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ariús Revista de Ciências Humanas Vol. 13 Número especial temático “Trabalho e Emprego: Temas Atuais” janeiro/julho de 2007 UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE CENTRO DE HUMANIDADES Campus Campina Grande – PB Av. Aprígio Veloso, 882 – Bodocongó 58.109-970 – Campina Grande – PB e-mail: [email protected] ISSN

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ariúsRevista de Ciências Humanas

Vol. 13Número especial temático

“Trabalho e Emprego: Temas Atuais”janeiro/julho de 2007

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDECENTRO DE HUMANIDADES

Campus Campina Grande – PB

Av. Aprígio Veloso, 882 – Bodocongó58.109-970 – Campina Grande – PB

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ISSN

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Revista de CiênciasHumanas e ArtesVol. 13, Nº 1, Jan. / Jul. 2007

Universidade Federal de Campina GrandeCampus Campina Grande, PB

CENTRO DE HUMANIDADESDiretor: Lemuel Dourado GuerraVice-Diretora: Rosilene Dias Montenegro

EDITORAEleny Gianini

COMISSÃO EDITORIALProf. Antônio Berto Machado (UFCG/DE) • Prof. Edmilson Luiz Rafael (UFCG/PPGL) • Prof.ª Eronides Donato (UFCG/UAHG) • Prof. Lemuel Dourado GuerraSobrinho (UFCG/DSA) • Prof. Luis Henrique Hermínio Cunha (UFCG/PPGS) •Prof. Paulo Matias de Figueirêdo Júnior (UFCG/UAAM) • Prof. Renato Kilpp (UFCG/DEF) • Prof. Roberto Mendonza (UFCG/DAC) • Prof.ª Sandra Sueli Carvalho Be-zerra (UFCG/UAL)

CONSELHO CIENTÍFICOProf. Daniel Lins (UERJ) • Prof. Durval Muniz de Albuquerque Júnior (UFRN) •Prof.a Eliane Moura (UNICAMP) • Prof. Gaudêncio Frigotto (UFRG) • Prof. Joa-quim Pintassilgo (Univ. Lisboa) • Prof. José Spinelli Lindoso (UFRN) • Prof. MarcJay Hoffnagel (UFPE) • Prof.a Maria Inês Ayala (UFPB) • Prof. Olívio Alberto Tei-xeira (UFSE) • Prof.a Regina Horta Duarte (UFMG) • Prof. Reinaldo Carcanholo(UFES) • Prof.a Roxane Helena Rodrigues Rojo (USP) • Prof. Sebastián SanchézMartin (UEPB)

CONSELHEIROS AD HOCProf.ª Fernanda de Lourdes A. Cabral (UFCG/DE) • Prof. Gervácio Batista Aranha(UFCG/UAHG) • Prof. Gesivaldo Ataíde Cândido (UFCG/DAC) • Prof.ª HermíliaJ. A. Barbosa (UFCG/DEBDP) • Prof. Jean-Philippe Toneau (UFCG/PPGS) • Prof.José Benjamim Montenegro (UFCG/UAHG) • Prof. José Helder Pinheiro Alves(UFCG/UAL) • Prof.ª Lucia Santana de Freitas (UFCG/DAC) • Prof.ª Melânia M.Rodrigues (UFCG/DE) • prof. Paulo Ortiz (UFCG/DEF) • Prof. Severino Cabral Fi-lho (UFCG/UAHG) • Prof.ª Silvia Roberta da Mota Rocha (UFCG/DE)

REVISÃO TÉCNICO-LINGÜÍSTICALíngua Portuguesa: Danielly Vieira InôLíngua Inglesa: Garibaldi Dantas de Oliveira

Proj. gráfico geral e Edit. eletrônica:Lamarck Bezerra de Melo

REVISTA ARIÚS, Vol. 13, nº 1Campina Grande, 2007

1. Ciências Sociais Aplicadas – Periódicas; 2. CiênciasHumanas – Periódicas; 3. Lingüística, Letras e Artes – Periódicas.

CORRESPONDÊNCIARevista ARIÚSCENTRO DE HUMANIDADESUniversidade Federal de Campina GrandeRua Aprígio Veloso, 882 – BodocongóCaixa Postal: 10.052Campina Grande – PBCEP: 58.109-970e-mail: [email protected]

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SumárioAPRESENTAÇÃO ..........................................................................................................................04

Roberto Veras de Oliveira e Roberto MendozaINTRODUÇÃO: OS SENTIDOS DO TRABALHO EM DISCUSSÃO .......................................................................06

Trabalho e Trabalhadores como Tema Internacional ...................... 09Elísio Estanque

RECOMPOSIÇÕES NO MUNDO LABORAL E DESAFIOS PARA A AÇÃO SINDICAL ...................................................10

Hermes Augusto CostaA POLÍTICA INTERNACIONAL DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS NACIONAIS:POTENCIALIDADES E DESAFIOS ..........................................................................................................21

Trabalhadores e Políticas Públicas sobre Trabalho no Brasil ........... 33Leonardo Mello e Silva

A ORGANIZAÇÃO SINDICAL FACE AOS NOVOS PARADIGMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO .............................34

Cândida da CostaREFORMA DO ESTADO E RELAÇÕES DE TRABALHO, A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NOS ANOS 90 ................................41

Roberto Veras de OliveiraMOMENTO ATUAL DA POLÍTICA PÚBLICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL:INFLEXÕES E DESAFIOS ..................................................................................................................51

José Dari KreinMAPEAMENTO DOS PONTOS POLÊMICOS DA REFORMA SINDICAL .................................................................60

A Centralidade Atual do Tema do Desemprego.............................. 73Clodoaldo Bortoluzi

DINÂMICA ECONÔMICA, TRABALHO E COMPETITIVIDADE ..........................................................................74

Marileide MotaAS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E OS RESULTADOS NA AQUISIÇÃO DE EMPREGO .................................82

Questões do Trabalho e da Dinâmica Econômica: Estudos Locais .. 91Roberto Mendoza, Viviane Medeiro e Joseli Bastos da Costa

COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL, FATORES ESTRESSANTES DO TRABALHOE IDENTIDADE SOCIAL. UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ................................................................................92

Gesinaldo Ataíde Cândido e Lílian Maria Florêncio Moraes LeiteCONDIÇÕES E PERSPECTIVAS PARA A PRÁTICA DA INOVAÇÃO E BUSCA DA COMPETITIVIDADENAS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO NO SETOR DE CONFECÇÕES ............................ 101

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Apresentação

A Revista Ariús apresenta, neste número, um dossiê temático versando sobre Trabalho eEmprego: temas atuais. Foi organizada com o objetivo de propiciar ao leitor, através de umpanorama de recortes e perspectivas de abordagens diversos, múltiplas indicações da atua-lidade e da importância dos desafios que as mudanças no mundo do trabalho vêm colocadopara a sociedade nos âmbitos global, nacional e local.

Os complexos fios que tecem esse quadro global-local, social-econômico, público-privado,coletivo-individual, em pleno movimento, são aqui tomados como um desafio a uma pers-pectiva multidisciplinar de observação, registro, interpretação e proposição.

Uma breve introdução, sob o título “Os Sentidos do Trabalho em Discussão”, visa situarligeiramente o leitor quanto a algumas das principais posições sobre o debate mundial atuala respeito do futuro do trabalho – um pano de fundo das questões aqui tratadas.

Na primeira parte, intitulada “Trabalho e Trabalhadores como Tema Internacional”, estãoreunidos artigos de dois pesquisadores portugueses que discutem, sobretudo, como as atu-ais mudanças no mundo do trabalho têm repercutido no âmbito da ação sindical, em Portu-gal e internacionalmente.

Na seqüência, em torno do eixo “Trabalhadores e Políticas Públicas sobre Trabalho no Bra-sil”, colocam-se em discussão os temas da organização sindical, da Reforma do Estado, daQualificação Profissional e da Reforma Sindical, enquanto diversas áreas de tratamento daproblemática atual do trabalho e do emprego no país.

Na terceira parte, denominada “A Centralidade Atual do Tema do Desemprego”, a proble-mática do desemprego é abortada em dois artigos.

Ao final, sob a denominação “Questões do Trabalho e da Dinâmica Econômica: EstudosLocais”, apresentam-se os resultados de duas pesquisas locais, desenvolvidas sobre aspectosda dinâmica econômica e da realidade do trabalho.

Para a viabilização deste número, a Revista Ariús contou com o apoio da Fundação Interuni-versitária de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho – UNITRABALHO.

Roberto Veras de Oliveira e Roberto Mendoza (UFCG)

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ariúsRevista de Ciências Humanas

Vol. 13Número especial temático

“Trabalho e Emprego: Temas Atuais”janeiro/julho de 2007

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Campus Campina Grande – PB

Av. Aprígio Veloso, 882 – Bodocongó58.109-970 – Campina Grande – PB

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro/ julho de 2007

Introdução: os sentidos do trabalho em discussão

Roberto Veras de OliveiraDoutor em Sociologia. Professor Adjunto da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais.E-mail: [email protected].

Roberto MendozaProfessor da UAAC-CH-UFCG. Email: [email protected].

Uma nova dinâmica sócio-econômi-ca, orientada por um aprofundamentosem paralelo da integração global, pelafinanceirização dos capitais, pela libe-ralização dos mercados, por uma pres-são no sentido da privatização das anti-gas estruturas do Estado keynesiano eda desarticulação dos sistemas sociaisdo Welfare State, impacta, mesmo quesob condições diversas, todas as regi-ões do planeta.

No que se refere mais particular-mente ao mundo do trabalho, estamosdiante de transformações que envol-vem, desde os aspectos técnicos im-plicados nos processos de trabalho,passando pelos procedimentos organi-zativos e de gestão empresariais, che-gando a sinalizar, em seu conjunto,fortes evidências de que alcançaramuma dimensão paradigmática1.

De modo geral, tais mudanças têmconcorrido para a desarticulação do re-gime conhecido como fordista, quepredominou a partir do pós-guerra nospaíses industrializados. Tal regime es-teve referenciado numa perspectiva de“pleno emprego”, assentado em basestendencialmente fixas, homogêneas eestruturadas através de sistemas decontratação coletiva. Em seu lugar vemse esboçando uma situação tendenci-almente orientada para a flexibilizaçãodos vínculos de emprego, para a hete-rogeneização das formas de trabalho,para a individualização crescente dosprocessos de contratação, em meio aum quadro marcado por taxas eleva-

das de desemprego. Os conflitos e aslutas dos trabalhadores, de caráter maispolíticas ou mais corporativas, mais ge-rais ou mais localizadas, mais explíci-tas ou mais tácitas, continuam presen-tes, embora sob formas diferenciadas.O primeiro impacto de tais transforma-ções sobre a organização e luta dos tra-balhadores foi no sentido de uma for-te retração por parte dessas, entretanto,há sinalizações em vários países deprocessos de retomada.

Sobretudo, a partir de fins da déca-da de 1970, vem se estabelecendo umdebate sobre para onde aponta o futu-ro do trabalho. André Gorz está entreos primeiros autores que vêm anunci-ando um deslocamento no lugar, an-tes central, do trabalho na sociedade,particularmente a partir de Adeus aoProletariado (Gorz, 1982). Segundoele, nós não vivemos mais numa “so-ciedade de produtores”, numa civili-zação do trabalho, já que “o trabalhonão é mais o principal cimento social,nem o principal fator de socialização,nem a ocupação principal de cada um,nem a principal fonte de riqueza e debem-estar, nem o sentido e o centrode nossas vidas” (Gorz, 1995: 16).Nesses termos, não se pode fazer de-pender do trabalho remunerado a fon-te principal de identidade e do senti-do da vida das pessoas.

O referido autor defende o “êxodo”da “sociedade do trabalho”, que ava-lia como não mais existindo e não maissendo possível de retornar: “Es preciso

que el ‘trabajo’ pierda su lugar centralen la conciencia, el pensamiento, laimaginación de todos” (Gorz, 1998:11). Mas adverte que o que chama de“trabalho” não é o trabalho no seu sen-tido antropológico ou filosófico:

“Se trata sin Duda del ‘trabajo’ específicopropio del capitalismo industrial: un trabajo alque nos referimos cuando décimos que unamujer ‘no tiene trabajo’ si consagra su tiempoa educar a sus propios hijos, y que ‘tiene tra-bajo’ si consagra aunque más no sea una frac-ción de su tiempo a educar a los hijos de otrapersona en una guardería o en un jardín deinfantes (…) Si deseamos salvar y perpetuar ese‘verdadeiro trabajo’, es urgente reconocer queel verdadero trabajo no está más en el ‘traba-jo’: el trabajo, en el sentido de poiesis, que sehace, no está más (o no está más que de mane-ra cada vez más rara) en el ‘trabajo’ en sentidosocial, que tenemos” (Gorz, 1998: 12, grifosdo autor).

Para Adam Schaff (1990), corrobo-rando a tese de Gorz, a automação e arobotização levarão, com o incremen-to da produtividade e da riqueza soci-al, a uma redução drástica da deman-da por trabalho humano, resultando nodesaparecimento do trabalho manualcomo fenômeno sócio-econômico.

Offe (1989), por sua vez, se referea três aspectos que estariam problema-tizando o poder de determinação so-cial do trabalho: a heterogeneidadeempírica das formas de trabalho, odeclínio da “ética do trabalho” e o des-

1 Nos termos de Kunh, Thomas (1998). A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva.

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locamento da importância do trabalhona biografia das pessoas (decorrente,por exemplo, das crescentes desconti-nuidades ocupacionais ao longo davida profissional).

Enquanto que, para Habermas(1992), a centralidade do trabalho te-ria dado lugar à centralidade da esferacomunicacional ou da intersubjetivida-de, na medida em que teria ocorrido,na sociedade moderna, um “desacopla-mento” entre o “sistema” (envolvendoas esferas econômicas e políticas vol-tadas à reprodução societal) e o “mun-do da vida” (o espaço propriamente dainteração intersubjetiva, centrada naesfera da comunicação). Ao mesmotempo em que teria ocorrido uma am-pliação da complexidade do “sistema”,o “mundo da vida” estaria tornando-secada vez mais racional.

Castel (1998), se de um lado admi-te um processo de degradação dosmodos de socialização e de integraçãoa partir do trabalho, desarticulandoformas de coesão e de solidariedadeantes fortemente presentes; por outrolado analisa tais mudanças dentro dosparadigmas da “sociedade salarial” edo Estado Social. O que está em cur-so, pondera, é um retorno à “vulnera-bilidade de massa”, própria de umasociabilidade fundada em padrões li-berais (a partir de instrumentos do pró-prio mercado), seguida do comprome-timento da instituição do Estado Social.É preciso, por isso, preservar a “socie-dade salarial”.

Antunes (1995 e 1999) também seopõe à tese do fim do trabalho na soci-edade atual, independentemente dastendências em curso apontarem parauma maior intelectualização e qualifi-cação do trabalho fabril ou para a des-qualificação e subproletarização dostrabalhadores. Para ele, a sociedade atu-al, mais do que nunca, se afirma comoprodutora de mercadorias, as quais de-rivam da atividade manual e/ou intelec-

tual que decorre do trabalho humanoem interação com os meios de produ-ção. O equívoco dos que advogamaquela proposição estaria, segundo oautor, em não considerar a distinçãofeita por Marx entre trabalho abstrato(“dispêndio de força humana de traba-lho”, que cria o valor de troca das mer-cadorias) e trabalho concreto (que naqualidade de trabalho útil, produz va-lor de uso). Assim, faz diferença falar-seem uma crise da sociedade do trabalhoabstrato, como seria o caso de Kurz(1993), ou basear essa avaliação na suadimensão concreta, estruturante do in-tercâmbio social entre os homens e anatureza, como o fazem Offe, Gorz,Habermas. Para o autor, a superaçãodo trabalho abstrato só é possível deser concebida no plano da superaçãoda própria sociedade produtora demercadorias, em um movimento “paraalém do capital”. E, de resto, considerainadmissível supor-se, “no universo dasociabilidade humana, a extinção dotrabalho social” (Antunes, 1995: 80-82).

Oliveira (1998) admite, com LuizGonzaga Beluzzo, a hipótese da auto-nomização do capital constante, resul-tante do desbloqueio das virtualidadesdo progresso técnico (visto que, coma constituição estrutural do fundo pú-blico, a mercadoria força de trabalho,parcialmente desmercantilizada, deixade ser o limite e o suporte da acumu-lação). Concorda com Reginaldo Pran-di, que, “tal como a própria sociolo-gia dos processos de trabalho veminsinuando, o estatuto sociológico dotrabalho sem dúvida sairá fundamen-talmente modificado, dando lugar,pelo menos, a uma nova concepção detrabalhador” (Oliveira, 1998: 57). Mas,alerta que a questão posta da perda dacentralidade do trabalho “ela própriaé produto do conflito”, contextualiza-da que está no esforço, sob o neolibe-ralismo, de “desproletarização” da so-ciedade e de destruição do fundo

público como mecanismo regulador docapitalismo. Conclui:

“Não se trata, pois, nem de determinismotecnológico, que, de algum modo, mesmoatenuadamente, encontra abrigo no argumen-to dos autores citados, nem do conflito entreo mundo da vida e o mundo sistêmico, aomodo de Habermas, nem de uma desproleta-rização pelo deslocamento da divisão socialdo trabalho para os serviços, como em Offe eem Gorz. Nem muito menos da predominân-cia exclusiva do ‘sujeito autônomo’ de Kurz,uma espécie de piloto automático do capita-lismo. Este não percebe que a contradiçãolatente na obra de Marx, que não permite aresolução do problema que ele propõe, é entreo ‘sujeito autônomo’ hegeliano e a luta declasses empírica; esta, como realidade doshomens, perturba a marcha do espírito, queno fundo é o ‘sujeito autônomo’ de Kurz,construção inteiramente idealista, por maisque ele brinque de materialista dialético...”(Oliveira, 1999: 11).

Beynon (1995), se detendo mais es-pecificamente ao caso da Grã-Bretanha,aborda essa questão e também admiteum processo complexo e significativode mudanças nas relações de trabalhoe no próprio tecido da vida social. Mas,avalia, muitos estudos estariam subes-timando o que ainda se mantém comoemprego industrial e sobrevalorizandoas qualidades positivas das novas téc-nicas de gestão do trabalho. Beynon(1997) lembra que o setor industrial ain-da reúne um contingente significativode trabalhadores, que o impacto dasmudanças sobre o conteúdo do traba-lho não teria produzido o propaladooperário individualizado e polivalentee que a expansão do setor de serviçostraz consigo postos de trabalho manu-ais e não-qualificados, em muito seme-lhantes ao tipo praticado na indústriade transformação2. Assim sendo, se éinquestionável o abalo que tem sofridoa “solidariedade de classe” e as “insti-

Introdução: os sentidos do trabalho em discussão

2 Beynon apoia-se em Ritzer (1993) e na sua tese de “macdonaldização” da sociedade: “O mcdonaldismo compartilha muitas característicascom o fordismo: produtos notavelmente homogêneos, tecnologias rígidas, rotinas de trabalho padronizadas, desqualificação, homogeneiza-

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tuições que antes fundamentavam inter-pretações coletivas”, não faz sentido ig-norar o peso do trabalho manual na so-ciedade pós-industrial, assim como ocaráter coletivo e conflitivo das relaçõesàs quais se encontra submetido. O queestá em questão, portanto, segundo oautor, não é o fim da classe operária,mas a perspectiva de um seu refazer-se(Beynon, 1997).

Como se vê, trata-se de um debateque se arrasta por três décadas, que acada dia alimenta-se de novas evidên-cias, mas também de novas abordagens,que, portanto, continua em aberto. Ocurioso de tudo isso é que as aborda-gens sobre o futuro do trabalho e sobreo futuro da sociedade articulada em tor-no do paradigma do trabalho têm colo-cado em inquestionável evidência, nomundo inteiro, o tema do trabalho nodebate sociológico, filosófico, econômi-co, entre outras disciplinas.

Bibliografia citada

ANTUNES, Ricardo (1995). Adeus ao traba-lho? Ensaio sobre as metamoforses e a centra-lidade do mundo do trabalho. São Paulo, Cor-tez Editora; Campinas, Editora da Unicamp.________. (1999). Os sentidos do traba-lho: Ensaio sobre a afirmação e a nega-ção do trabalho, São Paulo, BoitempoEditorial.BEYNON, Huw (1995). A destruição da clas-se operária inglesa? RBCS, São Paulo, nº 27.________. (1997). As práticas do trabalhoem mutação. In ANTUNES, Ricardo (org.).Neoliberalismo, trabalho e sindicatos: Re-estruturação no Brasil e na Inglaterra. SãoPaulo, Boitempo Editorial.CASTEL, Robert (1998). As metamorfosesda questão social: Uma crônica do salá-rio, Petrópolis, Editora Vozes.GORZ, André (1982). Adeus ao proletari-ado. Rio de Janeiro, Forense.________. (1995). Trabalho necessário eracionalidade econômica. Novos Rumos,São Paulo, n. 24, ano 10.________. (1998). Miserias del presente,riqueza de lo posible. Buenos Aires, Bar-celona, México, Paidós.

Roberto Veras de Oliveira e Roberto Mendoza

ção do trabalhador (e do consumidor), o operário massa e a homogeneização do consumo... nestes e noutros dias, o fordismo está vivo epassa bem no mundo moderno” (apud Beynon, 1997: 14).

HABERMAS, Jürgen (1992). The theory of com-municative action (The critique of functionalistreason). Vol. I e II, London, Polity Press.KURZ, Robert (1993). O colapso da moderniza-ção: Da derrocada do socialismo de caserna à criseda economia mundial. Rio de Janeiro, Paz e Terra.OFFE, Claus (1989). Trabalho: A categoria-chave dasociologia? Revista Brasileira de Ciências Soci-ais. São Paulo, n. 10, junho.OLIVEIRA, Francisco de Oliveira (1998).Os Direitos do antivalor: A economia po-lítica da hegemonia imperfeita. Petrópo-lis, Editora Vozes.________. (1999). Privatização do públi-co, destituição da fala e anulação da polí-tica: O totalitarismo neoliberal. In OLIVEI-RA, Francisco de & PAOLI, Maria Célia(Org.). O sentidos da democracia: Políti-cas do dissenso e hegemonia global. Pe-trópolis, Vozes; São Paulo, Nedic.RITZER, G. (1993). The macdonaldisationof society: An investigation into the chan-ging character of contemporary social life.Pine Forge Press.SCHAFF, Adam (1990). A Sociedade Infor-mática. São Paulo, Brasiliense/Unesp.

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Recomposições no mundo laboral edesafios para a ação sindicalResumo

O presente texto centra-se nos processos de recomposição no mundo do trabalho enas desigualdades sociais, procurando refletir sobre as implicações daí decorrentespara o movimento sindical no atual contexto de globalização econômica. O casoportuguês é tomado como o principal contexto sociológico em análise, mas as ques-tões colocadas são sempre perspectivadas no âmbito social mais vasto. Começodiscutindo as atuais tendências de mudança no mundo do laboral e sua importân-cia na emergência de novos contornos e novas linhas de fratura na atual estruturade classes em Portugal e no contexto transnacional. A seguir, indico algumas dasmúltiplas conexões – entre o mercado e o Estado, a economia e a sociedade, aprodução e o consumo, a dimensão objetiva e as representações subjetivas dosatores – que sustentam as transformações em curso, para analisar os seus efeitos nareestruturação das desigualdades sociais, quer no plano das estruturas e segmenta-ções de classe, quer no plano das oportunidades, práticas e atitudes subjetivas dossujeitos. Por fim, aponto os principais obstáculos com que, na seqüência dessesprocessos de transformação, depara-se hoje o sindicalismo, formulando algumasinterrogações e propostas que visam contribuir para a reflexão em torno da renova-ção sindical e da modernização da economia portuguesa.Palavras-Chave: Sindicalismo; Mudanças no mundo do trabalho; Represenaçãosubjetiva.

AbstractThis paper focuses on the rearrangement processes in the labor world and thesocial inequalities, considering its implications on union movements in the cur-rent economic globalization context. The case in Portugal is regarded as the mainsociological context under analysis although there are further questions that havebeen viewed under a broader social perspective. Firstly, I discuss the current changetrends in the labor world and their importance in the search for new contours andnew rupture lines in the current class structure in Portugal and in the transnatio-nal context. Then, I suggest some multiple connections – between market and theState, economy and society, production and consumption, the objective dimensi-on and the agents’ subjective representations – that have supported the changesunder way in order to analyze their effects in restructuring social inequalities,considering either structures planning and class segmentation or plan of opportu-nities, practices and the individual’s subjective attitudes. Finally, I point out sig-nificant barriers, considering the sequence of the change processes, that havecurrently impaired trade unionism, and I make some quests and proposals thataim to contribute to reflections on trade union renewal as well as the moderniza-tion of the Portuguese economyKey words: Trade unionism, Changes in the Labor Work, Subjective Representation

Elísio EstanqueDoutor em Sociologia. Professor da Faculdade deEconomia da Universidade de Coimbra. Investiga-dor Permanente do Centro de Estudos Sociais.

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Recomposições do trabalho

Nos últimos anos, várias teses têmsurgido a sublinhar a perda de centra-lidade, ou mesmo, o fim do trabalho,enquanto valor decisivo de estrutura-ção da sociedade. Prestigiados autoressustentam que se assiste a um desen-cantamento do trabalho e à secundari-zação da esfera laboral em favor dedimensões alternativas ao exercício dacidadania, como o espaço do associa-tivismo, do voluntariado e do terceirosetor eleitas como esferas primordiaisde participação cívica e fatores de co-esão ou transformação social (Rifkin,1997; Méda, 1999; Beck, 2000). É ver-dade que o trabalho tende a perder sig-nificado enquanto símbolo principaldaquilo que somos, ou seja, como su-blinhou Gorz (1999), o trabalho en-quanto construção social, entendidocomo a profissão ou o emprego quetemos, tende a esbater-se entre as rea-lidades virtuais da economia intangí-vel, tornando-se cada vez mais um bemescasso, fluído e difícil de perpetuar.Contudo, o trabalho, enquanto criaçãoou obra, aquilo que cada um faz (poi-esis), independentemente do seu reco-nhecimento social, está longe de terperdido importância. Pois, os atribu-tos que antes conotavam o trabalhocom criatividade e autonomia, têm vin-do, por assim dizer, a ser expulsos doespaço produtivo, mas isso não corres-ponde a uma “libertação” do trabalha-dor e menos ainda se traduz numa ex-pansão da esfera pública. O capitalmóvel e o poder da economia finan-ceira, operando para além da esferapolítica, fragmentaram o “trabalho”como forma de disciplinar a rebeldiada classe trabalhadora. Mas ele perma-nece como a principal via de subsis-tência, de preservação da auto-estimae de busca de reconhecimento social,num processo em que as novas sujei-ções e formas de exploração parecemressuscitar problemas humanos que sejulgava ultrapassados (Gorz, 1999).

Os impactos e problemas relacio-

nados com a inovação tecnológica e achamada sociedade do conhecimentonão podem, portanto, deixar de ser vis-tos no quadro dos processos globais edas novas desigualdades sociais quetêm sido geradas. O esgotamento davelha relação salarial fordista, a crisedo Estado-providência, o aumento dacompetitividade a nível global, sobre-tudo desde meados dos anos 80, dese-nharam-se sob a emergência de umanova onda liberal, largamente apoia-da na inovação tecnológica e na revo-lução informática. Estas tendências es-tão a gerar profundas transformaçõese novas contradições e desigualdadessociais nas sociedades contemporâne-as em todos os domínios, com resulta-dos impressionantes na recomposiçãoe des-standardização das formas tradi-cionais de trabalho (Beck, 1992 e2000; Ruysseveldt & Visser, 1996;Hyman, 2002). Os contrastes entrepólos de desenvolvimento e zonas deexclusão e de miséria são hoje maischocantes do que no passado. Longede ser um processo linear e homoge-neizante, a globalização é, portanto,polimórfica e contraditória. A recom-posição do mercado de trabalho colo-ca os setores qualificados, que lidamcom as novas tecnologias, lado a ladocom situações de grande precariedadee até de “neo-escravatura”. As lógicasde “localização” são o outro lado damoeda da “globalização”; as novas for-mas de exclusão e exploração são oreverso dos novos privilégios e opor-tunidades.

É prematuro saber se a crise do mo-delo fordista e a sua incapacidade deresponder às novas exigências dos mer-cados globais dará lugar a um novomodelo produtivo, ou se, pelo contrá-rio, a resposta às novas exigências podeser dada através da combinação de vá-rios modelos. A emergência de mode-los de produção flexíveis funda-se tan-to na organização produtiva como nosmercados de consumo, e constitui umaresposta ao declínio da velha lógica deprodução em massa destinada a mer-

cados estáveis. No entanto, não se tra-ta de uma simples passagem de umaeconomia centrada na indústria parauma economia centrada nos serviços,mas, sim, do fim dos fordismos no con-texto de uma economia pós-indústri-al, em que a indústria e os serviços con-vergem cada vez mais em direção aum sistema produtivo complexo, inten-sivo em tecnologias e recursos huma-nos, e orientado para a flexibilidade equalidade, mas, ao mesmo tempo, ge-rador de novas segmentações e desi-gualdades.

A fragmentação dos sistemas pro-dutivos tem promovido modelos deorganização nos quais, cada vez mais,se justapõem lógicas contrárias: por umlado, o modelo fordista continua a serum espaço importante em certos seto-res de atividade, regiões e/ou países,mantendo os seus princípios, devidoao fato de o processo de diversifica-ção dos produtos finais ser acompanha-do pela standardização em larga esca-la de processos, subconjuntos e/oucomponentes (Kovács & Castillo,1998); por outro lado, a crescente im-plantação do modelo lean productionnas economias mais avançadas, quetransporta ainda algumas formas tradi-cionais de produção herdadas do taylo-rismo, mas acrescentando-lhe novoselementos, como, por exemplo, a re-dução de stocks e de pessoal, a maiormobilidade e flexibilidade organizaci-onal, as preocupações com a qualida-de do produto e a cultura de empresa,o trabalho em equipe, a polivalência,e, por vezes, um efetivo envolvimentodos trabalhadores na gestão. A flexibi-lidade, a aposta no “emagrecimento”,no outsourcing, na deslocalização paraa periferia dos setores produtivos maisintensivos em força de trabalho, etc.,induzem uma espécie de taylorismointeriorizado, que contribui para a de-gradação das condições de trabalho,com a marginalização dos segmentosda força de trabalho menos qualifica-dos, resultantes de uma lógica de ja-ponização que dificilmente é bem su-

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cedida nas sociedades ocidentais e naEuropa em particular.

Reestruturação das classes e dasdesigualdades

Esses processos de transformaçãoque vêm ocorrendo no mundo laboralsão, como sabemos, fenômenos quenão só exprimem as mudanças sociaismais gerais, como participam direta-mente na recomposição das desigual-dades e respectivas estruturas de clas-se. Apesar da evidente conexão entreessas duas questões, o certo é que, porum lado, os estudos sobre as questõeslaborais e do emprego raramente searticulam com o tema das classes e dasdesigualdades e, por outro lado, os es-tudos sobre as classes deixaram de fa-zer parte das preocupações dos soció-logos ou, em geral, são referidos parajustificar modelos explicativos combase em tipologias sócio-profissionais.

Não é meu objetivo discutir nestetexto as múltiplas determinantes da es-trutura das classes sociais nem desen-volver qualquer discussão teórica emtorno do próprio conceito de classe, dasua perda de atualidade ou não, dasvariadas dimensões que o mesmo deveincluir, ou, por exemplo, acerca da im-portância das vertentes cultural e iden-titária na sua reestruturação. Menos ain-da faria sentido retomar velhas einfinitas discussões a questionar o es-truturalismo marxista, a procurar iden-tificar as fronteiras ou a defender a pri-mazia de um qualquer modelo abstratoem relação a outros. É sabido que a clas-se deixou de ser “o” determinante daação coletiva, pois a realidade socialtornou-se mais complexa e as novas cli-vagens dinamizadas em torno de fenô-menos como a diferença sexual, étni-ca, racial, religiosa, etc., assumem-sehoje como campos de dinamização daidentidade e da luta política que con-correm com a classe, embora geralmen-

te se articulem com ela.Na linha de trabalhos anteriores so-

bre estes assuntos, procura-se aqui re-cuperar duas idéias centrais em voltadestas temáticas: a primeira é a de queo trabalho, a esfera produtiva, continuaa ser, como referi atrás, um elementocentral da análise social quer porque éum fator decisivo de preservação dacoesão das sociedades, quer porquepermanece o principal campo de orga-nização das desigualdades e das opor-tunidades dos indivíduos; a segunda éa de que as desigualdades, não só con-tinuam a ter no fator econômico a suapedra de toque incontornável como as-sentam em estruturas e mecanismos re-lacionais – fundados em relações de in-terdependência e discrepâncias depoder – tendentes a assegurar privilégi-os e a reproduzir múltiplas formas deopressão e exploração.

Como resultado das atuais tendên-cias de globalização econômica e defragmentação dos sistemas de trabalho,podemos hoje invocar novas linhas derecomposição social com forte impac-to na reestruturação das classes soci-ais. Pode dizer-se que essa recomposi-ção tem implicações que incidemsimultaneamente em todos os níveis dapirâmide social, ou seja, vai das novaselites profissionais, empresariais e ins-titucionais às camadas mais excluídase proletarizadas, passando pelos seg-mentos intermediários das chamadas“novas classes médias”. Vale a penasituar alguns dos principais contornosdestas tendências de transformação dasestruturas de classe.

Em primeiro lugar, assistimos aoextraordinário aumento das situaçõesde “atipicidade” laboral, em larga me-dida resultantes da globalização eco-nômica, tais como o trabalho precá-rio, a desregulamentação dos direitoslaborais, o tráfico clandestino de mão-de-obra (migrações ilegais), o trabalhoinfantil, a pobreza, o desemprego e osubemprego, etc. (Ferreira, 2003)1, os

quais se situam na estreita interdepen-dência entre trabalho, desemprego,família, comunidades, induzindo lógi-cas de localização não só sobre os se-tores mais dependentes e exploradosda força de trabalho, mas sobre todoum leque de situações sociais, nosquais proliferam a pobreza, a exclusãoe a opressão – ou seja, aqueles quesofrem os efeitos dos globalismos lo-calizados, segundo a formulação deSantos (1995: 263). São grupos sociaisdesse tipo que podem conceber-secomo integrando as subclasses locais.Subclasses, porque, à luz dos indica-dores convencionais, não possuemuma posição de classe bem definida,isto é, estão fora ou “abaixo” da classetrabalhadora tradicional. O caso dostrabalhadores migrantes, por exemplo,ilustram bem o efeito perverso da glo-balização neoliberal e o modo comoesta promove novos efeitos “localistas”.Para além das bolsas de pobreza emarginalização que as migrações ile-gais ajudam a consolidar, estes seto-res da força de trabalho transnacional,pode dizer-se, não se globalizaram,antes foram “deslocalizados”, ficando,em geral, mais fixos e territorialmentecircunscritos, por vezes, remetidospara uma condição de total dependên-cia e objeto de todo o tipo de pres-sões.

Em segundo lugar, no topo da pirâ-mide social, assistimos aos constantesfluxos de diretores das grandes multi-nacionais, gestores de topo, funcioná-rios das instituições do Estado, quadrosaltamente qualificados, dirigentes polí-ticos, cientistas de renome, etc., queconstituem uma nova elite sócio-profis-sional e institucional que monopolizaconhecimentos, competências, informa-ção, redes sociais, movendo-se a umaescala planetária. Eles acompanham ese beneficiam da evolução tecnológicacomo ninguém, viajam em classe exe-cutiva, e no mesmo dia mudam de con-tinente e tomam refeições nos melho-

Elísio Estanque

1 A propósito da desregulamentação e precariedade das relações laborais, veja-se ainda Ruysseveldt e Visser (1996), Beck (2000)� Hyman (2002).

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res restaurantes e hotéis, separados pormilhares de quilômetros. Apesar da suadiversidade, esses setores têm em co-mum privilégios de poder e riqueza, epodem, por assim dizer, ser situados“acima” da estrutura de classes no sen-tido tradicional, formando, portanto,uma sobreclasse global2, visto que seposicionam acima da velha classe do-minante de base nacional.

Os fenômenos que acabo de assi-nalar acompanham o movimento dasestruturas sociais e exprimem a multi-plicação das desigualdades através daampliação das distâncias – sociais eespaciais – com a passagem da escalanacional para a transnacional. Mas, éclaro que esse aumento das desigual-dades não significa apenas uma mu-dança de escalas. Significa, sobretudo,um fantástico acentuar dos níveis decomplexidade, dada a emergência denovos fatores de instabilidade e novosprocessos de fragmentação e reconver-são das diferentes posições de classeque fazem parte da mudança estrutu-ral do mercado de emprego, do siste-ma de ensino, das instituições do Esta-do e da sociedade no seu conjunto. Nocaso português essa evolução assumecontornos particulares.

Assim, no que respeita à estruturadas classes do nosso país, as transfor-mações sociais e laborais, ao longo dasúltimas três décadas, têm promovidotodo um conjunto de alterações muitosignificativas e que acrescentam novasdificuldades aos velhos modelos deação sindical. Muitos desses fenôme-nos são já antigos nas sociedades maisavançadas da Europa, mas só se fize-ram sentir no nosso país nas últimasdécadas. São alguns deles: 1) novasdivisões internas no seio dos assalari-ados – entre manuais e não manuais,entre tecnocratas e burocratas –, comoresultado da evolução tecnológica na

indústria, da profissionalização da ges-tão, do crescimento do setor público,etc.; 2) aumento dos índices de mobi-lidade social no quadro da crescenteterciarização da sociedade que, por suavez, deve-se ao conjunto de mudan-ças estruturais, em larga medida indu-zidas pela integração na ComunidadeEuropéia, com evidente impacto naestrutura do emprego e nos processosde litoralização e concentração urba-na; 3) crescente diferenciação internada classe média assalariada e novastensões e clivagens no seu seio, com aemergência de novas profissões – jus-tapondo setores em declínio e setoresemergentes –, criando novas lógicas defechamento e diferentes estilos de vida;4) aumento dos níveis de sindicaliza-ção em alguns segmentos da classemédia, o que se liga ao aumento dainstitucionalização das estruturas sin-dicais e do neo-corporativismo, e àcrescente fragilização do sindicalismode base operária; 5) novos padrões deformação de classes e crescimento denovas clivagens e polarizações de tipopós-fordista e pós-industrial, designa-damente com o aparecimento de no-vos segmentos proletarizados no setordos serviços; e 6) emergência de no-vas modalidades de ação coletiva enovos movimentos sociais, com signi-ficativos impactos nos planos culturale político, em geral, associados às cul-turas juvenis e ao “radicalismo de clas-se média” (Parkin, 1968; Touraine1969 e 1981; Eder, 1993; Esping-An-dersen, 1993; Butler e Savage, 1995;Melucci, 1996).

A classe média e as novas segmen-tações

Essas tendências de recomposiçãoda estrutura das classes têm assumi-do em Portugal alguns contornos par-ticulares quer no que respeita às no-

vas linhas de fragmentação classistasquer no plano das atitudes subjetivase da participação. É importante situaresses aspectos porque eles estão dire-tamente imbricados com os processosde recomposição do trabalho e comos novos desafios que se colocam aosindicalismo português.

Nos estudos realizados no Centrode Estudos Sociais sobre as classes so-ciais na sociedade portuguesa (Estan-que & Mendes, 1998) e sobre o quedesignei como o efeito classe média(Estanque, 2003), foi possível mostrarcom evidência empírica alguns dessescontornos. Por exemplo, a categoria declasse dos “proletários”3 possuía, emmeados da década de noventa, umpeso percentual de 46,5% da popula-ção ativa empregada, sendo que des-tes, cerca de 24% trabalhavam no se-tor público. Ora, isto significa, desdelogo, que uma parte importante dosassalariados dos serviços – que, emgeral, são considerados como integran-do a classe média assalariada – posi-cionam-se aqui num segmento bastan-te despojado de recursos, a comprovarque a terciarização não significa umsimples “engrossar” da classe média,significando, em vez disso, um refor-ço das camadas proletarizadas, queparecem estar em crescimento tambémno terciário. As categorias de quadrossuperiores e chefias, qualificados esemi-qualificados, não ultrapassavamos 5,6% da população empregada, eos restantes segmentos intermediários(com poucas qualificações e autorida-de) somavam apenas 11,5%. É certoque os resultados obtidos alguns anosdepois com base nos inquéritos do ISSP(International Social Survey Program-me), a partir de critérios idênticos, re-velaram um relativo crescimento dascategorias intermediárias com maisqualificações e uma redução da cate-

Recomposições no mundo laboral e desafios para a ação sindical

2 Alguns autores, como Leslie Sklair analisam a importância crescente da Classe Capitalista Transnacional (Sklair, 2001). Esta conceptualização foiainda inspirada em autores como P. Evens (1979), Becker e Sklar (1987), Santos (1995: 252-268 e 2001: 31-106), Lash (1999: 19-20).

3 Que inclui não apenas o operariado industrial desqualificado, mas o conjunto de segmentos da força de trabalho mais precarizada, isto é, semrecursos de autoridade nem qualificações significativas. Ver Estanque & Mendes, 1998, p. 72.

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goria proletária. Mas, tanto os quadrosintermediários com posições de auto-ridade, como, por exemplo, os super-visores, continuavam a ter um pesomuito inferior ao dos outros países usa-dos como termo de comparação4.

As classes médias assalariadas e oseu maior ou menor peso relativo naestrutura socioprofissional constituem,sem dúvida, um indicador precioso paramedir o nível de modernização ou dedesenvolvimento tecnológico de cadasociedade. Como é sabido, as políticasestatais e governativas têm um alcancemuito relevante nesse domínio. Bastalembrar que todo o aparelho legislati-vo e de enquadramento institucional,que o Estado leva a cabo, produz e re-produz múltiplas interdependênciasentre a ação estatal e a vida econômicamais geral, seja nas economias mais es-tatizadas seja nas mais liberais, comodiversos autores já mostraram. O Esta-do e o mercado constituem, desde sem-pre, instâncias de eleição enquanto fa-tores de racionalidade dos sistemassociais e, por isso, as principais estru-turas das sociedades sofrem permanen-temente a influência, direta ou indire-ta, desses dois pilares fundamentais daregulação social (Offe, 1984 e 1985;Jessop, 1990; Santos, 1990 e 1994).

A interferência da ação estatal, e asua capacidade de promover a estru-turação da atividade produtiva, podeser direta ou indireta e ocorrer atravésde uma diversidade de canais, consti-tuindo exemplos disso o investimentoem novas tecnologias e em conheci-mento científico, a capacidade de pro-mover instituições de regulação dosconflitos laborais ou as políticas edu-cativas. Porém, a própria dinâmica queo Estado imprime, através das políti-cas sociais, nos mais variados domíni-os tem repercussões diretas quanto ao

maior ou menor peso da administra-ção pública na oferta de emprego. Talfato traduz-se diretamente na amplia-ção das classes médias, visto que taispolíticas – seja no campo da saúde,da educação, da segurança social ouna regulamentação laboral – funcio-nam como mecanismos de produçãoe reprodução de setores profissionaisqualificados, funcionários administra-tivos, técnicos e especialistas de diver-sos tipos, ou seja, segmentos que vêmengrossando o leque de categoriasconstituintes da nova classe média as-salariada.

O caso português parece, assim,indicar o importante peso do Estado naestruturação da “classe média”. Domesmo modo, os efeitos do processomais geral de recomposição e mudan-ça estrutural vêm redesenhando novaslinhas de clivagem e segmentação daclasse trabalhadora no seu conjunto.No entanto, como acima foi referido,esse reforço da classe média ocorremais na aparência do que na realida-de, sobretudo se considerarmos queuma parte significativa dos funcioná-rios e empregados do setor terciário(estatal ou não) se aproximam da cate-goria proletária, pelo menos à luz doscritérios estruturais considerados nosestudos anteriormente mencionados.

Essas tendências na reestruturaçãodas desigualdades são reveladoras nãode que a sociedade portuguesa estejaa evoluir paulatinamente de um mo-delo agro-industrial para uma socieda-de de serviços, fundada nos novos re-cursos tecnológicos e nas novas formasde conhecimento e comunicação, masantes exprimem a enorme complexi-dade de uma sociedade em transiçãoproblemática, atravessada por múlti-plas contradições e fortes desigualda-des sociais que, por vezes, parece com-

primir para baixo alguns dos setores daforça de trabalho que aparentementejá teriam descolado da velha condiçãoempobrecida em que se encontravam.As velhas clivagens mantêm-se, juntan-do-se-lhes agora as novas.

Às contradições clássicas entre tra-balho manual e emprego no terciário,entre trabalhadores e empresários, en-tre ricos e pobres, excluídos e incluí-dos, mulheres e homens, etc., somam-se agora as novas desigualdades da erada globalização, entre qualificados enão-qualificados, info-incluídos e info-excluídos, emprego estável e empregoprecário, licenciados e não-licencia-dos, portugueses e imigrantes, traba-lhadores legais e ilegais, maioria eminorias étnicas ou sexuais, etc. Para-lelamente, a crise social e econômicaque temos vivido nos últimos anos,com a deslocalização de empresas, oaumento do desemprego, a fragmen-tação do trabalho e a multiplicação dosregimes contratuais precários, as alte-rações na legislação laboral, o aumen-to da “flexibilidade” etc., são fatoresque têm acentuado a precariedade econtribuído para gerar novos setoresproletarizados, tanto os associados avelhas profissões do setor industrialcomo alguns dos que se inserem nachamada classe média (Esping-Ander-sen, 1993).

Proletarização e desigualdades nosetor industrial

Sendo a sociedade portuguesa,como se sabe, ainda bastante marca-da pelo peso do setor industrial, vale apena referir alguns dos contornos eespecificidades de que este se revestee as assimetrias que aí subsistem quan-to à configuração das desigualdades.Ao proceder à comparação entre a es-trutura das classes a nível nacional e a

Elísio Estanque

4 O International Social Survay Programme (ISSP) refere-se aqui a dados de 1999, e integrou o projecto sobre Atitudes Sociais dos Portugueses,conduzido pelo ICS e publicado por M. Villaverde Cabral, Jorge Vala e André Freire (Orgs.) (2003), Desigualdades Sociais e Percepções daJustiça. Lisboa: ICS. Os países comparados foram, neste caso, a Suécia, o Canadá e a República Checa. Enquanto no estudo antes mencionado, osdados foram recolhidos em 1995, a partir de uma amostra à população ativa empregada, cujos resultados estão publicados em: Estanque, Elísio eJosé Manuel Mendes (1998), Classes e Desigualdades Sociais em Portugal: um estudo comparativo. Porto: Afrontamento Os países aqui compa-rados formam a Suécia, os EUA e a Espanha.

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região do calçado – a partir de umapesquisa centrada na zona de S. Joãoda Madeira (Estanque, 2000)5 –, foipossível verificar os profundos contras-tes sociais entre o país e aquela região.A partir daqui podemos perceber me-lhor o quadro social em que se encon-tram os setores mais tradicionais danossa indústria (como é o caso do cal-çado).

Na verdade, os resultados obtidosexprimem bem as contradições da in-dústria portuguesa e as condições detrabalho que nela continuam a vigo-rar. Desde logo, as posições de classemédia – que, como se viu, já erampouco representativas a nível do país– praticamente desaparecem nessa re-gião. Os setores mais qualificados daforça de trabalho oscilam entre os0,3% e os 0,7%, ou seja, a dita “classemédia” praticamente desaparece, en-quanto a categoria “proletária” aumen-ta drasticamente para 60,2%. A forçado mercado e a competição individu-al entre os trabalhadores conjugam-secom uma matriz cultural tradicional,marcada pela escassez econômica epelas referências simbólicas ao mun-do rural. Há uma permanente convul-são no tecido empresarial do setor docalçado, composto, sobretudo, pormicroempresas, cujos proprietários sãoquase totalmente antigos operários.Daí resultam elevados fluxos de mobi-lidade social, lado a lado com altastaxas de reprodução social: por exem-plo, em 28% dos empregadores, osseus pais eram também empregadores,mas, em 44% deles, os pais eram pro-letários; por sua vez, em 70% dos pro-letários, os seus pais também o eram,mas 22% eram oriundos de pais pro-prietários. O mais importante a reter éque, considerando globalmente a es-trutura classista das duas geraçõescomparadas, verifica-se que a lógicadas desigualdades permaneceu prati-camente inalterada. Por outro lado,

não deixa de ser curioso que no planodas atitudes subjetivas, muitos traba-lhadores dessa região, incluindo umaparte dos “proletários” – e mesmo sa-bendo que a maioria dos operários in-dustriais aufere rendimentos ao níveldo salário mínimo – considerem-semembros da “classe média” e tendama manifestar opiniões sobre a socieda-de e as relações de trabalho, muitasvezes, coincidentes com a ideologiapatronal.

A principal conclusão a respeitodisso é a seguinte: as assimetrias e de-sigualdades sociais existentes no nos-so país, além de assentarem em enor-mes discrepâncias de oportunidades epadrões de bem-estar material, promo-vem modelos de representação subje-tiva, expectativas de vida e relações detrabalho que evidenciam bem o poderdas opressões instaladas sobre os seg-mentos mais dependentes e precáriosda força de trabalho. Paradoxalmente,são as situações nas quais os mecanis-mos de exploração são mais notórios,onde os contrastes entre riqueza e po-breza são mais flagrantes, que maisparecem contribuir para a produção de“mecanismos de consentimento” (Bu-rawoy, 1979 e 1985), sem dúvida, fun-dados em poderosos sistemas de con-trole e micro-ideologias de carizfeudal, tendentes a legitimar as desi-gualdades e o status quo existentes. Oproblema é que quando essa lógica éencoberta por um discurso patronal einstitucional que apenas sublinha osresultados positivos de crescimentoeconômico, quando se enaltece a ca-pacidade competitiva de setores indus-triais como o do calçado, escondendoas situações de hiperexploração e dedependência absoluta dos trabalhado-res perante o poder autoritário dos pa-trões, está-se a promover não um pa-drão de desenvolvimento próprio dasdemocracias avançadas, não a compe-titividade baseada na inovação tecno-

lógica, mas, sim, um modelo produti-vo onde predominam o taylorismo ana-crônico e as formas mais retrógradasde despotismo.

Percepção subjetiva dos conflitosOutro campo particularmente im-

portante para discutir é a questão dapercepção dos conflitos de interessesexistentes na sociedade. No estudoanteriormente mencionado (Estanque,2003), a sociedade portuguesa apare-ce como aquela em que está mais en-raizada a idéia de que existem interes-ses conflituais muito significativosentre todas as polarizações considera-das. Significará isto que os portugue-ses possuem uma consciência maisnítida de que a sociedade é atravessa-da por fortes antagonismos? Esta ten-dência parece conjugar-se com a idéiajá assinalada noutros estudos que apon-ta a distância ao poder como um dostraços mais evidentes na sociedadeportuguesa (Hofstede, 1980; Cabral,1991; Estanque, 1993 e 2000), ou seja,os portugueses tendem a incorporarelevados níveis de tolerância peranteas discrepâncias de poder e de status.A percepção da existência de antago-nismos que atravessam a sociedadenão significa, portanto, uma intolerân-cia face aos mesmos, mas talvez a idéiade que existem condições bem delimi-tadas de oportunidade e de privilégio(simbólicas e materiais). As desigual-dades objetivas parecem ampliar-se noplano subjetivo, espelhando níveis sig-nificativos de privação relativa entre osportugueses.

Se atentarmos na clivagem entre aclasse trabalhadora e a classe média,por exemplo, verifica-se que, em Por-tugal, 63,2% dos inquiridos a consi-deram muito importante, já que se re-ferem a existência de conflitos deinteresse “fortes” ou “muito fortes” en-tre aqueles dois segmentos sociais (Es-tanque, 2003: 94). Não só os padrões

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5 Que, neste caso, baseou-se numa amostra da população ativa aplicada nos conselhos de S. João da Madeira, Oliveira de Azeméis e Vila da Feira.(Ver Estanque, 2000: capítulo 5).

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de vida de cada uma dessas categorias(classe trabalhadora e classe média)são vistos enquanto divergentes, como,além disso, faz supor que há uma lutasimbólica pela demarcação de camposentre ambas. Isto diz-nos alguma coi-sa acerca do que designei como umefeito de classe média enquanto refe-rente simbólico e social no imagináriodos portugueses. Trata-se de um efeitode “atração” que exprime o fato de aidentificação subjetiva com a “classemédia” tender a ampliar-se para lá doslimites (objetivos) dessa camada. Nocaso português, cerca de 37% dos “pro-letários” autoposicionam-se comomembros da “classe média” (agregan-do as subcategorias média-baixa, mé-dia e média-alta) e o mesmo acontececom 52% dos empregadores (Estanque,2003: 100). É justamente esse efeitoatrativo que coloca a noção de classemédia como um importante referentenas representações dos portugueses.Isto pode ajudar-nos a interpretar apercepção dos interesses entre classetrabalhadora e classe média como con-flituais. Parece haver, no plano subje-tivo, uma luta simbólica que ocorre emdois sentidos: na perspectiva dos quejá se consideram inseridos na classemédia, e que desta forma estariam amostrar a sua diferença de estatuto; ena perspectiva dos que se identificamcom a classe trabalhadora, deixandoantever, neste caso, as dificuldades emalcançarem uma posição de classemédia6.

O conflito entre diretores e traba-lhadores é aquele que recolhe maiorvolume de respostas a assinalá-lo comorelevante (87,8%). Isto comprova, des-de logo, a centralidade das relações detrabalho enquanto campo de estrutu-ração das desigualdades, quer em ter-mos objetivos, quer no plano subjeti-vo. A rápida reestruturação que otecido produtivo tem sofrido em Por-tugal, aliada à presença de experiên-

cias marcantes de luta sindical numpassado histórico recente, faz com que,hoje, apesar da crescente fragilizaçãodo sindicalismo, as representações sub-jetivas denotem fortes clivagens soci-ais estruturadas em torno das condi-ções de trabalho, apesar das atuaistendências de precarização inibirem aexpressão aberta dos conflitos laborais.

Precariedade, exploração eaceitação

A elevada margem de tolerância,que os subordinados admitem relati-vamente ao exercício da autoridadepor parte dos seus superiores hierárqui-cos, facilita todo o tipo de abusos. Porum lado, quem ocupa posições de des-taque e lugares de chefia exige umadedicação sem limites por parte dossubordinados. Por outro lado, os pró-prios subordinados, ou por falta de al-ternativas ou porque esperam daí reti-rar algum retorno, não raro deixam-seenredar numa lógica de resignação,alimentada por sentimentos de lealda-de incondicionais, amplificando, as-sim, os recursos de autoridade dos seussuperiores. Daí que, quando esses la-ços de afinidade e dependência se que-bram e a parte mais fraca começa ainvocar direitos, assista-se, muitas ve-zes, a reações violentas, pessoais ouinstitucionais, mais abertas ou maissutis, dando lugar aos chamados fenô-menos de violência psicológica e deassédio moral no trabalho, quando nãode violência física (como testemunhamos vários processos judiciais que têmdecorrido nos tribunais).

As divisões existentes na sociedadeportuguesa e no mundo laboral sãoexpressão das barreiras sociais instala-das. Todavia, convém não esquecerque a precariedade é, ao mesmo tem-po, uma realidade objetiva e um senti-mento subjetivo. Do ponto de vista

patronal, ela é deliberadamente con-fundida com “flexibilidade” – porqueesta significa, na prática concreta dasempresas, um reforço das condições deexercício do poder sobre o trabalha-dor, que o obriga a aceitar tudo. Ouseja, a aceitar, sem protesto, as ordensda hierarquia, mesmo quando lhe sãoatribuídas tarefas para as quais não sesente preparado ou que agridem assuas qualificações e estatuto. Mas aprecariedade, sendo igualmente umavivência subjetiva, traduz-se na impo-tência e no medo. E a incorporação domedo, por sua vez, dá lugar à aceita-ção ou resignação, isto é, à auto-nega-ção da luta pelos direitos.

No atual panorama e, sobretudo,quando a relação salarial é precária, otrabalhador sabe que pode, a qualquermomento, ser descartado. Daí, o retra-imento, os mecanismos subjetivos defuga, de evasão mental, o medo de re-taliações, etc., que, apesar de alimen-tarem, em geral, um forte sentimentode contrariedade no trabalho, tradu-zem-se na recusa em participar, no ati-vismo sindical ou noutras formas deação coletiva. Contudo, importa, ape-sar disso, recordar que estas culturasde ressentimento escondem no quoti-diano fabril uma multiplicidade de for-mas tácitas de resistência e subversãoperante os mecanismos disciplinares,sob a forma de jogos de poder quaseinvisíveis, mas de grande relevânciasociológica, conforme mostrei atravésda observação participante realizadanuma fábrica de calçado (Estanque,2000).

