Áreas aquáticas protegidas como instrumento de gestão pesqueira

Upload: marcos-porto

Post on 15-Oct-2015

28 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • Repblica Federativa do BrasilPresidente: Luiz Incio Lula da SilvaVice-Presidente: Jos Alencar Gomes da Silva

    Ministrio do Meio AmbienteMinistra: Marina SilvaSecretrio Executivo: Cludio Roberto Bertoldo LangoneSecretaria de Biodiversidade e FlorestasSecretrio: Joo Paulo Ribeiro Capobianco

    Ncleo da Zona Costeira e MarinhaCoordenadora: Ana Paula Leite Prates

    Diretoria de reas ProtegidasDiretor: Maurcio Mercadante

    Diretoria de Conservao da BiodiversidadeDiretor: Brulio de Sousa DiasGerncia de Recursos PesqueirosGerente: Roberto Gallucci

    Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisPresidente: Marcus Luiz Barroso BarrosDiretoria de Fauna e Recursos PesqueirosDiretor: Rmulo Fernandes Barreto MelloCoordenao Geral de Gesto de Recursos PesqueirosCoordenador: Jos Dias NetoProjeto Manejo dos Recursos Naturais da VrzeaCoordenador: Mauro Luis Ruffino

    R

    EAS

    PR

    OTE

    GID

    AS

    DO

    BR

    ASI

    L

  • reas Aquticas Protegidas como Instrumento de

    Gesto Pesqueira

  • Ministrio do Meio AmbienteSecretaria de Biodiversidade e FlorestasDiretoria do Programa Nacional de reas ProtegidasNcleo da Zona Costeira e Marinha

    Srie reas Protegidas do Brasil, 4

    Edio: Equipe do Ncleo da Zona Costeira e Marinha

    Ana Flora Caminha (Diagramao), Ana Paula Prates (Coordenao), n-gela Ester Magalhes Duarte (Produo Grfica), Danielle Blanc (Organiza-o), Joo Luis Fernandino Ferreira, Maria Carolina Hazin, Mariana de S Viana e Paula Moraes Pereira.

    Ncleo da Zona Costeira e Marinha - NZCMEsplanada dos Ministrios - Bloco B 7 andar sala 71370.068-900 Braslia- DFTel.: 55 61 4009 1151 e 4009 1387Fax: 55 61 4009 1213E-mail: [email protected]

    Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros - DIFAPSCEN Trecho 2 Ed. Sede do IBAMA - Bloco B70.818-900 Braslia - DF Tel.: 55 61 3316 1650Fax: 55 61 3316 1200E-mail: [email protected]

    Coordenao Geral de Gesto de Recursos Pesqueiros - CGREP SCEN Trecho 2 Ed. Sede do IBAMA - Bloco B70.818-900 Braslia - DF Tel.: 55 61 3316 1480 e 3316 1481Fax: 55 61 3316 1238E-mail: [email protected]

    Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Vrzea - PROVARZEARua Ministro Joo Gonalves de Souza s/n - Distrito Industrial 69.075-830 Manaus - AM Tel.: 55 92 3613 6246 e 3613 6574Fax: 55 92 3237 5616E-mail: [email protected]

  • Ministrio do Meio AmbienteSecretaria de Biodiversidade e Florestas

    Ncleo da Zona Costeira e Marinha

    Braslia, DF2007

    reas Aquticas Protegidas como Instrumento de

    Gesto Pesqueira

  • Apresentao

  • 9O Ministrio do Meio Ambiente, por meio da Diretoria de reas Protegidas DAP de sua Secretaria de Biodiversidade e Florestas - SBF lanou du-rante o IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao, realizado em outubro de 2004, em Curitiba/PR, a srie reas Protegidas do Brasil. A srie pretende registrar o resultado de estudos e experincias, disseminar informaes, estimular o debate de idias e, com isto, aumentar a eficcia das aes relacionadas com a criao e implementao de reas Protegi-das.

    Ao fornecer subsdios para a argumentao dos diversos setores do Estado e da sociedade em torno do tema reas Protegidas, o MMA espera contri-buir para que, em seu campo de atuao, suas diretrizes Fortalecimen-to do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), Transversalidade, Sustentabilidade, Participao e Controle Social possam se tornar uma realidade.

    A srie reas Protegidas do Brasil j conta com trs publicaes: Co-nhecimento e Representaes Sociais das Unidades de Conservao pe-los Delegados da Conferncia Nacional do Meio Ambiente-CNMA,Gesto Participativa do SNUC e Diretrizes para Visitao em Unidades de Con-servao.

    Dando continuidade srie, o Ncleo da Zona Costeira e Marinha da SBF, organizou, em parceria com a DAP e o Projeto PROVRZEA do IBAMA, a publicao de mais um volume, com artigos visando a divulgao de experincias brasileiras na utilizao de reas aquticas protegidas como instrumento para a gesto pesqueira. O objetivo desta publicao ampliar e difundir essa nova ferramenta de gesto e os conhecimentos de tais pr-ticas para outras reas protegidas e setores relacionados.

    A disseminao dos conceitos de que as reas protegidas aquticas so essenciais para conservar a biodiversidade dos oceanos e de guas conti-nentais crescente, aliando-se, desde a dcada de 90, idia de que so essenciais manuteno da produtividade pesqueira. Diversos autores e especialistas apontam que o estabelecimento dessas reas protegidas um excelente instrumento para recuperao de estoques colapsados ou considerados ameaados, servindo como berrios e fonte de exportao de indivduos maduros para as reas adjacentes.

    Tais estudos j foram incorporados em diretrizes e compromissos interna-cionais como as recomendaes do Acordo de Durban - no V Congresso

    Apresentao do Ministrio do Meio Ambiente

  • 10

    Mundial Parques IUCN/2003, nas recomendaes do Grupo Tcnico de Especialistas em reas Protegidas Costeiras e Marinhas da Conveno de Diversidade Biolgica CDB, nas recomendaes da 26 Reunio do Co-mit de Pesca da FAO (Roma, 2005), nas resolues da 9 Conferncia das Partes da Conveno de Zonas midas de Importncia Internacional Conveno de Ramsar (Uganda, 2005) e internamente no Plano Nacio-nal de reas Protegidas (Dec. 5.758/06). Mais recentemente, o processo de atualizao das reas prioritrias para a conservao, uso sustentvel e repartio de benefcios da biodiversidade brasileira, incorporou o conceito em um desenho inicial do sistema representativo de reas protegidas cos-teiras e marinhas (Dec. 5.092/2004 e Portaria MMA n. 9/2007).

    No caso do Brasil, o tamanho do litoral, aliado a grande diversidade de ecossistemas e espcies, gerou a falsa idia de um inesgotvel potencial de explotao, levando em conseqncia, adoo de polticas de desen-volvimento que pouco, ou quase nada, se preocuparam com a sustentabi-lidade do uso de seus recursos. Como resultado, dados recentes mostram que, apesar da pesca marinha contribuir com 63% da produo total de pescado brasileiro, 80% de seus recursos economicamente explorados en-contram-se sobrexplotados (dados do REVIZEE).

    Por outro lado, incontestvel a importncia scio-econmica da atividade pesqueira no Brasil, no s como fornecedora de protena animal para o consumo humano, como, tambm, em gerar, s na rea marinha, aproxi-madamente 800.000 empregos, perfazendo um contingente de cerca de 4 milhes de pessoas que dependem, direta ou indiretamente, do setor.

    O Ncleo da Zona Costeira e Marinha, iniciou debates sobre a importncia do uso das unidades de conservao costeiras e marinhas e de reas de ex-cluso de pesca, como instrumentos para a gesto pesqueira por interm-dio dos mais diversos meios. Essa abordagem pretende somar esforos aos demais instrumentos tradicionalmente usados, bem como inserir a viso ecossistmica na pesca brasileira. Incorporando as demais reas protegi-das aquticas, essa articulao se estende implementao dos princpios da Conveno de Ramsar e divulgao dos avanos das reas protegidas em guas interiores.

    Como desafios, destacam-se aes inerentes a uma mudana de para-digma, como a disseminao do conceito, a demonstrao de estudos de caso, a implantao de gesto compartilhada dos recursos pesqueiros, a capacitao de tcnicos e gestores e o convencimento dos tomadores de deciso. Alm disso, a co-responsabilidade na gesto das unidades de con-servao, com os pescadores e demais atores que dependem dessas reas, muito importante e para isso necessrio que a informao, a comunica-o e, principalmente, a organizao desses segmentos seja eficiente.

    O MMA convidou pesquisadores e tcnicos que trabalham na rea a con-tribuir com essa publicao, enviando suas experincias e trabalhos cien-tficos, os quais foram incorporados neste volume. Dessa forma, temos a

  • 11

    primeira iniciativa de reunir diversos trabalhos, alguns deles j publicados e outros inditos, de forma a divulgar ao pblico alvo as experincias bra-sileiras no assunto.

    com muita honra que apresentamos o Volume 4 da Srie reas Protegi-das - reas Aquticas Protegidas como Instrumento de Gesto Pesqueira.

    Joo Paulo Ribeiro Capobianco Secretrio de Biodiversidade e Florestas

  • 12

    A necessidade de proteo de ambientes terrestres reconhecida mun-dialmente , em decorrncia disso, foram criadas diferentes categorias de unidades de conservao.

    Para os ambientes aquticos, o estabelecimento de reas protegidas tem sido mais recente, sendo a maioria com a inteno de conservar a biodiver-sidade desses ambientes, ao mesmo tempo em que visa frear o processo de degradao ambiental e manter os seus habitats.

    O debate sobre o papel das reas protegidas como ferramenta de gesto vem crescendo internacionalmente e tambm no Brasil, onde o tema j abordado pela academia, terceiro setor, comunidades de pescadores e em polticas especficas dos governos estaduais e federal.

    Mais recentemente, essas reas tm sido vistas como um dos instrumentos de gesto do uso dos recursos pesqueiros, principalmente em locais com pescarias multiespecficas onde as formas convencionais de gesto no vm dando bons resultados.

    Neste sentido, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Naturais Re-novveis - IBAMA vem desenvolvendo e ampliando a participao social por meio do compartilhamento do poder e de responsabilidades. Essa ao demonstra o alinhamento com as diretrizes nacional e internacional e bus-ca estabelecer um campo de proteo e resguardo da biodiversidade aqu-tica e seus habitats dentro dos princpios e conceitos definidos no Plano Estratgico Nacional de reas Protegidas (PNAP) elaborado pelo Ministrio do Meio Ambiente - MMA.

    Como exemplo, podemos citar a rea de Proteo Ambiental da Costa dos Corais, em Pernambuco e Alagoas, e as diversas Reservas Extrativistas Marinhas existentes ao longo do litoral, reas de proteo integral como: Parque Atol das Rocas, Reserva Biolgica de Arvoredo e Parque Nacional de Fernando de Noronha, experincias que vm apresentando resultados positivos na recuperao e proteo dos estoques pesqueiros nessas re-as.

    Alm das reas protegidas reconhecidas como Unidades de Conservao, o IBAMA tem usado outro instrumento de gesto, principalmente na regio amaznica, que vem sendo utilizado pelo projeto Manejo dos Recursos Na-turais da Vrzea ProVrzea, envolvendo comunidades ribeirinhas, colnia de pescadores e ONGs, que conhecido e regulamentado como acordos de pesca.

