aprendendo a ser professor na pratica - cópia
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAO CEMPEM/PRAPEM
DISSERTAO DE MESTRADO
APRENDENDO A SER PROFESSOR(A) NA PRTICA: ESTUDO DE UMA EXPERINCIA EM PRTICA DE ENSINO DE
MATEMTICA E ESTGIO SUPERVISIONADO
FRANCIANA CARNEIRO DE CASTRO
CAMPINAS - 2002
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by Franciana Carneiro de Castro, 2002.
Catalogao na Publicao elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educao/UNICAMP Bibliotecria: Rosemary Passos - CRB-8/5751
Castro, Franciana Carneiro de. C279a Aprendendo a ser professor (a) na prtica : estudo de uma experincia em Prtica de Ensino de Matemtica e Estgio Supervisionado. Campinas, SP: [s.n.], 2002. Orientador : Dario Fiorentini. Dissertao (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educao.
1. Professores Formao. 2. Estgios Supervisionados. 3.Professores de matemtica. 4. Prtica de ensino. I. Fiorentini, Dario. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educao. III. Ttulo.
02-029-BFE
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAO
DISSERTAO DE MESTRADO
APRENDENDO A SER PROFESSOR(A) NA PRTICA: ESTUDO DE UMA EXPERINCIA EM PRTICA DE ENSINO DE
MATEMTICA E ESTGIO SUPERVISIONADO
FRANCIANA CARNEIRO DE CASTRO ORIENTADOR: PROF. DR. DARIO FIORENTINI
Este exemplar corresponde redao final da dissertao defendida por FRANCIANA CARNEIRO DE CASTRO e aprovada pela comisso julgadora em 26/02/2002.
Assinatura ___________________________ (Orientador)
Comisso julgadora:
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2002
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AGRADECIMENTOS
A Deus, meu Pai, minha fortaleza, meu libertador e meu amor, por ter-me concedido
esta experincia, na qual aprendi o caminho do meu corao: viver no bem e fazer o
bem. Que Deus abenoe a todos que contriburam de alguma forma para a concretizao
deste trabalho.
Ao meu filho Allan de Castro, minha beno. Por compreender minhas ausncias e me
ajudar nos momentos difceis. Pela alegria e companheirismo, pois sua presena sempre
significa esperana e vida.
Aos meus amados pais Raimundo e Vilany, que me deram o direito vida, ensinaram-
me a viver com decncia, responsabilidade e amor. A meus amados irmos e irms, pelo
amor, carinho e respeito que juntos construmos ao longo desta vida.
Ao Dario, meu orientador, pela amizade, pacincia, estmulo e competncia com que
me acompanhou durante toda a realizao do trabalho.
Aos meus amigos e amigas, os quais formaram minha famlia em Campinas, pelo
carinho e companheirismo. Obrigada por terem cuidado do meu filho em todos os
momentos de que precisei, por terem colos macios e prudentes. Seus nomes estaro
sempre escritos em nossos coraes.
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Rivanda, minha amiga, pelo apoio e incentivo neste perodo de nossa vida.
Aos meus colegas e professores dos Grupos de Pesquisa GEPEC e PRAPEM da
FE/Unicamp, pelo apoio e amizade que recebi, pelas discusses e reflexes
compartilhadas na construo deste trabalho.
Aos participantes deste trabalho, Allan e Ana, pela confiana e carinho, por abrirem seus
coraes e compartilharem a experincia na sala de aula, contribuindo na construo
deste trabalho.
Aos funcionrios da ps-graduao da FE/Unicamp, pela ateno e cordialidade com
que sempre me atenderam.
UFAC, e em especial aos meus colegas do Departamento de Educao, pela confiana
depositada neste trabalho.
UFAC e a CAPES, pelo apoio financeiro para que pudesse realizar este estudo.
A todos os professores e professoras que lutam por uma escola pblica de qualidade.
Esta luta nos convida a percorrer um rio... S como a gua que contorna os obstculos...
Estes no a paralisam; podem at diminuir seu ritmo, mas no conseguem interromper o
caminho possvel a ser realizado.
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RESUMO
O objetivo deste estudo compreender como o futuro professor se constitui
na prtica, tendo como experincia formadora a disciplina de Prtica de Ensino de
Matemtica e Estgio Supervisionado (PEMES). O foco do estudo incide sobre os
saberes e prticas escolares, concebidos sob o paradigma da complexidade, os quais
adquirem significados num contexto de prtica complexa e imprevisvel. O estudo
envolveu dois alunos da Licenciatura em Matemtica, na FE/Unicamp, durante o
desenvolvimento das disciplinas PEMES I e II, no ano de 1999, os quais foram
entrevistados e observados etnograficamente em atividades na universidade e na escola.
Compusemos, a partir disso, narrativas do processo de formao dos licenciandos. A
anlise do processo de passagem de aluno a professor, experienciada durante o estgio,
restringiu-se a um deles, e mostrou, entre outros aspectos, que essa passagem tensa,
mobilizando e problematizando imagens, saberes e modelos de ao docente
internalizados ao longo da vida. Portanto, a Prtica de Ensino e Estgio constitui-se um
momento importante do processo de formao, o qual no pode prescindir de reflexo
partilhada, de aportes tericos e da interlocuo com os diferentes sujeitos da prtica
educativa.
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ABSTRACT
The purpose of this study is to help understand what the role of a teacher is,
based on practices and experiences obtained from the subject of Practices and the
Teaching of Math and Supervised Training Process (PEMES). The focus of this study is
on the knowledge and practices adopted in schools based on the paradigm of
complexity, which may acquire meanings in a complex and unpredictable practice. The
study was carried out with two students taking Math Licentiate at FE/Unicamp, through
the development of the PEMES I and II subjects in the year 1999. The mentioned
students were interviewed and observed ethographically in activities at the university as
well as in schools. Based on these procedures we were able to make up narrations of the
formation process of the licentiates.
The analysis of the process they go through from student to become a
teacher, which was experienced through the training period, was focused on one of
them, and among other aspects, led us to the conclusion that this process is quite
stressful taking into consideration problematic images, knowledge and models of actions
adopted in teaching, which are acquired through life. Based on all this, we can come to
the conclusion that the Teaching Practices as well as the Training Processes are a very
important step in the process of formation, which requires a lot of shared ideas, theory
and the exchange of information among the people involved with the educational field.
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SUMRIO APRESENTAO ...................................................................................................... 01 CAPTULO I AS ORIGENS E A PROBLEMTICA DESTE ESTUDO........... 03 1.1 A trajetria de formao pessoal e profissional.................................................... 04
1.1.1 Eu sou assim, porque me descobri professora..................................... 04 1.1.2 A primeira aproximao com a Educao Matemtica........................ 11 1.1.3 A primeira experincia como professora universitria......................... 13
1.1.4 Aprofundando a reflexo sobre meu trabalho de Didtica e Prtica de
Ensino de Matemtica.......................................................................................... 15 1.1.5 Buscando novos desafios para o meu desenvolvimento profissional....16
1.2 Configurando uma questo de estudo.................................................................... 18 1.3 Breve discusso conceitual e reviso bibliogrfica............................................... 26 CAPTULO II SOBRE O PROCESSO METODOLGICO DA
INVESTIGAO......................................................................................................... 35
2.1 Descrio e desenvolvimento do trabalho de campo 1 fase............................. 39 2.2 Descrio e desenvolvimento do trabalho de campo 2 fase............................. 44
CAPTULO III DE ALUNO A PROFESSOR: A FORMAO SOB A
PESPECTIVA DOS FORMANDOS.......................................................................... 47
3.1 Professora Ana....................................................................................................... 48 3.2 Professor Allan...................................................................................................... 65
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CAPTULO IV DE ALUNO A PROFESSOR: PRODUZINDO SIGNIFICADOS
SOBRE UM RITUAL DE PASSAGEM..................................................................... 81
4.1 Os antecedentes da passagem................................................................................. 82 4.2 A aventura da passagem: um salto de bungee jump.............................................. 90
4.2.1 Os preparativos para o ritual de passagem.......................................... 91 4.2.2 A aventura da primeira aula cenas do episdio I............................... 94 4.2.3 Produzindo novos significados sobre a primeira aula episdio II.....102
4.3 Arriscando algumas acrobacias........................................................................... 109 CONSIDERAES FINAIS..................................................................................... 117 BIBLIOGRAFIA........................................................................................................ 123 ANEXOS..................................................................................................................... 127
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APRESENTAO
Esta pesquisa tem por objetivo investigar como acontece o processo de
formao do professor de Matemtica em saberes, aes e significados quando ele entra
em contato com a atividade docente na escola durante a realizao das disciplinas de
Prtica de Ensino e Estgio Supervisionado.
