Textos de...

Nelson J. Almeida et al. [pp. 150-151]; Rui Pinheiro [pp. 152-157];Guilherme Cardoso [pp. 158-159]; João L. Sequeira e António Valongo [pp. 160-161]; Vanda B. M. Luciano [pp. 162-163];André Albuquerque et al. [pp. 164-165]; Alexandre Monteiro et al. [pp. 166-170];Ana Patrícia Magalhães et al. [pp. 171-173];Lídia Fernandes e Carolina Grilo [pp. 174-176];Miguel Pessoa [pp. 177-181]

NOTICIÁRIO

ARQUEOLÓGICO...150

Fernão Lopes, natural do Alandroal | João Torcato

e José d’Encarnação...145

HISTÓRIA LOCAL

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FIG. 2

sumidora das indústrias culturais”, aludiu à “Ar -queo logia bíblica”, à insistência na presença deFe nícios nos Açores, realçando a necessidade dese optar por uma Arqueologia crítica, comunitária(a envolver o conjunto da sociedade), e cri ticandoa Arqueologia “da vala e do buraco”, as pilhagens,a caça ao tesouro, em que estão en volvidas empre-sas apoiadas por personalidades po líticas de relevo,inclusive chefes de Estado.

1 – É inevitável um processo selectivo para o patri-mónio? Ou a actuação não deverá seguir no sentidode consciencializar os organismos institucionais dasua responsabilidade na salvaguarda destes bens eda necessidade de investimento na área da conser-vação e preservação dos seus valores patrimoniais,tendo em vista a sua importância como recursoúnico e fundamental para o contributo do todo so -cial, presente e futuro?2 – Deveremos investir em critérios de selecção edispositivos iguais que os promovam, des-curando a necessidade de fo mentar cri-térios legais que protejam o pa trimóniocomo um to do e incentivem os meios eco-nómicos para nele apostarem?3 – Face à inevitabilidade de critériosde selecção, que valores lhes podem estarsubjacentes, à luz dos conhecimentos ac -tuais, de modo que o incremento tecno-lógico e de meios não venha a revelar-secomo uma lacuna no conhecimento fu -turo do nosso passado?”Alexandre Monteiro, ligado à Ar queo -logia Subaquática, foi muito assertivoe, por vezes, justificadamente cáusticona sua intervenção, ao referir, porexemplo, que, na Tailândia, o bronzede um canhão recuperado servira parauma estátua de Buda (Fig. 2); ou que,na China, a Arqueologia Subaquáticaserve para justificar nacionalismos e aposse de uma porção do oceano. Sendoa classe média, afirmou, a “grande con-

Subordinado ao tema “Depósitos Arqueoló -gicos: património ou lixo?”, realizou-se, con-

forme estava previsto, na Sociedade de Geografiade Lisboa, a 11 de Outubro de 2017, um co ló -quio que reuniu, em média, cerca de 60 arqueó-logos. Uma iniciativa conjunta da Secção de Ar -queologia da Sociedade e do Centro de Arqueo -logia de Lisboa (Fig. 1).O Prof. Doutor Aires de Barros, presidente daSociedade anfitriã, saudou os participantes, refe-riu-se à importância do debate na conjunturaactual e augurou o maior êxito para os trabalhos,que tive a honra de moderar. Também no mesmosentido usaram da palavra o Prof. Doutor JoãoCarlos Senna-Martínez, vice-presidente da Secçãode Arqueologia da Sociedade de Geografia, e oDr. António Marques, coordenador do Centrode Arqueologia de Lisboa.Alexandra Gradim, da Câmara Municipal de Al -coutim, historiou o que tem sido a investigaçãoarqueológica naquele remoto concelho algarvio,em cujo castelo, no ano 2000, se inaugurou umMuseu de Arqueologia, cujo rés-do-chão, com114 m2, ficou destinado a reserva. Privilegiou-sea cuidada embalagem, devidamente monito -rizada; pensa-se já na ampliação e em investir naconservação e na selecção dos materiais a expore/ou a estudar. O êxito dessa actividade temconstituído uma “surpresa muito positiva”. Trans -creve-se a parte final da sua intervenção, a quetive acesso, por intermédio de Ana Caessa (cujaco laboração agradeço):“No entanto, o binómio lixo ou património, mesmoencarando-o como uma provocação reflexiva, nãodeixa de me levantar algumas questões éticas e, maisdo que as desejadas respostas ao problema, adensam--se as dúvidas em relação às opções que se perfilam.E assim, concluindo a minha intervenção, e naperspectiva de estimular o debate desta tarde, refi-ro-vos alguns aspectos da encruzilhada de para -digmas em que me encontro:

Depósitos Arqueológicos

património ou lixo?

José d’Encarnação

[Catedrático de História, aposentado, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra].

Por opção do autor, o texto não segue as regras do Acordo Ortográfico de 1990.

EVENTOS

182 II SÉRIE (22) Tomo 1 JANEIRO 2018online

FIG. 1

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Às 10:48 horas, foi dada a palavra a AntónioCarvalho, que se apresentou na qualidade de“ou vidor” da parte da Directora-Geral do Patri -mónio Cultural, uma vez que recebera esse encar-go, no sentido de lhe transmitir o essencial queali iria ser analisado. Interveio, no entanto, naqualidade de director do Museu Nacional de Ar -queologia, historiando o que fora a política dedirectores que o antecederam, nomeadamenteos Drs. Francisco Alves e Luís Raposo, no que serefere à organização das reservas do museu, quealbergam, neste momento, materiais de 3153 sí -tios arqueológicos, acumulados ao longo de 170anos, praticamente de todos os concelhos doPaís. Salientou a importância do arrumo físico,do uso de contentores standard, “uma caixa pró -pria para cada artefacto”. Recomendou, por fim,o recurso a parcerias, nomeadamente através daRede Portuguesa de Museus, e deu exemplos daeficácia desse procedimento.Às 11:11 h, foi a vez de António Manuel Silva,arqueólogo a trabalhar na Câmara Municipal doPorto, que começou por aludir ao “insustentávelpeso dos cacos na Arqueologia portuguesa”, quandoparece preconizar-se uma “Arqueologia low cost”.Quanto à recolha dos materiais, perguntou: deveser sistemática? Por amostragem? Que fazer dosespólios volumosos? No que se refere ao tratamen -to dos espólios, as questões que se lhe põem são:etiquetar tudo ou não? Que procedimentos a tercom os metais e os materiais orgânicos? Optar--se-á pela avaliação e descarte “em gabinete”?Segue-se a 3.ª fase, a do depósito, que implicaestudo e valorização. Opta pela palavra “arquivo”em vez de “depósito” e, no caso da cidade doPor to, propõe a criação de um Centro de Re cur -sos Arqueológicos / Casa da Memória, de 700 a900 m2, de gestão intermunicipal ou regional.

Urge terminar, observou, com o regime de efe-meridade em que se vive: congressos sem actaspublicadas, por exemplo. Criem-se bolsas, pré -mios de investigação!António Marques, do Centro de Arqueologia deLisboa, aludiu ao aumento substancial do númerode trabalhos arqueológicos, muito diferente doque há anos se passava, porque tínhamos uma“Arqueologia de Projecto”; agora, já temos uma“Arqueologia Contemporânea”, o que significasubstancial aumento de espólios a tratar. Duasati tudes a tomar, portanto: pugnar para que supe-riormente se encare a rendibilidade do patrimónioarqueológico e entregar o espólio no sítio certo.Carlos Fabião, professor da Faculdade de Letrasda Universidade de Lisboa, interveio a partir domeio-dia e dez minutos (Fig. 3), pondo a tónicana necessária leitura do que preconiza o Re gu -lamento dos Trabalhos Arqueológicos, onde estábem claro que a Arqueologia deve servir para aprodução do conhecimento histórico, como ele-mento essencial da cultura dos povos. Há, pois,que inscrever a Arqueologia no contexto da socie-dade portuguesa; e não carecemos de mais legis-lação, porque é bem explícita e completa a quetemos. Urge corresponsabilizar todos e não insistirnos tópicos “virtude do arqueólogo” / “irrespon-sabilidade da tutela”. Há uma efectiva rede dedepósitos? Aposta-se na criação de emprego cien-tífico? E deu dois exemplos: 1.º) queria incorporarna exposição “Lusitânia Romana: origem de doispovos” a falcata de Elvas; não pôde, porque oseu estado de conservação o não permitiu; 2.º)na escavação de Ammaia, achou-se uma moedanas condições em que habitualmente estão asmoe das; a prioridade foi tratá-la em laboratórioe, quatro horas depois, estava-se perante um nu -misma Urbs Roma de Constantino, o que certa-

