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1 Introdução Cenário atual das mudanças climáticas Efeitos negativos do aquecimento global Impactos na agricultura Oportunidades para o agronegócio Considerações Finais Os recentes relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) preveem que a produção de alimentos em todo o mundo pode sofrer um impacto dramático nas próximas décadas por conta das mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global. Segundo os cientistas do IPCC, o aumento da temperatura ameaça o cultivo de várias plantas agrícolas e pode piorar o já grave problema da fome em partes mais vulneráveis do planeta. Países pobres da África e da Ásia seriam os mais afetados, mas grandes produtores agrícolas, como o Brasil, também sentiriam os efeitos, já na próxima década. Secas e geadas fora de hora podem arruinar uma safra, mas com o zoneamento agrícola é possível antever quais áreas seriam menos suscetíveis a esses problemas de modo a aproveitá-las para o plantio. Para as próximas décadas, no entanto, as mudanças do clima devem ser tão intensas a ponto de mudar a geografia da produção nacional. Municípios que hoje são grandes produtores poderiam não ser mais em 2020. Os pesquisadores observaram que o aumento de temperatura pode provocar uma diminuição de regiões aptas para o cultivo dos grãos no Brasil. Com exceção da cana e da mandioca, todas as culturas sofreriam queda na área de baixo risco e, por consequência, no valor da produção. O assunto é polêmico, e vem provocando discussões acaloradas em todas as rodas técnicas e científicas. Mas vale a pena lembrar que isso só ocorrerá se nada for feito em Aquecimento Global e a Agricultura Autor: Eduardo Delgado Assad – Embrapa Colaboração: Responsabilidade Social e Corporativa Rabobank Brasil Sumário Introdução

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Page 1: Aquecimento Global e a Agricultura - rabobank.com.br · geram o aquecimento global, provocado pela intensa emissão de GEE. No caso da agricultura, esses gases são o dióxido de

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Introdução

Cenário atual das mudanças climáticas

Efeitos negativos do aquecimento global

Impactos na agricultura

Oportunidades para o agronegócio

Considerações Finais

Os recentes relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) preveem que a

produção de alimentos em todo o mundo pode sofrer um impacto dramático nas próximas décadas

por conta das mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global. Segundo os cientistas do

IPCC, o aumento da temperatura ameaça o cultivo de várias plantas agrícolas e pode piorar o já

grave problema da fome em partes mais vulneráveis do planeta. Países pobres da África e da Ásia

seriam os mais afetados, mas grandes produtores agrícolas, como o Brasil, também sentiriam os

efeitos, já na próxima década.

Secas e geadas fora de hora podem arruinar uma safra, mas com o zoneamento agrícola é possível

antever quais áreas seriam menos suscetíveis a esses problemas de modo a aproveitá-las para o

plantio. Para as próximas décadas, no entanto, as mudanças do clima devem ser tão intensas a

ponto de mudar a geografia da produção nacional. Municípios que hoje são grandes produtores

poderiam não ser mais em 2020. Os pesquisadores observaram que o aumento de temperatura

pode provocar uma diminuição de regiões aptas para o cultivo dos grãos no Brasil. Com exceção da

cana e da mandioca, todas as culturas sofreriam queda na área de baixo risco e, por consequência,

no valor da produção. O assunto é polêmico, e vem provocando discussões acaloradas em todas as

rodas técnicas e científicas. Mas vale a pena lembrar que isso só ocorrerá se nada for feito em

Aquecimento Global e a Agricultura

Autor: Eduardo Delgado Assad – Embrapa

Colaboração: Responsabilidade Social e Corporativa Rabobank Brasil

Sumário

Introdução

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termos de mitigação e adaptação. Está nas mãos do agronegócio adotar formas de manejar melhor

o solo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa ou até mesmo para sequestrar o gás

carbônico da atmosfera, já presente em taxas elevadas. O agronegócio brasileiro é o único setor da

economia que num curto espaço de tempo pode promover a redução das emissões de gases de

efeito estufa e dessa forma, reduzir os efeitos do aquecimento global no pais.