Efetivamente, apesar de contidas soblógicas subjetivas de elevada tolerância,as relações laborais, nesses ambientes,podem reverter-se numa conflitualida-de desregulada, de conseqüências im-previsíveis, em particular, se as condi-ções de vida se agravarem bruscamentepara além das margens de “privaçãorelativa” toleráveis. E convém lembrar

Elísio Estanque

6 Uma interpretação que se inspira na concepção de Frank Parkin, em que o autor se refere aos conceitos de estratégias de exclusão e estratégiasde usurpação (Parkin, 1979).

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que as margens de tolerância são me-nores em situações nas quais a inter-venção estatal é maior e a relação sala-rial mais estável. Se, em alguns setores,o princípio da regulação obedece a fun-damentos sócio-culturais e à não apli-cação do quadro legal, pode esperar-seque uma recontratualização das rela-ções laborais assente, exclusivamente,no princípio do mercado venha a lega-lizar o dualismo inclusão/exclusão, in-duzindo situações de desregulação defato (Ferreira, 2003: 130). Segundo umestudo recente, Portugal é um dos paí-ses (ao lado do Brasil)7 onde estão maispresentes idéias como a de que “é pre-ciso ser corrupto para se ter êxito navida” (40,7% de concordância), ou a deque “as desigualdades existem porquebeneficiam os ricos e poderosos” (80%),ou ainda a de que “as desigualdadescontinuam porque as pessoas não seunem para lutar contra elas” (69,6%)(Cabral, 2003). Estas indicações eviden-ciam bem a presença dos sentimentosde impotência e ressentimento associa-dos ao acentuar da precariedade.

Importa, porém, não esquecer queas atitudes subjetivas têm o seu prin-cipal fundamento na realidade concre-ta. De fato, o aumento da precariza-ção e flexibilização das relaçõeslaborais, com os contratos a prazo, asubcontratação, o trabalho no domi-cílio, a expansão das redes clandesti-nas de mobilidade internacional deforça de trabalho e todo um conjuntode formas atípicas de trabalho, está acontribuir para acentuar novas formasde poder discricionário, novos despo-tismos, exclusões e formas de opres-são no emprego. Os regimes de fábri-ca vigentes, na maioria das nossasempresas industriais, são apenas aponta do iceberg, pois o autoritaris-mo e as formas de violência no traba-lho encontram-se em praticamentetodos os setores do emprego. E a glo-balização neoliberal tem contribuídopara acentuar os seus contornos per-

versos e os seus efeitos corrosivos so-bre as condições de trabalho e a dig-nidade humana.

Desafios para o sindicalismo

Em face do exposto, pretende-se,neste último tópico, mostrar algumasdas implicações desses processos detransformação social – no mundo dotrabalho, na reestruturação das desi-gualdades de classe e no plano das ati-tudes subjetivas – sobre a ação coleti-va e a atividade sindical.

Como é sabido, o movimento sin-dical tende a deixar de ser predomi-nantemente de base operária, à medi-da que as sociedades se terciarizam, eesta é uma tendência que se verificatambém em Portugal. Mas, importa terpresente o papel histórico do movi-mento operário, visto que foi ele que,pelo menos até aos anos sessenta – e,no caso português, até um períodomais recente –, alimentou as bases so-ciais do sindicalismo. Vale salientarque são essa referência e essa memó-ria que continuam a marcar o discursoe as propostas de ação de uma largacorrente do sindicalismo português.Podemos dizer que essa concepçãocontinua a apoiar-se numa visão domundo laboral fixada nas velhas con-tradições de classe, herdada do mar-xismo estruturalista que hegemonizouo discurso público em Portugal no pós-25 de Abril de 1974.

Todavia, é hoje, quase unanimemen-te, reconhecido que essa visão deixoude adequar-se à realidade do mundo la-boral. Ou seja, muito embora as classessociais estruturadas a partir da esfera pro-dutiva continuem a fornecer a principalbase das desigualdades, o certo é que,como quase todos os estudos compro-vam (Wright, 1985 e 1997; Pakulsky &Waters, 1996; Estanque & Mendes,1998), a classe deixou, há muito, de sero determinante principal do conflito po-

lítico. Num quadro de crescente globa-lização e individualização das relaçõessociais, as clivagens de classe produzemsimultaneamente antagonismos de inte-resses e relações de consentimento a par-tir da produção, sejam elas fundadas emregimes de tipo hegemônico ou de tipodespótico (Burawoy, 1985). Se, até aosanos sessenta, a luta de classes, condu-zida pelo movimento operário nos paí-ses industrializados, teve um amplo sig-nificado social e político foi porque haviacondições para construir culturas operá-rias fortes, sob a forma de comunidadesde resistência ou emancipatórias, asquais, entretanto, esbateram-se ou extin-guiram-se por completo. O tradicionalsistema de produção taylorista e o mo-delo de regulação fordista começaram acindir-se e a fragmentar-se, fazendoemergir formas de trabalho mais desre-guladas e inseridas num quadro socialmais marcado pela terciarização do em-prego e pela expansão dos consumos demassa.

Evidentemente que, a par da perdade vitalidade deste modelo de ação sin-dical, centrado na mobilização operá-ria – e, sobretudo, à medida que seassiste ao crescimento do setor terciá-rio – cresceu também a sindicalizaçãodos trabalhadores dos serviços admi-nistrativos e do funcionalismo públi-co, bem como a presença dos sindica-tos nos mecanismos de concertação.Isto fez com que, nuns casos de formamais aberta noutros apenas implicita-mente, as estruturas sindicais passas-sem a integrar cada vez mais as ins-tâncias de regulação institucional,negociando com o Estado e os restan-tes parceiros sociais a definição daspolíticas laborais e sociais. Essas cir-cunstâncias conferiram ao movimentosindical um novo papel no desenhardas grandes reformas sociais, reforçan-do o seu protagonismo institucional,mas, ao mesmo tempo, retirando-lheparte da sua capacidade de mobiliza-ção. A este propósito, poder-se-á dizer

Recomposições no mundo laboral e desafios para a ação sindical

7 Os outros países incluídos na análise de M. Villaverde Cabral são o Canadá, a Espanha, a República Checa e a Suécia (Cabral, 2003).

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que, ao longo das últimas décadas, asconquistas dos trabalhadores e do mo-vimento sindical tradicional cederam,na prática, às pressões da lógica coop-tativa, integrando-se na própria dinâ-mica do sistema, ou seja, deixando-seabsorver pela lógica de regulação (San-tos, 1994). Não só o capitalismo con-seguiu, em parte, “canibalizar” as lu-tas da classe trabalhadora, como asestruturas dirigentes dos principais sin-dicatos se tornaram, em certa medida,instrumentos da ação reguladora doEstado.

Convém, no entanto, não esquecerque, lado a lado, com as tendênciasde desacreditação do “velho” sindica-lismo de base operária e nacional, di-versos sinais de renovação – sobretu-do, no plano das idéias e do debatepolítico – têm vindo a surgir, tanto nocampo acadêmico como no domíniosindical, apontando para a emergên-cia de um “novo” movimento socialsindical de âmbito global ou interna-cional (Moody, 1997; Bezuidenhout,1999; Ashwin, 2000; Estanque, 2004).É de crer que esse processo de revitali-zação será cada vez mais visível nofuturo próximo, já que o movimentosindical se mostra hoje mais aberto ereconhece explicitamente a necessida-de de renovar os seus métodos e estra-tégias de atuação perante a força cres-cente do capitalismo global.

Assim, a maleabilidade e fluidezdas linhas de clivagem das desigual-dades sociais, a par do acentuar dasformas de fragmentação do trabalho eda precariedade do emprego, estão apulverizar o tradicional centro do con-flito social – a esfera produtiva –des-dobrando-o em múltiplas formas deação coletiva, que cada vez mais seafastam e se deslocam: da fábrica paraa comunidade; do trabalho para o la-zer; da produção para o consumo; doespaço nacional ou setorial para otransnacional. Certamente que a cen-tralidade do trabalho permanece, maso sindicalismo só pode ganhar expres-são no terreno da luta coletiva se dei-

xar de estar confinado à esfera produ-tiva e for capaz de estabelecer novasalianças e modos de intervenção emrede.

No que respeita aos objetivos daação sindical, os dirigentes mais escla-recidos começam a ser capazes de sequestionar face aos novos desafios, ede recentrar a atenção dos sindicatos,passando de uma orientação estreita-mente reivindicativa para uma orien-tação mais voltada para as questões dodesenvolvimento. Perante um mundosocial feito de crescente complexida-de, e quando os caminhos do futurosão tão incertos, não adianta repousarsobre os velhos dogmas e certezas or-todoxas. Expor a dúvida e formularnovas questões, fundadas na nova rea-lidade, é certamente a atitude adequa-da, como de resto procuram fazer tam-bém os cientistas sociais empenhadosna intervenção social.

Continuar a apostar no velho sindi-calismo de classe, ou procurar esten-der a ação coletiva para um sindicalis-mo de movimentos, aliando-se aosnovos movimentos sociais? Continuara centrar a mobilização nos planos se-torial e nacional, ou promover cadavez mais a intervenção com base nasredes de solidariedade transnacionais?Trabalhar em conjunto e promover aeleição democrática das comissões detrabalhadores, ou apenas trabalhar comelas quando se tornam instrumento dosindicato? Continuar a acreditar nummodelo futuro de sociedade que seconquista sobre os despojos do atualsistema, ou trabalhar dentro deste sis-tema para criar espaços alternativos deorganização e emancipação social?Como renovar as lideranças sindicaispromovendo a defesa da democraciainterna e os sindicalistas mais jovens,com base no critérios do mérito e dacrítica construtiva? Como fazer repre-sentar e promover o acesso das mulhe-res às posições dirigentes, já que esta-mos num dos países mais feminizadosda Europa na área laboral? Privilegiara resistência entre as coletividades de

trabalhadores ou abrir a intervenção eo discurso num sentido propositivo epró-ativo? Apostar nos setores maisestáveis e com mais poder reivindica-tivo, ou estender e intensificar a inter-venção junto dos segmentos laboraismais precários e mais difíceis de mo-bilizar? Como combinar negociaçãocom luta organizada? Como combinara ação de denúncia junto dos traba-lhadores com os meios institucionaisde atuação, quer a nível do quadro le-gal e dos tribunais quer das instânciasda inspeção do trabalho? Como inter-vir junto de setores particularmenteprecários como os imigrantes, porexemplo? Continuar a impor a hege-monia sindical junto dos movimentose associações cívicas ou agir por mé-todos persuasivos e fazendo conces-sões quando é preciso? Como combi-nar as lutas econômicas e laborais comas lutas pelo reconhecimento promo-vidas a partir da esfera da comunida-de? Essas são algumas das interroga-ções que, em face do atual panoramasocial e laboral português, deveriamser seriamente discutidas pelos nossosdirigentes sindicais.

No plano do desenvolvimento so-cial e da renovação do tecido laboralportuguês, é fundamental exigir – de-signadamente aos decisores políticos,às instituições estatais e às associaçõese confederações patronais – e criarcondições para negociar um plano deinovação tecnológica que passe peloenvolvimento das estruturas sindicaise seja capaz de relançar a capacidadecompetitiva das empresas e da econo-mia. Creio que um tal plano só poderáser alcançado se souber apoiar-se numconjunto de articulações entre objeti-vos que, muitas vezes, são apresenta-dos como contraditórios, mas que, ameu ver, podem e devem conjugar-se.

Enumeram-se, a título de exemplo,a procura de compatibilização entre osseguintes objetivos: 1) os programas deinovação tecnológica e os objetivos so-ciais das empresas; 2) a competitivida-de e a aposta na formação das pessoas,

Elísio Estanque

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quer no âmbito do ensino profissionali-zante quer da formação contínua dostrabalhadores e quadros, tanto no pla-no técnico como nos recursos humanose modelos de gestão; 3) a procura daeficácia e a motivação dos trabalhado-res com base na delegação de respon-sabilidades, no reconhecimento domérito e no trabalho em equipe; 4) aatividade das universidades, laborató-rios ou instituições de investigação ci-entífica e os programas de inovação tec-nológica e modernização industrialdesenvolvidos nas empresas ou coorde-nados pelas associações empresariais;5) a busca da excelência e do respeitopelos direitos e liberdades sindicais dostrabalhadores, criando verdadeiras cul-turas de negociação do conflito ao ní-vel das empresas; 6) os objetivos de fle-xibilização e a defesa da cidadanialaboral, em especial através dos incen-tivos fiscais às boas práticas de gestãoe inovação. Enfim, numa palavra, tra-ta-se apenas de aliar os objetivos decrescimento econômico ao desenvolvi-mento sustentável e à defesa da coesãosocial.

Nem as interrogações anterioresnem os objetivos que acabo de enun-ciar pretendem, evidentemente, servirde guia ou esboçar qualquer progra-ma de ação sindical e política, o qualterá de ser concebido pelos respecti-vos atores e responsáveis. Constituem,apenas, propostas de reflexão que seafiguram como pertinentes no quadrolaboral e social abordado ao longodestas páginas. O mundo do trabalhoe a sociedade portuguesa encontram-se em grande convulsão e enfrentamhoje dificuldades, por todos reconhe-cidas, que derivam largamente das re-composições e mudanças dinamizadaspela economia global em que vivemose pelas pressões sociais e institucionaisde âmbito transnacional. Nessa medi-da, a análise que procurei traçar nopresente texto destina-se, acima detudo, a ser um contributo para com-preendermos a enorme complexidadee os inúmeros contrastes sociais que

atravessam atualmente a sociedadeportuguesa.

A realidade das relações laboraistem se alterado de tal forma que, mui-tas vezes, deparamo-nos com os efei-tos mais visíveis dessa mudança semconseguir perceber a natureza estrutu-ral e sociológica que está na sua gêne-se. Não raramente os agentes econô-micos e os atores sindicais encaram opresente sob o ponto de vista dos ob-jetivos imediatos e com base em pers-pectivas fundadas em paradigmas de-sajustados da realidade social concreta.É, por isso, fundamental sublinhar quetanto os problemas econômicos comoos desafios do mundo sindical só po-dem encontrar respostas bem sucedi-das se forem encarados à luz da dimen-são social mais profunda em querepousam. E, para além do crescimen-to, a economia só pode, na verdade,trazer desenvolvimento se os seus di-videndos forem apoiados por políticasdistributivas cujos objetivos se basei-em na busca do bem-estar geral e naredução das desigualdades e injustiçassociais.

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro / julho de 2007

A política internacional dasorganizações sindicais nacionais:potencialidades e desafios1

Resumo:Este texto reserva uma atenção especial ao papel que as organizações sindicaisnacionais atribuem à sua política de relações internacionais. Na primeira parte,são realçadas as potencialidades dessa política. Na segunda parte, são propostos3 grandes desafios decorrentes dessa política: a definição de vínculos orgânicosao sindicalismo transnacional; as experiências de participação laboral e de diálo-go social transnacional no quadro das empresas multinacionais; e a construçãode um sindicalismo de movimento social transnacional.Palavras-chave: política sindical internacional, potencialidades, desafios

Abstract:This article in focused on the role attributed by national trade union organizati-ons to their international relations policy. The first part makes reference to themain potentialities of that policy. The second part proposes three major challen-ges associated to the trade union international relations policy: the organic inte-gration within transnational trade unionism; the forms of labour participation andsocial dialogue within multinational companies; and the contributions for a trans-national social movement unionism.Key-words: International trade union policy; potentialities; challenges

1 Esta reflexão enquadra-se na tese de doutoramento do autor, concluída, em Janeiro de 2005, naFaculdade de Economia da Universidade de Coimbra. A tese em causa versa sobre a transnaci-onalização dos discursos e das práticas transnacionais das principais confederações sindicais dePortugal e do Brasil, respectivamente, a Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses(CGTP) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Hermes Augusto CostaDoutor em Sociologia. Professor da Faculdade deEconomia da Universidade de Coimbra. Investiga-dor Permanente do Centro de Estudos Sociais. E-mail: [email protected].

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Tal como as políticas de organiza-ção, formação, ação reivindicativa, sin-dicalização, relações de gênero, etc.,a Política de Relações Internacionais(PRI), ocupa, por direito próprio, umlugar (mesmo que reduzido) na estra-tégia de cada organização sindical na-cional. De resto, é com base nessapolítica que é possível apontar os ru-mos da transnacionalização do sindi-calismo e alinhavar possibilidades con-cretas para a sua renovação a umaescala mais ampla. O meu propósito,neste texto, é, por um lado, enunciaralgumas das potencialidades inerentesà formulação de uma PRI e, por outrolado, identificar três grandes desafiosque, a meu ver, estão associados a ela:a definição de estratégias de inserçãoorgânica no sindicalismo transnacional(regional ou mundial); as experiênciasde participação laboral e de diálogosocial no quadro das empresas multi-nacionais; e a construção de um “sin-dicalismo de movimento social trans-nacional”, isto é, de um sindicalismoaberto à cooperação com outras orga-nizações da sociedade civil.

1. Do desafio das potenciali-dades...

O desafio da edificação de uma PRIé tanto maior quanto se sabe que asorganizações sindicais nacionais estão,sobretudo, vocacionadas para a inter-venção no plano nacional, desde logo,por estarem vinculadas às realidadesespecíficas dos seus próprios países. Seé certo que as opções globais subja-centes a uma PRI refletem, muitas ve-zes, anseios sindicais longínquos, em-bora ainda por concretizar de formaregular – como a solidariedade operá-ria internacional ou a luta pela paz epelos direitos humanos –, a verdade éque é, nas raízes nacionais, que radi-cam as origens do sindicalismo. Comefeito, não se pode esquecer que a de-terminação de salários, de regimes ju-rídicos ou de condições de trabalho é

feita, primeiro que tudo, à escala na-cional (Ruzza, 1996: 126; Costa, 2002:21). A PRI pode também ser concebi-da, afinal, como uma política que rea-firma no plano transnacional um con-junto de princípios e orientaçõesprogramáticos defendidos no planonacional. Ao refletir o pensamento es-tratégico de uma organização sindical,a PRI acaba por ser também a expres-são da sua ideologia, que se manifestaem distintas políticas (emprego, sindi-calização, ação reinvindicativa e ne-gociação, organização sindical, forma-ção, igualdade de oportunidades,juventude, etc.), as quais se encontram,também, cada vez mais articuladasentre si.

E, no entanto, apesar da preponde-rância das raízes nacionais, as organi-zações sindicais nacionais têm, ao seudispor, um conjunto de modalidadesde organização da sua ação no planotransnacional: as campanhas de soli-dariedade sindical entre centrais sin-dicais e sindicatos de diferentes paí-ses; o intercâmbio de informações epartilha de experiências entre organi-zações sindicais de diferentes países;a celebração de negociações coletivas(Acordos-Quadro Globais) entre mul-tinacionais e organizações sindicaissetoriais internacionais (FederaçõesSindicais Globais, FSGs), visando, porexemplo, criar códigos de conduta des-tinados a respeitar os direitos laboraisbásicos; a defesa da paz e a luta con-tra a exclusão social, as formas de ra-cismo e xenofobia; o combate às mul-tinacionais; o combate à dívida externados países do Terceiro Mundo; a orga-nização de greves, formas de protestopúblico ou redes internacionais de sin-dicatos pela defesa dos direitos labo-rais; a fusão de sindicatos como formade tornar mais coesa a capacidade deorganização operária internacional; aparticipação em ações e projetos con-juntos com outras organizações nãosindicais da sociedade, etc.

Essa variedade de formas organiza-cionais transnacionais potencia, pois,

a importância da PRI. Essa importân-cia faz hoje tanto mais sentido quantose sabe que as políticas internacionaisdas organizações sindicais nacionaistêm sido escassamente estudadas.Como salienta Boito Jr. (1999: 215),reportando-se à realidade brasileira,mas expressando, a meu ver, uma idéiaperfeitamente generalizável a outroscontextos, as relações internacionaisconstituem um importante tema deanálise “a espera de pesquisadores”.

Mas enquanto política, a PRI é,igualmente, estimulada por muitos dosefeitos desestruturadores que, nas últi-mas décadas, abateram-se sobre o tra-balho e o sindicalismo e que têm tidoepicentro na globalização da economia(Hoffman, 2000: 628; Hyman, 2002:20-21). Por outro lado, a necessidadede estimular a PRI resultou também daeclosão de outros acontecimentos efatores situados fora da esfera estrita-mente sindical: a emergência dos blo-cos econômicos regionais, as transfor-mações operadas nos países socialistasde Leste ou os movimentos de liberta-ção nacional (Groux, 1990: 359), fo-ram, ao longo das últimas décadas, fa-tores que condicionaram a PRI deorganizações sindicais e que se tradu-ziram em processos de recomposiçãotransnacional do sindicalismo (Maie-llo, 1990: 420; CUT, 2001: 19; 2002:1). Além disso, a posição internacio-nal ocupada no sistema político inter-nacional pelo país a que pertencem asorganizações sindicais, os apoios go-vernamentais à ação sindical interna-cional (Sagnes, 1994: 509), as relaçõese influências patronais, partidárias oumesmo religiosas sobre a atividade sin-dical (Stevis, 2002: 132), acabaram porinfluenciar também a PRI de muitasorganizações sindicais nacionais.

Independentemente da conjugaçãode fatores, elenco de etapas, defini-ção de objetivos de uma PRI, bemcomo da lista de destinos e atores sin-dicais com quem promover alianças,ou ainda, da articulação entre a PRI eoutras políticas de intervenção das

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centrais sindicais nacionais, vai pare-cendo claro que é, na transnacionali-zação das suas políticas, que os sin-dicatos poderão encontrar respostasque os ajudem a “compensar” os pro-blemas com que se confrontam nasrealidades nacionais. No início dosanos 70 do século XX, já Charles Le-vinson apontava nesse sentido, aodefender que o “desenvolvimento deuma verdadeira força internacional”constituía uma importante condiçãopara a “sobrevivência nacional dossindicatos” (Levinson, 1972: 141).Três décadas depois, e tendo por re-ferência a realidade sindical européia,Reiner Hoffmann (2000: 627; 653)defende que a europeização das rela-ções laborais só será bem sucedida seos sindicatos nacionais forem capazesde europeizar as suas políticas. A eu-ropeização das relações laborais é umelemento chave na modernização dosindicalismo. Segundo o autor, a eu-ropeização não pressupõe, necessari-amente, uma forte harmonização dasrelações laborais, até porque não sepode esperar que os sistemas nacio-nais de relações laborais percam a suaexpressão. O cerne da questão resi-de, sim, na capacidade em construirum sistema europeu de representaçãoe atividade sindical que sirva, preci-samente, de complemento aos siste-mas nacionais. Por sua vez, tambémna América do Sul, existe a percep-ção de que uma ação integrada, emredor das entidades supranacionaiscomo a Coordenadora das CentraisSindicais do Cone Sul (CCSCS), pos-sa funcionar como um elemento decompensação transnacional das divi-sões nacionais que marcaram histori-camente o sindicalismo nessa região(Padrón, 1999: 361-362; Brunelle &Chaloult, 1999: 166; Barbiero & Cha-loult, 2001: 10).

2. À potencialidade dos desafios

2.1. Rearticulação orgânica do sindi-calismo internacional e a transnacio-nalização das estruturas

Um dos desafios que decorre daPRI reside na definição de possíveisvínculos orgânicos ao sindicalismotransnacional. Com a definição de taisvínculos, abre-se caminho à transna-cionalização das estruturas sindicais,remetendo-se para um conjunto deformas de organização sindical trans-nacional e, portanto, também para umconjunto de escalas de intervençãosindical transnacional. Para Caire(2000: 22-24), é possível distinguirquatro dimensões de intervenção sin-dical de transnacional: as confedera-ções sindicais mundiais (de âmbitoglobal), com destaque para a Confe-deração Internacional das Organiza-ções Sindicais Livres (CIOSL); as or-ganizações sindicais regionais (deâmbito regional), como a Confedera-ção Européia de Sindicatos (CES) oua Organização Interamericana de Tra-balhadores (ORIT); as Federações Sin-dicais Globais (FSGs, antigos Secre-tariados Profissionais Internacionais,que atuam setorialmente no plano in-ternacional); e os Conselhos de Em-presa Europeus (CEEs, que atuam nodomínio das multinacionais).

No final dos anos 80 do século XX,as transformações políticas mundiaisresultantes do fim da “Guerra Fria” pro-duziram implicações nas estratégiasorganizacionais dos sindicatos, obri-gando-os a reorganizarem-se transna-cionalmente e a repensarem as suasideologias em função dessas transfor-mações que afetaram um modelo dualde sindicalismo que reinava desde aSegunda Guerra Mundial. As condici-onantes ideológicas são aqui, por isso,chamadas à discussão de novo, inter-ferindo, sobremaneira, nos pedidos defiliação, quer das organizações de pa-íses de Leste na CIOSL e na CES, quer,inclusive, nos pedidos de filiação de

outras organizações sindicais tradicio-nalmente de orientação comunista. Aoreportar-se à maior organização sindi-cal mundial, a CIOSL, Sarah Ashwinafirma que, embora o seu modelo desindicalismo tenha levado algum tem-po a adaptar-se ao colapso do comu-nismo, torna-se evidente, “depois daideologia”, que a CIOSL vem conhe-cendo, dentro de si mesma, um “rela-xamento ideológico” (Ashwin, 2000:102; 107; 114-115).

Envolvendo organizações sindicaisde diferentes países, quer num cená-rio mundial (essencialmente atravésda CIOSL), quer num cenário regio-nal (através da CES, da ORIT ou daCCSCS), as filiações sindicais transna-cionais devem, com efeito, ser olha-das como um espelho de ações e es-tratégias sindicais coletivas. Supõem,por isso, não apenas uma extensão doalcance da organização sindical aoutra(s) organização(ões), como umsentimento de inclusão/pertença novoe, como tal, a criação de condiçõespara um maior reconhecimento exter-no por parte de empregadores, gover-nos ou agências internacionais (Ram-say, 1997: 526-527). Tal como ocorrenas organizações sindicais nacionais,para que seja engrandecido, esse novosentimento de pertença organizacio-nal pressupõe, por sua vez, tanto aaquisição de direitos (por exemplo, naqualidade de associado de uma orga-nização sindical nacional que se filianuma transnacional, passa-se a ter odireito de poder eleger ou ser eleitopara os órgãos desta em função do quedeterminarem os seus estatutos), quan-to o cumprimento de obrigações (porexemplo, pagar as quotas e respeitaros estatutos e normas da organizaçãotransnacional) (Ebbinghaus & Visser,2000: 15-17). Além disso, a ligaçãoorgânica à uma organização sindicaltransnacional constitui um passo parao reforço da presença sindical efetivano plano transnacional. A efetividadee representatividade no plano trans-nacional serão, por sua vez, tanto

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mais bem sucedidas quanto forem oreflexo de uma melhoria da perfor-mance organizacional e dos padrõesde solidariedade sindical. Diria, pois,que o desafio resultante de uma liga-ção orgânica de uma organização na-cional a outra supranacional (como aCES, a CIOSL, a ORIT ou a CCSCS,por exemplo), por via de uma filiaçãotransnacional, pressupõe uma “re-constituição dos sindicatos enquantoórgãos que promovem relações inter-nas interativas e que funcionam maiscomo redes do que como hierarqui-as” (Hyman, 2001: 176).

Num quadro de rearticulação or-gânica e reorganização de poderes dosindicalismo, a “filiação sindical trans-nacional” constitui, ainda, em minhaopinião, um instrumento passível deconceder ao sindicalismo a possibili-dade de, a uma escala mais ampla deatuação, adquirir maior visibilidade eprotagonismo. Ao mesmo tempo quese filia transnacionalmente, uma or-ganização confronta a especificidadedas suas concepções e práticas sindi-cais com as de outras organizações,independentemente de os passados deambas poderem ter estado ancoradosem “famílias ideológicas” opostas ouem tradições de sindicalismo que,mesmo no presente, conservam pon-tos de distanciamento. Por outro lado,ao ligar-se, organicamente, a uma en-tidade sindical transnacional, umaorganização sindical nacional passa aestar mais capacitada para participarconjuntamente, e com maior regula-ridade, com outras organizações sin-dicais de outras nacionalidades nadiscussão de problemas e desafioscomuns ao sindicalismo organizadonesse espaço transnacional. A articu-lação sindical, propiciada por um fó-rum transnacional comum a muitasorganizações, poderá ainda servir paraestreitar velhas relações sindicais, mastambém para encetar novas relaçõescom outras organizações sindicais.Mas é conveniente acompanhar tantoos antecedentes dos processos de fili-

ação (muitas vezes conturbados),como também as conseqüências des-ses processos (não raras vezes pauta-dos também por tensões organizacio-nais e ideológicas). Isto é, embora, nocomeço, a ligação orgânica a umanova entidade transnacional não pa-reça significar muito mais do que umato formal, datado no tempo, e queserve para distinguir organizações fi-liadas de organizações não filiadas, averdade é que, estando em jogo umainstitucionalização de procedimentose de práticas, a filiação sindical trans-nacional é susceptível de obedecer auma análise de “longo prazo”.

Por fim, e em forma de síntese, umpropósito inerente à filiação transna-cional é contribuir para reforçar o sin-dicalismo enquanto contra-poder e tor-ná-lo mais apto a desafiar as estratégiasdo capitalismo global. Retomando aexpressão que Marx e Engels (1982:136) utilizaram no Manifesto do Parti-do Comunista, trata-se de um “mundoa ganhar” do sindicalismo que, poten-cialmente, pode fortalecê-lo e torná-loorganicamente mais coeso, conscien-te, que está da necessidade de engros-sar a sua representação efetiva diantedos desafios colocado por um “merca-do global” (Ashwin, 2000: 109).

2.2. Novas experiências de partici-pação laboral e de diálogo social

Um segundo ponto que faz senti-do incorporar e que é recorrente numaPRI reside no fato de ela abrir cami-nho à participação e dinamização deexperiências de participação laborale de diálogo social no quadro dasempresas multinacionais. Por remeterdiretamente para o incremento dasrelações laborais nos “locais transna-cionais” (multinacionais), este pontoremete, preferencialmente, para asdimensões setoriais e de empresa. Naverdade, não pode ser secundarizadoo papel exercido por organizações sin-dicais internacionais (as FSGs) e regi-onais (as Federações Sindicais Euro-péias, FSEs) que, no âmbito setorial e

da empresa, desempenham um papelativo no sentido da transnacionaliza-ção da negociação coletiva, de modoa procurar evitar que as multinacio-nais façam assentar a sua atuaçãonuma estratégia de “dividir e reinar”.Daí que atividades como o intercâm-bio e a troca de informações, as cam-panhas de solidariedade (através degreves e boicotes) e outras formas depressão política sejam, normalmente,usadas como trampolim para um mai-or equilíbrio transnacional de pode-res entre capital e trabalho (Ramsay,2000: 26).

De par com as capacidades intrín-secas para se organizarem e coorde-narem atividades além fronteiras e coma busca de apoios políticos e financei-ros junto de organizações intergover-namentais e governos para a realiza-ção das suas campanhas, Ramsay (Op.Cit.: 27) sustenta que se as organiza-ções de trabalhadores (nomeadamen-te os sindicatos) tiverem conhecimen-to das estratégias das multinacionaisestarão em melhores condições de res-ponder ao capital e de construírem uminternacionalismo operário. A idéia éque o sindicalismo que ambiciona in-ternacionalizar-se através da negocia-ção coletiva multinacional deixe de veras multinacionais como uma “caixanegra” impenetrável e passe a olhá-lascomo o “inimigo” a examinar (Op. Cit.:27). A proposta de Ramsay vai, assim,no sentido de identificar potenciaisrecursos que levem a um entendimen-to/conhecimento sindical das multina-cionais “por dentro”: estratégias corpo-rativas; cadeias produtivas; redesinter-empresas; estruturas organizaci-onais; e dilemas e incapacidades dagestão são os principais recursos iden-tificados. Uma vez que a “inteligênciaoperária envolvendo uma análise crí-tica das estratégias corporativas” temevidenciado um envolvimento sindicalaquém do que seria desejado (Op.Cit.,: 43), torna-se necessário estimu-lar, o mais possível, a partilha de in-formação respeitante à multinacional

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entre sindicatos de diferentes países,ainda que pertencentes à mesma mul-tinacional.

Numa leitura convergente com esta,Gordon & Turner (2000: 22), salien-tam, precisamente, que a cooperaçãotransnacional entre sindicatos requera aquisição de informações corretassobre os objetivos perseguidos pelosempregadores das multinacionais, nosentido de saber: “onde produz a em-presa, quanto pode oferecer, ondepode ser vulnerável, quais as suas es-tratégias de negociação e planos deinvestimento em diferentes localiza-ções”. Por seu lado, Jane Wills (2001:183; 199) considera que as multinaci-onais, enquanto “nódulos chave nacartografia do emprego internacional”,poderão permitir que os sindicatos fa-çam uso das suas estruturas e ligaçõesinternacionais, com o intuito de cria-rem “redes de solidariedade entre tra-balhadores através do espaço”. Nessesentido, apesar de as multinacionaisserem vistas como espaços de compe-tição, que secundarizam, ou simples-mente esquecem as relações humanase sociais, elas poderão aumentar opotencial de indivíduos e grupos soci-ais para contestar e transformar práti-cas produtivas e de trabalho há muitoinstaladas e a carecerem de reestrutu-ração (Amoore, 2002: 33).

A criação de Conselhos de Empre-sa Europeus (CEEs), desde 1994, e acelebração (na Volkswagen, em 1999)do primeiro Contrato Coletivo do MER-COSUL (CCM) são dois exemplos que,ao ilustrarem a combinação de umavertente empresarial com uma verten-te setorial, abrem caminho a um mai-or conhecimento das multinacionaispor parte dos sindicatos e criam possi-bilidades de solidariedade transnacio-nal entre trabalhadores e sindicatos.Resultado direto de uma lei comunitá-ria destinada a instituir mecanismos deinformação e consulta dos trabalhado-res nas empresas ou grupos de empre-sas de dimensão comunitária, os CEEssão herdeiros de uma regulação de

cima para baixo (Miller, 1999: 346)que visa criar um sistema transnacio-nal de informação ajustado à estruturatransnacional das empresas ou gruposde empresas de dimensão comunitá-ria. Nos termos da classificação pro-posta por Boaventura de Sousa Santos(1995: 263; 1997: 16; 2001: 71) esta-ríamos, assim, diante de um localismoglobalizado, observável no modocomo uma multinacional está em con-dições de alargar as suas atividadespara além de um registro meramentelocal ou nacional. Por outro lado, po-rém, esteve também subjacente à cons-tituição dos CEEs a criação de condi-ções de luta a partir de baixo, o quenos reconduz ao que este autor desig-na por cosmopolitismo – que, comose viu anteriormente, trata-se de umtermo utilizado para descrever práticase discursos de resistência (Santos,1995: 264; 1997: 17; 2001: 73-74) – eque Michael Burawoy (2000) designapor globalização ancorada. Na verda-de, é possível, em teoria, criar condi-ções de organização laboral transna-cional assentes numa articulação delutas resultante da partilha de proble-mas comuns aos trabalhadores de umamesma empresa, ainda que de diferen-tes nacionalidades, superando-se, as-sim, barreiras lingüísticas e culturais(Hoffmann, 2002: 139).

Segundo Hyman (2001), a conquis-ta de uma solidariedade genuína pode-ria, assim, no longo prazo, resultar deuma articulação entre uma liderançaestratégica e um ativismo democrático.Em seu entender, o desafio dual resul-tante dos CEEs (experiência em que alegislação social européia, até hoje,mais avançou) passa por combinar pro-cessos de orientação estratégica commobilização de base. Nos termos porele usados, trata-se de “desenvolver tan-to estruturas centralizadas e os meca-nismos para uma vigorosa participaçãode base” (Op. Cit.: 175). Ou, como sus-tenta Jane Wills (2001: 189), de par comredes horizontais entre trabalhadoreseuropeus, os CEEs potenciam também

a criação de redes verticais entre a“base” e o “topo”, isto é, entre traba-lhadores e administradores das empre-sas.

Por sua vez, no espaço do MERCO-SUL, a celebração de um contrato co-letivo na empresa Volkswagen, semter sido produto de um ordenamentojurídico supranacional, possibilitou,no entanto, a criação de um conjuntode mecanismos de resistência dos tra-balhadores a partir de baixo. A cele-bração do CCM permitiu, de formainédita, criar condições para o esta-belecimento de princípios básicos derelacionamento entre capital e traba-lho. O potencial desta iniciativa paratrabalhadores e sindicatos do MERCO-SUL reside, precisamente, no fato depermitir aos trabalhadores de diferen-tes países, mas de uma mesma multi-nacional, encontrarem mecanismoscoletivos de requalificação e conquis-ta transnacional de direitos, o que, empaíses onde a estabilidade da demo-cracia é freqüentemente questionadae a instabilidade econômica, social epolítica freqüentemente reafirmada,constitui um feito assinalável. Tantoos CEEs como o CCM (inspirado nosCEEs) permitem, assim, em teoria, cri-ar uma vigilância sobre o cumprimen-to dos acordos capital-trabalho trans-nacionais. Pressupõe-se, por isso, que,em caso de não cumprimento, assu-ma-se um espírito crítico e se acio-nem processos de resistência laboralcoletiva, fazendo, assim, jus à condi-ção de “instituições reativas de rela-ções laborais” (Miller, 1999: 347).

2.3. Emergência de um sindicalis-mo de movimento social transna-cional

Por fim, mas tão ou mais impor-tante quanto os dois pontos anterio-res, a delimitação dos contornos deum sindicalismo de movimento soci-al transnacional e o apelo a um sindi-calismo do mesmo tipo constituemtambém um desafio que a PRI de qual-quer organização deverá equacionar.

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No entanto, ao contrário dos dois pon-tos anteriores (ligações/filiações aosindicalismo transnacional e incenti-vo à participação e diálogo social nasmultinacionais), esse ponto ocupa,ainda, um espaço diminuto na histó-ria das organizações sindicais. Comefeito, não se trata de um desafio fá-cil, tanto mais que, historicamente, ossindicatos foram, sempre ou quasesempre, mais hábeis defensores da-queles que vêem o fruto do seu traba-lho depender de uma relação salari-al. Mesmo nos EUA, país onde maisse avançou a convergência entre or-ganizações sindicais e movimentossociais, continuam a surgir muitosobstáculos à mudança, obstáculos es-ses que são reveladores de que a alte-ração de culturas sindicais, há muito,instaladas é um processo “muito len-to e penoso” (Wills, 2004: 88).

Embora o discurso dos responsá-veis sindicais revele uma cada vezmaior consciência da necessidade de“dar a mão” a outras organizações dasociedade civil, subsistem, todavia,muitos sinais de resistência. Comoreconhece Jakobsen (1999: 246) (se-cretário de relações internacionais daCUT entre 1994 e 2002), enquantoque os sindicatos “lidam com o setorformal e organizado da sociedade, asONGs, geralmente, trabalham comsetores excluídos e com relações in-formais com o Estado”. Por outro lado,o líder da maior central sindical por-tuguesa, a CGTP, defende que “omovimento sindical deve ter um es-paço de que não pode nem deve ab-dicar. Cometeríamos um erro estraté-gico se deixássemos que as questõessindicais fossem tratadas como asquestões de mais uma ONG”2.Talvez,por isso, este desafio seja um dos que

nos últimos anos mais tem vindo a sus-citar uma reflexão urgente por parte dealguns teóricos e estudiosos interessa-dos no sindicalismo transnacional.

Um sindicalismo de movimento so-cial só será, certamente, bem sucedidose implicar uma superação das “estra-tégias de fechamento dos sindicatos”,o que tornaria imperativo, como assi-nala Bourdieu (2001), efetuar uma sé-rie de “rupturas mais ou menos radi-cais”: ruptura com os particularismosnacionais ou mesmo nacionalistas dastradições sindicais, excessivamente de-pendentes dos limites dos Estados; rup-tura com o pensamento concordatárioque desacredita a ação dos críticos eque se orienta por um consenso queleva os dominados a aceitar a sua su-bordinação; ruptura com o fatalismoeconômico e com o neoliberalismo há-bil, que vê nos mercados e na globali-zação a única saída para os problemasda humanidade. Um “sindicalismo re-novado chamaria a si agentes mobili-zadores animados de um espírito pro-fundamente internacionalista e capazesde superarem os obstáculos ligados àstradições jurídicas e administrativasnacionais e também às barreiras soci-ais interiores da nação, as que separamos ramos e as categorias profissionais,e também as classes de gênero, de ida-de e de origem étnica” (Op. Cit.: 6-7)3.

Assim, não só no plano nacionalcomo no plano transnacional, conce-ber um sindicalismo de movimentosocial constitui um bom teste às ca-pacidades de mudança do movimen-to sindical em geral ou, se se preferir,um teste às resistências do sindicalis-mo ao diálogo/parceria a outras orga-nizações e atividades da sociedadecivil situadas fora do controlo estritoda ação sindical. Ao confrontar “ve-

lhas” e “novas” formas de ação sindi-cal no plano transnacional, julgo tam-bém que este tópico vem reforçar umpressuposto fundamental para a reno-vação do sindicalismo: o pressupostode que a transnacionalização do mo-vimento operário não pode continuara ser vista pelo movimento sindicalcomo um sinônimo, exclusivo, detransnacionalização do sindicalismo.Por esse motivo também, e por ter atéhoje despertado menor entusiasmo nomovimento sindical do que os dois tó-picos anteriores (ligações orgânicas aosindicalismo transnacional e experi-ências de diálogo social transnacio-nal), ocupar-me-ei um pouco maisdeste tópico.

O desafio, em aberto, é, pois, o de,através da PRI, as organizações sindi-cais nacionais serem capazes de ex-pandir a sua ação para outros domí-nios, temas e atividades situados forada esfera estritamente sindical, viabi-lizando um “sindicalismo cidadão”(Véras, 2002) no plano transnacional.Com efeito, trata-se de ir ao encontrode um “sindicalismo de movimentosocial internacional” de orientaçãoemancipatória (Moody, 1997: 275;290; Munck, 2000: 389; Scipes, 2000:6; Bezuidenhout, 2002: 402-404; We-bster & Lambert, 2004: 75; 81; 94),que “obriga as pessoas a encontrarnovas e democráticas formas de or-ganização, como sindicatos, coopera-tivas e organizações de mulheres”(Dietrich & Nayak, 2004: 293).

Ao debruçarem-se sobre as respos-tas pragmáticas dos sindicatos austra-lianos, asiáticos e africanos à globali-zação da economia, Lambert & Chan(1999: 99-101) salientam que está emconstrução um “sindicalismo de mo-vimento social global”, cujas principais

2 Manuel Carvalho da Silva (23.03.2002), em entrevista concedida à Revista Crítica de Ciências Sociais, 62, p. 163.3 Numa situação limite, há mesmo que advogue uma fusão entre os sindicatos e outros movimentos sociais. Ou seja, já não bastaria ao trabalho

construir alianças com outros movimentos sociais, pois essas alianças converter-se-iam em autênticas fusões (em que ninguém “assimila” nin-guém e em todos se “alimentam” reciprocamente), uma vez que é cada vez menos claro o que é o tópico “trabalho”, o que é o tópico “mulheres”ou o que é o tópico “imigrante” (Clawson, 2003: 194-196). A meu ver, esta proposta parece-me inviável, mesmo em contextos nos quais osindicalismo de movimento social transnacional porventura mais se afirmou, como o hemisfério norte americano Além disso, a sua concretizaçãoobrigaria a repensar a própria noção e significado da palavra “sindicato”.

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características são: o estabelecimento delaços regionais entre organizações sin-dicais de países onde os direitos labo-rais democráticos são negados; o inter-nacionalismo militante orientadopara a realização de boicotes e açõesde pressão visando contrariar a exces-siva dependência comercial induzidapela integração dos processos econô-micos; um sindicalismo genuinamen-te global, capaz de promover uma ver-dadeira interiorização de uma culturainternacionalista, isto é, uma culturapor meio da qual os líderes e os mem-bros de organizações sindicais sejamcapazes de demonstrar, para com aslutas das classes trabalhadoras de ou-tros países, a mesma sensibilidade quemanifestam para com as lutas operári-as nos seus próprios países; e uma novapolítica para a classe operária, ou seja,uma política capaz de desafiar o mo-delo de globalização neoliberal quemuitos sindicatos adotaram, quer pelarenovação do sentido atribuído aos in-teresses de classe no processo de glo-balização, quer pelo compromissocom políticas de resistência a uma ló-gica de lean production global.

Ao contrário de uma resposta dossindicatos à globalização assente num“sindicalismo de negócios” – caracte-rizado por uma “erosão da organiza-ção independente, da ideologia e daestratégia” e por uma subordinação dosinteresses da classe trabalhadora aosinteresses dominantes das multinacio-nais (Lambert, 2002: 186; 194) –, aemergência de um sindicalismo demovimento social transnacional, que,grosso modo, traduz a opção por valo-

res democráticos em detrimento de va-lores autoritários (Lambert & Chan,1999: 102; Lambert, 1999: 213), con-duz-nos, assim, a um conjunto de es-tratégias de organização laboral trans-nacional já em ação em vários paísesonde o trabalho é, freqüentemente,realizado em maquiladoras4. Tais es-tratégias de recorte transclassista etransfronteiriço envolvem: a constitui-ção de redes de ativistas e de organi-zações baseadas na comunidade, ori-entadas para o estabelecimento deformas de democracia participativa; aorganização de campanhas e aliançastransnacionais (envolvendo organiza-ções religiosas, ambientais, sindicais,de mulheres, de consumidores, de es-tudantes, de direitos humanos) pelainclusão de códigos de conduta nasmultinacionais; a atuação conjuntaentre sindicatos de países desenvolvi-dos e sindicatos de países subdesen-volvidos (nos quais os direitos sindi-cais são ainda, muitas vezes, residuais);petições por direitos humanos; etc.(Armbruster, 1999; Frundt, 1996; An-ner, 2000; Klein, 2002; Beynon, 2003:67; Clawson, 2003; Shaw, 2004; La-valette & Cunningham, 2004).

3. Por um novo internacionalis-mo operário

A este conjunto de exemplos de ar-ticulação laboral (e não apenas sindi-cal) de âmbito transnacional – queapontam os “novos caminhos do novointernacionalismo operário” (Santos &Costa, 2004: 34-38) –, Peter Waterman

acrescenta outras experiências de ori-entação semelhante, mas onde o sin-dicalismo de movimento social trans-nacional parece ser mesmo superadopelo que este autor designa de “novosindicalismo social” (1998: 219-220;1999: 260-261; 2000: 8-9; 2002: 45-46). Apontando como caminho a se-guir o dos “novos movimentos sociaisalternativos”, Waterman (1999: 247;250-251) defende a realização deações de luta em torno da força de tra-balho assalariada, não para exigir ape-nas melhores salários, mas um maiorcontrole sobre o processo produtivo,os investimentos, as novas tecnologi-as, as relocalizações da produção, asubcontratação e as políticas de edu-cação e formação. Estas ações deveri-am ser conduzidas conjuntamente earticuladamente com as comunidadesafetadas por tais processos; ações deluta contra relações e métodos de tra-balho hierárquicos, autoritários, e tec-nocráticos e em favor de práticas soci-al e ambientalmente úteis, da reduçãodo horário de trabalho ou da partilhado trabalho doméstico; lutas pela con-tínua transformação de todas as estru-turas e relações sociais; a promoçãode distintas articulações e formas dediálogo com outros movimentos e co-munidades não sindicalizados (movi-mentos de igrejas, mulheres, ecológi-cos, direitos humanos, paz); apromoção da democracia de base e oencorajamento de relações horizontaisdiretas tanto entre trabalhadores comoentre trabalhadores e outras forças so-ciais democráticas/populares; etc.

Atendendo a que os mundos dos tra-

4 Empresas essencialmente americanas que se implantaram no México a partir de 1965, produzindo produtos manufacturados para exportação como intuito de beneficiar de isenções fiscais. Caracterizadas, durante muito tempo, pela ausência de qualquer presença sindical, as maquiladorasempregam normalmente assalariados jovens, pouco qualificados, sendo que a maior parte dos trabalhadores são mulheres sobre as quais seexerce uma grande discriminação. Segundo Klein (2002:220), estas “fábricas de comércio livre ao longo da fronteira EUA-México” eram 789 em1985, ao passo que 10 anos mais tarde já eram 2.747 e em 1997 já existiam 3.508 maquiladoras, empregando 900.000 trabalhadores. Além disso,na opinião de Amory Starr (2001: xvi), as maquiladoras são o protótipo das “zonas de processamento de exportações” (ou zonas francas deexportações), áreas onde “não há impostos de importação ou exportação e, muitas vezes, nem sequer impostos sobre os rendimentos e apropriedade” (Klein, 2002: 229). As maquiladoras estão igualmente muito associadas ao fenômeno das sweatshops, isto é, das pequenas fábricasque funcionam muitas vezes em regime de subcontratação, e nos quais a exploração salarial, a ausência de condições de higiene e segurança, aevasão fiscal, entre outros atropelos à condição do trabalhador, são a nota dominante. Nos EUA, as campanhas de protesto contra as sweatshopsconduzidas por estudantes, ONGs e sindicatos foram responsáveis pelas ondas de maior ativismo e protesto social desde o final dos anos 60,princípios dos anos 70 do século XX (Shaw, 2004: 170; Lavalette & Cunningham, 2004: 181).

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balhadores são cada vez mais invadidos/interligados/interdependentes, PeterWaterman avança um conjunto de pro-posições nas quais deve assentar o novointernacionalismo operário, das quais sedestacam: a dinamização de formas deinteração face a face, envolvendo a basee as estruturas comunitárias da classetrabalhadora; a substituição de mode-los rígidos, centralizados, burocráticos,por modelos de informação descentra-lizados, horizontais e flexíveis; o privi-legiar de atividades políticas e do tra-balho criativo em detrimento dasdeclarações verbais; a prática de uma“solidariedade internacional em casa”,combatendo as causas e os efeitos lo-cais da exploração e repressão interna-cionais; a generalização de uma soli-dariedade ética, através do combatelocal às múltiplas formas de discrimi-nação dos trabalhadores; o diálogo comintelectuais, comunidades científicas eespecialistas e com outros “interesses”que não, exclusivamente, os sindicais;a “abertura do mapa” do internaciona-lismo aos movimentos sindicais dasmais distintas partes do Globo. O Fó-rum Social Mundial – enquanto veicu-lador de uma “utopia radicalmente de-mocrática” (Santos, 2005: 15) – parecetraçar o compromisso com algumas des-sas proposições, abrindo caminho àconcretização de um “novo sindicalis-mo social internacional”. Com efeito,estamos diante de uma agora na qual adialética e o diálogo entre o trabalho enovos movimentos sociais, entre a or-ganização e a rede, entre o Norte e oSul (assim como entre o Sul dentro doNorte e o Norte dentro do Sul), entre oenvolvimento e a autonomia face ao ca-pital e ao Estado, ou entre as expres-sões reais e virtuais dos movimentos deemancipação podem funcionar (Water-man, 2004a: 241).

Mas esta possibilidade de a PRI se

abrir a novos temas e atores pode tor-nar-se efetiva não só através das váriasexperiências reais acima mencionadas,como pelo recurso a experiências vir-tuais. Refiro-me à Internet como um dos“recursos” mais recentes ao dispor dosindicalismo no período do “capitalis-mo globalizado/conectado em rede/in-formatizado” (Idem, 2002). Na opiniãode Eric Lee (1997), a Internet conduz-nos pelos caminhos de uma rede de tra-balho global (global labournet) media-da por computador na direção de uma“Nova Internacional Operária”, por si-nal a “primeira organização de traba-lhadores verdadeiramente global” (Lee,2004: 71).

Embora, no Manifesto do PartidoComunista (1848), Marx e Engels jáapelassem a uma maximização dosmeios de comunicação resultantes daindustrialização do século XIX, trata-se agora de potencializar a comunica-ção através da world wide web, bemcomo de novas tecnologias de comu-nicação como o correio eletrônico, osistema instantâneo de mensagens, ofax, o telefone móvel, a videoconferên-cia, as fotografias digitais, etc., etc.Para Lee (1997: 2), não obstante per-sistirem obstáculos5 a uma utilizaçãoverdadeiramente global da comunica-ção por computador por parte do mo-vimento operário internacional, a In-ternet ajuda a resolver problemas queo movimento operário enfrentou du-rante décadas. A Internet permite oacesso fácil, e não dispendioso, a no-vos trabalhos portadores de uma visãodemocrática e socialista do mundo,bem como à reimpressão de trabalhosque de outra forma ficariam perdidosem arquivo. A digitalização de milha-res de livros, revistas e panfletos pu-blicados pelos movimentos operáriose sociais democráticos ao longo do últi-mo século constitui um dos seus mais

valiosos contributos (Lee, 1999: 238-239). Mas a funcionalidade dos sitesdestinados a enaltecer o potencial eman-cipatório do movimento operário resi-de também na capacidade de transpo-sição permanente, atualizada e rápida,para o ciberespaço, das denúncias dasviolações dos direitos operários e sindi-cais, reforçando online os protestos domovimento operário e todo o tipo deinformações de interesse para o movi-mento operário internacional (Cohen &Early, 2000: 174). Afinal, o ciberespaçodeve ser visto não apenas como umaferramenta para fazer melhor, mais rá-pido e a uma escala mais ampla, masigualmente como uma comunidade deinteresses, identidades, sentidos e lutaspartilhados, ou mesmo ainda, comouma utopia, tanto mais que as aspira-ções contemporâneas do trabalho de-vem guiar-se pela história e natureza dotrabalho e pelo utopismo de outrosmovimentos sociais (Waterman, 2004b:10).

Em Seattle (Dezembro de 1999), porocasião daquela que terá sido a primei-ra grande referência mundial das mani-festações anti-globalização, foi posta aorubro, precisamente, essa necessidadede conferir uma “forma comunicacio-nal/cultural e eletrônica à esfera do tra-balho”. Essa iniciativa e mobilização foiconduzida, em grande parte, através daInternet, tendo partido de uma rede deredes de ONGs, ao passo que “os parti-cipantes e os observadores internacio-nais ligados a estruturas sindicais man-tiveram-se, por norma, afastados daspartes do evento em que não participa-vam ou que não controlavam” (Water-man, 2002: 55).

Experiências de âmbito global comoa Southern Initiative on Globalisationand Trade Union Rights (SIGTUR), –rede de sindicatos democráticos do Sulque envolve vários países: Austrália, Áfri-

5 Continuam, na verdade, a existir alguns obstáculos associados, por exemplo, às campanhas de email: a recepção de emails comerciais nãosolicitados; a ameaça dos vírus no computador que são expandidos através do email; o excesso de informação nas caixas de correio que leva a umignorar crescente dos emails; etc. Além disso, porventura o maior obstáculo à criação de uma rede laboral verdadeiramente global reside nainexistência de software de tradução automática para a língua dos interessados num determinado assunto susceptível de partilha transnacional,que, por isso, faz com que os sindicatos gastem em traduções elevadas quantias em dinheiro (Lee, 2004: 80).

Hermes Augusto Costa

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ca do Sul, Índia, Paquistão, Sri Lanka,Indonésia, Malásia, Coréia, Brasil, etc. –devem ser igualmente divulgadas (Lam-bert, 2002; 2004; Lambert & Webster,2001 e 2004). A SIGTUR destina-se alutar pela emancipação social e pelatransformação da sociedade, exemplifi-cando, na prática, o que os autores en-tendem por novo internacionalismooperário – “a capacidade de reafirmar aemancipação social contra a individuale o ser social em oposição ao ser econô-mico instrumental” (Webster & Lambert,2004: 71). Baseada nas novas tecnolo-gias do ciberespaço e combinando a or-ganização sindical tradicional com co-municação em rede própria da “era dainformação”, a SIGTUR mostra tambémcomo “o novo internacionalismo operá-rio é uma organização em rede com umavocação mobilizadora” (Op. Cit.: 108).As organizações sindicais que compõema SIGTUR estão ligadas e integradas pelodinamismo do trabalho em rede, estan-do todas ligadas à Internet e estabele-cendo nódulos de intersecção entre si.A rede SIGTUR deu origem a campanhasno ciberespaço, tendo uma das maisantigas indústrias (a indústria da mine-ração) sido alvo de uma campanha ci-berespacial em favor da salvaguarda dosinteresses sindicais e ambientais. A ado-ção de práticas anti-sindicais e anti-am-bientais por uma das maiores empresasde mineração do mundo, a Rio Tinto,foi o motivo principal dessa campanha,na qual a SIGTUR se comprometeu como programa da Federação Internacionalda Química, Energia e Mineração nosentido de combater tais práticas. Ou-tras campanhas da SIGTUR têm passa-do pela construção de um “Primeiro deMaio” comum em torno do emprego eainda pela construção de um sindica-lismo global (Op. Cit.: 98-106).