    Apresentao do IBAMA

  • 13

    Os acordos de pesca so, de fato, a formalizao das regras de utilizao estabelecidas pelas comunidades pesqueiras num processo que teve incio com os conflitos ambientais referente competio por uso de recursos pesqueiros na Amaznia Central, gerando um instrumento legal a Instruo Normativa IBAMA n 29/2002, que estabelece critrios para formalizao desses acordos.

    Esta publicao, que trata especificamente das experincias brasileiras neste tema, faz uma avaliao sistemtica e crtica que permitir compre-ender os aspectos negativos e positivos do uso das reas aquticas prote-gidas no pas como instrumento de gesto do uso sustentvel dos recursos pesqueiros.

    Rmulo Jos Fernandes Barreto MelloDiretor de Fauna e Recursos Pesqueiros

  • Unidades de Conservao

    Costeiras e Marinhas de Uso Sustentvel como Instrumento

    para a Gesto Pesqueira

  • 15

    Ana Paula Leite Prates1

    Alexandre Zananiri Cordeiro2 Beatrice Padovani Ferreira3

    Mauro Maida4

    1 Artigo publicado nos Anais do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao/ Campo Gran-de/MS - 05 a 09 de novembro/2000. V. II. p. 544-553

    2 Engenheira de Pesca, MSc. Doutoranda em Ecologia na UnB. Ministrio do Meio Ambiente/ [email protected]

    3 Engenheiro Agrnomo. Centro Nacional de Populaes Tradicionais - CNPT/IBAMA

    4 Biloga, PhD (Austrlia). Universidade Federal de Pernambuco

    5 Oceangrafo, PhD (Austrlia). Universidade Federal de Pernambuco

    Unidades de Conservao Costeiras e Marinhas de Uso Sustentvel como Instrumento para a Gesto Pesqueira1

    Resumo

    O estabelecimento de um sistema representativo de unidades de conserva-o faz parte da estratgia global de conservao de biodiversidade. reas protegidas marinhas so essenciais para conservar a biodiversidade dos oceanos e para manter a produtividade, especialmente dos estoques de pei-xes. O presente trabalho visa abordar as unidades de conservao costeiras e marinhas, de uso sustentvel, como importante instrumento de gesto pesqueira. Com esse fim, so analisadas duas unidades de conservao.

    Introduo

    A necessidade de se proteger ambientes terrestres reconhecida mun-dialmente e em decorrncia disto foram criadas diferentes catego-rias de unidades de conservao. O mesmo no acontece com as re-as marinhas. Das 4500 reas protegidas do mundo somente 850 incluem componentes marinhos e costeiros e esse desequilbrio acon-tece devido a diversos fatores como: inacessibilidade ao ambiente ma-rinho at 1950, noo de que o ambiente marinho uma propriedade comum a todos, disponvel para explorao e a idia de que seus re-cursos so infinitos (McNeill,1994; Agardy,1994, apud Pereira, 1999).

    No caso do Brasil, o tamanho do litoral aliado a grande diversidade de es-pcies gerou a falsa idia de um inesgotvel potencial de explotao, levan-do em conseqncia, adoo de polticas de desenvolvimento que pouco, ou quase nada, se preocuparam com a sustentabilidade do uso de seus recursos. (Brasil, 1997). incontestvel a importncia scio-econmica da atividade pesqueira no Brasil, no s como fornecedora de protena ani-mal para o consumo humano, como, tambm, em gerar aproximadamente 800.000 empregos, perfazendo um contigente de cerca de 4 milhes de pessoas que dependem, direta ou indiretamente do setor. (Brasil, 1997).

  • 16

    Como resultado, os dados atuais mostram que apesar da pesca ma-rinha contribuir com 63% da produo total de pescado brasileiro, 80% de seus recursos encontram-se sobrexplotados (Brasil, 1997).

    Esse fato no acontece apenas no Brasil. Um grande nmero de medi-das faz-se necessrio para proteger as zonas pesqueiras marinhas da pesca excessiva, e assegurar a sustentabilidade da pesca futura. Es-sas incluem o estabelecimento de limites para a pesca, alterao dos mtodos de captura, reduo dos resduos, expanso da aquicultu-ra e, estabelecimento de reas marinhas protegidas (CMIO, 1998).

    Muitos habitats costeiros e marinhos tm merecido proteo especial em diversos pases devido a caractersticas de serem vitais para a realizao do ciclo reprodutivo de determinadas espcies migratrias e/ou ameaadas, o que particularmente importante quando se espera que populaes ora ameaadas possam ampliar seus nmeros e sua rea de distribuio, ser-vindo assim as Unidades de Conservao como bancos genticos de grande valor para o processo de recomposio populacional (Salm e Clark, 1984).

    O estabelecimento de reas protegidas ou unidades de conservao uma das estratgias primordiais para a conservao da biodiversida-de ao mesmo tempo em que visa frear o processo de degradao am-biental. O Brasil apresenta um sistema de unidades de conservao relativamente extenso e, segundo dados do Ministrio do Meio Ambien-te (MMA, 1998), 8% do territrio est sob alguma forma de proteo.

    Para a zona costeira e marinha pode-se dizer que o estabelecimento de reas protegidas tem sido mais recente, sendo a maioria com a inten-o de conservar a biodiversidade e manter os habitats. Mais recente-mente, essas reservas tem sido vistas como um meio de manejar a pesca, principalmente em reas com pescarias multiespecficas onde as formas convencionais de manejo no surtem efeito (Roberts e Polunin, 1991). Diversos autores sugerem que o estabelecimento de reservas marinhas podem ajudar na recuperao de estoques considerados ameaados, ser-vindo como berrios e fonte de exportao de indivduos maduros para as reas adjacentes. (Roberts, 1997; Russ, 1996 e Ballantine, 1996).

    A American Association for the Advancement of Science recomen-dou que 20% dos mares, at o ano 2020, sejam declarados reas de excluso de pesca. A World Wildlife Fund - WWF recentemente prio-rizou o estabelecimento dessas reas no Endangered Seas Programme, e, na Inglaterra, a Federao Nacional das Organizaes de Pescadores incluiu zonas permanentes de excluso de pesca como uma das medi-das a serem adotadas com o objetivo de atingir a sustentabilidade da indstria pesqueira britnica. (Mills e Carlton, 1998 e Roberts, 1997).

    A IUCN (1995 e 1999) reconhece que as reas protegidas ma-rinhas so essenciais para conservar a biodiversidade dos oce-anos e para manter a produtividade, especialmente dos esto-

  • 17

    ques de peixes. At o momento, no mundo todo, existem poucas reas protegidas marinhas e poucas dessas so efetivamente manejadas.

    No Brasil a abordagem de aplicar o conceito de reservas marinhas na proteo de habitats especficos para larvas e juvenis garantin-do o recrutamento e a manuteno dos estoques, apenas recentemen-te tem sido incorporada no discurso governamental (CIRM, 1999).

    Os relatrios e diagnsticos produzidos para o workshop do PROBIO (Projeto de Conservao e Utilizao Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasileira - MMA/GEF) Avaliao e Aes Prioritrias para a Conservao da Biodiver-sidade da Zona Marinha e Costeira, confirmam o quadro dos principais im-pactos e identificam 164 reas prioritrias para a conservao da biodiversi-dade nas zonas costeira e marinha. Especificamente em relao s unidades de conservao, foram indicadas 128 reas incluindo-se desde a criao de novas unidades de conservao, at a ampliao, mudana de categoria e implementao de unidades j criadas. (PROBIO, 1999). Destaca-se, no entanto, a recomendao dos diversos especialistas presentes ao evento, quanto a necessidade do estabelecimento de reas de excluso de pesca como mecanismos de recuperao e conservao de estoques pesqueiros.

    As diferentes categorias de manejo surgem de acordo com novos estu-dos e alternativas para a conservao dos recursos naturais. Atualmen-te, o Sistema Nacional de Unidades de Conservao brasileiro, institu-do pela Lei no 9.985 de 18 de julho de 2000, rene as categorias de manejo em dois grandes grupos, segundo a possibilidade de aproveita-mento direto ou indireto de uso de seus recursos. As de proteo inte-gral, ou de uso indireto, tm como objetivo proteger fraes de ecossis-temas naturais sem a interferncia do homem, e nas de uso sustentvel, ou uso direto, a explorao dos recursos permitida. (Brasil, 2000).

    Na zona costeira e marinha as unidades de conservao de uso sustentvel representam uma boa parcela do total das unidades criadas, principalmen-te quando computamos a rea sobre proteo. As unidades federais apesar de estarem em menor nmero representam uma rea maior sob proteo. (46 UCs federais, sendo 26 de proteo integral com a soma das reas igual a 1.224.506 ha e 20 de uso sustentvel, com a soma das reas igual a 1.641.229 ha). As reas de uso sustentvel nos trs nveis governamen-tais, federal, estadual e municipal, somam 95 unidades compreendendo 17.197.833 ha. (dados de Pereira, 1999, atualizados pelo MMA em 2000).

    O presente trabalho visa analisar duas unidades de conservao de uso sus-tentvel como exemplo das possibilidades na gesto dos recursos pesqueiros.

    Abordagem metodolgica

  • 18

    Foram escolhidas para a anlise duas unidades de conservao de uso sustentvel uma RESEX6 e uma APA7, so elas: Reserva Extrativista Mari-nha de Arraial do Cabo e a rea de Proteo Ambiental Costa dos Corais.

    Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo

    A regio do Cabo Frio abrange os municpios de Arraial do Cabo e Cabo Frio no estado do Rio de Janeiro, faz parte da chamada regio dos La-gos e uma regio plana, com pequenas elevaes, apresentando du-nas prximas ao litoral, onde predominam praias ocenicas de grande extenso interrompidas por costes rochosos, ilhas e praias de pequena e mdia extenso, esta regio apresenta dois sistemas lagunares de gran-de importncia, Saquarema e Araruama e uma restinga praticamente in-tacta, a Restinga da Massambaba. Os costes rochosos tm uma cober-tura vegetal rara, endmica, xeromrfica, associada Mata Atlntica. A regio do Cabo beneficiada pelo fenmeno da resusurgncia, de ocor-rncia nica na costa brasileira. Caracteriza-se pela elevao das guas frias de origem polar carreando grandes quantidades de nutrientes, que conferem a gua da regio incrvel transparncia e grande piscosidade.

    A Reserva Extrativista Marinha de Arraial do Cabo foi criada em 3/1/1997, por meio de solicitao da comunidade em uma rea onde a atividade pesqueira centenria e o fenmeno da ressurgncia contribui para di-minuir a imprevisibilidade das vrias modalidades de pesca pratica-das na regio. A Reserva abrange uma rea de 56.769 ha de lmina dagua e localiza-se ao longo do litoral de Arraial do Cabo, de Massam-baba at a praia do Pontal, na divisa com o municpio de Cabo Frio.

    Na reserva s podem pescar embarcaes que tradicionalmente pescavam em Arraial do Cabo. O Plano de Utilizao, correlato ao Plano de Manejo, da reserva foi publicado em fevereiro de 19998 e tem como objetivo assegurar a sustentabilidade da reserva mediante a regularizao da utilizao dos recur-sos naturais e comportamentos a serem seguidos pela populao extrativista no que diz respeito s condies tcnicas e legais para a explorao racional da fauna marinha, das atividades tursticas e de lazer de outros usurios. rea de Proteo Ambiental Costa dos Corais

    6 Reserva Extrativista uma rea utilizada por populaes extrativistas tradicionais, cuja subsistn-cia baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistncia e na criao de animais de pequeno porte, e tem como objetivos bsicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaes, e assegurar o uso sustentvel dos recursos naturais da unidade. (Art. 18. da Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000 SNUC).