No cenário atual das mudanças climáticas, diversos são os fatores que podem promover alterações

no agronegócio brasileiro. Alguns deles estão diretamente ligados aos efeitos do aquecimento

global, e outros são consequência da estrutura existente no país para a produção e comercialização

dos produtos agrícolas.

O primeiro deles, vinculado indiretamente ao aquecimento global, são as barreiras não tarifárias.

No mundo de hoje, principalmente no mercado europeu, a compra de produtos está cada vez mais

vinculada à “pegada de carbono”. Já temos alguns exemplos no Brasil, como a compra de carne com

origem controlada e desvinculada de desmatamento da Amazônia, ou a compra de carne cuja

produção é baseada em boas práticas agrícolas que direta ou indiretamente promovem o sequestro

de carbono na pecuária.

Outro fator importante é a intensificação da produção. Maior eficiência na produção agrícola por

unidade de área. Nos últimos anos, o Brasil teve o incremento na produção das culturas superior a

4,8% ao ano e um incremento de mais de 100% na produtividade da pecuária. Tal eficiência é

traduzida em termos ambientais, como a redução de expansão de áreas, a redução do

desmatamento e diretamente, a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), que

provocam o aumento da temperatura no planeta.

A solução para a intensificação da produção passa pela inovação tecnológica, que permite a adoção

de novas tecnologias que até então não eram acessíveis aos produtores rurais.

A conjunção desses três fatores, redução das barreiras não tarifárias a partir da intensificação da

produção e inovação tecnológica, diretamente vinculadas à redução do desmatamento, permitiu

que surgisse no Brasil o mercado verde, que se materializou na forma da bolsa verde no Rio de

Janeiro, permitindo um mercado de troca e compensações entre “emissor” e “sequestrador” de

carbono, fortalecendo mecanismos compensatórios a partir de áreas de preservação. Isso permitiu

que surgisse no país o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

Um exemplo de PSA ocorre no município de Extrema em Minas Gerais, onde os produtores recebem

uma quantia, paga pelo governo do Estado de São Paulo, para que eles mantenham preservadas as

nascentes dos rios e as Áreas de Preservação Permanente (APP). Essa ação permite que a oferta de

água originária do município de Extrema abasteça com regularidade a região da Cantareira em São

Paulo. Essa prática está sendo cada vez mais difundida no Brasil e adotada isoladamente por

diversos produtores.

Cenário atual das mudanças climáticas

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O PSA é cada vez mais discutido no Agronegócio brasileiro. Outro importante mecanismo que surgiu

como ação de regulamentação do Código Florestal é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Com ele,

será possível quantificar as áreas de preservação permanente no

país, os passivos ambientais, principalmente nas áreas rurais, e qual tipo de política deve ser

adotada para a recuperação das áreas degradadas, ou as áreas que foram ilegalmente desmatadas.

Uma dessas políticas é a agricultura de baixa emissão de carbono (Agricultura ABC), onde as boas

práticas agrícolas são indicadas para que o agricultor possa promover a intensificação da produção

numa determinada área com sequestro de carbono. Dessa maneira, as emissões de GEE numa

determinada propriedade podem ser reduzidas ou ter um balanço positivo.

No futuro, espera-se que o sequestro de carbono passe a gerar renda ao produtor rural.

Outros fatores de influência no país são a política florestal e a bioenergética, ambas vinculadas às

decisões tomadas por ocasião da COP21 em Paris, em 2015. Todos os países do mundo concordaram

em reduzir até 2030 parte das emissões de GEE no planeta. E, o compromisso do Brasil é vinculado

à implantação das políticas florestal e bioenergética, que envolve a produção de biomassa.

Portanto, para o futuro do agronegócio brasileiro prosperar, deve-se reduzir as barreiras não

tarifárias, intensificar a produção com boas práticas agrícolas, ampliar as ações de inovação

tecnológica, impulsionar o mercado verde, fortalecer o PSA, implementar o CAR, incentivar a

agricultura ABC e defender uma nova política florestal e bioenergética.

