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Page 1: ARISTÓTELES UMA REFERÊNCIA PARA A DISCUSSÃO DA ... · mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais . Universidade Estadual de Maringá 24 a26 de setembro

Universidade Estadual de Maringá 24 a26 de setembro de 2008

ARISTÓTELES UMA REFERÊNCIA PARA A DISCUSSÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO SÉCULO XIV.

LEAL, Djaci Pereira

OLIVEIRA, Terezinha INTRODUÇÃO

Em nossa dissertação, no segundo capítulo, versamos sobre a discussão acerca da

separação dos poderes no século XIV, demonstrando a influência de alguns autores na

leitura que Voltaire fez da instituição Igreja e, consequentemente, de sua proposição

para a relação Igreja-Estado para o século XVIII. Nesse trabalho, apresentaremos a

importância da leitura de Aristóteles, sobretudo das obras Ética a Nicômacos e Política,

nas quais destacamos os conceitos de virtude e bem comum, para entender e discutir as

teses dos autores do século XIV acerca da separação dos poderes. 1

Entre os autores do século XIV que estudamos temos: Egídio Romano (1243 ou 1247 –

1315), agostiniano e mestre na Universidade de Paris, João Quidort (1270-1306),

dominicano e também mestre da universidade de Paris, Dante Alighieri (1265-1321),

poeta e escritor italiano, e Marsílio de Pádua. (1275 ou 1280 – 1343), italiano e mestre

da universidade de Paris.

Na discussão desses autores, destacamos três questões bastante importantes, presentes

na obra aristotélica, que apontam para a questão da separação dos poderes. Segundo

SOUZA (1997, p. 31),

O estagirita sustentava, em primeiro lugar, que era o homem, ele mesmo, que construía sua própria felicidade. Em segundo lugar, que ele a construía mediante o exercício, de virtudes puramente naturais, e em terceiro lugar, que essa felicidade se constituía numa situação humana perfeita e completa já neste mundo.

1 O debate acerca da separação dos poderes tem suas origens na Reforma Gregoriana. Segundo Oliveira (2007, p. 237), “[...] ao tentar estabelecer, com maior rigidez e de forma totalizante os domínios da Igreja sobre a sociedade, Gregório VII, na Dictatus Papae (1075), provoca um movimento inverso do esperado. Os príncipes reagem ao movimento de domínio da Igreja e se insurgem contra as medidas autoritárias de Gregório VII. Este movimento ficou conhecido como a Questão das Investiduras”.

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Como destaca Souza, a filosofia aristotélica possibilitou aos autores do século XIV

analisarem as teses existentes, que outorgavam plenos poderes à Igreja, portanto ao

papa, e demonstrarem que as mesmas ao fixarem-se na tradição e doutrina cristãs, não

passavam de construção humana. Para isso, os autores ao combaterem as teses que

davam amplos poderes à Igreja, encontraram em Aristóteles os fundamentos filosóficos

que precisavam para situar a discussão acerca do poder em atribuições humanas e não

divinas. Para isso, entendemos que a volta a obra de Aristóteles foi imprescindível.

Destacamos que a discussão de Aristóteles acerca da virtude se dá em um contexto de

mudanças que a Grécia enfrentava e, sobretudo a presença de novidades que exigiam

das instituições novas formas de ser social, o que de certa forma assemelha-se ao

contexto do século XIV, salvo as devidas proporções.