    7 rea de Proteo Ambiental uma rea em geral extensa, com um certo grau de ocupao huma-na, dotada de atributos abiticos, biticos, estticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populaes humanas, e tem como objetivos bsicos proteger a diversidade biolgica, disciplinar o processo de ocupao e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. (Art. 15 da Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000 SNUC).

    8 Portaria IBAMA n 17-N, de 18/02/99.

  • 19

    A rea de Proteo Ambiental (APA) Costa dos Corais foi criada por De-creto Federal em 23 de outubro de 1997. Localizada no litoral sul de Pernambuco e norte de Alagoas, se estende do municpio de Tamanda-r, sul de Pernambuco, at Paripueira no norte de Alagoas, abrangendo desde uma linha dos 33 metros da mar alta at 18 milhas da costa, o que inclui toda a plataforma at a borda do talude Continental. Abran-ge uma rea aproximada de 413.563 ha, sendo a primeira unidade de conservao federal a incluir os recifes costeiros e a maior unidade de conservao marinha do Brasil.(ver Ferreira et al., neste congresso).

    A presena de recifes de coral a principal caracterstica da regio e suporte da grande diversidade de vida representada por algas, corais, peixes, crus-tceos, moluscos e outros e incluindo ainda o peixe-boi (Trichechus mana-tus) - mamfero ameaado de extino. Associados aos mangues, os recifes representam o suporte para a manuteno da atividade pesqueira artesanal.

    Como resultado do esforo conjunto do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco UFPE, do IBAMA, por meio do CEPENE, do Centro Peixe-Boi e do apoio das Superintendncias em Per-nambuco e Alagoas e das 10 prefeituras existentes na rea, teve incio em fevereiro de 1998, o projeto Iniciativa de Manejo Integrado para o Sistema Recifal Costeiro entre Tamandar e Paripueira, ou simplesmente Projeto Recifes Costeiros, administrado pela Fundao Mamferos Marinhos e fi-nanciado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID.

    O projeto tem como um de seus objetivos fornecer a base cientfica e assistncia tcnica para a elaborao do plano de manejo da rea de Proteo Ambiental Costa dos Corais. As atividades previstas na elabo-rao do Projeto se encontram divididas em 3 componentes: 1) Elabo-rao e Implantao da Estrutura Interinstitucional, que visa estudar a formulao do Comit de Gesto da rea Marinha Protegida; 2) Elabo-rao do Plano de Manejo da APA, que inclui a realizao de estudos que subsidiaro a elaborao do plano de manejo, como levantamentos biofsicos, estudos e levantamentos da pesca artesanal e comercial e tambm a realizao de experimentos demonstrativos de manejo em zo-neamento, recuperao de reas degradadas e reintroduo de peixes-boi na rea da APA; e, 3) Capacitao Comunitria e Educao Ambiental.

    Avaliaes e resultados

    No mbito da Comisso Interministerial para os Recursos do Mar - CIRM, 1999, o tema unidades de conservao foi, pela primeira vez, citado no documento base do V Plano Setorial para os Recursos do Mar - PSRM, com vigncia no perodo de 1999 a 2003. O plano indica as seguintes estrat-gias de ao: 1) anlise da representatividade ecolgica do conjunto das unidades de conservao em relao aos ecossistemas e aos macropro-cessos existentes na zona costeira e marinha; 2) utilizao das UCs como pontos privilegiados para o desenvolvimento de uma rede de monitoramen-to ambiental e de experimentos que demandem uma proteo em relao

  • 20

    s aes antrpicas diretas; 3) utilizao das categorias de uso sustentvel, principalmente APAs e RESEXs para experincias piloto de ordenamento pesqueiro; e 4) explorao mais ousada das UCs como pontos ncleo de disseminao de conceitos de conservao, uso sustentvel de recursos naturais, educao e conscientizao ambiental e mentalidade martima.

    A maioria das reas de proteo ambiental brasileiras, por serem UCs terrestres, constituda por reas privadas. Em seus territrios so exe-cutados apenas os controles das atividades, visando minimizar os im-pactos que possam descaracterizar a importncia de seus ecossistemas. Devido a essas caractersticas, o processo de implantao e gesto de uma APA bastante complexos, pois envolve vrias questes, mui-tas vezes, conflitantes entre si (Herrmann, 1999, apud Pereira, 1999).

    Devido a essas caractersticas, as APAs esto sujeitas a todo o tipo de uso que as atividades humanas exigirem. Segundo Corte (1997, apud Pereira, 1999), uma das dificuldades de viabilizar as APAs ou torn-las efetivas o excesso de restries impostas pela legislao ambiental a uma propriedade particular, que acaba por prejudicar as tentativas de busca do equilbrio en-tre os objetivos scio-econmicos e os ecolgicos. Por outro lado, segundo Soler, 2000, com o estabelecimento das APAs criam-se inmeras possibi-lidades para surgimento e fomento das atividades econmicas, principal-mente aquelas ligadas ao turismo, lazer e ao patrimnio cultural histrico.

    No caso das APAs marinhas, as dificuldades citadas so diludas a partir do momento em que j no se trata mais de rea compos-ta por terrenos privados e sim de rea constituda de bens de uso co-mum9. Por outro lado, com as diversas atividades possveis de uso desses bens, existe a necessidade de um manejo integrado e ecos-sistmico dessas atividades que permitam a conciliao das ativida-des tradicionais como a pesca e o turismo de baixa e alta temporada.

    No caso da APA Costa dos Corais os primeiros passos quanto ao zonea-mento da rea, foi a seleo de duas reas de excluso de pesca (reas fe-chadas) a fim de propiciar a recuperao da biodiversidade e do potencial pesqueiro da APA como um todo. Desse modo, foram delimitadas as reas, por meio de Portaria do IBAMA10, com a proibio durante um perodo de trs anos de todo o tipo de pesca e explorao, visitao, atividades nuticas e tursticas, sendo permitido apenas os estudos e monitoramen-to cientfico por equipe licenciada pelo IBAMA, nas reas selecionadas. Alguns problemas inerentes fiscalizao tm acontecido, porm, os pescadores locais j podem visualizar alguns resultados positivos com o

    9 A Constituio Federal discrimina, no Artigo 20, alguns bens da Unio, considerados bens de uso comum, como: ...iv - ...as praias martimas,as ilhas ocenicas e as costeiras, excludas destas aquelas pertencentes as Estados (municpios e terceiros); v - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econmica exclusiva; vi - o mar territorial; vii - os terrenos de marinha e seus acrescidos.

    10 Portaria IBAMA n 14-N, de 11/02/99.

  • 21

    fechamento das reas. Segundo dados preliminares (ver Ferreira, et al. neste congresso) recursos pesqueiros de importncia comercial, tiveram suas populaes aumentadas nas reas fechadas, em apenas um ano, quando comparadas com reas adjacentes abertas pesca. Os resulta-dos corroboram a teoria de que os ambientes possuem condies de re-cuperao e, com isso, torna-se cada vez mais compartilhada pela po-pulao local, a idia de manter reas fechadas para beneficio coletivo.

    Em 1989, foi criada a modalidade de reserva extrativista que tm como caracterstica abrigar grupos sociais que dependem da explorao de um determinado recurso natural para sua sobrevivncia (ELI, 1995). Na rea marinha j foram implantadas trs reservas, sendo uma em Santa Catarina Pirajuba, uma no Rio de Janeiro Arraial do Cabo e, mais recentemente uma na Bahia - Baa do Iguape, alm de esta-rem sendo desenvolvidos diversos estudos para a criao de outras11.

    As reservas extrativistas se firmaram no Brasil, a partir da dcada de 90, como instrumento de compatibilizao das aes fundirias com o sis-tema especfico dos seringueiros no acesso e uso dos recursos naturais, parte da luta de reforma agrria e meio de soluo de conflitos de terra no contexto dos seringais. Assim destacaram-se pelo reconhecimento da modalidade camponesa de apropriao dos recursos naturais que combi-nam a agricultura e extrativismo (Almeida, 1994). As reservas se funda-mentam no intuito do direito real de uso12 e tem a finalidade de amparar a explorao auto-sustentvel e conservao dos recursos renovveis, por populaes extrativistas13. Vinculadas idia de desenvolvimento susten-tado, as reservas extrativistas visam no s preservar o meio ambiente, como tambm as populaes locais utilizam os processos de produo tradicionais, no prejudiciais natureza. (Murrieta & Rueda, 1995).

    Nesse contexto, as reservas extrativistas marinhas so reas onde o Cen-tro Nacional de Populaes Tradicionais - CNPT/IBAMA, por meio de de-creto presidencial14, pode alocar faixas martimas para a explorao dos recursos pesqueiros a populaes que se mantenham produzindo, atra-vs de processos tradicionais, com vistas a garantir seu desenvolvimen-to e a melhoria das condies ambientais no interior dessas reservas. Em seu relatrio anual de 1996, a FAO (apud Kant. 1989) recomenda a implantao desta forma de utilizao dos recursos naturais, no s por

    11 Nota atual (2007): desde a publicao deste artigo j foram criadas mais 16 reservas extrativis-tas na zona costeira e marinha totalizando 19 RESEXs.

    12 Art. 7 do Decreto-Lei n 271, de 28/02/67.

    13 Art. 1 do Decreto Federal 98.987/90.

    14 A Reserva Extrativista de domnio pblico, com uso concedido s populaes extrativistas tra-dicionais conforme o disposto no art. 23 desta Lei e em regulamentao especfica, sendo que as reas particulares includas em seus limites devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispe a lei. (pargrafo 1o do Art. 18. da Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000 SNUC).

  • 22

    seus resultados locais, mas como pelo potencial que representam para ecos-sistemas de alcance mundial, particularmente nos ambientes marinhos.

    A implementao das RESEXs marinhas est relacionada com o empode-ramento das populaes de pesca artesanal. Isto porque, diferentemente do caso das APAs, ao ceder o uso de parte do domnio da Unio a um grupo da populao, o estado est apoiando um processo inteiramente novo de constituio de espaos pblicos e de elaborao e aplicao de regras para a sua utilizao. Para tanto os pescadores so levadas a elaborar, em assemblia, regras de aplicao para a utilizao dos recur-sos, que se tornam de cumprimento obrigatrio por todos, inclusive pelo restante da populao, ao serem publicadas em Dirio Oficial da Unio. Na verdade, so regras locais, mas de mbito federal, que ali se apli-cam a todos igualmente, diferentemente da tradio legislativo-judiciria, em que se elaboram regras sempre gerais cuja aplicao, por isso mes-mo, deve ser particularizada em cada caso (Kant, 1998; Brito, 1998).

    No caso da RESEX de Arraial do Cabo, as ferramentas de gesto dos recur-sos marinhos, conseqentes da implementao do plano de utilizao, com claros contedos etnogrficos na elaborao de normas e de administrao de conflitos inerentes a sua aplicao, revela-se como, potencialmente, muito rico para fornecer subsdios que esclaream e orientem a formu-lao de novas experincias voltadas para a proteo do meio ambiente.

    Aps o primeiro ano de implementao do plano de utilizao pde-se observar mudanas importantes em algumas modalidades de pesca, como o aumento na captura de espcies comerciais, como a lula, o polvo e de cardumes de passagem como a tainha, o bonito e o xaru. Acredita-se que esta melhora esteja relacionada diminuio das atividades de arrastos de porta e parelha e da diminuio da captura de iscas vivas pelos atu-neiros que, por estarem impedidos legalmente de executarem essa ativi-dade no interior da rea da Resex, dispem da opo de compra da isca capturada pelas pequenas traineiras locais. (Fbio Fabiano, com. pess.15).