O que esses fatores têm a ver com o aquecimento global?

Nos últimos 50 anos, nosso planeta passou por profundas transformações que resultaram na

degradação do capital natural da terra, levando-o aos seus limites. Os exemplos mais típicos,

ilustrados na figura 1, são a dificuldade de extração de água para abastecimento humano, o

aumento da poluição, o rápido crescimento da eutrofização (acúmulo da matéria orgânica em

ambientes aquáticos), a perda da biodiversidade e a degradação do solo. Somados, estes fatores

geram o aquecimento global, provocado pela intensa emissão de GEE. No caso da agricultura, esses

gases são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).

Figura 1. Indicadores dos limites da terra. Fonte: Revista Nature “A

safe operating for humanity “. Rockstron et al. 2009

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Além das dificuldades da humanidade para sobreviver no futuro, atualmente o que mais chama

atenção é a vulnerabilidade do planeta ao aquecimento global e a possibilidade de não se conseguir

controlar o aumento da temperatura, além da maior frequência de ocorrência de fenômenos

extremos (ondas de calor, chuvas intensas, nevascas, furacões, etc.)

O IPCC elabora possíveis cenários que levam em conta as taxas atuais de emissão e ilustram as

situações otimistas, intermediárias e pessimistas, caso as emissões de GEE continuem nas taxas

atuais. Na figura 2, são ilustrados tais cenários para os próximos 80 anos, controlando ou não as

emissões. O pior cenário (RCP 8.5), indica que é possível chegar a um aumento de temperatura de

3,2 °C a 5,4 °C em 2100. Já no cenário mais otimista, o aumento poderá ser de 0,9 °C a 2,3 °C.

O limite inferior do melhor cenário já foi atingido em 2015. O fato alarmante se dá nas emissões de

GEE medidas atualmente, que acompanham a curva do pior cenário. Desta forma, não atingiremos

a meta da COP21, que é de limitar o aumento de temperatura a 1,5oC até o ano de 2030.

Figura 2. Cenário atual de emissões segundo o IPCC (2014, AR5). Fonte://www.ipcc.ch/report/ar5

*RCP Representative Concentration Pathways (RCPs) em w/m2

Cerca de 3% das emissões no planeta causadas pelo homem tem origem no Brasil. Até o ano de

2005, as emissões eram de aproximadamente 2,3 bilhões de toneladas de CO2 eq./ano, 70% delas

oriundas do desmatamento da Amazônia. Isso gerou muita pressão internacional no Brasil e causou

o aumento das barreiras não tarifárias para os produtos brasileiros, principalmente soja, cana de

açúcar e carne. Em resposta, neste mesmo ano o governo implantou uma rigorosa política de

comando e controle para reduzir o desmatamento na Amazônia. Por exemplo, embargou mais de

40 municípios no Bioma Amazônia e como regra para desembargo, estabeleceu metas como reduzir

40% do desmatamento nos municípios, em relação ao ano anterior. Além disso, o governo criou

ferramentas de alertas de desmatamento (Terraclass) e aprimorou algumas já existentes (PRODES

e DETER).

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Com todas estas medidas, as emissões que eram de 1,9 bilhões de toneladas de CO2eq em 2005

chegaram a 355 milhões de toneladas de CO2eq em 2010 (Tabela 1), o que se consolidou como o

maior exemplo de mitigação de emissões de GEE do mundo, a partir da mudança do uso do solo.

Com a redução das emissões provindas do desmatamento da Amazônia, o setor que passou a emitir

mais foi o da agropecuária.

Os fatores que levam a agropecuária a ser apontada como um grande emissor no Brasil são:

O consumo de fertilizantes sintéticos e calcário e;

As emissões de metano por fermentação entérica promovida pela pecuária, principalmente

a bovina.

O aumento das emissões da agropecuária foi de 25% entre 2005 e 2010. A produção agrícola foi de

114,7 milhões de toneladas de grãos em 2005 a 135,3 milhões de toneladas em 2010, ou seja, um

aumento de 18% na produção, enquanto que a área plantada reduziu 3%. Esse aumento de

produtividade é seguido por um aumento do consumo de fertilizantes sintéticos.