Em suma, colocados aos serviço daPRI, a Internet e o e-sindicalismo nãosó reforçam as possibilidades do sin-dicalismo de movimento social trans-nacional, possibilitando, como tal, asuperação de fronteiras espaciais, ins-titucionais e de classe, como contribu-

em para uma reafirmação dos víncu-los organizacionais ao sindicalismotransnacional e ainda para ativar cam-panhas de solidariedade no interior dasmultinacionais. Se for orientada paraprojetos de emancipação social, quetanto se direcionam para trabalhado-res (as) incluídos (as) por relações de tra-balho como para cidadãos completa-mente excluídos da possibilidade deauferirem qualquer trabalho pago, aPRI não só está a desafiar as suas po-tencialidades como a potenciar os de-safios que lhe estão associados.

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ariúsRevista de Ciências Humanas

Vol. 13Número especial temático

“Trabalho e Emprego: Temas Atuais”janeiro/julho de 2007

UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDECENTRO DE HUMANIDADES

Campus Campina Grande – PB

Av. Aprígio Veloso, 882 – Bodocongó58.109-970 – Campina Grande – PB

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro/ julho de 2007

A organização sindical face aos novosparadigmas de organização dotrabalho1

Resumo:O texto aborda o impacto das mudanças organizacionais da fábrica reestruturadasobre o mundo do trabalho e, em especial, o sindicalismo. Detém-se na experiên-cia do ABC paulista, berço do chamado ‘novo sindicalismo’, enfatizando os pos-síveis pontos de fricção entre uma tendência que historicamente apontava para oreforço de identidades coletivas e um movimento de modernização fabril queacentua a individualização e a des-solidarização de classe.Palavras-chave: organização do trabalho; novos paradigmas produtivos; sindica-lismo.

Abstract:This paper deals with the impact of the organizational changes issued from theproductive restructuring upon the labor, with special attention to unionism. Itsheds light on the ABC’s experience since the end of the seventies, the chest ofthe so-called Brazilian ‘new unionism’, stressing on the possible points of frictionbetween two opposite trends: on one hand, a trend historically pointing to a rein-forcement of collective identity, and on the other hand, another one based onfactory’s modernization that promotes either individualization and class des-soli-darity.Key-words: work organisation; new models of production; unionism.

1 O texto que segue é a reprodução da exposição feita por ocasião do painel “Os Anos 90: ofuturo do mundo do trabalho e dos atuais paradigmas da organização sindical: o ABC 20 anosdepois”, realizado por ocasião do Seminário “1978-1998: o ABC da democracia”, organizadopela Fundação Perseu Abramo, pelo Arquivo Edgard Leuenroth, pelo Programa de Pós-Gradua-ção de Ciência Política da Unicamp e pelo Núcleo de Estudos dos Direitos e da Cidadania daUSP, em maio de 1998, em comemoração pela passagem dos vinte anos das greves do ABC. Adespeito de seu caráter um tanto quanto datado, penso que os problemas e desafios levantados,naquela ocasião, mantêm a sua atualidade. O feitio sintético do texto, aliado ao fato de ter sidopreparado para uma comunicação oral, dispensa um arrolamento bibliográfico sistemático, deque o leitor interessado certamente se socorrerá em vários dos textos disponíveis da literaturabrasileira sobre o assunto. Elencar alguns deles aqui conduziria ao ponto que se buscou justa-mente evitar no início.

Leonardo Mello e SilvaDoutor em Sociologia. Professor do Departamen-to de Sociologia da USP.

Ariús, Campina Grande, Vol. 13, nº 1, jan./jul. 2007

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I

Os anos de 1980 foram, para a in-dústria brasileira, o período das pri-meiras experimentações em termos deinovações no mundo do trabalho. Es-sas inovações ocorreram em duas fren-tes, embora não necessariamente ar-ticuladas. A primeira frente referia-seà tecnologia: falava-se muito, então,em robôs, máquinas-ferramenta comcomando numérico, controles lógico-programáveis. A segunda frente, porsua vez, dizia respeito à organizaçãodo trabalho: o protagonista mais fa-moso da época era o círculo de con-trole de qualidade.

Apenas mais tarde, na virada dosanos 80 para os 90, foi que a mentali-dade gerencial assumiu uma abordagemmais sistêmica na qual as duas frentespassaram a ser vistas como indissociá-veis, articuladas e necessárias – o “mo-delo japonês” ou a “produção enxuta”nomearam essa abordagem sistêmica.O movimento de modernização apro-fundou-se, então, nessa última via. Nãofazia mais sentido discutir se o robôsubstituía o trabalho humano e em quedimensão quantitativa, pois o rumo dastransformações revelou-se muito maisprofundo, atingindo a divisão do traba-lho mesma, como se verá a seguir.

O ABC esteve no centro dessas mu-danças. As primeiras experimentaçõesdos anos de 1980 foram acompanha-das pelos estudiosos do sindicalismo edo movimento operário imediatamen-te como uma reação à pujança reivin-dicativa oriunda da mobilização dasgreves pós-78.

Em seguida, percebeu-se que o sen-tido das mudanças tecnológicas e or-ganizacionais obedeciam a uma lógi-ca mais ampla de crise de um modelode produção e de trabalho associado aum determinado modo de regulação.Era de se esperar que os seus efeitos sefizessem sentir em um país de econo-mia periférica, porém integrado ao cir-cuito de acumulação mundial. Portan-to, as tendências de racionalização se

desenhavam como mais duradouras,fazendo par com a tendência à globa-lização da economia. A questão pare-cia residir na duração da transição: emtermos polanyianos, não se discutiamais a direção da mudança, mas, sim,o ritmo da mudança.

Quais eram as características dessenovo paradigma que se avizinhava (eque, em alguns casos, já está bastanteimplantado, talvez mesmo esgotado)?

Em primeiro lugar, é necessária umaperiodização. Em geral, a literatura dis-crimina três momentos históricos dedesenvolvimento dos sistemas de pro-dução e de trabalho:

1) o momento de produção basea-do no ofício;

2) o momento de produção emmassa;

3) o momento de produção enxuta.Hoje, muitas indústrias – especial-

mente as baseadas em produção emsérie – estariam se orientando em di-reção a esse terceiro sistema ou “para-digma” de produção e trabalho.

Quer seja em sua versão “modelojaponês”, quer em sua versão “produ-ção enxuta”, a incidência desse novoparadigma pode ser observada em trêsmomentos-chave do sistema produtivo:• no desenvolvimento do produto (mo-

mento da concepção);• na manufatura (momento da produ-

ção), e• na relação entre clientes versus for-

necedores.Também se deve registrar que sua

eficácia é desigual, segundo os setoresde atividade nos quais se aplica. Háuma literatura vastíssima, por exemplo,para a indústria automobilística. Isso écompreensível. Afinal, o fordismo ficouassociado à produção de automóveis,o mesmo acontecendo com o toyotis-mo. Assim, tais modelos parecem maisadequados a esse ramo industrial. Noentanto, seus princípios espalham-setambém por outros ramos.

Tome-se, por exemplo, um dos ele-mentos centrais do novo paradigma: aredução de estoques. Esse princípio vale

tanto para produtos semi-acabados deuma montadora de veículos quanto paracomponentes sólidos que vão entrar nacomposição final de um medicamento(indústria farmacêutica), por exemplo.Além disso, o mesmo princípio da re-dução de estoques, ou de buffers, valetanto para a manufatura (relação intra-firma) quanto para a relação entre cli-entes e fornecedores (inter-firmas).

A seguir listamos algumas caracte-rísticas que dizem respeito, apenas, aseus efeitos para o mundo do trabalho,descartando seus aspectos, digamos,macroeconômicos.

Há um risco assumido de estarmosidealizando um pouco o modelo. Porexemplo, ainda há uma permanêncianão negligenciável de prescrição e deoperação de trabalho baseada na tare-fa, cujos vínculos com a produção emmassa são evidentes. Porém, penso quealgumas de suas linhas-de-força sãopersuasivas o suficiente para desestru-turar um certo formato de representa-ção sindical. Até porque, no fundo, éisso o que interessa nesta comunicação.

Essas características são, portanto:1) o sistema baseia-se na contribui-

ção de sugestões (conhecimento) e nacapacidade de resolver problemas porparte dos operadores diretos;

2) ênfase no trabalho em grupo –como o desafio de resolver problemasrelativos ao processo de produção épermanente, o grupo está em melho-res condições para fazê-lo do que cadatrabalhador isoladamente;

3) um sistema baseado na qualida-de e no melhoramento contínuo – nãohá limite para o melhoramento, ele deveser uma meta sem fim a ser perseguida;

4) um modelo de relações de traba-lho que privilegia a pessoa, e não oemprego – não há incompatibilidadeentre trabalho em grupo e privilegia-mento da pessoa (é o que se verá maisadiante);

5) muda o sentido da “carreira” – osalário, nesses novos modelos de or-ganização, sanciona as diferenças in-dividuais de habilidades, de escolari-

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dade, de performance etc. Antes, va-lia a máxima: “trabalho igual, salárioigual”. Hoje, isso mudou. Cada traba-lho era rigorosamente esquadrinhado,segmentado em tarefas componentese, daí então, hierarquizado: a “grade”salarial seguia aquele sistema de clas-sificação. Havia regras estritas de mo-bilidade baseadas, principalmente, naantigüidade. As negociações coletivas(collective bargaining) espelhavamaquela realidade. A generalização danegociação e, em nível societal, a pró-pria noção de um tempo social2, váli-do para os assalariados e também paraos não-assalariados (aqueles que, dealguma forma, dependiam dos primei-ros), baseava-se nisso.

O sistema era também altamenteformalizado (i.e. burocratizado) ou “rí-gido”. Na verdade, o sistema baseava-se no emprego, mais do que no traba-lho; então, o salário dependia dasituação do indivíduo diante do primei-ro, não do segundo. E as diferenças “for-mais” eram baseadas no sistema de clas-sificação das atividades ou tarefas,identificadas, minuciosamente, segun-do uma divisão do trabalho estrita. Naprodução enxuta, a própria definição do“emprego” deixa de estar associado aum conjunto pré-estabelecido de tare-fas; então, torna-se menos importanteo que o indivíduo de fato faz, mas, so-bretudo, o que ele é capaz de fazer. Otrabalhador deve se movimentar entrevários postos, ou “trabalhos”, ou (naterminologia antiga) “empregos”. Assimé pensada a rotação e o aprendizadocontínuo. Para isso, é necessária umaredução da estrutura de cargos e salári-os. Há um progressivo descolamentoentre salário e emprego, na medida daintrodução de bônus e outros prêmios.

6) a produção enxuta (lean-produc-tion) demanda a mobilização do inte-resse, do conhecimento, da atenção eda motivação do trabalhador (chamoa isso de “obsessão”).

No saber de ofício, o conhecimen-

to do processo, bem como as possibi-lidades de inovação pertenciam ao tra-balhador, que podia negociar esse ati-vo no mercado, diante de outrasfábricas ou unidades de produção. Naprodução em massa esse saber foi ba-nalizado e dissociado da figura do tra-balhador individual.

Na produção enxuta, as novas qua-lificações e habilidades não repõem oantigo saber de ofício. Isto é, não háuma volta ao estilo de divisão do tra-balho anterior à produção em massa,como, às vezes, pode-se pensar (nãose trata, pois, de uma volta à antigadivisão do trabalho). Tal passagem fi-cou conhecida classicamente como odeslocamento da posse dos instrumen-tos de trabalho do seu detentor origi-nal – o trabalhador – para um novoproprietário, que passa a pô-los em fun-cionamento de maneira ampliada etransformada (maquinário).

Hoje, cada empresa detém um con-junto de conhecimentos bastante parti-cularizado de seu sistema produtivo.Isso ocorre porque as empresas vão,cada vez mais, diferenciando seus pro-dutos por meio da diferenciação tecno-lógica, e esse investimento vai-se con-centrando em poucas companhias nomundo. Portanto, o locus da inovaçãotende a ser uma grande empresa comconexão global, o que significa, antesde tudo, capacidade de investimento ede competição extremamente desiguaisem relação às empresas locais. Agora,cada empresa detém um conjunto deconhecimentos necessários para pôr emandamento o seu processo de trabalho,e um tal conjunto passa a ser relativa-mente intransferível. É como se cadaempresa fosse um “mundo” à parte.

Definidos dessa maneira, os sistemasde produção acarretam uma série deconseqüências importantes. Primeiro,para a divisão do trabalho, pois a ênfa-se na inovação, mais do que no prosse-guimento de tarefas repetitivas, reservaum papel importante aos trabalhadores,

na medida de sua capacidade de pro-por mudanças, evitar erros, solucionarpequenos problemas ordinários sem terde chamar constantemente os técnicos– ou seja, acarreta maior iniciativa eresponsabilidade.

Em segundo lugar, acarretam conse-qüências para a organização do traba-lho, uma vez que levam ao surgimentodos times de trabalho, ou do trabalhoem grupo, ou da manufatura celular, noqual o pressuposto é de que o trabalhocooperativo induz a uma maior proba-bilidade de inovação, já que maximizaos esforços para encontrar a solução degargalos da produção.

Uma decorrência do tipo de orga-nização do trabalho nos novos mode-los ou paradigmas de produção é o fatode a orientação conflitiva entre gerên-cia e trabalhadores ceder vez a um pro-pósito comum: zelar pela performan-ce econômica da firma, isto é, pelacapacidade de colocação de seus pro-dutos no mercado. Isso depende, emum grau importante, da qualidade doproduto. E a qualidade é função diretada atenção e do comprometimento daforça-de-trabalho da empresa. Portan-to, o círculo se fecha: comprometimen-to → qualidade → competitividade.

Em terceiro lugar, uma conseqüên-cia decisiva para a representação domundo do trabalho é o fato de os sin-dicatos baseados no ramo industrialperderem a sua força diante de umanova divisão do trabalho e de umanova organização do trabalho. Ora, ossindicatos estão estruturados em basesgeográficas e por ramo industrial de ati-vidade, não em bases de empresa.

Além disso, há uma modificaçãoimportante também no que tange aosolo sobre o qual incide a arregimen-tação da ação coletiva: o emprego cedelugar ao trabalho. Isto é, o sindicato,tal como o conhecemos ainda hoje, éuma instituição que retira a sua forçade um pressuposto: o de que represen-ta uma massa de trabalhadores cujo

2 Devo essa observação à minha colega e interlocutora Vera da Silva Telles.

Leonardo Mello e Silva

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conteúdo da atividade é, mais ou me-nos, indiferenciado. Isso quer dizer queà ação instrumental do sindicato (comorepresentante de interesses) correspon-de o emprego como sinônimo de tra-balho. Os operários faziam algo – eisso era o importante –, não havendomuita preocupação acerca do quê exa-tamente se fazia, de que forma, comque investimento cognitivo ou ausên-cia dele (embora saibamos hoje, gra-ças aos ergonomistas e psicopatologis-tas do trabalho, que uma atividadeprática sem investimento cognitivo éuma aberração). Tanto é assim, queuma das fontes permanentes de tensãoda instituição sindical no último sécu-lo foi alimentada, justamente, pela co-locação em causa, por parte dos pró-prios trabalhadores, das condições detrabalho e da organização do trabalhoA crise entre base e cúpula, ou as crí-ticas à burocratização, expressavam acrise dessa orientação muito mais vol-tada para as condições do emprego –em uma palavra, na manutenção e vi-gilância da relação salarial – do quepropriamente do trabalho.

Um tal papel instrumental do sin-dicato pode ser comparado com o seupapel em um período histórico imedi-atamente anterior. Quando o trabalhoestava associado ao saber do ofício, osindicato, então, nesse caso, tinha umafunção próxima do mutualismo, emque uma das tarefas mais importantesera defender o patrimônio do “fazer”contra a desvalorização representadapela produção em massa.

Um outro aspecto ainda do papelinstrumental do sindicato é que, porser relativamente indiferente ao tipo eao conteúdo do trabalho efetuado porseus representados, havia a possibili-dade, no horizonte, de extensão daação sindical.

A consolidação da produção emmassa parecia apontar para dois cami-nhos: o primeiro era a extensão do as-salariamento como condição dominan-te de acesso à renda por um contigentecada vez maior de pessoas (o que, bem

entendido, não seria necessariamentesinônimo de “proletarização”); o se-gundo era a crescente banalização dotrabalho (o que Harry Braverman cha-mou de tendência à “degradação” dotrabalho). Ora, nenhum desses dois ca-minhos parece ser socialmente factí-vel, pelo menos no mesmo sentido queo foram antes. O assalariamento en-curta, e uma segmentação de qualifi-cações parece jogar em direções opos-tas uma grande parcela realizandotrabalhos rotineiros ou repetitivos, en-quanto uma parcela privilegiada alcan-ça postos dotados de maior significa-ção tanto produtiva quanto subjetiva.

Sendo assim, a capacidade de ge-neralização da ação coletiva do sindi-cato fica bastante abalada. Para a par-cela que fica empregada, submetidaaos novos métodos de organização,contudo, o efeito não é menor. Issoporque a cultura sindical não está apa-relhada para lidar com um padrão derepresentação que, ao invés de extrairsua força do homogêneo, tem de ex-trair sua força da distinção.

Uma série de desafios emergem daí:1) Como os sistemas de produção

são cada vez mais particularizados erestritos ao âmbito da empresa, confor-me já mencionado, há um grande inte-resse em tornar o seu espaço um espa-ço, de fato, de socialização, ou seja, defonte de identidade. Parte da mentali-dade dos novos modelos de gestão podeser traduzida como a tentativa de fazercoincidir os interesses do trabalhadorcom os interesses da empresa.

2) Nesse sistema, a gerência se tor-na um competidor do sindicato, porque:• a gerência ou a organização do tra-

balho incitam o comprometimentodo trabalhador;

• ao mesmo tempo, promove o incen-tivo à qualificação do trabalhador.3) A gerência consegue para o tra-

balhador tudo o que ele conseguia pelavia dos sindicatos: a gerência substituios sindicatos, em termos de satisfaçãode certos interesses materiais (mas tam-bém simbólicos: reconhecimento, por

exemplo);4) O papel social e cognitivo do tra-

balhador é valorizado (é difícil lutarcontra isso – quem quer voltar para osistema de produção em massa, taylo-rizado e estupidificante?);

5) Ao tomar parte/participar (nemque seja de modo restrito) das decisõesestratégicas da empresa, os trabalha-dores e os sindicatos se sentiriam con-cernidos pela sobrevivência e os des-tinos dela. Por exemplo, a necessidadede aumentar a competitividade das fá-bricas.

Feitas essas observações, vejamosbrevemente a encruzilhada históricana qual se encontram os sindicatos noBrasil.

II

No final dos anos 1970, a questãoda dignidade operária era, sobretudo,posta como uma questão de reconhe-cimento de um ator coletivo; e a de-mocracia, como instrumento de afir-mação daquele ator coletivo. Como oambiente para o exercício democráti-co era muito estreito, foi preciso for-çá-lo através de mobilização e lutas.O resto da história todos nós conhece-mos: o movimento operário, ao lutarpor seus interesses de classe, terminoupor ser a vanguarda da luta pela rede-mocratização, naquela conjuntura.

Ora, o que vemos agora, às véspe-ras de quase trinta anos daqueles epi-sódios marcantes para a história mo-derna do País? A questão da dignidadeoperária é reposta como uma questãode reconhecimento individual do tra-balhador, isto é, as gerências devemlevar em conta, se quiserem obter alealdade e o comprometimento com aprodução, o “moral” do trabalhador,entendido como a afirmação e manu-tenção do respeito próprio, essencialpara aquele comprometimento.

O indivíduo não entra mais comouma agregação às taxas de absenteís-mo porque, se ele está de fato compro-

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metido com os destinos da empresa,não é lógico que ele, nem a empresa,desejem altas taxas de rotatividade. Ali-ás, o absenteísmo e a rotatividade mi-nam a filosofia do trabalho em grupo.Esses (absenteísmo/rotatividade) passama ser não apenas problemas para o in-divíduo ou a empresa, mas problemasprimeiramente para o grupo.

No caso do reconhecimento indivi-dual do trabalhador, trata-se também –ninguém pode negar – de uma expan-são da democracia, porém em uma ou-tra chave: a democracia continua sen-do o instrumento reconhecido de acessoà dignidade, uma vez que pressupõenegociação, acordo e confronto entreposições divergentes. Por outro lado, oambiente democrático já não é maisestreito; ele possibilita o acesso às de-mandas dos movimentos e atores vári-os da sociedade. Então, “democracia”,nessa outra chave, é entendida muitomais na sua acepção de liberdade eautonomia individuais, assim como orespeito ao foro íntimo e às escolhas queremetam a um “bem-estar” do sujeito,especialmente em sua relação com otrabalho. O sistema parece mais “de-mocrático” se ele considera o “respeitopróprio” como um componente impor-tante, enquanto que a democracia comoinstrumento de afirmação de direitoscoletivos entende que esta última é umapré-condição para o exercício da liber-dade individual, em uma palavra: paraas escolhas privadas.

No entanto, operou-se um desloca-mento aqui: já não é mais um indiví-duo que, por meio de seu contrato detrabalho, demarca os limites do “eu” edo “nós”; entre sua privacidade – de suarealização pessoal – e sua participaçãocognitiva e afetiva, bem como a lutapara obtê-la, no caso dela lhe ser nega-da. É o coletivo, na figura da empresa,que põe o campo dos relacionamentose da interação do trabalhador. Portan-to, o grupo é apenas uma instância ouuma forma de acesso a uma coletivida-

de maior, que é a empresa. Por isso, foidito anteriormente que a ênfase no in-divíduo (enquanto “pessoa”) não eraincompatível com o trabalho em gru-po. Ora, em uma sociedade como abrasileira, na qual a institucionalizaçãodos direitos sociais não contribuírampara reforçar a noção de autonomia, eem que as carências materiais são ta-manhas, o processo de transmutação de“dádivas” em “direitos” é, relativamen-te, fácil de entender.

Nos anos 1970, a luta pela demo-cracia capitaneada pelo movimentooperário era conjugada em duas fren-tes, porém ambas tendo como fonte uminteresse particularizado, de classe: aprimeira dizia respeito ao salário, istoé, o sistema político fechado legitima-va o arrocho, na medida em que nãohavia transparência e liberdade paracontestar a manipulação de índices; asegunda, dizia respeito à liberdade nolocal de trabalho. O interessante é ofato de que, mesmo tendo por fonteum interesse particularizado (de clas-se), a reivindicação por democracia ti-nha um potencial para se generalizar.A liberdade no local de trabalho eralogo associada à liberdade no sistemapolítico como um todo, assim como areivindicação pela negociação diretacom os patrões punha em xeque o sis-tema estatal de relações de trabalho –a possibilidade de negociar saláriosseria também o mote para negociartudo quanto estivesse travado peloexercício autoritário do poder.

Dos anos 1990 em diante, a liber-dade no local de trabalho – e, portan-to, democracia no local de trabalho –aparece como uma exigência do pró-prio processo produtivo, mas suas pos-sibilidades de generalização são limi-tadas. Nem todas as empresas podemapostar na produção enxuta. Além dis-so, o raio de escolhas disponíveis é li-mitado também às características tec-nológicas das empresas.

Por uma estranha encruzilhada, a

velha reivindicação de autonomia nolocal de trabalho não parece incompa-tível com os novos métodos de gestão.E parece, assim, um aprofundamento dademocracia nos locais de trabalho.

Por fim, a trajetória dos anos 1970aos 1990 tem mostrado que o movi-mento sindical mais organizado tem lu-tado, no Brasil, justamente para tomarparte ou influir em itens da pauta “pri-vada” das empresas. Isto é, ser parcei-ro ou co-determinante em suas deci-sões estratégicas, decisões essas queincluem planos de investimento decapital, escolha de tecnologias e deprodutos, mudanças no processo detrabalho, sub-contratação, localizaçãode fábricas novas, deslocalização desítios industriais antigos, contratações,treinamento etc. Uma tal prática “pro-positiva” iniciou-se com a câmara se-torial, no início dos anos 1990. E, noentanto, esse tem sido um foco de re-sistência por parte dos empresários, aoinvés de fazer parte de uma tática sua,isto é, de ganhar os sindicatos para apolítica da empresa.

As predisposições de participaçãonão incluem a discussão daquele tipode pauta mencionado anteriormente –só a muito custo os sindicatos têm con-seguido imiscuir-se nesses assuntos. Aparticipação é requerida apenas no ní-vel do chão-de-fábrica, não na formu-lação de uma política da empresa alongo prazo3. Nesse ponto, o “compro-metimento”, que deveria atravessar daprodução às decisões estratégicas, ficano meio do caminho. Existe uma enor-me desconfiança, por parte dos empre-sários, com respeito à participação dossindicatos em tal âmbito “macro”. Essadesconfiança impede a consecução deuma estratégia completamente sistêmi-ca por parte da empresa. A regulaçãoconjunta capital versus trabalho paraos assuntos localizados do dia-a-dia deprodução é permitida; para os assun-tos corporativos, não – quando, na ver-dade, deveria ser o contrário: trabalho

3 Se essa resistência ocorre ali onde os sindicatos são mais fortes (no ABC), pode-se imaginar o cenário em outros ramos de atividade...

Leonardo Mello e Silva

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em grupo e ênfase no conhecimento,ao invés de somente discussão de pro-blemas relacionados ao trabalho, de-veriam requerer, como um desdobra-mento lógico, a participação nosnegócios da empresa, já que o “desti-no” dos seus trabalhadores está asso-ciado ao “destino” dela.

De um certo ponto de vista, portan-to, as classes sociais no Brasil incorpo-raram a democracia como ponto de par-tida para a resolução dos conflitostrabalhistas. Nesse sentido, a convivên-cia entre atores antes inconciliáveis é,sem dúvida, um avanço. Um avanço quedeve muito ao movimento sindical au-tônomo e aguerrido, que teve em SãoBernardo a sua figura de proa. O fato desentarem à mesa e exercitarem a inter-locução aberta de problemas que afetamum lado ou outro – ou, às vezes, os dois(capital e trabalho) – é um procedimen-to que reforça o espaço público.

De um outro ponto de vista, contu-do, a medida da convivência revela-seinsuficiente para perceber as implica-ções das transformações que estão seprocessando no chamado chão-de-fá-brica. É possível que tais transforma-ções estejam mesmo a alterar aquelamedida. Explico: o padrão da convi-vência democrática no espaço públi-co entre capital e trabalho pode tornardisponível apenas um raio restrito deescolhas para os atores. Quando osdestinos do trabalhador ficam atadosaos destinos da empresa, a capacida-de de escolha reduz-se, ao invés deaumentar. O aprendizado cativo deuma força-de-trabalho qualificada eapta a pôr em andamento determina-dos processos produtivos move-se den-tro de um mercado estreito, de poucasempresas ou poucas seções que detêmmaquinário e equipamento específicos,muito especializados ou organizadosde forma a facilitar o fluxo e abrir es-paço ao “pensar” a produção, ao invésde simplesmente executá-la. Nessescasos, obviamente, todos gostariam deestar incluídos: os salários podem servantajosos, os benefícios também, os

planos e investimento de carreira po-dem ser uma realidade. Mas não seesqueçam de que o chamado bom“ambiente” de trabalho, baseado emgrupos ou times, exige que o trabalhotambém seja suportável nesse nível,isto é, ele tem de funcionar quase àguisa de um micro espaço público,onde são discutidos os problemas, pro-postas soluções, ouvidas as várias opi-niões, etc. O problema é que esse mi-cro espaço público move-se dentro deum rol de diferenças muito limitado:poucos têm o passaporte para cruzaras suas fronteiras. E entre aqueles queo possuem, o liame entre um consen-so imposto e um acordo baseado emregras, fruto de escolhas confrontadasentre uns e outros, é muito frouxo.

Não se trata de “discutir tudo”, deforma a tornar inviável o fluxo da pro-dução (mesmo os diretores e supervi-sores mais “abertos” reconhecem queesse é o limite para o “reunionismo” dosgrupos de trabalho). Trata-se de encon-trar uma margem onde possam conver-gir as exigências da produção e as po-tencialidades dos operadores diretos, detal maneira que as escolhas sejam frutodessa confrontação. Se é assim, entãoé de um espaço público, na acepçãooriginal do termo, que se trata, porque,em última instância, o móvel é a nego-ciação. Negociação sobre o tempo, porexemplo. Sabe-se que o tempo dos tra-balhadores homens é diferente do tem-po das trabalhadoras mulheres. Por con-seguinte, essa diferença tem de serlevada em conta. Sabe-se que há dife-renças de habilidade, de velocidade ede precisão: nem todos podem possuiras mesmas qualidades na mesma me-dida. Isso deve, então, ser posto namesa, a menos que alguém queira “es-conder o jogo” com vistas a “sair nafrente” dentro do grupo. Sabe-se tam-bém que a pressão (aquilo que se cos-tuma designar como stress) e a intensi-ficação podem estar escondidas ematividades consideradas qualificadas.

Por outro lado, nem todo aumentodo ritmo ou intensificação é negativo,

do ponto de vista do trabalhador: àsvezes pode ser uma forma legítima desublimação. Tudo vai depender de seessa estratégia individual é exploradapela direção e pela gerência ou se elaé negociada no interior do grupo comouma regra.

Enfim, o trabalho em grupo é sem-pre uma faca de dois gumes. Tantomais ele dá certo, tanto mais ele é pro-dutivo, e tanto mais ele se aproximade um padrão de comportamento erelacionamento sociais designadospela sociologia por comunal.

Ora, as relações comunais tendema estreitar o raio de contatos sociais, aoinvés de difundi-los. As relações socie-tárias tendem à multiplicação dos en-contros entre as pessoas. As relaçõescomunais, ao contrário, promovem oisolamento e o fechamento em torno denúcleos auto-suficientes, com escassadiferenciação, divisão pouco comple-xa do trabalho e organizados com baseem famílias, não em indivíduos. Ora,quem ainda não ouviu o discurso de quea empresa é uma “grande família”? Oude que é “preciso vestir a camisa”? Es-sas são incitações que clamam por umaidentificação mais comunal do que so-cietal. Historicamente, as relações so-cietárias estão associadas com a expan-são do mercado. E o mercado, pelomenos em tese, possibilita uma gamamuito grande de escolhas ou de encon-tros. Se pensarmos que, na era da pro-dução em massa, tratava-se de um tra-balho com conteúdo banalizado, entãoa possibilidade de intercambialidadedesses trabalhos era grande.

É nesse sentido, pois, que é precisoanalisar profundamente se o espaço dotrabalho em grupo, do time ou da cé-lula é, de fato, – ou pretende ser – ummicro espaço público. Ou se ele, sim-plesmente, é uma forma de sancionaruma segmentação entre os “eleitos” eos “de fora”. É claro que é melhor es-tar incluído e fazer parte de um grupoem que a empresa investe do que ser“excluído” dele. Só que os “eleitos”fecham-se em si mesmos. O movimen-

A organização sindical face aos novos paradigmas de organização do trabalho

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to é ambíguo e, já que falamos de “de-safios”, vamos falar também de umlado que pode ser visto como acarre-tando benefícios possíveis para os sin-dicatos.

Primeiro, o “comprometimento” éuma faca de dois gumes para a empre-sa, pois o sindicato ganha mais poder.Nesse sentido, a empresa torna-se maisfragilizada: paradas pontuais em linhas,áreas ou seções vitais, estratégicos parao processo de trabalho, são temidos (osbuffers são muito mais cruciais do quena produção em massa). Ações coleti-vas “micro” (isto é, em nível da empre-sa) passam a ter mais eficácia do queações “macro”, em nível de setor ouramo industrial.

A produção enxuta pode acarretaruma mudança no padrão de ação sin-dical. O problema aqui é se o sindica-to deve abrir mão das chamadas de-mandas “distributivas” – salários ebenefícios para todo o ramo industri-al. E, supondo que ele não abra mãodas demandas distributivas, persiste oproblema dos critérios: se “negociaçãopor cima” ou “negociação por baixo”,ou melhor, se pretende estender osbenefícios a todos, ou apenas a umaparte restrita da classe ou do setor.

Em segundo lugar, por mais que ge-rência e sindicatos pareçam cada vezmais convergentes do que divergentes,ainda há uma agenda que é tipicamen-te sindical: condições de trabalho (emtermos ergonômicos, por exemplo), saú-de e segurança. Como esses itens estãoassociados às condições de trabalho, eessas últimas são fundamentais para oequilíbrio dos times ou grupos de tra-balho (problemas de insalubridade eacidentes não podem conviver com tra-balho “comprometido”), de tal formaque não possa haver uma incompatibi-lidade entre esses (grupos) e aquelas(condições de trabalho), então é de sesupor que haja um campo estratégicopara a ação sindical aqui.

Terceiro, dado o papel central do“comprometimento” e dos times ougrupos de trabalho, os sindicatos po-dem ter sob sua jurisprudência um re-pertório importante para negociar comos empresários e gerentes, tais como:o processo de seleção dos líderes dostimes de trabalho, por exemplo, ou ain-da, o conteúdo do papel dos supervi-sores ou líderes. Esse é outro dos as-pectos da fragilidade da produçãoenxuta.

Em quarto lugar, os sindicatos têmainda muito o que fazer, desde que avelha cultura gerencial da produçãoem massa persista, mesmo naquelasempresas que movem-se em direção àprodução enxuta. Ou ainda, o sindi-cato pode funcionar como um vigilan-te dos, digamos, “verdadeiros princí-pios” da produção enxuta, evitando oseu abastardamento. Por exemplo, evi-tando que seus princípios sejam usa-dos apenas para intensificar o trabalho,implementar horas-extras, etc.

Por último, o papel do sindicatopode ser reforçado desde que ele te-nha como influir na negociação de cri-térios nas mudanças que têm lugardentro da organização. Além dosexemplos acima, pode-se citar outrosnos quais o que está em jogo são nor-mas (de conduta ou de justiça); isto é,o papel do sindicato sempre será im-portante quando o que estiver em dis-cussão for as regras – por exemplo,quanto ao escopo e/ou limites das fun-ções ou das tarefas devidas ao time detrabalho; quanto às transferências deseção, ou quanto a interpretações dis-torcidas do modelo. Enfim, a discus-são em torno das regras é uma discus-são em torno da interpretação domodelo da produção enxuta. Se a ge-rência ou os sindicatos têm a palavracorreta, a interpretação mais razoável,vai depender da capacidade de legiti-mação do discurso de um ou outro.“Dar o braço a torcer” pode ser uma

concessão política muito forte para osgerentes, por exemplo. Como disse oDiretor de Relações Institucionais deuma grande empresa do complexo quí-mico de São Paulo por ocasião de umadas reuniões da câmara setorial, em1995, trata-se de uma questão de po-der.

Com isso, o problema de saber seos novos modelos de organização dotrabalho consagram ou não a demo-cracia nas relações entre capital e tra-balho, ou se, finalmente, patrões eempregados encontraram um fórumcivilizado, deixando de lado o surra-do “sindicalismo de porta de fábrica”,por um lado, e a conhecida violên-cia, por outro, é uma questão malposta. Evidente que a convivência de-mocrática em espaços públicos é umaavanço em relação a 1978. A questãoestá em saber se o raio e as opções deescolha para os assalariados, mesmopara aqueles que participam das ex-perimentações chamadas de “virtuso-sas”, tendem a aumentar ou a redu-zir-se.

No primeiro caso, a empresa nãopode funcionar como uma camisa-de-força; não pode funcionar como ummundo à parte; afinal não se é cida-dão “de uma parte”.

No segundo caso, assume-se umaparcialidade dos “incluídos” e umaapartação em relação aos “de fora”,isto é, em relação ao mundo social deforma mais ampla. No máximo, sanci-ona-se uma “comunidade”, não uma“sociedade”.

Quanto aos sindicatos, a tarefa nãoé pequena. Trata-se de, num caso,apostar nos conflitos da produção en-xuta e demonstrar o seu afastamentodo mundo civil, ou, num outro caso,continuar a defender legitimamente osinteresses de classe, mesmo que comuma base menor, ainda que mais qua-lificada – nesse caso, vestindo a cara-puça do corporativismo.

Leonardo Mello e Silva

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Reforma do Estado e relações detrabalho, a experiência brasileira nosanos 901

Resumo:Reflete-se, neste artigo, sobre a natureza da Reforma do Estado realizada em dife-rentes países, especialmente no Brasil, e suas repercussões nas relações de traba-lho. Destacam-se as tendências da Reforma brasileira, no movimento geral de redu-ção do papel do Estado, com a privatização de órgãos públicos e a eliminação deparcelas do patrimônio público. No que concerne ao mundo do trabalho, analisa-se a tendência predominante nas alterações dos direitos e das relações de trabalho,quanto aos processos de negociação coletiva, à política salarial, às formas de no-meação para cargos comissionados, aos planos de carreiras e quaisquer outros ins-trumentos relacionados à democratização das relações de trabalho.

Abstract:This article reflects on the nature of the State Reformation carried out in differentcountries, especially in Brazil, and its repercussions in the work relations. Thearticle emphasizes the tendencies of the Brazilian Reformation in the generalmovement of reduction of the State role, with the privatization of public agenciesand the elimination of parts of the common wealth. Concerning the world ofwork, it analyzes the predominant tendency in the alterations of rights and of thework relations, in terms of collective bargaining processes, wage policy, forms ofnomination for commissioned positions, careers plans, or any other instrumentsthat could democratize the work relations.

1 Texto aprovado para apresentação no VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais,realizado em Coimbra, em 16, 17 e 18 de Setembro de 2004.

Cândida da CostaDoutora em Ciências Sociais. Professora do Depar-tamento de Serviço Social da UFMA. Coordenado-ra Regional Nordeste da UNITRABALHO.

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1. Introdução

O questionamento ao Estado dobem-estar social e as alterações nomundo do trabalho são os ingredien-tes – intrinsecamente relacionados aoprocesso de globalização da economia– que incrementam o debate e as ini-ciativas em torno do que se convenci-onou chamar de Reforma do Estado.Assim, procuramos lançar luzes sobrea natureza dessa Reforma processadaem diferentes países, especialmente noBrasil, e suas repercussões nas relaçõesde trabalho.

Ao abordar a natureza do Estado aser reformado, devemos considerar queeste tem perdido gradativamente po-der, mas não influência. O papel de-sempenhado pelo Estado nos anos 80e 90, no interior do processo de glo-balização da economia, é definido porCastells (2000: 287) como:

“o controle do Estado sobre o tempo e o es-paço vem sendo sobrepujado pelos fluxos glo-bais de capital, produtos, serviços, tecnologia,comunicação e informação [...] a tentativa deo Estado reafirmar seu poder na arena globalpelo desenvolvimento de instituições suprana-cionais, acaba comprometendo ainda mais asua soberania”.

Essa situação se complica aindamais com a redução do grau de auto-nomia para a definição da políticaeconômica dos governos nos anos 90,devido à grande mobilidade de capi-tal vivenciada no presente e à depen-dência das finanças dos governos dosmercados globais e empréstimos ex-ternos.

Nesse processo, torna-se preocu-pante o abandono da responsabilida-de coletiva: a substituição do Estadopelo voluntariado na medida em quecresce a importância dada

“é, essencialmente, uma tela de proteçãoideológica destinada a evitar que se encarede frente o abandono cínico da responsabili-dade coletiva, sob pretexto do exercício da

responsabilidade individual” (CASTELLS,2000: 341).

É neste cenário de globalização daeconomia, no qual as atribuições so-ciais do Estado são questionadas, queemerge o debate sobre a Reforma nadécada de 70, como parte da redefini-ção da estratégia de acumulação capi-talista. A partir de então, são engen-dradas iniciativas de Reforma doEstado – e nem todas buscarão resga-tar a sua legitimidade, a partir das exi-gências sociais – mas tentarão criar ascondições para que a globalização daeconomia se materialize, conforme severá a seguir.

Traçando uma nova divisão inter-nacional do trabalho, esse processoagrava as desigualdades existentes en-tre países de capitalismo avançado epaíses de capitalismo periférico. Odebate sobre a reforma do Estado pas-sa a considerar, como sinônimos, re-forma e redução do papel do Estado ea conseqüente diminuição de gastospúblicos.

As correntes neoliberais insistemem ligar a crise do Estado em paísesdesenvolvidos às políticas de bem-es-tar social implementadas, desconhe-cendo que a ampliação da esfera pú-blica e o fortalecimento do poder deregulação do Estado estavam ligadasao enfrentamento dos efeitos do “mer-cado livre”.

Ao mesmo tempo em que é exigidauma atuação forte do Estado para a ins-tauração da economia globalizada, dis-semina-se um discurso de sua redução,de forma a desestimular sua atuação nasesferas da economia cobiçadas pela ini-ciativa privada. Esse discurso tem en-contrado eco na sociedade.

Os países de capitalismo periférico,empenhados em reduzir o papel do Es-tado, levam a cabo processos de priva-tização, entregando o patrimônio públi-co e retirando-se de setores estratégicos,com trágicas conseqüências sociais. Osprocessos de reforma objetivam a mo-dificação do papel do Estado, dando pri-

mazia à política econômica em detri-mento da política social. Se, nos paísesdesenvolvidos, a ênfase é para a redu-ção das funções referentes ao bem-es-tar, nos países latino-americanos o alvoé o Estado desenvolvimentista e inter-ventor na economia (Azevedo; Andra-de, 1997). De fato, nos chamados paí-ses periféricos, a exemplo do Brasil,embora não tenha se configurado o Es-tado de bem-estar social, esse Estado,que sequer conseguiu atuar para ampli-ar o estágio de bem-estar social, estásendo esvaziado abruptamente de suasfunções, sendo que a escolha de pro-gramas de reforma do setor público ba-seia-se na contenção ou redução do seutamanho.

A opção expressa na defesa do Es-tado neoliberal define que, emborasejam mantidos alguns bens e serviçosde consumo coletivo sob a responsa-bilidade estatal, o Estado fica excluí-do de sua produção direta. Nessa pers-pectiva, a reestruturação do Estadodeve garantir o enxugamento da má-quina pública e uma atuação normati-va. Para Azevedo e Andrade (op.cit.:62), as mudanças têm sido apresenta-das como portadoras de benefícios, taiscomo:

a) compatibilizar a máquina pú-blica com a atual situação de escassezde recursos;

b) reduzir o quadro de pessoal,aliando maior qualificação e maior re-muneração;

c) priorizar o desenvolvimento depolíticas e programas públicos vincu-lados aos setores de ponta.

Seguindo o pensamento de Oszlak(1994: 58), podemos sintetizar os prin-cipais aspectos das Reformas de Esta-do em três instancias:

a) transformação do papel do Es-tado, pela privatização, quebra demonopólios, desregulação e descentra-lização; excetuando a descentraliza-ção, tais medidas reivindicam a supe-rioridade do mercado sobre o Estado;

b) a reestruturação e redução doseu aparato institucional, geralmente

Cândida da Costa

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aplicando regras gerais para toda aadministração pública;

c) a redução do quadro de pesso-al, via demissão, disponibilidade oudesligamento voluntário e, ainda, re-dução dos salários reais ou contraçãoda estrutura de remunerações.

Diante desse cenário, em 1993,emergia como necessário o redesenhodo Estado diante dos novos problemase demandas. Além dos desafios postospela economia, Klisberg (1994) desta-ca a existência de aspirações cada vezmais intensas e generalizadas da po-pulação mundial nos sistemas políti-cos e o crescimento dos graus de desi-gualdade.

Kliksberg (op. cit.) considera que,no enfrentamento dessa nova agenda,o Estado será um dos atores fundamen-tais, e refuta a idéia de que a defini-ção do papel do Estado se dê em tornodo tamanho como, usualmente, temsido feito. As questões centrais dizemrespeito às relações com a sociedadecivil, com os processos de democrati-zação, a eliminação de corrupção e umnovo estilo gerencial, capazes de for-matá-lo como um Estado inteligente.

No novo Estado, a descentralizaçãoseria peça-chave, “entendida não comoalgo que necessariamente promove ademocratização, mas como forma deestabelecer certas condições para queela se produza” (op. cit.: 32); tambémo seria a revalorização do pessoal, pois“é imprescindível conformar uma fun-ção pública com critérios totalmentemodernos, profissionalizada, avaliadapelo rendimento, bem remunerada,com amplas possibilidades de capaci-tação permanente, informada e parti-cipativa” (op. cit.: 35) além de ter ocidadão como foco e recuperar a cre-dibilidade na função pública.

Ao contrário do propagado, “muitosdos programas de Reforma do Estadorealizados na América Latina, cegos poruma lógica estritamente reducionista,têm produzido efeitos devastadores so-bre sua capacidade de gestão” (OSLAK,1994: 67). Se, por um lado, as medidas

adotadas para redução de pessoal e asde contenção de gastos contribuírampara encolher o Estado, por outro, tam-bém contribuíram para aumentar suadeformidade. Evidencia-se, nesse qua-dro, que a privatização tende a fortale-cer a sociedade mercantil – não, neces-sariamente, a sociedade civil – e que aausência de barreiras permite que o ca-pitalismo gere níveis inaceitáveis de de-sigualdade e iniqüidade sociais.

Em parte abalado pela mudança dosvalores referentes à justiça e à liberda-de, relações entre indivíduo e socie-dade, entre público e privado e às for-mas de solidariedade, o papel doEstado se vê confrontado, ainda, comas mudanças do mundo do trabalho emdecorrência da reestruturação produ-tiva. É neste cenário que Draibe (1997:8) assinala a nova relação que se fun-da entre sistemas de proteção social eeconomia do trabalho:

“é o sistema de proteção social [...] que se vêabalado pela vigorosa economia do trabalho esuas mais contundentes manifestações: o de-semprego estrutural; o subemprego; o empre-go precário e de baixa qualidade; a informali-zação das relações de trabalho”.

As mudanças no mundo do traba-lho, indubitavelmente, pressionam aredefinição do papel do Estado. A fle-xibilização e precarização das relaçõesde trabalho evidenciam a imposiçãodas regras de mercado e de desvalori-zação do trabalho.

Por outro lado, os processos detransformação produtiva têm exigidouma forte atuação do Estado no senti-do de garantir que a legislação traba-lhista assegure o novo status conferi-do ao trabalho. Há, assim, uma relaçãorecíproca entre transformação do tra-balho e do papel do Estado.

2. A reforma do Estado noBrasil

Ao analisar as tendências da Refor-

ma brasileira, procuramos confrontá-la com uma perspectiva de democrati-zação do Estado, o que possibilitouperceber um movimento geral de re-dução de seu papel, pela privatizaçãode órgãos públicos e eliminação deparcelas do patrimônio público. Narelação com a sociedade, procuramosidentificar os mecanismos de debateutilizados junto às organizações dasociedade civil.

No que se refere ao Estado brasilei-ro nos anos 90, há dois aspectos-cha-ve a destacar no processo de redefini-ção das prioridades de sua atuação,com forte impacto no emprego, nosserviços públicos e nas prioridades deinvestimento estatal: as privatizaçõese a Reforma administrativa.

As privatizações ocorridas a partirde 1994, no Governo de FernandoHenrique Cardoso, caracterizaram-sepelas concessões dos serviços de utili-dade pública ao setor privado e a ven-da de empresas públicas do setor pro-dutivo.

De acordo com os registros doBanco Nacional de Desenvolvimen-to Econômico e Social (BNDES), des-de a criação do Programa Nacionalde Desestatização (PND), em 1991,foram privatizadas 68 empresas e par-ticipações acionárias estatais fede-rais, a maioria na siderurgia, quími-ca e petroquímica, fertilizantes eenergia elétrica,totalizando uma re-ceita de US$ 30,48 bilhões obtidacom vendas, e US$ 9,20 bilhões re-lativos a dívidas transferidas para osetor privado, totalizando US$ 39,68bilhões (BNDES, 2002).

Dentre as empresas privatizadas,podemos destacar, pelo papel estraté-gico que têm na economia e pelo volu-me de recursos financeiros envolvidosnas transações de venda, as privatiza-ções das Telecomunicações de São Pau-lo (TELESP), da Companhia Vale do RioDoce (CVRD), da Telesp Celular, daTele Norte Leste, da Empresa Brasileirade Telecomunicações – EMBRATEL, daUsina Siderúrgica de Minas Gerais (USI-

Reforma do Estado e relações de trabalho, a experiência brasileira nos anos 90

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MINAS) e de várias concessionárias es-taduais de energia elétrica. Porém, asprivatizações dos bancos oficiais degrande porte, a exemplo do Banespa,chamam a atenção por envolver o se-tor financeiro – o mais estratégico daseconomias capitalistas. Destaque-se,ainda, que muitas dessas instituiçõesforam adquiridas por grupos estrangei-ros, como o holandês Abn-Amro-Bankque comprou o Banco Real, o Bancode Pernambuco S. A (BANDEPE) e oBanco do Estado da Paraíba (PARAI-BAN). O Banco do Estado de São Pau-lo (BANESPA) foi comprado pelo gru-po espanhol Santander.

Segundo o levantamento feito porBiondi (1999: 41), as privatizações deestatais efetuadas pelo governo brasi-leiro, até 1999, resultaram em 24.800demissões de trabalhadores, como par-te do “saneamento” das estatais, ante-cedendo sua privatização. A sangria aopatrimônio público se revela no pro-cesso de venda de duas formas: pelaentrega do patrimônio público e pelanão lucratividade. Biondi (op. cit.)apresenta uma conta surpreendente: “ogoverno diz que arrecadou R$ 85,2bilhões [...] mas [...] há um valor mai-or, de 87,6 bilhões de reais a ser des-contado daquela entrada de caixa”.Não houve redução da dívida interna.Essa afirmação pode ser comprovadaa seguir:

Dessa forma, encontra-se um défi-cit de 2,4 bilhões de reais. Semelhan-te raciocínio pode ser encontrado emMattoso (1999: 28):

“as privatizações deveriam gerar recursosdestinados à redução da dívida pública, segun-do o governo. No entanto, a despeito da alie-nação de cerca de 75% do patrimônio públi-co, a dívida líquida do setor público, puxadapelos juros elevados e pela redução do ritmodo crescimento econômico, não parou de cres-cer [...] relação dívida líquida/PIB, que era decerca de 29% ao final de 1994, alcançou 41%em 1998 e chegou a cerca de 50% em junhode 1999”.

Mattoso conclui que os sucessivosajustes fiscais feitos pelo governo,trouxeram como resultado “o agrava-mento do desmonte do Estado nacio-nal, com a deterioração dos serviçospúblicos e de sua capacidade de in-vestimento, geração de emprego ecrescimento”.(op. cit.: 20).

2.1. Relações de trabalho, Refor-ma administrativa e Direitos dostrabalhadores

A Reforma do Estado brasileiro, em-preendida entre 1995 e 2000, alteroutanto o tamanho do Estado quanto assuas atribuições. Dentre as medidasque fizeram parte dessa Reforma, que-remos destacar a Reforma administra-tiva, seja porque alterou um conjuntode elementos das relações de trabalho,seja porque a sua realização foi justifi-cada em termos de melhoria de efici-ência e de eficácia. A análise que pre-tendemos fazer parte do pressupostode que uma sociedade, como a brasi-leira, cujas desigualdades sociais lide-ram o ranking dos relatórios da Orga-

nização das Nações Unidas (ONU), é,ela própria, expressão do funciona-mento não satisfatório do Estado bra-sileiro. Além disso, tomando-se comoreferência os elementos da Reforma eos argumentos que a sustentaram, pre-tende se considerar os seguintes ele-mentos: o processo de deliberação emtorno da Reforma; a eficácia das me-didas tomadas frente aos problemasapresentados pela máquina administra-tiva; a melhoria do ambiente profissi-onal e das condições de trabalho; po-líticas de qualificação e de valorizaçãodos servidores e a contribuição da Re-forma para o redesenho do Estado bra-sileiro

Pochmann (2001:119), revela as al-ternativas adotadas nessa perspectiva:

“as alternativas de demissão de funcionári-os públicos não-estáveis pelo poder executi-vo federal, por meio da adoção de programasde demissão voluntária, do fechamento de or-ganismos estatais, da privatização e de apro-vação da reforma administrativa indicam umafirme intenção governamental visando o en-xugamento do pessoal”.

Caso essa perspectiva se confirme,o autor estima que cerca de 700 milempregos públicos são passíveis dedestruição.

Ao apresentar sua proposta de Re-forma do Estado, a ênfase do governobrasileiro recaiu sobre a necessidadede alterar as dimensões fiscal, a inter-venção na economia e organização doaparelho estatal:

“superar a crise fiscal [...] completar a mu-dança na forma de intervenção do Estado noplano econômico e social, através de reformasvoltadas para o mercado e para a justiça soci-al. Reformar o Estado significa, finalmente, re-ver a estrutura do aparelho estatal e de seu pes-soal, a partir de uma crítica não apenas dasvelhas práticas patrimonialistas e clientelistas,mas também no modelo burocrático clássico(Pereira, 1995: 1)”.

Os pontos centrais do diagnóstico

QUADRO 1 – BALANÇO DAS PRIVATIZAÇÕES

)$R(seõhlibmerolaVmetI

ozarpasiatatseedsadneV.1 8,41

onrevogolepsadilognesadivíD.2 1,61

sadilognesadivíderbos%51edsoruJ.3 7,8

seõçazitavirpsaodnedecetnasotiefsotnemitsevnI.4 5,82

sotnemitsevnisesseerbossoruJ.5 9,8

sadasu"serdopsadeoM".6 9,8

serodarpmocsoaonrevogolepodaxiedoriehniD.7 7,1

latoT 6,78

etnoF .9991,IDNOIB:

Cândida da Costa

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da crise do aparelho estatal, na visãogovernamental, remetem para o clien-telismo e a profissionalização incom-pleta, identificando, a partir de 1988,o enrijecimento burocrático extremo,do qual decorreria a ineficiência e máqualidade dos serviço públicos. Nesseenfoque, a Constituição de 88 teriaretroagido aos anos 30, privilegiandoum modelo de administração burocrá-tica clássica que se caracterizariacomo:

“centralizada, hierárquica, rígida, fundamen-talmente, baseada no controle por processo enão por resultados e objetivos, quando sabe-mos que a administração de empresas moder-nas estão, hoje, baseadas na descentralização,na administração matricial, nos sistemas deautoridade funcional convivendo com os delinha, na confiança, no controle dos resulta-dos e não dos processos (op. cit.)”.

Esses foram os argumentos nosquais se basearam as iniciativas gover-namentais que redefiniram as relaçõesde trabalho e a prestação de serviços àpopulação, bem como a dimensão so-cial das políticas públicas e do papeldo Estado.

Assinala-se, ainda, que a reforma doEstado atinge, no plano mais geral, oconjunto dos trabalhadores, quandoum de seus pilares se assenta na des-regulamentação das relações trabalhis-tas, privatizações e demissões. Pormeio dessa desregulamentação, surge,por exemplo, o contrato temporário detrabalho.

A Reforma administrativa, entretan-to, atinge direitos conquistados pelapopulação, ligados à maior democra-tização da máquina pública e, simul-taneamente, atinge, em cheio, os tra-balhadores do setor público.

O ingresso em empregos na funçãopública – legislativa, executiva e judi-ciária – no período anterior a 1998,quando foi promulgada a Constituição,podia ser por concurso público ou pornomeação. Embora prestando serviçosde igual ou semelhante complexidade,

os trabalhadores do setor público nãotinham os mesmos direitos, nem rece-biam salários iguais desempenhando asmesmas atribuições. Tampouco, possu-íam direito de greve e sindicalização.A normatização das relações de traba-lho foi consolidada através de duas le-gislações: a Lei 1.711/1952 e a Lei8.112/90, que instituiu o Regime Jurí-dico Único dos Servidores Públicos Fe-derais. A primeira legislação admitiu aexistência de funcionários admitidospor concurso público, e dos extra-nu-merários, admitidos por nomeação. Osfuncionários admitidos por concursopúblico, porém, poderiam ser admiti-dos sob o regime estatutário ou celetis-ta, de tal forma que o funcionalismochegou aos anos 80 com sua força detrabalho composta em 80% por traba-lhadores regidos pela CLT.

2.2. A perspectiva de desenho derelações de trabalho apontada pelaConstituição de 88

No final da década de 70, os traba-lhadores do setor público reforçam suapresença no cenário político do país,transformando o caráter de suas orga-nizações – geralmente assistencial erecreativo – para sindical. São essasdiversas associações, grande parte in-tegrada à movimentação política res-ponsável por gerar o novo sindicalis-mo, que atuaram, durante o processoConstituinte nos anos 80, para garan-tir o reordenamento das relações detrabalho no setor público.