    A gesto, protagonizada pelos pescadores tradicionais da regio do Cabo, permite reunies por modalidade para a discusso de assuntos especficos, como por exemplo, a introduo de melhorias tecnolgicas, como o caso da lmpada de bateria na pesca da lula, e ainda no estabelecimento de reas de proteo integral definidas no zoneamento em conjunto com os pescadores como a rea da Pedra Vermelha/Maramut. Evidentemente a implementao dessas decises no ocorre sem conflitos, principalmente no que diz respei-to aos diversos usurios, como os mergulhadores amadores, que freqente-mente so flagrados na rea fechada, ou em outras reas que comprometem a pesca artesanal, ou ainda os esportistas, que conduzem os seus jet-skis em reas no permitidas o que exige um considervel esforo de fiscalizao.Alguns problemas vm sendo enfrentados quando se menciona a questo da posse da rea, o que gera alguns conflitos com os demais usurios da

    15 Nota atual (2007): Gerente da Reserva Extrativista de Arraial do Cabo RJ (1997-2002).

  • 23

    unidade e pescadores vizinhos. Estes conflitos so conseqncia da aplica-o das normatizaes inerentes as atividades pesqueiras que restringem o nmero de pescadores, com o objetivo de diminuir a presso sobre os es-toques, e ainda privilegiam a pesca em detrimento das demais atividades.

    Resumidamente, os maiores problemas esto relacionados invaso de ar-rastos industriais, de atuneiros pra a captura de isca viva, a presso imobiliria nas reas do entorno e da morosidade nos processos de cesso patrimonial.

    Esses problemas ainda so agravados pela falta de cooperao in-terinstitucional entre os vrios rgos responsveis pelo licencia-mento, fiscalizao e capacitao, nos trs nveis de governo. Os v-rios rgos raramente atuam em conjunto na soluo de conflitos.

    Concluses e recomendaes

    Segundo o documento da CIRM, 1999, a capacidade de aferir, estudar, observar sistematicamente e avaliar a diversidade biolgica precisa ser reforada no plano nacional e internacional. Assim sendo, preciso que se adotem aes nacionais eficazes e que se estabelea a cooperao inte-rinstitucional para a proteo dos ecossistemas e para a conservao dos recursos biolgicos e genticos. A participao e o apoio das comunidades locais so elementos essenciais para o sucesso de tal abordagem. Essa citao demonstra, mais uma vez, a importncia no estabelecimento de unidades de conservao de uso sustentvel para o ambiente marinho.

    Essas novas ferramentas de gesto protagonizadas pelo estabelecimento de unidades de conservao costeiras e marinhas vm preenchendo lacunas deixadas pelo poder pblico na implementao de suas polticas de gesto pesqueira e de desenvolvimento social das populaes de pesca de pequena escala. Essa lacuna permite o aumento da sensibilidade dessas populaes s aes de desenvolvimento organizacional e no engajamento dessas po-pulaes nas aes de controle dos recursos ambientais de que dependem, refletindo a necessidade de polticas pblicas voltadas para estes segmentos.

    A participao, na gesto das UCs, dos pescadores e demais atores que depen-dem dessas reas muito importante e para isso necessrio que a informao, a comunicao e, principalmente, a organizao desses segmentos seja eficiente.

    O Conselho de Gesto colegiado o mecanismo usado na adminis-trao das APAs federais, assim como os Conselhos Deliberativos so usados nas Reservas Extrativistas, esses possibilitam a representao dos diversos segmentos da sociedade civil, rgos pblicos, institui-es de pesquisa e empresas para elaborar, planejar e atuar na gesto da rea, e devem ser cada vez mais explorados quanto sua atuao.

    Dado os resultados positivos das recentes experincias com o manejo da pesca na RESEX de Arraial do cabo e na APA Costa dos Corais, nota-se

  • 24

    que o estabelecimento do zoneamento com a identificao de zonas in-tangveis, um dos principais instrumentos na recuperao de estoques pesqueiros visando a sustentabilidade da atividade de pesca. Sendo as-sim, reitera-se as recomendaes citadas quanto ao estabelecimento de reas de excluso de pesca que atuem como corredores ecolgicos16.

    As unidades de uso sustentvel, notadamente as marinhas, devem ter a cesso patrimonial da Unio para o rgo gestor, afim de que as medidas legais de gesto tenham amparo. A maioria dessas reas exclusivamen-te de mar territorial, onde os custos de desapropriao so nulos, desta forma, sugere-se que os diplomas legais de criao incluam em seu texto a citada cesso. Essa medida facilitaria a implementao destas UCs.

    Outra concluso que podemos tomar diz respeito s possibilidades de incre-mento de mosaicos de unidades de conservao que podem compor cen-rios interessantes com a composio de unidades de conservao de prote-o integral com as de uso sustentvel e suas respectivas zonas intangveis. Alm disso, recomenda-se explorar outras categorias de unida-des de conservao para a gesto de recursos pesqueiros como as re-servas de desenvolvimento sustentvel e as reservas de fauna.

    16 Os corredores ecolgicos possibilitam o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a disperso de espcies e a recolonizao de reas degradadas, bem como a manuteno de popula-es que demandam para sua sobrevivncia reas com extenso maior do que aquela das unidades individuais. (inciso XIX do Art 2 da Lei n 9.985, de 18 de julho de 2000 SNUC).

    Maragogi - Estado de Alagoas (Foto: Manoel Veiga)

  • 25

    Maragogi - Estado de Alagoas (Foto: Manoel Veiga)

    Maragogi - Estado de Alagoas (Foto: Manoel Veiga)

  • 26

    Maragogi - Estado de Alagoas (Foto: Manoel Veiga)

    Referncias bibliogrficas

    ALMEIDA, A. W. B. de, 1994. Carajs: A guerra dos mapas. Belm, PA. Ed. Falangola.

    BALLANTINE, W. J. 1996. No-take Marine Reserves Networks. Support Fisheries. In: 2nd World Fisheries Congress. p. 702-706

    BRASIL. 2000. Lei No 9.985, de 18 de Julho de 2000, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao - SNUC.

    BRASIL - Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Ama-znia Legal. 1998. Primeiro Relatrio Nacional para a Conveno sobre Diversidade Biolgica Brasil. Braslia, DF.

    BRASIL, Ministrio do Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da Amaz-nia Legal. 1997. Diretrizes Ambientais para o Setor Pesqueiro. Diagnsti-co e Diretrizes para a Pesca Martima. Braslia, DF.124p.

    BRITO, R. C. de C. 1998. Modernidade e Tradio - Pescadores de Arraial do Cabo. Niteri, RJ. Ed. EDUFF.

    CIRM - Comisso Interministerial para os Recursos do Mar. 1999. V Plano Setorial para os Recursos do Mar (1999-2003). Braslia, DF.

    CMIO. 1999. O Oceano - nosso futuro. Relatrio da Comisso Mundial Independente sobre os Oceanos. 248p.

    ELI. 1995. As Reservas Extrativistas do Brasil: aspectos fundamentais da sua implantao. Environmenatl Law Institute. Washington, DC. 112 p.FERREIRA, B. P.; MAIDA, M. e CAVA, F. Caractersticas e perspectivas para o manejo da pesca na APA Costa dos Corais. Artigo submetido para

  • 27

    a apreciao do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao. Agos-to/2000.

    IUCN. 1995. A Global representative system of marine protected areas. Vol. II. Wider Caribbenan, West Africa and South Atlantic. The World Bank. The World Conservation Union (IUCN) Washington DC. 71-86.

    IUCN. 1999. Guidelines for Marine Protected Areas. Best Practice Protec-ted Area Guideline Series n 3. 107p.

    KANT, R. de L.1998. Pescadores de Itaip: meio ambiente, conflito e ritual no estado do Rio de Janeiro. Niteri, RJ. Ed. EDUFF.

    MILLS, C. E. e CARLTON, J. T. 1998. Rationale for a System of Inter-national Reserves for the Open Ocean. Conservation Biology. v 13, n. 1. 244-247pp.

    MURRIETA, J. R. & RUEDA, R. P. (eds.) 1995. Reservas Extrativistas. UICN/CCE/CNPT-IBAMA. 133p.

    PEREIRA, P. M. 1999. Unidades de Conservao das Zonas Costeira e Marinha do Brasil. http://www.bdt.org.br/workshop/costa/uc

    ROBERTS, C. M. and POLUNIN, N. V. C. 1993. Marine Reserves: Simples Solutions to Managing Complex Fisheries? AMBIO. v. 22, n. 6, set.

    ROBERTS, C. M. 1997. Ecological Advice for the Global Fisheries Crisis. TREE. V.12, n.1, jan.

    RUSS, G. R. 1996. Fisheries management. What chance on coral reefs? NAGA. The ICLARM Quarterly, Jul.

    SALM, R. V. & CLARK, J. R. 1984. Marine and Coastal Protected Areas: A Guide for Planners and Managers. Gland, IUCN, 302p.

    SOLER, A. C. P. 2000. Pela Autogesto Ecolgica das Comunidades. www.agirazul.com.br

  • Caractersticas e Perspectivas para o Manejo da Pesca na rea de Proteo Ambiental Marinha Costa dos Corais

  • 29

    Beatrice Padovani Ferreira2 e Mauro Maida

    1 Partes deste trabalho foram publicados em FERREIRA, B.P., MAIDA, M. e CAVA, F. 2000. Ca-ractersticas e perspectivas para o manejo da pesca artesanal na APA Marinha Costa dos Corais. Anais II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservao. Campo Grande MT e em FERREIRA, B.P., MAIDA, M., CAVA, F e MESSIAS; L. 2003. Interaes entre a pesca artesanal e o turismo em Tamandar, APA Costa dos Corais, Resumos expandidos do IX Congresso da Associao Brasileira de Estudos do Quaternrio.

    2 Departamento de Geografia, Universidade Federal de Pernambuco, Campus Universitrio, CEP

    50740-550 - [email protected]

    Caractersticas e Perspectivas para o Manejo da Pesca na rea de Prote-o Ambiental Marinha Costa dos Corais1

    Resumo O presente trabalho apresenta uma descrio das caractersticas da pes-ca em Tamandar, APA Costa dos Corais, resultante de um sistema de acompanhamento intenso da atividade pesqueira. As variaes do esforo pesqueiro e das capturas por unidade de esforo so analisadas e discu-tidas em funo das interaes com a poca do ano, as variveis abiti-cas e o fluxo turstico na regio. Apresentamos tambm os resultados do primeiro experimento de manejo utilizando reas de excluso de uso em recifes de coral no Brasil.

    Introduo A rea de Proteo Ambiental Costa dos Corais foi criada por Decreto Fe-deral em outubro de 1997 com o objetivo de ordenar o uso do ecossistema recifal localizado nos 130 km de costa entre os municpios de Tamandar - PE e Paripueira - AL. A APA Costa dos Corais foi a primeira unidade de conservao federal a proteger parte dos recifes costeiros que se distri-buem por cerca de 3000 km da costa do nordeste e a maior unidade de conservao federal marinha em extenso.

    Os recifes costeiros do Brasil so ecossistemas altamente diversificados, ricos em recursos naturais e de grande importncia ecolgica, econmica e social. Apesar da grande importncia, o Brasil ainda dispe de pouca experincia de ordenamento de uso desses ecossistemas, principalmente em relao reverso do alarmante quadro de degradao pelo uso desor-denado que esses ecossistemas vm sofrendo no ltimo sculo.