No caso da pecuária, o rebanho bovino saiu de 207 milhões de cabeças em 2005 para 209 milhões

de cabeças em 2010. Mas é importante observar que houve um aumento de produtividade em

função da intensificação tecnológica de 3%.

Por outro lado, no inventário de emissões de GEE no período em questão, não se considerou a

Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) na produção de soja, onde a emissão de N2O é praticamente

nula, e que o rebanho bovino brasileiro é 95% produzido no pasto. De uma maneira geral, pastos

degradados emitem GEE e pastos recuperados (através de intensificação e inovação tecnológica)

sequestram carbono. Dessa maneira, no caso do GEE, o inventário considera somente as emissões

e não o balanço “emissão/sequestro”. Vem daí o equívoco de se considerar a agropecuária brasileira

como a “grande vilã” das emissões de GEE. Este mito vem pouco a pouco sendo derrubado,

principalmente pelos ainda pequenos, porém consistentes resultados da Agricultura ABC.

Tabela 1. Evolução das emissões de GEE no Brasil por setor. Fonte MCTIC, 2016

Uma vez conhecidas as emissões, o próximo passo é verificar como será a climatologia nos próximos

anos a partir dos modelos do IPCC. Neste caso, dois enfoques são importantes: a evolução da

temperatura média e os limites da temperatura máxima, e a frequência de ocorrência de

fenômenos extremos, onde é determinado o número de dias com temperatura acima de 34 °C. Na

figura 3 são ilustradas a evolução da temperatura média entre os anos 1990 a 2099, qual poderá ser

1990 1995 2000 2005 2010

Energia 189.319 226.707 287.395 316.985 374.554

Processos industriais 52.122 65.351 75.069 80.062 90.932

Agropecuária 337.636 371.773 385.027 350.797 472.734

Mudança de uso da terra e florestas 797.413 1.946.934 1.276.260 1.921.694 355.002

Tratamento de resíduos 34.027 41.084 50.717 59.613 71.041

Total 1.410.517 2.651.849 2.074.468 2.729.151 1.364.263

CO2e (Gg)GWP - AR5

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o incremento da temperatura máxima até o ano de 2099, e a figura 4, com a distribuição geográfica

da frequência de ocorrência de dias sucessivos com temperatura acima de 34 °C até o ano de 2099,

segundo os cenários RCP 4.5 e RCP 8.5.

Figura 3. Cenários para temperatura média entre no ano de 1990 e cenários referentes ao incremento na temperatura máxima para o ano de 2099, em

graus centigrados, considerando o RCP 4.5 e RCP 8.5, respectivamente. Fonte: Assad et al., 2016; ETA; RCP 8.5

Figura 4. Frequência de ocorrência de dias com temperatura acima de 34

o C entre os anos de 1976 a 2100. Fonte: Assad et al., 2016; ETA; RCP 8.5.

Nos casos de incremento de temperatura média, máxima e frequência de dias com temperatura

acima de 34°C, as regiões com características de clima temperado, como o Sul do Brasil, deixam de

existir, podendo comprometer a produção de frutas temperadas na Serra Gaúcha e no estado de

Santa Catarina. A produção agrícola na região onde a temperatura máxima terá um incremento

acima de 4°C estará comprometida, com consequências para a soja, milho, algodão e café. O

aumento da frequência de ocorrência de dias com temperatura acima de 34°C acarretará nos

seguintes impactos na produção agrícola brasileira:

Perda de produtividade:

Abortamento de flores de café, laranja e feijão;

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Aumento da frequência de ondas de calor provocando morte de frangos,

abortamento de porcas, redução da produção de leite;

Aumento da evaporação e da evapotranspiração;

Aumento da deficiência hídrica e;

Redução das áreas com baixo risco climático.

Tais exemplos mostram como a situação do país é vulnerável ao aquecimento global, e

principalmente de que maneira a agropecuária poder ser atingida, no caso de se manter os atuais

níveis de emissão de GEE.