Esse movimento dos trabalhadoresdo setor público foi acompanhado deiniciativas de outras entidades organi-zadas da sociedade, que objetivavamproduzir alterações nas relações entreEstado e sociedade civil, buscandodemocratizá-las, através de controlesocial e participação popular. Nessadireção, conseguiram incluir na Cons-tituição de 1988, a idéia de serviçopúblico como direito do cidadão e de-ver do Estado, de que é exemplo a in-clusão da educação, da saúde, e daassistência social naquela perspectiva.

Como desdobramento, foram criadasleis instituindo o Sistema Único deSaúde (SUS), o Estatuto da Criança edo Adolescente e a Lei Orgânica daAssistência Social (LOAS). Os meca-nismos que permitiriam a democrati-zação de tais políticas seriam os Con-selhos paritários de gestão, compostospor representantes da sociedade civile do governo.

Dessa forma, foram dados os pri-meiros passos para redefinição da re-lação entre trabalhadores, Estado e usu-ários na prestação de serviços públicos,uma vez que o controle social passoua integrar o processo de gestão daspolíticas públicas e os princípios demoralidade e impessoalidade, associ-ados com o ingresso através de con-curso público, possibilitavam condi-ções para o combate ao clientelismono serviço público.

A Constituição de 88 estabeleceunovos parâmetros para as relações detrabalho no serviço público: ingressono serviço público através de concur-so público; a instituição de diretrizesde plano de carreiras; isonomia salari-al (garantia de salários iguais para exer-cício de cargos de igual complexida-de ou atribuições); estabilidade após02 anos de estágio probatório ou paraquem possuía cinco anos de exercícioantes de 1988; direito de greve e regi-me jurídico único.

Embora tais direitos sejam, muitasvezes, compreendidos pela populaçãocomo privilégios de trabalhadores dosetor público, estes, uma vez imple-mentados, poderiam colaborar signifi-cativamente para a melhoria dos ser-viços públicos. O ingresso no serviçopúblico, via concurso, garantiria o in-gresso de quadros competentes e con-tribuiria para reduzir o clientelismo; osplanos de carreiras permitiriam a defi-nição das atribuições e cargos e esti-mulariam o funcionário no desempe-nho de tais atribuições; a estabilidadepossibilitaria a continuidade dos ser-viços; com a isonomia salarial, seriameliminadas as distorções salariais exis-

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tentes; com o regime jurídico único,seria estabelecido apenas um regimede trabalho para os trabalhadores dosetor público.

É interessante registrar que a Cons-tituição de 1988 inovou, em termosde administração pública no Brasil, aosugerir a bilateralidade nas relaçõesde trabalho, ao introduzir mecanismosde controle social e a descentraliza-ção administrativa. Tais elementosapontavam claramente para a demo-cratização da máquina pública noBrasil, rompendo com a verticaliza-ção, até então, presente. Essa demo-cratização expressava o desejo degrandes parcelas da sociedade em al-terar as relações entre Estado e socie-dade no Brasil, inserindo-se no movi-mento geral de democratização dasociedade brasileira.

A democratização da máquina pú-blica, obviamente, não atendia a uminteresse comum na sociedade e asnegociações, em torno das mudançasna administração pública, desaguaramna aprovação de princípios gerais, quenecessitariam de posterior regulamen-tação. Dentre os princípios gerais, des-tacam-se: a legalidade, a impessoali-dade, a moralidade e a publicidade notratamento da coisa pública.

Uma das primeiras tentativas dedemocratização das relações de tra-balho foi o Regime Jurídico Único(RJU). Entretanto, mal foi aprovado em1990, foi submetido a uma total des-caraterização, pois foram eliminados,ou transformados, mais de 150 itensque normatizavam a relação entre oEstado e os trabalhadores. A inserçãodo direito à negociação coletiva foiinterpelada pelo governo Collor deMello, em 1991 junto ao SupremoTribunal Federal, que negou a pers-pectiva de uma relação híbrida de tra-balho. Em seguida, a Lei 8.162/1991,a Lei 8.745/93, a Lei 9.527/97 e a Lei9.783/99 modificaram mais de 150pontos do (RJU).

2.3. A retirada de direitos traba-lhistas nas reformas previdenciáriae administrativa

Os novos direitos dos trabalhado-res no setor público não estavam auto-regulamentados na Constituição. Ainiciativa do governo brasileiro, entre-tanto, não foi de garantir sua regula-mentação, mas de extingui-los, viaReforma do Estado. Com as principaisalterações produzidas pela Proposta deEmenda Constitucional – PEC 20/98,que alterou as regras de previdênciapara o funcionalismo, os trabalhado-res perderam, por exemplo, a aposen-tadoria por tempo de serviço, que foisubstituída pela aposentadoria por tem-po de contribuição; a aposentadoriaespecial para professores universitári-os (aos 25 anos de trabalho, para asmulheres e aos 30, para os homens),substituída pela inclusão da idade mí-nima associada ao tempo de contribui-ção (48 anos para as mulheres e 53anos para os homens) e tempo de exer-cício no cargo e no serviço público,de 5 e 10 anos, respectivamente.

A Reforma administrativa foi apre-sentada à sociedade brasileira comouma forma de modernizar a adminis-tração pública e melhorar os serviçospúblicos. Dentre as principais altera-ções introduzidas nas relações de tra-balho, justificadas em nome da flexi-bilização, cabe destacar, com base nosestudos de Costa (1997 e 2001) e Aze-vedo & Andrade (1997):

a) o estabelecimento de carreirasexclusivas de Estado, acarretando aseparação entre os funcionários públi-cos que passam a integrar diferentesnúcleos: carreiras típicas ou exclusivasde Estado (militares, policiais, juízes,promotores, fiscais e diplomatas) e se-tor de serviços ou infra-estrutura, cu-jos serviços também podem ser reali-zados pela iniciativa privada;

b) a introdução da figura das orga-nizações sociais, qualificadas atravésde contrato de gestão firmado entre

governo federal e organizações da ini-ciativa privada para administrar órgãospúblicos, terceirizando a gestão semestabelecer critérios para impedir aprevalência dos interesses privados;2

c) a criação das agências executi-vas, figura na qual se qualificam osórgãos públicos, passando a executaras atividades definidas por um Minis-tério, com metas e resultados previa-mente estabelecidos;

d) a exigibilidade de programas dequalificação profissional, especialmen-te, para a alta administração pública;

e) a possibilidade de mais de umregime jurídico regulando as relaçõesde trabalho no Estado;

f) a manutenção do regime estatu-tário (Regime Jurídico Único- RJU) eda estabilidade para os funcionários do“núcleo burocrático do Estado”;

g) a supressão do direito de grevepara os funcionários do núcleo estra-tégico e das atividades exclusivas doEstado;

h) exigência de projeto de lei paraa revisão dos vencimentos do funcio-nalismo público;

i) a alteração das regras relativas àdisponibilidade de servidores;

j) a supressão do direito à isonomiasalarial entre servidores dos Três Po-deres;

k) a autorização para demissão dosservidores públicos não-estáveis;

l) a perda da estabilidade, já que oservidor poderá ser demitido por insu-ficiência de desempenho, de orçamen-to ou por excesso de quadros;

m) o direito de greve deve ser esta-belecido em lei ordinária.

Percebemos, portanto, que a maio-ria das modificações teve, como alvo,os direitos e as conquistas sociais dostrabalhadores e da população, uma vezque as iniciativas em torno da reformado aparelho estatal se restringiram àextinção/fusão de órgãos, privatizaçõese ataques aos direitos dos trabalhado-res do setor público, chocando-se com

2 Conforme aprovado através da Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998.

Cândida da Costa

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as inovações inseridas na Constituiçãode 88.

Quanto à reconfiguração de pesso-al, esta vem ocorrendo via terceiriza-ção de atividades de apoio, recrutamen-to prioritário para o núcleo estratégicoe descentralização de serviços para or-ganizações sociais. A projeção do go-verno é de que as medidas adotadasnesse âmbito possibilitem, no cenáriopós- reforma administrativa, a seguinteconfiguração (MARE: 66):

a) manutenção dos servidores pú-blicos de carreiras do núcleo estraté-gico e de atividades típicas de Estadono quadro de pessoal da União;

b) substituição dos servidores, inclu-ídos em outras carreiras, por emprega-dos contratados no regime celetista,com a transferência dessas atividadespara o setor público não-estatal;

c) transferência dos servidores queatuam nas estatais para o setor priva-do, em função da privatização de em-presas estatais;

d) remanejamento e substituiçãoprogressiva dos servidores que reali-zam atividades auxiliares, tais comomanutenção, segurança e informática,em decorrência da terceirização des-sas atividades;

Pode-se dizer, portanto, que as al-terações nas relações de trabalho nosetor público estão ligadas à modifica-ção da gestão do serviço público, atra-vés das organizações sociais; e às ini-ciativas governamentais em relação aoregime jurídico único, à estabilidade,às formas de ingresso e de redução desalários.

É interessante notar que, embora ogoverno federal tenha conseguido apro-var a proposta que dividia o serviçopúblico em núcleos diferenciados, adefinição das carreiras exclusivas deEstado vai aparecer no Projeto de Lei248/98, que dispõe sobre a perda docargo público por insuficiência de de-sempenho do servidor público estável,em tramitação no Congresso Nacionaldesde o ano de 1998, definindo, demaneira absolutamente restritiva o rol

de carreiras de servidores efetivos queseriam mantidos sob a égide do regi-me estatutário, a saber: Advogados eAssistentes Jurídicos da União (AGU),Defensores Públicos, Policiais Fede-rais, Policiais Rodoviários e Ferroviá-rios Federais e os integrantes das car-reiras privativas de brasileiro nato(diplomacia). Essa definição exclui osdemais servidores públicos federais,remetendo ao abrigo do regime cele-tista de trabalho, os admitidos após adata de vigência da nova lei.

A proposta continuava em tramita-ção em setembro de 2003, tendo sofri-do a pressão de inúmeras carreiras pre-judicadas pelo projeto governista.Entretanto, em 2000, o governo conse-guiu a aprovação de uma nova lei quedefine a contratação dos servidores pú-blicos federais a partir de então, pelaCLT, os quais seriam contratados sob anomenclatura “emprego público”.

A corrida de algumas categoriaspara ser considerada como carreiraexclusiva de Estado, em lugar de en-frentar um debate sobre o papel doEstado na construção de um projeto denação e no atendimento das necessi-dades das maiorias excluídas dos mí-nimos sociais, expressa uma aceitaçãotácita, por parte dos servidores, da di-visão entre “carreiras típicas de Esta-do” e as demais.

A proposta do governo FernandoHenrique Cardoso, do PSDB, aprova-da pelo Congresso Nacional, dividiu aAdministração Pública em quatro nú-cleos: O Núcleo Estratégico; o Núcleode Atividades Exclusivas; Núcleo deServiços Não Exclusivos e Núcleo deProdução para o Mercado. Esse é omodelo que foi implementado pelogoverno federal, notadamente, no to-cante à política salarial. Ainda que noplano legal, a classificação adotadapelo governo não esteja vigorando, al-gumas categorias classificadas comopertencentes ao núcleo estratégico e deatividades exclusivas de Estado vêmrecebendo aumentos diferenciados(vide, entre outras, a Medida Provisó-

ria 2.048/2000, que concedeu aumen-to de até 70% aos servidores em ativi-dade da área de ciência e tecnologia,fiscais, Banco Central, procuradoresfederais, etc.), enquanto outras catego-rias não receberam nenhum reajuste.

A rigor, não existe uma carreira noserviço público, pois as legislações queinstituíram as normas da relação de tra-balho no serviço público federal sem-pre se referiram, genericamente a “car-reiras e categorias isoladas”. Entretanto,a definição de carreiras típicas de Esta-do foi objeto de legislações esparsas.Com a implementação da Reforma Ad-ministrativa, iniciada com a edição doDecreto-Lei nº 200/67, a Lei Federal nº6.185/74 (posteriormente alterada pe-las Leis nº 6.335, de 31 de maio de1976, e 6.856, de 18 de novembro de1980), foi o primeiro instrumento legis-lativo a definir as carreiras típicas deEstado, incluindo as áreas de seguran-ça pública, diplomacia, tributação, ar-recadação e fiscalização de tributos fe-derais e contribuições previdenciárias,Procuradoria da Fazenda Nacional, con-trole interno e Ministério Público. Estescargos só poderiam ser preenchidosatravés de concurso público, o que as-seguraria a estabilidade, estando os de-veres, direitos e vantagens definidos naLei nº 1.711/52. O art. 3º da referidaLei nº 6.185/74 definia que, para asdemais atividades desenvolvidas na ad-ministração pública, só se admitiriamservidores regidos pela legislação tra-balhista com a aplicação das normasdisciplinadoras do FGTS.

As chamadas carreiras típicas deEstado deixaram de ser regidas peloPlano de Classificação de Cargos(PCC), instituído pela Lei nº 5.645/70.Essa mesma tendência apareceu nogoverno de Fernando Henrique Cardo-so, ao definir as carreiras exclusivas deEstado. Cabe ressaltar, ainda, que ainterpretação dada ao instituto da as-censão funcional após a Constituiçãode 1988, praticamente, impediu a as-censão na carreira, já que a jurispru-dência firmada sobre o assunto consi-

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derou que toda forma de ingresso noserviço público seria através de con-curso público externo, devendo os ser-vidores concorrer, em iguais condi-ções, com novos postulantes aos cargospúblicos.

A Lei nº 9.527, de 10.12.97, quealterou o RJU, uma vez mais poster-gou a elaboração de diretrizes de pla-nos de carreiras, já que definiu o aces-so através da habilitação em concursopúblico de provas ou de provas e títu-los, obedecidos a ordem de classifica-ção e o prazo de sua validade, masprescreveu que os demais requisitospara o ingresso e o desenvolvimentodo servidor na carreira, mediante pro-moção, deveriam ser estabelecidospela lei que fixar as diretrizes do siste-ma de carreira na Administração Pú-blica Federal e seus regulamentos.

De acordo com Alberto Felippi Bar-bosa (2003), existem 32 carreiras noserviço público federal e 8 cargos comstatus de carreira, que geram 40 tabe-las salariais.

3. Considerações finais

O método de condução da reformanão incorporou os trabalhadores, poiso Conselho Nacional de Reforma doEstado (CNRE), não incluiu a partici-pação de nenhum representante dostrabalhadores do setor público e denenhum movimento social. É interes-sante notar que o discurso adotadopelo MARE procurou associar a neces-sidade da Reforma à inadiável mudan-ça na máquina administrativa herdadada Era Vargas. Entretanto, as principaismedidas de reforma administrativa ti-veram o objetivo de retirar do textoconstitucional os artigos que instituí-am mudanças nas relações de traba-lho ainda não regulamentados. Se ain-da não haviam sido introduzidas naadministração, como podiam ser, taismudanças, as responsáveis por even-tuais problemas no funcionamento damáquina pública? Na verdade, o go-

verno não permitiu a experiência dofuncionamento da máquina públicapautada na bilateralidade das relaçõestrabalhistas, na continuidade da pres-tação de serviços e na democratizaçãodas relações de trabalho.

A regulamentação da Reforma ad-ministrativa instituiu novos elementosnas relações de trabalho que aumen-tam a insegurança dos trabalhadoresdo setor público. Dentre estes, caberegistrar os Projetos de Lei que tratam,respectivamente, da demissão de ser-vidores públicos estáveis por excessode gastos com a folha de salários e dolimite das despesas com pessoal, bemcomo o Projeto de Lei Complementarque trata da demissão de servidorespúblicos estáveis por insuficiência dedesempenho.

Caso os gastos ou da União ou dosEstados ou dos Municípios ultrapassemo limite estabelecido no Projeto, asseguintes metas terão que ser atingi-das: redução do excesso, em no míni-mo 2/3, nos primeiros 12 meses doexercício seguinte à vigência da lei e1/3 restantes nos 12 meses seguintes.Para tanto, devem-se respeitar os se-guintes passos: reduzir em 20% as des-pesas com cargos de confiança; exo-nerar servidores não estáveis; demitirservidores estáveis; e reduzir da jorna-da de trabalho com adequação propor-cional dos salários.

Mantendo a incompletude dos di-reitos trabalhistas, a nova relação detrabalho eliminou a estabilidade, masnão estendeu, aos trabalhadores públi-cos, o direito ao FGTS, tendendo aunificar, sob a nomenclatura “empre-go público”, os elementos mais restri-tivos aos trabalhadores presentes naCLT e no RJU. A Reforma aprofunda odesmonte do serviço público e das áre-as essenciais para a população, espe-cialmente, a de baixa renda, como saú-de, educação e assistência social quenão são consideradas como carreirasexclusivas de Estado. O governo assu-me a perspectiva de mercado para aspolíticas sociais.

Na ausência de debate entre gover-no e trabalhadores para a definição deuma política para gestão de pessoal dosetor público, esta tem se resumido, nocenário pós-reforma administrativa aoque dispõem a Constituição reformadae as novas leis. A ampliação de qua-dros da administração direta, autárqui-ca e fundacional deve ser feita consi-derando os limites de 60% de gastoscom pessoal no total de gastos da ad-ministração pública municipal e esta-dual, e 50% no caso do poder federal,sendo que os gastos com terceirizaçãode pessoal, por qualquer via, devementrar neste cômputo na qualidade de“serviços de terceiros”. Todos os servi-dores estão condicionados, em sua per-manência em cargos e empregos públi-cos, à avaliação de desempenho, sendosuscetíveis de demissão devido a resul-tados negativos obtidos nesta avaliação,da mesma maneira que o são em casode excesso de quadros.

A via preferencial de renovação dequadros da administração pública é oemprego público sob contrato celetis-ta e subordinado ao regime geral deprevidência social, salvo quando setrata de carreiras essenciais de Esta-do, às quais é assegurado o regime es-tatutário. O concurso público, comavaliação através de provas e títulos,é obrigatório para a entrada em à com-plexidade técnico-administrativa dafunção. É assegurado, a todos os ser-vidores, o direito de organização sin-dical e o de greve em serviços públi-cos não-essenciais.

As tendências da Reforma brasilei-ra, confrontadas com uma perspecti-va de democratização do Estado, aten-deram a um movimento exercício dequalquer cargo ou emprego público,devendo a complexidade do proces-so seletivo ser proporcional geral deredução do papel do Estado, privati-zando órgãos públicos e eliminandoparcelas do patrimônio público. Di-recionando-se ao mundo do trabalho,a Reforma apresentou as mesmas ten-dências que se manifestam nas mu-

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danças em curso no mundo do traba-lho: eliminação de postos de trabalho;aumento da insegurança dos trabalha-dores; retirada de direitos conquista-dos e utilização de instrumentos deprecarização da força de trabalho, aexemplo das terceirizações.

Nas relações de trabalho entre tra-balhadores, governo e entidades sin-dicais, a Reforma manteve o mesmopadrão unilateral já existente. Não pro-moveu alterações no que se refere aprocessos de negociação coletiva, po-lítica salarial, formas de nomeaçãopara cargos comissionados, plano decarreiras ou quaisquer outros instru-mentos que pudessem democratizar asrelações de trabalho.

Fica claro, também, como a Refor-ma foi levada a cabo contra as inova-ções constitucionais de 1988, que pos-sibilitariam maior democratização dasrelações entre Estado e sociedade, viainstituição de mecanismos de contro-le social.

Esse processo enseja, como conseqü-ências para os trabalhadores do setorpúblico, alterações na sua subjetividadee o surgimento de uma insegurança se-melhante àquela enfrentada pelos traba-lhadores do setor privado. A quebra daestabilidade e a possibilidade de demis-sões, por exemplo, geram grande inse-gurança nos trabalhadores. A instaura-ção de regimes jurídicos diferenciadoscria dois tipos de trabalhadores, um sobregime celetista e outro sob regime esta-tutário, com salários diferenciados. Apossibilidade de ser colocado em dispo-nibilidade, com redução salarial, trans-forma-se em uma preocupação para tra-balhadores que dependem do saláriopara a sua sobrevivência; a gestão doserviço público por organizações soci-ais, cujos gestores serão escolhidos pelopróprio governo, diante da quebra da es-tabilidade do funcionalismo, poderá setransformar em inibidor da autonomiados servidores públicos no desempenhode suas funções.

O processo de deliberação em tor-no da Reforma, no que tange à rela-

ção com a sociedade, manteve a rela-ção hierarquizada, pois a Reforma foirealizada sem debate prévio com asorganizações da sociedade civil. O queindica um quase divórcio entre Estadoe sociedade, dificultando e/ou impos-sibilitando o diálogo e confronto deinteresses diferenciados.

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quando os gastos na folha de pagamentoultrapassarem 60% da receita líquida dosEstados e Municípios e 50% da receita lí-quida da União. Brasília: Câmara dos De-putados, 26 de janeiro de 1999.BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº249/98 (1999). Estabelece o limite de gas-tos com pessoal em 60% da arrecadaçãode Estados e Municípios e em 50% da ar-recadação da União. Brasília, Câmara dosDeputados, 27 de janeiro de 1999.BRASIL. Diário Oficial da União (2000).Lei Complementar n. 101, de 04 de maiode 2000. Institui a Lei de Responsabilida-de Fiscal. Brasília.BRASIL. Diário Oficial da União (1970).Lei 5.645/70, de 10.12.1970. EstabeleceDiretrizes para a Classificação de Cargosdo Serviço Civil da União e das Autar-quias Federais, e dá outras Providências.Brasília.BRASIL. Diário Oficial da União (1997).Lei nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997.Altera dispositivos das Leis nºs 8.112, de11 de dezembro de 1990, 8.460, de 17 desetembro de 1992, e 2.180 de 5 de feve-reiro de 1954,e dá outras providências.Brasília.BRASIL. Diário Oficial da União (1993). Lein. 8.745, de 9 de dezembro de 1993. Dis-põe sobre a contratação por tempo determi-nado para atender à necessidade temporáriade excepcional interesse público, nos termosdo inciso IX do art. 37 da Constituição Fede-ral, e dá outras providências. Brasília.BRASIL. Diário Oficial da União (1998).Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Dis-

põe sobre a qualificação de entidadescomo organizações sociais, a criação doPrograma Nacional de Publicização, a ex-tinção dos órgãos e entidades que menci-ona e a absorção de suas atividades pororganizações sociais, e dá outras providên-cias. Brasília, 18.05.98, Seção I, pág. 8.CASTELLS, Manuel (2000). O poder daidentidade. 2 ed. São Paulo: Paz e Terra.COSTA, Cândida (1997). Nem vítima nemvilão: reflexões sobre o serviço público noBrasil. 2 ed. São Luís: UFMA.________. (2000). Sindicalismo e cidadania:análise da relação entre CUT e Estado naconstrução da esfera pública no Brasil. SãoPaulo: Unitrabalho; São Luís: EDUFMA.________. (2001). Processo de trabalho,relações de trabalho e os impactos da re-forma administrativa. ln: HORTA, CarlosRoberto; CARVALHO, Ricardo Alves(Org.). Trabalho, globalização e desempre-go: um enfoque internacional. Belo Hori-zonte: Editora C/Arte. p.278-288.CROZIER, Michel (1981). O fenômenoburocrático. Brasília: UNB (Coleção Soci-edade Moderna).DALLARI, Adilson (1989). O que é funci-onário público. São Paulo: Brasiliense, (Pri-meiros Passos).DINIZ, Eli (1997). Governabilidade, demo-cracia e reforma do Estado. In: DINIZ, Eli& AZEVEDO, Sérgio de (Org.) Reforma doestado e democracia no Brasil. Brasília:Editora da UNB.DUPAS, Gilberto (2000). Economia globale exclusão social. São Paulo, Paz e Terra.DRAIBE, Sônia (1997). Uma nova institu-

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Cândida da Costa

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro / julho de 2007

Momento atual da política pública dequalificação profissional no Brasil:inflexões e desafiosResumo:

A Política Pública de Qualificação Profissional, no momento atual, encontra-se di-ante de desafios especiais. Persevera um contexto mundial marcado pela alteraçãono padrão técnico da produção e pela precarização do trabalho. O país se encon-tra, numa mão, sob as pressões da “globalização” no sentido da flexibilização dasrelações de trabalho e da desresponsabilização do Estado frente às questões soci-ais. Na outra mão, vê-se diante das demandas da sociedade, referenciadas nas con-quistas expressas na Constituição de 88, no sentido da construção de um SistemaPúblico de Trabalho, Emprego e Renda. Sob os compromissos sociais representa-dos pelo Governo Lula, o Plano Nacional de Qualificação vive o desafio de afir-mar, em contraposição à herança do Governo anterior, o seu caráter público e asua referência na Qualificação Profissional enquanto um direito social.Palavras-chave: Qualificação Profissional; Sistema Público de Trabalho, Empre-go e Renda; Relações de Trabalho.

Abstract:The government policy of professional qualification has been currently facingsignificant challenges. There is a worldwide context marked by changes in thetechnical pattern of production and labor precariousness. On one hand, the countryhas been under “globalization” pressure in terms of flexibility in labor relationsas well as lack of commitment on the part of the State concerning the social ques-tions. On the other hand, it has faced the society demands taken for granted through1988 Constitution that assures the building of a labor public system, employ-ment, and income. With regard to the social commitment advocated by Lula go-vernment, the National Plan of Qualification, different from the previousgovernment’s legacy, has been steadily showing its public profile and referencein professional qualification as a social right.Key words: Professional Qualification; Labor Public System; Employment and In-come; Labor Relations.

Roberto Veras de OliveiraDoutor em Sociologia. Professor Adjunto do Depar-tamento de Sociologia e Antropologia da UFCG. E-mail: [email protected].

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O Plano Nacional de Qualificação(PNQ), lançado em junho de 2003, foiformulado como parte do ProgramaNacional de Qualificação Social eProfissional que, por sua vez, compõeo Plano Plurianual (PPA), versão 2004-20071. O PNQ foi fundado com o pro-pósito de reorientar a Política Públi-ca de Qualificação Profissional,baseando-se em uma avaliação críti-ca da Política anterior e, em particu-lar, do Plano Nacional de Qualifica-ção do Trabalhador (Planfor), quevigeu entre 1995 e 2002.

As “lacunas”, “incoerências” e “limi-tações” apontadas quanto ao Planforsituaram-se sobretudo nos seguintes as-pectos: incapacidade de integrar-se efe-tivamente às demais Políticas Públicasde Trabalho e Renda e de interagir de-cisivamente com as Políticas Públicasde Educação; fragilidade das ComissõesEstaduais e Municipais de Trabalho(CETs e CMTs); baixo grau de instituci-onalidade da rede nacional de qualifi-cação profissional; ênfase nos cursos decurta duração; fragilidade do seu siste-ma de planejamento, monitoramento eavaliação (MTE/SPPE/DEQ, 2003:19).

O presente artigo tem como propó-sito situar e realçar os desafios impli-cados na construção de uma PolíticaPública de Qualificação Profissional nopaís, no contexto atual.

O trabalho sob novos paradigmas

Os anos 90 têm, como pano de fun-do mundial, o fenômeno da globaliza-ção. Nos termos de Bourdieu, o termo“globalização” evidencia o caráter de“mito justificador” que o cerca, atra-vés da ratificação e glorificação do rei-no do mercado financeiro. Trata-se de“um mito no sentido forte do termo,

um discurso poderoso, uma ‘idéia-for-ça’, uma idéia que tem força social,que realiza a crença. É a arma princi-pal das lutas contra as conquistas doWelfare State...” (Bourdieu, 1998: 48).

A globalização assenta-se, entreoutros fatores, no esgotamento do for-dismo e no surgimento de um novoparadigma produtivo, denominadoprodução flexível (Harvey, 1992). Aflexibilização envolve os processos detrabalho, os mercados de trabalho, osprodutos e padrões de consumo. Quan-to ao trabalho, Toledo (1997) se refe-re, como tendência geral, à flexibili-zação do emprego, do uso do trabalhono processo de trabalho e da remune-ração, ajustando-os continuamente àscondições de mudança permanente naprodução. Seu conteúdo e desdobra-mentos estariam condicionados, noentanto, às interações entre os atores,as instituições, as normas e as culturasdentro e fora do trabalho.

Offe (1989), por sua vez, avalia queestaria havendo quatro grandes rup-turas na estrutura institucional do tra-balho assalariado “pretensamente uni-ficado” da era fordista: a divisãovertical quanto à hierarquia funcionale às acentuadas diferenças na qualifi-cação profissional entre os coreworkers (trabalhadores, em tempo in-tegral, com mais garantias, benefíci-os e melhores salários); a divisão en-tre mercados de trabalho internos(core workers) e externos (trabalhado-res de empresas subcontratadas, quenão têm os mesmos benefícios); aocorrência da produção de bens e ser-viços, cada vez mais fora da órbita dotrabalho assalariado formal, contratual(aumento do setor informal); e, porfim, as diferenças entre as formas deestruturação do trabalho industrial eos serviços (a organização do proces-

so de trabalho, a logística e a estraté-gia organizacional difeririam signifi-cativamente entre os dois setores).

Nos termos de Castel (1998), o “Es-tado Social” (Welfare State), tido comouma resposta historicamente construí-da diante do risco à vulnerabilidadesocial no capitalismo liberal, estariaingressando em um processo de desar-ticulação, quanto mais as formas deregulação constituídas em torno do tra-balho perdem capacidade de integra-ção. Seria a reedição da “vulnerabili-dade de massa”, mesmo onde haviasido aparentemente superada.

O debate sobre o futuro do empre-go e, mesmo, sobre o futuro do estatu-to do trabalho encerra muita contro-vérsia e envolve estudiosos no mundointeiro2. O nosso propósito neste arti-go é o de tão somente evidenciar ocaráter global e paradigmático das atu-ais mudanças que envolvem o mundodo trabalho e os próprios padrões desociabilidade. E, com isso, esboçar umbreve pano de fundo capaz de realçare dimensionar minimamente o alcan-ce das transformações pelas quais vêmpassando as relações de trabalho noBrasil.

Normatização das relações detrabalho: elementos do contex-to brasileiro nos anos 90

O Brasil foi introduzido no paradig-ma da globalização, de modo maisexplícito e assumido, a partir do go-verno Collor, através da adoção deuma intensa política de liberalizaçãoe privatização da economia. No con-texto das reformas liberalizantes, apressão no sentido de uma flexibiliza-ção da legislação trabalhista logo se fezsentir, particularmente, quanto aos

1 O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) integra o PPA 2004-2007 através dos seguintes programas: Democratização das Relações de Trabalho;Desenvolvimento Centrado na Geração de Emprego, Trabalho e Renda; Economia Solidária em Desenvolvimento; Erradicação do TrabalhoEscravo; Gestão da Política de Trabalho e Renda; Integração das Políticas Públicas de Emprego, Trabalho e Renda; Primeiro Emprego; Qualifica-ção Social e Profissional; Rede de Proteção ao Trabalho; Segurança e Saúde no Trabalho (ver www.planobrasil.gov.br).

2 Ver, por exemplo, Offe (1989), Schaff (1990), Habermas (1992), Gorz (1998), entre outros.

Roberto Veras de Oliveira

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modelos de organização sindical e denegociação coletiva.

Com o impeachment de Collor, noentanto, o novo governo lançou umdebate nacional sobre o futuro das re-lações de trabalho e a possibilidade deum contrato coletivo nacional3. Em1993, o Fórum Nacional sobre Contra-to Coletivo e Relações de Trabalho,composto por representantes de entida-des de trabalhadores e empresariais, doEstado e da sociedade civil, realizoudebates em várias regiões do país. Nes-se Fórum, três posições principais deli-nearam-se claramente: a) os defensoresde uma “reforma global” do sistema derelações de trabalho; b) os defensoresda “desregulamentação”; e c) os defen-sores de uma “reforma parcial”.

Posicionaram-se a favor da “reformaglobal”, inicialmente, a Central Únicados Trabalhadores (CUT), a Força Sin-dical e o Pensamento Nacional das Ba-ses Empresariais (PNBE). A referênciacomum, em conformidade com as con-venções da Organização Internacionaldo Trabalho (OIT), era a “democratiza-ção das relações de trabalho”, que in-dicava a adoção de um regime de li-berdade e autonomia sindical e de umalegislação de sustento à organizaçãosindical e à negociação coletiva. Talposição baseava-se no acúmulo produ-zido pelas lutas sociais e políticas quemarcaram os anos 80 e a Constituiçãode 1988. Entretanto, no rearranjo deposições que se seguiu, a proposiçãoda CUT em favor de um Sistema De-mocrático de Relações de Trabalho4 viu-se cada vez mais isolada.

A favor da “desregulamentação”

reuniram-se basicamente as entidadesempresariais. Referenciando-se nosimperativos de produtividade e com-petitividade, advogavam, sobretudo, aredução dos custos do trabalho, parti-cularmente, através prevalência donegociado sobre o legislado.

A proposta de “reforma parcial” reu-niu as entidades empresariais e de tra-balhadores identificadas com o siste-ma confederativo. Elas se posicionaramem defesa da manutenção da unicida-de sindical, das contribuições compul-sórias, do poder normativo da Justiçado Trabalho, dos juízes classistas, dosistema confederativo e da Consolida-ção das Leis do Trabalho (CLT).

As recomendações resultantes doFórum não foram encaminhadas e,com o governo Fernando Henrique, odebate público foi suspenso, assumin-do seu lugar as medidas unilaterais eas conversações em separado com seusinterlocutores preferenciais. Impôs-se,crescentemente, a posição pró-desre-gulamentação.

Coube ao governo FHC empreen-der, sob uma política de estabilizaçãomonetária associada ao aprofundamen-to da liberalização e privativação daeconomia, um sistemático processo deflexibilização das relações de trabalhono país. Para um melhor dimensiona-mento dos efeitos de tal opção, é ne-cessário considerar que na “era Var-gas” se constituiu um, mesmo queprecário, “estado social”5. Assim como,o Brasil chegou aos anos 90 com umatrajetória de significativas conquistassociais e políticas, tendo na Constitui-ção de 1988 sua mais evidente expres-

são.Uma sucessão de medidas pontu-

ais foi sendo adotada a partir de 1994,em geral, por iniciativa da Presidênciada República, alterando significativa-mente a normatização das relações detrabalho no Brasil, envolvendo aspec-tos como o processo de contratação edemissão, a forma de uso e remunera-ção do trabalho e a maneira de soluci-onar os conflitos. Destacaram-se, qua-se sempre, por Medida Provisória, asseguintes: instituição do trabalho não-assalariado nas cooperativas, Participa-ção nos Lucros e Resultados, Banco deHoras, trabalho temporário, trabalhoparcial, Comissões de Conciliação Pré-via, entre outras medidas6.

No seu segundo mandato, o gover-no anunciou sua intenção em alterar oartigo 7º da Constituição Federal, comvistas a flexibilizar os direitos sociaisali previstos de uma maneira maisampla, através da prevalência do ne-gociado sobre o legislado. Diante dasresistências apresentadas e da exigên-cia de ter que reunir dois terços devotos favoráveis no Congresso Nacio-nal, a orientação passou a ser a de al-terar o artigo 618 da CLT. O mandatofoi encerrado e o Projeto de Lei(nº 5.483), já aprovado na Câmara, tra-mitava no Senado.

Natureza das políticas públicasde trabalho e renda nos anos 90

É mais do que evidente o quanto odesemprego se configurou, ao longodos anos 90, como um dos mais gra-

3 Ver, a respeito, Antônio de Oliveira (2002).4 “A democratização das relações de trabalho obtém-se através da criação de mecanismos capazes de proporcionar maior equilíbrio de poder entre

capital e trabalho dentro do sistema produtivo. Significa dotar os trabalhadores e as entidades sindicais de instrumentos autônomos em relação aoEstado e protegidos das investidas do poder econômico. Faz-se necessário, portanto, substituir todo o ordenamento jurídico que dá sustentação aosistema tutelar, autoritário e intervencionista de relações de trabalho. Deve emergir, em seu lugar, um regramento jurídico capaz de dar legitimi-dade e assegurar eficácia à autodefesa dos assalariados” (CUT, 1995: 13).

5 Conforme Oliveira (1998: 10), “é importante perceber que o nacionalismo estruturou, pela natureza dos interesses dos autores envolvidos, oassim mesmo precário estado social – com as conquistas da previdência social, da regulação da jornada de trabalho, do salário mínimo, das férias,do direito à assistência médica etc – que não chegou ao status de um Welfare, mas tomou grande distância da ‘questão social como caso depolícia’ da República Velha. O golpe de 1964 é desfechado contra essa formação”.

6 Para uma reconstituição minuciosa dessas medidas, ver, por exemplo, Krein (2001) e Antônio de Oliveira (2002).

Momento atual da política pública de qualificação profissional no Brasil: inflexões e desafios

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ves problemas sociais do país (e domundo), na forma de um “fenômenode massa” (Pochmann, 2001). Trata-se,na verdade, do agravamento de umacaracterística histórico-estrutural: asegmentação e a heterogeneidade domercado de trabalho7.

Por outro lado, vale notar que a ado-ção de políticas públicas relacionadasao tema do emprego, no Brasil, é algorecente e se encontra em um estágioainda bastante elementar de formulaçãoe implementação. Basicamente, o pri-meiro programa governamental de for-mação profissional foi o Programa In-tensivo de Preparação de Mão-de-Obra(PIPMO), criado em 1963, submetidoao MEC. O serviço de intermediaçãode mão-de-obra só começou a ser im-plementado com a criação do SistemaNacional de Emprego (SINE), em 1975,quando o Ministério do Trabalho incor-porou também o PIPMO. A instituiçãodo seguro-desemprego só ocorreu na se-gunda metade dos anos 80, fundamen-talmente, a partir da Constituição de1988. Os programas de geração deemprego e renda só adquiram um cará-ter mais articulado e ampliado a partirde 19948.

Nos anos 90, em particular, as po-líticas públicas de emprego são o re-sultado (contraditório e em processo),de um lado, das possibilidades institu-cionais derivadas da Constituição de1988 e, de outro, da adoção da orien-tação neoliberal na condução do país.O novo cenário teve uma relação di-reta com a constituição do Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT) e com acriação do Conselho Deliberativo doFAT (CODEFAT).

Conforme destaca Lima (1999), osprogramas desenvolvidos sob o arran-

jo institucional daí resultante têm es-tado marcados pelas referências daparticipação, da descentralização e daparceria. Os principais programasconstituídos com recursos do FAT fo-ram propostos como base da constru-ção de um Sistema Público de Empre-go no país. Dentre eles, destacam-se:

a) informações sobre o mercado detrabalho – Relação Anual de Informa-ções Sociais (RAIS); Cadastro Geral deEmpregados e Desempregados (CA-GED); Pesquisa Mensal de Emprego(PME/IBGE); Pesquisa Nacional porAmostragem de Domicílios (PNAD/IBGE); Pesquisa de Emprego e Desem-prego (PED);

b) seguro-desemprego – apesar deser uma conquista das lutas sindicaisdos anos 80, consagrada pela Consti-tuição de 1988, destina-se apenas aostrabalhadores do mercado formal; arepresentação sindical no CODEFATtem constantemente defendido a pro-posta de ampliação do benefício, emtermos de valores e de número de par-celas;

c) intermediação de mão-de-obra –voltada à realização do cadastramen-to de trabalhadores e de vagas de em-prego e à indicação para ambos, tra-balhadores e empresas, das melhoresoportunidades disponíveis; podendo,ainda, sugerir para os trabalhadorescadastrados cursos de qualificação pro-fissional, de modo a melhor adequa-rem-se ao mercado;

d) qualificação profissional – desti-nada a ações que visam proporcionarao trabalhador a aquisição de conhe-cimentos básicos, específicos e/ou degestão, que facilitem o processo deinserção ou reinserção no mercado detrabalho; tendo sido conduzida, entre

1995 e 2002, através do Plano Nacio-nal de Qualificação do Trabalhador(Planfor);

e) geração de emprego e renda –responsável pela promoção de açõesque gerem emprego e renda, preferen-cialmente, através da criação de linhasespeciais de crédito para setores compouco, ou nenhum, acesso ao sistemafinanceiro, como pequenas e microempresas, cooperativas e formas asso-ciativas de produção etc. São exem-plos: Programa de Geração de Empre-go e Renda (PROGER), criado em1994; PROGER Rural; e o ProgramaNacional da Agricultura Familiar (PRO-NAF), criado em 1995.

São inúmeros os balanços que sepodem fazer do desempenho dessesprogramas. Aqui, no entanto, interes-sa-nos destacar as seguintes constata-ções:

a) as políticas públicas de emprego,formuladas de maneira mais sistêmicaa partir do início dos anos 90, tiveramum caráter fundamentalmente reativo,diante do quadro de crise estrutural doemprego e como contraface da opçãopor uma política macroeconômica ori-entada, prioritariamente, para a estabi-lização monetário-fiscal9;

b) desenvolveram-se, paralelamen-te, ao tratamento dado pelo própriogoverno à normatização das relaçõesde trabalho, que teve como marca, deum lado, a tendência à flexibilizaçãoe, de outro lado, um esforço sistemáti-co de desqualificação da proposição,apresentada pelas centrais sindicais, nosentido da constituição, no país, de um“sistema democrático de relações detrabalho”;

c) resultaram de um processo con-traditório marcado, tanto por um cla-

7 “Assim, os problemas da ‘modernidade’, decorrentes do novo paradigma tecnológico, da abertura dos mercados e da globalização financeira, sesuperpõem ao problema do atraso (alto grau de informalização e de precariedade das relações de trabalho, desigualdade social, deficiências nosistema de proteção social, baixíssimo nível de escolaridade da força de trabalho, etc)” (Azeredo, 1998: 125-126).

8 Ver, por exemplo, Azeredo (1998) e Castioni (2002).9 “Desde os anos 90, a postura oficial do governo de desvincular as questões relativas à geração de emprego da política macroeconômica, marcada

pela rápida e pouco seletiva abertura comercial, pela forte dependência de financiamentos externos, tem sido um dos fatores decisivos para aadoção de um tipo de política social com caráter reativo, voltada basicamente para a correção pontual das distorções do mercado de trabalho”(Dieese, 2001: 260).

Roberto Veras de Oliveira

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ro esforço de desresponsabilização doEstado frente às políticas sociais, comopor um diverso e difuso movimento,por parte da sociedade civil organiza-da, visando ampliar a participaçãoquanto à formulação e gestão das po-líticas públicas;

d) tomados em si, tais programasrevelam inúmeras fragilidades, parti-cularmente, pela incapacidade de atu-arem de maneira efetivamente articu-lada10.

Sob tal perspectiva, as políticas pú-blicas de emprego não poderiam se-não ter uma natureza compensatória efocalizada.

Foi nesse contexto e sob tais condi-ções que o Plano Nacional de Qualifi-cação do Trabalhador – PLANFOR foiconcebido.

A respeito dos elementosestruturantes do PLANFOR

A partir da regulamentação do FAT,em 1990, o Ministério do Trabalho re-tomou a iniciativa no campo da políti-ca pública de qualificação profissional.Em 1993, tiveram início ações volta-das à qualificação profissional dos be-neficiários do seguro-desemprego efuncionários do SINE. Mas, foi só em1995 que o PLANFOR foi instituído.

Uma abordagem sobre esse Plano,como indicado acima, não pode dis-

sociar seus fundamentos das opções,em termos de política macroeconômi-ca e de políticas públicas de emprego,adotadas no período em que vigeu. Poroutro lado, também não pode disso-ciá-los das opções assumidas no cam-po das políticas educacionais.

A reforma do ensino técnico, ope-rada no âmbito da nova Lei de Diretri-zes e Bases (LDB), através do DecretoLei 2208/97, configurou uma nova ins-titucionalidade para a educação pro-fissional no país, tornando mais enfá-tica a separação entre formação gerale a formação tecnológico-profissiona-lizante. Além da educação tecnológi-ca e da educação técnica, o novo mo-delo prevê a educação profissionalbásica, voltada, sobretudo, aos deses-colarizados e desempregados, que pas-sou a ser operacionalizada através doPLANFOR.

Os programas que o compuseram,ao longo de sua vigência, entre 1995/96 e 2002, tanto no âmbito nacionalcomo estadual, foram executados atra-vés de parcerias com terceiros, inclu-indo o “Sistema S”, as centrais sindi-cais, ONGs, entre outros11. ParaAffonso (2001), o PLANFOR tem sidoum exemplo da aplicação dos princí-pios liberais da focalização, descentra-lização e transferência de responsabi-lidade das políticas sociais para ocampo privado.

De fato, para uma avaliação mais

funda desse Plano, há que se ir alémde considerações críticas sobre suasfragilidades e limitações no campooperacional12. É necessário considerarque, não obstante tais fragilidades elimitações, tratou-se de uma constru-ção engenhosa, complexa e, essenci-almente, coerente com as políticas es-truturantes do projeto governamentaldos dois mandatos de FHC.

No esforço de alcançarmos o nú-cleo constitutivo do PLANFOR, que lhedeu sentido e consistência, identifica-mos como idéias-chave, basicamente,as noções de competência, emprega-bilidade e parceria.

No que diz respeito à concepção dequalificação, sobressai no âmbito doPlanfor a noção de competência. As-sociada que está ao paradigma da pro-dução flexível, tal conceito é evocadocomo base para a promoção de umanoção de qualificação que torne o tra-balhador capaz de “compreender, an-tecipar-se e resolver os problemas desua função na empresa” (Araújo, 2000:57). Além do saber “fazer”, para o qualos trabalhadores eram preparados noâmbito do paradigma fordista de qua-lificação, a esse deve ser acrescido osaber “ser” e o saber “aprender”13. Aconcretização desse propósito deveriaser garantida, conforme as diretrizes doPLANFOR, através do foco das açõesde qualificação, integrada e comple-mentarmente, nas habilidades básicas,

10 “O Brasil tem muito a avançar em relação ao tema do trabalho. Até agora não conseguiu constituir uma política pública do trabalho capaz deenfrentar adequadamente as novas bases do problema do desemprego. É o caso, por exemplo, da ausência de um serviço público nacional deatenção ao emprego. O país possui algumas instituições e programas voltados ao mercado de trabalho, porém sem capacidade de atuação demaneira articulada e integrada no acolhimento do desempregado, o que limita sua efetividade e sua eficácia” (Pochmann, 2001).

11 Segundo Pochmann (1999), apoiando-se em dados do MTE, enquanto as Escolas Técnicas contaram com 700 mil alunos, em 1996, o “Sistema S”atingiu 3 milhões e o PLANFOR, 1,1 milhão. O programa tinha como meta articular, através da rede de formação profissional existente no país,20% da População Economicamente Ativa (PEA) até o ano 2000. Meta esta que foi postergarda para 2002, por meio da Resolução n. 194/98(Castioni, 2002: 213).

12 “Em termos quantitativos, o PLANFOR tem tido desempenho significativo. Entre 1995 e 2001, 15,3 milhões fizeram cursos mobilizados peloprograma e foram investidos nos últimos anos aproximadamente R$ 2,3 bilhões com atendimento em 88% dos 5.547 municípios brasileiros (MTE/SPPE/DEQP, 2001). No entanto, apesar dos avanços quantitativos, o programa não conseguiu articular-se como o sistema nacional de educação,a exemplo do que ocorre nos países avançados e muito pouco o programa propiciou em termos de elevação de escolaridade, a não ser emalgumas experiências isoladas, como foi o caso do Programa Integrar da CNM/CUT. Os impactos do programa são também controversos naobtenção de um emprego, pois atende as mais diversas clientelas e nos mais distintos setores da economia” (Castioni, 2002: 215).

13 “Delineia-se neste contexto um novo perfil e um novo conceito de qualificação, que vai além do simples domínio de habilidades manuais e/oudisposição para cumprir ordens (...) O novo perfil valoriza traços como participação, iniciativa, raciocínio, discernimento, informação. Buscam-sepessoas com iniciativa, capacidade de decidir e agir em face de imprevistos ou eventos aleatórios – que são tanto mais freqüentes quanto maismodernas, integradas e informatizadas as empresas” (MTE/SPPE/DEQP, 2001: 54).

Momento atual da política pública de qualificação profissional no Brasil: inflexões e desafios

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específicas e de gestão:a) habilidade básicas – “competên-

cias, atitudes e conhecimentos essen-ciais para a formação do ‘cidadão pro-dutivo’, como comunicação verbal eescrita, leitura e compreensão de tex-tos, raciocínio, saúde e segurança notrabalho, preservação ambiental, direi-tos humanos, informação e orientaçãoprofissional e outros eventuais requi-sitos para as demais habilidades”;

b) habilidades específicas – “com-petências e conhecimentos relativos aprocessos, métodos, técnicas, normas,regulamentações, materiais, equipa-mentos e outros conteúdos próprios dasocupações/setores”;

c) habilidades de gestão – “compe-tências, atitudes e conhecimentos paraformar, manter e melhorar o desem-penho de micro e pequenos empreen-dimentos, rurais ou urbanos, bemcomo gerenciar o próprio trabalho,como autônomo, cooperado, associa-do, empregado ou auto-gerido” (MTE/SPPE/DEQP, 2001: 27)

Assim ancorado, o PLANFOR semanteve, fundamentalmente, omissoquanto ao que o termo competênciasugere a respeito da nova realidadedo mundo do trabalho. Pois, alinha-se às visões excessivamente otimistassobre os novos perfis profissionais de-mandados pelo mercado de trabalho,quando o que vem prevalecendo, par-ticularmente em países como o Bra-sil, em contraste com cada vez mais

restritos núcleos de trabalhadores comvínculos mais estáveis, remuneraçãodiferenciada e melhor qualificação, éum quadro de crescente precarizaçãoe desemprego14, em um contexto jámarcado, estruturalmente, pela seg-mentação, baixa escolaridade e ele-vada informalidade15.

No que concerne ao entendimentoproposto pelo PLANFOR, sobre o sen-tido último da política de qualificação,ganhou destaque, associado ao concei-to de competência, o discurso da em-pregabilidade, sobretudo no primeiromandato de FHC:

“O emprego dos anos 90 tem um novo con-ceito: a empregabilidade, conjunto de conhe-cimentos, habilidades, comportamentos e re-lações que tornam o profissional necessário nãoapenas para uma, mas para toda e qualquerorganização. Hoje mais importante do que ape-nas obter um emprego é tornar-se empregável,manter-se competitivo em um mercado emmutação. Preparar-se, inclusive para várias car-reiras e diferentes trabalhos – às vezes, até si-multâneos” (MTb/Sefor, 1995: 12).

O problema do emprego/desempre-go foi, assim, formulado essencialmen-te, não como uma “questão social”(Castel, 1998), mas como uma ques-tão de natureza individual, cabendo aotrabalhador individualmente, atravésda requalificação profissional, ade-quar-se às exigências do mercado e,com isso, tornar-se “empregável”. Ao

Estado caberia, nessa equação, tão so-mente oferecer oportunidades a cadaum, através, sobretudo, de programasde educação profissional.

Ora, essa noção foi gestada justa-mente em um contexto no qual a ques-tão do desemprego ganhava uma di-mensão ímpar de drama social. Negadocomo questão social, perde significadopúblico e contribui para a desrespon-sabilização do Estado e da sociedadepara com ela e para o esvaziamento dotrabalho, da educação e da qualifica-ção como direitos16. Corrobora, assim,sem assumi-la, explicitamente, umapercepção de fundo privatizante de taispolíticas.

Tal concepção materializa-se, ga-nha concretude institucional, organi-zacional e operacional, através da idéiade parceria. O discurso da parceriaganhou evidência no contexto da Re-forma do Estado, operada, particular-mente, pelo governo FHC. Esse discur-so deriva da compreensão de que acrise do Estado é uma crise de nature-za fiscal e está relacionada ao esgota-mento da “estratégia estatizante” deintervenção do Estado e da forma “bu-rocrática” de administrá-lo. Compõeum esforço, que aponta, de um lado,para a privatização daquelas ativida-des que podem ser “controladas pelomercado” e, de outro, para a descen-tralização da execução de serviços so-ciais de educação, saúde, cultura epesquisa científica. Neste caso, atra-

14 “Entre 1980 e 1998, os postos de trabalho qualificados foram reduzidos em 12,3% no Brasil, enquanto as ocupações não-qualificadas cresceram14,2%, segundo informações do Ministério do Trabalho” (Pochmann, 2001: 39).

15 “As mudanças produtivas que se processam na economia brasileira demandam, de fato, a implementação de ações que visem combater o baixo perfilde qualificação da força de trabalho nacional (...) Entretanto, cabe perguntar sobre a funcionalidade dos programas propostos em um contexto ondeas empresas pouco privilegiam os programas de qualificação e os novos métodos de gestão de mão-de-obra (...) Mesmo nos períodos de recuperaçãodo nível de atividade, não se verifica um desempenho mais positivo do nível de emprego, observando-se uma crescente divergência entre esse e oritmo da atividade econômica (...) Se mantido esse comportamento das empresas, será difícil vislumbrar um papel mais efetivo das políticas dequalificação e de seus efeitos sobre o desemprego e a qualidade de emprego dos trabalhadores” (Dedecca, 1998: 290-291).

16 Nas palavras de Gentili (1999: 88-89), “a tese da empregabilidade recupera a concepção individualista da teoria do capital humano, só que acabacom o nexo que aquela estabelecia entre o desenvolvimento do capital humano individual e o capital humano social: as possibilidades de inserçãode um indivíduo no mercado dependem (potencialmente) da posse de um conjunto de saberes, competências e credenciais que o habilitam para acompetição pelos empregos disponíveis (a educação é, de fato, um investimento em capital humano individual); só que o desenvolvimento econô-mico da sociedade não depende hoje de uma maior e melhor integração de todos à vida produtiva (a educação não é, em tal sentido, um investimen-to em capital humano social) (...) ‘Empregabilidade’ não significa, então, para o discurso dominante, garantia de integração, senão melhores condi-ções de competição para sobreviver na luta pelos poucos empregos disponíveis, alguns sobreviverão, outros não (...) Nesse sentido, o discurso daempregabilidade tem significado uma desvalorização do princípio (teoricamente) universal do direito ao trabalho e, de forma associada, umarevalorização da lógica da competitiva inter-individual na disputa pelo sucesso num mercado estruturalmente excludente”.

Roberto Veras de Oliveira

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vés de um setor “público não estatal”(ou Terceiro Setor). As instituições nãoestatais passam a ser solicitadas a par-ticiparem da execução de serviços so-ciais em um contexto de crescente re-tração do Estado no que concerne afinanciamento e a gestão dos serviçospúblicos (Dain & Soares, 1998).

Por outro lado, a parceria tambémestá relacionada às conquistas sociaise políticas dos anos 80 e 90, particular-mente, quanto à ampliação de espaçosde participação na forma de conselhose fóruns públicos, entre os quais se des-tacam o CODEFAT e as comissões es-taduais e municipais de emprego/traba-lho. A noção de parceria aparece,nesses termos, ambiguamente associa-da às idéias de cidadania17, privatiza-ção, descentralização, público não-es-tatal e participação da sociedade civil18.

O resgate do caráter público dapolítica de qualificação: desafios

O Plano Nacional de Qualificação(PNQ) surge, em um outro contexto,com o propósito de estabelecer umainflexão na trajetória da política públi-ca de qualificação profissional no país.Parte das seguintes observações críti-cas em relação ao PLANFOR:• “pouca integração entre a política

pública de qualificação profissio-nal e as demais Políticas PúblicasTrabalho e Renda (seguro-desem-prego, crédito popular, intermedi-ação de mão de obra, produção deinformações sobre o mercado detrabalho etc)”;

• “desarticulação desta em relação àspolíticas públicas de Educação”;

• “fragilidades das Comissões Estadu-

ais e Municipais de Trabalho (CETse CMTs), enquanto espaços capa-zes de garantir uma participaçãoefetiva da sociedade civil na elabo-ração, fiscalização e condução daspolíticas públicas de qualificação”;

• “baixo grau de institucionalidade darede nacional de qualificação pro-fissional, que reserva ao Estado,através do MTE, o papel de apenasdefinir orientações gerais e de finan-ciamento do PNQ, executado, in-tegralmente, através de convênioscom terceiros”;

• “ênfase do PLANFOR nos cursos decurta duração, voltados ao trata-mento fundamentalmente das ‘ha-bilidades específicas’, comprome-tendo com isso uma ação educati-va de caráter mais integral”;

• “fragilidades e deficiências no sis-tema de planejamento, monitora-mento e avaliação do PLANFOR”(MTE/SPPE/DEQ, 2003: 19).O PNQ foi formulado em sintonia

com o novo Plano Plurianual (PPA),versão 2004-2007, através do Progra-ma de Qualificação Social e Profissio-nal. Orienta-se, assim, pelos seus“mega-objetivos”: a) “inclusão social eredução das desigualdades sociais”; b)“crescimento com geração de trabalho,emprego e renda, ambientalmente sus-tentável e redutor das desigualdadesregionais”; c) “promoção e expansãoda cidadania e fortalecimento da de-mocracia” (MTE, 2003:09).