Foram selecionados para este estudo um aluno e uma aluna da Licenciatura
em Matemtica, na FE/Unicamp, os quais freqentaram, durante o ano de 1999, as
disciplinas de Prtica de Ensino de Matemtica e Estgio Supervisionado I e II (PEMES
I e II). A escolha destas disciplinas deveu-se, principalmente, ao fato de que elas
desenvolvem um trabalho diferenciado e significativo de insero do futuro professor na
prtica escolar, o qual conta com a mediao de leituras, investigaes, reflexo
partilhada e interlocuo com os diferentes sujeitos da prtica educativa.
O estudo, portanto, busca compreender como o futuro professor, neste
contexto, apropria-se da experincia docente e enfrenta a prtica pedaggica, a qual
concebida, no sentido de Morin (1996) e Prigogine (1996), como complexa, incerta e
imprevisvel.
Os pressupostos tericos nos quais se ancora este estudo dizem respeito
formao profissional, aos saberes docentes, experincia e reflexo na e sobre a
prtica, tendo como principais interlocutores Barth (1993), Freire (1998), Fiorentini,
Nacarato & Pinto (1999), Gauthier (1998), Marcelo Garca (1999), Gmez (1992),
Larrosa (1996/1999), Morin (1996), Schn (1992), Tardif, Lessard & Lahaye (1991) e
Tardif & Raymond (2000).
O texto dissertativo, relativo a este estudo, est organizado em quatro
captulos, contendo, alm disso, algumas consideraes finais e anexos.
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O captulo I apresenta, inicialmente, a trajetria pessoal e profissional da
autora, com o intuito de mostrar ao leitor as razes que a levaram a desenvolver a
presente pesquisa. A seguir, descreve e apresenta a problemtica do estudo, a questo de
investigao e os principais aportes que o sustentam.
O captulo II trata do processo metodolgico da pesquisa, descrevendo
sobretudo o contexto em que aconteceu o estudo, a seleo dos participantes, as aes e
o processo de coleta de dados (observaes e registros etnogrficos na universidade e na
escola; dirios de campo dos estagirios e da pesquisadora; entrevistas semi-estruturadas
individuais e coletivas).
No captulo III so apresentadas, em forma de narrativa, as histrias de
formao dos futuros professores. Estas narrativas foram textualizadas na primeira
pessoa do singular, a partir de depoimentos e informaes coletadas pela pesquisadora,
com o intuito de representar, sob a perspectiva do prprio licenciando e sem recortes, a
totalidade do movimento de vir a ser professor.
No captulo IV tenta-se analisar e interpretar de modo mais sistemtico, sob
a perspectiva da pesquisadora, o processo de constituir-se professor na prtica de um dos
participantes do estudo. Para investigar o processo de passagem de aluno a professor
experienciado pelo licenciando durante o estgio, foram analisadas e interpretadas, entre
outras situaes de prtica, dois episdios: a aventura da primeira aula como professor
representada por um salto de bungee jump e o estranhamento proporcionado pelas
reflexes na e sobre essa aventura, junto ao grupo de PEMES na Unicamp.
Nas consideraes finais, retomada a questo central do estudo,
apresentando uma sntese dos principais resultados. As concluses obtidas, embora
provisrias e circunstanciais, contribuem para mostrar o quanto difcil, incompleto e
sempre inconcluso o processo de formao do professor.
No final desta dissertao, encontram-se anexados os planos de curso
desenvolvidos nas disciplinas PEMES I e II, no ano de 1999, e o roteiro da entrevista
semi-estruturada.
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CAPTULO I
AS ORIGENS E A PROBLEMTICA DESTE ESTUDO
A opo por este estudo decorrente da minha trajetria pessoal e
profissional. Para rever e descrever essa trajetria e, ento, compreender as tramas que
tecem minha vida, tentarei puxar os fios de minha memria individual e coletiva.
Acredito que os fios da memria auxiliam-nos no bordado de uma histria
que construda por cada sujeito atravs de suas redes de relaes. Assim, a partir das
experincias vividas, procuro refletir sobre questes que permeiam minha vida como
sujeito de um processo de formao histrica, social, poltica e cultural. Essa reflexo se
estende, sobretudo, pelo meu trabalho como professora formadora e em formao, a fim
de compreender as multifaces que envolvem o processo de formao profissional.
Nesse contexto, assumo o significado de experincia proposto por Larrosa
(1999) de que a interpretao do passado s experincia quando tomamos o passado
como algo ao qual devemos atribuir um sentido em relao a ns mesmos (p.135). A
ao humana de atribuir sentido ao vivido se d por meio de um processo narrativo,
atravs do qual nos constitumos como sujeitos de possibilidades e de conhecimentos.
Ao retornar a esse passado vivido, ao reviv-lo com o olhar de hoje, espero encontrar,
por exemplo, indicativos para meu caminho de formao.
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1.1 A trajetria de formao pessoal e profissional 1.1.1 Eu sou assim, porque me descobri professora...
A escola, no meu imaginrio adolescente, representava uma possibilidade de
ascenso social. Entretanto, incomodavam-me a forma como os professores ensinavam
e, sobretudo, as normas e regras existentes na escola. O ensino Fundamental que cursei
foi marcado por uma didtica prescritiva que reproduzia um conhecimento muito
distanciado do meu mundo de significados. Muitas vezes, pensei que tudo estava errado,
mas, na verdade, no conseguia perceber os determinantes do problema.
No final da 8 srie, no ano de 1979, fui convidada pelo professor de Histria
da escola a participar de um grupo de estudos formado por professores, estudantes e
religiosos. Estudvamos Filosofia, Sociologia, Histria e Religio de maneira diferente
da estudada na escola. As reunies do grupo representaram os meus primeiros momentos
de leituras e discusses, alm de serem essenciais para o incio de meu processo de
formao reflexiva, pois me ensinaram a desenvolver um modo pessoal e crtico de
entender o mundo.
Apesar de ser uma menina tmida e dependente, sentia a necessidade de
compreender melhor a realidade em que vivia. Comecei, assim, a descobrir um mundo
permeado de contradies e conflitos. medida que avanava nesse processo,
transformava-me, ou melhor, formava-me. Isso acontecia porque estava aberta e
receptiva para um tipo de formao em que
... a questo no aprender algo. (...) Porque, se algum l ou escuta ou olha com o corao aberto, aquilo que l, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silncio que ele, e assim o silncio penetrado pela forma se faz fecundo. E, assim, algum vai sendo levado sua prpria forma (Larrosa, 1999: 52).
Ao concluir o ensino Fundamental, fui influenciada por meus pais a
ingressar num curso de Magistrio. O sistema vigente no final da dcada de 70 induzia
as pessoas a pensarem que um curso profissionalizante daria a garantia de emprego.
Cursei o Magistrio, mas no me encontrava convencida de atuar nessa rea, pois no
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concordava com o mtodo de ensino, o qual era caracterizado pela repetio, por
prescries e pelo professor assumindo o papel de detentor do saber, cabendo aos
alunos reproduzirem o conhecimento aprendido.
Nesse curso, as disciplinas da rea de Didtica limitavam-se a ensinar como
o professor deveria comportar-se em sala de aula e nas demais dependncias da escola,
como se vestir e usar o material didtico (a lousa, por exemplo).
As disciplinas Filosofia, Sociologia e Psicologia enfatizavam o estudo do
comportamento do homem em uma sociedade harmnica. Lembro-me de que havia uma
disciplina intitulada Prtica do Lar, a qual visava a ensinar habilidades e atividades
domsticas. Tudo isso era muito confuso para mim, pois, se de um lado eu participava
de um grupo de estudos que refletia buscando entender a nossa sociedade e como
enfrentar desafios, de outro recebia uma formao autoritria, visando a adaptar e ajustar
o homem sociedade vigente.
