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Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 Arca de Noé Florida: Saberes e práticas medicinais ancestrais da América Latina _______________________________________________________________________________________________________ ARCA DE NOÉ FLORIDA: SABERES E PRÁTICAS MEDICINAIS ANCESTRAIS DA AMÉRICA LATINA Isabel Maria Madaleno Instituto de Investigação Científica Tropical - Programa de Desenvolvimento Global (GEO-DES) [email protected] Resumo O estudo da botânica medicinal e dos conhecimentos ancestrais sobre práticas de cura na América Latina representa e fundamenta proposta alternativa para paliar dores, mitigar mal-estares e resolver problemas de saúde que a todos afligem. Durante nove anos (1998-2006) visitei feiras e mercados, consultei curandeiros e médicos, inquiri agricultores urbanos e periurbanos que cultivavam espécies com valor terapêutico nas áreas metropolitanas de quatro urbes latino-americanas: Cidade do México, capital mexicana; Lima, capital do Peru; Santiago, capital do Chile; Belém, capital do estado do Pará, na Amazónia brasileira. A pergunta que orientou o processo de investigação foi a seguinte: Como é que os residentes nas cidades da América Latina que vivem abaixo do limiar de pobreza, sem acesso a sistemas convencionados de saúde e assistência, tratam doenças crónicas e curam infecções? Questionários comuns guiaram as conversas com as três categorias de informantes, durante as dez missões de investigação científica aos países em apreço, que totalizaram 838 inquéritos e 131 entrevistas. Os objectivos fundamentais do processo de investigação foram: 1) a avaliação da importância da flora nativa nas preferências de consumo; 2) a avaliação do peso da influência europeia colonial nos usos actuais e nas espécies medicinais introduzidas; 3) compilação de receituário de infusões e mezinhas usadas em quatro enfermidades específicas – diabetes, artrite, cancro e afecções da visão. A expectativa foi a de resgatar e documentar as tradições e práticas terapêuticas ancestrais, usando exclusivamente espécies da flora medicinal, por serem mais acessíveis e menos dispendiosas, porque o direito à saúde é universal Palavras-chave: Plantas medicinais; América Latina; Peru; Brasil; Chile; México 1. OBJECTIVOS E METODOLOGIA Os estudos sobre plantas com uso terapêutico iniciaram-se no Brasil, durante as missões de investigação científica às práticas agrícolas intra e periurbanas na cidade de Belém, capital do estado do Pará, nos idos de 1998, subsidiados pelo Programa Praxis XXI e realizados em colaboração com o Museu Paraense Emílio Goeldi. Em 2002 a investigação prosseguiu na área metropolitana de Santiago do Chile, no âmbito de um convénio de cooperação firmado com a Universidade do Chile, financiado pelo Gabinete de Relações Internacionais de Portugal (GRICES) e sua congénere chilena (CONICYT). O ano 2004 marcou o início da pesquisa na Cidade do México, continuada em 2006 por meio de um acordo cultural com a Universidade Nacional Autónoma do 1

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Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 

Arca de Noé Florida: Saberes e práticas medicinais ancestrais da América Latina 

_______________________________________________________________________________________________________  

ARCA DE NOÉ FLORIDA: SABERES E PRÁTICAS MEDICINAIS ANCESTRAIS DA AMÉRICA LATINA

Isabel Maria Madaleno

Instituto de Investigação Científica Tropical - Programa de Desenvolvimento Global (GEO-DES) [email protected] 

 Resumo

O estudo da botânica medicinal e dos conhecimentos ancestrais sobre práticas de cura na América Latina representa e fundamenta proposta alternativa para paliar dores, mitigar mal-estares e resolver problemas de saúde que a todos afligem. Durante nove anos (1998-2006) visitei feiras e mercados, consultei curandeiros e médicos, inquiri agricultores urbanos e periurbanos que cultivavam espécies com valor terapêutico nas áreas metropolitanas de quatro urbes latino-americanas: Cidade do México, capital mexicana; Lima, capital do Peru; Santiago, capital do Chile; Belém, capital do estado do Pará, na Amazónia brasileira. A pergunta que orientou o processo de investigação foi a seguinte: Como é que os residentes nas cidades da América Latina que vivem abaixo do limiar de pobreza, sem acesso a sistemas convencionados de saúde e assistência, tratam doenças crónicas e curam infecções? Questionários comuns guiaram as conversas com as três categorias de informantes, durante as dez missões de investigação científica aos países em apreço, que totalizaram 838 inquéritos e 131 entrevistas. Os objectivos fundamentais do processo de investigação foram: 1) a avaliação da importância da flora nativa nas preferências de consumo; 2) a avaliação do peso da influência europeia colonial nos usos actuais e nas espécies medicinais introduzidas; 3) compilação de receituário de infusões e mezinhas usadas em quatro enfermidades específicas – diabetes, artrite, cancro e afecções da visão. A expectativa foi a de resgatar e documentar as tradições e práticas terapêuticas ancestrais, usando exclusivamente espécies da flora medicinal, por serem mais acessíveis e menos dispendiosas, porque o direito à saúde é universal Palavras-chave: Plantas medicinais; América Latina; Peru; Brasil; Chile; México

1. OBJECTIVOS E METODOLOGIA

Os estudos sobre plantas com uso terapêutico iniciaram-se no Brasil, durante as

missões de investigação científica às práticas agrícolas intra e periurbanas na cidade de

Belém, capital do estado do Pará, nos idos de 1998, subsidiados pelo Programa Praxis

XXI e realizados em colaboração com o Museu Paraense Emílio Goeldi. Em 2002 a

investigação prosseguiu na área metropolitana de Santiago do Chile, no âmbito de um

convénio de cooperação firmado com a Universidade do Chile, financiado pelo

Gabinete de Relações Internacionais de Portugal (GRICES) e sua congénere chilena

(CONICYT). O ano 2004 marcou o início da pesquisa na Cidade do México, continuada

em 2006 por meio de um acordo cultural com a Universidade Nacional Autónoma do

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Workshop Plantas Medicinais e Fitoterapêuticas nos Trópicos. IICT /CCCM, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 

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_______________________________________________________________________________________________________  México, subsidiada também pelo GRICES. Nesse ano realizou-se uma outra missão ao

Peru e à Ilha da Páscoa, ambas com a colaboração de centros de pesquisa latino-

americanos, respectivamente a Pontifícia Universidade Católica do Peru e o Centro de

Estudos da Ilha da Páscoa (Universidade do Chile).

Os objectivos específicos formulados para a investigação realizada na América

Latina foram os seguintes:

-Avaliar a importância da flora medicinal nativa, segundo as preferências de

consumo recolhidas entre as populações inquiridas e entrevistadas em 4 áreas

metropolitanas: Belém, Brasil; Santiago, Chile; Cidade do México, México; Lima, Peru.

-Avaliar o peso da influência colonial europeia nos usos e espécies medicinais

introduzidas.

-Compilar receituário de ervas, cascas e plantas medicinais usadas para mitigar

ou resolver quatro enfermidades específicas: diabetes, reumatismo, afecções da

visão e cancro.

A metodologia aplicada ao processo de investigação estruturou-se em duas fases

e oito etapas:

A) Fontes Primárias:

1. Extracção de amostras espaciais entre agricultores urbanos e periurbanos (Fig.

1), sob a forma de inquéritos com questionário estruturado aos tipos de cultivos, práticas

agrícolas, alimentação do agregado familiar e receituário de remédios caseiros,

sobretudo entre as populações mais idosas

2. Extracção de amostras intencionais e casuísticas, entre comerciantes

grossistas, entre vendedores de mercados de bairro, vendedores de feiras e venda

ambulante nas ruas das cidades investigadas ou à porta dos mercados municipais

urbanos, compilando simultaneamente as suas prescrições e receituário.

3. Realização de entrevistas semi-estruturadas detalhadas sobre as plantas

medicinais entre uma população seleccionada de agricultores, comerciantes, curandeiros

e médicos naturistas, a fim de desvendar processos terapêuticos ancestrais, de compilar

práticas de cura utilizadas em cada meio urbano, de aprofundar o inventário de espécies

de uso medicinal recomendadas aos pacientes menos dotados de recursos financeiros

e/ou mais confiantes nas propriedades curativas das plantas. Esta etapa incluiu notas de

trabalho, registos sonoros e gravações vídeo.

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4. Identificação botânica das espécies inventariadas, estabelecendo

correspondência entre os nomes vernáculos usados nas quatro metrópoles e sua

nomenclatura científica.

5. Hierarquização da produção e uso das plantas medicinais em cada cidade e no

conjunto das quatro áreas metropolitanas estudadas.

6. Redacção de comunicações a Conferências Internacionais e artigos publicados

em revistas nas disciplinas de Geografia, Botânica e Farmácia, assim como participação

em exposições internacionais sobre a temática das plantas medicinais, numa abordagem

comparativa.

A recolha de informação primária totalizou 969 testemunhos extraídos entre

1998 e 2006, sintetizada no quadro da Fig. 1.