Vale lembrar, por exemplo, que a discussão sobre a possibilidade do ensino da virtude na conduta moral só emerge como um problema de interesse geral entre os gregos em função da crescente democratização de que sua sociedade foi objeto. A ‘areté’ na Grécia arcaica não era geralmente tida como algo ‘ensinável’, uma vez que era concebida como hereditária ou como uma ‘dádiva’, um presente dos deuses. A ‘virtude’ - ou ‘excelência’ - do guerreiro belo, bom e corajoso não era mero fruto dos esforços educativos humanos e, por decorrência, não poderia ser extensiva à totalidade da população. Ela era, na verdade, um símbolo distintivo da aristocracia guerreira, que concentrava em si o comando e a gestão da ‘polis’, da Cidade-Estado. É somente a partir do momento em que a gestão da ‘polis’ passa a ser acessível a todo e qualquer cidadão, a partir do momento que se cria o espaço público – que por pertencer a todos, não é privilégio de ninguém -, que o problema da educação para a virtude na conduta moral - na vida privada e na pública – torna-se objeto privilegiado de debates e de antagonismos (CARVALHO, 2000, pp. 2-3).

O contexto de mudanças na sociedade grega e a presença da democracia põem na ordem

do dia a discussão da virtude. Nessa discussão precisamos atentar para o fato de que a

idéia de uma virtude natural é sobreposta a da necessidade do ensino da virtude. Assim

afasta-se da idéia de hereditariedade da virtude para a de possibilidade a todos os

homens.

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Com as mudanças apresenta-se a necessidade da educação dos homens e a virtude passa

a ser discutida como algo ensinável. A sociedade grega defronta-se devido à democracia

com a questão da virtude tendo em vista a busca pela formação do cidadão.

A discussão acerca da virtude não é exclusiva aos filósofos, pois na comédia Pluto, de

Aristófanes (447-385 a.C.) já aparece na preocupação em fazer com que Pluto recupere

a visão para distribuir a riqueza somente aos homens bons. A questão que se apresenta e

que a comédia não responde, mas apenas aponta é – quem é bom? Já que todos os que

buscam Pluto se intitulam bons. Assim, a discussão sobre a virtude passa a ser

preocupação no contexto da polis.

Na Ética a Nicômacos, Aristóteles aponta para a questão da virtude afirmando que:

Há duas espécies de excelência: a intelectual e a moral. Em grande parte a excelência intelectual deve tanto o seu nascimento quanto o seu crescimento à instrução (por isto ela requer experiência e tempo); quanto à excelência moral,2 ela é produto do hábito [ethiké] razão pela qual seu nome é derivado com uma ligeira variação da palavra hábito [êthos]. É evidente, portanto, que nenhuma das várias formas de excelência moral se constitui em nós por natureza, pois nada que existe por natureza pode ser alterado pelo hábito (ARISTÓTELES, 2001, p. 35, EN 1103a 1).

A questão do bem situa-se em Aristóteles na excelência moral. Sabendo que a mesma

não é natural, mas uma conquista do homem, mediante o hábito - virtude, o autor

pontua que não basta afirmar-se bom, é preciso que o homem seja virtuoso. Para isso, a

educação passa a ocupar lugar de destaque. Constata-se entre as mudanças ocorridas na

Grécia com a democracia uma alteração na concepção de homem por não mais entendê-

lo apenas como um ser natural, mas como destaca Aristóteles como uma junção de três

coisas: a natureza, o hábito e a razão. 3 Assim, não é mais possível pensar o homem

2 Para Aristóteles a excelência é a realização da função específica de cada ser. Em relação à excelência moral esclarece que: “[...] é produzida pelas mesmas causas e pelos mesmos meios, tal como acontece com toda arte, pois é tocando a cítara que se formam tanto os bons quanto os maus citaristas, e uma afirmação análoga se aplica aos construtores e a todos os profissionais; os homens são bons ou maus construtores por construírem bem ou mal. [...] Logo, acontece o mesmo com as várias formas de excelência moral, na prática de atos que temos de engajar-nos dentro de nossas relações com outras pessoas, tornando-nos justos ou injustos; na prática de atos em situações perigosas, e adquirindo o hábito de sentir receio ou confiança, tornamo-nos corajosos ou covardes” (ARISTÓTELES, 2001, p. 36, EN 1103b). 3 “Três coisas fazem os homens bons e dotados de qualidades morais, e as três são a natureza, o hábito e a razão. [...] Os outros animais vivem de um modo geral levados pela natureza [...]. O homem todavia, usa também a razão para viver, por ser o único dotado de razão; logo, nele as três coisas devem harmonizar-se entre si, pois muitas vezes os

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como um ser natural no qual a excelência intelectual e moral se desenvolveriam

naturalmente. O homem passa a ser interpretado como um ser que precisa ser educado

para atingir sua excelência.