Conclu o ensino Mdio em 1982 e nos dois anos seguintes fiquei sem
estudar no ensino formal, mas continuei atuando em movimentos sociais, em
comunidades de base da Igreja Catlica. Isso foi fundamental para minha formao
poltica. Creio que essas experincias levaram-me a refletir sobre a possibilidade de ser
uma professora crtica e participativa em uma sociedade dominada pelo silncio,
injustia, desigualdade e preconceito.
Nesse perodo, percebi a fora e a imposio das idias da classe dominante
e como a escola procurava perpetuar a reproduo destes valores na sociedade. Em
contrapartida, exigia-se do professorado uma postura crtica aos modelos vigentes, tendo
em vista a transformao da escola. Segundo Freire (1984), nesta concepo o professor
poderia assumir o papel de trabalhador social que opta pela mudana, que, num
momento histrico como este, no propriamente o de criar mitos contrrios, mas
problematizar a realidade aos homens, proporcionar a desmitificao da realidade
mitificada (p. 54).
Foram leituras como essa que motivaram meu retorno aos estudos formais na
escola. Fiz isto movida pelo inconformismo, disposta a compreender melhor esse mundo
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e a pensar em como poderia reconstruir minhas utopias, que, at ento, pareciam
distantes e incompatveis com a realidade na qual vivia.
Considerei importante, naquele momento, ingressar no ensino Superior.
Entendia que essa era a forma de aprender mais e buscar uma definio profissional
relacionada docncia.
Nesse perodo estava em gozo de frias no interior cearense e soube que a
Universidade Estadual do Cear implantara um campus no municpio de Itapipoca.
Pedagogia seria o primeiro curso a ser efetivado. Fiz o vestibular no segundo semestre
de 1985 e fui aprovada. Cursei o primeiro ano naquele municpio; no ano seguinte,
retornei a Fortaleza, onde conclu o curso em 1989.
Meu processo de formao, o qual problematizava minha experincia
educacional, foi justificando-se no decorrer do curso, influenciado principalmente pelas
disciplinas de Filosofia, Psicologia e Sociologia. O mesmo no ocorreu com as
disciplinas da rea de Didtica, as quais eram essencialmente prescritivas: um
receiturio de regras e procedimentos para o professor seguir e estabelecer boas
estratgias de aula.
Uma situao vivenciada com uma professora dessa rea marcou-me muito,
pois ela acreditava que, com uma boa proposta metodolgica, o professor desenvolveria
satisfatoriamente seu trabalho. Apesar de no ter como objetivo polemizar a questo,
tivemos discusses que envolviam problemas metodolgicos e especficos da rea de
conhecimento. Para aprofundar essas questes, a professora definiu que eu teria de
apresentar, em uma aula, formas que pudessem instrumentalizar o professor.
Concordei, embora tenha argumentado que acreditava que o trabalho pedaggico no
tinha frmulas mgicas para responder, de imediato, a todos os problemas do
cotidiano escolar. Preparei e apresentei, ento, uma aula com fundamento mais
sociolgico do que tcnico-pedaggico, baseada na Psicologia Comportamentalista.
O entusiasmo de um discurso sociopoltico, muito presente na minha forma
de ver o mundo e a Educao, pode ter contribudo para esse estranhamento pedaggico.
E, nesse processo de estranhamento, no consegui perceber como se dava a construo
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do saber na prtica pedaggica. Porm, a experincia no decorrer do meu trabalho em
sala de aula foi formando um outro cenrio, de modo a reunir e a complementar essa
interpretao acadmica.
Ademais, algumas questes perseguiram-me durante o curso, tais como: o
que afinal seria um professor? Qual sua verdadeira importncia social? Que formao
profissional estava sendo refletida ou reproduzida na Universidade? Estava preparada
para enfrentar a realidade escolar? O que seria formar o ser humano?
Entendia que a formao universitria no podia limitar-se somente
instrumentalizao do futuro profissional. Essa formao deveria reconhec-lo como
algum inserido na sociedade e no mundo do trabalho, como sendo capaz de decidir e
transformar o real, algum capaz de construir participativamente a histria e sua prpria
cidadania.
Paralelamente ao curso, dediquei-me tambm ao movimento estudantil na
Universidade, participando de fruns em que se discutia a relao Educao-Sociedade
com o objetivo de se compreender melhor as relaes sociais, polticas, econmicas e
culturais. Essas experincias contriburam de modo decisivo para o desenvolvimento de
minha postura poltica e tica.
Minha primeira experincia no Magistrio aconteceu quando cursava o
terceiro semestre do curso de Pedagogia. Trabalhando em uma escola pblica de
Fortaleza, assumi as disciplinas de Histria e Geografia no ensino Fundamental. Durante
o ano em que vivi essa experincia, a maior dificuldade que enfrentei foi a do domnio
do contedo, pois no lecionava na minha rea de formao.
Essa experincia foi fundamental para eu superar a lacuna relativa ao
domnio conceitual das disciplinas, compreendendo a forma como essas eram
ministradas na escola.
Ao tentar problematizar os temas, refletir sobre qual metodologia utilizaria
nas aulas, optei por planejar e desenvolver atividades participativas. Dentre elas, destaco
uma aplicada na 5 srie, sobre o tema Formao do povo brasileiro, a qual foi
desenvolvida em trs aulas, como relato a seguir:
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Na primeira aula, pedi que os alunos falassem do assunto. Aps suas falas, dividi a turma em trs grupos (ndios, brancos e negros) e solicitei que escrevessem o que sabiam sobre esses grupos. Em atividade extra, pesquisaram sobre cada um deles. Iniciamos a segunda aula com uma discusso sobre suas pesquisas e o que haviam produzido. Depois foi realizada uma concluso por grupo e cada aluno elaborou um texto para ser apresentado turma. Decidimos que seria uma apresentao teatral. No final da aula elaboramos um s texto e definimos o papel de cada aluno na apresentao. Por fim, na terceira aula, realizamos a apresentao com a participao de todos da turma e de alguns membros da escola que foram convidados pelos alunos. Para minha surpresa, quando conclumos a atividade, a Diretora da escola fez uma crtica: como podia sua filha, que era loira, ter participado da apresentao como ndia? Eu no esperava tal questionamento. Tentei responder que os alunos escolheram o grupo que desejavam participar e que, alm disso, um dos nossos objetivos era tentar romper com os preconceitos construdos e sustentados por nossa sociedade. Creio que o meu discurso no agradou a alguns presentes, pois a Diretora falou: no precisamos de filsofos ou coisa parecida, necessitamos de professores (notas de caderno, 1987).
Compreendi que, segundo a concepo vigente na escola, eu no poderia ser
classificada como uma boa professora. E, como no concordei com tal concepo,
acabei sendo afastada da escola.
Nos trs anos seguintes, trabalhei em uma escola particular, ministrando a
disciplina de Psicologia no curso de Magistrio noturno. Esse momento para mim foi
decisivo, pois estava trabalhando na minha rea de atuao e para isso tinha uma
formao acadmica que sustentaria meu trabalho. Porm, uma das dificuldades que
encontrei no dizia respeito ao contedo, e, sim, relao professor-aluno: a turma no
me aceitava, provavelmente por eu ser ainda estudante e jovem.
O desafio estava posto. No queria reproduzir as situaes didticas que
permearam o percurso que fiz como estudante no Magistrio. Procurei utilizar uma
metodologia de trabalho da qual todos pudessem participar, por julgar importante a
experincia de cada um no desenvolvimento de sua prpria formao e,
conseqentemente, na formao de uma professora participativa e democrata.
Apesar do meu esforo, observava que nas aulas reproduzia situaes
didticas das quais discordava. Creio que estas eram impulsionadas pelo prprio
processo de ensino e aprendizagem, pois acreditava que poderia prever todas as
situaes com um planejamento que procurasse atender s necessidades dos discentes,
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como tambm dar uma formao crtica a eles. No notei que os futuros professores
tambm tinham essas crenas. Comecei a perceber que contedo e forma no podiam ser
pensados separadamente, ao contrrio do que havia aprendido no curso de Didtica.
Respirava ainda em meio a tantas contradies! De um lado, uma formao
castradora, autoritria e dependente herdada da educao familiar e escolar, e, de outro,
a busca por reflexes que possibilitassem quebrar essas amarras.
O trabalho com os futuros professores foi um momento marcado por muitas
incertezas e pela busca de respostas. A inquietao tomou conta do meu ser. Estava no
final do curso e percebia que, a cada passo, crescia a vontade de conhecer o mundo da
docncia e, nessa caminhada, esperava encontrar parceiros que acreditassem em uma
vida melhor.