    Dentre as vrias formas de uso dos ambientes recifais a pesca a atividade exploratria mais importante praticada, no s em termos de rendimento absoluto, mas tambm pela sua grande importncia social, uma vez que o produto da pesca a principal fonte de renda das comunidades de pes-cadores (Ferreira et al., 1998). Estima-se que cerca de 80% dos recursos pesqueiros de importncia comercial no Nordeste sejam provenientes da

  • 30

    fauna associada aos recifes de coral da regio. O fato da pesca recifal, prin-cipalmente a de subsistncia, tem como caractersticas a grande variedade de apetrechos utilizados e a grande diversidade de espcies capturadas (Sparre, 1989), torna o acompanhamento e controle da pesca uma tarefa difcil para os rgos responsveis.

    Tendo como meta fornecer a base cientfica e assistncia tcnica para a elaborao participativa do plano de gesto da APA Costa dos Corais, o Projeto Recifes Costeiros (PRC) teve incio em Julho de 1998, a partir de iniciativas do Departamento de Oceanografia da UFPE, do Centro de Pesquisas e Extenso Pesqueira do Nordeste IBAMA, do Centro de Ma-mferos Aquticos IBAMA e da Fundao Mamferos Marinhos, atravs de financiamentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Pew Fellows Program in Marine Conservation.

    Dentre os vrios aspectos abordados pelo projeto, um dos principais objeti-vos a realizao de levantamentos e experimentos que venham subsidiar a implantao de um sistema de ordenamento pesqueiro para a APA Costa dos Corais, no s para garantir a sustentabilidade das capturas atuais, mas que proporcionasse tambm a recuperao dos estoques pesqueiros e da beleza paisagstica aos nveis anteriores, coloquialmente discutidos pe-las comunidades de pescadores tradicionais da regio. Esses subsdios tm sido gerados atravs de estudos que incluem o levantamento das capturas dos vrios modos de pesca na APA e da realizao de experimentos de-monstrativos de manejo e recuperao recifal atravs da criao de reas recifais de excluso de uso (tambm citadas ao longo deste trabalho como reas intangveis).

    A pesca e a agricultura so tradicionalmente as principais atividades na re-gio. O turismo, no entanto, uma atividade que vem crescendo na ultima dcada. A maioria dos municpios da regio tem uma elevada proporo de segundas residncias, ocupadas apenas na temporada de vero, sendo por esta razo muitas vezes a atividade denominada de veranismo. Embora a maioria dos municpios costeiros tenha se originado a partir de vilas de pescadores que remontam ao sculo 18, raramente as relaes do turismo com a atividade pesqueira tem sido consideradas quando se trata do de-senvolvimento do turismo na costa nordeste.

    O presente trabalho apresenta os resultados obtidos durante o perodo ini-cial de levantamentos da pesca artesanal no municpio de Tamandar, extremo norte da APA Costa dos Corais, e as variaes de esforo pesqueiro e capturas por unidade de esforo em funo da poca do ano, variveis abiticas e fluxo turstico na regio.

    Os resultados do monitoramento aps um ano de fechamento de uma rea recifal em Tamandar-PE tambm so apresentados, e as perspectivas de ordenamento da pesca discutidas com base nesses resultados.

  • 31

    Material e Mtodos

    Levantamento da pesca artesanal

    O municpio de Tamandar - PE, localizado no extremo norte da APA Costa dos Corais, com 14 km de extenso de costa, foi selecionado para o de-senvolvimento do plano amostral para o levantamento da pesca. Levanta-mentos iniciais e entrevistas com pescadores locais foram realizados com a finalidade de se determinar possveis fontes de variabilidade amostral que deveriam ser levadas em considerao em um plano definitivo.

    No esquema final de levantamento, os 14 km de extenso da costa do municpio de Tamandar foram divididos em quatro setores, do norte para o sul, Carneiros, Igreja de So Pedro e Tamandar e Mamucabas. Seis agentes de campo, todos pescadores e membros da comunidade local, fo-ram selecionados, contratados e treinados pelo projeto para realizao dos levantamentos da pesca artesanal nos 4 setores Os agentes tambm par-ticiparam na elaborao da estratgia amostral com informaes relativas s caractersticas de operao das vrias artes de pesca da regio.

    Entre Outubro de 1998 e Setembro de 2000 o PRC realizou 227 amos-tragens da pesca em quatro pontos dos 14 kms de costa do municpio. Durante estas amostragens, foram obtidos dados de esforo por petrecho de pesca utilizado e analisadas as capturas. O esforo foi representado por nmero de pescadores por dia e a captura por unidade de esforo (CPUE) como kgs de pescado por pescador por dia. Foram tambm observadas mars e ventos predominantes. Medidas de salinidade, temperatura da gua e transparncia com disco de secchi tambm foram tomadas. Para as anlises, os meses foram agrupados nas quatro estaes do ano. O con-sumo mdio mensal de energia foi utilizado como medida do fluxo turstico (veranstico). reas recifais com excluso de uso (reas fechadas)

    Aps levantamentos ao longo dos recifes costeiros de Tamandar PE, extremo norte da APA Costa dos Corais, a rea recifal conhecida como Ilha da Barra, localizada na Baa de Tamandar, foi selecionada como adequa-da ao experimento, devido a sua representatividade em relao aos recifes adjacentes, uso pela pesca e pelo turismo e localizao em frente s ins-talaes do Centro de Estudos e Extenso Pesqueira do Nordeste, IBAMA (Figura 1). Aps uma srie de reunies com a comunidade de pescadores local, que aprovou a iniciativa em assemblia popular, o PRC encaminhou ao IBAMA uma solicitao para a proibio durante o perodo de trs anos todos o tipo de pesca e explorao, visitao, atividades nuticas e turs-ticas, na rea recifal selecionada. A Portaria foi publicada em fevereiro de 1999 e a rea efetivamente demarcada e fechadas em abril de 1999.

  • 32

    Figura 1 - Recifes da Ilha da Barra na mar baixa, Tamandar, Pernambuco. (Foto: Antonio Henrique)

    Com o estabelecimento da rea fechada, demarcada por bias, foi dado incio a um programa de monitoramento destas reas. A abundncia de peixes, polvos e lagostas, dentro e fora da rea fechada, foi acompanhada ao longo do primeiro ano de fechamento atravs de censos visuais realiza-dos durante mergulho autnomo.

    Durante os censos subaquticos os peixes foram identificados e contados por mergulhadores treinados nadando ao longo de transectos de 20 x 2 metros, posicionados ao longo da extenso das cavernas localizadas na terceira linha recifal de Tamandar (Maida e Ferreira, 1997). Dois agentes de campo, envolvidos a vrios anos na pesca de mergulho e membros da comunidade local foram selecionados e treinados pelo projeto para realiza-o do levantamento, juntamente com os autores.

    Os censos visuais foram realizados em pontos de amostragem dentro das reas fechadas e em reas recifais adjacentes abertas pesca, em reci-fes topograficamente similares aos recifes fechados, a finalidade de serem usados como reas controles. No total, ao longo do primeiro ano de mo-nitoramento, foram realizados 43 censos na rea fechada e 52 censos na rea controle (recifes abertos).

    Anlises de varincia (ANOVA) e testes no paramtricos de Kruskall-Wallis foram empregados para a caracterizao da pesca e para a comparao entre as reas recifais fechadas e abertas. Nveis de significncia adotados foram menores que 0.05.

  • 33

    Resultados

    Fatores abiticos

    Tamandar possui clima tropical quente e mido. A sazonalidade na regio marcada por dois perodos distintos: um perodo chuvoso de maro a agosto e um perodo seco de setembro a fevereiro. A precipitao mdia anual mais alta ocorre em julho (526 mm) e a mais baixa em dezembro (81 mm) (Infoclima PE). A anlise da variao mensal destes parmetros confirma que a sazonalidade marcada por dois perodos distintos e dois intermedirios: dezembro a fevereiro, meses de vero, apresentam tem-peraturas mais elevadas, maior salinidade, maior transparncia da gua e predomnio de ventos do quadrante NE; entre maro e maio verifica-se um perodo de transio, e a seguir queda destes valores at o mnimo nos meses de inverno de junho a agosto, que alm de maior precipitao apresentam as menores temperaturas, salinidade e transparncia mdias da gua, e predomnio de ventos do quadrante SE. Aps o inverno, os me-ses de primavera so caractersticos de um novo perodo de transio com elevao destes valores (Figuras 2 e 3).

    Figura 2 - Frequncia percentual de ventos do quadrantes Nordeste e Sudeste por meses do Ano.

    Figura 3 - Variao mdia mensal de transparncia, temperatura e salinidade da gua.

  • 34

    A Pesca

    Embora toda a pesca praticada na regio de abrangncia do projeto se enquadre na definio do IBAMA de pesca artesanal devido ao tamanho das embarcaes, a pesca pode ser subdividida em dois tipos: a pesca comercial, que utiliza embarcaes motorizadas ou vela e atua em toda a plataforma at o talude continental e a pesca de subsistncia, ou pesca costeira de pequeno alcance, que utiliza embarcaes vela, a remo ou nenhuma embarcao (Figura 4). Enquanto a pesca comercial desembarca seu produto em colnias, associaes ou entrepostos, as capturas da pes-ca de subsistncia no passam por nenhum entreposto de desembarque. Devido a esta caracterstica, e ao fato de que esta pesca composta por capturas individuais muito pequenas, os registros oficiais sobre a pesca de subsistncia geralmente so incompletos.

    Ao longo do perodo amostral foram identificadas 17 categorias de pesca ocorrentes em Tamandar, de acordo com o petrechos de pesca utilizados, sendo a pesca de linha a mais utilizada pelos pescadores (40,8%), seguida

    Figura 4 - Pesca artesanal de subsistncia em Tamandar, APA Costa dos Corais. (Foto: Iara Tibiri)

    da pesca com arpo (25,1%), bicheiro (10,2 %) e rede caceia (9,1%).O nmero mdio dirio de pescadores em Tamandar foi de 49 pescado-res/dia, operando nos 14 km de extenso de costa do municpio. A mdia de captura diria de peixe, polvo e lagosta somados, por pescador, foi de 2,367 kg, que multiplicados pelo nmero mdio dirio de pescadores re-sultam numa captura anual total de cerca de 42 toneladas/ano.

    A anlise da interao revelou um padro de variao oposto entre esforo de pesca e CPUE (Figura 5). O esforo de pesca foi menor no vero, apesar de nesta poca terem sido registrados valores de CPUE significantemente mais altos que nas outras estaes. O Inverno, poca de maior esforo de pesca, teve a menor CPUE mdia.

  • 35

    O consumo mdio mensal de energia foi maior no vero, perodo aonde se concentra o fluxo veranstico e a maioria das residncias secundrias esto ocupadas.

    Figura 5 - Variao de esforo, CPUE e consumo mdio de energia por estao do ano.

    Acompanhamento da rea Fechada

    Para anlise da diferena entre rea fechada e aberta, foram selecionados apenas peixes que so alvo da pesca. As famlias selecionadas foram Lu-tjanidae, Serranidae, Acanthuridae, Holocentridae, Scaridae (acima de 10 cm), Holocentridae (acima de 10cm) e Chaetodontidae. Quando analisada a abundncia numrica total, (incluindo todas as espcies indicadoras) a rea fechada teve um aumento de 4 vezes o nmero de peixes em relao rea aberta (Anova; p

  • 36

    Uma outra diferena observada como resultado do fechamento da rea, foi uma modificao no comportamento dos peixes, que se tornaram visivel-mente menos arredios.