Fig. 1 – Recolha de informação primária sobre espécies de uso medicinal

Urbes seleccionadas

Amostra das plantas cultivadas e vendidas

(inquéritos)

Entrevistas a actores seleccionados

Número de espécies de uso medicinal

registadas Belém do Pará 570 15 140 Santiago do Chile 132 25 70 Lima do Peru 34 38 60 Cidade do México 100 55 70 TOTAL 836 133 340

Fonte: Amostragens de Madaleno, 1998 a 2006

B) Fontes Secundárias:

7. Análise das estatísticas dos sectores agrícola e comercial metropolitanos, nos

4 países investigados, com o fito de avaliar as bases de dados locais referentes à

economia formal e informal.

8. Selecção, consulta e análise de fontes documentais históricas, geográficas,

etnográficas e botânicas.

No ano de 1999 realizei pesquisa à agricultura urbana praticada na Cidade de

Presidente Prudente, no estado de S. Paulo, que veio corroborar o lugar de destaque

dado à medicina doméstica no Brasil (Madaleno, 2001), tanto entre as populações locais

como entre os imigrantes, em particular os japoneses. Pela riqueza da flora medicinal

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_______________________________________________________________________________________________________  amazónica e por se tratar da décima cidade do Brasil, decidi focalizar este estudo

comparativo apenas em Belém do Pará.

2. ANÁLISE DOS RESULTADOS

O primeiro resultado da pesquisa efectuada à produção, venda e consumo de

espécies vegetais medicinais em quatro áreas metropolitanas da América Latina, ao

longo de nove anos, foi a de que a espécie mais cultivada e/ou mais vendida era

facilmente consumida por meio de infusão e bastante eclética. Buscava-se primeiro uma

espécie digestiva, depois uma planta que mitigasse dores e finalmente um chá para

aliviar o stress de que inevitavelmente padece quem vive nas cidades. Na Figura 2 estão

listadas as plantas preferidas por área metropolitana investigada e país, devendo

sublinhar-se que foi fácil estabelecer o ranking das espécies medicinais mais

consumidas por serem mais abundantes as prescrições que contêm uma só espécie.

O segundo resultado foi, surpreendentemente, o registo do enorme peso que a

influência colonial europeia tem até aos dias de hoje, mormente a espanhola no México,

no Peru e no Chile e a portuguesa, no caso do Brasil. O quadro 2 mostra já esta

tendência, pois em Santiago como em Lima, a planta medicinal que está no topo do

ranking de preferências é de origem europeia. Tal registo não diminui a importância das

espécies nativas, já que em ambos os países a flora endémica é riquíssima, como

veremos.

O terceiro resultado respeita às doenças e afecções pesquisadas com maior

detalhe, sendo de notar a diversidade de prescrições por país e em cada cidade estudada,

assim como de assinalar os usos diferenciados que cada espécie tem, sendo quase tantas

as terapêuticas quantos os nomes vernáculos atribuídos, como notáveis as receitas

domésticas e imaginosas as recomendações dos curandeiros índios.

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Fig. 2 – Plantas mais consumidas nas metrópoles latino-americanas investigadas

Cidade

Nome

vernáculo

Identificação Botânica

(FAMÍLIA)

Usos

Recomendados

Propriedades

Farmacológicas

Ciu

dad

de M

éxic

o

Toronjil

Agastache mexicana Kunth

(LABIATAE)

Sedativo, anti-stress, carminativo e digestivo

Actividade anti-

espasmódica registada nas flores. Efeitos

sedativos em toda a planta, variedades branca

e rosa (morada) (1)

Lim

a

Manzanilla

Matricaria Chamomilla L

M. recutita L

(COMPOSITAE)

Anti-inflamatório, anti-espasmódico,

Carminativo, sedativo e digestivo (int.)

Conjuntivite (ext.)

Reconhecida actividade anti-inflamatória, anti-espasmódica. Efeitos antibacterianos e anti-

fúngicos comprovados. É anti-séptica, sedativa e

febrífuga (2)(3)

Sant

iago

Melisa ou Toronjil

Melissa officinalis L.

(LABIATAE)

Sedativo e anti-espasmódico, digestivo

Registadas actividades antibacterianas, anti-

fúngicas e anti-espasmódicas. Digestivo e anti-séptico. Sedativo, com efeitos antivirais

contra o herpes simplex (2) (3)

Bel

em

Erva-Cidreira

Lippia alba (Miller) HBK.

(VERBENACEAE)

Carminativa, analgésica, digestiva e sedativa

Registadas actividades antiespasmódicas e

sedativas. Tem efeitos anticonvulsionantes (4)

Amostragens: 1998-2006 (1) Ochoa y Alonso, 1996; (2) Cunha, Silva e Roque, 2003; (3) Muñoz, Montes y Wilkomirsky, 2004; (4) Agapito y Sung, 2004.

3. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS:

3.1. Espécies Medicinais Europeias Comuns na América Latina

A colonização do Novo Mundo propiciou o avanço da farmacologia e da

medicina de quatrocentos com dois sentidos: enriqueceu os conhecimentos científicos

da época com a botânica nativa das Américas; levaram-se para a América espécies

usadas na Europa, que logo se integraram na medicina doméstica dos indígenas. A

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_______________________________________________________________________________________________________  aceitação das plantas originárias da Europa foi tão extraordinária, que algumas são

percebidas como nativas de América até aos nossos dias.

Outro fenómeno comum, tanto a países de colonização espanhola, como ao

Brasil, país de colonização portuguesa, foi a adopção de nomes vernáculos da farmácia

europeia a espécies endémicas ou nativas da América, apesar de pertencerem a família

botânica distinta, denominações baseadas em aplicações terapêuticas idênticas. Tal é o

caso da espécie mais consumida em Belém, a Lippia alba, (Verbenaceae), que tem a

designação popular da Melissa officinalis, (Labiateae), espécie europeia ou ainda do

Agastache mexicano (outra Labiateae) que tomou o nome de toronjil no México

Central, onde é a planta medicinal mais comummente consumida em infusões

digestivas, carminativas e calmantes.

Quando é que uma planta pode ser considerada medicinal? Cientificamente só

quando forem avaliados em laboratório os seus princípios activos, com especial recurso

à química, é que se pode qualificar uma dada espécie vegetal como medicinal natural.

Contudo, desde a antiguidade, bem antes dos avanços das ciências exactas e

experimentais, já se usavam espécies botânicas com reconhecidos efeitos benéficos para

o ser humano ou para os animais domésticos dos quais se cuidava. A tradição e o

método terapêutico são, portanto, outras formas de valorizar os usos curativos não

convencionais reconhecidos desde tempos imemoriais. Em medicina tanto a natural

como a de síntese química resulta às vezes o efeito placebo, que é inexplicável.

O registo etno-botânico da flora nativa e da farmacopeia doméstica e indígena

usada em processos de cura na América Latina constitui um direito dos povos indígenas

e está consagrado na legislação internacional. Esse registo deve ser sistematicamente

realizado sob pena de que grandes empresas multinacionais do poderoso domínio da

moderna farmácia venham a registar patentes com flora endémica, como já sucedeu

com boa parte da botânica da Amazónia, apesar de que as normas da Convenção da

Biodiversidade tenham sido discutidas precisamente no Rio de Janeiro (1992). A Fig. 3

exibe algumas das plantas europeias mais consumidas nos estudos de caso vertentes.

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Fig. 3 – Plantas medicinais europeias vulgarmente consumidas na América Latina

Nomes vernáculos (por país)

Identificação botânica

Usos medicinais e terapêuticos Actividade farmacológica

Romero (México) Romero (Perú) Romero (Chile) Alecrim (Brasil)

Rosmarinus officinalis L.

LABIATAE

Dor de cabeça (M). Artrite e diabetes, diurético e digestivo. Sedativo (P)

Artrite. Antitumoral e tónico capilar (Ch) Digestivo e carminativo.

Analgésico e anti-inflamatório usado contra dores reumáticas (B)

Reconhecem-se actividades de normalização de perturbações

digestivas, como tónico circulatório e hipertensor.

Estimulante do couro cabeludo e coadjuvante no tratamento do

reumatismo. Cola de caballo (México) Cola de caballo (Perú) Cola de caballo (Chile) Cana de jacaré (Brasil)

Equisetum arvense L.

EQUISETACEAE

Úlceras e dores de rins (M) Antioxidante, diurético e anti-

inflamatório (P) Diabetes, cicatrizante e diurético (Ch) Diurético (B)

Tem actividades reconstituintes e mineralizantes. Ajuda a aumentar

as defesas do sistema imunológico. Cicatrizante, com

acções diuréticas devidas aos sais de potássio que contém.

Hinojo (México) Hinojo (Perú) Hinojo (Chile) Funcho (Brasil)

Foeniculum vulgare

Miller

UMBELLIFERAE

Carminativa e digestiva (M) Carminativa e digestiva (P) Bronquite e digestiva (Ch)

Inflamações de mucosas, olhos e faringe (B)

Reconhecido valor como expectorante, como anti-

espasmódico e anti-séptico. Aprovada como analgésico em

cólicas abdominais e reconhecida espécie carminativa.

Borraja (México) Borraja (Perú) Borraja (Chile) Borrage (Brasil)

Borrago officinalis L.

BORAGINACEAE

Emprega-se contra a bronquite e

febres (M) Diurético e regulador hormonal (P)

Gripe e resfriados. Problemas de pele (Ch)

Problemas cutâneos e regulador do fluxo menstrual (B)

Encontraram-se alcalóides em toda a planta. Actividade anti-fúngica e diurética fortemente

activa. Actividade anti-inflamatória e emoliente nas

flores e folhas. As sementes actuam em

problemas ginecológicos. Llantén (México) Llantén (Perú) Llantén (Chile) Tansagem (Brasil)

Plantago major L.