Durante esse caminho, um saber profissional estruturava-se em mim,
baseado em concepes e crenas que concebiam um profissional competente e
comprometido. Negava, desde ento, o discurso pedaggico que pregava que o
professor, quando em exerccio, teria de invalidar o seu prprio ser, ou seja, teria de
representar sempre. Por discordar disto e por entender que somos produtores e
construtores do nosso mundo em um tempo e espao, os quais nem sempre so
determinados, resolvi migrar.
Fui morar no estado do Acre, em 1991. Fiz contato com a Secretaria
Estadual de Educao e, em seguida, consegui um contrato provisrio para trabalhar no
ensino Mdio, especificamente no Sistema de Ensino Modular Magistrio,
desenvolvido nos municpios que no possuam o 2 Grau regular. Essa foi minha
primeira experincia naquele estado. Tive de estudar Histria e Geografia do Acre para
melhor conhecer o lugar e desenvolver minhas atividades docentes.
Iniciei o trabalho no municpio de Plcido de Castro1, ministrando Psicologia
e Prtica de Ensino. Trabalhei com uma turma de 55 alunos, composta, em sua maioria,
1 Plcido de Castro localizado a 90km da capital do estado, Rio Branco, e possui acesso rodovirio.
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por professores leigos2. As discusses realizadas partiam de suas experincias docentes
desenvolvidas em escolas urbanas e rurais.
Ao observar que tinham dificuldades de expressar o que pensavam, descobri
que receavam ser julgados por mim. Penso que estas dificuldades originavam-se da
concepo, que pairava entre os professores e especialistas que ministravam cursos de
reciclagem, de que contar casos s atrapalhava a dinmica dos trabalhos, ou seja, o
cotidiano escolar no era importante para a discusso e a formao continuada. Porm,
essa atividade de compartilhar a prtica pedaggica auxiliou a todos e contribuiu para o
melhor andamento das disciplinas. Percebi que, para ensinar e aprender, teramos
mesmo de saber ler, escrever e ouvir o outro.
O segundo municpio onde atuei foi o de Manuel Urbano3, uma cidade que
ainda conserva as belezas da Mata Amaznica e que era isolada como a maioria dos
municpios da Regio Norte. O que mais me chamou a ateno foi que, no meio de tanta
carncia, a populao vivia dependente das idias difundidas pela TV e de vcios como
cigarro, bebida, droga, alm de prostituio infantil.
Os quinze alunos sob minha responsabilidade eram professores leigos do
ensino Fundamental (5 8 srie) e estavam h seis anos fazendo o Magistrio. A
Coordenadoria do Projeto, com sede na capital, pediu-me que ministrasse as doze
disciplinas da rea pedaggica que ainda faltavam para a concluso do curso. Fiquei
dividida entre lecionar sem competncia todas as disciplinas ou deixar esses alunos sem
aulas, adiando ainda mais a concluso do curso. Resolvi assumir a primeira alternativa
por entend-la mais conveniente comunidade e decidi desenvolver tambm, nos seis
meses que l permaneci, um projeto cultural e esportivo, tendo como parceiros os alunos
do curso e a comunidade. O projeto visava a oferecer lazer e atividades culturais s
pessoas e apresentar, principalmente s crianas e aos adolescentes, uma perspectiva
diferente daquela vivida por eles. O resultado foi positivo.
2 Professores sem formao superior, os quais contam com a experincia de vida e com formao escolar em nvel Fundamental. 3 O municpio de Manuel Urbano localizado a 280km da capital e possui acesso areo e fluvial.
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Esta experincia foi importante para minha trajetria profissional. De fato,
at aquele momento, dedicava-me mais s disciplinas de Psicologia e Filosofia e, aps
esse perodo, passei a dedicar-me mais Didtica Geral e Aplicada e sua relao com a
prtica pedaggica. Alm disso, aprendi com essa experincia que somos todos, ao
mesmo tempo, formadores e aprendizes.
1.1.2 A primeira aproximao com a Educao Matemtica
Em janeiro de 1992, fui aprovada em concurso pblico estadual do Acre para
o cargo de professora do ensino Mdio. Mas, devido ao meu trabalho anterior, fui
convidada para integrar a Equipe de Superviso no Departamento de Ensino Mdio.
Paralelamente a esse cargo, ministrei, durante trs anos, aulas de Didtica do
Ensino de Matemtica no Instituto de Educao4. Ao assumir esta disciplina, pensei que
no teria dificuldades. Porm, quando conheci o programa do curso, percebi o quanto
teria de estudar, pois necessitava de conhecimentos matemticos que no dominava.
Meu trabalho inicial centrou-se mais nos aspectos didtico-metodolgicos, pois, por
dominar pouco essa rea, no percebia a importncia da dimenso conceitual e
epistemolgica do conhecimento matemtico.
Mas, paulatinamente, no prprio processo de trabalho, passei a aprofundar
meus estudos no campo da Educao Matemtica. Piaget seria a primeira referncia
bsica a fundamentar psico e epistemologicamente minhas atividades pedaggicas. No
entanto, logo a seguir descobri Ubiratan DAmbrosio, o qual concebe a Matemtica e a
Educao Matemtica sob uma perspectiva sociocultural. Em sua concepo, a
Matemtica ... uma atividade inerente ao ser humano, praticada com plena
espontaneidade, resultante de seu ambiente sociocultural e conseqentemente
determinada pela realidade material na qual o indivduo est inserido (DAmbrosio,
1986: 36).
Durante as atividades desenvolvidas em sala de aula, fomentei, por um lado,
discusses que se pautavam nas seguintes questes: quais as dificuldades de ensinar e
4 Instituto de Educao Loureno Filho Escola do Magistrio na cidade de Rio Branco/AC.
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aprender Matemtica? Por que essa disciplina uma das que mais reprovam na escola?
Que mitos sustentamos no ensino de Matemtica? Como poderamos melhorar esse
ensino? O que falta para ns professores? Quais as outras formas de trabalhar com o
ensino de Matemtica?
Por outro lado, durante as aulas, percebia dificuldades de aprendizagem dos
alunos e alunas em relao a alguns conceitos matemticos. Essas dificuldades, a
princpio, pareciam-me adquiridas ao longo da vida escolar e, muitas delas, eram
sustentadas por crenas sobre a disciplina, tais como Matemtica difcil, s poucos
conseguem aprend-la e ela a matria que mais reprova na escola. Minha
preocupao com essas crenas levou-me a anlises com o intuito de identificar as
razes pelas quais o ensino de Matemtica gerava aqueles preconceitos.
Naquele momento senti-me s e sem orientao da escola. Tentei buscar na
literatura respostas aos meus questionamentos para modificar uma realidade que me
incomodava. As obras pesquisadas, as que estavam ao meu alcance naquele momento,
foram fundamentais para um melhor desempenho em minhas atividades. Recorri a
Machado (1994), do qual destaco a seguinte passagem: em nossa sociedade, cada vez
menos o homem comum pode passar ao largo dos conhecimentos matemticos, cada vez
mais os tcnicos precisam imiscuir-se em contedos matemticos que s a especialistas
interessavam, em passado recente (p. 63). Observo ainda hoje que a Matemtica
continua sendo utilizada como um instrumento elitista na escola, pois ministrada de
forma utilitarista, descontextualizada e mecnica, selecionando aqueles que continuaro
os estudos e que podem assumir funes sociais superiores.
Simultaneamente a essa atividade docente, integrava, como j dissemos
anteriormente, a Equipe de Superviso do Departamento de Ensino Mdio da Secretaria
de Educao e Cultura (SEC) do estado do Acre, no perodo de 1992 a 1995. O trabalho
da equipe era voltado para os aspectos didtico-pedaggicos e representou uma
experincia significativa, possibilitando a mim uma viso mais clara das dificuldades
terico-prticas (conceituais e metodolgicas) enfrentadas pelos professores.
As discusses daquele grupo pautavam-se por questes do tipo: necessidade
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de planejar as aulas; o modo como os professores deveriam selecionar e trabalhar os
conceitos; que mtodos seriam mais adequados ao ensino; que outros materiais, alm do
livro didtico, poderiam ser utilizados; e como deveria ser a avaliao.