O novo governo, através do MTE,parte do reconhecimento de que apolítica de estabilização, iniciada em1994 e apoiada na abertura econô-mica e na estratégia deliberada deapreciação cambial, impactou nega-tivamente no mercado de trabalho,

aprofundando o problema do desem-prego, ampliando o grau de informa-lidade e provocando uma queda sig-nificativa na evolução real dosrendimentos. Além disso, sinaliza apercepção do problema do empregocomo uma questão social e conside-ra que a reversão desse quadro pas-sa, fundamentalmente, pela “retoma-da sustentável do crescimentoeconômico, resultado tanto de umamudança da política econômicacomo da realização das reformas ne-cessárias para o desenvolvimento dopaís” (MTE, 2003: 19).

Compreende, ainda, que ao Esta-do também está reservada a tarefa de“implementar ações no sentido tantode minorar os problemas sociais cau-sados pelo desemprego como de cri-ar formas de estimular e complemen-tar a atuação do mercado para ageração de trabalho, emprego e ren-da” (MTE, 2003: 20). Reforça, comisso, a necessidade de constituiçãode um Sistema Público de Emprego:“A entrada do trabalhador neste sis-tema deve permitir-lhe o acesso aoseguro-desemprego, à qualificaçãoprofissional e ao serviço de interme-diação de emprego, congregandoações federais, estaduais e munici-pais, públicas e privadas” (MTE,2003: 20). Nesses termos, o SistemaPúblico de Emprego deve estar inte-grado às políticas de desenvolvimen-to econômico e social.

De outra parte, como uma açãoigualmente indispensável, traz para aagenda política o debate sobre a de-mocratização das relações trabalhistas.A constituição do Fórum Nacional doTrabalho (FNT) se inscreve nessa pers-pectiva, ao buscar,

17 Particularmente através da referência “cidadão produtivo”: “O cidadão produtivo é aquele capaz de apreender e gerir a realidade que tem comoregra a transitoriedade permanente” (MTE/Sefor, 1998, apud Affonso, 2001:70). Conforme Castioni (2002: 213), o termo “cidadão produtivo”procura contemplar “a palavra cidadania reivindicada pelos trabalhadores e a competitividade dos empresários”.

18 Conforme Vilmar Faria (apud MTE/SPPE/DEQP, 2001: 56), o Governo FHC tinha como princípios organizadores de sua estratégia de desenvolvimen-to social para o país: a) “igualdade de oportunidades no ponto de partida, entendendo por isso um papel estratégico do setor público na oferta deserviços”; b) “avaliação do custo e efetividade das políticas e programas sociais”; c) “descentralização e flexibilidade, em face das dimensões eheterogeneidade do país”; d) “participação, como forma de controle público sobre as políticas sociais”; e) “parceria entre União, Estados e Municípi-os, entre governo e sociedade civil, assumindo a impossibilidade de o Estado enfrentar sozinho a complexidade da questão social no Brasil”.

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“por meio do processo participativo, envol-ver representantes de trabalhadores, de empre-gadores e de governo, trazer respostas às de-mandas discutidas pela própria sociedade,mediante a assunção de compromissos mútu-os de solução negociada de conflitos” (MTE,2003: 22).

A política pública de qualificaçãoprofissional, assentando-se em umnovo ambiente político-institucional,através, fundamentalmente, do PNQ,sofre uma reorientação envolvendouma multiplicidade de dimensões: po-lítica, conceitual, institucional, peda-gógica, ética e operacional (MTE/SPPE/DEQ, 2003).

Em primeiro lugar, a qualificaçãoprofissional é afirmada na perspectivado direito social. Devendo, nesses ter-mos, ser objeto de uma política nacio-nalmente articulada, controlada soci-almente, sustentada publicamente eorientada para o desenvolvimento sus-tentável, para a inclusão social e paraa consolidação da cidadania.

Sob tal perspectiva, mais do queuma ação formativa de conteúdo téc-nico, visando tão somente uma inclu-são produtiva, a qualificação deve ori-entar-se para a busca de uma inclusãocidadã. Trata-se, portanto, de uma qua-lificação social e profissional. Conse-qüentemente, requer, como pressupos-to, o reconhecimento da qualificaçãoem um sentido mais amplo, como prá-ticas e significados socialmente cons-truídos, seja no âmbito das relaçõesprivadas (estabelecidas no processo detrabalho), seja no âmbito dos proces-sos públicos (de construção de políti-cas públicas). Destaca-se, com isso, aimportância estratégica da adoção deum sistema democrático de relações detrabalho, de modo a se ter, na qualifi-cação, elemento de conflitos social-mente dados, um objeto de negocia-ção social.

Enquanto política pública, a quali-ficação deve ser um fator integrante eintegrador do Sistema Público de Em-prego, Trabalho e Renda, e deve estar

plenamente articulada às Políticas Pú-blicas de Educação e de Desenvolvi-mento. Na condição de política públi-ca de emprego, trabalho e renda,requer o fortalecimento do CODEFATe das Comissões Estaduais e Munici-pais de Emprego/Trabalho, como con-dição de uma participação e controlesociais efetivos.

Na condição de política públicaque envolve uma dimensão educativa,exige todo um investimento na quali-dade pedagógica dos programas ofe-recidos no conjunto da rede. Requer,ainda, todo o rigor no uso e gestão dosrecursos públicos e a implantação deum sistema, nacionalmente, articula-do de planejamento, monitoramento eavaliação.

O PNQ começou a ser implemen-tado no segundo semestre de 2003,através dos Planos Territoriais de Qua-lificação (PLANTEQs) e dos ProjetosEspeciais de Qualificação (PROESQs).Entretanto, do caráter das novas orien-tações da política de qualificação so-cial e profissional e do contexto aoqual se reporta, é possível depreender-se alguns dos mais importantes desafi-os que encerram:

a) consolidar-se como uma políticaque, indo além do PNQ, articule açõesnão só de caráter formativo, mas en-volva a Certificação e a OrientaçãoProfissionais (que se encontram em umestágio inicial de formulação) e incor-pore a qualificação como objeto deconcertação social (o que dependerá,entre outros aspectos, da consolidaçãodo Fórum Nacional do Trabalho e dainstituição do Contrato Coletivo deTrabalho);

b) no que se refere às ações de qua-lificação, ser capaz de articular, em umcomplexo nacionalmente orientado, asdiversas iniciativas que não estão com-preendidas no PNQ. Destacam-se osprogramas formativos do Sistema “S”não financiados pelo FAT, das empre-sas, das escolas da rede pública, deentidades da sociedade civil, das es-colas e instituições privadas etc.

c) ser capaz, no que lhe compete,de articular-se, consistentemente, tan-to com a política pública de Educação(o que requer um esforço institucional,envolvendo uma agenda interministe-rial, mas também político, de modo aretomar o debate público sobre a LDBe os termos da Reforma do Ensino Téc-nico), quanto com a política públicade Desenvolvimento (o que dependeem grande medida dos rumos da polí-tica econômica, particularmente, noque se refere à sua capacidade de pro-mover a retomada do crescimento efazê-lo em bases sustentáveis e distri-butivas). Em ambos os casos, nos di-versos âmbitos territoriais (nacional,regional, estadual e local);

d) ser capaz, no que lhe compete,de favorecer a consolidação do Siste-ma Público de Trabalho, Emprego eRenda (o que depende, em um primei-ro momento, de uma articulação maisefetiva dos programas financiados comrecursos do FAT que, por sua vez, es-tão distribuídos nas áreas da qualifica-ção profissional, intermediação demão-de-obra, crédito popular e segurodesemprego);

e) garantir participação e controlesocial efetivos na formulação e imple-mentação das ações de qualificação(fundamentalmente com a consolida-ção e o empoderamento das ComissõesEstaduais e Municipais de Emprego/Trabalho e do CODEFAT). Equacionarmais adequadamente as formas de par-ticipação no controle social (orienta-ção, proposição, deliberação, fiscali-zação) e a parceria na execução dasações;

f) garantir o acesso universal aosprogramas de qualificação, sem perdera ênfase nos públicos prioritários (as-sim definidos, fundamentalmente, peladificuldade de acesso a outras oportu-nidades de qualificação e requalifica-ção profissionais);

e) ser capaz de envolver, ampla-mente, os diversos atores atuantes naconstrução e implementação das açõesde qualificação nos seus diversos âm-

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bitos territoriais, em um diálogo fecun-do a partir das diretrizes já formuladas(com destaque para os membros dascomissões de emprego/trabalho, osgestores dos Planteqs e dos Proesqs eos educadores). Isso, de modo a garan-tir os objetivos estratégicos indicadose a qualidade pedagógica das ações.

Como se vê, são desafios de grandeporte. Apenas em parte seu enfrenta-mento adequado depende tão somentedas opções assumidas no âmbito dagestão da política pública de qualifica-ção. Em grande medida, dependerá dodesempenho do governo como umtodo, assim como do modo como a so-ciedade civil responderá a tais opções.

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro/ julho de 2007

Mapeamento dos pontos polêmicosda reforma sindicalResumo:

O presente artigo pretende mapear os principais pontos polêmicos em discussãona reforma sindical, segundo a perspectiva dos atores sociais. É um texto-roteiropara compreender o que está em jogo no debate sobre a reformulação do sistemade relações de trabalho brasileiro, destacando-se os aspectos em disputa na rela-ção entre capital e trabalho.Palavras-chave: Sindicalismo, Sistema de Relações de Trabalho, Reforma Sindical.

Abstract:This paper intends to map the most polemical issues in the discussion of the tradeunion reform, from a point of view of social actors. It’s a guideline to the unders-tanding of what is in the table in relation with the Brazilian labour relations sys-tem, with a special emphasis in the labour/capital relation.Key-words: Trade Unionism, Labour Relations System, Trade Union Reform

José Dari KreinPesquisador do CESIT e Professor do Instituto deEconomia da UNICAMP-SP. Agradeço os comen-tários e as importantes contribuições de Magda Bi-avaschi, Mariana Mei, Anselmo Santos, Cássio Cal-vete, Denis Maracci Gimenez. Ana Magni e Amil-ton Amoretto. O presente texto foi debatido noâmbito do projeto de pesquisa Cesit/Sebrae.

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1. Introdução

O presente texto tem o propósito dediscutir os principais pontos polêmicosda reforma sindical, apesar de o Fó-rum Nacional do Trabalho (FNT) terproduzido um conjunto de consensossobre o tema. A questão central, quepermeia o debate, tanto na academiacomo na sociedade, trata do caráter dasmudanças no modelo de sistema derelações de trabalho a ser adotado nopaís.

O FNT, depois de um ano e meiode discussões e negociações entre re-presentantes de empregadores, de tra-balhadores e do governo, apresentou,à Casa Civil da Presidência de Repú-blica, uma versão de reforma sindical,encaminhada ao Congresso Nacionalno início do ano legislativo de 2005.O debate sobre a reforma trabalhista –conjunto da legislação que regula arelação de emprego entre trabalhadore empregador – está no começo de seuprocesso de constituição, não apresen-tando, por enquanto, conclusões sig-nificativas.

Por um lado, as entidades patronaisnão apresentam grande entusiasmo nareforma sindical e buscam abrir espa-ço para uma mudança na categoria dasnormas, possibilitando, via negociaçãocoletiva, que as medidas em vigor, se-jam ajustadas à realidade regional, se-torial, e/ou até, por empresa. Por ou-tro lado, a maioria das entidades detrabalhadores representadas no FNTconcorda com a valorização da nego-ciação coletiva, mas não admite flexi-bilização dos direitos escritos no arca-bouço legal, considerando-os como opatamar básico que garante um míni-

mo de civilidade ao mercado de tra-balho brasileiro. Esta é uma questãoque, muitas vezes, não aparece de for-ma explícita, mas está presente no cen-tro das divergências. Ela aparece emdiversos aspectos do debate da refor-ma, tais como na discussão sobre aadoção do princípio da norma maisfavorável e do papel e da abrangênciada negociação coletiva. Além dessaquestão, também serão discutidos, nopresente texto, os seguintes aspectos:1) a prevalência da norma mais favo-rável; 2) a organização sindical, comdestaque para a representação dos tra-balhadores no local de trabalho e onúmero de dirigentes sindicais comestabilidade; 3) o sistema de negocia-ção coletiva, tanto em relação ao con-teúdo (ultratividade) como aos níveisde negociação; 4) a forma de soluçãodos conflitos coletivos, evidenciado adiscussão sobre o direito de greve e asubstituição processual. O objetivo dopresente texto não é sintetizar a refor-ma, mas indicar quais são as princi-pais questões, em disputa no tema, quedevem nortear os debates na sua tra-mitação no Congresso Nacional.

A reforma sindical altera o chama-do direito coletivo. O conjunto da pro-posta está expressa em um (Parecer deEmenda Constitucional) PEC, que al-tera os artigos 8º, 11º, 37º e 114º daConstituição Federal, e num antepro-jeto de lei contendo: o sistema de or-ganização sindical; o sistema de finan-ciamento das entidades classistas; opapel e funcionamento do ConselhoNacional de Relações de Trabalho; osistema de negociação coletiva; as for-mas de solução dos conflitos; o direitode greve; e a substituição processual.

O debate é bastante complexo, apre-sentando inúmeras nuances.

Neste trabalho, serão privilegiadosos pontos polêmicos que deverão apa-recer no debate nacional durante a tra-mitação da reforma sindical, privilegi-ando os aspectos destacados pelosparticipantes do FNT.

2. Dos princípios do anteproje-to: o princípio da norma maisfavorável (disposições prelimi-nares)

A principal controvérsia, quanto aosprincípios que informam a reforma,está na inclusão ou não do princípioda norma mais favorável1. Tal polêmi-ca insere-se na questão de fundo queperpassa o debate brasileiro: a adoçãodo princípio da prevalência do nego-ciado sobre legislado. Princípio esseque estava expresso em um projeto leique propunha a inclusão de um pará-grafo no artigo 618 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho (CLT), e que fa-vorecia a possibilidade de transformarnormas de ordem pública em normasdispositivas em nível coletivo. Esse pro-jeto chegou a ser aprovado na Câmarados Deputados em 2001, mas, depois,foi retirado da pauta do Senado Fede-ral em 2003, por iniciativa do executi-vo, já que o tema estaria em discus-são/negociação no FNT.

No Fórum, os atores sociais não fir-maram uma posição explícita sobreessa controvérsia, indicando, generica-mente, que integram o sistema sindi-cal, os princípios da Organização In-ternacional do Trabalho (OIT), e dodireito do trabalho2. Deixando, portan-

1 O Direito do Trabalho é informado por princípios próprios. Um deles, o da aplicação da norma mais benéfica ou mais favorável ao trabalhador.À luz desse princípio, havendo mais de uma regra dispondo distintamente sobre um mesmo fato (por exemplo, um artigo de lei, a cláusula de umaconvenção coletiva ou de um contrato individual de trabalho), incidirá aquela que mais benefícios trouxer ao trabalhador. É que, no Direito doTrabalho, cujo princípio fundamental é o da proteção, o qual tem como expressão, dentre outros, o da norma mais favorável, não vigora oprincípio da hierarquia formal das fontes, mas o da hierarquia dinâmica destas. É, nesse sentido, que, havendo uma pluralidade de regras vigentesaplicáveis a uma mesma situação jurídica, aplicar-se-á sempre aquela regra que for mais benéfica ao trabalhador, mesmo que de uma hierarquiainferior em relação às demais.

2 O princípio básico que informa o Direito do Trabalho é o da proteção. Dentre os quais, entre outros, são expressão o da norma mais benéfica eo da autonomia das vontades coletivas. Quanto a este último, há controvérsias de seu limite tanto na doutrina como na jurisprudência. Boa partedos doutrinadores entende que o princípio da autonomia das vontades coletivas deve ser compreendido à luz do princípio da proteção e, nesse

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to, para interpretação de cada ator so-cial, o significado de inúmeros consen-sos incluídos na proposta de reformasindical.

Nesse sentido, a questão reapareceem alguns aspectos do anteprojeto delei, especialmente, na discussão sobrea inclusão e o sentido do princípio daaplicação da norma mais favorável,que suscita grande polêmica, pois si-naliza a lógica do sistema de relaçõesde trabalho a ser adotado no Brasil.Esse princípio não estava explícito nosconsensos sistematizados do Fórum3.Mas, depois, foi incluído em uma ver-são preliminar de um anteprojeto delei, como reação às críticas de algunssegmentos de que a lógica do textoapresentado poderia abrir espaço parauma flexibilização dos direitos traba-lhistas. As entidades empresariais nãoconcordaram com sua inclusão, geran-do um impasse que, até o presentemomento, não está totalmente resolvi-do, abrindo espaço para duas interpre-tações. Por um lado, há uma correntecom a interpretação de que na propostade reforma, há aspectos que fecham aporta para a flexibilização, ao assegu-rar na PEC (art. 114) que serão “res-peitadas as disposições mínimas legaisde proteção ao trabalho, bem como asconvencionadas anteriormente”, e aoinscrever no sistema sindical, os prin-cípios do direito do trabalho. Por ou-tro lado, há os defensores da tese deque a não explicitação do princípio danorma mais favorável pode abrir ca-minho para flexibilizar as relações detrabalho. Na visão do governo, essetema será objeto de discussão na re-forma trabalhista e não na sindical.

Na lógica do presente texto é fun-damental destacar a grande polêmicaque está no centro do debate, no Bra-sil, desde 1994: reafirmação de um sis-tema de regulação pública do traba-lho ou avanço rumo à flexibilizaçãodas relações de trabalho. De formamais explicita, este é o mesmo debatesobre a prevalência do negociado so-bre o legislado, o qual define uma hie-rarquia de regras, sendo privilegiadaaquela acordada entre as partes emdetrimento à legislação vigente. Flexi-bilidade, nesse debate, é compreendi-da como a possibilidade de alterar/der-rogar direitos assegurados na legislaçãopor meio do acordo de vontades ex-presso na negociação coletiva. Em ou-tros termos, significa favorecer a pos-sibilidade, via negociação coletiva, deas partes (representação de emprega-dores e de trabalhadores) estabelece-rem regras inferiores ou conflitantescom as estipuladas pela legislação, nosaspectos previstos em lei.

Atualmente, o princípio que vige éo da “flexibilidade para cima”, isto é,as entidades de classe podem estabe-lecer normas, regras ou benefícios novácuo (lacuna) ou superiores a lei, seminfringir os patamares mínimos existen-tes. Os atores sociais têm liberdade deefetuar as negociações, desde que osdireitos assegurados não sejam infrin-gidos. Esses atores sociais, no entanto,têm percepções muito distintas sobreo sistema de regulação do trabalho ede proteção social que deve existir parao conjunto dos assalariados no país. Aseguir busca-se, de forma sintética,analisar essas correntes.

De um lado, a corrente que defen-

de uma normatização das relações detrabalho realizada, preferencialmente,pelas partes nelas envolvidas, respon-sabilizando a excessiva regulação le-gal pela alta informalidade e o eleva-do desemprego vigente no Brasil. É oprincípio da autonomia das vontadescoletivas, interpretado de forma abso-luta. Nessa visão, diante dos desafiosde uma economia aberta e exposta àconcorrência externa, a adoção denormas mais flexíveis pode ser benéfi-ca para o avanço da produtividade eda competitividade da empresa, já quea relação entre trabalhador e empre-gador deve ser marcada pela “parce-ria”. Os adeptos dessa compreensão,também advogam a necessidade dehaver regras compatíveis com a reali-dade das diferentes regiões, dos seto-res econômicos e por tamanho de em-presa. Portanto, a desregulamentaçãodas leis trabalhistas é considerada umainiciativa fundamental para as empre-sas obterem maior produtividade ecompetitividade, contribuindo, conse-qüentemente, na solução do problemado desemprego. Além disso, argumen-tam que o alto custo dos encargos so-ciais é apontado como um empecilhoà formalização, aspecto que será ob-jeto de discussão em outro texto espe-cífico. Com essa concepção, as prin-cipais entidades de representação dosempregadores, em diversas ocasiões ereiteradamente, têm manifestado a suapreferência pela reforma trabalhista edado menor importância para a refor-ma sindical. Na verdade, buscam-seformas de redução de custo por meiode uma flexibilização da legislação tra-balhista4.

sentido, a autonomia das vontades coletivas deve sempre introduzir uma flexibilização “para cima”, respeitando a normas mínimas de proteçãoem vigor. Outra parte, porém, prioriza as vontades coletivas quando manifestadas expressamente em textos normativos.

3 Relatório Final da Reforma Sindical, abril 2004.4 Segundo Dornelles, em um país de dimensão continental como o Brasil, com enormes disparidades regionais, que sedia grandes empresas e

milhares de micro-empresas, com setores extremamente avançados e outros extremamente atrasados, a evolução das relações trabalhistas jamaisconseguirá ser feita pelo legislado, mas, sim, pelo negociado, inicialmente, com maior tutela do Estado, que iria sendo reduzida na medida emque os próprios sindicatos sentissem a superioridade do sistema negociado sobre um sistema legislativo rígido. O objetivo geral da proposta éadequar as relações trabalhistas às condições de produção atuais e, com isso, facilitar as contratações e os registros – aumentando, assim, otrabalho formal. Por exemplo, a rigidez do registro obrigatório em carteira, em 48 horas, não facilita as contratações formais no meio rural – daí,a necessidade de aumentar-se esse prazo. Da mesma forma, pode facilitar a redução de custos e a conseqüente melhoria nas condições desobrevivência e desenvolvimento das empresas a possibilidade de estas desmembrarem as férias de seus empregados em três períodos de 10 dias

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A outra corrente, por outro lado,apresenta a convicção de que a pro-teção existente na legislação garanteum patamar básico de civilidade à re-lação de emprego, que já é conside-rada baixa. Abrir mão desse patamarsignifica precarizar ainda mais ummercado de trabalho que já apresen-ta grande flexibilidade, especialmen-te em relação aos aspectos centrais darelação de emprego, tais como nadefinição das funções, nas formas decontratação e despedida, na jornadae na remuneração do trabalho. Assim,em primeiro lugar, flexibilidade domercado de trabalho pode ser obser-vada pela alta rotatividade da mão-de-obra (acima dos 30% durante a déca-da de 905), mostrando que apesar damulta rescisória, há, diferentementeda maioria dos países desenvolvidos,facilidades para efetuar a despedidado trabalhador, já que o empregadortem a opção do rompimento do con-trato “sem justa causa”. Em segundolugar, a jornada de trabalho, com osexpedientes da hora extraordinária edo banco de horas também apresentagrande flexibilidade. Em terceiro lu-gar, a remuneração, nos últimos 25anos, tem variado conforme os cicloseconômicos (Baltar, 2003). Pois, porexemplo, os salários perderam poderde compra nos períodos de crise eco-nômica, após o Plano Real. Problemaque se intensifica depois do fim dapolítica salarial e da introdução da li-vre negociação dos salários (1995).Entre 1997 e 2003, os salários do se-tor privado apresentaram uma perdade 28,2% no seu poder de compra,

na região metropolitana de São Paulo(Seade/Dieese). A queda é mais acen-tuada nos anos em que o desempe-nho da economia é pior. Em 2003,segundo dados do Dieese, somente42% das negociações coletivas con-seguiram recompor o poder de com-pra vigente no ano anterior. A remu-neração do trabalho também estávinculada à liberdade das empresasem despedir, pois houve, especial-mente de 1999 em diante -dada agrande expressão do desemprego –,uma substituição dos trabalhadorescom melhor remuneração, por outros,com vencimentos mais baixos e commaior escolaridade. Portanto, nos as-pectos centrais da relação de empre-go, há grande flexibilidade, como osindicadores do mercado de trabalhoevidenciam.

Essa última corrente, ainda, contra-põe-se à tese da responsabilização darigidez da legislação com os seguintesargumentos: 1) a informalidade e hete-rogeneidade são problemas históricose estruturais do mercado de trabalho,que, nos momentos de crescimento eco-nômico, têm evidenciado um processode formalização e aumento do empre-go; 2) o nível de emprego é um proble-ma que advém da dinâmica econômi-ca e da forma como é repartido otrabalho útil na sociedade e não da le-gislação do trabalho. Além disso, asexperiências internacionais de flexibi-lização do mercado de trabalho, comoa Organização para Cooperação e De-senvolvimento Econômico (OCDE) re-conhece, não trouxeram os resultadosesperados, especialmente na criação de

postos de trabalho6. Portanto, o proble-ma não está no sistema de proteçãoexistente e, sim, na dinâmica da eco-nomia e na opção política quanto aotipo de sociedade (inclusão social) quecada nação pretende construir.

A importância da inclusão da ob-servância da norma mais benéfica partedo pressuposto de que a relação entrecapital e trabalho é marcada pela assi-metria de poder no mercado de traba-lho, garantindo-se, portanto, uma pro-teção ao elo mais frágil da relação e,assim, buscando-se uma igualdadesubstantiva, tendo como objetivo equi-parar partes desiguais7. A partir dessalógica, a não garantia legal do princí-pio da norma mais favorável pode abrircaminho para flexibilizar “para baixo”as relações de trabalho.

A questão da flexibilização é umademanda geral de diversos segmentosde empregadores com a finalidade dereduzir custos e de adquirir maior li-berdade para poder determinar as con-dições de uso e de remuneração do tra-balho. Há, inclusive, no caso italiano,a demanda de extensão para o conjun-to das empresas, independentementedo seu tamanho, de uma condiçãomais favorável de despedir, que hojeé prevista, somente, às empresas commenos de 15 empregados. As empre-sas com até 15 empregados não preci-sam justificar a demissão, algo similarao que existe no Brasil, como despe-dida sem justa causa.

Portanto, a discussão da inclusão, ounão, do princípio da norma mais favo-rável está inserida no debate mais geralda reforma e do tipo de sistema de re-

(e não apenas um de 30), ou de pagarem o 13.° salário em algumas parcelas, ou ainda de propiciarem a participação dos empregados nos lucros,por meio de periodicidade mais curta – até mensal. (http://www.academus.pro.br/site/p_detalhe_ assunto.asp?codigo=13).

5 Caged/MTE.6 Cf. CESIT (2004a e 2004b).7 É que o Direito do Trabalho nasce da compreensão de uma profunda desigualdade entre empregado e empregador, tendo a norma de proteção o

sentido de minimizar essa assimetria, e como afirma Calvo (2005: 07), “dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais edesigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades. A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdadeeconômica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos),clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propici-adas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substan-cialmente iguais. A aparente quebra do princípio da isonomia, dentro e fora do processo, obedece exatamente ao princípio da igualdade real eproporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, justamente para que, supridas as diferenças, atinja-se a igualdade substancial”.

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lações de trabalho que se pretende cons-truir no Brasil8. Em outros termos, nãoé algo específico para as MPE.

3. O sistema de representaçãosindical

As mudanças no sistema de organi-zação sindical serão significativas,combinando elementos de liberdadesindical com critérios de representati-vidade bastante objetivos previstos emlei. Além disso, as centrais sindicais eas confederações empresariais terãomaior centralidade na nova estruturade representação de interesses. Osprincipais pontos polêmicos que deve-rão nortear os debates no CongressoNacional no tema da representaçãosindical são: a) o fim do princípio daunicidade versus pluralidade sindical;b) o papel atribuído às centrais sindi-cais e às confederações patronais; c) aorganização dos trabalhadores no lo-cal de trabalho; d) o fim das contribui-ções compulsórias; e) o número de di-rigentes sindicais com estabilidade; f)o papel do Ministério do Trabalho nonovo desenho, especialmente nos con-flitos de representação.

Em síntese e de forma simplificada,no debate nacional há três posições emrelação ao redesenho da organizaçãosindical: 1) os que defendem a manu-tenção do atual sistema confederativo,com o principio da unicidade sindicale as contribuições compulsórias, masque reconhecem um papel sindical àsCentrais existentes no país; 2) os quelutam pela liberdade e autonomia sin-dical plena, baseada nas convenções daOrganização Internacional do trabalho(OIT); e 3) o sistema gestado no FNT,que, ao mesmo tempo, introduz ele-mentos de liberdade sindical e preser-va o direito “adquirido” das atuais enti-dades de classe, desde que preencham

alguns critérios de representatividade.Cada uma das três posições acima

apresenta variações, que não serãoaprofundadas no presente texto, poisserá privilegiada a discussão em tornoda proposta construída no Fórum.

3.1. A representação dos trabalha-dores no local de trabalho

O atual sistema de relações de tra-balho prevê duas formas de represen-tação dos trabalhadores no interior dasempresas: 1) a Comissão Interna dePrevenção de Acidentes (CIPA), com-posta de forma paritária, sendo que osrepresentantes dos trabalhadores sãoeleitos e os da empresa são indicadospor ela; e 2) o representante sindical,nas empresas com mais de 200 empre-gados – preceito constitucional quenão tem regulamentação em lei ordi-nária e, portanto, de difícil efetivida-de. Além disso, há a previsão legal, deforma facultativa, da constituição decomissões de negociação de PLR (Par-ticipação nos Lucros e Resultados) ede conciliação de conflitos, desde queacordado entre as partes. Com exce-ção das CIPAs, que não têm uma fun-ção de representação de interesses, osdemais institutos são pouco expressi-vos na realidade nacional. Segundopesquisa sindical (IBGE, 2002), a re-presentação mais comum é a do dele-gado sindical, existente, em pratica-mente, metade das entidades sindicaisbrasileiras, que tem característicasmuito distintas em cada categoria.

A organização sindical nos locaisde trabalho é uma experiência bastan-te comum nos países avançados, onde,inclusive, é objeto de extensa regula-mentação legal. Por exemplo, no cam-po do trabalho, uma das principais re-gulamentações construídas no âmbitoda União Européia é a previsão legaldo direito de os trabalhadores pode-rem organizar Comitês de Empresas

nas companhias instaladas em mais deum país do bloco. Inclusive, nestemomento histórico de tentativa de re-visão da regulamentação do trabalhoconstruída ao longo da história do sé-culo XX, o direito de organização dostrabalhadores no local de trabalho nãoestá no centro do debate, nem sofren-do contestação dos governos e/ou en-tidades de classe. Em outros termos,nem os críticos da excessiva rigidez daregulação do trabalho têm privilegia-do a contestação da experiência deorganização dos trabalhadores no lo-cal de trabalho.

No caso brasileiro, há, especialmen-te, por parte das entidades de repre-sentação patronal, uma grande resis-tência a qualquer garantia legal dodireito de representação dos trabalha-dores no local de trabalho. Assim, noFNT, o tema foi um dos mais contro-vertidos, não havendo, apesar das inú-meras discussões, possibilidade deacordo entre as bancadas. As entida-des patronais sugeriram remeter essaquestão para a negociação coletiva, oque não foi aceito pela bancada dostrabalhadores.

Como não houve consenso, o go-verno está apresentando uma propos-ta que institui legalmente a represen-tação dos empregados nos locais detrabalho para as empresas com maisde 30 empregados – a ser implantadoprogressivamente em 6 anos –, confe-rindo-lhe poder de negociação e desolução dos conflitos, e garantindo aestabilidade de dirigentes proporcionalao tamanho da empresa. A propostarecebeu apoio das entidades de traba-lhadores com algumas ressalvas, espe-cialmente em relação à não garantiade representação dos trabalhadores emempresas com menos de 30 emprega-dos e às brechas abertas para, na prá-tica, a representação assumir funçõesdo sindicato.

8 Ao dispor que o contratado coletivamente se sobrepõe ao legislado, a proposta impõe interesses privados localizados sobre interesses públicos.Isto porque ao regrar um contrato com direitos reduzidos, não só a remuneração será menor, como também as contribuições legais o serão. Daí,recursos deixam de ser recolhidos aos cofres públicos.

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A principal objeção das entidadespatronais à representação dos trabalha-dores no local de trabalho está relaci-onada com o objetivo de preservaruma maior autonomia na determina-ção das condições de contratação, deuso e de remuneração do trabalho.Segundo o presidente da ConfederaçãoNacional da Industria (CNI), os empre-gadores não aceitam introduzir um fa-tor de conflito no interior da empresa,por isso rejeitam a proposta. Além dis-so, questionam a possível estabilidadede ‘empregados-dirigentes’ no local detrabalho. Na verdade, dada a tradiçãoda relação de emprego existente noBrasil, grande parte dos empregadoresbrasileiros tem dificuldade de adotaruma postura de maior negociação nointerior do local de trabalho, tanto as-sim que as experiências mais bem su-cedidas estão localizadas nas filiais deempresas estrangeiras.

Para as entidades trabalhistas, a re-presentação no local de trabalho, alémde favorecer a possibilidade de esta-belecer regras e benefícios específicosno âmbito da empresa, tem grandeimportância em dar legitimidade à es-trutura sindical, pois, na avaliação cor-rente, o sindicalismo, sem Organiza-ção sindical no Local de Trabalho(OLT), fica pendurado na brocha. Naopinião de muitos dirigentes sindicais,não haverá democratização nas rela-ções de trabalho no Brasil sem a ga-rantia do direito à organização dos tra-balhadores no local de trabalho.Portanto, é considerada como um dospontos prioritários da reforma sindical.E, ainda segundo alguns dirigentes, arepresentação poderá ser uma formade resolver os conflitos da relação deemprego no próprio local de trabalho.

A garantia legal da representaçãodos trabalhadores no local de trabalho,como afirmado acima, não está sendoadmitida pela bancada patronal, ape-sar do anteprojeto de lei explicitar queo seu objetivo é promover o entendi-mento com o empregador, enfatizan-do a integração e o diálogo, e dando

poderes não só para mediar dissídiosindividuais, como para conduzir a ne-gociação coletiva, caso o sindicato seomita. Assim, abre espaço para, de umlado, legitimar a experiência das co-missões de conciliação prévia e, deoutro, criar quase um sindicato deempresa. Alguns destes aspectos sãoquestionados por setores da bancadados trabalhadores.

Por último, é importante realçar queo anteprojeto faz uma diferenciaçãoexplícita por tamanho de empresa, ex-cluindo da norma legal aquelas commenos de 30 empregados, e estabele-cendo uma limitação no número de di-rigentes proporcional à quantidade detrabalhadores no local de trabalho. Por-tanto, esse é um dos poucos aspectosna reforma sindical em que há uma di-ferenciação explícita de regras por ta-manho de empresa, com a exclusão darepresentação dos trabalhadores naque-las com menos de 30 empregados.

3.2. O número de dirigentes sindi-cais com estabilidade

Na mesma perspectiva da polêmi-ca anterior, há uma controvérsia emrelação ao número de dirigentes sindi-cais com estabilidade. Enquanto asentidades de empregadores demandama explicitação de um limite, as dos tra-balhadores concordam com a limita-ção, desde que haja o direito de orga-nização sindical no local de trabalho(OLT). Na visão da bancada dos traba-lhadores, a lógica é quanto mais diri-gentes com estabilidade na base (nolocal de trabalho), menor a necessida-de de lideranças no sindicato. Preva-leceu a limitação de até 81 dirigentescom estabilidade, admitindo-se a pos-sibilidade de ampliação desse númeromediante contrato coletivo de trabalho.As entidades de trabalhadores, especi-almente as grandes, são mais contun-dentes em não aceitar tal limitação,especialmente, com o não consensosobre o direito de OLT, dado o tama-nho de sua base de representação e aperspectiva de unificação dos atuais

sindicatos para a criação de grandesentidades.

Por outro lado, segundo previsão doanteprojeto, o pagamento do salário deeventuais dirigentes liberados para oexercício da atividade sindical é deresponsabilidade da entidade sindical,salvo acordo coletivo em sentido con-trário.

3.3. O princípio da unicidade xliberdade sindical

Em geral, as entidades oficiais, es-pecialmente as federações e confede-rações, tanto de empregadores comode trabalhadores, são defensoras damanutenção do princípio da unicida-de, isto é, a regulamentação em lei dapossibilidade de existência de umaúnica entidade sindical no âmbito decada categoria econômica ou profissi-onal. Os dois principais argumentos nasua defesa são: 1) o fim da unicidadepode significar uma grande pulveriza-ção das entidades sindicais, o que en-fraqueceria a representação de interes-ses existentes; e 2) a mudança, no atualcontexto, pode significar a desarticu-lação do atual sistema sindical, que,bem ou mal, tem defendido os interes-ses dos seus representados. Muitas dasatuais entidades poderiam desaparecerou seriam fracionadas, o que as invia-bilizaria; assim como abrir-se-ia espa-ço para as empresas criarem e fortale-cerem entidades sindicais que lhessejam dóceis. Advogam ainda que nãohá contradição entre unicidade e liber-dade e autonomia sindical. As entida-des patronais também mostram receiode aprovar o fim da unicidade, poistemem ocorrer um processo de pulve-rização da sua representação por meioda concorrência com outras entidades.Também argumentam que poderia ha-ver dificuldade de interlocução com asorganizações dos trabalhadores já queseria difícil identificar a real represen-tação de cada entidade.

Aqueles contrários à manutenção doprincipio da unicidade defendem a ado-ção do princípio da liberdade e auto-

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nomia sindical, baseados nas conven-ções da OIT, em que os trabalhadoressejam sujeitos de sua própria estruturade organização. Os argumentos utiliza-dos são os seguintes: 1) o atual sistemade unicidade já proporcionou uma gran-de pulverização de entidades sindicaisno Brasil (existem mais de 16 mil sindi-catos, segundo Pesquisa Sindical, IBGE,2002), viabilizando-se inúmeros sindi-catos puramente cartoriais, que sobre-vivem, não pela representatividade dadapela sua base, mas através de artifícioslegais; 2) os trabalhadores, baseados nasconvenções internacionais da OIT, de-vem ter absoluta liberdade e autonomiana definição do tipo, da abrangência eda função de sua entidade de represen-tação. Assim, haveria um processo deconstrução de entidades representativas,preocupadas com a legitimidade juntoà sua base (trabalhadores e empregado-res) e não por meio de medida legal.Não significa que defendem um Estadoausente na relação de trabalhos, mas deter uma função de garantir as condiçõespara que diminua a assimetria entrecapital e trabalho, através de uma le-gislação de sustento.

A reforma sindical está indicandouma saída híbrida, introduzindo a pos-sibilidade da concorrência entre enti-dades sindicais, mas preservando odireito adquirido das atuais, que po-dem, desde que tenham representati-vidade e adotem mecanismos estatu-tários democráticos – inclusive, naeleição sindical –, continuar manten-do a base de representação. Na avali-ação de parte significativa do movi-mento sindical de trabalhadores, areforma indica uma perspectiva deavanço rumo à liberdade e autonomiasindical.

3.4. Centralização de poder nascentrais sindicais e confederaçõesnacionais

A possibilidade de as centrais sin-dicais e confederações empresariaisexercerem prerrogativas sindicais, in-clusive, no campo da negociação co-

letiva e criarem, ou concederem, re-presentatividade derivada às organiza-ções sindicais de nível inferior traz, àtona, uma polêmica sobre o fortaleci-mento da chamada cúpula sindical emdetrimento dos sindicatos de base. Estaé uma crítica mais forte no interior domovimento sindical de trabalhadores.Atualmente, todo o poder está no sin-dicato de base, ficando as centrais so-mente com a função de articulaçãopolítica dos trabalhadores e de entida-des, sem exercer prerrogativas sindicaise nem estabelecer uma relação maisorgânica com as suas entidades filia-das.

Por um lado, os críticos da reformaapontam o risco de que um sistema sin-dical mais centralizado pode se tornarmais burocrático, inibindo a autono-mia e o dinamismo das entidades debase e de suas lutas. Inclusive, mani-festam um temor sobre o posiciona-mento das entidades nacionais nos te-mas em debate na sociedade brasileirae de sua relação com os governos deplantão. Nessa perspectiva, defendes-se uma maior autonomia às entidadesde base, especialmente, no campo danegociação coletiva. A crítica do for-talecimento da cúpula sindical temcomo alvo à tentativa de preservar aorientação política das tendências mi-noritárias por meio do controle da en-tidade que dirige. Há o receio de queas centrais possam enquadrar os sindi-catos filiados, tirando-lhes a autonomiapara definir as políticas que julgammais apropriadas e de acordo com oseu ideário ideológico e político.

Por outro lado, há os que indicamque o fortalecimento das centrais e dasconfederações daria a possibilidade decoesão, unidade e maior peso políticoao movimento sindical, algo que foifundamental no processo institucionaldo pós-guerra nos países avançados,quando se estabeleceu um sistema deproteção social do trabalho em gran-de parte dos países. Há, ainda, a argu-mentação sobre a importância de ascentrais adquirirem maior poder para

fazer frente ao movimento de centrali-zação e concentração de capital. Omaior poder às centrais e às confede-rações empresariais poderia significarum processo de contenção da extremapulverização do sindicalismo no Bra-sil, o que, teoricamente, proporciona-ria um maior poder de representaçãodos interesses das classes, pois a suaforça estaria na capacidade de agluti-nação da base.

Essa mesma corrente argumenta queo reconhecimento das centrais é umabandeira antiga do movimento dos tra-balhadores e relativiza a excessiva con-centração de poder. O poder das enti-dades nacionais (ou mais gerais) estádiretamente vinculado aos sindicatosde base, pois são estes que lhes pro-porcionam tanto os critérios para o seureconhecimento como as possibilida-des para expansão de sua organização.A força das entidades superiores depen-de do sindicato de base tanto para con-duzir negociações mais centralizadascomo para expandir a sua base de re-presentação por meio da criação deentidades em setores econômicos emque não têm presença. Portanto, o po-der da Central será proporcionado porseus sindicatos filiados, pois a filiaçãodos trabalhadores não será na instân-cia superior da estrutura sindical, masna base. Isto significa dizer que o po-der da chamada cúpula é limitado, poisele é proporcionado pelo sindicato debase. Além disso, o anteprojeto prevêque a decisão da negociação coletiva,em qualquer nível, é da assembléia debase, dos abrangidos pelo resultado doacordo coletivo.

Os defensores da proposta do Fó-rum também argumentam que as cen-trais e as confederações empresariais,por serem entidades nacionais, estãoem maior evidência, inclusive na mí-dia. As suas opções tendem a ser maisconhecidas e sujeitas a questionamen-tos públicos. Portanto, estão sujeitas aum debate público mais acirrado epolitizado, o que pode contribuir parauma maior transparência, já que as

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ações e opções de inúmeros sindica-tos não são do conhecimento públicoe nem dos seus representados.

O maior poder às centrais e confe-derações empresariais enfatiza a neces-sidade de estabelecer, talvez nos seuspróprios estatutos, a garantia do direi-to de expressão das forças minoritári-as (democracia interna) e a definiçãode critérios objetivos e transparentesde consulta às bases envolvidas nocaso de negociações gerais e da con-cessão da representatividade derivada9.Com exceção da negociação, que pre-vê a consulta às bases para assinaturade um contrato coletivo de trabalho,os outros aspectos não são regulamen-tados pela reforma sindical, dependen-do do estatuto de cada entidade.

3.5. Financiamento das entidadessindicais

As fontes de financiamento das en-tidades sindicais em vigor são as se-guintes: 1) a contribuição sindical obri-gatória, que corresponde a um dia deserviço dos trabalhadores ou um per-centual proporcional ao capital socialda empresa, que é distribuído da se-guinte maneira: 60% para o sindicatode base; 15% para a federação e 5%para confederação correspondente.Além disso, o 20% vai para o FAT, como objetivo de financiar o seguro desem-prego; 2) a contribuição assistencialtem a finalidade de proporcionar amanutenção dos serviços prestadospelo sindicato à categoria, cujo valoré definido durante o processo de ne-gociação da renovação do contratocoletivo de trabalho, em assembléia dosindicato de base. Na prática, ela seconstituiu a principal fonte de susten-tação das entidades sindicais de traba-lhadores e parte da de empregadores;3) a contribuição confederativa (artigo8º/CF/1988) tem seus valores fixados

em reunião de diretoria e referendadosem Assembléia da categoria e temcomo objetivo o custeio do sistemaconfederativo da representação sindi-cal respectiva, sendo independente dasoutras contribuições; 4) a mensalida-de associativa é cobrada dos filiados àentidade sindical. Em geral, as entida-des tendem a utilizar-se de três dasquatro fontes previstas, pois são exce-ção as que utilizam, ao mesmo tem-po, a contribuição assistencial e con-federativa.

A reforma sindical propõe a substi-tuição das três primeiras fontes de fi-nanciamento por uma contribuição denegociação coletiva, que será descon-tada de todos os abrangidos pela nego-ciação (empresas e trabalhadores), in-dependentemente do seu resultado. Ovalor será de, no máximo, 1% da rendalíquida do trabalhador e de até 0,8%do capital social da empresa no anoanterior. A grande novidade é que aprincipal fonte de financiamento estaráligada ao processo de negociação cole-tiva, abrindo dificuldade de sustentaçãopara as entidades cartoriais e sem re-presentatividade. A polêmica principalé a defesa, por uma série de entidadessindicais, das atuais formas de financi-amento. Mas, entre os participantes doFNT, o tema apresenta consenso. Tam-bém é importante frisar que a tendên-cia, com o limite estabelecido em lei, éinibir as cobranças abusivas que algu-mas entidades vêm praticado, especi-almente com a contribuição confede-rativa ou assistencial.

4 Negociação coletiva

A formulação acordada no FNT in-dica uma maior importância para anegociação coletiva na determinaçãodas normas e regras que regulam a re-

lação de emprego, já que ela poderáocorrer em todos os níveis, inclusive,no âmbito nacional. Também define arecusa da negociação como condutaanti-sindical. A obrigatoriedade da ne-gociação não significa, necessariamen-te, chegar a um acordo ou assinar umcontrato.

As principais divergências estão lo-calizadas nos seguintes aspectos: 1) arelação entre negociação e legislação,como já discutido no item 2 deste tex-to; 2) a previsão de que os instrumen-tos normativos de nível superior, quan-do existirem, “poderão indicar ascláusulas que não podem ser modifi-cadas em nível(eis) inferior(es), obser-vadas as peculiaridades de cada âmbi-to de representação e de empresas ouunidades produtivas”10; 3) a possibili-dade da substituição da entidade re-presentante de uma base por outra,quando esta recusar-se a negociar; epor fim, 4) a solução do impasse danegociação, no momento da renova-ção do contrato, destacando-se a ques-tão da ultratividade das cláusulas.

4.1. A relação entre os conteúdosda negociação quando existemcontratos em vários níveis

Segundo resolução do FNT, as ne-gociações mais gerais poderão indicarcláusulas que não serão alteradas emníveis inferiores, estabelecendo umcerto “enrijecimento” de algumas nor-mas gerais. Um enrijecimento tanto doponto de vista de não permitir o rebai-xamento do contrato mais geral como,também, de inviabilizar uma melhoranos conteúdos das negociações em ní-veis inferiores. Portanto, dificulta a efe-tivação do princípio da progressivida-de das normas, em que as instânciasnacionais estabelecem cláusulas maisgerais, que, de forma articulada, vãodesdobrando-se em outras no âmbito

9 As entidades de nível superior podem criar sindicatos em um determinado setor ou ramo de atividade, desde que estas excedam o seu próprioíndice de representatividade, ou seja, tenham “gordura” a perder. A forma de representatividade é a comprovada, em que a entidade sindicalprecisa englobar pelo menos 20% dos trabalhadores efetivos de sua base.

10 Relatório da Comissão de Sistematização do FNT, abril de 2004.

Mapeamento dos pontos polêmicos da reforma sindical

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regional ou local, considerando as es-pecificidades econômicas e a correla-ção de forças. No entanto, no artigoseguinte, o anteprojeto favorece a pos-sibilidade de o sindicato, vinculado aosetor abrangido pela negociação supe-rior, requerer a sua exclusão até omomento da celebração do contrato.

Nesse sentido, a divergência, espe-cialmente de parte do movimento sin-dical de trabalhadores, decorre do fatode não estar assegurado o princípio daprogressividade, trazendo o risco de selimitar a ampliação de direitos no ní-vel inferior da negociação, assim comoda imposição de regras inadequadaspara o conjunto do setor, sem, no en-tanto, valorizar as negociações coleti-vas. Há, por outro lado, segundo osdefensores da regra, a possibilidade dosindicato de base melhorar o contratomais geral, caso tenha força e mobili-zação, pois há a tendência dos contra-tos gerais estabelecerem regras míni-mas aplicáveis ao conjunto do setoreconômico.

4.2. Substituição de uma entidadeque se recusa a negociar

Como afirmado acima, a negocia-ção tornou-se obrigatória. A recusa ànegociação – não da proposta em lití-gio – por parte de uma entidade repre-sentativa pode significar a transferên-cia da titularidade para outra domesmo ramo ou setor econômico. Nes-ta hipótese, os “responsáveis diretos”estarão sujeitos a “multas e penas es-tabelecidas na lei”. Se a recusa for rei-terada, o sindicato pode perder suas“prerrogativas e atribuições” de perso-nalidade sindical.

Os riscos apontados pelos que di-vergem de tal artigo são dois. Em pri-meiro lugar, como definir a recusa de-liberada do exercício da negociaçãocoletiva? Por exemplo, estabelece-se apossibilidade de a empresa ou de umaentidade encaminhar, junto ao Conse-lho Nacional de Relações de trabalho(CNRT), um processo contra outra que,por princípio, não aceitou negociar

determinadas questões demandadas.Inclusive, pode-se utilizar como artifí-cio a concordância dos trabalhadoresna negociação, mas esta não avançadevido à postura do sindicato, que nãoaceita, por princípio, flexibilizar direi-tos existentes. Em outros termos, enti-dades que se contraponham a certasmedidas podem perder as prerrogati-vas sindicais e serem substituídas poroutras. Portanto, está estabelecida apossibilidade da concorrência entre asentidades sindicais, ficando o veredic-to, na lógica de funcionamento doCNRT, para o Ministério do Trabalho,que pode estar sujeito a pressões polí-ticas. Em segundo lugar, esta é umaquestão que só se aplica a entidadesde trabalhadores, pois é inimaginávelque outra empresa ou entidade patro-nal negocie em seu nome sem a suaautorização, pois jamais poderá assu-mir qualquer compromisso, especial-mente na questão financeira. Portan-to, essa é uma regra unilateral.

Os defensores da regra argumentamque sem a presente regra é difícil fa-zer com que a outra parte sente e via-bilize o processo de negociação cole-tiva. A inclusão da cláusula tem comoobjetivo fazer com que a outra parte,pelo menos, venha estabelecer algumanegociação, o que não ocorre, atual-mente, em muitas situações, pois asreivindicações encaminhadas, especi-almente pelas entidades de trabalha-dores às empresas, não são sequer,consideradas. Além disso, para asse-gurar a não caracterização da recusa,a entidade precisará formalizar todasas reuniões de negociações.

4.3. Conduta anti-sindicalA bancada dos empregadores que-

rem excluir os aspectos que regulam ascondutas anti-sindicais de sua parte,especialmente, os que garantem o exer-cício de greve; enquanto as entidadesde trabalhadores querem limitar e res-tringir os aspectos que os responsabili-zam por conduta anti-sindical, inclusi-ve, pelo estabelecimento de pesadas

multas. A instituição que julga a con-duta é a Justiça do Trabalho.

4.4. Solução do impasse da ne-gociação coletiva e ultratividadedas cláusulas

Na proposta acordada no FNT, háimportantes mudanças na forma comosão solucionados os conflitos coletivos,passando-se pelo incentivo à concilia-ção, mediação e arbitragem, sem a ga-rantia do princípio da ultratividade dascláusulas. Caso as partes não cheguema um acordo no término do contrato,que pode ser de três anos, haverá a suaprorrogação por 90 dias – período des-tinado às partes para completarem anegociação, viabilizando a assinaturade um novo contrato, que pode ter acolaboração de um conciliador ou me-diador ou, ainda, ser encaminhado parauma arbitragem pública ou privada,desde que essa iniciativa seja de comumacordo entre as partes. Nos consensossistematizados no FNT estava previsto,depois de percorrer, sem êxito, todasas fases anteriores, o encaminhamentodo dissídio para a Justiça do Trabalho,que atuaria como árbitro público. Mas,com a aprovação da Reforma do Judi-ciário (Emenda Constitucional 45), essapossibilidade foi inviabilizada, já que,na prática, foi abolido o instituto do Po-der Normativo, ficando a intervençãoda Justiça do Trabalho na dependênciado encontro das duas vontades: traba-lhadores e representação patronal. Por-tanto, caso não haja acordo para assi-natura de um novo contrato coletivo detrabalho, fica o impasse, pois a Justiçado Trabalho não tem o poder de nor-matizar compulsoriamente a relação deemprego e nem está garantido o princí-pio da ultratividade das cláusulas. Apro-vada a Reforma do Judiciário, a Justiçado Trabalho somente poderá intervir noconflito coletivo se provocada de co-mum acordo pelas partes e, ainda, nasgreves. Na reforma proposta apresenta-da pelo FNT, nas greves, não pode seposicionar sobre as reivindicações domovimento paredista.

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Em outros termos, a divergênciaentre os membros do FNT está locali-zada, principalmente, na adoção doprincípio da ultratividade. As divergên-cias em torno do tema são de duas or-dens: entre os atores sociais e entrediferentes correntes de pensamento nocampo do direito.

A bancada de empregadores alegaque a ultratividade desestimula a nego-ciação, pois haverá resistência em fa-zer qualquer concessão já que, dificil-mente, a cláusula poderá ser revogadaposteriormente. Em contraposição a talargumentação, advoga-se que o contra-to, em seu conjunto, sempre é fruto deuma negociação, em que cada parteavalia a pertinência das cláusulas acor-dadas, em cada momento. Portanto, arenegociação ou não está relacionadaa muitos fatores. Alega-se também quea vantagem da ultratividade é garantirque a negociação possa ocorrer de for-ma mais serena, sem ficar pressionadapelo vencimento do contrato, pois asregras só poderão ser alteradas depoisde uma nova negociação ter sido con-cluída. Trata-se de um mecanismo quepossibilita a equivalência mais efetivaentre as partes e proporciona certa se-gurança para que cada negociação co-letiva não recomece do zero.

Além disso, apesar de não ser umaposição hegemônica da jurisprudência,há juristas, como Délio Maranhão ePinho Pedreira, que entendem os be-nefícios incluídos no contrato coleti-vo como automaticamente incorpora-dos nos contratos individuais. “Todonovo direito, não importa a sua origem,incorpora-se aos contratos individuais.Torna-se cláusula. Contratualiza-se.Não se sujeita, portanto, a limites tem-porais. Além disso, mesmo um novocontrato coletivo não poderia “dimi-nuir” o anterior. Trata-se de direitoadquirido” (Viana, 2004).

Enfim, a ultratividade do instrumen-to normativo até que outro o revogueé uma questão que também suscitou

grandes polêmicas no FNT, especial-mente pela oposição da bancada pa-tronal que não admitiu a sua inclusãonos resultados dos trabalhos a seremenviados ao Congresso Nacional. Nes-sa condição, por um lado, pode ser ummecanismo de forte pressão sobre asentidades trabalhistas para efetuaremacordos rebaixados. Por outro, podesignificar a explicitação do conflitocom desdobramentos imprevisíveis.

O estabelecimento dessas regrasdependerá da força de cada entidadeno processo de negociação. Isto nãosignifica, necessariamente, que as re-gras serão maiores ou menores do queas atuais. Significa, simplesmente, queo resultado dependerá da negociaçãoem cada setor econômico. Em outrostermos, a negociação coletiva tende aadquirir maior importância na defini-ção das regras e normas que irão regu-lar a relação de emprego com a possi-bilidade de haver diferenciação porsetor econômico e região.

5. Mecanismo de solução dosconflitos

No tema das soluções de conflitos,a reforma indica aspectos contraditóri-os. Por um lado, legitima as experiên-cias extrajudiciais, tais como as Comis-sões de Conciliação Prévia, estimulandoformas de solução de conflitos a partirda dinâmica direta dos atores sociais.Por outro lado, amplia as possibilida-des de os sindicatos ajuizarem açõescoletivas, regulamentando o instituto dasubstituição processual para assegurar– aos sindicatos – legitimidade para, naJustiça do Trabalho, em nome dos tra-balhadores, ajuizarem reclamatórias de-fendendo os direitos destes, tanto cole-tivos como individuais (homogêneos oudifusos). Os pontos que apresentammaior controvérsia são: 1) a forma deregulamentação dos mecanismos extra-judiciais de solução dos conflitos; 2) a

regulamentação do direito de greve; e3) a abrangência da substituição pro-cessual.