PLANTAGINACEAE

Diarreia, infecções vaginais (M) Cancro (P)

Cancro (Ch) Curas de emagrecimento (B)

Comprovadamente antioxidante, anti-inflamatório, antitumoral e

cicatrizante. Diminui lípidos totais, colesterol, lipoproteínas e

triglicéridos no sangue. Poleo (México) Poleo (Perú) Poleo (Chile) Salva (Brasil)

Salvia officinalis L.

LABIATAE

Sinusite e tosse (M)

Diabetes (P) Digestiva, colite nervosa (Ch)

Menopausa e estimulante do apetite. Catarro e resfriados (B)

Reconhecido hemostático e antipirético, oxitócico e anti-

disentérico. Acção anti-microbiana e anti-sudorífera. Anti-séptica e de reconhecida

acção reguladora do climatério. Sauco (Mexico) Sauco (Perú) Sauco (Chile) Sabugueiro (Brasil)

Sambucus nigra L.

CAPRIFOLACEAE

Rinite alérgica (M)

Resfriados (P) Cólicas, diarreia (Ch)

Sarampo (B)

As folhas, flores e raízes contêm glucósidos, cianogénicos

(sambunigrina). As cascas são diuréticas e

hemostáticas, com reconhecidos poderes cicatrizantes.

M = México P = Peru B = Brasil Ch = Chile

Fonte: Amostra de Madaleno, 1998 a 2006 Literatura Científica Recomendada: Agapito y Sung, 2004; Alonso , Ochoa, Rodriguez e Essayag, 1999; Cunha, Silva e Roque, 2003; Ochoa y Alonso, 1996; Ross, 2003.

3.2. Plantas Medicinais Registadas no Brasil

País de dimensões continentais foi o único do Novo Mundo a ser colonizado

pelos portugueses. Os fluxos migratórios, forçados ou voluntários, aliados à sua

fabulosa diversidade climática, tornaram-no no mais rico cadinho de saberes etno-

botânicos da América Latina. Registei 140 espécies com usos medicinais durante o

trabalho de campo, que incluiu 555 inquéritos à agricultura urbana e 15 inquéritos e

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_______________________________________________________________________________________________________  entrevistas a vendedores e curandeiras. As cinco missões de investigação científica do

IICT à Amazónia assinalaram seis grupos de influências culturais no uso de mezinhas:

1) As espécies nativas da Amazónia utilizadas pelos povos

indígenas; 2) Outras espécies brasileiras levadas por migrantes para a Amazónia;

3) Espécies de outras partes da América Latina, importadas ou cujo uso foi

introduzido por imigrantes dos países limítrofes; 4) Espécies europeias; 5)

Espécies africanas, levadas por nordestinos e escravos fugidos das plantações de 

açúcar, que ainda hoje residem em Quilombos, nas margens do Rio Amazonas;

6) Espécies asiáticas introduzidas por imigrantes japoneses.  

 

Na Fig. 4 estão listadas doze espécies seleccionadas entre as mais usadas pelos

belenenses ou por razão da originalidade das prescrições, em especial as referentes ao

reumatismo e à diabetes, duas das enfermidades pesquisadas com maior detalhe.

Começamos pela já referenciada Erva-Cidreira, que é uma planta herbácea brasileira,

que cresce até cerca de dois metros de altura, tem folhas dentadas e dá flor de cor

branca; encontrámos esta espécie tanto nos quintais de Belém (170 registos), onde era a

espécie de uso medicinal mais cultivada, quanto no Pantanal. As aplicações terapêuticas

consistem em infusões a tomar após as refeições e xaropes da folha liquefeita com mel,

em caso de gripes e de constipações. Dentre o receituário fitoterápico recomendado,

destaco a seguinte prescrição de mãe de família do Bairro da Pedreira: Deixar ferver

meia dúzia de folhas em meio litro de água durante 15 minutos e depois tomar com

açúcar ou mel a gosto. Sublinho que, tendo embora o mesmo nome vernáculo da

Melissa europeia, esta espécie é nativa.

O Açaizeiro (Huasai, no Peru) é uma palmeira de espique fino, com 25 a 30

metros de altura, que tem raízes aéreas e longas folhas compostas e pendentes. O fruto é

uma drupa vermelho-purpúrea, comestível, que cresce em cachos e cuja polpa é usada

na bebida mais emblemática do estado do Pará (Ferrão, 2001). As raízes aéreas são

mastigadas para curar a dor de dentes ou colocam-se nas gengivas doridas. Com a

decocção da raiz aplicam-se emplastros sobre feridas cutâneas e partes doridas devido a

afecções reumáticas e para estancar hemorragias. Esta espécie cresce em regiões de

clima equatorial, em especial ao longo dos igarapés do Baixo Amazonas, em solos

húmidos e alagados. O açaizeiro é a planta silvestre mais abundante nos quintais e lotes

periurbanos de Belém do Pará. O suco (“vinho”) de açaí faz parte da dieta diária das

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_______________________________________________________________________________________________________  famílias belenenses por ter valor calórico superior ao do leite e assinalável riqueza em

sais minerais e vitaminas, constituindo um notável complemento alimentar das classes

sociais mais desfavorecidas

Fig. 4 – Plantas medicinais brasileiras Nome

Vernáculo Identificação

botânica Aplicações Medicinais

Modo de preparação

Parte da planta usada

Erva-Cidreira

Lippia alba (Miller) H.B.K.

VERBENACEAE

Carminativa, analgésica,

digestiva e sedativa

Infusão, Xarope

Folhas

Açaí

Euterpe oleracea C. Mart. PALMAE

A raíz é cicatrizante e anti-reumática. O fruto é

nutracêutico.

Paus colocados nas gengivas ou

mastigados

Raiz aérea e

fruto

Mastruz

Chenopodium ambrosioides

L. CHENOPODIACEAE

Antifúngica e vermífuga, antigripal, antipirética e analgésica, cicatrizante.

Infusão, Xarope

Toda a planta

Pata-de-Vaca

Bauhinia nitida Benth., B. forficata Link, B. glabra

Jacq. LEGUMINOSAE

Antidiabética e diurética,

antibacteriana e antidiarreica.

Infusão.

Macerada

Folhas, flores, casca e raízes

Amor Crescido

Portulaca pilosa L.

PORTULACACEAE

Cicatrizante e diurética.

Lavagem do couro cabeludo. Infusão

e decocção.

Toda a planta

Canarana

Costus spicatus Roscoe ZINGIBERACEAE

Diurética.

Cataplasmas. Infusão,

Macerada

Folhas

Pirarucu

Bryophyllum calycinum

Salisb. CRASSULACEAE

Afecções da visão. Anti-séptico, anti-

inflamatório, bactericida, antiulceroso

e anti-reumático.

Infusão, decocção.

Suco (visco da folha) pingado nos

olhos, xarope.

Folhas

Capim Santo

Cymbopogon Citratus

(DC.) Stapf GRAMINEAE

Analgésico. Antibacteriano,

antifúngico, anti-inflamatório e

antiespasmódico.

Infusão

Folhas

Catinga de Mulata

Aeolanthus suavis C. Mart. LABIATAE

Dor de ouvidos.

Vermífuga e aromática, é antigripal.

Banhos

Toda a planta

Marupazinho

Eleuterine plicata Herb. IRIDACEAE

Antidiarreico e

vermífugo.

Decocção

“batatinha”

(bolbo)

Pariri

Arrabidaea Chica (Humb. & Bonpl.) Verlot

BIGNONEACEAE

Antianémico, tratamento de úlceras e hepatites, inflamações uterinas.

Decocção

Folha e flor

Anador

Plectranthrus barbatus Andr.

LABIATAE

Analgésico, diurético e

antitússico

Infusão, macerada

Folhas

Fonte: Amostras de Madaleno, 1998 e 2005.

Literatura Científica Recomendada: Van den Berg, 1993; Vieira, 1992; Martins, 1989.

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O Mastruz ou Epazote (designação que lhe é dada no México) ou Paico (Peru e

Chile) é uma herbácea de meio metro de altura e odor fétido usada em infusões

recomendadas às crianças que têm lombrigas e adequadas para a cura de gripes e

constipações. O receituário fitoterápico recomendado consiste em xaropes da folha

liquefeita com leite condensado, ingeridos contra a tosse e usados até em casos graves,

como a tuberculose. Algumas avós de Belém acrescentavam canela à receita doméstica.

Não se devem usar doses muito elevadas, nem por períodos prolongados, por ser tóxico.

Na Amazónia utiliza-se Mastruz nos galinheiros para afugentar piolhos. No México as

folhas são consumidas em tortilhas e guisados, usadas em vez da salsa por serem

digestivas, mas a principal aplicação do Epazote é no combate à malária. No Chile era

usada diariamente em infusões para tratamento de colites (receita de enfermeira da Ilha

da Páscoa).