Pois, entende Aristóteles que:

[...] o homem é por natureza uma (sic) animal social, [...] que tem o dom da fala. [...] Mas a fala tem a finalidade de indicar o conveniente e o nocivo, e portanto também o justo e o injusto; a característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais, e é a comunidade de seres com tal sentimento que constitui a família e a cidade (ARISTÓTELES, 1997, p. 15, Política 1252b).

A discussão de Aristóteles aponta para o fato de ser o homem um animal social, que se

faz homem na comunidade e vivência com seus semelhantes, com capacidade de fala,

sentimentos de bem e mal, justo e injusto e qualidades morais. Por ser o homem um

animal social, os sentimentos de bem e mal e suas qualidades morais são desenvolvidas

por meio da educação. Por isso, Aristóteles preocupa-se em não só afirmar a virtude,

mas em explicitar a sua finalidade a excelência moral e, portanto a felicidade.

[...] A felicidade parece requerer o complemento desta ventura, e é por isto que algumas pessoas identificam a felicidade como boa sorte, embora outras a identifiquem com a excelência. É por esta razão que se pergunta se podemos aprender a ser felizes, ou se podemos ser felizes graças ao hábito ou algum tipo de exercício, ou então à providência divina, ou finalmente graças à sorte (ARISTÓTELES, 2001, p. 27, EN 1099b).

Nesse sentido, ao discutir a felicidade, Aristóteles procura ir além das definições que a

tradição apresentava. 4 Apresenta o bem não apenas como a finalidade, mas o pressupõe

como a realização da excelência de cada coisa. No caso dos homens a excelência passa

pela realização daquilo que o diferencia de todas as outras coisas, que é o fato de ser um

animal racional e político.

homens agem contrariamente aos seus hábitos e à natureza por causa da razão. [...] o restante é obra da educação, pois os homens aprendem algumas coisas pelo hábito e outras por ouvi-las dos mestres” (ARISTÓTELES, 1997, p. 250-251, Política 1332a). 4 “Aristóteles recorre mesmo a um sentido inteiramente distinto de falar em ‘o bem’: ‘o bem’ não no sentido de aquilo a que aspiramos ou [...] a que deveríamos aspirar, mas ‘o bem’ no sentido de aquilo para que algo existe” (TUGENDHAT, 2003,p. 243).

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Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por causa das várias formas de excelência, nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além dela mesma. Uma conclusão idêntica parece resultar da noção de que a felicidade é auto-suficiente. Quando falamos em auto-suficiência não queremos aludir àquilo que é suficiente apenas para um homem isolado, para alguém que leva uma vida solitária, mas também para seus pais, filhos, esposa e, em geral, para seus amigos e concidadãos, pois o homem é por natureza um animal social (ARISTÓTELES, 2001, p. 23, EN 1097b).

Aristóteles destaca que a felicidade está além da excelência por ser um fim em si mesma

e não um meio. A excelência para os homens difere dos demais animais, 5 já que o

homem é por natureza um animal social. Nesse sentido, Aristóteles aponta para o fato

de que o homem ao buscar a felicidade, não o faz de forma isolada uma vez que sua

vida desenvolve-se em sociedade, na convivência com seus semelhantes.

A discussão de Aristóteles apresenta como novidade, em sua consideração acerca da

virtude, o fato de o homem pertencer a uma comunidade política. 6

Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política (ARISTÓTELES, 1997, p. 13, Política 1252a).