mente não aconteceria se não houvera a preocu-pação de imediato tratamento laboratorial.Carlos Mendes, responsável pela associação deutilidade pública Terras Quentes, de Macedo deCavaleiros, fundada em 2002, deu conta da acti-vidade da sua associação em termos de conser-vação dos espólios; aludiu à possibilidade de –numa perspectiva de rendibilização – se “certificarum caco e vendê-lo”! Lembrou que 2018 será oAno do Património Cultural, o que constituiráocasião óptima para que venham a concretizar-se algumas das sugestões aqui enunciadas.A finalizar a manhã, João Luís Cardoso, que su -perintende na Arqueologia de Oeiras, referiu-seàs iniciativas que ali se têm realizado, nomeada-mente a criação de um espaço anexo à Fábricada Pólvora de Barcarena, de tratamento, estudoe exposição de materiais, para fruição por partedo público. O recurso a jovens de vários progra-mas ocupacionais e a regular publicação dos Es -tudos Arqueológicos de Oeiras (23 números de1991 a 2016) hão proporcionado um bom desen-volvimento da Arqueologia naquele concelho.A partir das 14:35 h, Eugénia Cunha, do Depar -tamento Ciências da Vida (Laboratório de An -tropologia Forense) da Universidade de Coimbra,aludiu à cada vez maior importância que se estáa dar aos restos osteológicos, na medida em quese apuram as técnicas susceptíveis de, atravésdeles, se conhecerem muitas características daes pécie humana e, concretamente, dos indivíduos.Há que criar, em seu entender, reservas osteoló-gicas nacionais, nas melhores condições possíveis,designadamente no que se refere à aclimatação,porque, por exemplo, as técnicas de determinaçãodo ADN não se conheciam e, agora, há, atravésdelas, novas perspectivas da análise que se abrem.Deu inúmeros exemplos estrangeiros, que con-

FIG. 3

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FIG. 4

ao dispor daquela unidade, com uma gestão incom-petente e negligente do processo relativo às suas ins-talações;Propõe-se a comunicação às entidades competentesdo Ministério da Cultura de um veemente voto derepúdio pelo seu desempenho neste processo, acom-panhado da exigência da tomada de medidas ime-diatas para a criação/reposição de todas as condiçõesque garantam a adequada conservação, estudo efrui ção pública do acervo em causa, parcela ímpardo Património Cultural Português”.Posta à discussão, vários dos presentes inter -vieram, mormente no sentido de apoio ao quese propunha. Nada mais havendo a referir nesseâmbito, o moderador pôs a proposta à votação,que foi aprovada por larga maioria, pois se regis-taram algumas abstenções, mas nenhum votocontra. Pode acrescentar-se, desde já, que – con-forme se preconizava – a moção foi por mimen caminhada para a Senhora Directora-Geral doPatrimónio Cultural e para a Procuradoria-Geralda República, sem que, até ao momento emque preparo este relato, tenha eu próprio recebidoqual quer resposta, o que era, de resto, expectá-vel.Das intervenções havidas, devo realçar que houveuma grande sintonia de opiniões. Algumas dasideias expostas:‒ A necessidade de viabilizar a admissão de pessoalqualificado para o desempenho, nos vários orga-nismos, das tarefas que a preservação e conse-quente estudo e valorização dos espólios reque-rem.‒ A premente opção de descentralizar compe-tências;‒ A viabilidade, a impulsionar, de se certificaramdepósitos arqueológicos através da Rede Portu -guesa de Museus;

