aristides «o justo» português iii

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CULTURA JUDAICA DISCRIMINAÇÃO A cultura é o conjunto das produções materiais, intelectuais e espiri- tuais. É um fenómeno universal: todos os seres humanos nasceram nu- ma determinada cultura, que os influenciará inevitavelmente. Contudo, os padrões culturais são relativos, visto que variam de sociedade para sociedade, de época para época. Esta mesma cultura, neste caso, a cultura judaica, foi completamente ignorada, banalizada e desrespeitada. O povo judeu tinha uma identidade cultural (aquilo que o tornava úni- co e o distinguia das outras culturas) e os alemães decidiram que eles não tinham direito a ela porque a consideravam uma cultura inferior. Os alemães tentaram acabar com a diversidade cultural (o resultado da existência de culturas diferentes). Para eles, não deveria haver diálogo intercultural (interação e comunicação entre culturas, no sentido de as levar a progredir), visto que a melhor forma de progredir era matar, es- cravizar, torturar quem tivesse uma ideologia oposta à da Alemanha, no- meadamente os judeus. Mostram de facto que não tinham qualquer rés- tia de tolerância (o respeitar os outros e aceitar as diferenças). Bella Lassore de 16 anos terá escrito esta mensagem num álbum duma amiga. Pode ler-se no tex- to: “Ama a vida, e não tenhas medo da morte. Acredita em Deus e terás um fu- turo melhor.”. Em janeiro de 1943, foi levada para Aus- chwitz, onde viria a morrer.

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Trabalho de Grupo para a Exposição sobre Aristides de Sousa Mendes «O Justo» português 10º C - Inês Cabrita; António Capa - profª Ana Paula Rodrigues

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Page 1: Aristides «O Justo» português III

CULTURA JUDAICA

DISCRIMINAÇÃO

A cultura é o conjunto das produções materiais, intelectuais e espiri-

tuais. É um fenómeno universal: todos os seres humanos nasceram nu-

ma determinada cultura, que os influenciará inevitavelmente. Contudo,

os padrões culturais são relativos, visto que variam de sociedade para

sociedade, de época para época.

Esta mesma cultura, neste caso, a cultura judaica, foi completamente

ignorada, banalizada e desrespeitada.

O povo judeu tinha uma identidade cultural (aquilo que o tornava úni-

co e o distinguia das outras culturas) e os alemães decidiram que eles

não tinham direito a ela porque a consideravam uma cultura inferior. Os

alemães tentaram acabar com a diversidade cultural (o resultado da

existência de culturas diferentes). Para eles, não deveria haver diálogo

intercultural (interação e comunicação entre culturas, no sentido de as

levar a progredir), visto que a melhor forma de progredir era matar, es-

cravizar, torturar quem tivesse uma ideologia oposta à da Alemanha, no-

meadamente os judeus. Mostram de facto que não tinham qualquer rés-

tia de tolerância (o respeitar os outros e aceitar as diferenças).

Bella Lassore de 16

anos terá escrito

esta mensagem num

álbum duma amiga.

Pode ler-se no tex-

to: “Ama a vida, e

não tenhas medo da

morte. Acredita em

Deus e terás um fu-

turo melhor.”. Em

janeiro de 1943, foi

levada para Aus-

chwitz, onde viria a

morrer.

Page 2: Aristides «O Justo» português III

Neste caso específico, verifica-se a tentativa de aculturação por destruição:

uma cultura política, militarmente dominante, ocupou o território de uma cultura

dominada e, por força das armas, impôs, de forma absoluta, os seus padrões

culturais. Felizmente, não se rea-

lizou, não ocorreu a extinção da

cultura judaica, graças, em gran-

de parte, à intervenção de pesso-

as como Aristides de Sousa Men-

des.

Os judeus foram forçados a

lidar com esta situação. Num mo-

mento, tudo estava bem. Eles

eram, por norma, pessoas cultas,

com uma posição importante e influente na sociedade. De repente, são lhes re-

tirados direitos, são obrigados a abandonar tudo o que têm e, quando dão por

eles, estão a ser mortos em câmaras de gás, tratados como objetos, sem

quaisquer direitos, completamente desrespeitados.