Ao pressupor a vida do homem na comunidade política, Aristóteles atende assim a

realização do que torna o homem distinto dos demais animais, o fato de ser político.

Para os gregos a política pressupõe o diálogo, pois “em diálogo, vive-se –

necessariamente – a diversidade. Daí a estrutura dialógica ser primordial para tornar

5 “Enquanto os outros animais, com relação a seu bem-estar, estão determinados unicamente por seus sentimentos de prazer e desprazer, no caso dos homens estes sentimentos podem ser dirigidos pela reflexão. Temos não apenas sentimentos e afetos, mas a possibilidade de nos conduzir refletidamente em relação a eles, e nosso bem-estar nossa felicidade no sentido subjetivo, depende de que o façamos bem” (TUGENDHAT, 2003, p. 245). 6 “O bem do indivíduo é da mesma natureza que o bem da cidade, mas este ‘é mais belo e mais divino’ porque se amplia da dimensão do privado para a dimensão do social, para o qual o homem grego era particularmente sensível, porquanto concebia o indivíduo em unção da cidade e não a cidade em função do indivíduo. Aristóteles, aliás, dá a esse modo de pensar dos gregos uma expressão paradigmática, definindo o próprio homem como ‘animal político’ (ou seja, não simplesmente como animal que vive em sociedade, mas como animal que vive em sociedade politicamente organizada)” (REALE & ANTISERI, 1990, p. 208).

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pensável a ética como tema e como problema histórico, social e humano” (BOTO, 2000,

p. 9).

A discussão ética em Aristóteles assume um caráter não apenas racional, mas considera-

se a vontade além da razão para as escolhas a serem feitas pelos homens.

Sendo involuntária uma ação executada sob compulsão ou por ignorância, um ato voluntário é presumivelmente aquele cuja origem está no próprio agente, quando este conhece as circunstâncias particulares em que está agindo. [...] Tendo definido o voluntário e o involuntário, devemos examinar em seguida a escolha; esta, com efeito, parece relacionar-se intimamente com a excelência moral, e proporciona um juízo mais seguro sobre o caráter do que sobre as ações. A escolha, então, parece voluntária, mas não é a mesma coisa que o voluntário, pois o âmbito deste é mais amplo (ARISTÓTELES, 2001, p. 52, EN 1111b).

A idéia de virtude em Aristóteles pressupõe a racionalidade somada a noção de vontade.

Como destaca o autor é uma escolha voluntária, mas não algo voluntário. Ou seja, ao

escolher e para isso fazer uso da razão, o homem é também influenciado pela vontade, o

que faz com que possa escolher algo que racionalmente não lhe seja aprovado. Pois

entende Aristóteles que “tanto a virtude como o vício dependem não somente do

conhecimento, mas também da vontade, o que é algo novo na ética grega. Não basta

conhecer o bem para praticá-lo, como também não basta conhecer o mal para deixá-lo

de cometer” (CAPORALINI, 2007, p. 4).

Nesse sentido é que os filósofos passam a discutir a diferença entre o homem e os

deuses. Como destaca Aubenque,

[...] em sua descrição das virtudes morais, Aristóteles sempre chama a atenção para as situações que dão ao homem a ocasião de ser corajoso, liberal, justo etc. Quando as situações não são dadas e, além disso, onde não há nenhuma possibilidade de serem dadas, não há nenhuma razão para que essas virtudes floresçam. Aristóteles extrairá, então, a conseqüência rigorosa, que devia parecer escandalosa aos platônicos e parecerá ainda mais a Plotino: os deuses não são nem justos, nem corajosos, nem liberais, nem temperantes pois não vivem num mundo onde seja preciso assinar contratos, arrostar perigos, distribuir somas em dinheiro ou moderar seus desejos. Os deuses não vivem no mundo da relação, da aventura e da necessidade, e querer atribuir a esses seres o que evidentemente não lhes diz respeito, sendo o que são e vivendo

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onde vivem, seria conceder à virtude um valor que ela não tem (AUBENQUE, 2003, p. 108).