    Quanto a riqueza de espcies, foram registradas espcies que no haviam sido observadas na rea nos anos anteriores, antes do fechamento, e que no foram registradas na rea controle: Lutjanus analis, Lutjanus cya-nopterus; Epinephelus itajara e Sphyraena barracuda, alm de Scarus trispinosus TP.

    Discusso

    Como a pesca de subsistncia composta por capturas individuais muito pequenas, no existiam registros completos ou estudos sobre esta pesca at o incio do Projeto. Os resultados aqui apresentados mostram que a captura total desta pesca bastante significativa em termos de total cap-turado por rea, nmero de pessoas envolvidas e como fonte alimentar para grande parte da populao que no encontra outros meios de susten-tao.

    Os padres de variaes mensais observados no perodo analisado indicam uma diminuio no nmero de pescadores durante os meses de vero, embora as capturas sejam melhores nesta poca como demonstrado pela anlise da CPUE. A diminuio no esforo coincide com o aumento no n-mero de veranistas e turistas, que aumenta o consumo de energia eltrica, e tambm gera uma maior oferta de empregos atravs do incremento da economia formal e informal. Nesta poca muitos pescadores se dedicam a outras atividades como empregos espordicos ou comrcio informal. Alm disto, possvel que este aumento da captura individual se deva a uma permanncia dos pescadores mais experientes na atividade, pois nesta poca obtm-se os melhores preos pelo pescado, enquanto que os me-nos experientes preferem garantir um rendimento com as outras atividades originadas pelo maior aporte turstico. Para algumas artes de pesca, entre-tanto, entram em cena fatores adicionais: segundo depoimento dos pesca-dores de rede, o grande nmero de lanchas circulando entre os recifes no vero prejudica a atividade pesqueira.

    Os resultados aqui apresentados demonstram no s a interao entre as atividades de pesca e turismo, mas tambm demonstram importncia so-cial da pesca artesanal como alternativa de emprego, renda e sobrevivn-cia nos meses de inverno, quando as chuvas reduzem o fluxo turstico a seu mnimo. Estas interaes so extremamente importantes numa unidade de proteo de uso mltiplo como a rea de proteo ambiental Costa dos Corais. Os padres observados em Tamandar se repetem provavelmente em vrias localidades da costa nordeste.

    A dificuldade em se obter informaes precisas sobre a pesca, e a impos-sibilidade de se controlar o esforo, com uma demanda crescente causada pelo aumento populacional, tem sido apontadas como uma das principais

  • 37

    causas do colapso e declnio de vrias pescarias no mundo (Russ e Alcala, 1994). Estes fatores se aplicam em especial a pesca artesanal de subsis-tncia, geralmente ignorada pelas estatsticas oficiais, de difcil controle e praticada por populaes de baixa renda. Medidas de controle pesqueiro, contudo, so essenciais para que a evoluo da atividade seja acompanha-da, e a efetividade das medidas avaliada. A implantao de um sistema de cadastramento e licenciamento de pescadores dentro da rea de abrangn-cia da APA, que funcione como sistema de controle de esforo e produo pesqueira est sendo proposto pelo Projeto Recifes Costeiros ao IBAMA.

    O uso de reas marinhas de excluso de pesca surgiu primeiramente nos trpicos, e desde ento o uso destas reas tem sido cada vez mais reconhe-cido como uma das estratgias mais eficientes no manejo da pesca (P.D.T., 1990; Williams & Russ, 1991). Evidncias indicam que o fechamento de reas a pesca a longo prazo, levam a um aumento de densidade, biomas-sa, tamanho mdio e fecundidade de peixes (Russ, 1991). Alm disto, per-mitindo que as populaes de peixes recifais atinjam e mantenham nveis naturais, as reservas de pesca ajudam a manter ou at aumentar capturas em reas adjacentes s reservas (Alcala & Russ, 1990). O arranjo espacial dos recifes de corais representa um excelente campo para a investigao da eficincia desta estratgia (Hilborn & Walters, 1992 ). A principal ca-racterstica dessas reas que nelas o manejo dirigido ao ecossistema e no h espcies isoladas, tornando-as uma ferramenta importante que leva em considerao a complexidade ecolgica e contorna uma falha fun-damental do manejo tradicional (Roberts, 1997).

    A rpida recuperao da abundncia observada para algumas espcies na rea fechada de Tamandar indica o potencial desta estratgia para o ma-nejo pesqueiro na regio. A mudana do comportamento dos peixes nas reas fechadas um fator que possivelmente contribuiu para os resulta-dos. Peixes reagem positivamente ausncia de pesca, tornando-se menos arredios e mais visveis aos mergulhadores (Kulbrick, 1998). Dentro dos limites da rea, espcies que nos ltimos anos eram raramente encontra-das, como meros, sirigados, caranhas e barracudas de grande porte, tm sido avistados com freqncia, o que indica que a tranqilidade do local tem atrado esses peixes de outras regies. Diante da interao entre pesca e turismo, esta caracterstica apresenta possibilidades de manejo integra-do entre as atividades, atravs da elaborao de zoneamento diferenciado para as atividades e gerao de empregos para a comunidade local de pescadores.

    Para um sistema de manejo de uma rea marinha brasileira que contemple mecanismos de regulamentao e zoneamento importante que experi-mentos sejam realizados de forma progressiva, para que os mtodos de trabalho sejam adaptados realidade local e para que a aceitao desses mtodos junto s comunidades sejam avaliadas e consideradas antes da elaborao de um plano definitivo. As medidas colocadas em prtica at o momento tiveram a finalidade de testar os efeitos da diminuio do impac-to pontual das atividades pesqueiras e tursticas sobre os recifes escolhidos

  • 38

    para o zoneamento. Na medida em que estas aes se provem efetivas, os resultados esperados so a elaborao de um plano de zoneamento para toda a rea de abrangncia da APA. A participao das comunidades locais, empresrios e turistas fundamental no processo de zoneamento, e garantir a efetividade das medidas e a conscientizao sobre os direitos e as responsabilidades de cada um na preservao dos recifes de coral da rea de Proteo Ambiental Costa dos Corais .

    Agradecimentos

    O projeto o resultado do esforo conjunto do Departamento de Oceano-grafia UFPE, IBAMA, atravs do CEPENE, Centro Peixe-Boi, que conta com o apoio das Superintendncias do IBAMA em Pernambuco e em Ala-goas, da APA Costa dos Corais e das 10 prefeituras existentes na rea, sen-do administrado pela Fundao Mamferos Marinhos e financiado com re-cursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Programa Pew Fellows de Conservao Marinha. Agradecemos a todos os agentes de campo do Projeto Recifes Costeiros e aos pescadores entrevistados.

    Referncias Bibliogrficas

    ALCALA, A. C. e RUSS, G.R. 1990. A direct test of the effects of protec-tive management on abundance and yield of tropical marine resources. J.Cons. Int. Explor. Mer., 46, 40-47.

    DIRIO OFICIAL. 1999. Portaria n 14-N, 11 de fevereiro de 1999. Bra-slia-DF.

    DIEGUES, A.C. e ARRUDA, R.S.V. 2001. Saberes tradicionais e biodiver-sidade no Brasil. MMA- USP. 176pp.

    FERREIRA, B., MAIDA, M. e SOUZA, A. E. 1995. Levantamento inicial das comunidades de peixes recifais da regio de Tamandar-PE. Bol. Tc. Cient. Cepene, Tamandar 3 (1): 211-230

    FERREIRA, B., CAVA, F. e FERRAZ, A. 1998. Relaes morfomtricas em peixes recifais da zona econmica exclusiva brasileira, regio nordeste. Bol. Tc. Cient. Cepene, Tamandar 6 (1): 61-76.

    HILBORN, R. e WALTERS, C. J. 1992. Quantitative fisheries stock asses-sment. Chapman and Hall Inc., New York, 570pp.

    KULBRICK, M. 1998. How the acquired behaviour of comercial reef fi-shes may influence the results obtained from visual censuses. Jour. of Exp. Mar. Biol. and Ecol. 222, 11-30. Elsevier.

    MAIDA, M. e FERREIRA, B. 1997. Coral reefs of Brazil: An overview. Proc. 8th Int Coral Reef Sym 1:263-274.

  • 39

    PDT- PLAN DEVELOPMENT TEAM. 1990. The potencial of marine fishery reserves for reef fish management in the U.S. Southern Atlantic. NOAA Tech. Mem. NMFS-SEFC-261, 40pp.

    ROBERTS, C. 1997. Ecological advice for global fisheries crisis. TREE 6 (1). Elsevier Science Ltd.

    RUSS, G. R. 1991. Coral reef fisheries: effects and yields. In P.F.Sale (ed), The ecology of fishes on coral reefs. pp. 601-635. Academic Press, Inc., Orlando.

    RUSS, G. R. e ALCALA, A. C. 1994. Sumilon Island reserve: 20 year of hopes and frustations. 1994. July 8-12. NAGA, The Iclarm Quarterly.

    SAMOILY, M. e CARLOS, G. 2000. Determing methods of underwater visual census for estimating the abundance of coral reef fishes. Env. Biol. of Fishes, 57: 289-304. Kluwer Acad. Publishers.

    SPARRE, P., URSIN, E. e VENEMA, S. C. 1989. Introduction to a tropi-cal fish stock assessment. FAO Fisheries Technical Papers. N 306.1, 337pp

    WILLIAMS, D. MCB e RUSS, G. 1991. Review of data on fishes of com-mercial and recreational fishing interest on the Great Barrier Reef. Report to the Great Barrier Reef Marine Park Authorithy, Townsville, Queensland.

  • Os Conselhos Municipais de Meio Ambiente como Instrumento

    de Gesto Integrada: A Experincia na rea de Proteo Ambiental Costa de Corais (AL/PE)

  • 41

    Beatrice Padovani Ferreira 1

    Mauro Maida 2

    Leonardo Tortoriello Messias 3

    1 Biloga ([email protected])2 Oceanlogo3 Oceanlogo

    Os Conselhos Municipais de Meio Ambiente como Instrumento de Gesto Integrada: A Experincia

    na rea de Proteo Ambiental Costa de Corais (AL/PE)

    Resumo A municipalizao uma estratgia de governo que tem crescido na lti-ma dcada, reflexo de um estmulo descentralizao das atribuies da Unio e estados para garantir maior eficincia administrativa. A descen-tralizao permite o desenvolvimento de gestes adaptativas que atendam as necessidades e peculiaridades locais. A implantao de mecanismos participativos tem sido incentivada pelo governo federal, que tem atrela-do o recebimento e administrao de recursos existncia de conselhos municipais formados por representantes do poder pblico e da socieda-de. No campo do meio ambiente, o Governo Federal e os Bancos Multi-laterais tm incentivado a descentralizao e a incluso de comunidades locais no planejamento urbano ambiental de vrias formas. Contudo, es-pecialmente no litoral, a ausncia de capacitao local, o ritmo crescente de degradao ambiental e os vrios conflitos de uso tm dificultado esse processo. O municpio de Tamandar se localiza no litoral sul de Pernambuco, a cerca de 120 km da capital do estado, Recife, Brasil. A regio costeira do estado se caracteriza por apresentar uma das maiores densidades populacionais do litoral brasileiro e uma grande diversidade de ecossistemas costeiros de grande importncia para a manuteno da biodiversidade e conservao de recursos pesqueiros. A existncia de trs unidades de conservao na regio, A APA Federal marinha Costa dos Co-rais, a APA Estadual de Guadalupe e a Reserva Biolgica do Saltinho, re-flete esta caracterstica, tanto pela necessidade de proteo destes ecos-sistemas, que incluem Mata Atlntica, manguezais, restingas, esturios, pradarias de fanergamas e recifes de corais e quanto pela dependncia humana destes ambientes, j que duas destas unidades de conservao so de uso sustentvel. Como os gestores destas trs unidades de conser-vao fazem parte do COMDEMA, este tem sido o principal, e em alguns casos, nico, frum participativo de debate de vrios problemas e aes destas Unidades. O presente trabalho apresenta e discute a experincia do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente do municpio de Ta-mandar na gesto costeira integrada, incluindo gesto participativa da pesca, e descreve como exemplos a atuao em decises relativas a uma rea de excluso de pesca e turismo em Tamandar e na implantao e gesto do Parque Municipal Marinho do Forte de Tamandar.