A Pata de Vaca é uma planta arbustiva ou pequena árvore, de caule erecto e

muito ramificado, com folhas ovaladas ou cordiformes e bifoliadas, e bela flor branca

com aspecto de orquídea. No respeitante às aplicações terapêuticas, a literatura

científica referencia que as folhas possuem substância que substitui a insulina

(trigonelina) e são diuréticas (Cunha, Silva e Roque, 2003). A flor é purgante e a raiz

vermífuga. Quanto ao receituário fitoterápico, a receita mais vulgar consistia na

maceração de 100 gramas de cascas, folhas e flores num litro de álcool. O líquido coado

deve ser tomado à razão de 30 gotas em meio copo de água, em jejum, ao acordar. Para

controlar a diabetes a recomendação anotada foi a da toma adicional de 15 gotas ao

almoço e ao jantar. A espécie forficata é originária da Ásia, mas existem diversas

espécies no Brasil, em especial no sul do país. Encontrei as três espécies referenciadas

na Fig. 4, nos quintais de Belém; em Santiago do Chile, nos “huertos obreros e

familiares” do município de La Pintana, encontrei a Bauhinia candicans, usada para

reduzir o colesterol. No México, a espécie divaricata é designada Pata de Cabra,

usando-se exclusivamente as flores em cataplamas para cicatrização de feridas e golpes

(Madaleno, 2006ab, 2007; Madaleno & Gurovich, 2004).

O Amor Crescido é uma planta herbácea da América Tropical, anual erecta,

carnosa, com folhas alternas e flores alaranjadas, vermelhas ou lilás. É utilizada em

preparados e infusões contra a queda de cabelo. A infusão das folhas aplica-se em

emplastros contra queimaduras e afecções da pele. O receituário fitoterápico que

recolhemos foi variado, pois tanto se cultivava em quintais como se vendia a planta

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_______________________________________________________________________________________________________  fresca nos mercados, sendo a mais vendida no Ver-o-Peso. Uma das prescrições, de

vovó do Bairro do Condor, foi a seguinte: Misturar um punhado de folhas de Amor-

Crescido e outro de folhas de Jambu (Spilanthes oleracea) em água fria e levar ao lume.

Deixar levantar fervura e tomar em substituição da água, durante todo o dia, esta

decocção que é excelente diurético e protege o fígado. Prolífica no Peru, cresce tanto

nas zonas costeiras como nos Andes (Cuzco e Arequipa), onde toma o nome de “Flor

de Mediodía” e é usada em infusões digestivas.

A Canarana é uma planta herbácea erecta do Baixo Amazonas, de 1 a 3 metros

de altura, com folhas alternas e pilosas. As infusões das folhas são recomendadas em

tomas regulares e usadas externamente em cataplasmas. Duas prescrições são de

destacar: 1) Juntar uma folha de Canarana a um punhado de folhas de Abacateiro

(Persea americana) e um punhado de Quebra-Pedra (Phyllantus orbiculatus) num litro

de água e tomar maceradas durante o dia para curar infecções urinárias. 2) Colocar

folhas frescas de Canarana aquecidas em óleo de Andiroba (Carapa guianensis) sobre

os rins e bexiga, cataplasmas recomendados contra tumores. Com 55 ocorrências (10%

da amostra de 1998), esta espécie ocupava o 6º lugar no ranking das mais cultivadas nos

quintais de Belém do Pará (Madaleno, 2002).

O Pirarucu é planta herbácea perene, de folhas carnosas e dentadas como as

escamas do peixe homónimo do Rio Amazonas. Infusões das folhas usam-se em

aplicações internas contra a gastrite. O suco pingado nos olhos é recomendado em caso

de cataratas e de glaucoma. Receituário fitoterápico: 1) Ferver 2 ou 3 folhas de Pirarucu

em meio litro de água e tomar contra dores de estômago e diarreias. (Receita de

proprietária de banca do “Jogo do Bicho” do bairro da Sacramenta, que exercia a

actividade informalmente à porta da sua casa, em Belém do Pará, 1998). 2) Colocar 2 ou

3 folhas suculentas num pouco de água. Juntar açúcar a gosto. Levar ao lume e deixar

ferver até apurar. Depois de arrefecer, espremer a mistela, coando-a. O xarope

antitússico pode ser tomado várias vezes ao dia, usando uma colher de sopa como

medida. (Receita de vendedora do Mercado Ver-o-Peso, 2005). O Pirarucu cresce no

Baixo Amazonas e no estado do Maranhão, onde se conhece pela designação de Erva de

Santa Quitéria. O Pirarucu foi a 11ª espécie do ranking das plantas medicinais

cultivadas nos quintais de Belém do Pará, de acordo com os resultados do trabalho de

campo realizado nas duas primeiras missões Científicas à Amazónia, em 1998

(Madaleno, 2000).

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O Capim Santo ou Capim Limão prolifera nas regiões tropicais, sendo chamada

Té Limón no México e Yerbaluisa no Peru. Trata-se de herbácea de 1 metro de altura e

cerca de 1 cm de largura, cuja infusão é analgésica e sedativa, usada no combate à dor

em tomas abundantes. Em Belém tanto existe cultivada nos quintais, como prolifera

silvestre à beira das estradas e caminhos dos bairros das baixadas ribeirinhas e lotes

periurbanos. Depois da erva-cidreira é a mais cultivada nos quintais de Belém. É a

segunda planta mais vendida nos mercados de Lima, no Peru e a 4ª na Cidade do

México, de acordo com o estudo comparativo que realizei entre 1998 e 2006

(Madaleno, 2007).

A Catinga de Mulata é planta herbácea de um metro de altura, de caule erecto

com folhas ovaladas, flor tubulosa de corola amarela. Aromática, é antigripal. A

decocção é usada em clister por ser vermífuga. Também é usada externamente em

“banhos de cheiro” durante as “festas juninas” (santos populares do mês de Junho).

Deve-se evitar a ingestão, por ser tóxica. A prescrição mais interessante é a usada em

caso de dor de ouvidos: Batem-se as folhas no liquidificador e pinga-se o suco nos

ouvidos. O estudo desta planta endémica da Amazónia deve-se ao botânico alemão Carl

Friedrich Philipp von Martius, que explorou a Amazónia durante três longos anos

(1817). A Flora Brasiliensis, entre outros escritos, tornou-se obra de referência da

botânica da Amazónia, contendo um total de 22 767 espécies brasileiras. Martius

naufragou no rio Amazonas, em frente a Santarém do Pará, tendo escapado

milagrosamente juntamente com o seu precioso acervo.

O Marupazinho é planta herbácea erecta com bolbo (“batatinha”) de cor lilás que

se usa para fins terapêuticos por ser antidiarreico e vermífugo. Utilizam-se decocções do

bolbo contra as desinterias e amebíases. O receituário fitoterapêutico recomendado

consiste em deixar ferver duas “batatas” (bolbos) de Marupaa ou Marupazinho em meio

litro de água. Deixar arrefecer, coar e tomar o líquido decocto antes das refeições.

(Receita de vovó de 70 anos, do Bairro do Marco – 2ª Missão à Amazónia, Madaleno,

1998).

O Pariri foi a quarta espécie registada nos quintais de Belém, um arbusto de

folhas compostas e pigmentadas, nativo da Amazónia (chamado Puca Panga, no Peru).

Tem aplicações diversas nas “doenças femininas”. Em 1998 recolhemos a seguinte

receita de mãe de família do bairro de Curió-Utinga: juntar 4 a 5 folhas de Pariri a um

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_______________________________________________________________________________________________________  litro e meio de água; levantar fervura e consumir o líquido decocto de cor avermelhada

diariamente (Madaleno, 2002: 141). Combate a anemia e as inflamações uterinas.

O Anador foi a quinta espécie do ranking das mais cultivadas em Belém, de

acordo com os resultados da mesma amostra, uma espécie endémica que tomou a

designação de um conhecido analgésico vendido nas farmácias de todo o Brasil. A

prescrição doméstica foi a seguinte: um par de folhas por xícara de água a ferver.

Macerado com hortelã-pimenta (Mentha piperita) combate as cólicas estomacais e

intestinais, minora afecções hepáticas e combate catarros brônquicos.

3.3. Plantas Medicinais Registadas no Chile

País singular, que atravessa 38º de latitude, numa distância superior à de Lisboa

a Moscovo (4 300 km de comprimento), é um dos mais ricos em biodiversidade na

América Latina, possuindo grande profusão de espécies endémicas favorecidas pelo

isolamento que a Cordilheira dos Andes lhe confere. Desde 1888, a pedido do Conselho

de Anciãos, que a Ilha da Páscoa (Rapa Nui) é parte integrante da República Chilena. O

trabalho de campo incluiu 132 inquéritos e 25 entrevistas e identificaram-se 70 espécies.

As cinco missões científicas indicaram 5 influências culturais na produção e venda de

hierbas (Fig. 5):

1) Europeia (Espanhóis, Ingleses e Alemães); 2) Práticas de cura dos índios

Mapuche do Sul do Chile; 3) Tradições índias Aymara do Norte; 4) Plantas

importadas do Peru; 5) Plantas medicinais da Ilha da Páscoa.