Aconteceu tudo muito rapidamente e eles es-

tavam em minoria, não conseguiram tomar qual-

quer atitude. Eles são forçados a readaptarem-se,

ou seja, ocorre sobre eles próprios o processo de

socialização secundária: são obrigados a assimilar

e interiorizar as normas e os padrões culturais im-

postos pelos alemães. Como muitos não tinham

por onde fugir, eles tentavam lidar, da melhor ma-

neira que conseguiam, com esta imposição, no

sentido de preservarem as suas vidas. Essa tarefa

era, contudo, bastante complicada, porque as tro-

pas não precisavam de qualquer motivo para os

maltratarem ou mesmo matarem. Esta assimilação

foi artificial, foi uma ilusão. Os judeus poderiam de facto mostrar que cumpriam

as regras e até mesmo, alguns deles, fingir que tinham adotado outra religião,

mas foi tudo uma farsa. E prova disso é que a cultura judaica ainda hoje preva-

lece.

CULTURA JUDAICA

Otto Frank (1889-1980), pai da

famosa Anne Frank, foi um dos

sobreviventes ao Holocausto

Page 3: Aristides «O Justo» português III

PRAXIS DE ARISTIDES

OS VALORES IMPLÍCITOS NA AÇÃO DE ARISTIDES

Aristides realizou uma ação transformadora que mudou a realidade, a cha-

mada práxis. A mesma implicou algumas condicionantes (que eram inclusive

entendidas como determinações, ou seja,

eram inultrapassáveis) com as quais teve de

lidar. Enfrentou condicionantes legais, aque-

las que são impostas pela Lei, pelo Direito,

que decretavam que ele tinha de obedecer

ao chefe supremo, Salazar, e ele não o fez.

Prova disso, é a sua afirmação célebre: “Não

participo em chacinas, por isso desobedeço a

Salazar.”, e esta desobediência foi uma esco-

lha ética.

Para além destas condicionantes, também teve de lidar com condicionan-

tes socioculturais, devido à ideologia fascista de Portugal na época. Contudo,

ele decidiu não agir em conformidade com estas condicionantes, algo que lhe

trouxe consequências, como perder toda a sua fortuna, notoriedade, estatuto

e carreira, acabando por morrer na miséria.

Hitler era uma pessoa etnocêntrica, com o poder de fazer com que todos os

outros adotassem o mesmo etnocentrismo. Ou seja, ele defendia que existia

uma raça, uma cultura superior, melhor que todas as outras. Dessa forma,

não as respeitava e impôs, pela força, a cultura, os ideais em que acreditava.

No fim de contas, Heinrich Heine, poeta romântico alemão, nascido no

final do séc. XVII, tinha toda a razão: “Quem começa por queimar livros, aca-

ba a queimar pessoas”. De facto, Hitler começou por ordenar a queima dos

livros, a famosa queima dos

livros, que mostra o despre-

zo total pelo conhecimento.

Passado não muito tempo,

começa a queimar pessoas.

E, na nossa opinião, contra

factos não há argumentos.

Câmara de gás, onde as pessoas morriam

por asfixia, sendo levadas depois para os

fornos crematórios.

Queima de livros, 1933

Page 4: Aristides «O Justo» português III

Aristides de Sousa Mendes, exatamente com o ponto de vista oposto (esta

ideologia hitleriana foi também uma condicionante, pois estava iminente a che-

gada dos alemães a Bordéus), foi impelido a lidar com este etnocentrismo, de-

vido aos seus valores, àquilo em que acreditava.

Ao início, ele sentiu-se perdido, tinha um dilema moral (que exigia reflexão

de forma a clarificar a escolha que tomaria e justificar a moralidade da sua

ação). Não paravam de chegar pessoas ao seu consulado, nomeadamente ju-

deus, a quem ele não podia passar vistos, pois a Circular nº 14 era bem clara

quanto a esse assunto.