Uma análise geográfica mais detalhada (figuras 5 e 6) mostra o impacto da deficiência hídrica nas

áreas de baixo risco climático, para o milho safrinha e para a soja.

Figura 5. Variação espacial

das áreas de alto risco

climático para o milho

safrinha, entre os anos 1990 e

2085, no cenário RCP 8.5.

Fonte: Assad et al 2016

MCT&I

Figura 6. Variação espacial

das áreas de alto risco

climático para a soja, entre os

anos 1990 e 2085, no cenário

RCP 8.5. Fonte: Assad et al

2016 MCT&I.

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Em resumo: mantidas as condições de emissão de GEE atuais, poderá haver um aumento de até

97,3% nas áreas de alto risco climático para produção de milho safrinha e de 81,2 % nas áreas de

alto risco para produção de soja.

Mitigação

As grandes oportunidades para o agronegócio brasileiro estão fundamentadas nas ações de

mitigação, adaptação e inovação, todas relacionadas ao aquecimento global. Atualmente, a

principal dessas três ações é a mitigação com políticas de governo definida por marcos regulatórios

e recursos para o crédito rural. Uma das mais antigas ações de mitigação do Brasil é o Zoneamento

Agrícola de Riscos Climáticos (ZARC).

Em 1996, o Ministério da Agricultura, com apoio da Embrapa viabilizou projeto “desenvolvimento

de estudos de regionalização dos sinistros climáticos no Brasil, para minimizar as perdas na

produção agrícola, disponibilizando ao produtor rural técnicas que permitiriam fugir de riscos

climáticos oriundos do regime de chuva”. Esta meta estava de acordo com a proposta

desenvolvimentista do governo, pois visava a tecnificação mínima da agricultura e a adoção de

qualidade na atividade produtiva, garantindo sua sustentabilidade. Com a análise de informações

climáticas e atualização anual dos dados meteorológicos que embutiam nas análises possíveis

mudanças climáticas em uma série histórica de no mínimo 30 anos, foram apresentados os

percentuais que evidenciavam a seca e a chuva excessiva. Tais eventos são os principais

responsáveis pela redução das safras e por grande parte das indenizações pagas pelos seguros

agrícolas em operacionalização no país, atingindo 95% do total das indenizações. Baseando-se

nessas informações, um estudo de caráter espaço-temporal permitiria, como tem permitido,

regionalizar-se áreas de maior risco para a agricultura brasileira, utilizando a rede de informações

pluviométricas já existentes.

Desde sua implantação, os objetivos do ZARC são coletar informações de pluviosidade, analisar as

regiões com chuvas de maior intensidade, coletar informações agronômicas das principais culturas

do país e otimizar as datas de plantio, simular modelos, publicar mapas de plantio com as datas

otimizadas, entre outras ações. Com estas ações é possível definir onde, o que e quando plantar,

com 80% de chance de sucesso. Na medida em que os dados são atualizados, as indicações de datas

de plantio mostram claramente os riscos de perdas pelo agricultor em relação às datas escolhidas.

Como todo o processo depende do balanço hídrico, com o aumento da temperatura o balanço é

alterado, havendo maior probabilidade de risco principalmente nas áreas limítrofes do zoneamento.

Na figura 8 é ilustrado um exemplo espaço temporal das áreas com baixo risco climático para plantio

do milho safrinha no estado do Mato Grosso. Os municípios em verde são aqueles que na data

indicada possuem baixa probabilidade de perdas, ou 80% de chance de sucesso. Nessas condições,

à medida em que se avança no tempo a área para plantio e, portanto, para acesso ao crédito, fica

Oportunidades para o Agronegócio

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reduzida. No Brasil a política do zoneamento de riscos climáticos é adotada para 44 culturas, em 26

estados, considera 3 tipos de solos e diversos ciclos das culturas. Com a adoção do zoneamento,

maiores são as chances de evitar os efeitos do aquecimento global.