siderou modelares e passíveis de ser incre men -tados entre nós.Francisco Sande Lemos, que acompanhou desdeo início os trabalhos em Bracara Augusta, pio -neiros no âmbito de uma Arqueologia Urbanasistemática, disse que, ali, o facto de todos os ma -teriais darem entrada, devidamente identificados,no Museu D. Diogo de Sousa tem sido a opçãoadoptada, com êxito, embora o espaço se estejaa tornar, obviamente, cada vez mais diminuto.A propósito da palavra “lixo”, não quis deixarde sublinhar a importância que constitui paraos arqueólogos o achamento de uma lixeira, dadaa profusão de informações que aí permite colher.Preconizou que a solução para os problemas queestão a ser debatidos se deve apoiar numa efectivadescentralização de responsabilidades para asautarquias.Foram dois, a partir das 15:10 h, os tópicos prin-cipais da intervenção de José Arnaud, presiden -te da Associação dos Arqueólogos Portugueses(Fig. 4): a opção por uma solução de compro-misso, que passa pela selecção dos materiais aar mazenar; e deve competir aos museus regionaisa salvaguarda desses espólios.Miguel Lago, responsável pela empresa ERAArqueologia, começou por referir que a sua em -presa criara o Depósito dos Perdigões, onde man-tinha em reserva boa parte dos materiais das suasintervenções. No âmbito específico dos problemasabordados na sessão, fez as seguintes recomen-dações aos profissionais e à(s) tutela(s):– Criação da rede de depósitos certificados;– Maior uniformização de critérios de recolha edepósito;– Controlo de inventários pela tutela (incluindoos espólios à guarda de arqueólogos);– Controlo do tráfico de espólios.

Após a apresentação de todas as comunicações,de acordo com o programa, dispunha-se de cercade 45 minutos para debate e esclarecimento dasquestões levantadas. Antes, porém, foi lida, a seupedido, a moção da arqueóloga Jacinta Bugalhão,que a apresentou nestes termos:“Considerando as alarmantes notícias vindas apúblico recentemente sobre a situação de risco emque se encontra o importantíssimo espólio à guardado Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Su -baquática / Direcção-Geral do Património Cultural,motivada pela conjugação de uma escandalosa insu-ficiência de meios humanos, técnicos e financeiros

EVENTOS

‒ Sendo a situação criada o corolário de umane gligência sucessivamente acumulada e de des-respeito pelo que a legislação em vigor impõe,competirá ao arqueólogo decidir o que guardare o que selectivamente eliminar.

Recordaria, neste âmbito da eliminação selectiva,que uma intervenção arqueológica actual, nomea-damente em contexto urbano, se reveste de umasensibilidade que, há anos, não se tinha, quando,por exemplo, se procurava chegar a níveis ro ma -nos ou da Idade do Ferro, consoante os interessesda investigação (por exemplo, académica) doarqueólogo, e se desprezavam os níveis superiores,negligenciando espólios dos séculos XV e poste-riores, a que, hoje, naturalmente, também se dáimportância.É uma perspectiva diferente, mais consentâneacom a deontologia científica, não há dúvida, masque implica, por outro lado, a recolha de muitomaior quantidade de espólio.

Costuma dizer-se, a propósito de muitas matérias,que “cada caso é um caso”. E, de certa maneira,também não deixou de ser, a meu ver, essa atónica geral do debate: há que privilegiar o sentidode responsabilidade do agente: fazer Arqueologiaé fazer História, com a agravante, amiúde citada,de que – ao contrário dos estudiosos de perga-minhos e manuscritos – o arqueólogo, ao escavar,“rasga” o documento que encontrou e ninguémmais o pode ler. Restarão os relatórios conscienciosamente ela-borados, é certo; restarão os vestígios que brio-samente se guardaram. E essa é a nossa responsa -bilidade, que a tutela, qualquer que ela seja, tempor dever ajudar a não enjeitar.

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