Destacamos que é muito comum os manuais de filosofia afirmarem a ética grega como

algo uniforme. Percebemos pela afirmação de Caporalini que há sim um pano de fundo

comum, ou seja, o homem e sua relação com a polis, porém o entendimento, ou melhor,

o conceito de homem diverge entre os filósofos, é o caso por ele apresentado em relação

a Aristóteles. 7

O espaço da polis pressupõe o diálogo por ser o lócus que possibilita a convivência com

a diferença. Para que isso fosse possível os gregos entendiam que o diálogo era

imprescindível. Percebemos isso nas discussões de Sócrates, Platão e Aristóteles,

sobretudo quando apontam para a necessidade da educação dos homens para a vida na

polis, que exige do homem a aprendizagem para o seu desenvolvimento enquanto

animal racional e político.

Para Aristóteles a virtude precisa ser entendida como algo imprescindível ao homem,

tendo em vista que sua vida diferentemente da dos deuses se dá em um mundo de

relação, de aventuras e da necessidade onde é preciso a cada momento fazer escolhas.

Importante destacar que essa preocupação e enfoque da virtude moral se insere em um

contexto social e político bastante específico.

À época de Aristóteles, a polis passava por transformações que marcaram notadamente

sua obra, que a distancia em alguns aspectos das discussões anteriores. Em relação às

mudanças ocorridas na Grécia e sua influência na ética e política aristotélica, bem como

do período posterior a Aristóteles, Aubenque assim apresenta:

Se a unidade da vida privada e da vida pública caracterizava a era clássica da Grécia, a ruptura dos quadros da cidade em proveito de conjuntos mais vastos arruína tal unidade. Aristóteles ainda sustentava a coincidência entre a virtude do homem público e a do homem privado; entretanto, esta se torna inútil numa sociedade que não mais espera do homem privado que participe nos negócios públicos. O filósofo – que, na República de Platão, simbolizava a unidade da

7 Podemos constatar isso nas considerações que Vázques faz em relação a ética aristotélica quando afirma que: “A verdadeira vida moral é exclusiva de uma elite que pode realizá-la, isto é, consagrar-se a procurar a felicidade na contemplação – no âmbito de uma sociedade baseada na escravidão. Dentro desse âmbito, o homem bom (o sábio) deve ser, ao mesmo tempo, um bom cidadão” (VÁZQUES, 1990, p. 241).

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teoria e da prática -, se encontra confinado na teoria a partir do momento em que a “prática” deixa de depender dele, para depender de um senhor externo. É o momento em que a liberdade do homem livre, que até então se confundia com o exercício dos direitos cívicos, se transmuta, na falta de algo melhor, em liberdade interior; no qual o ideal de autarquia, que até então procurara satisfazer-se pela mediação da cidade, não reconhece mais outra via senão a ascese interior geradora da ataraxia; no qual a especulação pura torna-se um refúgio e como que o substituto da (sic) uma ação obstruída. Tal metamorfose de retração, ou, como se disse, de ‘abstração’, é característica das filosofias helenísticas (AUBENQUE, 2003, p. 33-34).

Consideramos que como destaca Aubenque, as mudanças ocorridas à época de

Aristóteles ofereceram-lhe a possibilidade de apresentar a necessidade de os homens

entenderem-se com responsabilidade total sobre suas ações. Assim, ao revisitarem

Aristóteles, os autores do século XIV encontraram aí a possibilidade de discutirem as

mudanças ocorridas na Europa a partir do século XII, com o desenvolvimento das

cidades e das universidades e, sobretudo, com o avanço do poder dos reis em detrimento

do poder papal. Constatam e posicionam-se contra o poder da Igreja, uma vez que a

mesma deixara de exercer o papel de governo da sociedade e, em função da crise pela

qual passava, tornava-se cada dia mais uma instituição que onerava a sociedade e a

impedia de prosperar.