Figura 7. Exemplo da variação espaço temporal do

plantio do milho safrinha no Estado do Mato Grosso. Fonte: www.agritempo.gov.br

Ao mesmo tempo, considerando que as variações climáticas são dinâmicas no tempo e no espaço,

não se pode fixar uma única janela de plantio. O risco por definição, é a probabilidade de que um

evento ocorra. Neste caso, perdas na agricultura por eventos climáticos. Para tanto, a partir do

zoneamento agrícola, foi estabelecida a matriz de risco que indica qual a chance de perdas nas

safras, em datas variadas, com probabilidades de até 50% de ocorrerem.

Inovação e Mitigação

Outra importante ação de mitigação e inovação tecnológica no Brasil é a adoção da Agricultura de

Baixa Emissão de Carbono, a Agricultura ABC.

O Plano ABC visa garantir o aperfeiçoamento contínuo das práticas agropecuárias que reduzam a

emissão dos GEE, fazendo com que esse setor da economia brasileira deixe de ser um problema

das emissões nacionais, para tornar-se parte da estratégia de mitigação. Ele foi delineado em 2009,

no contexto da conferência do clima da ONU daquele ano, a COP-15. Na época, a fim de tentar

romper o impasse que ameaçava a obtenção de um acordo internacional para enfrentar as

mudanças climáticas, o Brasil adotou uma posição ousada de propor objetivos voluntários de

redução de emissões para toda a economia. Os principais alvos da agricultura de baixa emissão de

carbono são:

Recuperação de pastagens: o processo de degradação de pastagens leva à perda de cobertura

vegetal e a redução no teor de matéria orgânica do solo (MOS), o que causa a emissão de CO2 para

atmosfera. Com a recuperação das pastagens, inverte-se este processo e o solo passa a acumular

carbono, reduzindo em pelo menos 60% a emissão de CO2 no sistema de produção. A quantidade

de biomassa produzida também aumenta, uma vez que se aumenta a quantidade de cabeças de

gado por hectare. Hoje, a capacidade de suporte média de uma pastagem degradada, é de 0,4

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UA/ha. Num pasto recuperado, pode-se chegar a 1 UA/ha ou mais. Como resultado aumenta-se

renda do produtor e reduz-se a pressão por mais terras para a pecuária, evitando-se o

desmatamento. É o chamado efeito “poupa-terra”. Além disso, a emissão de metano é reduzida, já

que os animais têm uma dieta de melhor qualidade e o tempo de abate é menor. Considerando os

fatores médios de emissão por quilo de ganho de peso no Brasil, isso pode representar no final do

período uma redução de emissões de mais de 100 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.

Vale ressaltar que existe no Brasil cerca de 48 milhões de hectares de pastos em processo de

degradação. Desta forma, o potencial de mitigação com a recuperação de pastagens é mais de três

vezes maior do que o contemplado no Plano ABC.

Figura 8. Esquema do balanço de carbono

em condições de pasto degradado e pasto

recuperado. Fonte: Cerri, 2010.

Integração lavoura-pecuária (ILP) e lavoura-pecuária-floresta (ILPF): estes sistemas e

os sistemas agroflorestais (SAFs) são estratégias de produção sustentável que integram na mesma

área atividades agrícolas, pecuárias e florestais, em cultivo consorciado, em sucessão ou

rotacionados. Buscam efeitos sinérgicos entre os componentes do agro ecossistema. O alto teor de

matéria orgânica no solo é um dos principais benefícios do sistema integrado, uma vez que

melhoram as condições físicas, químicas e biológicas do solo. Nesse caso, haveria adicionalmente o

benefício do “poupa-terra”, considerando a taxa de lotação de 0,4 UA/ha nos pastos degradados e

elevando essa taxa para 1 UA/ha, a diferença será de 0,6 UA/ha. Como funciona? O aumento de

eficiência de 0,4 UA/ha para 1 UA/ha, mostra um ganho de produtividade de muito grande. No

plano ABC pretende-se incrementar a produtividade em 19 milhões de hectares. Com o incremento

da produtividade, numa área que tem hoje, 7,6 milhões de UA, passaria a ter 11,4 milhões de

cabeças com o incremento de 0.6 UA. Caso não houvesse este incremento de produtividade, e

mantendo a mesma eficiência de 0,4 UA/ha, para se atingir 11,4 milhões de cabeças, seriam

necessários desmatar 28,5 milhões de hectares. A intensificação produtiva permite então que se

“poupe” 28 milhões de hectares, e se aumente a produção em 11,4 milhões de cabeças. É conhecido

como efeito poupa terra. Na figura 9 são apresentados os efeitos positivos da adoção do ILPF e

potencial de redução de GEE.