  • 42

    Introduo

    A Municipalizao no Processo de Gesto Descentralizada A municipalizao de vrias aes do Governo Federal uma tendncia crescente nas ltimas dcadas, reflexo de um estmulo descentraliza-o da administrao dos bens pblicos da Unio, como forma de atin-gir uma maior eficincia administrativa e tambm no desenvolvimento de aes adaptativas que atendam as necessidades e peculiaridades lo-cais. Para tal, necessrio no s o fortalecimento da capacidade dos governos estaduais e municipais, mas tambm a desconcentrao de poder, atravs do desenvolvimento de mecanismos que permitam a par-ticipao de segmentos locais na compatibilizao de usos e conflitos de interesse. A criao de conselhos municipais formados por represen-tao paritria do poder pblico e da sociedade civil tem sido incenti-vada neste processo pelo Governo Federal, que tem atrelado o repasse de recursos aos fundos municipais existncia dos conselhos. Exemplos so os conselhos municipais de sade e educao, que aps a promulga-o da Constituio Federal, em 1988, agilizaram sua operacionalizao para o recebimento de recursos do FUNDEF, Merenda Escolar e do SUS. H vinte anos atrs, foi aprovada a legislao sobre o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que incluiu a criao do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e suas rplicas aos nveis estadual e municipal. O CONAMA um rgo deliberativo, presidido pelo rgo governamental, o Ministrio do Meio Ambiente (MMA) e inclui representao da socie-dade civil e dos governos federal, estadual e municipal. As resolues do CONAMA tm fora de lei e so aplicveis em nvel nacional. No incio da dcada de 90, o Fundo Nacional do Meio Ambiente tinha procedimentos semelhantes aos fundos das reas da sade e educao. Ao longo dos anos, com a participao mais efetiva da sociedade civil, o perfil dos conselhos municipais foi se modificando, com a incluso do carter deliberativo nos conselhos criados mais recentemente, e a eleio por voto dos conselheiros para escolha do presidente, em alguns casos desvinculados do poder executivo. Isso vem contribuindo fortemente para garantir maior independncia e autonomia dos conselhos e tem fortalecido o processo de controle social, propiciando experincias positivas na gesto ambiental compartilhada entre poder pblico e sociedade civil. Os ban-cos multilaterais, financiadores de grandes empreendimentos geradores de impactos ambientais, vem h pouco mais de dois anos, incentivando as partes receptoras dos emprstimos a incorporarem nas estratgias de desenvolvimento anlises das questes ambientais, incluindo prioridades de conservao, e a considerarem a participao de grupos socialmente organizados no planejamento, implementao, monitoramento e avaliao dos projetos (Barros et al, 2001). Ao nvel de Governo Federal, o projeto Orla do Ministrio do Meio Ambien-te, busca um aumento da eficincia da gesto da orla atravs da descentra-

  • 43

    lizao dos procedimentos de destinao de usos dos bens da Unio para os municpios, incluindo mecanismos de fiscalizao, regulamentao de usos e ocupao, e estmulo a alternativas econmicas. O projeto inclui a criao de comits de gesto da orla, fruns colegiados que apoiariam os municpios na gesto das reas de Patrimnio da Unio.

    Os Ecossistemas Costeiros e o Desenvolvimento Urbano Segundo o V Plano Setorial para os Recursos do Mar, elaborado pela CIRM (Comisso Interministerial para os Recursos do Mar), o impacto antrpico sofrido pelos ecossistemas costeiros no Brasil tem causado graves pre-juzos, no somente s populaes adultas de espcies aquticas, mas tambm, e principalmente, s populaes juvenis, as quais apresentam maior vulnerabilidade, particularmente em reas de berrio, comumente localizadas em regies estuarinas. Os esturios por constiturem uma zona de transio entre as guas continentais e marinhas, terminam sendo uma das regies mais duramente atingidas pelas aes antrpicas. A especula-o imobiliria e a conseqente ocupao desordenada das reas litorne-as, e mais recentemente, a utilizao destas reas para a carcinicultura, tm resultado na destruio de manguezais, os quais constituem ecossiste-mas essenciais ao ciclo de vida de inmeras espcies, alm de exercerem um papel fundamental no enriquecimento dos ecossistemas costeiros. Os manguezais contribuem ainda para amortecer os processos de enchente, assoreamento e eroso marinha, absorvendo, tambm, grande parte do impacto resultante da descarga de poluentes, decorrentes da poluio ur-bana, industrial e agrcola. Ainda segundo o V PSRM, a ocupao desorde-nada das reas litorneas tem promovido tambm a destruio de dunas e construo de espiges, com o conseqente agravamento do problema de eroso marinha, alm de acarretar o desmantelamento das vilas de pesca-dores, os quais so obrigados a mudar de residncia e, muitas vezes, de atividade, com resultante evaso de mo-de-obra capacitada da atividade pesqueira. Em relao aos recifes de coral, danos devido a prticas inadequadas de uso do solo parecem ter se iniciado com a colonizao europia. Desde a descoberta h mais de 500 anos atrs, o fluxo de sedimentos para o mar aumentou significativamente, devido crescente eroso das reas costeiras causada pelas derrubadas da Mata Atlntica para explorao de madeira e para abrir lugar para as plantaes de cana de acar (Leo, 1994). Hoje, as plantaes de cana de acar no nordeste formam um cinturo de 60 km de largura e quase 1.000 km de extenso. Esta extensa monocultura localiza-se a poucos quilmetros da costa, onde os recifes costeiros so numerosos. A sedimentao e a poluio agrcola originada destas planta-es de cana de acar so o principal fator observado de degradao dos recifes em certas reas (Maida e Ferreira, 1997). Os recifes esto depauperados ao redor das cidades com grandes popula-es, tais como ao redor das capitais dos estados, especialmente devido poluio domstica e influncia direta das atividades humanas. Devido

  • 44

    sua proximidade, a maioria dos recifes costeiros foi pesadamente explo-rada pela pesca artesanal e comercial. A populao costeira destas reas depende em grande escala dos recursos dos recifes para um consumo de protenas. Em alguns lugares tm sido utilizadas prticas ilegais de pes-ca, como o uso de bombas e produtos txicos (Maida e Ferreira, 1997; 2003). Em pocas mais recentes, o turismo descontrolado e o desenvolvimento urbano ao longo de toda a costa setentrional brasileira figuram como as maiores ameaas. A costa entre Natal, RN e o sul do Estado da Bahia so destinos populares de turismo. A beleza das praias tranqila com fileiras de coqueiros atrai pessoas de todo o mundo e a populao de algumas ci-dades ao longo da costa aumenta at 50 vezes durante os meses de vero, exigindo um desenvolvimento urbano que normalmente associado com a degradao ambiental. Como em outras partes do mundo, o turismo pode representar uma oportunidade mas tambm uma ameaa a integridade dos ecossistemas, tanto pela falta de infra-estrutura adequada que leva ao colapso dos servios na zona costeira quanto pelo impacto direto do uso, como ancoragem inadequada, vazamentos de barcos a motor, lixo, pisoteio nos recifes e mergulhadores descuidados (Cesar, 2003).

    O Processo de Ocupao na Costa Nordeste e a Origem dos Municpios Litorneos A costa Nordeste uma das regies costeiras mais densamente ocupadas do pas, com Pernambuco se destacando como o epicentro desta concen-trao com a populao costeira mais densa do Brasil (Moraes, 1999). O processo de ocupao tem gerado uma degradao progressiva dos ecos-sistemas costeiros, processo iniciado na poca do descobrimento. De acordo com Ribeiro (1995), quando no Brasil desembarcaram os euro-peus, os grupos indgenas encontrados no litoral somavam talvez 1 milho de pessoas. Os ndios dependiam da caa e pesca para obter alimentos, da a importncia de stios privilegiados, aonde os recursos abundantes ga-rantiam a sobrevivncia do grupo e permitiam manter aldeamentos maio-res. Em certos locais, especialmente ricos da costa, aldeamentos excep-cionais chegavam a alcanar trs mil pessoas (Ribeiro, 1995). O litoral de Pernambuco, com a presena de vrios ecossistemas de alta produtividade como a Mata Atlntica, manguezais, esturios e recifes de corais provavel-mente era um destes stios. A pesca sempre foi uma atividade importante na regio e, segundo Diegues e Arruda (2001), as embarcaes artesanais hoje conhecidas, que utilizam velas e leme para a pesca em alto-mar, foram fruto de vrias adaptaes introduzidas pelos europeus e africanos. J no incio do sculo XVI, existia registro de que essas embarcaes eram empregadas na pesca por escra-vos africanos, na capitania de Pernambuco (Silva, 1993). Cmara Cascudo (1957) afirma que data do sculo XVIII o aparecimento de povoados de

  • 45

    pescadores, em sua grande maioria jangadeiros. Os municpios litorneos da atualidade cresceram a partir destas vilas de pescadores. Atualmente existem relaes evidentes entre o turismo e a pesca em muitos municpios litorneos de Pernambuco (Ferreira et al., 2003; 2006 ; Alcntara et al., 2005), no entanto, raramente as relaes do turismo com a atividade pes-queira tm sido consideradas quando se trata do turismo na costa brasilei-ra (Ferreira et al., 2003). Em vrios estados nordestinos, pescadores vm perdendo o acesso praia devido ao desenvolvimento urbano de segundas residncias (Diegues e Arruda, 2001).