1.1.3 A primeira experincia como professora universitria
Quando ainda lecionava no Instituto de Educao, em 1994, fui selecionada
no concurso para professor auxiliar da Universidade Federal do Acre, na rea de
Metodologia do Ensino de Matemtica do Departamento de Educao, e passei a
ministrar essa disciplina nos cursos de Pedagogia e de Matemtica, alm da disciplina
Prtica de Ensino na Licenciatura de Matemtica. Considerei o meu ingresso no ensino
Superior como uma continuidade profissional. A Didtica e a Prtica de Ensino de
Matemtica seriam, de agora em diante, o meu objeto de estudo.
Durante esse perodo algumas perguntas eram recorrentes em minhas
reflexes: como deveria ser minha atuao profissional como formadora de professores
de Matemtica? Quais suportes terico-metodolgicos iriam constituir minha prtica
pedaggica?
Diante desse desafio, busquei uma bibliografia que me ajudasse a
desenvolver o trabalho que me cabia. Essa fase foi difcil, pois no dispunha, no Acre,
de um bom acervo bibliogrfico voltado para esta rea emergente de conhecimento.
Tentei busc-lo na prpria Histria da Matemtica, na Filosofia da Educao
Matemtica e nas tendncias do ensino de Matemtica. Concebia esses conhecimentos
como contedos necessrios formao dos alunos.
Aps uma garimpagem em bibliotecas, em livrarias e junto a amigos,
encontrei um material de apoio que me possibilitou estruturar os programa das
disciplinas. Estes programas tinham como suporte os seguintes autores e textos: Libneo
(1991), D'Ambrsio (1986), Machado (1994), Veiga (1992), Pimenta (1989), Candau
(1988), Kamii (1984, 1988 e 1994), Fiorentini (1995), Carvalho (1991), Lopes (1994),
Santos (1994), Duarte (1994) e Ceccon & Oliveira (1988).
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Meu primeiro contato com discentes da Licenciatura de Matemtica foi com
a classe do 8 perodo, quando ministrei a disciplina Prtica de Ensino e Estgio
Supervisionado. Relatarei nosso encontro inicial: No incio da disciplina Prtica de Ensino, no 8 perodo da Licenciatura de Matemtica, utilizei o texto Alguns modos de ver e conceber o ensino de Matemtica no Brasil, de Fiorentini (1995: 01-37), programado para ser estudado em duas aulas (conjugadas). Entendia que, para iniciar o curso, seria necessrio que os alunos compreendessem melhor as tendncias do ensino de Matemtica. Na primeira aula, fizemos uma discusso inicial sobre o que pensavam sobre o ensino de Matemtica. Os alunos falavam e eu anotava o que diziam no quadro, depois fizemos algumas conexes e partimos para discutir o texto. A maioria no o tinha lido, e por isso tive que mudar a metodologia de trabalho. Dividi a turma em sete grupos e cada um ficou responsvel por um tpico do texto; acompanhei a discusso dos pequenos grupos, e as apresentaes e o debate ficaram para depois. A aula seguinte foi iniciada com a apresentao de todos os grupos e, em seguida, fizemos a discusso. Percebi que os alunos no estavam querendo discutir, pois na apresentao expuseram o pensamento do autor sem produzir significados prprios. Essa situao foi incomodando-me no decorrer da aula. Resolvi perguntar o que estava acontecendo e, quase por unanimidade, responderam que no estavam querendo discutir o texto, pois estavam cheios de teorias e ainda no sabiam como dar uma aula. Aps ouvir o argumento dos alunos, decidi suspender a discusso do texto. Retomei a aula com uma outra discusso: sobre quais eram suas expectativas em relao Prtica de Ensino. Pedi que todos se posicionassem frente questo. Dois alunos, que j eram professores, disseram: no existe mistrio, ns j estamos dando aula e o necessrio saber o contedo. Uma aluna interveio: eu nunca dei aula, como vou fazer? Como deverei entrar na sala e escrever no quadro? Os alunos prestam muita ateno no professor, at na roupa que ele veste. Digo isso porque os observo, no deixamos passar nada. Um outro aluno se manifestou: professora, alm do que Ana falou, eu me preocupo com a postura do professor em sala de aula e os demais sintetizaram que a Prtica de Ensino deve ver como o aluno est, e o professor deve propor melhorias; preparar os alunos para dar aulas, para a transmisso e a aplicao dos contedos adquiridos durante o curso; fazer auto-avaliao; formar o professor, porque a prtica d os ltimos retoques; relacionar a teoria com a prtica; analisar como pode se comportar na sala de aula. Durante a discusso um aluno chamou a minha ateno, ao dizer: professora, parece que voc no est gostando das nossas respostas. Respondi que ele estava certo, mas que eu deveria respeitar como pensavam. Disse ainda que estava surpresa com o pensamento deles, porque, quando conclu os cursos de Magistrio, em 1982, e Pedagogia, em 1989, discordava das concepes hegemnicas a respeito da Didtica e da Prtica de Ensino e observava a presena dessas mesmas concepes em seu discurso. Isso me preocupava, pois no tinha interesse em trabalhar nesse sentido, bem como contribuir para uma formao profissional tcnica, fictcia e acrtica (notas de caderno, 1996).
As discusses com os alunos da Licenciatura em Matemtica permitiram-me
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refletir sobre problemas semelhantes aos detectados na prtica dos professores, com os
quais trabalhvamos na superviso pedaggica da Secretaria Estadual de Educao e
Cultura.
Para melhor entender a fala dos discentes, senti a necessidade de estudar e
compreender as concepes que permeavam e sustentavam essas vozes, que pareciam
no encontrar eco no trabalho que desenvolvamos. De um lado, tnhamos a expectativa
dos alunos frente disciplina Prtica de Ensino. Do outro, tnhamos a natureza dessa
disciplina que era complementar e suplementar a formao dos futuros professores, a
qual era decorrente de um processo de estruturao da prtica profissional e no
vinculada a tempo e espao definidos, mas, sim, a um percurso de idas e vindas,
envolvendo experincias pessoais e profissionais. Por isso a importncia e necessidade
de se estar investigando e refletindo sobre a nossa prtica.
1.1.4 Aprofundando a reflexo sobre meu trabalho em Didtica e Prtica de Ensino de Matemtica
Nessa experincia como professora de Didtica e Prtica de Ensino de
Matemtica na Universidade Federal do Acre UFAC, enfrentei em meu trabalho uma
dificuldade: o fato de no ter uma formao especfica na rea de Matemtica. Na
condio de pedagoga, procurei superar esta lacuna entrando em contato com a literatura
em Educao Matemtica. Entretanto, esse estudo no foi suficiente, pois, na prtica em
sala de aula, surgiram novos desafios, tais como: saber que contedo matemtico
privilegiar; quais as formas e ferramentas mais adequadas para desenvolver os contedos
da disciplina; e como relacionar o conhecimento matemtico com o pedaggico.
Em decorrncia de minha formao em Pedagogia, privilegiava em meus
cursos os aspectos pedaggicos da formao do professor. As questes dos alunos, no
entanto, colocavam em xeque a minha prtica pedaggica e meus conhecimentos de
formadora de professores. Outras interrogaes ento surgiam: que profissional estava
formando? Qual seria minha verdadeira funo como professora formadora? Quais
saberes profissionais estavam constituindo a formao dos futuros professores e
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professoras de Matemtica?
Naquele perodo, no tinha clareza sobre a constituio desses saberes que
integram a formao inicial. Acreditava, porm, que o saber acadmico, oriundo das
cincias da Educao e de outras cincias, seria aquele que deveria ser privilegiado na
formao inicial do professor. Estava certa de que, somente depois de uma slida
formao terico-cientfica na rea da Educao e na de Matemtica, o futuro professor
estaria preparado para atuar na prtica. Contudo, a prtica de estgio de meus alunos
parecia no sustentar esse meu pressuposto.
Percebia, atravs da prtica dos estagirios, que estes no dominavam os
saberes bsicos da ao docente, tais como ser professor e professora de Matemtica da
forma como eu supunha que os havia preparado, isto , ensinando Matemtica com
abordagem social, histrica e cultural de seus conceitos. No decorrer da regncia dos
estagirios, estes reproduziam uma prtica docente ainda presente na escola.