5.1. Direito de greveO anteprojeto elaborado no âmbi-

to do FNT garante a greve como umdireito fundamental dos trabalhadores.Ao mesmo tempo, não prevê a legali-dade do lock out para os empregado-res. O anteprojeto repete, praticamen-te, a atual legislação de greve existenteno país, com pequenas novidades, quesão as seguintes:

a) a conceituação de greve am-pliou-se um pouco11, viabilizando agreve de terceirizados e de trabalha-dores não-empregados, tais como au-tônomos e estagiários. Estão ausentesas greves atípicas (operação padrão,tartaruga etc.);

b) a definição como prática anti-sindical da discriminação em razão doexercício do direito de greve, inclusi-ve, vedando a dispensa do trabalhador“durante a greve”, assim como a con-tratação “de mão de obra destinada àsubstituição de grevistas”;

c) a explicitação da garantia demanutenção de nível de atividade mí-nima em setores em que a paralisaçãopode causar danos irreparáveis, inclu-indo a possibilidade de contratação desubstitutos de grevistas, caso não hajaacerto entre as partes;

d) A Justiça do Trabalho, se acio-nada pelo Ministério Público, podejulgar a demanda que garanta os servi-ços mínimos nas atividades essenciaise a conduta anti-sindical praticada nagreve. Alem disso, tem previsto, tam-bém, uma possível aplicação de mul-ta a parte que praticar uma atitude anti-sindical ou desrespeitar a lei, mas nãoestá prevista se manifestar sobre a pau-ta de reivindicação.

Em síntese, dada a impossibilidadede consenso no Fórum, a opção foimanter a legislação atual com peque-nas modificações. Pois, por um lado,

11 Adotada como: “a suspensão coletiva e temporária, total ou parcial, da prestação de serviços”.

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os trabalhadores queriam o amplo di-reito de greve e continuam apresentan-do objeção sobre a forma de soluçãodo conflito da greve. Por outro lado, osempregadores insinuaram com a crimi-nalização de qualquer abordagem paraviabilização do exercício do direito degreve e continuam rejeitando a classifi-cação de atitudes anti-sindicais, espe-cialmente por ocasião da greve.

5.2. Os mecanismos extrajudiciaisde solução dos conflitos

Na experiência brasileira estão pre-vistas a Comissão de Conciliação Pré-via (CCP) e a Câmara de Arbitragemcomo alternativas extrajudiciais de so-lução dos conflitos individuais do tra-balho. O FNT legitima tais iniciativas,mas garante a necessidade do acom-panhamento por parte do sindicato, eassegura o princípio da não inibiçãodo acesso ao Judiciário. A Justiça doTrabalho, na visão do Fórum, continuasendo a última instância para resolveros litígios trabalhistas individuais. Nes-tes aspectos, não ocorreram grandesdivergências entre os atores sociais pre-sentes no FNT.

Na análise das experiências concre-tas, várias pesquisas12 indicam um des-virtuamento tanto das CCPs como dasCâmaras de Arbitragem, especialmen-te ao possibilitar a negociação de di-reitos líquidos e certos, ao dar quita-ção plena a contratos e ao restringir oacesso ao Judiciário trabalhista. Os ris-cos foram apontados por alguns estu-diosos que não foram abordados noanteprojeto de lei em discussão.

5.3. A substituição processualO instituto da substituição proces-

sual está previsto na Constituição Fe-deral de 1988 de forma ampla, a quallegitima os sindicatos, sem restrições,

à defesa dos direitos e interesses cole-tivos ou individuais da categoria, comoconsta do artigo 8º, III. O problema foia interpretação desse dispositivo e suadecorrente aplicação prática, circuns-tância que acabou por amesquinhar oinstituto que, de amplo, passou, na Jus-tiça do Trabalho (inclusive com Enun-ciado do TST, recentemente cancela-do), a ser objeto de muitas exigênciasque acabaram por limitar seu alcance.

No FNT, houve consenso no senti-do da importância da regulamentaçãodesse instituto para a Justiça do Traba-lho. Daí, a proposta legislativa de con-ferir, expressamente, na lei infraconsti-tucional, aos sindicatos a legitimidadedo ajuizamento da reclamatória, emnome próprio, defendendo direitos dosseus representados, os trabalhadores,quer sejam direitos coletivos da cate-goria, ou individuais, estes incluindo oshomogêneos e os difusos.

O último projeto de lei apresenta-do no seio do FNT, regulamentandopara a Justiça do Trabalho a previsãodo artigo 8º, III da Constituição Fede-ral, mantém a previsão de os sindica-tos, em nome de seus representados,fazerem uso de ações coletivas na Jus-tiça do Trabalho. Inspirando-se, con-tudo, nas disposições do Código deDefesa do Consumidor (CDC) em vi-gor, que prevê a utilização dos sindi-catos desse procedimento na defesados seguintes direitos: a) direitos difu-sos; b) direitos coletivos; c) direitosindividuais homogêneos; e. d) direitosindividuais puros, com afinidades porum ponto comum de fato ou de direi-to. Dessa forma, reduzem-se as recla-matórias, desafogam-se os Tribunais doTrabalho, agilizam-se os processos efortalecem-se as organizações sindi-cais. No entanto, apesar do consensoobtido no FNT quanto ao instituto, con-

forme consta da sistematização final,o anteprojeto apresenta alguns pontospolêmicos, com resistências tanto dealguns setores organizados dos traba-lhadores como dos empresários. Quan-to aos primeiros, pelo fato de conteralgumas regras que restringem a am-plitude do instituto tal como previstona Constituição Federal, como, porexemplo, o fato de limitar a ação dossindicatos à defesa apenas de seus as-sociados e, ainda, quanto a aspectosdirigidos à liquidação e à execução dassentenças. Aqui, há algumas regrasque, inspiradas no CDC, alteram subs-tancialmente a sistemática que vige noProcesso do Trabalho13, passando adisciplinar tanto a liquidação como aexecução da sentença como fases dis-tintas da fase de conhecimento e su-primindo o impulso processual de ofí-cio pelo juiz da causa, condicionandoeste à iniciativa da parte credora. As-sim, ainda que a previsão do institutoda substituição processual para a Jus-tiça do Trabalho conte com o apoioda representação dos trabalhadores,nos aspectos citados, há divergênciasque já têm sido formalizadas. Quantoà bancada dos empregadores, o pró-prio instituto é polêmico e sua adoçãoencontra resistências importantes soba justificativa de que ele pode alimen-tar uma “industria de reclamatórias tra-balhistas”. São, portanto, circunstânci-as que dificultam o êxito da iniciativa,tanto na gestação do consenso anteri-or ao encaminhamento à Câmaracomo nos debates e nas articulaçõesnesta.

6. Considerações finais

O presente texto para discussão ten-ta apontar os aspectos em que devem

12 Cf. Krein & Teixeira (2004).13 O processo do trabalho é unitário. No entanto, há três momentos num todo orgânico: a) a fase de conhecimento, em que o Judiciário soluciona

o litígio por meio de acordo homologado, ou pela sentença; b) a de liquidação da sentença, quando, não havendo mais recursos, a decisão vai ser“transformada em valores”, ou seja, serão quantificados os valores devidos ao credor; e, c) a execução da sentença, momento em que, iniciadopela citação para pagamento sob pena de penhora, é feito a entrega definitiva do quantum devido ao credor. No Processo do Trabalho cabe aojuiz da causa impulsionar de ofício, mediante despacho, tanto a liquidação como a execução.

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se concentrar as divergências no en-caminhamento da reforma sindical noCongresso nacional, por meio de umaPEC e, posteriormente, de um projeto-de-lei, prevendo a regulamentação dosistema de organização sindical, dasformas de financiamento das entidadesclassistas, do sistema de negociaçãocoletiva, das formas de solução dosconflitos e da estrutura e funcionamen-to do Conselho Nacional de Relaçõesde Trabalho. A reforma trabalhista,como afirmado na introdução, não seráencaminhada ao Congresso Nacionalnesse momento, pois tem uma dinâ-mica própria de discussão no FNT, que

Mapeamento dos pontos polêmicos da reforma sindical

se encontra em um estágio ainda em-brionário.

As divergências são muitas e profun-das, pois, como foi destacado no de-correr do texto, partem de concepçõesmuito distintas sobre o sistema de rela-ções de trabalho a ser implantado noBrasil. Apesar do grande esforço e dasconcessões feitas pelos diversos atoressociais para se chegar a um consensona proposta a ser encaminhada ao Con-gresso Nacional, inúmeras polêmicasainda permanecem e devem se mani-festar na fase de tramitação do ProjetoLei e da PEC, e deverão permear o de-bate na sociedade brasileira.

Bibliografia citada

CESIT (2004a). Regulação do Trabalho noBrasil e as MPE. Campinas. Relatório en-tregue ao SEBRAE, em maio de 2004;________. (2004b). O padrão de regulaçãono Brasil para as MPE: balanço do marcoleal vigente. Campinas. Texto entregue aoSEBRAE, em setembro de 2004.KREIN, Dari & TEIXEIRA, Marilane (2004).Análise da experiência cutista em relaçãoàs CCPs. In. Debates e Reflexões, nº 12.São Paulo: Escola Sindical São Paulo.VIANA, M. T. (2004). Reforma sindical:entre o bem e o mal – análise dos pontoscríticos do último anteprojeto. (mimeo).

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“Trabalho e Emprego: Temas Atuais”janeiro/julho de 2007

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Dinâmica econômica,trabalho e competitividadeResumo:

Há dois conjuntos distintos de razões determinantes do desemprego: a insufici-ência de demanda efetiva e o processo de transformação do trabalho e do capital.Nos países desenvolvidos, o problema é contornado pelo recurso ao aumentodas exportações, em sua capacidade de gerar postos de trabalho. Este trabalhotrata das transformações econômicas que vêm ocorrendo mundialmente, desta-cando, de um lado, as demissões em massa, a instabilidade no emprego e a ex-clusão da vida econômica de milhões de trabalhadores e, de outro, a facilidadecomo as informações põem, lado a lado, os pares fome-pobreza e abundância-desperdício.Palavras chave: Economia, trabalho, dinâmica dos agentes econômicos.

AbstractThere are two distinct sets of reasons determining the employment: insufficienteffective demand and the processes of work and capital changes. In developedcountries, the problem is faced thru the increasing exportation, what generatesnew work positions. This article discusses the economic changes which have beenoccurring around the world, pointing out , by one hand, the massive firing, theinstability in employment and the exclusion of million of workers from the eco-nomic life, and , by the other hand, the easy circulation of information, that hasput side by side, famine-poverty and abundance-wasting.Key Words: Economy, labor, dynamics of the economical agents.

Clodoaldo BortoluziProfessor Adjunto do Departamento de Economiae Finanças da UFCG.

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1. Introdução

A dinâmica econômica dos últimostrinta anos foi marcada por um vastoconjunto de mudanças, dentre essas,pode-se destacar: transformações dasmercadorias e bens consumidos, trans-formações nos processos produtivos etransformações na estrutura das tran-sações econômicas e, em especial, namoeda.

A contínua evolução dos produtose serviços produzidos não respondeapenas às necessidades dos consumi-dores, os quais têm convivido com cir-cunstâncias sucessivamente mutantes,mas, em especial, aos interesses dosconglomerados econômicos.

O processo evolutivo do trabalho eas transformações do capital têm,como conseqüências principais, a mar-ginalização econômica dos grupos epaíses que não acompanham o grupode ponta dessas transformações; a ele-vação da produtividade do trabalho eda produção decorrente do uso demáquinas e equipamentos que substi-tuem a força braçal humana e animal,num primeiro estágio, para em segui-da, substituir a própria agilidade e des-treza manual dos trabalhadores e, porfim, no estágio atual, substituir, atémesmo, a forma de raciocínio maiseficaz no processo produtivo que é aracionalização funcional. Essas trans-formações, quando não são geridas emseu desenvolvimento e controladas emsuas conseqüências, podem se tornargeradoras de desemprego e de instabi-lidade do trabalho, de desigualdadese de fermento da degradação social.

O desemprego é uma das maioresfontes das desigualdades e geração deconflitos. Os movimentos de desem-prego em massa conduzem uns à opu-lência e outros à exclusão. Esse é, emsíntese, a crise da sociedade de comu-nicação e o problema do presente tra-balho. Há, dois conjuntos distintos derazões determinantes do desemprego.Elas podem ser associadas à insufici-ência de demanda efetiva e ao proces-

so de transformação do trabalho e docapital. Dependendo das circunstânci-as da economia, o desemprego é de-terminado mais pela insuficiência dademanda efetiva ou pelas transforma-ções ocorridas nos produtos, na moe-da, no trabalho e no capital.

A crise decorre da insuficiência desoluções globais. As soluções empre-endidas são de ordem microeconômi-ca das empresas e, parcialmente dospaíses, faltando um esforço universal.

Nos países desenvolvidos é usadoo recurso das exportações que é a for-ma usual de reduzir a ociosidade e odesemprego, pois, na medida em quese eleva a tecnologia, o trabalho setorna mais criativo, conseqüentemen-te eleva-se a produtividade e os pro-dutos passam a ser mais competitivosno exterior. As mercadorias mudamqualitativamente. A economia dá umsalto não só quantitativo, mas tambémqualitativo, o que determina vantagenscompetitivas em relação ao exterior.Essa vantagem não ocorre nos paísesem desenvolvimento, pois as transfor-mações tecnológicas já ocorreram nospaíses desenvolvidos e, nesse caso, háapenas a vantagem pela mão-de-obrabarata que pode tornar os produtoscompetitivos, mas nesse caso, inexistemercado interno adequado para os pro-dutos de alta tecnologia.

A crise da era pós-moderna, da so-ciedade de informação tem seus fun-damentos no desemprego e nas desi-gualdades econômicas geradoras dasdesigualdades sociais. E o desajusteeconômico se fundamenta no excessode poder dos agentes microeconômi-cos em detrimento do poder global.Esse poder dos conglomerados decor-re da filosofia econômica que estabe-lece de forma sofismática o mercadocomo o condutor soberano da econo-mia, numa estrutura econômica extre-mamente desigual, na qual, nem delonge, predominam as condições deconcorrência.

A estrutura econômica mundial éineficiente e injusta. Ela é ineficiente

pela elevadíssima capacidade ociosa(Brenner, 2003) e crescente obsoles-cência. Entre os inúmeros mecanismosde criação de capacidade ociosa, pode-se destacar a estrutura de mercado de-sigualmente oligopolizada entre as di-ferentes mercadorias produzidas eexportadas pelos países. Os países maispobres exportam produtos mais con-correnciais e pagam elevados juros.Por isso, obrigam-se a desvalorizar assuas moedas e a exportar elevados vo-lumes de produtos, contendo muito tra-balho e recebendo em troca produtosde reduzido volume de matérias-pri-mas e de trabalho, criando ociosidadenos países ricos, por falta de demandaefetiva, e inflação nos países mais po-bres em conseqüência da desvaloriza-ção das moedas e dos elevados custosdos produtos importados. O pagamen-to de juros e o combate à inflação nospaíses pobres são realizados com eva-são de divisas e políticas monetáriasrestritivas, elevando o desemprego e ainsuficiência de demanda efetiva, nãosó nos países mais ricos, como tam-bém, nos países exportadores de ma-térias-primas.

A ineficiência e a injustiça econô-mica promovem os desajustes sociaisque espalham contendas, seqüestros,crimes, terrorismo, revoluções e guer-ras. Elas são crises da sociedade, emgeral, e dos países, cujos fundamen-tos, em grande parte, são de naturezaeconômica. A forma como os confli-tos se configuram manifesta o tipo decrise da sociedade e a crise econômi-ca. A análise da forma como se esta-beleceram os últimos conflitos nos re-portam às características das relaçõeseconômicas modernas e ao objetivodeste trabalho. Entre as relações eco-nômicas mais chocantes do atual mun-do econômico, destacam-se, por umlado, as demissões em massa, a insta-bilidade no emprego e a exclusão davida econômica de milhões de traba-lhadores; por outro, a facilidade comoas informações põem, lado a lado, aextrema miséria, a fome e a exclusão

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e a opulência, a abundância e o des-perdício.

2. Transformações do capital,do trabalho, da tecnologia, damoeda e suas conseqüênciassobre a estrutura produtiva eadministrativa das empresas

Com a crise do petróleo na décadade 1970 houve um grande esforço nadireção da miniaturização. A nanotéc-nica permitiu avanços significativos naprodução de máquinas, equipamentose produtos finais em tamanhos suces-sivamente menores. De forma similarhouve transformações na gama de pro-dutos, de uso freqüente, que se deslo-caram de bens com forte componenteem matéria-prima para produtos maisleves e com elevada tecnologia.

As modificações na estrutura soci-al, a espetacular transformação no se-tor de informação e as alterações ocor-ridas no trabalho, na tecnologia, nocapital e na própria moeda, certamen-te, contribuíram para exigir mudançano processo produtivo e na organiza-ção produtiva e administrativa dasempresas. Por isso, a estrutura admi-nistrativa do tipo piramidal e hierár-quico deu lugar a uma estrutura maisachatada e com menor amplitude.

As transformações no uso do traba-lho e as modificações tecnológicas nãosão neutras do ponto de vista da estru-tura administrativa das empresas. Aoperíodo pré-industrial, no qual se des-tacavam os artesãos e seus aprendizes,correspondia uma estrutura produtivafamiliar. As relações entre mestres eaprendizes fundavam-se em laços pes-soais e de autoridade patriarcal. Coma Revolução Industrial, a estrutura daindústria mudou, a fábrica se separouda casa, do domicílio e ganhou umespaço próprio. Uma estrutura burocra-tizada foi criada para administrar a pro-dução.

A máquina substitui trabalho namedida em que um único operador

pode, com auxílio de uma máquinamais moderna, com maior capacida-de, substituir um conjunto de outrosoperadores de máquinas que se torna-ram obsoletas. Mas, na medida em queum menor número de trabalhadoresligados à linha de produção e, moder-namente, ligados às células de produ-ção são necessários, a parcela signifi-cativa da pirâmide administrativa passaa se tornar desnecessária. Além disso,não foram apenas as transformaçõesligadas à estrutura produtiva que mu-daram. A nova era é conhecida comoa era da comunicação. Os trabalhosde planejamento, de contabilidade, devendas, de finanças foram altamentefacilitados pela expansão e aperfeiço-amento da comunicação.

A crescente mecanização, num pri-meiro estágio, substituindo a força hu-mana e a força animal e, num segun-do estágio, substituindo as habilidadese, a razão instrumental e, também fa-cilitando a comunicação, fez com quea base da estrutura hierárquica da em-presa se reduzisse e se transformasse.A base da pirâmide administrativa per-deu parte de seu contingente de traba-lhadores pela substituição do homempela máquina. Especialmente, a quali-ficação dos trabalhadores de operaçãofez com que houvesse mudança da for-ma administrativa, passando a predo-minar a coordenação onde predomi-nava o comando. A base de operaçãose reduziu, ainda, pela inteligência ar-tificial e pela mudança dos produtosproduzidos. A gama de produtos e ser-viços foi sendo alterada no tempo. Aprópria estrutura administrativa foimodificada, especialmente, pela inter-venção do processo de comunicaçãomais ágil. Essas transformações inter-feriram na estrutura administrativa,exigindo mudanças na pirâmide hie-rárquica e exigindo redução no qua-dro da estrutura administrativa. Essasmodificações caracterizadas pelo re-baixamento da estrutura administrati-va têm constituído o que se costumachamar de dowsising. Esse processo

tem eliminado, principalmente, postosde trabalho da estrutura administrati-va. A eliminação ou redução das es-teiras de produção, substituídas porilhas de produção, reduziu especial-mente o número de mestres de produ-ção ou administradores de produção.

A utilização intensiva de máquinas,robótica e inteligência artificial alterouou exigiu transformações no próprioprocesso de produção. Essas mudançasna estrutura de produção foram chama-das de reengenharia. Tanto o processode dowsising como a reengenharia foimovimento de redução do número deempregados nas empresas. Essas medi-das tomadas pela alta direção das em-presas foram acompanhadas de umlado, por esforço de redução de custose elevação da competitividade e, deoutro, por um movimento de globali-zação da economia.

Na medida em que os custos, emprimeiro lugar, da mão-de-obra e, emsegundo lugar, do capital se modifica-ram, houve mudança competitiva edistributiva na própria estabilidade daeconomia. Devido à inovação tecno-lógica e à transformação dos instru-mentos de trabalho reduziram-se oscustos do trabalho. Houve elevação daprodutividade e redução do número detrabalhadores. Ao mesmo tempo, ele-vou-se a obsolescência do capital. Emmuitos casos, isso elevou o custo docapital e, tendo em vista que os inves-timentos são mais instáveis do que ademanda para consumo, toda a eco-nomia ficou mais instável, sendo queo fator variável, no curto prazo, é otrabalho.

A transferência distributiva do tra-balho para o capital, elevando a insta-bilidade da demanda, criou inúmerasconseqüências econômicas e sociais.A redução da massa salarial ampliouas condições para a insuficiência dedemanda efetiva. O esforço concentra-do de combate à inflação criou e com-pletou as condições de elevação decapacidade ociosa e a insuficiência dedemanda agregada. Ao mesmo tempo,

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a redução dos gastos em consumo deassalariados e a elevação dos gastoscom capital, quando transformado, tor-na mais rapidamente obsoleto, pois deum lado elevou a capacidade ociosae, de outro, a tornou mais ruinosa, de-vido à elevação da obsolescência docapital. Daí, o esforço de vendas e deampliação dos mercados pelas empre-sas, o qual tende a ser apenas favorá-vel aos países com maior capacidadecompetitiva em setores de alta tecno-logia. Enquanto isso, especialmente apartir da década de 1970, e no Brasil,a partir de 1980, sob a égide do FundoMonetário Internacional (FMI), com avigência da política neo-liberal, o Es-tado se exime de manter controle so-bre a demanda e passa a exercer con-trole da inflação via política monetária.

As transformações no processo pro-dutivo, as mudanças constantes nosprodutos como esforço de venda e anecessidade de redução dos custos deestocagem e custos de financiamentoexigiram a redução de estoques e, si-multaneamente a redução dos produ-tos em elaboração. Para a concretiza-ção de tal exigência contribuíram aevolução da comunicação, a aberturacomercial e as facilidades crescentesno transporte. As empresas adotaramum processo altamente ágil em que otempo de espera da matéria-prima edos componentes foi reduzido. Esseprocesso produtivo, com estoque zeroou reduzido, o just in time, permitiumaior agilidade às empresas, mas, aomesmo tempo, foi um fator de redu-ção da estabilidade delas e da própriaeconomia como um todo, uma vez queo capital físico também foi reduzido.

Atualmente, o aprimoramento datecnologia, a inteligência artificial, astransformações do trabalho, do capitale da moeda estão substituindo trabalha-dores no processo produtivo e no setoradministrativo intermediário: o trabalhorepetitivo pode ser substituído por má-quinas; a razão instrumental pode serrealizada total ou parcialmente pelainteligência artificial; como conseqüên-

cia, milhares e milhões de empregospodem ser queimados. Diante destecontexto, apenas as tomadas de deci-são com informação limitada e cambi-ante necessita de atividade humana.Com isso, o trabalho criativo teve suaimportância, sua quantidade e sua es-tabilidade mantidas. Enquanto que osdemais postos de trabalho, mais liga-dos à execução e à administração, mui-tos já foram suprimidos, enquanto ou-tros estão em risco real ou potencial dedesaparecimento. É importante salien-tar que, a simples instabilidade dos pos-tos de trabalho eleva a insegurança dotrabalhador e da sociedade.

No Brasil, da segunda metade dadécada de 90 e inícios dos anos 2000,o empresariado brasileiro se uniu aoempresariado internacional, aos ban-queiros e ao governo em prol da aber-tura comercial, da redução das ativi-dades fins (educação e saúde) doEstado. Estabeleceu-se a filosofia doEstado mínimo, da flexibilização dossalários, do desmonte dos sindicadose do arrocho salarial junto com o de-semprego. Aparentemente, o empresa-riado nacional levaria vantagem namedida em que se abrissem possibili-dades de exportação, pois com a re-dução dos custos salariais se elevariaa lucratividade. O empresário, volta-do ao mercado nacional, cedeu ao pri-meiro canto da sereia, embalado pelamídia. Mas, parece que tem escapadoa esse empresário, o fato de que a ele-vação inconseqüente dos juros e a re-dução dos salários, tanto em númerocomo em valor, estaria reduzindo omercado interno ou, ao menos, impu-nha-se duro ferrete em seu crescimen-to, dificultando as vendas e a deman-da efetiva interna. Além disso, é ademanda interna de consumo que dáestabilidade à demanda efetiva. Con-seqüentemente, as limitações da de-manda interna determinaram a eleva-ção da sua instabilidade e a reduçãoda demanda efetiva e da receita dosempresários voltados ao mercado na-cional.

3. Trabalho, dinâmica industriale sustentabilidade

Muitas são as preocupações com asustentabilidade do sistema econômi-co. Os fracassos são muitos e podemser divididos em insucessos decorren-tes do desenvolvimento e da gestão domeio ambiente (Comissão Mundialsobre o Meio Ambiente e o Desenvol-vimento, 1991). O desenvolvimentoimplica no crescimento da produçãoe do consumo de bens e serviços. Ovolume de bens e serviços produzidos,por sua vez está diretamente ligado aonível de bens e serviços consumidose, em menor grau, à destruição de fa-tores não renováveis. Produção e con-sumo são geralmente poluidores.

Especialmente a partir da década de70, a economia mundial passou a re-duzir o consumo proporcional de ma-téria-prima para a produção do mes-mo nível de bens e serviços e, nessesentido, torna-se possível produzir bense serviços que atinjam seus objetivos,acarretando menores danos aos recur-sos. Mas, isso não é neutro do pontode vista do emprego e da distribuiçãodos benefícios do progresso entre osgrupos sociais e entre as nações. Atéporque, uma parcela do crescimentoe do desenvolvimento econômico con-tinua sendo realizada a partir da ele-vação global dos bens e da mecaniza-ção.

A questão da preservação e da con-servação de recursos choca-se direta-mente com a mecanização (Sturm, Fan-diño & Adams, 1988) na medida emque a força física do homem é substi-tuída pela força da própria natureza.Isso porque a energia da natureza uti-lizada é crescente e incomparavelmen-te maior do que a força do homem e,em conseqüência, a destruição de re-cursos não-renováveis se eleva cons-tantemente. O consumo de bens e ser-viços é incomparavelmente maior nospaíses desenvolvidos e cresce com oprocesso de desenvolvimento, condu-zindo a uma destruição de fatores na-

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turais em ritmo acelerado, mais queproporcional ao crescimento da popu-lação.

Outros economistas (Hicks, 1984;Hayani, 1988) preferem atribuir o de-senvolvimento econômico às condi-ções naturais (nas quais se fixa o ho-mem), tais como a terra e os seusrecursos climáticos, por exemplo. Es-ses recursos seriam capazes de deter-minar vantagens comparativas e decriar condições para maior ou menordesenvolvimento econômico. Todavia,com a redução da taxa de natalidade,com a redução do uso de matéria-pri-ma em produtos e fatores, as condiçõesnaturais perderam importância.

O sociólogo Weber (1999) associao desenvolvimento econômico ao de-senvolvimento da racionalidade dacultura ocidental. Na medida que essacapacidade racionalista foi aplicada aodireito e à administração da produçãoe, semelhantemente associada à capa-cidade de poupança, criaram-se os ele-mentos fundamentais da produção ca-pitalista: empreendimento, capital etrabalho. Com a constante substituiçãoda racionalidade funcional humanapela inteligência artificial e a constan-te especialização do trabalho, a ques-tão necessita ser retomada em outrasbases, pois uma parcela crescente dotrabalho é excluída do processo de in-dustrialização.

Com bastante propriedade, Schum-peter (1997) atribui o desenvolvimen-to econômico a um conjunto de fato-res: descoberta de um novo produto,de um novo processo de produção, denovos fatores produtivos e de novosmercados. Pode-se perceber que esseeconomista associa o desenvolvimen-to econômico, especialmente, à inte-ligência criativa aplicada ao processoprodutivo, de forma a transformá-lo,permitindo um salto de produtividade.Nesse contexto, o empresário empre-endedor e o banqueiro desempenhamum papel importante, pois as novasdescobertas, só se tornam bem suce-didas quando um empresário empre-

endedor e um banqueiro que confianos empresários empreendedores per-mitem que a produção se realize emnovos parâmetros (Schumpeter, 1997e 1974). Embora, nos últimos tempos,tenha prevalecido a visão microeconô-mica, a crescente influência da comu-nicação e globalização fazem sentir anecessidade de planejamento, coorde-nação e controle nacionais e suprana-cionais.

Schumpeter (1974) percebeu que namedida em que o trabalho é o grande,ou o único, fator de produção, o de-senvolvimento econômico só poderiadecorrer da forma de execução dessetrabalho, através do empresário empre-endedor. Enquanto que o capital e anatureza são apenas coadjuvantes paraque o trabalho se realize essencialmen-te na sua forma mais eficaz e transfor-madora do próprio trabalho e do capi-tal que é a criatividade.

Os recursos naturais são um impor-tante condicionante para que a produ-tividade do trabalho seja superior ouinferior, dentro de um mesmo proces-so produtivo, característica do capitale nível de racionalidade. Além disso,mantida a tecnologia e o mesmo nívele características da racionalidade dotrabalho, maiores níveis de capital ele-vam a produtividade do trabalho. Noentanto, é a forma de racionalidadeaplicada ao processo produtivo e amaneira como o homem contribui comsua ação – física, habilidades, com suaemotividade, com a racionalidade ins-trumental ou capacidade criativa – quedetermina o volume e as característi-cas, tais como, seu valor de mercado,dos bens e serviços. A forma de racio-nalidade contida no capital produtivoé o determinante fundamental da pro-dutividade e da remuneração do tra-balho e do desenvolvimento associa-do ao conjunto da economia, em queesses fatores se realizam. Necessáriose faz, no entanto, que os demais ele-mentos constantes do sistema econô-mico não impeçam a realização daprodução. Entre esses elementos, po-

dem ser destacados: o sistema mone-tário, o nível e as condições de reali-zação da demanda efetiva.

Na etapa em que a destreza associa-da ao capital era o fundamento da eco-nomia, quanto maior a destreza dos tra-balhadores, maior o desenvolvimentoeconômico associado ao trabalho.Quando a racionalidade instrumentalrepresentava o fundamento da estrutu-ra produtiva e administrativa, permitin-do a elevação da produtividade, quan-to maior a racionalidade aplicada àestrutura produtivo-administrativa mai-or o desenvolvimento econômico asso-ciado à estrutura produtiva correspon-dente. Na atividade econômica atual,em que a própria racionalidade instru-mental passa paulatinamente a ser subs-tituída pela inteligência artificial, ape-nas os centros de alta inteligênciacriadora e transformadora do capital edo trabalho detêm as vantagens em re-lação aos outros centros baseados emracionalidade funcional e, especialmen-te, no trabalho de alto adestramento ehabilidades e no trabalho físico.

A inteligência criadora é, atualmen-te, o elemento central do processo dedesenvolvimento econômico. Os de-mais fatores, como a natureza, o volu-me de capital, os mercados disponíveise as políticas capazes de fazer com quetodo o trabalho disponível seja eficaz-mente utilizado, completam as condi-ções do desenvolvimento. Diante des-sas considerações é válido salientarque para Weber (1999) a racionalida-de é o grande fator determinante dodesenvolvimento, enquanto que, paraSchumpeter (1997), a destruição cria-dora operada pelo empresário empre-endedor passa a centralizar o proces-so de desenvolvimento. Ambos, Webere Schumpeter, se ocupam da razão eda criatividade no trabalho, enquantoKeynes passa a se ocupar das políticascapazes de manter o pleno emprego.Com a contínua inovação tecnológica,a contribuição humana se transformacontinuamente e se torna sucessiva-mente cada vez mais eficaz, mas não

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basta, é imprescindível que todos se-jam incluídos nesse processo. Nessecontexto a educação é um fator deter-minante por ser um elemento indispen-sável para que as transformações noprocesso produtivo do próprio traba-lho e do capital se operem. Além dis-so, a própria compreensão das trans-formações e seus efeitos sobre odesenvolvimento e da preservação de-pendem do nível de consciência soci-al e cultural.

Em nossos dias (2005), apenas ospaíses desenvolvidos ocupam grandeparte de sua população ativa em ativi-dades racionais e de criação, utilizan-do a força da natureza para a obten-ção dos bens finais. Enquanto que, nospaíses em desenvolvimento, grandeparcela da população usa sua própriaforça física para a atividade produtiva.Se toda a população economicamenteativa mundial utiliza-se a mais alta tec-nologia e toda a atividade humana pro-dutiva usasse a racionalidade e a cria-tividade na submissão da natureza, aprodução de bens seria potencializa-da, mas ao mesmo tempo a destruiçãopoderia ser avassaladora. Das conside-rações precedentes surge a questão dapossibilidade e da capacidade da na-tureza para que todo trabalho e emtodos os povos seja realizado confor-me a essência da própria natureza hu-mana que é sua capacidade criativa eracionalidade.

Para que o ciclo de desenvolvimen-to se tornasse possível em todos ospaíses seria necessário que os já indus-trializados reduzissem drasticamente onível de poluição atual, especialmen-te, nas camadas da população de con-sumo afluente, para que outras cama-das menos favorecidas pudessemelevar seus níveis de consumo e bem-estar econômico. Além disso, para queoutros países possam ingressar nos pa-drões de desenvolvimento das naçõesavançadas é necessário que todos ado-tem medidas de redução de emissãode poluentes, em relação ao volumede bens e serviços produzidos, redu-

zindo suas atividades mais poluidorase aumentando o nível de produção econsumo em atividades e em formasatravés das quais o desenvolvimentofosse sustentável.

As racionalidades objetiva e criado-ra aplicadas apenas à capacidade pro-dutiva e administrativa, provavelmentemantêm o mesmo nível de consumis-mo e desperdícios vigentes nas comu-nidades mais desenvolvidas. Fato que,evidentemente não permitiria que todosos povos conseguissem o mesmo nível,em função dos excessos de poluiçãodeterminados pelo nível de consumo ede lixo provenientes da sociedade. Paraque seja possível o contínuo crescimen-to da população e, ao mesmo tempo,uma melhor participação dos avançosdo desenvolvimento a todos os povos,através de uma melhor distribuição derenda e de um crescimento mais acele-rado dos povos menos desenvolvidos,seria necessário que a inteligência cria-dora, não só fosse aplicada ao proces-so produtivo e administrativo de formaa maximizar a produção, mas fosse apli-cada, com a mesma intensidade no pro-cesso de minimização dos rejeitos doconsumo e da produção. Além disso,seria necessário também que o proces-so produtivo utilizasse, com maior pro-priedade, os fatores renováveis. Certa-mente, a visão microeconômica, que éorientada pelo mercado, não conduz aodesenvolvimento sustentado e a visãomaximizadora de lucro de curto prazonão contempla uma visão de longo pra-zo capaz de garantir a sustentabilidadee nem o nível de emprego capaz de re-duzir as injustiças sociais.

Para que a orientação global do pro-cesso econômico garanta o crescimen-to sustentável, são indispensáveis aorientação e o planejamento racionala nível nacional e internacional paraalém do mercado. Uma economia ge-rida pelo mercado e apenas controla-da ex post por processos legais puniti-vos de catástrofes ambientais nãogarante o desenvolvimento global sus-tentável.

Há um dilema difícil de ser resolvi-do entre a manutenção do consumodos principais países desenvolvidos,seu alto nível de poluição e as possibi-lidades de elevação do consumo dospaíses pobres. Na medida em que to-dos os países atingissem o nível depoluição por pessoa dos países maisdesenvolvidos, o Planeta Terra não su-portaria o nível de poluição. As possi-bilidades de melhoria do nível de con-sumo das populações marginalizadasestão associadas às mudanças de há-bitos das populações ricas, tornando-os menos individualistas e menos pre-dadores dos recursos não-renováveis edos níveis de poluição do ar, da águae do solo.

4. A ação do Estado e a insufici-ência de investimentos públicos

A ocorrência de alto nível de de-semprego, na maioria dos países emdesenvolvimento, e parcialmente, empaíses desenvolvidos, decorre não sódo processo de transformação do tra-balho, da tecnologia, do capital e damoeda, isto é, da própria conjunturadas transformações, pelas quais passaa economia mundial, mas, em especi-al, da forma como são conduzidas aspolíticas econômicas, monetária e fis-cal internacional e nacional na maio-ria dos países.

Em período recente, em especial,nos países periféricos, a insuficiênciade investimentos do Estado tem decor-rido fundamentalmente da prioridadedada à política monetária e à políticade juros em detrimento de uma políti-ca de investimentos, de crescimentoeconômico e de redução do desempre-go. As decisões monetárias de paga-mento de juros e do Fundo MonetárioInternacional (FMI) são estabelecidas,a priori, antes mesmo da elaboraçãodo orçamento da União, e este se su-bordina às necessidades de arrecada-ção para pagar os juros.

Apesar da política econômica Na-

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cional seguir o receituário liberal, anorma de que, em concorrência, osrecursos devem ser contratados pelovalor do produto marginal não é res-peitada. As empresas, que pagarem aum ou mais dos recursos valor maiordo que seu produto marginal, irão sever, rapidamente, em dificuldades fi-nanceiras. Os capitais só deveriam seratraídos para um determinado paísquando o retorno do capital superas-se seu custo financeiro. Para que opaís não seja onerado além das possi-bilidades futuras, os recursos só po-dem ser atraídos no limite em que ocrescimento real da economia, isto é,descontada a inflação, supere os cus-tos do capital. Se o crescimento de umdeterminado país, em termos reais, forde 3% ao ano, haveria vantagem ematrair recursos a juros reais menoresde 3% ao ano. Taxas de risco acimade 3% ao ano, além da taxa de jurosinternacionais, normalmente inviabi-lizam qualquer recurso ao capital derisco internacional. Os trabalhadoresserão chamados a pagar a conta combaixos salários e desemprego para co-brir a diferença entre o custo do capi-tal e seu retorno em crescimento na-cional. No Brasil, desde a segundametade da década de 90, até os diasatuais (fins de 2004), foram atraídoscapitais a taxas incompatíveis ao seucrescimento, comprometendo o cres-cimento, não apenas nesse período,mas por mais tempo.

O crescimento do montante de re-cursos necessários ao pagamento docapital, somado a taxa de juros, nãodeveria superar o crescimento econô-mico do país, do contrário, os valoresdo empréstimo, mais os juros, se tor-narão impagáveis, através de seu re-torno ou serão pagos com o sacrifíciodo crescimento, dos baixos salários edo desemprego. Ao decidir quantodeve ser reservado do orçamento parao pagamento de juros – 3% ou 4,5%de superávit primário – antes de traçaro perfil conjunto da economia e dasprioridades – isto é, antes da elabora-

ção do orçamento da União, bemcomo, do estabelecimento da taxa dejuros que é a remuneração do capitalfinanceiro, apenas tendo como parâ-metro o controle da inflação – tem sidodada prioridade absoluta aos interes-ses do capital especulativo internacio-nal e nacional, em detrimento de polí-ticas voltadas aos investimentos sociaise de produção, capazes de dinamizara economia e elevar o nível da ativi-dade econômica ao pleno emprego.Essa política de prioridade aos bancose ao juro tem reduzido a própria capa-cidade das empresas pela estagnaçãodo mercado consumidor, da demandaagregada. Na medida em que o nívelde desemprego cresce e a massa sala-rial se contrai ou tem baixa expansão,as empresas encontram dificuldade navenda de seus produtos no mercadonacional. No mercado internacional,as barreiras tarifárias e não-tarifáriasassociadas ao caráter de competiçãoimperfeita, à inovação tecnológica, àdisponibilidade de capital e às dificul-dades de informação, informação as-simétrica, o conhecimento e as políti-cas adotadas têm sido privilégio dealgumas empresas e setores da econo-mia.

O orçamento do setor público, dosmunicípios, dos estados e da federa-ção é limitado. Os recursos disponí-veis são limitados e os usos alternati-vos. A prioridade ao setor monetário efinanceiro relega obrigatoriamente ou-tros setores e objetivos a um plano in-ferior. As condições para que seja atin-gido o nível potencial da atividadeeconômica exige condições reais deação sobre os investimentos, mas namedida em que eles forem desviadosao setor financeiro para o pagamentode juros, a política fiscal fica prejudi-cada. A atividade produtiva privada,pela simples ação dos agentes econô-micos isoladamente, não garante aabsorção automática de todos os pos-tos de trabalho necessários para absor-ver a População Economicamente Ati-va (PEA) crescente na maioria dos

países pobres. O Estado sem recursose dependente de pressões alienígenasnão tem condições reais de priorizar aestabilidade da atividade econômica eo pleno emprego.

Nas empresas, tendo em vista a ca-pacidade ociosa, a prioridade é dadaao departamento de vendas, em de-trimento da produção. Para cada em-presa, ceteris paribus, isto é, tudo omais constante, quando ela amplia aexposição de seus produtos à mídia,suas vendas se expandem. Mas, namedida em que todas as empresasampliam o esforço de propaganda, sófaz elevar os gastos em publicidadee, eventualmente, diferenciar as em-presas, entre as que têm recursos depropaganda, junto aos meios de co-municação de massa e as que não dis-põem de recursos suficientes. Numprimeiro instante, as compras e a de-manda agregada podem se expandir,elevando o endividamento junto aosistema bancário, mas isso comprome-te, ainda mais, a demanda agregadafutura, tendo em vista a restrição dademanda agregada. Sem a expansãoda demanda agregada, o crescimentodas vendas de uma empresa, ou se-tor, corresponde a redução de outrasempresas ou setores. No caso especí-fico da propaganda, repete-se o sofis-ma da composição tantas vezes pre-sente na economia o que é válido paraum agente econômico isolado não éválido necessariamente para a econo-mia como um todo.

As empresas praticam as mais vari-adas políticas de marketing, tentandoatrair compradores ou usuários dosserviços, tendo em vista que as mes-mas trabalham com uma elevada mar-gem de capacidade ociosa, e esta éuma determinante do nível de custos.Para o mesmo nível de ociosidade, asperdas se elevam proporcionalmenteà elevação da obsolescência e com aelevação dessa, os custos de deprecia-ção crescem rapidamente com o cres-cimento da capacidade ociosa.

Clodoaldo Bortoluzi

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro/ julho de 2007

As mudanças no mundo do trabalhoe os resultados na aquisição deempregoResumo:

Este artigo tem como propósito, apresentar a problemática acerca do emprego,que vem se alastrando ultimamente, como conseqüência das mudanças ocorridasnos paradigmas que embasam o mundo do trabalho. Diante das estatísticas alar-mantes do número de desempregados e subempregados, questionamos: para ondeforam os empregos? Num primeiro momento, discutimos sobre a importância doemprego formal; a proliferação do trabalho informal, enquanto alternativa na ge-ração de emprego e renda e as possíveis causas desses índices de desemprego.No momento seguinte, apontamos as principais estratégias utilizadas pelas em-presas, na busca de qualidade e do aproveitamento do potencial dos trabalhado-res e a conseqüente corrida por qualificação, por parte dos próprios trabalhado-res, na tentativa de serem absorvidos por um mercado de trabalho exigente ecada vez mais competitivo.Palavras-chave: (Des) emprego; Competitividade; Qualificação.

Abstract:This article has the purpose to present the problematic about the employmentwhich has been spreading recently as consequence of the occurred changes inthe paradigms that find out the work world. Based on the alarming statistics thenumber of unemployees and subemployees, we ask: where had the employmentgone? In the first part of this study we discussed about the importance of theformal work: The proliferation of the informal one as an alternative in the em-ployment and revenue provision and the possible causes of these unemploymentlevels. In the second, we showed the main strategies used by companies in orderto look for the quality and improvemente of the potential of the workers and theconsequent search of the workers for their qualification, with the objective ofbeing obsorbed by the work market that is ever more exigent and competitive.Key words: (Um)employment; Competition; Qualification.

Marileide MotaProfessora de Sociologia da UFCG.

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Introdução

Nas duas últimas décadas vêm ocor-rendo grandes modificações no âmbi-to do trabalho. Tais mudanças têm pro-vocado um declínio inevitável nosíndices de emprego e a redução da for-ça de trabalho em escala mundial.

Vivemos um momento histórico noqual o emprego está se tornando algomuito raro, e o mercado de trabalho,a cada dia, torna-se mais competitivoe mais exigente, adotando critériosmais rígidos no processo de seleção depessoal. Tal exigência se efetiva, pri-meiramente, porque há um verdadei-ro “exército de reserva” que deixa oempregador numa situação bastanteconfortável, podendo optar por profis-sionais até mais qualificados do que ocargo exige. Além do mais, com a ex-trema flexibilização das relações detrabalho1, tais empregadores contamcom contratos parciais, terceirizados,domésticos e temporários, que vêmfacilitando tanto a contratação quantoo “descarte” dessa mão-de-obra, semônus para a empresa com encargossociais e direitos trabalhistas e que,conseqüentemente, vem retirando dotrabalhador seu poder de barganha,deixando-o cada vez mais vulnerável.

Essa “nova era” do trabalho – cha-mada de “terceira revolução industrial”– preconiza um momento de mudan-ças tecnológicas, mudanças nas comu-nicações, bem como na organização dotrabalho, que tem provocado desempre-go tecnológico e, conseqüentemente,promovido insegurança e temor, emespecial, nas “gerações de escritório”,para quem o trabalho era seguro, está-vel e significava uma jornada de 40horas semanais, 7 dias por semana e 8

horas por dia. No entanto, não tem sidoapenas essa geração que vem sendo dis-pensada de seus cargos, mas a mão-de-obra jovem – entre 15 e 24 anos – tam-bém vem sentindo na pele a dificuldadede ser absorvida pelo mercado de tra-balho. Daí, explica-se a corrida inces-sante por qualificação, na busca pelaempregabilidade e que, nem sempre,tem garantido bons resultados, pois,diante do atual quadro competitivo e oreduzido número de vagas ofertadas nomercado de trabalho, nem mesmo osprofissionais, considerados, qualifica-dos, têm garantia de emprego. Assim,constata-se, ultimamente, um grandetemor das pessoas de ficarem desem-pregadas ou de nem sequer consegui-rem entrar no mercado de trabalho.Além disso, constata-se também umforte processo de degradação dos em-pregos ainda existentes e a crescenteprecariedade das novas formas de ocu-pação, através do trabalho informal,caracterizado pelo trabalho sem cartei-ra assinada e, conseqüentemente, semdireitos trabalhistas.

Para onde foram os empregos?

Todos os dias somos informadossobre o aumento nos índices de desem-prego. Essa é uma realidade que afeta,hoje, a vida de milhares de pessoas emtodo o mundo. Pesquisas realizadas emdiversas áreas profissionais, como: psi-cologia, economia e sociologia, cons-tatam que o desemprego tornou-se umdos maiores problemas da sociedadeatual, que aflige inúmeras pessoas, in-dependente de gênero, faixa etária ougrau de escolaridade.

No entanto, o desemprego não é um

fenômeno novo, característico apenasdos dias de hoje. Desde a invenção damáquina a vapor – marco da primeiraRevolução Industrial – há cerca de 200anos, o homem vem transferindo paraas máquinas, o trabalho que antes erarealizado através da força humana. Ea cada evolução tecnológica e mudan-ça no processo de execução das tare-fas de fabricação de bens de consumo,o número de desempregados tem au-mentado.

Por que, então, os homens estãoestranhando o aumento do desempre-go que vem ocorrendo atualmente, se,historicamente, ele tem sempre ocor-rido nos momentos de mudanças queatingem o mercado de trabalho?

Primeiramente, este estranhamentoe temor diante do desemprego se de-vem ao fato de que as estatísticas, hoje,apontam para números assustadores nosíndices de desemprego e com previsãocrescente para as próximas décadas.Pois, não se trata apenas de um movi-mento de transição provocado pela re-dução de alguns cargos (dejobbed) con-siderados obsoletos e, em contrapartida,do surgimento de outras funções cria-das por uma tecnologia moderna. Dizrespeito a mudanças de paradigmas,que vêm causando modificações namaneira de executar o trabalho e, con-seqüentemente, nas formas de se rela-cionar dos homens, no âmbito do tra-balho, bem como na organização detoda a sociedade. Diante desse contex-to, podemos fazer um outro questiona-mento: o que há de diferente, na atualperformance do desemprego que teste-munhamos? A grande diferença mani-festa é a velocidade com que as novastecnologias vêm se desenvolvendo emodificando o processo produtivo e,

1 O processo de flexibilização da produção não ocorreu apenas na maneira de produzir mercadorias, mas também na forma de se relacionar, doshomens, no âmbito do trabalho. Desta forma, houve mudanças nos contratos de trabalho, deixando de ser apenas do tipo de contrato formal –com carteira de trabalho e outras garantias – passando a ser terceirizado, que significa prestação de serviços de uma pequena ou média empresaespecializada à outra, geralmente maior; ou parcial que se caracteriza por uma forma de contrato de meio expediente ou parte do horárioconvencional de acordo com o desejo do empregador; ou temporário que se trata de um vínculo sazonal de trabalho e corresponde às necessida-des do empregador de acordo com os picos do mercado, mais utilizado em épocas do ano como onatal; ou ainda o doméstico que diz respeito aum sistema de contrato de trabalho em que a empresa encomenda e, às vezes, organiza o trabalho de pessoas que produzem em seus própriosdomicílios, mas sem vínculos empregatícios.

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como conseqüência, intensificando oprocesso de substituição do homempela máquina. Esta, dessa vez, represen-tada por máquinas programadas e ro-bôs que passam a fazer o trabalho dedezenas de seres humanos, cada vezmais e de forma eficiente, ágil, limpa,silenciosa e que, além do mais, não es-tão sujeitas às intempéries naturais oureivindicam aumentos salariais e melho-rias nas condições de trabalho. Taismudanças têm provocado uma queda,nunca vista, da força de trabalho hu-mano, num espaço muito curto de tem-po. Pois, se compararmos o grau dedesenvolvimento tecnológico dos últi-mos 20 anos (marcado pela robótica,pelas mudanças nas telecomunicações,pela nanotecnologia2) com os quase200 anos que lhe antecedem, podemosconstatar o quão revolucionário temsido esse último período.

Essa nova modalidade de trabalhotem se pautado numa filosofia empre-sarial caracterizada pela automação,informatização e flexibilidade dos pro-cessos de trabalho, e na busca de umaempresa enxuta, eficaz e competitiva.Entretanto, em países como o Brasil,tem-se notado que as mudanças ocor-ridas encontram-se mais no âmbito or-ganizacional, do que em investimen-tos em altas tecnologias. Uma vezque, os empresários brasileiros con-tam com uma vasta mão-de-obra quese presta a fazer o trabalho necessá-rio em troca de baixos salários, garan-tindo-lhes altos lucros. Isso, de certaforma, acomoda o empregador namanutenção das formas de produzirsem ter que investir em tecnologiasmodernas que, além de onerar capi-tal, criará a necessidade de uma mão-de-obra qualificada.

No entanto, para se manterem com-petitivas no mercado de trabalho, asempresas vêm buscando viabilizar o

chamado “processo de enxugamento”.Para tanto, elas utilizam estratégias,como a polivalência de funções; a ho-rizontalização dos cargos, e a terceiri-zação (Downsizing) uma vez que cadauma dessas estratégias contribui na eli-minação de pessoal. E essa busca deredução de quadros tornou-se uma dasprincipais causas do desemprego e nãotem ocorrido apenas no processo pro-dutivo, mas também no setor adminis-trativo.

Com a polivalência de funções, háuma aglutinação de tarefas sob a res-ponsabilidade de um só operador (an-tes operadas por vários) reduzindo onúmero de operários necessários aoprocesso produtivo. Já a horizontali-zação dos cargos elimina força de tra-balho, a medida em que reduz ocu-pações intermediárias no processoadministrativo existentes, anterior-mente, com base na filosofia tayloris-ta-fordista, que pautava a organizaçãofabril numa ordem vertical de coman-dos hierárquicos. A terceirização, porsua vez, vem contribuir, nesse proces-so, através da transferência de funçõespara pequenas e médias empresasprestadoras de serviços ou fornecedo-ras de parte do processo produtivo daempresa. A princípio, a terceirizaçãose limitava a alguns setores como: lim-peza, transporte, segurança e alimen-tação. Posteriormente, algumas em-presas passaram a terceirizar parte doproduto e muitas delas chegaram areceber de fornecedores todos os com-ponentes necessários à fabricação doproduto, tornando-se apenas monta-doras ou meras representantes de de-terminada marca.

Através desse tipo de manobra, asempresas transferem para as prestado-ras de serviços, não só parte do pro-cesso produtivo, mas também encar-gos sociais, custos e responsabilidades

com os trabalhadores, uma vez queelas se tornam contratantes, causandoassim, não apenas a perda de empre-gos mais estáveis, mas, inclusive, dedireitos e ganhos diretos, através desalários mais baixos e ganhos indire-tos, através de planos médico-odonto-lógicos, bônus, vale-refeição, transpor-te, alimentação, dentre outros, que aspequenas e médias empresas, geral-mente, não oferecem aos seus operá-rios.

A medida que as empresas se libe-ram do emprego formal, na busca de“enxugar a empresa”, e adotam formasde contratos mais flexíveis e temporári-os, através de prestações de serviços,ou trabalhos sazonais, acabam, muitasvezes, caindo na informalidade por pro-mover trabalho sem estabilidade, semdireitos trabalhistas e de alta rotativida-de. O setor informal é representado poratividades autônomas como: ambulan-tes, empregados domésticos, e presta-dores de serviços em geral. Esse setorvem crescendo muito nos últimos anoscomo alternativa na geração de empre-go e renda, entretanto, não substitui demaneira satisfatória uma ocupação re-munerada e assegurada por direitos tra-balhistas como se tem através do setorformal. Neste sentido, de acordo comAntunes (2001), a sociedade atual sepauta numa lógica destrutiva, pois o queimporta, para aqueles que detêm osmeios materiais que estruturam estasociedade, é a valorização dos capitaise isso passa a ser buscado de qualquerforma, desde que se atinja o maior ín-dice de produtividade com o menornúmero de trabalhadores. Assim, o re-sultado será a informalidade, a precari-zação do trabalho e o desemprego es-trutural que tem se ampliado em todoo mundo.

A partir do processo de flexibiliza-ção da jornada de trabalho e das rela-

2 Significa a manipulação de átomos e moléculas, que vem revolucionando o mundo científico, mais especificamente, as seguintes áreas de estudo:a química, a bioquímica, a biologia molecular e a física, tendo ainda relação com a engenharia elétrica e a engenharia de proteínas. A nanotec-nologia promete o fim da fome, o fim da doença como a conhecemos, a erradicação da contaminação do ar e da água, dentre outras mudanças.Seus defensores argumentam que este complexo de novas tecnologias modificará o mundo e deixará para trás a maior parte dos avanços tecno-lógicos que conhecemos até hoje. (Ver: O Século 21, 2002. p. 87-89).

Marileide Mota

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ções trabalhistas, a mão-de-obra torna-se cada vez mais barata. Assim, comose não bastasse o fato de tantas pesso-as estarem desempregadas no mundo,muitas delas vivendo abaixo do nívelde pobreza, os empregos ainda exis-tentes vêm passando por um forte pro-cesso de degradação, representado porcerca de 900 milhões de pessoas su-bempregadas no mundo, trabalhandoem regimes parciais de trabalho e re-cebendo salários abaixo de suas neces-sidades, sem assegurar sequer condi-ções dignas de vida.

Diante desse quadro atual, caracte-rizado, principalmente, pela elevaçãodos números de desempregados e su-bempregados, em todo o mundo, sãomuitos os teóricos, e de diversas naci-onalidades, que vêm tentando explicartal fenômeno e apontar possíveis solu-ções para esta problemática. Podemosmencionar, primeiramente, Jeremy Ri-fkin (1995), teórico que se destaca porsua visão ‘apocalíptica’ acerca dos ín-dices de desemprego, pois, em suaobra intitulada “O Fim dos Empregos”,afirmou que daqui a cem anos apenas¼ da força de trabalho mundial seránecessária para produzir todos os bensnecessários para toda a humanidade,uma vez que as máquinas substituirãoo homem no processo de fabricação ede transporte de bens e fornecimentode serviços. Em 1995, ele contabilizou800 milhões de pessoas desemprega-das e subempregadas em todo o mun-do, e nove anos depois, no ano de2004, ele afirma, em nova edição de“O Fim dos Empregos”, que esse nú-mero subiu para 1 bilhão de pessoas eaponta, como principal causa dessaredução drástica de vagas, a tecnolo-gia que hoje é empregada nas fábri-cas.