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Figura 9. Importância do sistema ILPF para redução de GEE e inovação e intensificação fortemente associada a redução de GEE. Fonte: Embrapa Cerrados.

O caso da ILP é emblemático. Na monocultura intensiva, por exemplo somente o cultivo de soja, o

agricultor explora 42% do tempo da propriedade. No caso do Milho chega-se a 50% por conta do

tamanho do ciclo da cultura. Ao adotar o esquema de “safra + safrinha”, este tempo chega a 80%,

porém com alta emissão de GEE. Já com o sistema rotacionado, fazendo-se uso da ILP, o tempo de

utilização da propriedade chega a 92%. Com a adoção da ILPF o tempo de utilização chega a 100%.

Ou seja, uma combinação de sucesso entre aumento de produtividade, tecnologia ambiental e

eficiência.

Estima-se que, com a adoção dos sistemas ILP e ILPF no Brasil, já se cumpriu os acordos de

Copenhague e de Paris para a redução de emissão de GEE. Porque então continuar afirmando que

o agronegócio é o principal responsável pelo aquecimento global no Brasil? A figura 10 ilustra a

evolução da adoção do sistema ILP/ILPF e o balanço das emissões estimadas nos sistemas, em

termos de remoção de GEE.

Figura 10. Evolução em hectares da adoção do sistema

ILP/ILPF no Brasil, entre os anos de 2005 a 2015, e resultado

final em termos de redução emissões no mesmo período,

que foi 35,1 milhões de toneladas de CO2 eq. No acordo de

Copenhague a proposta era de 22 milhões de toneladas de

CO2 eq. até 2020

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Adaptação

Em 2016, o Ministério do Meio Ambiente lançou o plano Nacional de Adaptação às Mudanças

Climáticas. Este plano reforça a importância da evolução do ZARC e do plano ABC, de ampliar as

soluções tecnológicas de fixação biológica de nitrogênio, principalmente para gramíneas e

fortalecer os estudos e soluções biotecnológicas para o desenvolvimento genético de espécies

tolerantes a altas temperaturas e deficiência hídrica. Tal política é uma das maiores do mundo em

termos de adaptação. Na pecuária, surgem raças mais tolerantes a altas temperatura como a raça

Senepol, a primeira a apresentar tolerância ao aquecimento global. Outro grande esforço da ciência

brasileira é a adaptação genética. Os estudos desenvolvidos há mais de 10 anos têm como principais

objetivos a identificação de variedades mais adaptadas aos estresses abióticos decorrentes das

mudanças climáticas tais como:

Concentração de gás carbônico na atmosfera elevada, seca, calor, excesso hídrico;

Descoberta de mecanismos moleculares, bioquímicos e fisiológicos com adaptação a tais

estresses;

Desenvolvimento de marcadores moleculares (genéticos e bioquímicos) para seleção

assistida de variedades mais adaptadas em programas de melhoramento genético;

Descoberta de genes envolvidos em adaptação (resistência/tolerância) com valor

biotecnológico (forte expressão na biodiversidade).

Avanços importantes foram conquistados pela Embrapa nos últimos anos, que produziu uma

variedade transgênica com alta tolerância à deficiência hídrica. O esforço biotecnológico teve como

alvo o maior crescimento das raízes, permitindo assim que a planta explorasse melhor o

reservatório de água do solo, sobrevivendo a períodos de seca durante a estação chuvosa

(“veranicos”). As figuras 11 e 12 mostram um comparativo entre duas raízes de soja, uma, de

cultivar transgênico e outra, com a raiz da mesma cultivar, porém, sem o gene tolerante à

deficiência hídrica.