Dentre as onze espécies listadas, começo por descrever a planta mais consumida

pelos índios Aymara, do norte do Chile. A Llareta é um arbusto endémico de estrutura

complexa, compacto e resinoso, que cresce sobre superfícies rochosas. A flor, de corola

pequena, tem cor amarela. A resina tem aplicação externa em emplastros, no caso de

fracturas, artrite e dores nas costas. Utilizam-se infusões da raiz nas crises de asma e

para minorar a diabetes. A flor e as sementes utilizam-se em infusões contra a tosse,

gripes e constipações e para baixar o colesterol. É uma espécie dos Andes Centrais, que

se estende desde Cuzco (Peru) até ao deserto de Atacama (Chile). É mais abundante na

província de Iquique, Região de Tarapacá, no extremo norte do Chile. Endémica da

Cordilheira dos Andes, sobrevive apenas entre 3 500 e 4 500 metros acima do nível do

mar.

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A Matua’Pua é uma erva nativa da Ilha da Páscoa que tem cerca de meio metro

de altura e cresce preferencialmente nas vertentes dos vulcões e no interior de caldeiras

vulcânicas. Na ilha, a principal utilização terapêutica é contra as dores reumáticas. As

receitas domésticas são transmitidas de geração em geração e consistem em preparados

da raiz ralada, cuja composição é reservada às curandeiras rapanui, em poções e

infusões secretas apenas conhecidas por um número restrito de mulheres. Se contra o

reumatismo a aplicação é externa, existem preparados de aplicação interna

recomendados contra o cancro.

O Canelo é uma árvore endémica do sul do Chile, de 30 m de altura, com folhas

obovado-elípticas e flores brancas estreladas. As cascas são usadas em mezinhas que a

‘machi’ (curandeira índia Mapuche) prepara. Uma das aplicações externas é a decocção

das cascas e folhas em banhos contra as dores reumáticas. Recolhi dois tipos principais

de prescrições: 1) Uma folha por chávena de água a ferver em infusão diurética e

antiescorbútica. 2) Um litro de álcool por 200 gramas de cascas e folhas gera alcoolato

usado em fricções contra o reumatismo. A descoberta do Canelo deve-se ao médico

John Winter, companheiro de Francis Drake, que levou a casca da árvore chilena para

Inglaterra, no regresso das suas viagens (1577-1581), razão pela qual os botânicos

Johann Reinhold Forster e Georg Forster a classificaram Drimys winteri, da família

Winteraceae. Esta é a árvore sagrada dos índios Mapuche do sul do Chile.

Árvore nativa do Chile, com cerca de 8 metros de altura, o Boldo tem folhas

aromáticas, pequenas, inteiras e flores de corola branca ou amarela. Tem aplicação

interna contra problemas do fígado e más digestões. As infusões da folha são

igualmente recomendadas para a gota. A medida é diferente para cada pessoa, ou seja,

uma mão cheia (puñado) por litro de água, a tomar após a refeição. Não deve ser

tomado por período de tempo dilatado pois torna-se tóxico. Apesar de ser planta nativa

do Chile Central, o Boldo dá-se em quase todos os domínios climáticos americanos.

Encontrei Boldo em Belém do Pará, na Cidade do México e, menos, em Santiago do

Chile. Não o encontrei cultivado em Lima. O Boldo ocupa o 9º lugar no ranking das

espécies medicinais mais vendidas nos mercados formais e informais de Santiago, mas

raramente se encontrou em quintais. O Boldo do Chile é a 2ª planta mais vendida nos

mercados de Belém do Pará, no Brasil e a 12ª mais cultivada nos quintais daquela

cidade da Amazónia, onde é consumida fresca. No ranking do comércio de ervas

mexicano ocupava um honroso terceiro lugar.

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Fig. 5 – Plantas medicinais chilenas

Nome Vernáculo

Identificação Botânica

Aplicações medicinais

Modo de Preparação

Parte da planta usada

Llareta

Azorella compacta Phil.

UMBELLIFERAE

Cicatrizante, antitússico e antigripal. Ensaios

farmacológicos provaram efeitos benéficos na cura da

tuberculose e contra a doença de Chagas.

Infusão

Emplastro

Toda a planta

Matua’pua

Polypodium scolopendria Rauch

POLYPODIACEAE

Anti-reumática e antitumoral

Preparado

Rizoma

Canelo

Drimys winteri J.R. & G. Forst.

WINTERACEAE

As cascas e folhas são

antiescorbúticas, febrífugas e anti-reumáticas.

Infusão

Emplastro Fricções

Decocção

Toda a planta

Boldo

Peumus boldus (Molina) Lyons

MONIMIACEAE

Protector hepático, digestivo e anti-reumático.

Infusão

Folhas

Cedrón

Lippia citriodora Kunth (HBK)

VERBENACEAE

Estimulante do apetite e digestivo, é também

carminativo, antiespasmódico e calmante.

Infusão

Macerada

Folhas e

flores

Maqui

Aristotelia chilensis (Molina) Stuntz

ELAEOCARPACEAE

Antitússico e antidiarreico

Infusão

Fruto comestível

Folhas e

frutos

Parqui Cestrum parqui L’Hér.

SOLANACEAE

Cicatrizante e antigripal. Afecções da pele (eczemas,

herpes e sarna)

Infusão, decocção, lavagem e emplastro

Folhas e caules

Matico Buddleja globosa Hope BUDDLEJACEAE

Cicatrizante, analgésico, anti-inflamatório e diurético.

Infusão, decocção Pulverizado sobre a

pele

Folhas

Bailahuen

Haplopappus baylahuen Remy

COMPOSITAE

Digestivo e cicatrizante, é também antiespasmódico,

antibacteriano, anti-séptico, carminativo e antiálgico.

Infusão

Folhas e talos

Diego de la Noche

Oenothera stricta Ledeb ex Link

ONAGRACEAE

Antitumoral e anti-

inflamatório.

Preparado

Toda a planta

Palto (a) Persea americana Mill. LAURACEAE

Antitússica e antigripal

xarope

Folhas

Fonte: Amostras de Madaleno, 2002 a 2006. Literatura Científica Recomendada: Bienvenido, s.d.; Muñoz, Montes y Wilkomirsky, 2004; Villagran y Castro, 2004.

O Cedrón é arbusto de cerca de 3 metros de altura, aromático, de folhas opostas

e longas, e flores brancas terminais que crescem em espiga. Estimulante do apetite e

digestivo, é também carminativo, antiespasmódico e calmante. A aplicação interna faz-

se em infusões digestivas e sedativas. O receituário fitoterápico recolhido consistia em:

Uma colher de chá por cada chávena de água a ferver ou 8 a 10 folhas por litro de água,

maceradas por 10 minutos, a tomar após as refeições. A infusão das flores e folhas

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_______________________________________________________________________________________________________  combate o mau hálito. O ranking nos estudos comparativos deu-lhe o 8º lugar em

Santiago, dentre as mais vendidas nos mercados formais e informais. É a 2ª planta mais

cultivada nos quintais da capital chilena (depois das Mentas). No México e no Peru a

folha seca de Cedrón é usada em infusões contra a indigestão. Em Belém do Pará, no

Brasil, toma o nome de Carmelitana, é cultivada nos quintais e usada fresca em chás

tranquilizantes.

Maqui é árvore endémica do sul do Chile, de cerca de 4 metros de altura, de

ramos delgados e flexíveis, de casca lisa. Os folíolos são elípticos. Os frutos maduros

são bagas pequenas como cerejas, negras e brilhantes. Aplicam-se internamente as

folhas em infusões que curam as dores de garganta. O fruto comestível cura a diarreia.

Os índios Mapuche fabricam ‘chicha’ com estas bagas. O Maqui foi pintado pela ilustre

botânica inglesa Marianne North, que em 1884 chegou ao Chile, derradeira etapa da

peregrinação científica que fez pelo mundo; o Maqui aparece no seu diário e integra

igualmente uma das 832 pinturas de sua autoria que estão expostas na ‘Marianne North

Gallery’, nos Royal Kew Gardens, de Londres (Echenique e Legassa, 1999)

Parqui é arbusto silvestre de cerca de 3 metros de altura, de aroma fétido, folhas

alternas, lanceoladas e flores amarelas. Cicatrizante e antigripal, é arbusto nativo do

centro e sul do Chile e é tóxico. A prescrição consiste em: Um punhado de caules, sem

casca, partidos ou raspados, por litro de água a ferver. A decocção bebe-se quente para

curar gripes e resfriados e fazer baixar a febre. A infusão das folhas, na proporção de 50

gramas por litro de água a ferver, serve para lavar feridas, herpes e cura a sarna. As

folhas, após cozimento, também se aplicam como emplastro cicatrizante.

O Matico é arbusto de folhas opostas lanceoladas e flores amarelas esféricas. A

infusão serve para desinfectar as feridas. Também se toma como chá diurético. A

decocção é recomendada para tratar úlceras digestivas e afecções hepáticas. Pulveriza-

se a folha triturada sobre ferimentos cutâneos para ajudar a cicatrizar feridas (receita de

machi Mapuche, 2005). Há uma centena de espécies diferentes nas regiões tropicais. A

globosa cresce espontaneamente no Chile, desde a latitude da Valparaíso até à X Região

(Los Lagos), nas montanhas.