Isso aparece sobremaneira na obra de Marsílio de Pádua, ao defender que primeiro, a

Igreja deveria se ocupar de suas funções e afazeres sem buscar prerrogativas que lhe

outorgassem a plenitude do poder. Como já alertara, a paz é resultante do empenho de

cada um naquilo que deve fazer. Segundo, o primado das questões relativas ao governo

das cidades é exclusividade do poder laico, no qual a Igreja nem deve e nem tem

qualquer direito para intervir. Marsílio esclarece que, quando isso ocorre, a sociedade

enfrenta conflitos e sérias crises.

Nesse sentido, pensamos que o estudo da ética e da política em Aristóteles tem muito a

oferecer ao enfrentamento de situações conflitivas na contemporaneidade, sobretudo

pelo fato de que “[...] na ética, não se esquece que o homem individual é essencialmente

um membro da sociedade. Nem, na Política, que a virtude do estado está conforme à

virtude dos seus cidadãos” (ROOS, 1987, p. 193).

Assim, como para a época de Aristóteles, devido às mudanças anteriormente

assinaladas, bem como para o século XIV com o conflito Igreja-Estado, a educação

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ganhou destaque, por sinalizar para a possibilidade de ajudar os homens a agirem como

sujeitos de seus próprios atos e, portanto, inteiramente responsáveis pelas conseqüências

dos mesmos.

As razões éticas consistem, não em partir dos primeiros princípios, mas sim em atingi-los; ela parte, não do que é inteligível em si próprio, mas do que nos é familiar, isto é, os factos puros, e procede retrospectivamente destes até às razões que lhes são subjacentes; e, para obter o conhecimento necessário dos factos, é necessária uma boa educação (ROOS, 1987, p. 195).

Por isso, se quisermos enfrentar os desafios inerentes aos nossos dias, o primeiro passo

a ser dado deverá ser o de empenharmo-nos por uma educação de qualidade. Como

educadores e pesquisadores da educação, é de nós que a sociedade espera as indicações

que sinalizem melhorias. Caso não estejamos satisfeitos com o que temos, urge-nos

mais estudo e pesquisa para que possamos assim, superar o estágio de queixa, que

fortemente marca o meio educacional, para a construção de um estágio de ação, com

nítido posicionamento ético-político diante das dificuldades e problemas que assolam a

educação em nossos dias.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 4 ed. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília - UNB, 2001.

______. Política. 3 ed. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília - UNB, 1997.

AUBENQUE, Pierre. A prudência em Aristóteles. Tradução de Marisa Lopes. São Paulo: Discurso Editorial, 2003.

BOTO, Carlota. Diálogo, amizade e ética no mundo antigo: algumas anotações. Disponível em: <http://www.paideuma.cjb.net/>, acesso em 29jan08.

CAPORALINI, J. B.. Ética e Antropologia em Aristóteles. VI Jornada de Estudos Antigos e Medievais. Maringá: UEM, 2007. (Mini-Curso: Ética e Antropologia em Aristóteles)

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CARVALHO, J. S. Podem a ética e a cidadania ser ensinadas? Disponível em: <http://www.paideuma.cjb.net/>, acesso em 29jan08.

OLIVEIRA, T. O debate político acerca da separação dos poderes no Ocidente Medieval: a atuação dos intelectuais. In: OLIVEIRA, T. e VISALLI, A. M. Cultura e Educação. Ética e ação política na Antiguidade e na Idade Média. Vitória da Conquista, Bahia: Edições UESB, 2007. (p. 235-258).

REALE, G. & ANTISERI, D. História da Filosofia – Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.

SOUZA, J. A. C. R.de. Introdução. In. MARSÍLIO DE PÁDUA. O defensor da paz. Petrópolis: Vozes, 1997. (pp. 13-63).

VÁZQUES, A. S. Ética. Tradução de João Dell´Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.