Perguntava-me por que os licenciandos no conseguiam pr em prtica
aquilo que estudavam e discutiam em Didtica e Prtica de Ensino. Minha hiptese
inicial apontava para o problema das concepes e crenas que eles tinham a respeito da
Matemtica, do ensino e da aprendizagem dessa disciplina, do papel do ensino da
Matemtica, de como deveria ser uma boa aula de Matemtica, entre outros. Acreditava
que, na constituio desse iderio do futuro professor, os professores das disciplinas de
Matemtica da Licenciatura exerciam um papel decisivo e fundamental, porque muitas
vezes os alunos, em suas aulas, repetiam prticas desenvolvidas por eles. Essas
inquietaes me estimularam a querer conhecer e a compreender o que pensavam e em
que acreditavam os professores formadores de professores da UFAC.
1.1.5 Buscando novos desafios para o meu desenvolvimento profissional
Pensando em enfrentar essas inquietaes, resolvi ampliar meus
conhecimentos de formadora de professores e cursar uma ps-graduao, ou melhor, o
mestrado. Mas qual? Em Educao ou em Educao Matemtica? A opo pela segunda
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alternativa foi conseqncia direta de minhas interrogaes e do tipo de trabalho que
venho desenvolvendo na UFAC. Ou seja, desejava compreender naquele momento as
concepes e crenas dos professores do Departamento de Matemtica e como estas
influenciam a formao profissional.
Assim, formulei a seguinte questo de investigao: quais as concepes que
permeiam a prtica pedaggica dos professores da Licenciatura em Matemtica e de
que maneira elas influenciam a prtica dos egressos do curso?
Este projeto pretendia trabalhar com os alunos da disciplina Prtica de
Ensino e Estgio Supervisionado, egressos da Licenciatura que estivessem trabalhando
nos ensinos Fundamental e Mdio e professores do Departamento de Matemtica que
lecionassem na Licenciatura. Tinha como objetivo perceber qual a influncia da
formao acadmica no trabalho em sala de aula. Questionava-me se tal influncia
pautava-se nas questes pedaggicas e de contedo ou se reproduzia uma prtica
profissional aprendida na vida escolar.
Fui movida pelo desejo de estudar melhor o mundo do trabalho docente e
como nos constitumos na prtica pedaggica, tentando assim me aproximar desse
mundo subjetivo e integrador de mltiplas relaes e significaes.
Para tanto, a minha narrativa de professora formadora elucida um
movimento de interao entre um passado e um presente que foram constitudos de
forma harmnica, pronta e tcnica, os quais, porm, so questionados por uma
concepo crtica que busca compreender o mundo em suas relaes dinmicas e
diversas.
Aps ter descrito minha vida pessoal e profissional e ter refletido sobre a
mesma, discutirei, a seguir, o processo de construo da pesquisa que relatamos nesta
dissertao.
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1.2 Configurando uma questo de estudo As leituras, discusses e os estudos realizados nas disciplinas5 e nos Grupos
de Pesquisa da FE/Unicamp dos quais tenho participado tm, de um lado,
redimensionado minhas concepes e reflexes acerca da formao inicial e continuada
de professores e, de outro, ressignificado minha prtica de formadora de professores de
Matemtica.
Notei que, embora compreendesse a importncia da articulao entre os
conhecimentos pedaggicos e os matemticos, estava, na verdade, privilegiando os
primeiros e, por isso, reforando a relao dicotmica entre estes conhecimentos. Talvez
isso fosse decorrente de minha formao acadmica em Pedagogia, a qual me levava a
acreditar que a dimenso pedaggica seria auto-suficiente em relao aos contedos de
ensino.
Olhando, porm, sob outro ponto de vista, talvez esse privilgio ao saber
pedaggico fosse tambm decorrente do meu esforo em negar a viso conteudista
muito presente nos professores da Licenciatura de Matemtica, viso esta que,
tradicionalmente, tem valorizado a memorizao de conhecimentos, concebendo o aluno
como um mero recipiente de informaes.
Esta forma dicotmica de conceber o conhecimento na profisso docente
parece ainda continuar presente na maioria dos cursos de formao de professores do
Brasil. O currculo desses cursos no pas apresenta uma organizao disciplinar que
reflete essa dicotomia: um grande conjunto de disciplinas de Matemtica, de um lado;
um conjunto menor de disciplinas pedaggicas, de outro; e ainda um nmero muito
reduzido de disciplinas de Educao Matemtica, as quais talvez pudessem romper com
essa dicotomia.
Aos poucos fui percebendo que, para superar este problema, seria necessrio
estabelecer uma relao dialtica entre contedo e forma. Ou seja, no entender
5 Disciplinas cursadas: Teoria do Currculo do Ensino Superior; Metodologia da Pesquisa em Educao Matemtica; Epistemologia e Pesquisa em Educao; Seminrio Avanado I: A Articulao Narrativa da Idia de Formao; Seminrio III: Teoria do Conhecimento e Saberes Docentes; Problemas e Tendncias da Educao Matemtica.
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simplesmente o contedo como sendo aquele relativo Matemtica, e a forma se
referindo s metodologias e tcnicas de ensino.
Mas, aps tomar conhecimento de estudos da Ps-Modernidade, percebi que
os saberes mobilizados e empregados na prtica cotidiana (Tardif & Raymond,
2000) no se reduzem apenas a uma tenso bipolar entre contedo e forma ou entre
teoria e prtica, ou ainda entre conhecimento especfico e pedaggico. Na verdade,
teoria e prtica constituem uma unidade dialtica e complexa, permeada por mltiplas
relaes e determinaes, em que uma determina e ressignifica permanentemente a
outra. Ou seja, so saberes que dela se originam, de uma maneira ou de outra, e que
servem para resolver os problemas.
Na busca por novos caminhos, e mediada pela interlocuo com meu
Orientador e com o Grupo de Pesquisa-Ao e PsModernidade6, passei a compreender
melhor as amarras de minhas idias e aes.
nesse processo que estou me reconstituindo como professora formadora de
professores e pesquisadora, tentando superar minhas limitaes e abandonar um passado
marcado por verdades e certezas. Como nos diz Deleuze (1992), ns somos ... aquilo
com o que estamos em vias de romper para encontrar novas relaes que nos
expressem(p.131). Nesse movimento, estou construindo um olhar sobre um territrio
complexo do saber, que possui mltiplas relaes e significaes. Entendo que, quando
negamos esse territrio, contribumos para a manuteno do pensamento simplista e
dicotmico da sociedade moderna.
Morin (1996) alerta-nos de que este modo de constituio do pensamento
ainda dominante no cenrio educativo. Em suas palavras:
... na escola aprendemos a pensar separando. (...) Nosso pensamento disjuntivo e, alm disso, redutor: buscamos a explicao de um todo atravs da constituio das partes. Queremos eliminar o problema da complexidade. Este o obstculo profundo, pois obedece fixao a uma forma de pensamento que se impe em nossa mente desde a
6 O Grupo de Pesquisa-Ao e Ps-Modernidade um subgrupo do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educao Continuada Gepec, cujo objetivo estudar os pressupostos epistemolgicos propostos pela Ps-Modernidade, no que diz respeito produo do conhecimento.
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infncia, que se desenvolve na escola, na universidade e se incrusta na especializao. (p. 275)
Esse jeito de pensar que aprendemos na escola camufla a relao existente
entre o poder e o saber. O poder que o professorado exerce sobre os alunos parte do
conhecimento cumulativo e prescritivo. Isto quer dizer que quem sabe mais tem mais
poder de deciso e controle.
Esta relao de poder e saber determinada tambm pela poltica
educacional, em favor de uma ideologia dominante que refora a diviso social do
trabalho. E, assim, imposto ao professorado um currculo normativo que dever ser
posto em ao, cabendo a ele desenvolv-lo de forma homognea e universal. Esse
currculo pensado pelos diferentes atores que atuam no sistema educacional, e dentre
eles o especialista cumpre o papel de prescrever o que ensinar, como ensinar e quando
ensinar. Reforando assim a diviso do trabalho, o especialista planeja e o professorado
executa. Deste modo, defender e camuflar esse pensar legitim-lo, desqualificando o
nosso trabalho e sustentando uma prtica docente baseada na Racionalidade Tcnica
(Schn, 1992), pela ...qual a prtica profissional consiste numa resoluo instrumental
de problemas baseada na aplicao de teorias e tcnicas cientficas construdas em
outros campos(Tardif & Raymond, 2000: 211)
A maioria dos profissionais que hoje lecionam preparando futuros
professores foi formada sob o paradigma da Racionalidade Tcnica, que considera a
competncia profissional como a soluo para todas as mazelas educacionais. Dar
continuidade a esse modelo de formao formar tcnicos, sem autonomia intelectual e
profissional, que apenas aplicam o conhecimento produzido pela academia.