O Bailahuen cresce nos Andes de Tarapacá acima de 2000 metros de altitude; é

arbusto de folhas dentadas, brilhantes e cobertas de visco. Dá flores amarelas terminais,

agrupadas em capítulos solitários. Tem aplicação interna em infusões digestivas e

analgésicas e aplicação externa para desinfectar feridas e golpes. Receituário

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_______________________________________________________________________________________________________  fitoterápico recolhido: Cerca de vinte gramas de folhas e caules por litro de água a

ferver, minora as dores menstruais. Tomado após as refeições adelgaça a silhueta

(receita de casal de vendedores da Feira Lo Valledor, 2005). Quando ingerido com leite

de cabra aquecido ou com chá mate (um punhado de Bailahuen por meio litro de água)

ajuda a diminuir as crises epilépticas (receita Aymara, 2004).

Diego de la Noche é planta herbácea erecta com folhas lanceoladas e flor branca,

que só abre ao entardecer. Há 18 géneros de Onagráceas e 640 espécies por todo o

mundo, a maioria das quais são americanas. A Oenothera stricta é nativa do centro e sul

do Chile. A aplicação interna é recomendada contra tumores e em emplastros colocados

sobre feridas, pelas acções comprovadamente anti-inflamatórias. Receita para o Cancro

da próstata: Um “trocito” (pedacito) de raiz de corchito + um pouco de cada erva

(Diego de la Noche + Té Buchu + Horizonte + Orocoipó) para uma chávena de água.

Tomar quente, após as refeições, quatro vezes ao dia. As gotas de Sangre de Grado ou

Drago (Croton lechleri Muell. Arg.), vendidas em qualquer mercado chileno e peruano,

são adicionadas às infusões, na razão de uma, nos primeiros 5 dias, 2 nos seguintes 5, e

assim sucessivamente até às 5 gotas nas tomas regulares, pois este chá pode ser tomado

por períodos prolongados (receita de vendedora da Vega Chica, Santiago, 2005).

O Palto ou Palta, nome do Abacateiro no Chile, é árvore de 15 metros de altura,

com folhas elípticas de cerca de 20 cm de comprimento e 15 cm de largura, de fruto

verde violáceo com forma de pêra. É a terceira planta no ranking das mais cultivadas

nos quintais de Santiago, e as folhas frescas usam-se em infusões contra a gripe e na

confecção de xaropes antitússicos caseiros. Dentre as prescrições recolhidas destaco

duas: 1) 1 folha de laurel (louro) chileno (Laurelia sempervirens ou Thiga chilensis

Mol.), 1 folha de eucalipto (Eucaliptus globulus), vulgar nas faldas dos Andes, 1 folha

de palto (abacate), vulgar em La Pintana, 1 folha de cardenal blanco (Hibbiscus spp.) e

sumo de limão com mel (receita registada em huerto obrero do município de La

Pintana, de senhora idosa e originária do sul do Chile, alegadamente prescrição

tradicional dos índios Mapuche). 2) Folhas de palto batidas no liquidificador com mel e

umas gotas de pisco (bebida alcoólica peruana e chilena). Este xarope antigripal pode

ser tomado todo o dia (receita de enfermeira rapanui (Ilha da Páscoa) residente em

Santiago, 2005). 

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_______________________________________________________________________________________________________  3.4. Plantas Registadas no Peru

Quarto maior país em extensão da América Latina, depois do Brasil, Argentina e

México, o Peru estende-se desde a selva amazónica até ao Lago Titicaca, dos picos

nevados dos Andes até aos desertos costeiros. O Peru regista vinte e oito tipos

climáticos. Cada uma das suas oito grandes regiões possui rica biodiversidade e enorme

profusão de espécies endémicas (Fig. 6). O Peru exibe, ainda, numerosos sítios

arqueológicos da Civilização Inca, terraços alimentados por canais de irrigação e

cidades alcandoradas nos Andes (Vidal, 1996; Alva, 2004).

A missão de 2006 revelou três influências principais: 1) A Europeia; 2) A das

culturas ancestrais andinas, dentre as quais a Quechua e a Aymara; 3) A dos povos

indígenas da Amazónia. Identifiquei 60 espécies vegetais de uso terapêutico e realizei

38 entrevistas.

Árvore de até 6 metros de altura, com folhas cordiformes alongadas e flores

grandes e vistosas, brancas, rosadas ou vermelhas, o Achiote é originário da Amazónia

mas estende-se pela América Tropical sendo encontrada nos Andes até aos 1000 metros

de altitude. Utilizam-se decocções das folhas e sementes para minorar a diabetes.

Infusões das folhas em aplicações externas em caso de varicela, de lepra, como anti-

séptico urinário e vaginal. Dentre o receituário fitoterápico recolhido, destaco a seguinte

prescripção: Uma colher de chá de Achiote triturado e outra de Huamampinta

(Chuquiraga huamampinta) para uma chávena de água a ferver, a tomar diariamente

durante um a dois meses, cura o cancro da próstata (receita de guarda de museu idoso).

Em casos de maior gravidade juntar, ainda, Uña de Gato. Para as senhoras a

recomendação é Achiote e Manayupa, para curar infecções urinárias (receita de

vendedora do mercado de Surquillo). No Brasil tem o nome de urucu e é usada pelos

índios na pigmentação da pele, desde tempos imemoriais.

A Asmachilca é uma herbácea dos Andes Centrais de um metro de altura, de

folhas pilosas, com aroma desagradável, que sobrevive apenas acima dos 3000 metros

de altitude. As folhas e talos são usados em infusões e decocções contra a asma.

Receituário fitoterápico recomendado por vendedora Aymara do mercado Central de

Lima, oriunda de Arequipa: Um puñado (punhado) de folhas e talos a ferver por 10

minutos em um litro de água.

A Maca é uma planta anual de cerca de 20 cm, com folhas rasteiras que crescem

sob a forma de raios de um círculo quase perfeito. É endémica dos Andes Peruanos

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_______________________________________________________________________________________________________  sendo originária do altiplano de Junín, sito acima de 4 000 metros de altitude. As

plantas da Maca não florescem, nem dão fruto, usando-se apenas o “tubérculo”, que tem

6 a 8 cm de diâmetro e cor amarela, avermelhada ou mesmo negra. Com fins medicinais

utiliza-se preferentemente a variedade amarela. As prescrições recomendadas foram as

que se seguem: Juntar 100 gramas de Maca à sopa. Fervida em leite, come-se para

regularizar a menstruação. Uma colher de café de maca em pó ao pequeno-almoço é

estimulante e energética. Muito rica em cálcio é recomendada para a osteoporose

(receita de médica). Usada também em caso de úlceras gástricas, pelos efeitos

calmantes, em dose elevada afecta as funções hepática e renal. A título de curiosidade,

acrescento que a maca era parte importante do tributo ao Inca e ao Deus-Sol

(viracocha), prática continuada durante a colonização espanhola, como rezam as

crónicas citadas por Fernando Cabieses (1997) e Maria Rostworowski (1993): “Yten

dareis en cada año trescientas cargas de maca, cada carga de media fanega”.

O Capulí é uma árvore que cresce até 20 metros de altura, com folhas ovadas e

dentadas, flores solitárias e fruto em forma de baga amarela coberto de película

castanha. O fruto é diurético; as folhas e a casca do tronco são anti-sépticas e

cicatrizantes; as cascas são anti-reumáticas. Prescrições de índia Quechua do Mercado

das Flores de Rímac: O fruto come-se pelas suas qualidades antitússicas e efeitos

diuréticos. Também se recomenda o seu consumo contra o mau-olhado. Em aplicações

externas usam-se cataplasmas das folhas secas e cascas que têm efeitos benéficos na

desinfecção e cicatrização de feridas cutâneas e golpes. Aplicação interna têm ainda as

cascas, cuja decocção é considerada anti-reumática. Espécie andina, nativa do Peru,

encontra-se hoje desde Lima até Cuzco e Junín, nos Andes, entre os 2 000 e 3 500

metros de altitude.

A Huíla-Huíla é uma planta herbácea branca erecta de 1 m de altura, com flores

branco-douradas, andina, nativa do Peru e que cresce acima dos 2 500 metros de

altitude. A planta é pilosa mas de toque suave. Recomendação terapêutica de vendedora

Quechua do Mercado Ciudad de Dios: Uma planta por 2 litros de água a ferver. Usar

morna em banhos de assento. Também tem aplicação interna em decocção contra a

tosse, gripes e ataques de asma. A índia que me vendeu um espécime classificou-a como

“planta para mulheres”, o que verifiquei ser extensivo a outra espécie de cor branca, a

Flor Blanca (Buddleja incana R y P) embora recomendada contra a gastrite.

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Fig. 6 – Plantas medicinais peruanas

Nome vernáculo

Identificação Botânica

Aplicações medicinais

Modo de Preparação

Parte da planta usada

Achiote

Bixa orellana L.

BIXACEAE

A folha é diurética, antidiabética e

antimicrobiana; a raíz é digestiva; as sementes são

expectorantes, usadas contra a tuberculose e antigripais.

Infusão, decocção

emplastro, fricções.

Toda a planta

Asmachilca

Aristeguietia gayana (Wedd.) King y Robinson

COMPOSITAE

Expectorante, antitússico e antiasmático.

Infusão e decocção

Toda a planta

Maca

Lepidium peruvianum Chacon; Lepidium meyenii

Walpers

BRASSICACEAE

Estimulante e Afrodisíaca

Pulverizada pode adiccionar-se a

bebidas e na confecção de

sopas

Raiz principal

tuberosa

Capulí

Prunus capuli Cav.