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Figuras 11 e 12. Resultado da introdução de um gene tolerante à

seca, na cultivar BR15 da Embrapa. O resultado é um crescimento

maior de raízes e maior tolerância à deficiência hídrica. Fonte:

Embrapa soja

Estudos como estes estão crescendo no Brasil e espera-se que, com o aperfeiçoamento da

biotecnologia, o período para se alcançar resultados como o visto anteriormente seja menor.

Estudos similares estão sendo conduzidos para a cana de açúcar e o milho. O segredo da produção

de cultivares tolerantes é encontrar um gene com maior tolerância à deficiência hídrica. A grande

biodiversidade do Brasil nos deu o maior “armazém” de genes tolerantes aos efeitos do

aquecimento global. O Cerrado é um Bioma que possui mais de 12 mil espécies que já passaram por

períodos de estresses ambientais mais fortes do que os atuais. Assim, é um Bioma de alta

probabilidade de se encontrar genes tolerantes em espécies como Pequi, Baru, Lobeira, entre

outras. Conforme ilustrado na figura 12, a região da faixa que envolve o globo, seria uma região

onde as condições climáticas são similares às do Cerrado brasileiro. Neste caso, encontrar um único

gene nas espécies nativas, pode solucionar o problema de resistência/tolerância à seca em toda

essa região. A biodiversidade se destaca apresentando soluções para o agronegócio e garantindo a

segurança alimentar em boa parte

do planeta.

Figura 12. Faixa de abrangência de soluções

biotecnológicas para agricultura a partir da expressão

de genes da biodiversidade do Cerrado brasileiro.

BR16 Gene Y

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O aquecimento global é um fato. Medidas de controle devem ser e estão sendo feitas no mundo todo. Nos próximos anos, o agronegócio será o único setor da economia brasileira, que em um curto espaço de tempo poderá reduzir suas emissões com boas práticas agrícolas, tornando seus produtos, limpos, “verdes” e certificáveis. O agronegócio não é um problema para o aquecimento global, mas com as boas práticas agrícolas, é uma solução agroambiental rentável e sustentável.

www.agritempo.gov.br

www.mctic.gov.br

www.mma.gov.br

www.cnpso.embrapa.br

www.ipcc.ch/report/ar5

Assad, E.D.; OLIVEIRA, A. F. ; NAKAI, A. M. ; PAVÃO, E. ; PELLEGRINO, G. Q. ; MONTEIRO, J. E. B. A. . Impactos e Vulnerabilidade da agricultura Brasileira às mudanças climáticas. In: Breno Simonini Teixeira; José Marengo Orsini; Marcio Rojas da Cruz. (Org.). Modelagem Climática e Vulnerabilidades setoriais à mudança do clima no Brasil. 1ed.Brasilia: Ministério da Ciencia e Tecnologia, 2016, v. 1, p. 127­186. Johan Rockström1,2, Will Steffen1,3, Kevin Noone1,4, Åsa Persson1,2, F. Stuart Chapin, III5, Eric F. Lambin6, Timothy M. Lenton7, Marten Scheffer8, Carl Folke1,9, Hans Joachim Schellnhuber10,11, Björn Nykvist1,2, Cynthia A. de Wit4, Terry Hughes12, Sander van der Leeuw13, Henning Rodhe14, Sverker Sörlin1,15, Peter K. Snyder16, Robert Costanza1,17, Uno Svedin1, Malin Falkenmark1,18, Louise Karlberg1,2, Robert W. Corell19, Victoria J. Fabry20, James Hansen21, Brian Walker1,22, Diana Liverman23,24, Katherine Richardson25, Paul Crutzen26 & Jonathan A. Foley . A safe operating space for humanity. Nature 461, 472-475 (24 September 2009) | doi:10.1038/461472a; Published online 23 September 2009

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Considerações Finais

Consultas

Bibliografia

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