A partir de seus estudos, que têmpor base a sociedade americana, Ri-fkin (1995) diz que 11% das vagas nomundo são eliminadas a cada seteanos, e se esse ritmo for mantido, em50 anos ou menos, todos os empregosna linha de produção das indústrias

terão desaparecido. E isto não signifi-cará para a humanidade, necessaria-mente, uma condenação, mas, ao con-trário, poderá sinalizar uma libertaçãopara os trabalhadores de uma vida detrabalho árduo e a possibilidade deuma vida livre para se dedicarem a ati-vidades de lazer. Entretanto, isto de-penderá de como os ganhos de produ-tividade serão distribuídos nessa nova“Era da Informação”. E para que essadistribuição igualitária e justa dos gan-hos de produtividade se efetive, faz-senecessário a redução da jornada de tra-balho em todo o mundo e do esforçodos governos no sentido de proporcio-nar empregos alternativos no terceirosetor – a economia social – para aque-les cujos cargos foram extintos no mer-cado de trabalho formal.

Assim, Rifkin (op. cit.) preconiza achamada “Era pós-mercado” caracteri-zada por uma sociedade High-tech (ousociedade da informação), na qual aprodução de mercadorias e serviços serárealizada através de computadores erobôs capazes de transformar as forçasda natureza sem esforço, com fartura ede forma eficiente, libertando o homemde tarefas insalubres, repetitivas e es-tressantes. Desta forma, um númerocada vez menor de mão-de-obra huma-na será mantida no processo produtivoe se ocupará do trabalho intelectual, decriação e programação, e que, para Ri-fkin (op. cit.), deverá ter uma jornadade trabalho reduzida. Em contraparti-da, para a força de trabalho que se tor-nará desocupada, com a redução do tra-balho formal, serão criadas novasalternativas de ocupação no terceirosetor.

O terceiro setor é também conhe-cido como setor independente ou vo-luntário que vem atuando nas áreas dasaúde, da educação e pesquisa, dasartes, da religião e da advocacia, atra-vés de trabalhos comunitários voltadosaos serviços sociais. Para Rifkin (op.cit.), esta é a melhor saída para essequadro agudo de desemprego, por setratar de uma área social que precisa,

essencialmente, de gente e não decomputadores. Nesse contexto, os go-vernos, de um modo geral, têm comomissão criar crédito e subsídios paraas sociedades civis e as ONGs gera-rem novos empregos.

No entanto, por mais que Rifkin (op.cit.), tenha razão em apontar o tercei-ro setor como uma das alternativasfrente ao desemprego estrutural, bemcomo em citar alguns cargos que seencontram na iminência de desapare-cer em todo o mundo, como: caixasbancários, recepcionistas, gerentes,secretárias, além de atividades pesa-das, sujas e perigosas; ele tanto exage-ra em sua profecia de um mundo semempregos, num futuro próximo, comoao analisar a desaparição dos empre-gos. É válido salientar que esse teóricose limita em apontar, apenas, a tecno-logia como responsável pela reduçãodos índices de emprego no mundo,sem, no entanto, levar em considera-ção os fatores políticos, econômicos esociais que diferenciam a situação dedesemprego nos diferentes países e naatual conjuntura mundial.

Além do mais, esta sociedade hightech que ele preconiza, está longe dese tornar realidade em países como onosso, em que o desenvolvimento tec-nológico ocorre de forma lenta, secomparado com os níveis atingidospelas empresas do primeiro mundo.Assim, não se pode generalizar a situ-ação do desemprego em todo o mun-do, ao contrário, o correto é fazer umaanálise mais adequada à realidade decada país.

Se considerarmos as peculiaridadesdo Brasil, país em desenvolvimento,caracterizado por ter uma mão-de-obravasta, dessindicalizada, e com baixosíndices de escolarização e qualifica-ção, veremos que tanto as causas comoas conseqüências do desemprego sãodiferentes do que Rifkin (1995) prega.Ou seja, exatamente por suas peculia-ridades é que o Brasil tornou-se alvode muitos países que buscam reduçãode custos, através do barateamento da

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mão-de-obra, e isto vem ocorrendoatravés da transferência de suas plan-tas industriais, principalmente, para asregiões norte e nordeste do país. Nes-te processo de mobilidade geográfica,as empresas que migram para cá (es-pecialmente, nas áreas calçadistas etêxteis) ainda contam com isenção fis-cal e diversas vantagens no que dizrespeito à instalação e ao funciona-mento de suas filiais. Incentivos essesoferecidos por prefeitos e governado-res interessados em aumentar a ofertade emprego em seus municípios. É evi-dente que há setores do mercado detrabalho no Brasil que vêm automati-zando seus processos e reduzindo seusquadros, mas não representa a maio-ria.

Um país, com essas características,tende muito mais a continuar com suasformas de produzir tendo por base aforça de trabalho do que investir emmáquinas informatizadas e em robôs,uma vez que, assim, os lucros já estãogarantidos, do contrário caso o empre-gador queira inovar seus processos, elevai se deparar com uma situação derisco, pois além dos custos com tec-nologia de ponta, ainda tem que in-vestir em mão-de-obra qualificada.

Desta forma, em países subdesen-volvidos ou em desenvolvimento,como o Brasil, o desemprego não écausado, necessariamente, pela aqui-sição de novas tecnologias, até porquena maioria dos casos, a redução devagas ocorre em conseqüência das di-ferentes estratégias que as empresaspassam a utilizar como formas de semanterem competitivas e sobreviveremno mercado de trabalho, como: a fle-xibilidade na forma de produzir e con-tratar; a mobilidade geográfica na bus-ca de redução de custos, através dobarateamento de mão-de-obra; a ade-quação de diversos modelos organiza-cionais, antigos e novos, dentre outros.

Tratando dessa tendência ao desa-parecimento dos empregos DomenicoDe Masi (1999), em seu livro “O Futu-ro do Trabalho”, afirma que passar o

dia no escritório pode representar umaperda de tempo, uma vez que o traba-lho não é, por natureza, uma maldi-ção bíblica da qual o homem nuncapoderá se libertar. E questiona: “a mi-tologia do horário, do controle, da hi-erarquia é produtiva? Será que essaforma de trabalhar é a mais inteligível?”Através dessa indagação De Masi (op.cit.) argumenta que o homem, ao lon-go dos séculos, foi levado a acreditarque o seu valor é medido pelas horastrabalhadas, mas nem sempre produti-vas. Nos últimos cem anos, essa me-dição passou a ser cronometrada e,assim, culturalmente, a maioria daspessoas passou a acreditar que “o rit-mo, a pressa, a ânsia e a inquietaçãodevem dominar a vida dos trabalhado-res, mesmo quando seu rendimentodepende muito mais da criatividade eda introspecção do que no número dehoras transcorridas no escritório”. (op.at:301). Assim, ele defende a tese deque a sociedade pós-industrial com aeficiência das máquinas reduzirá tan-to o trabalho físico como o trabalhointelectual, proporcionando aos ho-mens a essência da felicidade que eleacredita estar, apenas, no trabalho cri-ativo e no tempo livre.

De fato, somos testemunhas deempresas, hoje, praticamente virtuais,que não funcionam mais em prédiosenormes e nem conta com centenas deoperários controlados por gerentes,supervisores e cronômetros, mas que,ao contrário, organizam-se numa dinâ-mica diferente, em que cada um fazseu trabalho, muitas vezes, em suaspróprias casas ou em qualquer lugar,desde que tenham ao seu dispor umcomputador ou um lep top e estejamligados na rede.

No entanto, perguntamos: será queesta realidade condiz com a maioriadas empresas e da qualificação dosnossos empregados brasileiros e demuitos países como o nosso? Ou estarealidade ultrapassa fronteiras e chegaem países de primeiro mundo paraquem as condições econômicas, de

escolarização, e tecnológicas são bas-tante diferentes e distantes da nossa? Emais: será que o sonho do ócio paratodos não é um tanto utópico? Maisuma vez se faz necessário alertarmospara a análise errônea que generalizacausas, conseqüências e possíveis so-luções para uma problemática dessanatureza, em nível mundial.

Diante das possíveis causas do de-semprego, não se pode responsabili-zar nenhum aspecto de forma isola-da, nem fora do seu contexto social,pois mesmo sendo um fenômenomundial, o desemprego se apresentade diferentes formas, em diferentespaíses. E também de forma diferentee específica são as soluções e estraté-gias utilizadas por cada país, de acor-do com sua história, sua cultura e suaposição econômica e política no atu-al mundo globalizado.

De acordo com William Bridges(1995), “A visão de emprego com a qualfomos educados – expediente de traba-lho das 8:00 às 18:00 horas, doze me-ses por ano, promoções e uma pensãoaos 65 anos – parece estar se desvane-cendo.” Segundo ele, essa idéia de “Em-prego” foi criada no período da Revo-lução Industrial, e não vem mais seadequando às necessidades da socieda-de atual. E acrescenta que a má notíciaé a de que, de fato, os empregos estãodesaparecendo; e a boa é de que umemprego não é mais a única maneirapela qual as pessoas podem ganhar avida, e profetiza que, num futuro próxi-mo, as pessoas vão viver num mundodesprovido de empregos. Para ele, oemprego passou a fazer parte das espé-cies ameaçadas, como afirma: “Essa tãoprocurada e tão difamada entidade so-cial está desaparecendo hoje como umaespécie que sobrEviveu além do seutempo evolucionário”. Em sua concep-ção, o emprego é um artefato social ca-racterístico do períoDo fabril e que teveuma representatividade de forma maissignificativa no século XIX.

Ainda segundo Bridges (op. cit.),não devíamos estranhar o desapareci-

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mento do emprego, pois ao passo queas condições e princípios que o cria-ram vão perdendo seu sentido de exis-tir, este também vai perdendo sua cen-tralidade, e a sociedade não tem maisnecessidade de “empacotar o trabalhoem empregos”. Nesse contexto, os tra-balhadores devem esquecer os empre-gos bem-definidos e estáveis, e buscarmaneiras de organizar e fazer o traba-lho que precisa ser feito, independen-te do cargo ou do emprego que cor-responda a tal tarefa.

Concordo que o trabalho não temque ter, eternamente, como represen-tação social, o emprego e que passoua fazer parte de nossa consciência deforma tão arraigada que sequer questi-onamos seu teor artificial, uma vez quefoi criado socialmente, buscando cor-responder às formas de produzir deuma época, mas que se tornou ummodo de vida que reproduzimos, pra-ticamente, de forma naturalizada,como se historicamente não tivessehavido outras formas de se produzir,nem de se trabalhar a não ser atravésde um emprego.

Entretanto, como aceitar que con-quistas de mais de um século referen-tes a garantias e direitos trabalhistas,adquiridos com muito esforço por partedos próprios trabalhadores em buscade dignidade e segurança, sejam su-plantadas e esquecidas? De fato, oemprego não é a única forma de tra-balho. No entanto, a nossa sociedade,há muito, vem se organizando a partirde uma estrutura de tempo e de espa-ço que tem por base a lógica industri-al. E é o emprego de cada indivíduo etambém de toda uma coletividade quevive dele e para ele que determinanossos horários, nosso sistema de trans-porte, o conteúdo programático denossas escolas, o que se convencionouser a hora do almoço, ou do jantar eaté do lazer.

Vivemos em uma sociedade indus-trial e, desta forma, o emprego formalque limita fronteira de tempo e espa-ço, não pode desaparecer de uma hora

para outra sem ser substituído de for-ma ordenada, pensada e que venhareestruturar, de forma responsáveltoda a sociedade, buscando garantiros direitos de quem trabalha. Assim,o argumento de que o emprego é umaforma ultrapassada de trabalhar e quecada um deve tornar-se um prestadorde serviços, de forma livre e autôno-ma, não justifica as manobras utiliza-das pelas empresas com relação à fle-xibilização dos contratos de trabalhoque burlam os direitos dos trabalha-dores e utilizam-se dessa força de tra-balho de forma desrespeitosa e vil,descartando-a quando lhe convier, im-punemente.

Qualificação é garantia naobtenção de emprego?

O mercado de trabalho, hoje, ca-racteriza-se, principalmente, pela bus-ca de pessoal qualificado, e isto temlevado às empresas a adotarem políti-cas administrativas que exigem umamaior capacitação dos candidatos nahora da seleção. E quanto mais se cons-tata a desaparição de cargos e a redu-ção do número de vagas disponíveisno mercado de trabalho, mais a exi-gência com o nível de qualificaçãocresce.

Diante desse quadro marcado poraltos índices de desemprego e força detrabalho em abundância, verifica-seque a tendência da maioria das empre-sas é exigir uma qualificação para po-sições em que ela não é necessária.Tornou-se comum, nos dias de hoje,encontrar, no mercado de trabalho,engenheiro atuando como vendedor,economista trabalhando como digita-dor ou contador sendo caixa bancário,enfim, como há poucos postos de tra-balho para o número de pessoas inte-ressadas nos cargos oferecidos, o em-pregador pode ter um quadro defuncionários mais capacitado do queo necessário.

A cada dia surgem novas fórmulas

e verdadeiros manuais de como semanter no mercado de trabalho e qualo perfil do profissional que as empre-sas buscam hoje. E, nestes manuais ouguias de carreira, constam desde asroupas e cortes de cabelo adequadosao cargo, até a postura que o candida-to deve ter e as atitudes esperadas di-ante dos obstáculos e desafios apresen-tados.

A maioria das empresas, hoje, pau-ta-se num conjunto de princípios quecompõem o novo paradigma de quali-dade. Qualidade passou a ser a pala-vra-chave, nas últimas décadas, advin-da da tese da “Qualidade Total”, quefoi adotada por, praticamente, todos ossegmentos da sociedade em que vive-mos. Qualidade esta exigida em todoo processo de produção como garan-tia de que o produto final atinja a qua-lidade desejada. Daí, a exigência coma qualificação profissional dos opera-dores, visando à qualidade da merca-doria. Em linhas gerais, a qualidadetotal defende a busca do bem-estar dosoperários no ambiente de trabalho,bem como em suas casas e, pelo me-nos, em tese, esse bem-estar deve seestender para os transportes, alimen-tação, saúde e lazer, pois seus defen-sores acreditam que, uma vez que osoperários estejam mais satisfeitos ecom qualidade de vida, apresentarãoum maior rendimento.

A partir da década de 80, a buscapela qualidade se expandiu muito e aspessoas passaram a buscar qualidadenos produtos, nos serviços e em todosos setores. E, advindo desse princípiode qualidade, expande-se a idéia dequalificação profissional, ou seja, sig-nifica uma busca incessante de melho-ria e capacitação pessoal mais ao nívelintelectual do que técnico. Atualmen-te, a maioria das empresas deseja estarentre as que estão reestruturando suaforma de administrar, modernizandosua tecnologia e implementando umasérie de mudanças que fazem parte deum novo paradigma de qualidade. E,nesse processo de inovação, destacam-

As mudanças no mundo do trabalho e os resultados na aquisição de emprego

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se uma série de estratégias que buscamoferecer bem-estar e levar o trabalha-dor a sentir-se como se estivesse emcasa. A ginástica na empresa é uma dasestratégias mais utilizadas, hoje em dia,desde a empresa que apenas dá umapequena pausa de 15 minutos destina-da ao alongamento, até as empresas quechegam a ter academias no próprioambiente de trabalho, destinadas a to-dos os funcionários no final do expedi-ente. No entanto, há empresas que nãose limitam apenas à ginástica, mas in-vestem em sala de cinema para o mo-mento do intervalo, buscando não só odescanso do corpo e da mente, masuma satisfação e um contentamentoatravés de filmes que contenham umteor positivo, através de boas mensa-gens, como também investem em salasde descanso, com poltronas confortá-veis, iluminação adequada e músicaambiente, destinadas ao relaxamentoapós as refeições. Além disso, há tam-bém, em algumas empresas serviços demassagens, buscando o relaxamentodos funcionários antes e depois de reu-niões estressantes e decisivas; bemcomo alimentação balanceada prepa-rada por nutricionistas, na tentativa deoferecer um equilíbrio ao corpo, deacordo com o desgaste de cada funçãodesempenhada; dentre outras técnicascomo coral, dança e dinâmicas de gru-po buscando um bom relacionamentoentre os trabalhadores, visando ummaior rendimento pelas equipes de tra-balho.

Diante de tais estratégias, pergunta-mos: o que, de fato, tem de tão novoneste conjunto de técnicas usadas atu-almente? Até parece a política tayloris-ta –que teve seu auge na primeira me-tade do século vinte – do uso do tempolivre do trabalhador como uma formade integrá-lo na empresa, até no mo-mento de folga com o intuito de que-brar a resistência operária e fazê-lo ves-tir a camisa da empresa. Seguindo osprincípios tayloristas, Mário Giani(1984), na Itália fascista de Mussolini,idealizou centros recreativos (Dopola-

voros) próximos à empresa e organiza-do por estas, com o objetivo de inte-grar os trabalhadores e suas famílias,chegando, muitos deles, a fazer o pa-pel do Estado oferecendo moradia, cre-ches, escolas, hospitais, clubes, igrejas,de tal forma que a empresa fosse exten-são do lar. Já, na Alemanha Nazista, oembelezamento do trabalho foi a estra-tégia, baseada no taylorismo, que maisdeu resultado na busca de satisfação dotrabalhador. Essa estratégia tinha porobjetivo a higienização e beleza noambiente de trabalho com o intuito decausar bem-estar ao trabalhador.

Tais estratégias, tanto no períodotaylorista-fordista quanto, atualmente,com a política da qualidade de vidano trabalho, vemos que há um objeti-vo comum que é o de produzir mais,reduzir custos e atingir altos lucros.Pois, mesmo quando nos discursosempresariais aparecem o empregadocomo prioridade, não é nele, enquan-to pessoa, que a empresa está pensan-do e investindo no seu bem-estar, masem estratégias para retirar o máximodo potencial criativo e da capacidadeintelectual do empregado (Kaizen). Ebusca, com isso, reduzir custos atra-vés da política da qualidade de vida(nutrição, saúde, bem-estar e lazer)como mais uma tática em prol do ca-pital, uma vez que é melhor e maisbarato para a empresa prevenir a LER– Lesão por Esforço Repetitivo, o es-tresse e até o Karoshi – morte súbitano trabalho – do que assistir o traba-lhador após a enfermidade física oupsíquica ter se instalado.

Hoje, há estudos nas áreas de psi-cologia e psiquiatria que identificam etentam evitar algumas síndromes ad-vindas de um cotidiano estressado noambiente de trabalho. Por exemplo,existe a chamada Síndrome do lazerem que o trabalhador tem medo doócio e sente-se culpado por não estarfazendo nada; há a Síndrome da pres-sa em que a pessoa só se sente produ-tiva se estiver realizando tarefas numritmo intenso, mesmo quando não é

necessário; há outra conhecida comoa Síndrome do estresse que se caracte-riza pela busca do trabalho penoso eestafante, como única forma do traba-lhador sentir-se produtivo e útil; e ain-da podemos citar a chamada Tecno-estresse, quando o trabalhador éviciado em novas tecnologias e chegaà compulsão por tecnologia, ao pontode, por exemplo, só se comunicar atra-vés do computador.

Dentre as qualidades exigidas pelamaioria das empresas e agências deemprego, o potencial intelectual docandidato passou a ser o principal cri-tério a ser levado em consideração naseleção de pessoal, e é visto como si-nônimo de eficiência. Contrária à ló-gica taylorista-fordista que defendia ouso racional do tempo para se obteruma maior produtividade, em que oconceito de eficiência se pautava nahabilidade do produtor de transformar,de forma repetitiva e ágil, matéria-pri-ma em mercadoria; eficiência, hoje,significa conhecimento de todo o pro-cesso produtivo, por parte do trabalha-dor, de tal forma que ele possa inter-vir nesse processo, através de sugestõesde formas mais viáveis de produzir,bem como soluções para possíveis pro-blemas que possam surgir.

Eficiência, para Taylor (1970) nãoera sinônimo de saber fazer, ao con-trário, o produtor passou a ser expro-priado do conhecimento do trabalho,uma vez que a extrema especializaçãode funções “roubou-lhe” o conheci-mento do processo como um todo.Além disso, a separação entre a con-cepção do trabalho e a execução dastarefas, idealizada por tal autor, criouuma barreira intransponível entre oprodutor e o próprio resultado de seutrabalho,de tão compartimentado quese tornou o processo de produção. Eassim, a eficiência do trabalhador pas-sou a ser medida não mais pela suacapacidade de criar e produzir merca-doria, mas pela rapidez com que eleproduzia parte da mercadoria, que,geralmente, não lhe proporcionava,

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sequer, o prazer de ver o produto aca-bado.

Contrariando esse princípio de efi-ciência como sinônimo de agilidade erepetição, De Masi (1999) afirma que,graças às novas tecnologias, vivemosna sociedade pós-industrial, uma soci-edade em que conhecer conta mais doque fazer. Neste ínterim, desenvolvemelhor o seu trabalho quem cultivaoutros interesses e não se limita ape-nas a especializar-se numa ínfima par-te da produção. Daí, explica-se a bus-ca, por parte dos trabalhadores, em semanter atualizados através de cursos,congressos e palestras, tanto em suaárea de trabalho quanto em áreas afins.

Há um novo ambiente de trabalho,de acordo com Bridges (1995), em queas pessoas para se sair bem precisamencarar cada situação de trabalho comoum mercado repleto de clientes e cujasnecessidades, exigências e expectativasestão em contínua mudança. E, nestecontexto, o melhor é que cada um seveja como um micronegócio do quecomo um mero trabalhador ou gerentede um negócio alheio. Este mundo atu-al, encontra-se marcado por um mer-cado em que o trabalho não tem ende-reço certo, que oscila muito de acordocom as oportunidades do momento, eque não dar para fazer projeções daprodução de um ano. Daí que, obterásucesso, quem for capaz de se adequara esta nova ordem, marcada pelo fluxocontínuo de mudanças nas relações, ser-viços e processos ligados ao trabalho.Ele acrescenta que os melhores empre-gos serão destinados às pessoas queobtiverem as melhores qualificações.Porém, alerta que o conceito de quali-ficação mudou. As antigas qualificaçõestinham que ter diplomas, certificados,referências e experiência num empre-go semelhante e não é esse conjuntode exigências que conta hoje. E afirma:

A nova qualificação é que você realmentequeira fazer o trabalho (“atitude”), que vocêseja bom naquilo que o trabalho requer (“ca-pacidade”), que você se adapte àquele tipo de

situação (“temperamento”) e que tenha os re-cursos necessários que o trabalho exige (“ati-vos”). Esses DADOS são as únicas qualificaçõesque importam num mundo do trabalho rapi-damente mutante (op. cit.:141).

Diante das dificuldades enfrentadas,hoje, na aquisição de emprego, teste-munhamos uma verdadeira corrida embusca de qualificação, pois para asempresas se tornou um pré-requisitobásico na seleção de pessoal. Dentre oscritérios utilizados no processo de sele-ção de candidatos, podemos destacar,na maioria dos casos, a obrigatorieda-de de um curso superior; o domínio de,pelo menos, duas línguas estrangeiras;o conhecimento de informática; segu-rança no conhecimento básico – obje-to do concurso – dentre outras qualida-des consideradas imprescindíveis. Noentanto, como há no mercado de tra-balho uma mão-de-obra farta e que cor-responde a tais exigências, hoje, bus-ca-se o chamado diferencial, em quesão levados em consideração: a criati-vidade, a desenvoltura, a capacidade detrabalhar em equipe e conhecimentosos mais diversificados, ou seja, carac-terísticas do candidato que até ultrapas-sam a qualificação necessária ao car-go, mas que farão a diferença a seu favorna hora da escolha do candidato. Fren-te às exigências de qualificação temhavido um aumento considerável tantona oferta de cursos de oratória; de rela-ções humanas; de técnicas de expres-são corporal, quanto no surgimento detoda uma literatura especializada na ob-tenção de qualificação profissional.Desta forma, investir em qualificaçãoprofissional tornou-se, nas últimas dé-cadas, uma constante na vida da maio-ria dos trabalhadores.

Esta tentativa de se manter no mer-cado de trabalho altamente competiti-vo, tornando-se escravo da qualifica-ção permanente, através de cursos eespecializações, segundo Antunes(2001), não garante nem a aquisiçãode novas vagas, uma vez que tal em-penho por parte dos trabalhadores,

hoje, em se manter atualizado, não ésuficiente para garanti-lo no mercadode trabalho. Pois, o quadro do desem-prego é muito mais complexo e nãoserá solucionado através da qualifica-ção de pessoal, mas de um conjuntode mudanças estruturais profundas. Eafirma acreditar em mudanças sociais,econômicas e políticas estruturais queocorrerão como resposta coletiva aodesemprego e que conseqüentementealterarão a lógica, que ele chama dedestrutiva do sistema social vigente.

Entretanto, enquanto não ocorrammudanças estruturais mais profundasno mundo do trabalho que atinjam oâmago dessa problemática, ou seja, afalta da capacidade do sistema, comoconhecemos, de absorver toda a mas-sa de trabalhadores; acreditamos que,a cada dia, aumentará a competição,a busca desenfreada por uma vaga nomercado de trabalho. E, apenas, con-seguirá ser absorvido pelas empresas,mesmo que temporariamente, quemcorresponder ao perfil do profissionalcriativo, capaz e versátil, segundo oscritérios adotados pela maioria dasempresas.

Considerações finais

Estamos vivendo um momento his-tórico marcado por modificações noâmbito do trabalho e, como conseqü-ência, constata-se um declínio inevi-tável nos níveis de emprego em todo omundo. O medo de ser demitido ou otemor de não ser absorvido pelo mer-cado de trabalho tornaram-se constan-tes nos dias atuais. Profissionais dasáreas da psicologia, sociologia e eco-nomia constatam, em seus estudos, queo desemprego tornou-se, se não o mai-or, um dos piores problemas enfrenta-dos pelas sociedades atualmente.Alémdos altos índices de desempregados,vem aumentando, a cada dia, tambémo número de subempregados, caracte-rizando, assim, um processo de degra-dação no mercado de trabalho, tanto

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através dos empregos ainda existentes,marcados pela alta rotatividade damão-de-obra e pela flexibilização doscontratos de trabalho, como através dosetor informal, que vem crescendo deforma assustadora nos últimos anos.

Tais mudanças se devem ao fato deque novas modalidades de trabalhovêm sendo implementadas. E não setrata de mudanças transitórias de car-gos e funções, considerados obsoletos,por outros pautados em tecnologiasmodernas, mas diz respeito a novosparadigmas que vêm transformandotanto a maneira de executar as tarefase de se relacionar dos homens no âm-bito do trabalho, como, conseqüente-mente, vem modificando também, todaa lógica e a organização da socieda-de. Esse novo paradigma, que embasao mundo do trabalho, caracteriza-sepor adotar uma filosofia empresarialpautada na automação, informatizaçãoe flexibilidade dos processos e contra-tos de trabalho, visando uma empresaeficaz, enxuta e competitiva.

Diante desse quadro em que o em-prego tornou-se algo muito raro e aforça de trabalho encontra-se emabundância, em praticamente, todosos setores do mercado, têm-se verifi-cado que as empresas vêm adotandocritérios cada vez mais rígidos no pro-cesso de seleção de pessoal. Destaforma, justifica-se a busca incessantede qualificações, através de cursos eespecializações, por parte dos traba-lhadores, para se manterem competi-tivos. Surgindo assim, uma nova men-talidade acerca da qualificação quedeixou de se caracterizar apenas pe-los diplomas, referências e experiên-cia do candidato, e passou a signifi-car um conjunto mais complexo dequalidades além do conhecimento,como: atitude, motivação, criativida-de, versatilidade, desenvoltura, capa-cidade de trabalhar em equipe, den-tre outros. Tais características, namaioria dos casos, ultrapassam a qua-lificação necessária à função que serádesempenhada pelo candidato.

Há uma lógica dominante, defen-dida por alguns teóricos, acerca do tra-balho sem emprego, a qual sugere quecada um se considere, não como umoperário em busca de um cargo, mascomo um micronegócio, independen-te e autônomo, sem endereço certo oucarteira assinada, mas que esteja aptoa buscar as oportunidades do momen-to existente num mercado de trabalhonada previsível ou estável. Dessa for-ma, obterá sucesso quem tiver capaci-dade de se adequar a essa nova ordemque se caracteriza por mudanças cons-tantes nas relações, serviços e proces-sos ligados ao mundo do trabalho.

No entanto, vivemos em uma soci-edade regida por uma lógica industri-al e que ainda tem o emprego (formal)como limite de fronteiras, de tempo ede espaço, e que organiza toda umacoletividade. Cremos que não é, tãosimples, ‘liberar’ o homem do hábitode trabalhar sob a égide de um empre-go que dar sentido a toda uma estrutu-ra social, e torná-lo um “micronegó-cio” – independente, autônomo, ummero prestador de serviços.Assim, faz-se necessário todo um processo de re-estruturação da sociedade, de manei-ra responsável e ordenada, de tal formaque se encontre alternativas mais viá-veis e justas que garantam os direitosde quem trabalha.

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ariúsRevista de Ciências Humanas

Vol. 13Número especial temático

“Trabalho e Emprego: Temas Atuais”janeiro/julho de 2007

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro/ julho de 2007

Comprometimento organizacional,fatores estressantes do trabalhoe identidade social.Um estudo exploratórioResumo:

Este trabalho estuda, do ponto de vista psico-social, as relações entre comprome-timento organizacional, fatores estressantes do trabalho e identidade social, numaindústria de colchões da Paraíba. Para tratamento dos dados, utilizo-se a análisecorrelacional e de variância do programa estatístico SPSS. Em relação aos fatoresestressantes, em geral, foi observado que o conjunto dos empregados apresentaum nível mediano de fatores estressantes. Os resultados confirmaram as nossashipóteses principais. Constatou-se que o fator de estresse: relações sociais detrabalho, apresentou uma correlação negativa com o comprometimento organi-zacional. Também foi confirmada a hipótese de uma relação significativa entre aidentidade social e o comprometimento organizacional.Palavras chaves: Comprometimento organizacional, Fatores estressantes, Identi-dade social.

Abstract:This paper is concerned, from the psico-social standpoint, about the relationships be-tween the organizational engagement, stressful factors of employment and the socialidentity, in one of the mattresses factory from Paraíba. The treatment of data was madethrough the analysis of Pearsons ́ correlations and the analysis of SPSS program ́ varian-ce. Related to the stressful factors, was observed that a set of employments showsmedium level of stressful factors. The results confirm our main hypothesis, the stressfulfactor of the social relationships of employment keep a negative correlation whit theorganizational engagement and there is a significance relation between social identityand engagement organizational.Key Words: Organization engagement, Stressful factors, Social identity.

Roberto MendozaProfessor da UAAC-CH-UFCG.Email: [email protected].

Viviane MedeiroBacharel em Administração.

Joseli Bastos da CostaProfessor de Psicologia da UFPB.

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1. Introdução

O comprometimento dos assalaria-dos para com a organização tem sidouma preocupação constante, especial-mente desde a década do 40, com asdescoberta de Elton Mayo sobre a im-portância das Relações Humanas noslugares de trabalho. Entretanto, surge,como premissa teórica destacada a par-tir da década dos 90; por um lado, coma extensão da qualificação do trabalhono processo de reconversão industriale a introdução de máquinas-ferramen-tas mais complexas sustentadas na ci-bernética e na microeletrônica e, poroutro, com a difusão do isomorfismodas novas formas de gestão empresari-al, baseadas na descentralização dasdecisões e no enriquecimento dos pos-tos de trabalho. Nesse contexto, a ne-cessidade de um maior comprometi-mento dos trabalhadores tornou-seprioritário para a classe gerencial. Nes-te estudo, tentaremos mostrar, do pon-to de vista psicossocial, as relações en-tre o comprometimento organizacional,a identidade coletiva e os fatores estres-santes do trabalho.

2. Comprometimento Organiza-cional

Diversas pesquisas se caracterizampor estudar o vínculo do comprometi-mento organizacional com outros fe-nômenos psicossociais, tais como éti-ca do trabalho, estresse e qualidade devida no trabalho. Estudos na área decomportamento organizacional levama afirmação de que, a exposição a fa-tores de tensão no trabalho pode pro-vocar efeitos nocivos na produtivida-de e na satisfação dos membros de umaorganização. Entre esses fatores queprovocam estão o conflito de papéis,a ambigüidade e a sobrecarga de pa-péis. As tensões no trabalho tambémpodem ser originadas pela própria es-trutura do papel, pois aqueles que de-terminam os papéis podem ter expec-

tativas conflitantes através de comuni-cações incompatíveis, ou difíceis, depriorizar. Diversos autores encontra-ram correlações positivas significativasentre a sobrecarga de trabalho e a in-satisfação com a função exercida (Ro-driguez & Apocada, 2001).

Alguns autores definem o compro-metimento organizacional como a for-ça da identificação com uma organi-zação e de seu envolvimento com ela.

Outros o definem como:

“a identificação do indivíduo com a organi-zação, caracterizada pela crença e aceitaçãodos valores e objetivos desta, acompanhadopelo desejo de permanecer como um membroe por esforços realizados em benefício da or-ganização” (Mowday, Porter, & Steers, 1986).

Amorin (1996), por sua vez, apre-senta dados coletados no Brasil sobrea possível influencia das tensões e docomprometimento organizacional so-bre a satisfação no trabalho, prevendoque:

– O comprometimento organizacional e aambigüidade tolerável apresentaram correlaçõespositivas com a satisfação com o trabalho.

– O conflito de papéis e sua sobrecarga apre-sentaram correlações negativas com a satisfa-ção com o trabalho.

A pesquisa sobre comprometimen-to parece indicar que este seria umaresposta do indivíduo a organizaçõesque oferecem suporte para os seus ob-jetivos de crescimento e de desenvol-vimento pessoal e profissional, em umcontexto de eqüidade no tratamentodos seus recursos humanos.

Num amplo estudo, foram identifica-das quatro dimensões bipolares de com-prometimento: a primeira é o Pró-sindi-cato-Anti-sindicato, no qual o primeiropólo apresenta um baixo comprometi-mento com a organização e a carreira,ocorrendo o inverso no segundo; a se-gunda dimensão é o profissional com-prometido x profissional descomprome-tido com a sua profissão, em que o primeiro

pólo apresenta um comprometimentoalto, exclusivamente com a profissão, e osegundo, apresenta só, um alto compro-misso com a organização e o sindicato. Aterceira dimensão, por sua vez, é o profis-sional-sindicalista x profissional localista,em que o primeiro pólo apresenta umalto compromisso com o sindicato, masum nível muito baixo de comprometimen-to com a carreira e a organização. Já oprofissional localista apresenta apenas ummoderado compromisso com a organi-zação. Por fim, a quarta e última dimen-são se refere ao pólo dos comprometi-dos em geral x os descomprometidos emgeral, na qual, o primeiro é compromis-sado com a profissão, a organização e osindicato, enquanto o segundo têm mui-to baixo nível de comprometimento emgeral (Bastos, 1994).

Outros trabalhos destacam que osestudos deveriam incluir os casos deexperiências de autogestão operária ede cooperativas, geralmente omitidasnas pesquisas acadêmicas (Mendoza,2004).

3. Identidade com o Trabalho

As recentes transformações que es-tão ocorrendo no espaço organizacio-nal põem, em evidência, o chamadofator humano, com sua importância eimplicações sobre o processo produti-vo. O fator humano, apesar de já tersido foco de estudo de escolas de ad-ministração, ressurge agora com outrasabordagens, tendo em vista a comple-xa e múltipla dimensão considerada.O caráter subjetivo e sua relevância nocotidiano laboral ensejam o aprofun-damento de temas específicos, procu-rando, com isto, fornecer subsídiospara uma melhor compreensão e aná-lise dos aspectos que lhes são ineren-tes. Além disso, o aumento da procurapor serviços de assistência a saúde e aconstatação da relação entre os pro-cessos de saúde e doença da popula-ção além do cotidiano laboral, pro-põem o exame e a articulação entre a

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dimensão subjetiva e objetiva represen-tada pelo trabalho.

Os temas Identidade e Trabalhotêm, em comum, uma interpretaçãocontrovertida de ordem conceitual,extensiva as suas origens etimológicas.Identidade vem do latim e significaidem, o mesmo, propondo uma idéiade estabilidade. A tendência atual é deconcebê-la como uma síntese dialéti-ca, dando às relações sociais, papel dedestaque na sua constituição.

A relação entre as ações coletivas degrupos sociais e a adoção ou constru-ção de uma identidade social comumpor parte de seus membros é enfatiza-da por diversos autores (Mendoza,2004; Reicher, 1984).

Como se processa esta relação? Deacordo com Tajfel (1983), o compor-tamento social pode ser analisado tan-to ao nível das relações entre indiví-duos como ao nível das relações entregrupos. O comportamento ao nível in-ter-individual é aquele em que as rela-ções entre dois ou mais indivíduos, seacham inteiramente determinados ouinfluenciados pelas características sin-gulares das pessoas que interagem epela história passada do seu relacio-namento. Já o comportamento ao ní-vel inter-grupal corresponde àqueleque é determinado não pelas caracte-rísticas singulares do indivíduos, nempelo passado interpessoal, mas pelascategorias sociais as quais as pessoaspertencem (grupos profissionais, mo-vimentos sociais, classes sociais). Nes-te sentido a identidade social do indi-víduo se constrói nesse processo deidentificação cognitiva, emocional eavaliativa com seu grupo de pertençae do qual ele participa; identidade comseu próprio grupo – “ingroup” – quelhe permite comparar-se com indivídu-os de outros grupos – “outgroups” –semelhantes, opostos, superiores ouinferiores, mantendo dessa forma suaauto-estima individual e uma identida-de social positiva de si próprio e deseu grupo.

Segundo Rouhana (1997), a identi-

dade coletiva é algo que reside no gru-po mais que nos indivíduos que o inte-gram. Esta adquire uma maior saliência,visibilidade social, num momento his-tórico determinado, porque sua centra-lidade se baseia numa valência positi-va ou negativa, produto de conflitosinter-grupais. De acordo com o autor,a identidade coletiva integra aspectoscognitivos e afetivos. No primeiro as-pecto, o cognitivo, se distingue o nívelformal-legal, o político e o sócio-cultu-ral. No segundo, o afetivo, se diferen-cia a lealdade ao grupo, o apego afeti-vo e a convicção de destino. O aspectocognitivo é elaborado em conjunto pelogrupo, enquanto que o aspecto afetivoserve para dar unidade e coesão à es-trutura da identidade coletiva.

Segundo Tajfel (1983), existiriamrelações importantes entre as açõessociais e os sistemas de crenças pre-dominantes na sociedade, particular-mente as crenças na mobilidade e/oumudança sociais.

A mobilidade social refere-se àscrenças dos indivíduos acerca da na-tureza e estrutura das relações entregrupos sociais dentro da sociedade.Esta crença está baseada na suposiçãogeral de que a sociedade em que o in-divíduo vive, é uma sociedade flexí-vel e permeável, de forma que se eleou ela não está satisfeito, por quais-quer razões que sejam, com as condi-ções impostas às suas vidas por mem-bros dos grupos sociais e das categoriassociais a que pertençam, é possível queeles emigrem ou se transfiram-se in-dividualmente ao grupo que mais lheconvenha. Já a crença na mudança so-cial implica que a natureza e a estru-tura das relações entre grupos sociaisna sociedade se caracterizam por umaestratificação rígida, o que tornariaimpossível ou muito difícil para a pes-soa enquanto indivíduo, desfazer-se deuma pertença de grupo insatisfatória,pobre e estigmatizada. Assim, acredi-ta-se que a única maneira de mudarou perpetuar a conjuntura social é atra-vés de ações grupais. Os sistema de

crenças correspondentes à mudançasocial, estariam associados a conflitosinter-grupais intensos (Amancio, 1993).

A palavra trabalho, por sua vez, tam-bém propõe uma associação controver-tida, relacionada ao sofrimento e àtransformação da natureza humana atra-vés das próprias atividades humanas.Etimologicamente significa “tripalium”,isto é, tortura, dor, sofrimento. Os au-tores reconhecem uma dificuldade emdelimitá-lo com precisão, e sugerem oemprego de aproximações conceituais.

No processo de trabalho, o ser hu-mano gasta energia mental, afetiva,nervosa e muscular. Por outras pala-vras, gastam sua força de trabalho, queé o conjunto das capacidades do ho-mem e da mulher para o trabalho. Portanto, nesse sentido, o trabalho é o pro-cesso de desgaste da força, da energiade trabalho. Por outra parte, a ativida-de laboral tem um caráter dual, que semanifesta num sistema de relações in-dissoluvelmente ligadas entre sim: arelação do sujeito com o objeto de tra-balho, e sua relação com as outras pes-soas da organização e da sociedade. Éuma atividade psicofísica-afetiva e so-cial, que se realiza fazendo incidir aação no objeto, o transformando comajuda de instrumentos. Este processose realiza para adequar o objeto á sa-tisfação de uma ou outra necessidadeda sociedade humana, historicamentecondicionada pelos interesses coleti-vos. Em outras palavras, é uma ativi-dade que se realiza com outros e, nasociedade atual, podemos dizer que serealiza para outros.

A articulação entre identidade e tra-balho vem de uma tradição que con-fere, ao papel social, expressividade naconstituição da identidade. A crescen-te importância conferida ao trabalhona sociedade ocidental concede, aopapel de trabalhador, um local de des-taque, ao qual se agregam as qualifi-cações exigidas pelo exercício laboral.Estudos empíricos revelam que a iden-tidade social de trabalhador se consti-tui precocemente através da identifi-

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cação com modelos adultos significa-tivos (trabalhadores adultos) e/ou atra-vés da inserção concreta no mundo dotrabalho.

Na fase adulta da vida, a inserçãono mundo concreto do trabalho apa-rece como seqüência lógica de umavida tida como normal e como atribu-to de valor em uma sociedade que viveem função do fator produtivo. A varie-dade de espaços de trabalho oferecidaconstitui oportunidades diferentes paraa aquisição de atributos qualificativosda identidade social de trabalhador, apesar de que, nas ultimas décadas, areconversão produtiva tenha alteradoos papéis e postos de trabalho.

São inúmeros os estudos que têm,como tema, a investigação de caracte-rísticas identificatórias próprias da clas-se operária e/ou de determinada cate-goria profissional. O termo identidadesocial pode ser encontrado, às vezes,referindo-se à consciência de perten-cer a determinado grupo social e à car-ga afetiva que isto implica. A associa-ção de identidade e trabalho pode,muitas vezes, explicar a doença, a saú-de e o sofrimento do trabalhador.

4. Estresse laboral

Um dos problemas mais discutidosna atualidade é o estresse nas organi-zações laborais, que ultrapassa as es-feras meramente trabalhistas, afetandotambém as esferas pessoais, familiarese sociais. O termo stress vem da físicae, neste campo do conhecimento, temo sentido do grau de deformidade queuma estrutura sofre quando é submeti-da a um esforço. Segundo Rios e San-chez (1997), Selye utilizou este termopara denominar o conjunto de reaçõesque um organismo desenvolve, ao sersubmetido a uma situação que exigeum esforço para sua adaptação. Per-cebeu em seus estudos, que quando sesubmete um organismo a estímulos queameacem sua homeostase, ele tende areagir com um conjunto de respostas

específicas que constitui uma síndro-me, que é desencadeada independen-temente da natureza do estímulo. Aeste fenômeno, ele chamou estresse.O estado de estresse reflete um con-junto de reações e de respostas do or-ganismo necessário para a preservaçãode sua integridade (Rios & Sanchez,1997).

Os estímulos psíquicos e físicos pre-sentes no ambiente, quando percebi-dos pelo indivíduo como pressões,podem, ou não, descompensar o equi-líbrio e a homeostase do seu corpo. Seo equilíbrio orgânico é rompido de al-guma forma, ocorrerão necessariamen-te respostas específicas ou generaliza-das de ajustamento que, segundo Riose Sanches (op. cit.), visam recuperar oequilíbrio e fornecer meios adequadospara o enfrentamento das pressões queprovocam o desajuste. Tais respostaspodem envolver componentes compor-tamentais, afetivos, cognitivos e fisio-lógicos. Em seu conjunto, essas respos-tas adaptativas são chamadas deestresse.

O estresse pode caracterizar-secomo de natureza crônica, quando oagente agressor age continuamente ouquando o indivíduo não consegue seadaptar, satisfatoriamente, a algumapressão em seu ambiente; ou como denatureza aguda, quando a reação se dáem virtude de alguma pressão especí-fica ou momentânea.

Classicamente, dividisse, em trêsfases, o conjunto de modificações nãoespecíficas que ocorrem no organismodiante de situações de estresse e no-meou-se de Síndrome Geral de Adap-tação. A primeira fase é chamada dereação de alarme, caracterizada por:aumento de freqüência cardíaca, pres-são arterial e freqüência respiratória,dilatação da pupila, dos brônquios eansiedade. A segunda fase foi chama-da de reação de resistência, por existira continuidade da ação pelo agenteestressor, podendo o indivíduo apre-sentar ulceração no aparelho digesti-vo, irritabilidade, insônia, diminuição

no humor, e diminuição de desejo se-xual. A terceira fase, chamada de rea-ção de exaustão, dá-se em função defalhas no mecanismo de adaptação doindivíduo, a reação de alarme, segui-do pelo esgotamento e sobrecarga fisi-ológica, com possibilidade de morteda pessoa. As reações não precisam,necessariamente, desenvolver-se até ofinal para que haja estresse e, em situ-ações mais graves, é que atinge a últi-ma fase. O estresse, relacionado ao tra-balho, é definido como situações emque a pessoa percebe seu ambientelaboral como ameaçador de suas ne-cessidades de realização profissional,ou de sua saúde física ou mental, pre-judicando a interação da pessoa comos outros e com o ambiente de traba-lho, na medida em que este ambientecontém demandas excessivas a ela, ouque ela não dispõe de recursos ade-quados para enfrentar tais situações.

Quando o estresse funciona comoum elemento motivador, capaz de ace-lerar, despertar e ajudar o indivíduo avencer desafios aumentando sua cria-tividade e adaptabilidade ao meio, foidenominado de Eustress, ou Estressepositivo, revelando as conseqüênciasvantajosas desse fenômeno sobre avida das pessoas. O estresse se tornadistress quando absorve as energias doindivíduo, debilitando o organismo efavorecendo o aparecimento de doen-ças. Quando as demandas do ambien-te exigem mais do que a estrutura psí-quica que o individuo é capaz desuportar, evidencia-se o distress de so-brecarga. Responsabilidades acima dacompetência intelectual, psicológica efísica do individuo, ou um ambientede trabalho permanentemente confli-tuosos e tensos, são alguns exemplos.Por outro lado, há a possibilidade deocorrência de um distress de monoto-nia, quando a estrutura psíquica doindividuo é pouco estimulada pelasexigências do meio, como é o caso detrabalhos pouco desafiantes e monó-tonos, relacionamentos interpessoaisempobrecidos dentre outras circunstân-

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cias (Delgado, 2001).Estudos desenvolvidos por Lazarus

(1985), enfatizaram as interações entreo indivíduo e o ambiente, deixandomais clara a idéia de que as pessoasdeterminam, em alguma medida, o es-tresse que experimentam. A partir des-ses estudos passou-se a considerar a for-ma como o indivíduo interpreta e conferesignificado aos eventos como um ele-mento importante na discussão do es-tresse (Delgado, op.cit). Colaborandocom essa perspectiva, Voguel (1993,apud Ladeira, s/d) entende que as per-cepções dos eventos baseadas, sobretu-do em fatos experenciais e de naturezacognitiva, são um elemento fundamen-tal para a transformação de estressorespotenciais em manifestações reais deestresse. Fato que reforça a afirmação deque existe um nível apropriado de es-tresse para cada indivíduo, determina-do, em grande parte, por variáveis deordem pessoal. Duas destas variáveissobressaem-se na explicação de umamaior ou menor vulnerabilidade daspessoas quanto a manifestações de es-tresse: o comportamento do Tipo A e oLócus de Controle do Indivíduo.

Ladeira (s/d), caracteriza o compor-tamento do tipo A como intenso, dire-cionado para as realizações pessoais eelevadas metas de desempenho. Umgrande número de pesquisas, em dife-rentes amostragens e ocupações, con-firma a associação direta entre o com-portamento do tipo A e os sintomascaracterísticos de estresse, em especi-al, os problemas coronarianos. O Lo-cus de Controle é percebido pelo indi-víduo diante de inúmeras situações desua vida. A predominância de umaorientação interna, quanto ao Locus deControle está positivamente relaciona-do à capacidade do indivíduo em li-dar com as circunstâncias e situaçõesde pressões evidentes. A orientação ex-terna do Locus de Controle está pre-sente em pessoas que acreditam terpouca ou nenhuma influência sobre osfatores da vida.

5. Objetivos

Neste trabalho, pretendemos estu-dar as relações entre o Comprometi-mento Organizacional, os Fatores Es-tressantes do trabalho e a IdentidadeSocial.

Consideramos que a um maior ní-vel de estresse percebido, menor seráo nível de comprometimento organi-zacional dos trabalhadores e funcioná-rios. Por outra parte, ponderamos queexiste uma relação positiva entre iden-tidade social e o comprometimentoorganizacional.

6. Metodologia

A pesquisa envolve funcionários deuma indústria de colchões de Campi-na Grande, e foi realizada no períodode janeiro e fevereiro de 2004.

Para a analise dos resultados utili-zou-se à estatística descritiva, o anali-se correlacional e a ANOVA.

6.1. Tamanho da amostra e os su-jeitos

Para escolha da amostra da fábricafoi obedecida a divisão de setores jáexistente na empresa. A amostra con-tou com 40 sujeitos escolhidos aleato-riamente, de um universo de 80 pes-soas.

A idade dos sujeitos oscilou entre18 e 44 anos. 20% foram de mulherese 80% de homens. Somente 18% ti-nham nível superior. O estado civilmostra que 48,7% são solteiros e51,3% são casados. Quase 1/3 dos fun-cionários tinha somente 1 ano de tra-balho na empresa

6.2. Os InstrumentosUtilizamos questionários de uma

versão brasileira do OrganizationalCommitment Questionaire (OCQ), ela-borado por Mowday & Cols. (1982),validada para o contexto brasileiro eutilizado por Bastos (1994). O questi-onário compreende 19 itens e destina-

se a avaliar o grau de comprometimen-to do empregado com a empresa emque trabalha. Em cada um desses itensdo questionário pedia-se ao sujeitopara indicar sua concordância, numaescala de 1 a 7, sendo 7 a maior con-cordância.

Foi usado também o Questionáriode Identidade Social (Costa, 2003),composto de 11 perguntas com umaescala de 1 a 5, com as seguintes al-ternativas de resposta: Não pertenço,pertenço mas não é importante, per-tenço e é importante, pertenço e émuito importante e pertenço, mas gos-taria de não pertencer.

Utilizamos por último o questioná-rio de Estresse Laboral contendo 13questões sobres condições de empre-go, 9 questões sobre condições de tra-balho, 10 sobre relações sociais no tra-balho e 19 sobre o conteúdo dotrabalho elaborado pelo Instituto Na-cional de “Seguridad e Higiene en eltrabajo” da Espanha (Delgado, 2001).Neste questionário, os sujeitos tinhamque responder numa escala de sim/não. Também foi utilizado um questi-onário (com 10 perguntas) sobre da-dos sócio-demográficos.

6.3. Aplicação do instrumentoA aplicação dos questionários foi

feita individualmente para não inter-romper a produção e o andamento dafábrica. Na oportunidade da aplicaçãoforam explicados os objetivos da pes-quisa e a sua relevância e o total sigilodas respostas obtidas. Além disso, foidadas plena atenção e liberdade aossujeitos para esclarecer as dúvidas so-bre como responder as questões ouquaisquer outras perguntas.

7. Análise dos resultados.

A análise dos resultados obedeceráa seguinte ordem: a) Dados de percep-ção dos fatores estressantes do traba-lho (análises descritivas de contingên-cia); b) Dados dos níveis de identidade

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social, gerais e específicos; e por fim,c) Dados sobre relações entre os fato-res de estresse, comprometimento or-ganizacional e identidade social.

a) Dados de percepção dos fatoresestressantes do trabalho

De acordo com a análises descriti-vos de contingência, o setor adminis-trativo, em relação ao fator condiçõesde emprego, apresenta um maior índi-ce de percepção de fatores estressan-tes (58,2), comparado com setor deprodução (55,7).

No fator de condições de trabalho,o setor de produção apresentou umíndice bem maior de condições estres-santes (40,5) que o índice do setor ad-ministrativo (28,57).

No fator de relações sociais, o se-tor de administração é o que apresen-tou maior índice de percepção de con-dições estressantes (42,8) contra 30,6do setor de produção.

E, finalmente, no fator conteúdo dotrabalho, o setor administrativo e pro-dutivo, tem quase o mesmo índice depercepção de fatores estressantes (39,1)e (38,9) respectivamente.

Por outra parte, quase em igual pro-porção, ambos setores apontam haverexcessiva vigilância sobre os trabalhado-

res (71,4% e 75%), respectivamente.Por último, no gráfico 5, a análise

nos indica que apenas uma pequenaparte da administração (14,3%) perce-be que o trabalho seja emocionalmen-te exigente. Para a produção ocorre oinverso, a maioria do setor (90,3%),consideram o trabalho como emocio-nalmente exigente.

b) Dados dos níveis de identidadeNo gráfico 1 (ver anexo), as análi-

ses nos indicam que os maiores níveisde identidade foram verificados comas categorias brasileiros (90%), traba-lhadores (87,5%) e trabalhadores daindústria de colchões (82,5%). Os trêsmenores níveis de identidade foramconstatados na categoria: “e´ maisimportante ser nordestino do que bra-sileiro” (12%); “pessoas que pensamser mais importante serem brasileirosdo que nordestinos” (12,5%) e traba-lhadores de escritório (20%).

c) Dados sobre relações entre per-cepções dos fatores estressantes do tra-balho, comprometimento organizaci-onal e identidade social.

Podemos observar, na tabela I, queo estresse laboral se correlaciona ne-gativamente no seu fator de RelaçõesSociais, com o Comprometimento or-

ganizacional. Isto é, quando há umapontuação mais alta nesse fator den-tro da empresa (mais problemas nasrelações sociais), menor comprometi-mento organizacional. Os outros fato-res do estresse não estão relacionadoscom comprometimento.

Podemos ver, na tabela II, que exis-te uma relação significativa entre Altaidentidade com ramo de trabalhado-res da indústria de colchões e compro-metimento (F2; 33= 5,595, P < 005).Isto quer dizer que quanto maior aidentidade maior será o comprometi-mento com esse setor da industria.

8. Conclusões

Em relação aos fatores estressantes,em geral, observamos que o conjuntodos empregados percebe um nívelmediano de fatores estressantes. O se-tor administrativo tem, em três, dosquatro fatores, um nível maior de per-cepção de estressores que o setor pro-dutivo. Este último só apresenta umíndice evidentemente maior no fator decondições de trabalho.

Especificamente, em relação ao fa-tor condições de emprego, no que serefere ao estressor remuneração mone-tária, o setor administrativo possui ummaior nível educacional e tem maispossibilidade de comparar sua remu-neração com outras empresas, o queexplica seu descontentamento nestesentido, ao passo que o produtivo qua-se não tem parâmetros de comparaçãodaí sua maior conformidade com a re-muneração recebida.

Quanto ao fator estressante, condi-ções de trabalho, o setor produtivopercebe, em geral, que possui menorqualidade nas condições de trabalhodo que o setor administrativo, o que écomum na maioria das indústrias (le-vantar objetos pesados, posturas incô-modas, etc.).

No que se refere ao fator relaçõessociais no trabalho, que tem haver prin-cipalmente, com as relações hierárqui-

TABELA I – COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO DE PEARSONS ENTRE OS FATORES DO QUESTIONÁRIODE FATORES ESTRESSANTES DO TRABALHO E O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

sieváiraVseõçidnoCogerpmeed

seõçidnoCohlabarted

seõçaleRsiaicoS

odúetnoCohlabartod

otnemitemorpmoClanoicazinagrO

otnemitemorpmoClanoicazinagrO

200,0 731,0- 453,0- * 492,0- -------

50,0<PaovitacifingiS=*etnoF opmacedasiuqsep:

TABELA II: ANOVA – IDENTIDADE COM TRABALHADORES DA INDUSTRIADE COLCHÕES EM RELAÇÃO AO COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

edaditnedIotnemitemorpmoC

)FetseT(sacitsítatsEAIDÉM OÃRDAP.D

axiaB ba68,3 83,0295,5=)33;2(F

50,0<PaideM b84,4 37,0

atlA cb99,4 15,0

latoT 15,4 27,0

.effehcSedetseton,50,0<Pasetnerefidetnemavitacifingisoãsotircse-busomsemodmahlitrapmocoãneuqsaidemsA:sbOetnoF .opmacedasiuqseP:

Comprometimento oraganizacional, fatores estressantes do trabalho e identidade social. Um estudo exploratório

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cas e com o nível gerencial, tanto osetor administrativo quanto o produti-vo percebem alta vigilância, discrimi-nação e não valorização do trabalhorealizado. Apesar de que a empresatem aprovado a ISO 9001/2000.