ROSACEAE

Anti-reumática e cicatrizante, Fruto anti-tússico e diurético.

Infusão e emplastro. Fruto

comestível

Toda a planta

Huíla-huíla

Senecio canescens (HBK) Cuatre

COMPOSITAE

Antimicrobiana, tem actividade reconhecida contra

a candida albicans.

Preparado, banho

de assento

Toda a planta

Muña

Minthostachys setosa (Briq) Epling LABIATAE

Analgésico, carminativo, antitússico, anti-séptico, anticancerígeno e anti-

reumático

Infusão,

condimento, cataplasma

Toda a planta

Uña de Gato

Uncaria tomentosa

(Willd.) DC.

RUBIACEAE

Actividades anti-inflamatória e antioxidante. Inibição de síntese do DNA em células cancerígenas. Actividades

antitumoral e antiviral. Antipirética e estimulante do

sistema imunológico

Infusão e decocção

Toda a planta

Manayupa

Desmonium molliculum (HBK) DC.

LEGUMINOSEAE

Actividades anti-

inflamatória, antidisentérica e cicatrizante

Infusão e decocção

Toda a planta

Pasuchaca

Geranium dielsianum Kunth

GERANIACEAE

Diabetes e diurética

Infusão

Toda a planta

Yacón

Polimnia sonchifolia Poeppig et Endlicher

COMPOSITAE

Diabetes

Preparado

Cozido

Raiz principal

tuberosa

Fonte: Amostra de Madaleno, 2006 Literatura Científica Recomendada: Agapito e Sung, 2004; Espinosa e Pumacayo, 2005; Gonzales, Hoyos, Gonzales, Remsberg, Navas, Chávez, Mejía-Meza, Guevara, Bellido, Davies e Yañez, 2007; Montesinos e Ramón, 2004; Sobral e Noronha, 2001; Vilches, 1997.

A Muña é um arbusto de metro e meio de altura, muito ramificado e aromático,

endémico da pré-cordilheira andina peruana (vertentes sitas entre 2 500 e 4000 metros

de altitude). Tem folhas opostas e ovadas, dentadas, pubescentes na face inferior e dá

flores brancas tubulares. São recomendadas infusões das folhas frescas e dos talos por

melhorarem a digestão, tratarem as palpitações provocadas pela altitude e as afecções

respiratórias. Consome-se nas sopas e guisados como condimento. Usam-se folhas e

talos em cataplasmas contra as dores reumáticas e na cicatrização de feridas cutâneas.

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_______________________________________________________________________________________________________  Receituário fitoterápico recomendado: Ferver 20 gramas de talos e folhas em 1 litro de

água durante 10 minutos. Esta decocção bebe-se duas vezes ao dia para curar o “mal de

montanha”, ou seja, o mal-estar provocado pela subida aos Andes. Para o turista que

visita Cuzco e Machu-Pichu, o encontro com os pequenos vendedores de Muña é

inevitável. Eles mostram-nos a planta fresca, que dão a cheirar, já que é aromática, e

apontam para a cabeça, indicando-nos ser forte analgésico. A Muña cresce silvestre em

extenso e denso mato aromático, que cobre as vertentes andinas.

A Uña de Gato é um arbusto trepador da floresta amazónica, que pode atingir

cerca de 20 metros de altura. Tem folhas ovadas, opostas, de pecíolo curto, com cerca

de 17 cm de comprimento e 9 cm de largura. O caule apresenta espinhos arqueados para

baixo, tal como unhas de felino, de até 2 cm. As flores são sésseis e têm corola amarela.

Aplicações terapêuticas: Um punhado de cascas por litro de água, bebe-se quente para

minorar as dores reumáticas ou provocadas por tumores (receita de vendedora do

mercado do Callao). No Brasil usa-se decocção das folhas frescas para mitigar dores,

em especial as provocadas por doenças cancerígenas. Espécie nativa da Amazónia

Peruana, estende-se hoje desde o Panamá (América Central) até ao Peru e Brasil. Cresce

até 600 metros de altitude, na selva Amazónica. É utilizada desde tempos imemoriais

por diversos grupos étnicos da Amazónia; a planta ocupa o 4º lugar no ranking das

preferências de Lima e de Santiago do Chile e é a 6ª mais utilizada na Cidade do

México (Madaleno, 2006b). A Manayupa é uma planta herbácea trepadeira de talos e folhas verdes

esbranquiçadas, com flor amarela vistosa. Toda a planta tem aplicação medicinal

interna, sozinha ou associada. As prescripções variadas incluem infusões de Achiote e

de Manayupa, ou de Manayupa e Flor Branca (Buddleja incana) consideradas diuréticas

e depurativas. Receituário fitoterápico recomendado: Um punhado da planta por litro de

água, em decocção a tomar três vezes ao dia, durante 15 dias para desintoxicar.

Também se usa Manayupa em banhos de assento contra hemorróides (receitas de

médico naturopata de 80 anos de idade, que ainda exercia a profissão no seu consultório

do bairro de Miraflores). Esta espécie é endémica dos Andes e estende-se de Cajamarca

(N), a Cuzco e Junín, crescendo entre 1500 a 3 000 metros de altitude.

A Pasuchaca é uma planta herbácea nativa que cresce silvestre acima dos 3 000

metros de altitude, nos Andes peruanos. Encontrei folhas e talos desta espécie

embalados nos mercados e nunca a vi vender fresca. Era recomendada à razão de um

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_______________________________________________________________________________________________________  punhado por litro de água em toma de infusões às refeições, para controlar a diabetes. A

literatura científica divulga que foram comprovados os seus efeitos benéficos na

redução do açúcar, em particular as propriedades do rizoma. Foram ainda detectadas

actividades anti-hemorrágicas, anti-inflamatórias e bactericidas (Agapito e Sung, 2004).

Yacón ou Llacón é outra espécie herbácea, mais prolífica do que a anterior, por

se encontrar na Cordilheira dos Andes, desde a Colômbia à Argentina. Cultiva-se com

facilidade nas regiões montanhosas, utilizando-se as raízes em preparados que também

controlam a diabetes. Análises químicas revelam que contém inulina. A receita das

vendedoras Quechua, que recomendavam o “rizoma” (parecido a uma batata doce) era a

de que se consumisse cozido com regularidade, acompanhando a carne ou o peixe, em

vez de batata ou de arroz.

3.5. Plantas Medicinais Registadas no México

O México é um país de grande variação topográfica e climática cujos desertos

setentrionais contrastam com as selvas meridionais. A Cidade do México foi construída

sobre um planalto com altitude média de 2 300 metros, outrora coberto por ecossistemas

lacustres que hoje persistem em raras áreas protegidas de que Xochimilco constitui o

melhor exemplo. Os estudos desenvolvidos incluíram 100 inquéritos e 55 entrevistas

realizadas pela autora na Cidade do México, em Puebla, Cuernavaca e nas faldas dos

vulcões que ladeiam estas cidades do México Central. Foram identificadas 70 espécies

botânicas. Há onze espécies listadas na Fig. 7.

O trabalho de campo revelou quatro influências culturais principais:

1) Europeia; 2) Práticas de cura ancestrais dos Aztecas; 3) Tradições índias

Nahua; 4) Plantas importadas doutros países americanos.

A Arnica é uma planta herbácea perene com 50 cm a 1 metro de altura, de folhas

alternas dentadas, flor amarela terminal. Floresce em Agosto e Setembro. A infusão da

planta, em particular das flores, tem aplicação externa em emplastros, no caso de

fracturas, artrite e dores reumáticas. A decocção da planta usa-se ainda em gargarejos

para tratar dores de garganta e anginas. Espécie prolífica nativa do altiplanalto do

México Central, cresce tanto no Estado de Chihuahua (N), quanto no Distrito Federal,

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_______________________________________________________________________________________________________  Puebla e em Oaxaca. Não deve ser confundida com a espécie europeia Arnica montana

L. de que tomou o nome vernáculo, introduzido pela colonização espanhola.

A Ballentilla é um arbusto com 3 metros de altura e flores campaniformes

vermelho-alaranjadas, folhas grandes de pecíolo curto que crescem em grupos de três a

cinco. Espécie nativa do centro e sul do México, cresce desde a costa atlântica

(Veracruz) até à Pacífica (Chiapas). A infusão das folhas utiliza-se para desinfectar

feridas e deter hemorragias. Aplica-se como emplastro anti-séptico. Tem aplicação

interna contra diarreias e como antipirético. Recomendada em decocções contra o

paludismo.

Fig. 7 – Plantas medicinais mexicanas Nome

vernáculo Identificação

Botânica Aplicações Medicinais

Modo de Preparação

Parte da planta usada

Arnica

Mexicana

Heterotheca inuloides Cass.

COMPOSITAE

Anti-inflamatória, anti-

séptica e antibacteriana e anti-reumática

Fricção e Emplastro Decocção

Toda a planta

Ballentilla Hamelia patens Jacq.

RUBIACEAE

antidiarreica, anti-séptica e

cicatrizante

Infusão e decocção.

Emplastro

Folhas

Chaparro Amargo

Castela tortuosa Lieb.

SIMAROUBACEAE

Antidisentérico, minora a

diabetes e é eficaz contra a malária

Infusão e decocção

Caules

Chicalote

Argemone mexicana L.