    O Processo de Gesto Costeira Integrada A rea de Proteo Ambiental (APA) Costa dos Corais foi criada por Decre-to Federal em 27 de outubro de 1997. Localizada no litoral sul de Pernam-buco e norte de Alagoas, estende-se do municpio de Tamandar, sul de Pernambuco, at Paripueira no norte de Alagoas, abrangendo desde uma linha dos 33 metros da mar alta at 18 milhas da costa, o que inclui toda a plataforma at a borda do talude continental, e ainda os manguezais. No total, a APA tem uma rea aproximada de 413.563 hectares. a primei-ra unidade de conservao federal a proteger parte dos recifes costeiros que se distribuem por cerca de 3000 km da costa do nordeste e a maior unidade de conservao federal marinha em extenso. A rea abrange 13 municpios. Em julho de 1998, o Banco Interamericano aprovou o projeto Iniciativa de Manejo Integrado para o Sistema Recifal Costeiro entre Tamandar e Paripueira, ou projeto Recifes Costeiros (www.recifescosteiros.org.br), a partir de iniciativas do Departamento de Oceanografia da UFPE, do Centro de Pesquisas e Extenso Pesqueira do Nordeste IBAMA, do Centro de Mamferos Aquticos IBAMA e da Fundao Mamferos Marinhos. Dentre os vrios aspectos abordados pelo Projeto Recifes Costeiros, um dos principais objetivos a criao de uma estrutura institucional de gesto integrada do litoral. A importncia do poder municipal no processo de ges-to ambiental bastante clara, uma vez que o municpio est em contato direto com os problemas e conflitos cotidianos, e se capacitado e organiza-do, poderia agir de forma eficaz na busca de solues adequadas. Embora a idia inicial fosse a criao de um Comit de Gesto da APA Costa dos Corais, ficou claro que, devido diversidade dos municpios em relao a vrios aspectos, a representatividade e efetividade de um conselho gestor dependeria da capacidade de entendimento sobre os aspectos de gesto dos recursos marinhos e da capacidade de cada um representar de forma ampla os interesses e necessidades locais. Nesse sentido, o Projeto Recifes Costeiros adotou como estratgia a ca-pacitao institucional municipal, atravs da criao e operacionalizao dos Conselhos Municipais de Defesa do Meio Ambiente (COMDEMAs) nos municpios da APA. At o momento, foram criados COMDEMAs em qua-tro municpios: Tamandar e So Jos da Coroa Grande, em Pernambuco

  • 46

    e Maragogi e Paripueira, em Alagoas, selecionados devido localizao estratgica no que se refere distribuio geogrfica, ocupao humana e potencialidades da regio, principalmente no que tange ao interesse do municpio, representado pelos poderes institudos e pela sociedade civil organizada para o desenvolvimento de polticas pblicas de proteo ao meio ambiente. Enquanto Tamandar e Maragogi dispem de COMDEMAs j estruturados, os municpios de Paripueira e So Jos da Coroa Grande criaram os COMDEMAs, mas no conseguiram realmente implant-los. Com a finalidade de prestar assessoria tcnica aos municpios interessa-dos, o Projeto Recifes Costeiros disponibilizou, num primeiro momento, a estrutura logstica e os recursos humanos necessrios para o desenvolvi-mento de aes da secretaria executiva, alm do apoio aos grupos tcni-cos de trabalho para a elaborao de diagnsticos, relatrios e pareceres. Associada ao COMDEMA est a operacionalizao dos Fundos Municipais de Meio Ambiente (FMMA), cuja arrecadao proveniente de atividades experimentais de sustentabilidade propostas pelo Projeto Recifes Costeiros, executadas em parceria com rgos das trs esferas da administrao p-blica e com a comunidade.

    O Municpio de Tamandar O municpio de Tamandar est localizado no litoral sul de Pernambuco a cerca de 110 Km de Recife. Ocupa uma rea de 98,9 km. Possu uma populao total de 17.064 habitantes, sendo 11.538 na rea urbana e 5.526 na rea rural, correspondendo a uma densidade demogrfica de 173,22 hab/km (Censo, IBGE 2000). Tradicionalmente, a economia da regio baseia-se no cultivo da cana-de-acar, do coco e na atividade pesqueira. A partir da dcada de 50, o crescimento do municpio intensificou-se com a expanso da atividade de veraneio. O turismo, apesar de ser uma atividade recente, vem crescendo nos ltimos anos, sendo que a regio est inserida na rea de interes-se turstico denominada Costa Dourada, considerada prioritria dentro do Programa de Desenvolvimento do Turismo PRODETUR do Governo do Estado de Pernambuco. Parte da rea do municpio est inserida nos limites de trs unidades de conservao: a APA Marinha Costa dos Corais, a APA de Guadalupe e a Reserva Biolgica-REBIO do Saltinho. A regio aonde se localiza o muni-cpio foi considerada como rea de prioridade no workshop da zona cos-teira realizado em 1999, definido segundo critrios de importncia para biodiversidade e ameaas por impactos de origem antrpica. A presena de unidades de conservao reflete esta caracterstica, pela necessidade de proteo a estes ambientes, que incluem mata Atlntica, manguezais, restingas, esturios, pradarias de fanergamas e recifes de corais e pela ocupao e dependncia humana destes ambientes, j que as duas maio-res unidades de conservao so de uso sustentvel (SNUC).

  • 47

    O Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente de Tamandar O COMDEMA de Tamandar foi institudo pela lei Municipal n 7.299, de 17 de maio de 1999, com modificao pela lei Complementar n 01/99, de 17 de junho do mesmo ano. O COMDEMA rgo colegiado, repre-sentativo da comunidade, de funo deliberativa, consultiva, normativa e fiscalizadora, composto por representantes de entidades governamentais e da sociedade civil. Instncia superior de poltica ambiental do municpio, o COMDEMA integrante do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNA-MA), para fins de proteo, conservao dos recursos naturais, melhoria da qualidade de vida e de desenvolvimento sustentvel. Na poca da criao do COMDEMA, cinco conselhos municipais atuavam em Tamandar, passados seis anos, existem dez conselhos com diferentes graus de implementao e atuao no municpio. Dentre os dez conselhos, apenas dois no foram criados por algum tipo de imposio administrativa do Governo Federal, apenas dois so deliberativos, e apenas um tem natu-reza deliberativa no obrigatria. O COMDEMA o nico que figura entre as trs excees. Alm de representantes da sociedade civil e de ONGs ligadas qualidade de vida do municpio, dentre as quais figuram representantes da Colnia de Pesca local e da Associao de Jangadeiros, do COMDEMA fazem parte as seguintes instituies pblicas: Prefeitura Municipal, Cmara de Vereado-res, IBAMA, Cia. Pernambucana de Meio Ambiente e o Poder Judicirio e o Policiamento Ambiental, ambos ltimos considerados como conselheiros especiais, sem direito a voto. So membros atualmente do COMDEMA a Associao dos Jangadeiros de Tamandar AJT; Instituto Recifes Cos-teiros IRCOS; Fundao Gilberto Freire; Associao dos Barraqueiros; Parquia de So Pedro; Colnia de Pescadores Z-5; Sindicato dos Traba-lhadores Rurais; Associao de Hotis, Pousadas, Restaurantes e similares AHPREST; Prefeitura de Tamandar; APA Costa dos Corais IBAMA; APA de Guadalupe CPRH; Ministrio Pblico; CIPOMA; Reserva Biolgica de Saltinho - IBAMA; Centro de Extenso Pesqueira do Nordeste CEPENE; e a Cmara de Vereadores. Como os gestores das trs unidades de conservao das quais o municpio faz parte, sendo duas federais (APA Costa dos Corais e Rebio do Saltinho) e uma estadual (APA de Guadalupe), fazem parte do COMDEMA, este tem sido o principal, e em alguns casos, nico, frum participativo de debate de vrios problemas e aes destas Unidades. O COMDEMA tem se reunido mensalmente desde a sua criao e dentre as questes ambientais relativas ao municpio de Tamandar discutidos no COMDEMA, destacam-se como mais relevantes, alm dos relacionados as UCs, a implantao de loteamentos e condomnios urbanos, ocupao ir-regular da orla martima, implantao de assentamentos rurais, projetos do PRODETUR/NE, criao e gesto do parque Municipal Marinho de Taman-dar e questes ligadas a pesca, dentre as quais a renovao da Portaria de criao de uma rea de excluso de turismo e pesca.

  • 48

    Aes do COMDEMA PRODETUR O PRODETUR-NE foi concebido para ser um programa auxiliar no desen-volvimento da atividade turstica na regio Nordeste, onde, tendo em vista o potencial decorrente das caractersticas naturais, o turismo surge como uma soluo economicamente vivel na tentativa de amenizar os graves problemas sociais que atingem a regio (PRORENDA-GTZ). O programa previa a implantao de obras mltiplas de infra-estrutura e de servios pblicos como saneamento bsico, tratamento de resduos slidos, obras virias, recuperao ambiental e do patrimnio histrico. O programa total para todos os estados nordestinos foi orado em U$ 800 milhes, sendo metade proveniente de recursos externos financiados pelo Banco Interame-ricano de Desenvolvimento (BID) e metade de contrapartida nacional dos Governos Federal e Estadual. Em Pernambuco, a Unidade Executora Estadual (UEE) do PRODETUR fir-mou contrato com o Banco do Nordeste para investimentos em Recife e nas cidades de Rio Formoso, Sirinham e Tamandar. Para Tamandar, foi prevista a construo de trs estradas, recuperao do principal acesso a cidade e a construo de uma ponte ligando o municpio a Rio Formoso. A elaborao dos planos diretores dos trs municpios tambm fazia parte dos investimentos. Estas obras e servios fazem parte do plano do Gover-no do Estado de Pernambuco para esta regio, o Centro Turstico (CT) de Guadalupe. No municpio de Tamandar as primeiras discusses sobre o PRODETUR se deram no mbito dos fruns para elaborao do plano diretor, quando a equipe coordenadora do plano informou que parte do municpio j estava com projeto de zoneamento proposto pelo Governo do Estado de Pernam-buco, visto o interesse institucional na rea para o desenvolvimento de projetos de construo de hotis tipo resort. A partir da, o assunto tornou-se pauta recorrente no COMDEMA, culmi-nado na aprovao de uma moo de protesto contra a maneira pela qual estavam sendo executadas as obras do sistema virio do Centro Turstico de Guadalupe. A moo de protesto se baseou nos seguintes fatos: a) os impactos das obras virias sobre os ambientes costeiros supresso da Mata Atlntica, aterro de manguezais, retirada de vegetao e areia da restinga, assoreamento do esturio e aumento da sedimentao nos recifes de coral; b) a maneira pela qual foi conduzido e desconsiderado o processo de licenciamento ambiental; c) a falta de abertura por parte do Governo/PE para discusso e manifestao da comunidade; d) os previs-veis problemas ambientais e sociais que adviro da construo do sistema virio. A referida moo foi enviada em setembro de 2000 s Secretarias de Estado do Governo afins com o assunto, ao BID, Banco do Nordeste, Ministrio Pblico Federal e Estadual e ao IBAMA. Em fevereiro de 2001, a Promotoria Pblica de Formoso abriu Inqurito Civil Pblico para apurar

  • 49

    os danos que as obras estavam causando ao meio ambiente, em especial a duas unidades de conservao: as APAs Costa dos Corais e de Guadalupe. O ano de 2001 foi dedicado as reunies de negociao para elaborao das bases do Termo de Ajuste de Condutas (TAC), acordo feito entre as partes para evitar o prosseguimento do Inqurito Civil Pblico e a abertura de uma Ao Civil, com possibilidade de responsabilizar criminalmente os envolvidos no processo de degradao ambiental. A discusso deste assunto no COMDEMA no objetivava apenas a mi-tigao e compensao dos impactos, mas tambm a apresentao de alternativas para o atual modelo de desenvolvimento ultrapassado, visto que outras obras do PRODETUR no litoral brasileiro geraram degradao dos ecossistemas costeiros, no colaboraram para o desenvolvimento das comunidades locais e trouxeram oportunidades apenas para grandes em-presrios do setor turstico. As alternativas mitigadoras discutidas, dentre as quais a criao de uma unidade de conservao de uso indireto, cate-goria Parque, e a capacitao da comunidade local para atuao na rea de turismo ecolgico, foram norteadas para que sua implantao trouxesse benefcios ao municpio e um turismo diferenciado. Tendo em vista as dificuldades da UEE relativas um dos pontos do TCA, referente a criao de um Parque Estadual como medida compensatria dos danos ambientais, o COMDEMA props como alternativa a criao de um Parque Municipal, em rea distinta e de propriedade pblica, ficando o Governo do Estado encar