Ele sabia que, por um lado, se ignorasse toda aquela gente, ele manteria a

sua vida estável, o seu estatuto, a sua riqueza. Por outro, ele não conseguia

ver tanto desprezo, tantos maus tratos, tantas mortes, e não fazer nada. O

mais importante eram as pessoas, todas elas.

Ele decidiu agir. Trabalhou noite e dia, sem descansar, sem comer. Passava

vistos, montes de vistos. Mesmo quando chegavam amea-

ças de Portugal, ele continuava a emiti-los. E se surgisse

algum problema, nomeadamente na fronteira entre França

e Espanha, ele próprio se dirigia ao cerne da questão e,

com toda a influência que possuía, tentava solucionar o

mesmo. Até quando foi obrigado a regressar, continuava a

albergar na sua casa, em Cabanas de Viriato, Viseu, algu-

mas dezenas de refugiados. Foram os valores, os princí-

pios de Aristides que o levaram a agir, a salvar todas aque-

las vidas. Perante aquele facto, de estarem a ser mortos seres humanos pela

posição etnocêntrica de um só, ele decidiu agir. Agiu assim porque ele tinha

determinados ideais que o levaram à apreciação qualitativa da realidade e fo-

mentaram a sua ação.

São, então, indissociáveis os valores de Aristides da ação que ele escolheu

tomar. No fundo, tomou-a porque era uma finalidade manter o seu princípio, o

seu valor. Até mesmo para realização pessoal, ele deveria reger-se pelos seus

princípios, e esses levariam à praxis correta. Esta relação entre valores e pra-

xis é bastante linear e complexa, dando-nos a assim a conhecer este Aristides:

uma das poucas pessoas de que há registo que foi capaz de atingir o nível da

autonomia da consciência, pensando por si próprio e não pelo que era a moral

da altura, realizando uma ação ética, em todo o seu esplendor.

PRAXIS DE ARISTIDES

Page 5: Aristides «O Justo» português III

CONCLUSÃO O holocausto foi uma das maiores atrocidades que mais vergonha traz à

História do ser humano. É ainda inexplicável o porquê do mundo não se ter

oposto em peso a Hitler. Este era, pelos vistos, dotado de uma inteligência in-

comparável, capaz de convencer o mundo que matar, torturar toda aquela gen-

te era correto. Ainda bem que existem sempre heróis, pessoas ainda mais inte-

ligentes. Pessoas que conhecem o significado de ser humano, com capacida-

de de pensar, com uma capacidade de

pensar eticamente. Pessoas como Aris-

tides de Sousa Mendes. Ele salvou cer-

ca de 30000 pessoas. Mas isso não im-

porta, poderia apenas ter salvado uma.

Afinal, “Quem salva um ser humano

merece tanto quanto mereceria se tives-

se salvado toda a Humanidade.” .

A verdade é que é nestas situações que surgem os heróis. E surgiram imen-

sos. De acordo com a Yad Vashem, mais de 22000 (até 2008). Resta-nos re-

lembrá-los e honrá-los, impedindo que algo tão desastroso volte a acontecer.

Relembrar e honrar é exatamente o que falta a Portugal. Mesmo depois

da guerra, Salazar não honrou Aristides, não pediu desculpa pelo seu desres-

peito e pelo não apoio. Agora, em pleno século XXI, em plena democracia,

poucos portugueses sabem quem foi Aristides de Sousa Mendes.

A sua casa, de Cabanas de Viriato, está

em completo estado de degradação e o Go-

verno nada faz, apesar de já se ter compro-

metido a repará-la. É de extrema importância

dar a conhecer, principalmente aos portugue-

ses, o português que traz à nossa nação tan-

ta notoriedade, tanta vaidade. E mais impor-

tante, é um exemplo para todo o mundo de

bondade, generosidade, altruísmo… De tudo o que significa realmente ética

e… ser humano.

Excerto do Talmude, obra sagrada para os judeus

10º C - INÊS CABRITA; ANTÓNIO CAPA