PAPAVERACEAE

Afecções da visão. Antibacteriana e antiespasmódica

Infusão

Toda a planta

Axihuitl

Eupatorium aschembornianum Sch.

COMPOSITAE

Anti-reumático. Úlceras

nervosas.

Emplastros e

fricções. Preparados.

Folhas

Hierba del

Cáncer

Cuphea aequipetala Cav

LYTHRACEAE

Anti-inflamatória e

antitumoral

Emplastro

Toda a planta

Muicle

Justicia spicigera Schlecht. ACANTHACEAE

Antianémica, antipirética,

antidiarreica e antibacteriana

Infusão e banhos

Folhas, caules e flores

Nopal

Opuntia tomentosa Salm-Dyck; O. ficus-indica (L.) Miller; O.

depressa Rose. CACTACEAE

Hipoglicémica e antiviral

Comestível Emplastros

Talos

tenros sem espinhos

Toloache

Datura stramonium L.

SOLANACEAE

Anti-reumática. Sedativa, antiespasmódica, antiasmática e imunizante

Fumam-se as

folhas. Emplastro das sementes.

Folhas e sementes

Gordolobo

Gnaphalium semiamplexicaule DC.

COMPOSITAE

Anti-gripal e antitússica

Infusão e decocção, Fumam-se as folhas

Folhas, flores e

talos secos

Cancerina Hippocratea excelsa Kunth HIPPOCRATEACEAE

Afecções de pele Fricções e emplastros

Cascas e raízes

Fonte: Amostragens de Madaleno, 2004 e 2006 Literatura Científica Recomendada: Adame, 2000; Aguilar, Contreras, Villafranco e Molina, 2002; Alonso, Ochoa, Rodriguez y Essayag,1999; Alvarez, 2003; Ochoa e Alonso, 1996.

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O Chaparro Amargo é um arbusto espinhoso, de até 3 metros de altura, com

casca de cor escura, de folhas pequenas, crescendo em grupos de 3 ou 4. Dá flores

vermelhas e solitárias e é usado na medicina indígena em infusões contra febres e

diarreias. A ingestão em infusões e decocções é ainda benéfica no caso da diabetes.

Receituário fitoterápico recomedado: Uma mão-cheia de cascas e ramos num litro de

água a tomar de manhã e ao deitar para controlar a diabetes. Tomar em jejum contra as

amibas durante 10 dias. Esta espécie é nativa das zonas secas do norte do México e

estende-se desde a Baja Califórnia, a Chihuahua, Nuevo León, San Luís de Potosí e

Puebla. Deve-se ao Jesuíta espanhol Miguel del Barco, que trabalhou como missionário

na Califórnia durante 30 anos (1739-1768), o estudo do Chaparro Amargo, descrito na

sua “Historia Natural y Crónica de la Antigua California”.

O Chicalote é uma planta herbácea, de flor branca terminal e folhas dentadas,

divididas em segmentos espinhosos. Floresce de Abril a Outubro. O látex era usado

pelos Aztecas contra as cataratas (“nubes en los ojos”), as sementes são purgantes e as

folhas usam-se em infusões contra a diarreia. Espécie nativa do México Central,

estende-se hoje desde o estado da Baja Califórnia (costa Pacífica) até ao Yucatán (Mar

das Caraíbas). O seu ambiente preferido são as encostas ensolaradas dos vulcões. A

primeira descrição da planta deve-se ao Franciscano Fray Bernardino de Sahagún que

escreveu a “Historia General de las Cosas de Nueva España” (1548). Contudo, os

estudos do curandeiro indígena Martín de la Cruz (1552), traduzidos para latim por Juan

Badiano, foram os mais divulgados.

O Axihuitl é uma erva silvestre de folha larga e comprida, que floresce de

Novembro a Fevereiro. A folha tem aplicação externa em emplastros e fricções contra

as dores reumáticas, normalmente sob a forma de alcoolato. Os curandeiros dos

povoados de Tepoztlán e San Juan de Tlacotenco (2 650m), no estado de Morelos,

utilizam-na para fabricar bebida estimulante que dizem ter o poder de cicatrizar as

úlceras nervosas. É espécie endémica do estado de Morelos, sito a sul do Distrito

Federal, no México Central, que existe apenas acima de 2 000 metros, no Parque

Nacional El Tepozteco. A espécie faz parte da tradição dos curandeiros índios Nahuas.

Xihuitl significa erva; quáhuitl, árvore; acatl, cana e zacatl, pasto.

A Hierba del Cáncer é uma trepadeira de cerca de 40 cm, o caule está coberto de

penugem violeta, da cor das flores. As folhas pequenas e de pecíolo curto, crescem

opostas. Toda a planta tem aplicação externa em emplastros, no caso de golpes e de

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_______________________________________________________________________________________________________  inflamações artríticas. Utilizam-se infusões e preparados que dizem curar todos os tipos

de cancro, o que nunca foi comprovado pelos ensaios farmacológicos. Está provado o

efeito anti-inflamatório. Espécie nativa do altiplanalto do México Central, estende-se

hoje desde os estados de Puebla e Morelos até Oaxaca.  

O Muicle é um arbusto de 2 m de altura, muito ramificado, de folhas ovadas e

opostas, flores tubulares terminais, de corola alaranjada. É usada em aplicações externas

em banhos contra o mau olhado, afecções cutâneas e má circulação. A infusão das

folhas e caules cura anemias e disenterias. Espécie nativa do México, tanto se encontra

nos quintais quanto silvestre. Estende-se desde San Luís de Potosí até ao estado de

Veracruz (Golfo do México).

O Nopal é cacto que atinge 5 metros de altura. Há várias espécies endémicas do

México das quais se utilizam os talos ternos depois de extraídos os espinhos. Os talos

moles (nopalitos) são comestíveis e a sua ingestão, cozidos ou assados, em solitário ou

com o fruto (Xocondl), controla a diabetes. Tem aplicação externa em emplastros que

ajudam a curar herpes, queimaduras e várias afecções cutâneas (Receitas de vendedora

do Mercado de la Merced, na Ciudad de México, 2004). Em Morelos consome-se ‘mole

rojo com nopales’, uma receita das zonas montanhosas do norte, com camarão a

acompanhar com 1 kg de nopal cozido com sal (receita recolhida em Tepoztlán, estado

de Morelos, durante a missão científica de 2006). É comida ritual da Semana Santa.

O Toloache é uma erva das Regiões Tropicais, que cresce silvestre também na

Europa e na Ásia. As folhas de recorte característico têm odor fétido. As flores, de

corola em forma de campânula violácea, são terminais. O fruto é uma cápsula verde

espinhosa onde se alojam as sementes. É tóxica e o seu uso deve ser muito controlado.

As sementes aplicam-se em emplastros ou sob a forma de alcoolato em fricções contra

as dores reumáticas e hemorróides. As folhas fumam-se como preventivo de ataques de

asma. Prolífico, o Toloache existe em todo o México sob a forma silvestre assim como

nas Zonas temperadas e tropicais do Hemisfério Norte. Folhas e sementes de Tlapatl

(Aztecas) ou de Toloatzin (Nahuas) mastigadas eram usadas em rituais mágico-

religiosos pré-hispânicos, para provocar a embriaguês. Provocam alucinações e podem

gerar estado comatoso. O cultivo da planta é proibido e as vendedoras informais do

Mercado de Sonora só a colhem a pedido de clientes. Adquiri o espécime entregue ao

Herbário do IICT porque o cliente que o havia encomendado não apareceu (Maio de

2004).

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O Gordolobo é uma planta herbácea nativa do México Central, que atinge 80 cm

de altura, tem folhas alternas compridas e estreitas, flores terminais esféricas e pilosas

de cor branca. Consome-se sempre seca e para isso as mulheres das faldas do vulcão

Popocatepetl armazenam-nas nas vigas do tecto das suas cozinhas e arrecadações, já que

se trata de uma das espécies mais procuradas pelos clientes no Mercado de Sonora, na

Cidade do México. As folhas são fumadas contra os ataques de asma, velha prescrição

azteca, mas hoje em dia é mais frequente consumir-se um punhado de flores e talos em

infusões e decocções, contra gripes e constipações.

A Cancerina é um cipó lenhoso nativo do México que cresce silvestre até 17

metros de altura nas encostas dos vulcões do México Central. Utilizam-se as cascas e

raízes para matar piolhos e outros parasitas e fabricam-se preparados caseiros com

álcool para utilização em fricções e emplastros que as índias do mercado de Sonora

garantem curar o cancro de pele. A literatura científica consultada registou acções anti-

inflamatórias, antiartríticas e antitumorais em toda a planta (Alonso, Ochoa, Rodríguez

e Essayag, 1999).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da botânica medicinal e dos conhecimentos ancestrais sobre práticas de

cura na América Latina representa e fundamenta proposta alternativa para paliar dores,

mitigar mal-estares e resolver problemas de saúde que a todos afligem. A expectativa

desta pesquisa realizada ao longo de nove anos em quatro países e áreas metropolitanas

foi a de resgatar e documentar as tradições e práticas terapêuticas ancestrais, usando

exclusivamente espécies da flora medicinal, por serem mais acessíveis e menos

dispendiosas, porque o direito à saúde é universal.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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