No foi fcil perceber que minha prtica de formadora de professores
tambm reproduzia, de certa forma, esse modelo. Quando notei que os estagirios, os
quais eu supervisionava, no aplicavam aquilo que havamos discutido e recomendado
em Didtica e na Prtica de Ensino durante a Licenciatura em Matemtica/UFAC,
imaginei que o problema fosse somente das outras disciplinas, notadamente aquelas
responsveis pela formao matemtica do professor.
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Acreditava que o trabalho que estava desenvolvendo era o melhor possvel.
Tratava-se de um curso noturno com a maioria dos discentes trabalhando e no dispondo
de tempo para ir escola estagiar. Assim, para atender s expectativas dos alunos e aos
objetivos da disciplina Prtica de Ensino, no que se refere regncia, optamos por
desenvolv-la atravs de cursos: Curso para professores de Matemtica dos ensinos
Fundamental e Mdio da zona rural do municpio de Rio Branco; Curso de Matemtica
preparatrio para o vestibular (oferecido aos professores da rede estadual e municipal e
aos alunos finalistas de escola pblica. Tnhamos como parceiros o Diretrio Central dos
Estudantes/UFAC e o Sindicato dos Professores); Curso de Vero de Matemtica no
Instituto de Educao Loureno Filho. Estes cursos foram elaborados, planejados e
executados pelos discentes sob a minha superviso, com o apoio de professores da
Licenciatura em Matemtica.
Creio que um ponto positivo no desenvolvimento desta forma de estgio
tenha sido o envolvimento dos discentes nos cursos, os quais nitidamente se esforaram
no desenvolvimento das atividades, pois percebiam o quanto poderiam apreender sobre
prtica pedaggica do ensino de Matemtica e aplicao do conhecimento matemtico.
Eles aprenderam muito com esta forma de Prtica de Ensino. Aprenderam, sobretudo, a
como planejar e aplicar uma proposta de ensino. Mas, por outro lado, essa forma de
estgio no representava a vivncia do trabalho docente em situao real, com alunos e
classes reais. Era preciso tambm, segundo Tardif & Raymond (2000), uma formao
profissional prtica aliada formao terica, envolvendo uma experincia direta do
trabalho docente na escola:
... a aprendizagem do trabalho passa por uma escolarizao mais ou menos longa cuja funo fornecer aos futuros trabalhadores conhecimentos tericos e tcnicos preparatrios para o trabalho. Mas, mesmo assim, raramente acontece que essa formao terica no tenha de ser completada com uma formao prtica, isto , com uma experincia direta do trabalho, experincia essa de durao varivel e graas qual o trabalhador se familiariza com seu ambiente e assimila progressivamente os saberes necessrios realizao de suas tarefas( p. 210).
Hoje, reconheo que aquele modo de conceber e desenvolver a Prtica de
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Ensino e o Estgio no representava uma ruptura com o modelo da Racionalidade
Tcnica, pois ainda privilegiava uma formao profissional pautada em saberes
prescritivos e valores acadmicos ou tcnico-cientficos, concebidos e desenvolvidos em
situaes idealizadas de prtica.
Fiorentini et al (1999) apresentam pelo menos duas razes da inadequao
do modelo da Racionalidade Tcnica no contexto da Formao Continuada, as quais
tambm podem ser estendidas Formao Inicial:
A primeira delas que os conhecimentos, nesse paradigma, eram produzidos geralmente de forma idealizada ou fragmentada, privilegiando apenas um ou outro aspecto do processo de ensino-aprendizagem. A segunda que esses conhecimentos eram transpostos em conhecimentos curriculares ou pedaggicos sem que os prprios docentes participassem do processo e, sobretudo, sem que fossem considerados os conhecimentos experienciais produzidos pelos professores ao realizar seu trabalho docente nos diferentes contextos. (p. 36).
Estes autores chamam de moderno esse modo de produzir conhecimentos
sobre a prtica docente, o qual se caracteriza por realizar recortes e simplificaes da
prtica. Assim, no deveria causar estranheza que tais conhecimentos, aos olhos dos
professores, paream estranhos e em desacordo com aquilo que presenciam e enfrentam
no cotidiano escolar.
Parafraseando Contreras (1999), esta forma moderna de entender o
conhecimento e a ao perpetua a diviso social do trabalho, separando o mundo
acadmico o dos pesquisadores, os que pensam do mundo escolar o dos
professores, os que executam. Nesta separao, cabe aos primeiros investigar e elaborar
conhecimentos para que os segundos os apliquem.
Os professores, neste contexto, vem-se, portanto, num beco sem sada:
negar sua condio de produtores de conhecimentos, aceitando cegamente tudo o que
vem de fora ou, simplesmente, rejeitar os saberes acadmicos em favor dos saberes da
tradio pedaggica. O problema que, em ambos os casos, o professor no visto
como sujeito de conhecimento e responsvel pelo seu desenvolvimento profissional, e,
sim, como um transferidor de saberes, exercitador de destrezas (Freire, 1998: 162).
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Desta forma, o professor assume, na perspectiva da Racionalidade Tcnica, o
papel de produzir e transmitir conhecimentos cientficos normatizados e legitimados
pela cultura cientfica, a qual se constitui na nica fonte vlida de saber, na medida em
que desqualifica os saberes desenvolvidos na prtica social, sobretudo durante o trabalho
docente. Essa perspectiva parte de uma formao que insiste em perpetuar a idia de que
... conhecer significa dividir e classificar para depois determinar relaes sistemticas
entre o que se separou (Santos, 1996: 15). Os currculos dos cursos de formao de
professores que seguem esse modelo reforam essa fragmentao e deixam para os
alunos a funo de integrar os saberes adquiridos, quando forem professores. Assim, ao
chegar disciplina Prtica de Ensino, os alunos esperam que esta d conta de tudo
aquilo que o curso deixou de proporcionar-lhes.
Em contraposio a esse modelo da Racionalidade Tcnica, que ainda
domina esse currculo, Fiorentini et al (1999) defendem que o saber docente seja visto e
concebido como reflexivo e experiencial, o qual se constri na prpria atividade
profissional sob a mediao da reflexo antes, durante e aps a ao. E nessa
mediao que a profisso docente constitui-se numa prtica pedaggica que reflete sobre
o porqu, para qu, quem, para quem, o qu, como, quando, onde ensinar e onde
aprender, convivendo com a transformao e com a incerteza, invocando, enfim, o
professor a um caminho onde ... o sujeito (...) se abre ao mundo e aos outros
inaugurando com seu gesto a relao dialgica em que se confirma como inquietao e
curiosidade, como inconcluso em permanente movimento da Histria (Freire, 1998:
154) e desafiando, assim, uma formao castradora e autoritria que nega a experincia
de cada sujeito no processo de ensino e aprendizagem.
Seguir este caminho saber buscar, indagar e refletir sobre o mundo do
trabalho docente, compreendendo que o ... verdadeiro pensamento o que olha de
frente, enfrenta a desordem e a incerteza (Morin, 1996: 277), as quais fazem parte das
prticas educativas imersas num processo de reflexo sobre a prpria ao num contexto
plural e diversificado. E, ao escolher um caminho, percebe-se a necessidade de entender
a formao do sujeito a partir de suas experincias vividas em espaos e tempos
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mltiplos, que do sentido e movimentam sua vida de mulher e homem que sonha, sorri,
chora, pensa e ama.
Desta forma, no se pode olhar e pensar a formao docente somente num
determinado tempo, ou seja, o tempo da formao acadmica da Licenciatura e, sim,
perceb-la tambm no percurso de vida do sujeito, sobretudo quando este se depara com
uma diversidade de situaes as quais demandam indagaes e reflexes.
Sob essa viso de formao contnua, a Prtica de Ensino e o Estgio
Supervisionado adquirem importncia estratgica porque representam o momento de
imerso do licenciando no mundo do trabalho. Um mundo complexo que desafia,
mobiliza e problematiza os saberes, as idias e os modelos de prtica docente, at ento
adquiridos, mediante estudos/leituras e discusses tericas ou pela prpria vivncia no
ambiente da prtica pedaggica. Nesse processo de formao, o futuro professor
internalizou valores e modos de ser e fazer-se professor e aluno.