Em relação ao fator estressante, con-teúdos do trabalho, tanto o setor pro-dutivo quanto o administrativo consi-deram que o trabalho é repetitivo (cíclicoe breve), que a organização dos horári-os de trabalho se dá de modo incorretoe que não são consultados regularmen-te sobre o conteúdo do trabalho. Poroutro lado, o setor produtivo se diferen-cia do setor administrativo porque per-cebe o trabalho emocionalmente maisexigente; sente-se mais pressionado pelaexigência em cumprir os prazos de tem-po, porque percebe em maior medidaum mau funcionamento das equipes,máquinas e programas e finalmente,porque percebe uma impossibilidade dedecidir o ritmo de trabalho, situaçõesque não acontecem no setor administra-tivo.

Nas análises de correlação realiza-da, somente o fator estressante relaçõessociais, apresentou uma relação signi-ficativa com o comprometimento or-ganizacional, o que possibilita afirmarque quando há uma pontuação maiornos estressores deste fator, menor seráo comprometimento dos empregadoscom a empresa (r= (40) -0354, p <0,05). Lembremos que as perguntasdeste fator fazem referencia às relaçõescom os níveis hierárquicos, o que sig-nifica dizer que o relacionamento dosentrevistados com os superiores era umfator ativo de estresse, o que produziaum baixo comprometimento por partedos trabalhadores com a empresa (ta-bela I).

Quando analisamos o nível geral deidentidade social, observamos que osmaiores níveis de identificação acon-teceram com os itens relativos à con-dição operária (trabalhadores, trabalha-dores da indústria de colchões) e coma condição de identidade nacional, serbrasileiro (tabela II).

Igualmente tivemos a possibilidadede constatar que o nível de identifica-ção com a indústria de colchões estárelacionado positivamente com o com-prometimento organizacional (F (2;33)= 5,592 p < 0,05). A identificaçãocom esse ramo da indústria significaque os trabalhadores, enquanto se per-cebem como trabalhadores desse ramoindustrial, constroem uma identidadesocial positiva, salientando a percep-ção de si próprios como trabalhadoresda indústria de colchões e, só nessamedida, comprometem-se mais comessa empresa em particular. Contudo,não significa que “vestem a camisa daempresa”.

Finalmente, podemos afirmar queestes resultados confirmam, parcial-mente, as nossas hipóteses. Os fatoresde estresse não apresentaram uma re-lação com as variáveis sócio-demográ-ficas, e as diferenças entre os setoresde produção e administração não fo-ram significativas. No entanto, deve-mos ter em conta que a amostra erapequena (40 pessoas).

Por outro lado, constatou-se que ofator de estresse relações sociais, cons-tituídos por uma lista de 10 estresso-res, relacionada, principalmente, ápercepção de distância hierárquica naempresa, apresentou uma correlaçãonegativa com o comprometimento or-ganizacional, o que confirma a nossahipótese. Alem disso, também foi con-firmada a hipótese de uma relação en-tre a identidade social e o comprome-timento organizacional.

Estes tipos de dados demonstram,em geral, o comprometimento e iden-tificação dos trabalhadores com a em-presa, mas não o inverso, o compro-metimento e identificação da gerênciacom os trabalhadores. A classe geren-cial, sempre utiliza a estratégia de fa-zer uma interpelação à identidade in-dividual dos trabalhadores para que,num processo de mobilidade social, seidentifiquem e comprometam com aempresa. Nunca, no interior da orga-nização, fazem uma interpelação à

identidade coletiva dos trabalhadores,enquanto classe. Como diz Tajfel(1980), a mobilidade social refere-se àsuposição geral de que a sociedade emque o indivíduo vive é uma sociedadeflexível e permeável, de forma que seele ou ela não está satisfeito com ascondições impostas às suas vidas épossível que eles possam emigrar, ouse transferir individualmente, ao gru-po que tem uma melhor condição so-cial. É evidente a coerência desta cren-ça geral com os valores da ideologialiberal (Sahuquillo, 2003).

Uma identificação e um comprome-timento maior é verificado nas empre-sas que têm plena participação dosoperários na gestão da mesma, comonos casos das cooperativas e das em-presas de autogestão operaria (Mendo-za, 2003, Santos, 2000). Um compro-metimento menor significa uma culturasustentada nos valores da heterogestãoe mais hierarquizada (Tomas et al,2000; Tamayo et al, 1996).

9. Bibliografia.

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ANEXO

GRÁFICO 1: IDENTIDADE COLETIVA

Fonte: Pesquisa de campo.

87,5

72,582,5

67,5

30

12

90

2012,5

57,5 57,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

1. Trabalhadores2. Nordestinos3. Trabalhadores da indústria de colchão4. Pessoas que tem orgulho das coisas e da cultura do nordeste5. Peões6. Pessoas que pensam que é mais importante ser nordestino que brasileiro7. Brasileiros8. Trabalhadores de escritório9. Pessoas que pensam que é mais importante ser brasileiro que nordestino10. Trabalhadores do setor de produção desta empresa11. Pessoas que pensam que ser brasileiro ou nordestino é a mesma coisa

Roberto Mendoza, Viviane Medeiro e Joseli Bastos da Costa

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Revista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasRevista de CiênciasHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesHumanas e ArtesVol. 13, Nº1janeiro / julho de 2007

Condições e perspectivaspara a prática da inovação e buscada competitividade nas pequenase médias empresas: um estudoexploratório no setor de confecçõesResumo:

O trabalho explicita os resultados de uma pesquisa realizada com o objetivo deidentificar os mecanismos utilizados pelas empresas do setor de confecções deCampina Grande-PB para a busca e a prática da inovação tecnológica e para oalcance da competitividade empresarial. A pesquisa foi realizada em duas etapas.Na primeira, foram identificadas quais as principais barreiras à competitividadeque as empresas estudadas enfrentam nas suas áreas funcionais. Na segunda eta-pa, foi verificado como essas empresas convivem com a inovação, procurandovincular esse contexto às formas de funcionamento delas. O estudo pode ser ca-racterizado como exploratório e descritivo com aplicação do método hipotético-dedutivo, e cujos dados para análise compõem-se de coleta de dados através dedados documentação direta e indireta com tratamento quantitativo. Os resultadosobtidos, quanto às áreas funcionais, apontam que existe uma maior intensidadenos problemas de ordem tecnológica e que essas empresas enfrentam os seguin-tes problemas quanto ao convívio com a inovação: viabilização de estratégias,dificuldades dos gestores em conviver com a mudança, formas de convivênciaentre as pessoas, inexistência de relacionamentos com universidades e centrosde pesquisa e ausência de mecanismos para documentação de mudanças.Palavras-chave: competitividade, inovação, gestão

Abstract:The explicit work the results of a research accomplished with the objective of iden-tifying the mechanisms used by the enterprises of the section of makings of Campi-na Grande-PB for the search and the practice of the technological innovation andfor the reach of the business competitiveness. The research was accomplished intwo stages. In the first, the objective was to identify which the main barriers to thecompetitiveness that the studied companies face in their functional areas. In thesecond stage, a research was accomplished was to verify with these companies livetogether with the innovation, trying to link this context to the forms of operation ofthese companies. The accomplished study can be characterized as exploratory anddescriptive with application of the hypothetical-deductive method, using collecti-on of data through given direct and indirect documentation with quantitative treat-ment. The obtained results as for the functional areas they point that a larger inten-sity exists in the problems of technological order and that these companies face thefollowing problems as for the conviviality with the innovation: to make possible ofstrategies, the managers’ difficulties in living together with the change, coexistenceforms among the people, inexistence of relationships with universities and researchcenters and absence of mechanisms for documentation of changes.Key-Words: competitiveness, innovation, management

Gesinaldo Ataíde CândidoDoutor em Engenharia de Produção pelo PPGEP-UFSC. Professor titular em Teoria das Organizaçõesda UFCG/CH/UAAC e dos Programas de Pós Gra-duação em Recursos Naturais da UFCG e Engenha-ria de Produção da UFPB.E-mail: [email protected].

Lílian Maria Florêncio Moraes LeiteGraduada em Administração pela UFCG/CH/UAAC.Professora da UFCG/CH/UAAC.

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1. Introdução

O atual momento da economiamundial é caracterizado por um au-mento da competição entre as empre-sas, à medida que a economia nacio-nal abre-se aos investimentos externose novos concorrentes entram nos mer-cados. Simultaneamente, a dissemina-ção das informações torna os consu-midores mais exigentes em relação àqualidade, à tecnologia e ao preço dosprodutos/serviços. Diante da necessi-dade de adaptação a esse ambientede acirrada competição, empresas emtodo o mundo têm buscado a efetivautilização das novas tecnologias, oque implica, inexoravelmente, na ne-cessidade da busca e prática da ino-vação.

Para que as organizações encontremum caminho mais adequado para acompetitividade, é necessária a obten-ção do devido conhecimento dos con-ceitos, modelos de processos de gestãoda inovação tecnológica, assim comoas suas múltiplas formas de aplicação.Para competir com maior eficácia, asempresas precisam adotar iniciativasestratégicas de custos, qualidade e pro-dutividade, através da adoção de pro-cessos de inovação tecnológica condi-zentes com as características do seuambiente e com os seus problemas enecessidades específicas.

A literatura sobre a gestão de negó-cios tem feito referência à necessida-de das empresas considerarem a práti-ca da inovação como um mecanismoimprescindível para o alcance das de-vidas condições de sobrevivência edesenvolvimento num contexto deacirrada e crescente concorrência. ParaGalbraith & Lawler III (1995) e Toffler(1988), a inovação é uma variável vi-tal para a eficiência das organizaçõesem um ambiente cada vez mais dinâ-mico e competitivo, com ênfase naquestão tecnológica e na necessidadeda inovação contínua. Neste sentido,torna-se necessária uma mudança namentalidade gerencial, visando a uti-

lização mais eficaz dos diversos tipose formas de tecnologias e a criação demecanismos consistentes para geren-ciar o processo de inovação tecnoló-gica.

Dentro dessa perspectiva, tambémé crucial, para a geração de maior com-petitividade empresarial, a obtençãodas devidas condições para o gerenci-amento da inovação tecnológica noatual contexto organizacional e na ges-tão de negócios, partindo do princípiode que: 1) a administração da tecnolo-gia é complexa, mas vital para o su-cesso organizacional e 2) a inovaçãotecnológica pode ser consideradacomo a principal força dinamizadorada atividade econômica e fator deter-minante do desenvolvimento regional.

No caso específico do segmento dasPequenas e Médias Empresas (PME’s),a busca e a prática da inovação tor-nam-se mais complexas por uma sériede características e problemas enfren-tados que estão relacionados, princi-palmente, às dificuldades de acesso arecursos financeiros, humanos, infor-macionais e tecnológicos. Além disso,há precariedade nas suas formas degestão, como conseqüência da falta demaior profissionalização, e existementraves relacionados à excessiva ver-ticalização, resistência às parcerias,carência e/ou deficiência de sistemasde informação adequados, escassa atu-alização tecnológica, etc.

A partir destas considerações, o ob-jetivo deste trabalho é identificar quaissão as principais barreiras à competiti-vidade que as PME’s enfrentam a partirde problemas em suas diversas áreasfuncionais, mais especificamente: ques-tões tecnológicas, de marketing, de re-cursos humanos e relacionados às prá-ticas da alta administração. Em funçãodos resultados obtidos nesta etapa, pro-curar-se-á conhecer melhor a realidadedas PME’s industriais do setor de con-fecções de Campina Grande-PB quan-to à forma como gerenciam a inovaçãotecnológica, utilizando, para este fim,metodologia proposta por Terra, Krugli-

anskas e Zilber (1993), já testada e apli-cada em diversas localidades e regiões.

A realização da pesquisa tem a suaimportância e necessidade na medidaem que contribui para que os setores esegmentos econômicos pesquisadospossam se tornar mais competitivos, apartir do momento em que tenhammaiores informações sobre seus proces-sos de inovação tecnológica, de modoque possam gerenciá-los adequadamen-te. As informações geradas contribuirãoainda para que as empresas possam re-definir suas estratégias e operações epara que as instituições (públicas e pri-vadas), que investem na atividade em-presarial, encontrem mecanismos deapoio e sustentação para tornar as em-presas vinculadas mais eficazes e con-textualizadas às novas contingências doatual ambiente de negócios e de ges-tão.

Além desta parte introdutória, o ar-tigo está estruturado da seguinte for-ma: no item 2 são explicitados os prin-cipais conceitos e modelos sobrecompetitividade e inovação tecnológi-ca, bem como a descrição acerca dasPMEs e a caracterização do setor deconfecções em nível nacional e local;no item 3, são apresentadas as carac-terísticas da pesquisa e são definidosos métodos e técnicas para a coleta etratamentos dos dados, definição dapopulação e critérios para análise dasinformações; no item seguinte é reali-zada a apresentação e análise dos da-dos obtidos na pesquisa; e, no item 5,são apresentadas as conclusões e con-siderações finais.

2. Referencial teórico

O marco teórico da pesquisa envol-ve aspectos relacionados aos concei-tos e modelos de competitividade e degestão da inovação tecnológica, assimcomo as definições e caracterizaçõesdo segmento das PMEs do setor indus-trial de confecções no contexto da pes-quisa.

Gesinaldo Ataíde Cândido e Lílian Maria Florêncio Moraes Leite

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2.1. Visões acerca da competitivi-dade

O conceito mais genérico e abran-gente de competitividade é o propostopor Fajnzylber (2001), que a definecomo sendo a capacidade que um país,região, setor ou segmento econômicoou empresarial tenha de expandir a suaparticipação nos mercados internacio-nais e elevar simultaneamente o nívelde vida da sua população. No entan-to, existem várias visões e perspecti-vas acerca dos conceitos e modelos decompetitividade, as mais utilizadas sãoas propostas pelos autores abaixo:

a) Haguenauer (1989) classifica oconceito de competitividade em duasabordagens: 1) a abordagem de desem-penho, quando a competitividade éanalisada em função da participaçãoda empresa no mercado e 2) a aborda-gem de eficiência, quando consideraa competitividade como uma caracte-rística estrutural, podendo ser traduzi-da através da relação insumo-produto.

b) Fajnzylber (op. cit) distingue oconceito de competitividade entre: 1)espúria: estaria relacionada a fatorescomo a prática de baixos salários, amanipulação cambial, os subsídios àsexportações e altas taxas de rentabili-dade no mercado interno, que podempropiciar melhorias no desempenhoexterno, mas com sérios efeitos eco-nômicos e sociais em médio e longoprazo e 2) autêntica: está diretamenterelacionada ao aumento da produtivi-dade a partir da utilização de avançostecnológicos.

De um modo geral os conceitos,visões e perspectivas sobre a competi-tividade estão centradas na dualidade:1) preocupação direcionada para vari-áveis endógenas e microeconômicas.Geralmente, o conceito de competiti-vidade está associado às variáveis dofator produção, e 2) preocupação di-recionada para variáveis exógenas emacroeconômicas, partindo da premis-sa de que é necessário produzir algo epoder comparar resultados econômi-cos, financeiros, etc., sejam operacio-

nais ou não, entre empresas em con-dições semelhantes.

No entanto, tomando como referên-cia essas visões e perspectivas, pode-se inferir que, dentro das característi-cas do atual ambiente de negócios, abusca e a prática da competitividadenão podem estar focadas de maneirapontual, é necessário que se busque,concomitantemente, a abordagem dedesempenho e de eficiência micro emacro. O que precisa ser evitado é abusca da competitividade espúria, vis-to que ela favorece temporariamenteum grupo limitado de empresas, tra-zendo uma série de implicações nega-tivas para a sociedade como um todo.

Neste novo enfoque, destaca-se omodelo proposto por Coutinho & Fer-raz (1995), os quais apontam que acompetitividade de uma empresa estána sua capacidade de formular e pôrem prática estratégias competitivas quelhe permitam conservar uma posiçãosustentável no mercado de forma du-radoura. Ao defenderem este concei-to, os autores criticam a visão incom-pleta e estática de outros autores queconsideram a competitividade como oresultado de características de umaempresa ou produto, relacionado aodesempenho no mercado ou à eficiên-cia técnica de processos produtivosinternos.

Ao tomar-se a busca e o alcanceda competitividade a partir da práti-ca da inovação, a qual é o foco dapesquisa realizada, torna-se impres-cindível que as empresas invistam nasua eficiência interna, isto significabuscar aumento de produtividade, di-

minuição de custos e melhoria daqualidade. A obtenção dessas condi-ções será alcançada na medida emque as empresas tenham uma preocu-pação externa, principalmente, no quetange à identificação e à criação decondições e mecanismos para aquisi-ção ou adequação das novas tecnolo-gias de produtos, de processos e degestão, conforme figura abaixo:

2.2. Caracterização e importânciadas pequenas e médias empresaspara o crescimento econômico e acompetitividade

Nos estudos acerca do crescimentoeconômico das nações destaca-se opapel atribuído às Pequenas e MédiasEmpresas, sobretudo no que se refereà sua participação no desenvolvimen-to econômico e social. Rovere (1999)ao definir o atual contexto organizaci-onal explica que na medida em que oparadigma técnico-científico na era doconhecimento se consolida, a impor-tância das PME’s vem sendo rediscuti-da. A autora aponta que até meadosdos anos 70 as PME’s tinham um pa-pel pequeno no debate sobre o desen-volvimento econômico, devido ao pre-domínio do paradigma da produçãoem massa. Com o surgimento do mo-delo de produção baseado nos concei-tos da “especialização flexível”, a au-tora mostra que elas têm um papelrelevante e que diversas políticas deapoio as PME’s vêm sendo assim im-plementadas nos países desenvolvidos,devido ao reconhecimento de que es-sas empresas podem ser potencialmen-te difusoras de inovações e também

Figura 1: A Competitividade numa perspectiva Endógena e Exógena

Fonte: adaptado de Coutinho & Ferraz (1995)

EFICIÊNCIA

Aumento da produtividade

Diminuição de custos

Melhoria da qualidade

Inovação Tecnológica e Organizacional

Condições e perspectivas para a prática da inovação e busca da competitividade nas pequenas e médiasempresas: ...

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estimuladoras do crescimento regional.As características e a definição do

que seja uma pequena ou média em-presa é complexa, pelo fato de que oseu universo é extremamente hetero-gêneo e diferenciado. Ao abordar otema PME’s, o primeiro aspecto a serconsiderado é a dificuldade de deter-minar seu tamanho de forma clara, pre-cisa e objetiva. Há vários critérios quepodem ser utilizados na conceituaçãoe classificação de empresas, e cada umconduz a uma definição diferenciadade categorias. Nenhum desses critéri-os, sejam eles quantitativos ou quali-tativos, devem ser tomados isolada-mente, há a necessidade de analisá-losconjuntamente. Neste sentido, existemos critérios mistos, os quais constitu-em uma conjunção de critérios quan-titativos e qualitativos, porém, sem in-terligá-los, ou seja, eles não sãomutuamente exclusivos.

Outro ponto importante que deve serlevado em consideração ao se analisaras PME’s diz respeito às fortes diferen-ças existentes entre essas empresas.Souza (1995), ao tratar destas diferen-ças, mostra que existem divergênciasconsideráveis entre as empresas demesmo porte, explicitando que ao mes-mo tempo em que são encontradas or-ganizações que utilizam intensamentemão-de-obra desqualificada, com altoíndice de rotatividade, são encontradasoutras altamente flexíveis, geralmentecom mão-de-obra especializada. Essadiversidade inviabiliza o tratamento dasPME’s como uma questão geral, pois naverdade existe uma grande heterogenei-dade de PME’s, o que dificulta a viabi-lização de medidas de apoio. Assim,algumas precauções devem ser toma-das ao estudar esse tipo de empresa,uma delas seria selecionar aquelas quetêm maiores perspectivas de retorno deinvestimentos. Entretanto, em face daimportância social e econômica dessasorganizações, não se pode deixar deconsiderar a necessidade de um trata-mento especial por parte dos poderespúblicos.

Devido as suas próprias característi-cas as PME’s enfrentam dificuldades eproblemas específicos, decorrendo, des-ta forma, a necessidade de estudá-lasde forma sistêmica, objetivando, den-tre outros aspectos, melhor compreen-dê-las. A necessidade de compreensãodos problemas enfrentados pelas PME’stem sido motivo de preocupação porparte de vários pesquisadores, sobretu-do no que se refere à conscientizaçãodos seus dirigentes quanto à necessida-de de uma política de gestão que seja amais eficiente e eficaz possível, sendoesta uma condição básica para o cres-cimento e sobrevivência de suas empre-sas, uma vez que estas, em geral, sãode caráter familiar e foram criadas emfunção do espírito empreendedor dosseus fundadores, o que as tornam mui-to dependentes da personalidade dosseus criadores.

Estudo realizado por Cândido & Dias(1998) mostra um levantamento de par-celas significativas das publicações ci-entíficas brasileiras compreendidas en-tre 1980 e 1997 que tratassem dosproblemas enfrentados pelas PME’s. Osautores concluíram que a maioria dosproblemas enfrentados pelas PME’s é defácil identificação e os principais seri-am: falta de recursos próprios; políticade oferta de crédito inadequado; ausên-cia de pessoal qualificado e falta de pre-disposição para mudança por parte dosseus dirigentes. Em seguida, o estudoaponta que as soluções para estes pro-blemas passam, necessariamente, pelaadoção de políticas que viabilizem asua sobrevivência e desenvolvimento,envolvendo: financiamento para cria-ção, operação e expansão; programa decapacitação técnica e gerencial; estímu-los à regularização fiscal, trabalhista eprevidenciária e criação de um sistemade informação de mercado e de opor-tunidades de negócios.

Tomando como referência o con-teúdo e os objetivos propostos nestetrabalho, o qual envolve a aplicaçãode uma metodologia para identificarformas de convivência e prática da

inovação em Pequenas e Médias Em-presas no setor de confecções, é ex-plicitada a seguir uma breve caracte-rização do referido setor, formado nasua ampla maioria por empresas depequeno porte, as quais convivemcom os vários tipos de problemas re-latados acima.

2.3. Caracterização do setor devestuário e de confecções na pers-pectiva de competitividade indus-trial no Brasil

As indústrias têxteis e de confec-ções, assim como outros setores in-dustriais, passaram por um intensoprocesso de transformação ao longodas últimas décadas, o que alterousuas principais características: tecno-logia estável e difundida internacio-nalmente; relativa intensidade na uti-lização de mão-de-obra; economiasde escala relativamente importantesnos seus principais segmentos; e con-corrência baseada principalmente empreços. As características tradicionaisda indústria possibilitavam que ospaíses em desenvolvimento – produ-tores de matérias-primas naturais, comabundância de mão-de-obra poucoqualificada e reduzida disponibilida-de de capital – apresentassem vanta-gens comparativas suficientes para aimplantação da indústria e a conquis-ta de parcelas do mercado internaci-onal.

Nesse processo, assume cada vezmaior significado a introdução de técni-cas ligadas à organização e à gerênciade produção; a interação entre as em-presas da cadeia produtiva, abrangendoinclusive os canais de distribuição; apesquisa e desenvolvimento de novosprodutos e mercados, onde a coopera-ção com fornecedores de bens de capi-tal e matérias-primas cumpre um papelcada vez mais importante. Dessa forma,a competitividade, tanto no nível dasempresas quanto da indústria, é deter-minada pela eficiência obtida nas ativi-dades e relações de todo o complexoindustrial no qual a têxtil se insere.

Gesinaldo Ataíde Cândido e Lílian Maria Florêncio Moraes Leite

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2.4. Diagnóstico do setor de con-fecções do Estado da Paraíba

A grande maioria das empresas des-se setor fabrica e atua em diversas li-nhas de produtos, dentre os quais:moda masculina, feminina e infantil,malhas, moda praia e íntima, farda-mentos, redes, cortinas e fantasias. Atecnologia empregada nessas empresasé a básica e altamente dependente dequalificação dos atributos técnicos demão-de-obra. Conseqüentemente, al-guns setores utilizam equipamentosrudimentares o que causa um diferen-cial de valor dos produtos fabricados.Mas o interesse existe por parte dosempresários em inovar as suas técni-cas de produção utilizando para issoequipamentos mais modernos. Porém,esse interesse esbarra em entraves decunho financeiro, tendo em vista oselevados preços para aquisição deequipamentos.

Quanto ao gerenciamento dos cus-tos, a maioria das empresas limita-se aapropriação dos custos diretos e queincidem sobre os produtos fabricados.Logo, a elaboração das suas planilhasde custos fixos é realizada de formapouco confiável, acarretando defini-ções errôneas e ilusórias da rentabili-dade das empresas de confecções detodo o estado.

No que se refere à política de co-mercialização, de um modo geral elasnão são agressivas e inovadoras. Amaioria das empresas apenas partici-pa de desfiles e feiras regionais, o quelhes proporcionam concretizar novosnegócios e expandir as suas áreas deatuação com bons resultados e, em al-guns casos, tem provocado a acomo-dação por parte dos empresários.

Em relação à exportação, existe ointeresse por parte da maioria dos em-presários em exportar os seus produ-tos, desde que haja o fornecimento eo suporte técnico para delimitar os pro-cedimentos e os trâmites legais e ope-racionais do processo assim como aidentificação e a busca de comprado-res no exterior. Logo, a concorrência

com os produtos internacionais seriaem pé de igualdade.

A maior dificuldade desse setor é aobtenção de capital de giro para mo-vimentar e ampliar os seus negócios,pois as linhas de crédito que são ofe-recidas exigem garantias reais para aobtenção de tais créditos.

2.5. Conceitos e modelos de gestãoda inovação tecnológica

A administração da tecnologia écondição vital para o alcance da com-petitividade organizacional. Neste sen-tido, torna-se preponderante o devidoentendimento de como as tecnologiassurgem, desenvolvem-se e afetam amaneira e o contexto em que as orga-nizações e os indivíduos atuam. A tec-nologia é aplicação sistemática do co-nhecimento científico a um novoproduto, processo ou serviço, enquan-to as inovações são os processos de-correntes de mudanças nas tecnologi-as. Surgindo daí a necessidade degerenciar adequadamente este proces-so. Para Bateman & Snell (1998), aspremissas e condições a serem obser-vadas no processo de inovação tecno-lógica são: necessidade, capacidade deconverter o conhecimento científicoem prática, recursos financeiros, inici-ativa e ação empreendedora.

Neste contexto, existem dois aspec-tos que devem ser considerados no es-tudo sobre a gestão da inovação tec-nológica: o ciclo de vida tecnológicoe a difusão da inovação. Para compre-endê-los existem modelos específicospropostos por autores como Rogers(1995), Tornastsky & Fleischer (1990).O primeiro aponta duas variáveis prin-cipais que devem ser avaliadas no pro-cesso de inovação tecnológica, sãoelas: 1) uma atitude positiva para amudança por parte dos líderes e 2) aidentificação e compreensão das carac-terísticas internas da estrutura organi-zacional. O segundo mostra a relaçãode interdependência e inter-relaciona-mento entre as variáveis: AmbienteExterno (características empresariais e

estrutura do mercado, tecnologia desuporte e infra-estrutura e regulamen-tações governamentais); Tecnologia(características e disponibilidade); Or-ganização (vinculação entre estruturaformal e informal, processo de comu-nicação, tamanho e disponibilidade derecursos). A partir da compreensão dasrelações entre estas três grandes variá-veis é que se iniciaria o processo detomada da inovação para prática dainovação.

Sankar (1991) defende que o pro-cesso de inovação deve ser implemen-tado a partir de um conjunto de eta-pas subseqüentes, são elas: definiçãodas características da inovação; deprincípios para gerenciar a mudança;e mecanismos para incentivar o envol-vimento, o comprometimento atravésda participação dos diversos atoresenvolvidos.

3. Metodologia da pesquisa

A pesquisa realizada pode ser ca-racterizada como sendo um estudodescritivo e exploratório. O métodode abordagem utilizado foi o hipoté-tico-dedutivo. Como técnicas para acoleta de dados foram utilizadas: 1) adocumentação indireta; através de lei-turas e discussões sobre os temas abor-dados na pesquisa, tais como: com-petitividade, política de gestão nasPME’s e gestão da inovação tecnoló-gica e 2) a documentação direta, atra-vés da aplicação de questionários pre-viamente definidos. Na segunda etapada pesquisa, o instrumento utilizadoconstou de um questionário, o qualenvolvia um conjunto de afirmaçõesrelacionadas às principais barreirasenfrentadas pelas PME’s para alcan-çar a competitividade, tomando comoreferência as áreas funcionais: AltaAdministração, Marketing, RecursosHumanos e Tecnologia. Este questio-nário procurou identificar o grau dediscordância ou concordância às re-feridas afirmações. Na segunda etapa,

Condições e perspectivas para a prática da inovação e busca da competitividade nas pequenas e médiasempresas: ...

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foi usado outro questionário, o qualobjetivava conhecer melhor as ques-tões tecnológicas das empresas pes-quisadas, visto que foi nesta área quese concentraram os maiores entravesenfrentados pelas PME’s.

Nas duas fases a população da pes-quisa consistiu no total de pequenas emédias empresas industriais de confec-ções, localizadas no município deCampina Grande-PB, que correspondea 80 organizações cadastradas na FIEP(Federação das Indústrias do Estado daParaíba). Em função do problema eobjetivos da pesquisa formulados, ométodo indicado para definição daamostra foi a amostragem probabilís-tica aleatória simples colhida a partirde informações obtidas no estudo,quando da caracterização do setor in-dustrial de confecções de CampinaGrande-PB. A amostra correspondeu aexatamente 30% da população, ouseja, a 24 empresas.

O tratamento dos dados foi realiza-do a partir de pesquisa bibliográficaselecionada, lida, fichada, discutida econsolidada; este material serviu defonte principal da pesquisa. Foi utili-zado método estatístico para medir umconjunto de variáveis intervalares con-forme a escala de Likert, a partir devalores atribuídos para medir o graude discordância/concordância paraafirmações contidas no questionário.Para a definição dos resultados da pes-quisa também foram considerados osparâmetros da estatística descritiva.

4. Apresentação e análise dosresultados

A pesquisa foi realizada em duasetapas inter-relacionadas e interdepen-dentes. O objetivo na primeira etapafoi identificar quais as principais bar-reiras enfrentadas pelo setor industriale o segmento das PME’s de confecçõesem Campina Grande para alcançarmelhores níveis de competitividade. Apartir dos resultados obtidos nesta fase,

foi realizada uma nova etapa da pes-quisa, com o intuito de conhecer comoas PME’s gerenciam os seus processosde inovação tecnológica, condição es-sencial para a sobrevivência e desen-volvimento empresarial.

4.1. Primeira etapa da pesquisaNa primeira etapa da pesquisa foi

realizado um levantamento junto aosdirigentes das PME’s industriais de con-fecções, acerca de aspectos gerenciais

relacionados às áreas funcionais: AltaAdministração, Marketing, RecursosHumanos e Tecnologia.

Diante de um conjunto de afirma-ções referentes às principais barreirasao alcance da competitividade, cadaempresário manifestou seu grau de dis-cordância/concordância a partir da uti-lização da escala de Likert de cincopontos. As afirmativas se apresentaramaos respondentes de tal forma que suaplena concordância revelaria uma si-

TABELA 1: MÉDIAS DAS NOTAS ATRIBUÍDAS AOS QUESTIONAMENTOSE INTENSIDADE DO PROBLEMA DETECTADO.

SOTNEMANOITSEUQ AIDÉMEDADISNETNIAMELBORPOD

)aidéM-5()AA(OÃÇARTSINIMDAATLA:1LANOICNUFAERÁ

omoceanretxearutnujnocadodauqedaotnemicehnocmeussopsetnegiridsO:1AA.aserpmeausaatefaotsi 97,3 12,1

edseõçalumrofeocigétartseotnemajenalpedsacincétmazilitusetnegiridsO:2AA.sedadivitasaussadoãçudnocansiairaserpmesaigétartse 76,3 33,1

seõçidnocsadsaicnêulfnisaratnerfnearapadaraperpeatnetaátseoãçeridA:3AA.sedadivitasauseoicógenuesoarapsanretxe 76,3 33,1

suessomocotnemanoicalereoãçargetniedsomsinacemsnobmetsixE:4AA.setnenopmocesomusni,amirp-airétamedserodecenrof 31,4 88,0

.mobésetneilcsomocotnemanoicalerO:5AA 88,4 31,0AIDÉMAA 30,4 89,0

)TKM(GNITEKRAM:2LANOICNUFAERÁ.setneilcsodsedadissecensàsodauqedaoãssodacirbafsotudorpsO:1TKM 97,4 12,0

.sovititepmocoãssotudorpsuessodsoçerpsO:2TKM 24,4 85,0suessomocodauqedaoãçacinumocedossecorpmumétnamaserpmeausA:3TKM.gnitekrameleteoteridgnitekram,sotehlof:omocsiatsomsinacemodnazilitu,setneilc 33,3 76,1

suessoeuqarapmeubirtnocagertneeoãçiubirtsidedsametsissuessO:4TKM.oterroclacoloneedadilautnopmocseugertnemajessotudorp 05,4 05,0

.etneicifeeavissergaadaredisnocsadnevedepiuqeamuiussopaserpmeA:5TKM 83,3 36,1.setnerrocnocsodoãçaalepadaçaemaes-etnesaserpmeausA:6TKM 69,2 40,2

AIDÉMTKM 09,3 01,1)HR(SONAMUHSOSRUCER:3LANOICNUFAERÁ

somocradilarapsodatpadaesodaniertmeboãtseaserpmeadsoiránoicnufsO:1HR.ovitudorpossecorponsodazilitusatnemarrefesotnemapiuqe 83,4 36,0

seroiamodnitsixeoãn,soiránoicnufsoertneoãçarepooceoãçaretnietsixE:2HR.seleertnesedadilavir 12,4 97,0

.soiránoicnufeairoteridertneoãçacinumocedsamelborpmetsixeoãN:3HR 00,4 00,1.axiabélaossepededadivitatorA:4HR 69,3 40,1

.soiránoicnufedoãçiutitsbusuooãçatartnoc/psedadlucifidseroiammetsixeoãN:5HR 05,2 05,2AIDÉMHR 18,3 91,1

)CET(AIGOLONCET:4LANOICNUFAERÁ.oãçazimitoedlevínotlameussopsossecorpsO:1CET 64,3 45,1

.adazimitoátseaserpmeausadsavitartsinimdasanitorsadairoiamA:2CET 88,3 31,1.sadazilautaoãtseovitudorpossecorpuesonsadazilitusaigoloncetsA:3CET 17,3 92,1

.sotsucedoãçuderarapanretniacitámetsisamuetsixE:4CET 00,4 00,1,"latotedadilauq"opitodoãtsegedacincétedopitmuglaodazilaeriofáJ:5CET

."OSSI","airotlusnoc" 52,3 57,1

.sovitudorpsossecorpsuessonsacincétsamronsadacilpaesadavresbooãS:6CET 17,3 92,1.asiuqsepedsortnecesedadisrevinumococidóirepotatnocmétnamaserpmeA:7CET 00,2 00,3

esianoicanseõçisopxeesariefedetnemacidoirepapicitrapaserpmeA:8CET.sianoicanretni 38,2 71,2

.aserpmeansadiletnemariemutsocoãssiaicneregesacincétseõçacilbuP:9CET 83,3 36,1AIDÉMCET 63,3 46,1

etnoF )3002(asiuqsePadsodaD:

Gesinaldo Ataíde Cândido e Lílian Maria Florêncio Moraes Leite

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tuação altamente favorável na empre-sa, em relação ao aspecto gerencialassociado, pois seria visto como umfator totalmente não problemático paraas PME’s. Do mesmo modo, quantomais baixo fosse o valor atribuído, maiso aspecto seria considerado como pro-blemático, e a ocorrência da discor-dância total acerca das afirmativas de-monstraria uma situação extremamentenegativa.

A cada questionamento foram atri-buídas notas de “1” a “5”, conformeas respostas dos pesquisados. Assim,observando-se a ocorrência destas no-tas em cada afirmativa, foi extraídauma média ponderada de acordo comas respostas das 24 empresas compo-nentes da amostra. A Tabela 1 apre-senta as médias obtidas em cada ques-tionamento, bem como a média geralcorrespondente a cada área funcional.Em função dessa avaliação, procurou-se medir a intensidade do problemaatravés da subtração do número “5”(nota máxima) pela a média das notasobtidas em cada questionamento (apre-sentadas na 2.ª coluna). Deste modo,podemos observar a intensidade doproblema em cada questionamento eem cada área funcional, esta últimacalculada a partir da média verificadana respectiva área.

No que se refere à área funcionalAlta Administração, percebe-se que osmaiores problemas estão associados àsdeficiências de planejamento estraté-gico e formulações de técnicas empre-sariais na condução das atividades,bem como ao despreparo das empre-sas para enfrentar os conflitos geradospelas transformações no ambiente cor-porativo. Por outro lado, os entrevista-dos consideram bom o relacionamen-to das PME’s com seus clientes, o quedemonstra uma situação bastante fa-vorável.

Na área de Marketing o maior pro-blema enfrentado é a ameaça dos con-correntes, visto que muitas empresasnão demonstram interesse em estudarsuas rivais. Deste modo, as PME’s tor-

nam-se mais vulneráveis a ação daconcorrência, deixando de prevê-la oumesmo influenciá-la. Em seguida,aponta-se como problema a pouca uti-lização de técnicas adequadas de co-municação em Marketing, bem comoa falta de agressividade e eficiência dosvendedores. Em contra partida, os me-lhores resultados referem-se à confor-midade dos produtos fabricados emrelação às necessidades dos clientes,bem como à relativa adequação dossistemas de distribuição e entrega.

No que tange à área de RecursosHumanos, nota-se que os principaisproblemas são a dificuldade para acontratação ou substituição dos funci-onários e a rotatividade de pessoal re-lativamente alta. A melhor situação, noentanto, diz respeito ao treinamento depessoal, considerando-se que os fun-cionários estão satisfatoriamente aptospara lidar com os equipamentos pro-dutivos.

Quanto à Tecnologia, o baixo con-tato periódico com universidades ecentros de pesquisa destaca-se comoo maior problema enfrentado pelasPME’s, obtendo a mais elevada inten-sidade de problema da pesquisa. Osegundo maior problema deste blocoé a participação relativamente peque-na em feiras e exposições nacionais einternacionais. Os melhores resultadosnesta área foram a busca de uma siste-mática interna de redução de custos ea otimização da maioria das rotinasadministrativa.

Comparando-se as intensidadesmédias dos problemas nas quatro áre-as funcionais, observa-se que a situa-ção mais favorável ocorre na área AltaAdministração, que possui a menormédia. Em contrapartida, a área Tec-nologia mostra-se como a área maisproblemática em relação às PME’s es-tudadas. Isso ocorre porque a maioriadas empresas desconhece os progra-mas desenvolvidos em universidadese centros de pesquisa, possui acessorestrito às inovações tecnológicas noâmbito gerencial e produtivo.

4.2. Segunda etapa da pesquisaA área funcional Tecnologia possui

aspectos imprescindíveis para a sobre-vivência e a competitividade das em-presas. Entretanto, os resultados obtidosna etapa anterior demonstram que nes-ta área estão presentes os maiores pro-blemas enfrentados pelas PME’s. Porisso, procurou-se nesta fase conhecermelhor a realidade do setor em estudo,quanto à forma como gerenciam a ino-vação tecnológica. Para tanto, utilizou-se um modelo específico, já testado eaplicado em diversas regiões. O mode-lo está dividido em três dimensões, con-sideradas relevantes para a gestão dainovação tecnológica nas PME’s, sãoelas: 1) subsistema monitoramento paraa inovação; 2) subsistema geração doconhecimento e 3) subsistema utiliza-ção do conhecimento.

Foram utilizadas nesta fase as mes-mas empresas envolvidas na primeiraetapa da pesquisa. Aos respondentesforam propostos questionários que es-tão estruturados conforme os três sub-sistemas supracitados. Cada subsiste-ma abrange variáveis e sub-variáveisespecíficas. Esses últimos correspon-dem a certas características que seapresentam aos entrevistados em for-ma de questionamentos, os quais de-vem ser respondidos de maneira nega-tiva (“não”) ou positiva (“sim”), deacordo com a realidade de cada em-presa em estudo. As respostas positi-vas representam uma situação favorá-vel para a empresa, ao passo que asnegativas correspondem às deficiênci-as. Cada subsistema considerado nomodelo constitui uma “dimensão” quedeve ser analisada no processo de ges-tão da inovação tecnológica das PME’s.

4.2.1. Dimensão 1: monitoramentopara a inovação

Este subsistema tem como objetivoidentificar as características das empre-sas no que se refere à captação de in-formações que influenciam os seus po-deres para a inovação. Busca-se avaliarcomo essas empresas se relacionam

Condições e perspectivas para a prática da inovação e busca da competitividade nas pequenas e médiasempresas: ...

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com instituições ligadas à Ciência eTecnologia (C & T) e como elas reali-zam o monitoramento da concorrência,dos fornecedores e dos clientes. Nestesentido, a Tabela 2 mostra os questio-namentos apresentados às empresas eo percentual das respostas positivas enegativas acerca de cada característicaabordada nesta dimensão.

Observa-se que os aspectos maissatisfatórios, no que tange a dimensão“Monitoramento para a Inovação” são:“Monitoramento de clientes” e “Moni-toramento de Fornecedores”. De ma-neira geral, os maiores problemas de-tectados correspondem aos aspectos“Interação com a infra-estrutura de C& T”, “Participação em seminários téc-nicos” e “Participação em feiras”.

Analisando de maneira particularcada característica abordada entre os

aspectos, percebe-se que a situaçãomais favorável corresponde ao questio-namento “acompanhamento da evolu-ção dos produtos dos clientes”. Estepercentual mostra que o foco de atua-ção das empresas do setor de confec-

ções está voltado à satisfação das ne-cessidades e interesses dos seus clien-tes. Outro resultado favorável refere-seà postura pró-ativa das empresas, ante-cipando-se em solucionar os problemasdos clientes, o que reforça a preocupa-ção dos empresários em relação aosseus clientes.

As PME’s enfrentam grandes dificul-dades de acesso a leituras, feiras e se-minários em outros países. Nota-se quenenhuma das empresas pesquisadasparticipou de seminários técnicos noexterior e apenas uma participou defeiras no exterior nos últimos 3 anos.Observa-se também que a grande mai-oria dos entrevistados não tem acessoa publicações estrangeiras. Outros pro-blemas observados dizem respeito àfalta de regularidade de contatos cominstituições de Ciência & Tecnologiae ao desconhecimento dos serviçosprestados por essas instituições.

4.2.2. Dimensão 2: geração doconhecimento

Ao analisar essa dimensão, o prin-cipal objetivo é verificar como ocorreo processo de geração do conhecimen-to que torna possível o processo deinovação na PME. A Tabela 3 mostrao percentual das respostas considera-das em cada característica existenteneste subsistema, tendo em vista osresultados recolhidos.

Nota-se que, de maneira geral, o sub-sistema geração do conhecimento ob-

TABELA 2: PERCENTUAL DAS RESPOSTAS ACERCA DOS ASPECTOSCONSIDERADOS NA PRIMEIRA DIMENSÃO.

SOTNEMANOITSEUQ )%(MIS )%(OÃN

T&Cedaruturtse-arfniamocoãçaretnI-1.1otcepsA )latoT( 60,81 49,18

T&Casadagilseõçiutitsnimearbo-ed-oãmedotnemanierT 05,21 05,78

T&CedseõçiutitsnimocsotatnocededadiralugeR 76,61 33,38

T&CedseõçiutitsnisalepsodatserpsoçivressodotnemicehnoC 00,52 00,57

aicnêrrocnocadotnemarotinoM-2.1otcepsA )latoT( 71,45 38,54

setnerrocnocsodsaigoloncetesossecorpsodotnemahnapmocA 05,26 05,73

roiretxeonuosíapodseõigersartuomerotesodsaserpmemocsotatnoC 38,54 71,45

serodecenrofedotnemarotinoM-3.1otcepsA )latoT( 00,57 00,52

socigóloncetsoicífenebedoãçnetboaodnasiv,serodecenrofmocoãçaretnI 00,57 00,52

roiretxeonesianoicanserodecenrofsiapicnirpsooãssiauqerbosotnemicehnoC 38,07 71,92

onsamirp-sairétam/sotnemapiuqeedsotnemaçnalsodotnemahnapmocAonretxe/onretniodacrem

71,97 38,02

setneilcedotnemarotinoM-4.1otcepsA )latoT( 76,67 33,32

acigóloncetoãçavoniamaziroirpeuqsetneilcrednetaarapoãçaticapaC 38,07 71,92

)avita-órparutsop(setneilcsodsamelborpedoãçulosanoãçapicetnA 33,38 76,61

setneilcsomocsotnujnocotnemivlovnesedarapedadicapaC 38,07 71,92

setneilcsodsotudorpsodoãçuloveadotnemahnapmocA 05,78 05,21

aigoloncetedetnofomocetneilcodoãçazilitU 33,85 76,14

sariefmeoãçapicitraP-5.1otcepsA )latoT( 00,52 00,57

sonasêrtsomitlúsonsíaPonsariefmeoãçapicitraP 38,54 71,45

sonasêrtsomitlúsonroiretxeonsariefmeoãçapicitraP 71,4 38,59

socincétsoiránimesmeoãçapicitraP-6.1otcepsA )latoT( 57,81 52,18

síaPonsocincétsoiránimesmeoãçapicitraP 05,73 05,26

roiretxeonsocincétsoiránimesmeoãçapicitraP 00,0 00,001

acincétarutaretiledotnemahnapmocA-7.1otcepsA )latoT( 57,34 52,65

sianoicanseõçacilbupsiapicnirpsadarutielearutanissA 00,57 00,52

sariegnartseseõçacilbupsiapicnirpsadarutielearutanissA 05,21 05,78

etnoF )3002(asiuqsePadsodaD:

TABELA 3: PERCENTUAL DAS RESPOSTAS ACERCA DOS ASPECTOSCONSIDERADOS NA SEGUNDA DIMENSÃO.

SOTNEMANOITSEUQ )%(MIS )%(OÃN

oãçavoniaraplanoicazinagroaruturtsE-1.2otcepsA )latoT( 88,17 21,82edotnemivlovneatimrepeuqlanoicazinagroameuqseedaicnêtsixE

sairohlemmesoiránoicnuf38,07 71,92

soiránoicnufedotnemaniertarapsedadinutropoedaicnêtsixE 33,85 76,14

ovitudorpossecorpodoãçailavaedacitámetsisoãçudnoC 33,38 76,61

/samelborpedoãçulosarapsaeráertneoãçaretniededadilibissoPseõçavoniedoãçatnalpmianedadilibasnopser

00,57 00,52

seõçavoniedoãçaziroirp/otnemajenalP-2.2otcepsA )latoT( 00,05 00,05

sairohlemedseõtsegusedoãçaziroirparapacitámetsisedaicnêtsixE 76,66 33,33

seõçavoniedoãçatnalpmiansedadilibasnopseredoãçazilamroF 33,33 76,66

etnoF )3002(asiuqsePadsodaD:

Gesinaldo Ataíde Cândido e Lílian Maria Florêncio Moraes Leite

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teve respostas mais favoráveis a Gestãoda Inovação. O aspecto ligado à “Estru-tura Organizacional para a Inovação”concentrou um percentual significativode respostas positivas, revelando umasituação bastante satisfatória. No quese refere ao “Planejamento de Inova-ções” verificou-se um equilíbrio entrerespostas positivas e negativas.

Percebe-se que a situação mais crí-tica consiste na falta de formalizaçãode responsabilidades na implantação deinovações, realizada por poucas empre-sas. Além disso, a existência de oportu-nidades para treinamento de funcioná-rios ainda é relativamente baixa. Poroutro lado, o melhor resultado refere-se à condução sistemática de avaliaçãodo processo produtivo. Outros fatorespositivos são: a possibilidade de intera-ção entre as áreas visando a solução deproblemas e a implantação de inova-ções; a existência de esquema organi-zacional que envolva os funcionáriosem melhorias, e de sistemática para pri-orização de sugestões de melhorias.

4.2.3. Dimensão 3: utilização doconhecimento

O estudo acerca desta dimensãoalmeja constatar como as empresasrealizam o processo de incorporação

dos novos conhecimentos dentro dasua organização. Considerando os re-sultados observados neste subsistema,aponta-se na Tabela 4 o percentual dasrespostas referente a cada característi-ca inerente a esta terceira dimensão.

Nota-se que o aspecto mais proble-mático é o da documentação de mu-danças. Outros entraves são a baixaocorrência de registro de modificaçõesno processo, e de arquivamento dedados sobre publicações relacionadasà tecnologia das empresas e sobre osprojetos por elas realizados. Por outrolado, as situações mais favoráveis são:o aspecto de apropriação do conheci-mento, o aproveitamento efetivo dasidéias geradas internamente e a exis-tência de arquivos de fornecedores.

Considerações finais

A partir dos resultados obtidos napesquisa é possível identificar o perfildas PME’s industriais de confecções deCampina Grande-PB, sobretudo no quetange às principais barreiras enfrenta-das por este segmento e que impedemo alcance da competitividade. Os pro-blemas detectados na primeira etapa dapesquisa foram: a deficiência de plane-

jamento estratégico e o despreparo dosdirigentes para lidar com as transforma-ções do ambiente corporativo (AltaAdministração); a ameaça dos concor-rentes (Marketing); a dificuldade de con-tratação ou substituição de funcionári-os (Recursos Humanos) e o baixocontato periódico com universidade ecentros de pesquisa (Tecnologia).

Realizando uma comparação entreas quatro áreas funcionais exploradasneste estudo, nota-se que a área ondeos problemas são mais intensos corres-ponde à Tecnologia. Este fato pode es-tar relacionado com o acesso restritodas pequenas e médias empresas àsinovações tecnológicas no âmbito ge-rencial e produtivo. Observa-se tam-bém que a maioria destas empresasdesconhece os programas desenvolvi-dos em universidades e centros de pes-quisa e não realiza técnicas de gestãodo tipo “qualidade total”, “consulto-ria”, “ISO”, etc.

Tendo em vista as graves deficiên-cias verificadas na área Tecnologia,foi realizada a segunda etapa da pes-quisa, através da qual se analisoucomo as PME’s gerenciam os seus pro-cessos de inovação tecnológica. Osaspectos mais críticos a serem supe-rados correspondem à falta de intera-ção das empresas com a infra-estru-tura de Ciência e Tecnologia, à faltade planejamento/priorização de ino-vações e à falta de documentação demudanças.

A análise dos resultados tambémdemonstra algumas contradições. Naprimeira etapa da pesquisa percebe-se que na área funcional de RecursosHumanos a questão acerca do Trei-namento correspondeu à situaçãomais favorável, visto que a maioriados respondentes considera que seusfuncionários estão bem treinados eadaptados para lidar com os equipa-mentos utilizados no processo produ-tivo. Porém, na segunda etapa ao ex-plorar a dimensão “Monitoramentopara a Inovação” os dados revelamque a grande maioria da PME’s não

TABELA 4: PERCENTUAL DAS RESPOSTAS ACERCA DOS ASPECTOSCONSIDERADOS NA TERCEIRA DIMENSÃO.

SOTNEMANOITSEUQ )%(MIS )%(OÃN

otnemicehnocodoãçairporpA-1.3otcepsA )latoT( 29,27 80,72

oãçamrofniadotnemahlitrapmocoaovitnecnI 71,97 38,02

,sariefme(etnemanretxesaditboseõçamrofniedoãçrosbaadoãçazilamroF).cte,sedadisrevinu,seõçisopxe

33,85 76,14

onetnemanretxesadatpacseõçamrofniedovitefeotnematievorpAsossecorp/sotudorpedotnemaoçiefrepa

38,07 71,92

etnemanretnisadaregsaiédisadovitefeotnematievorpA 33,38 76,61

saçnadumedoãçatnemucoD-2.3otcepsA )latoT( 29,22 80,77

ossecorponseõçacifidomedortsigeR 38,02 71,97

sadidecuslamsaicnêirepxeedoãçatnemucoD 00,52 00,57

acigóloncetoãçamrofniadortsigeR-3.3otcepsA )latoT( 17,24 92,75

revloserasatpaetnemlaicnetopsedaditne/saossepedoviuqraededadilibinopsiDsocincétsamelborp

38,54 71,45

serodecenrofedoviuqraedaicnêtsixE 33,38 76,61

aserpmeadaigoloncetàsadanoicalerseõçacilbuperbossodadedotnemaviuqrA 38,02 71,97

sodazilaersotnemirepxe/sotejorpedoviuqraedoãçnetunaM 38,02 71,97

etnoF )3002(asiuqsePadsodaD:

Condições e perspectivas para a prática da inovação e busca da competitividade nas pequenas e médias empresas: ...

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realiza treinamento de mão-de-obracom a infra-estrutura de Ciência eTecnologia.

Durante toda a pesquisa nota-seque as empresas mantêm uma grandeênfase nos clientes. O bom relacio-namento empresa-cliente constitui asituação mais favorável observada naárea da Alta Administração. A adequa-ção dos produtos fabricados às neces-sidades dos clientes também é um dosdestaques da pesquisa, corresponden-do ao fator mais positivo na área deMarketing. Analisando o subsistema“Monitoramento para a Inovação”,observa-se que o aspecto mais satis-fatório é o “monitoramento de clien-tes”, destacando-se principalmente apreocupação das empresas em acom-panhar a evolução dos produtos dosclientes, bem como a postura pró-ati-va na solução de problemas dos con-sumidores.

Ao analisar a área funcional deMarketing, percebe-se ainda que a prin-cipal barreira é a ameaça dos concor-rentes, pois as PME’s demonstram pe-queno interesse em relação às suasrivais. Do mesmo modo, o aspecto“monitoramento da concorrência” pre-cisa ser mais enfatizado, visto que asempresas não estão realizando um ade-quado acompanhamento dos proces-sos e tecnologias dos concorrentes, enem mantêm contatos periódicos comempresas do setor em outras regiõesdo país ou no exterior.

De maneira geral, pode-se concluirque as PME’s ainda enfrentam muitasbarreiras que comprometem o alcan-ce da competitividade. Sua pequenaestrutura e as limitações financeirasimpedem o acesso mais amplo às no-vas tecnologias existentes no merca-do, tanto no que tange aos processosprodutivos quanto às técnicas de ges-tão. Outra desvantagem que prejudi-ca as PME’s refere-se às dificuldadesem lançar seus produtos no mercadoexterno. O investimento em Pesquisae Desenvolvimento geralmente exigerecursos consideráveis, dos quais as

pequenas e médias empresas não dis-põem, visto que o seu volume de ven-das não é suficiente para custear o de-senvolvimento de novos produtos eprocessos. Esta situação deixa asPME’s mais vulneráveis face às empre-sas maiores.

Apesar da grande ênfase nos clien-tes, as PME’s precisam monitorar me-lhor os seus concorrentes, com intuitode obter vantagem competitiva. É pre-ciso melhorar as técnicas de planeja-mento estratégico e preparar-se paraenfrentar as constantes mudanças queocorrem no ambiente no qual as em-presas estão inseridas. Outra priorida-de é desenvolver mecanismos capazesde diminuir a rotatividade de pessoale minimizar as dificuldades de contra-tação dos funcionários.

Além disso, as pequenas e médiasempresas necessitam conhecer melhoras atividades desenvolvidas por univer-sidades e centros de pesquisa, bemcomo manter contato com estas insti-tuições, as quais podem auxiliá-las asuperarem suas dificuldades. Tambémé importante que as PME’s tenhamacesso a publicações e seminários téc-nicos, assim como a participação defeiras e contatos com empresas de ou-tras localidades.

As pequenas e médias empresasvêm assumindo um papel cada vezmais importante na economia, tendoem vista certas características quelhes são inerentes: estrutura leve eflexível; maior rapidez no atendimen-to dos clientes; eficiência devido aosbaixos custos indiretos; vantagens ge-renciais e de empreendimento; gera-ção de postos de trabalho; etc. Des-te modo, apesar das dificuldadesdetectadas, observa-se a possibilida-de do aprimoramento das técnicas degestão da inovação tecnológica nasPME’s industriais de confecções deCampina Grande, o que auxiliará oaumento da competitividade no se-tor e servirá de suporte para que es-tas empresas possam melhor concor-rer no mercado nacional.

Bibliografia

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