Assim, mergulhar no mundo da prtica profissional com valores, saberes e
imagens adquiridos enquanto aluno representa um momento de risco, uma aventura ou
uma viagem por um caminho o de professor ainda pouco conhecido e vivido. E
durante essa viagem ou aventura, segundo Larrosa (1999), que acontece a experincia
formativa: ... viagem no no planejado e no traado antecipadamente, uma viagem aberta em que pode acontecer qualquer coisa, e na qual no se sabe onde se vai chegar, nem mesmo se vai chegar a algum lugar. (...) E a experincia formativa seria, ento, o que acontece numa viagem e que tem a suficiente fora como para que algum se volte para si mesmo, para que a viagem seja uma viagem interior (p. 52-3).
Esse autor convida-nos a recuperar a categoria da experincia, entendendo-a
como ... aquilo que nos passa. No o que passa (o que podemos conhecer), seno o
que nos passa (como algo a que devemos atribuir um sentido em relao a ns
mesmos) (1996: 137). A experincia vai constituindo um corpo de conhecimentos que
conduz o sujeito a encontrar conexes com ... o futuro que est aberto e o passado que
est vigente (1999:137). Ele concebe a experincia como formadora e a caracteriza
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como um saber finito, particular, subjetivo, relativo e pessoal; que no se pode
separar do indivduo concreto no qual se encarna, e que tem a ver com a vida boa7
(1996: 142-3).
De fato, para reconhecer a experincia como formadora preciso tambm
compreender que sua constituio acontece para cada sujeito de forma diferente, pois
cada um compe um ser pessoal e profissional a partir de seu mundo vivido, e neste
cotidiano que mobilizamos e ressignificamos nossos saberes.
A Prtica de Ensino de Matemtica e Estgio Supervisionado pode ser vista
como uma experincia marcante para os licenciandos, ou seja, um momento muito
especial para eles, durante o qual o professor em formao passa pela experincia da
ao docente, a qual pode ser vista como fonte primeira de sua competncia, de seu
saber-ensinar (Tardif & Raymond, 2000: 213).
Ao tomar contato, por intermdio de meu orientador, com a experincia da
Unicamp no desenvolvimento das disciplinas de Prtica de Ensino de Matemtica e
Estgio Supervisionado I e II (PEMES I e II), encontrei a uma proposta de trabalho que
parecia contemplar as exigncias de uma experincia problematizadora e significativa de
imerso do licenciando no trabalho docente. Pensei: essa uma oportunidade mpar para
eu conhecer e compreender como se d o processo de formao do futuro professor num
ambiente de ao e de insero na prtica escolar mediado pela reflexo individual e
coletiva, por leituras tericas e pela investigao dos estagirios sobre a prtica escolar.
Meu interesse juntou-se ao interesse de meu orientador, que, h tempos,
desejava submeter a um processo investigativo mais sistemtico o trabalho que vinha
desenvolvendo em Prtica de Ensino de Matemtica e Estgio Supervisionado I e II, na
Unicamp. Mas, havia outra colega8, igualmente orientanda de Dario Fiorentini, que
tambm estava interessa em investigar o processo formativo que ocorria nessas
disciplinas. Assim, iniciamos em 1999 cada uma investigando sob um olhar diferente
7 Entendida como a unidade de sentido de uma vida plena; uma vida que no s inclui a satisfao, seno, e sobretudo, inclui aquelas atividades que transcendem a futilidade da vida mortal (1996: 143). 8Alm disso, os sujeitos da pesquisa de Jaramillo so outros. O ttulo do projeto de Jaramillo (2000) era (Re)constituio do iderio de futuros professores de Matemtica num contexto de investigao sobre a prtica pedaggica. Este projeto de Doutorado ainda se encontra em desenvolvimento.
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o processo formativo dos alunos nossas investigaes junto s turmas PEMES I e II da
Licenciatura Noturna em Matemtica da Unicamp.
Aps vrias reformulaes e discusses com meu orientador, a questo
orientadora de minha investigao ficaria sendo a seguinte:
Como acontece o processo de formao do futuro professor de Matemtica,
em saberes, aes e significados, quando experiencia, na prtica escolar, a atividade
docente, em um contexto de formao que interliga ao, reflexo e investigao?
Como a prpria questo indica, estou interessada em compreender como os
licenciandos se constituem na prtica escolar quando entram em contato com ela, tendo
como mediao a reflexo partilhada, leituras, investigaes e a interlocuo com os
diferentes sujeitos da prtica educativa. Mediao essa proporcionada pelas disciplinas
PEMES I e II desenvolvidas na FE/Unicamp. Interessa-me, particularmente,
compreender como o futuro professor, neste contexto, apropria-se da experincia
docente e atribui significados a ela, ressignificando continuamente seus saberes e aes.
Por outro lado, acreditamos que a busca de compreenso do processo
formativo de cada um no se explica nem se limita ao espao temporal em que ocorrem
essas duas disciplinas. A forma como as aes so produzidas e o modo como so
mobilizados os saberes e valores na prtica de cada um tm razes na histria de vida de
cada licenciando. Por isso, torna-se necessrio mergulhar retrospectivamente na prtica
passada dos alunos, futuros professores, e prospectivamente em sua prtica emergente na
escola, no mundo que constitui o trabalho docente, a sala de aula.
Mas, antes de descrevermos metodologicamente esta pesquisa, faz-se
necessrio, primeiro, discutir, ainda que brevemente, alguns conceitos bsicos que
constituem nosso objeto de estudo. Estes conceitos so formao profissional, saberes
docentes, experincia e prtica de ensino.
1.3 Breve discusso conceitual e reviso bibliogrfica
O professor, em atividade de aula, dentro das quatro paredes que delimitam
seu campo prximo de trabalho, o principal responsvel, junto aos alunos, pelas aes
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que desenvolve ou deixa de desenvolver. Sua autonomia para resolver os problemas que
surgem neste ambiente de trabalho , entretanto, relativa. H fatores de conjuntura
social, cultural e poltica que variam de escola para escola e interferem no
desenvolvimento de suas aes em classe, os quais fogem de sua alada.
H, por outro lado, situaes imprevisveis que surgem durante seu trabalho
pedaggico e dizem respeito mais diretamente sua ao e competncia profissional.
Essas situaes exigem decises e solues que deveriam estar ao alcance do professor.
Dizemos deveriam porque dependem de sua formao e conhecimento profissional em
saber lidar com situaes imprevisveis, como tambm exigem que o professor reflita
em ao, mobilize saberes e tome, rapidamente, a deciso que, no momento,
considerar a mais adequada.
So essas mltiplas relaes contextuais da ao docente e a
imprevisibilidade do que acontece em sala de aula que configuram a prtica pedaggica
como complexa, exigindo dos profissionais que a exercem um alto nvel de reflexo e
autonomia profissional. claro que essa autonomia depende, em grande parte, da
formao inicial e continuada dos professores.
A prtica pedaggica neste domnio pode ser concebida como um processo
dinmico e diverso, da qual emergem saberes profissionais que vo se configurando num
cenrio de reflexo e ao; estes saberes no se formam num nico espao e tempo
determinados, mas fazem parte da trajetria do ser. Deste modo, acreditar que a
formao est centrada em um nico momento do sujeito negar o seu movimento
social, histrico e cultural. De fato, esse movimento faz parte da vida, j que estamos
imersos em prticas sociais e a prtica educativa uma delas.
Desta forma, pensar a constituio dos saberes dos professores somente no
perodo da formao inicial, independente da continuada, isto , daquela que acontece no
prprio processo de trabalho, negar a histria de vida do futuro professor... neg-lo
enquanto sujeito de possibilidades. Esta viso que separa a formao profissional em
inicial e continuada parece fazer parte do pensamento simplificador presente no modelo
da Racionalidade Tcnica.
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Como pensar, ento, uma formao profissional sob a perspectiva da
complexidade? Petraglia (1999) entende que um curso de graduao visto como um
todo pode considerar as disciplinas como partes integradoras e significativas, com
suas caractersticas e qualidades individuais, as quais possuem estudos prprios,
mas contribuem para a viso e compreenso de conjunto, na dimenso da
complexidade do ser e do saber (p. 48).
Entretanto, isso no o que predomina nos currculos dos cursos de
graduao e, em particular, nas Licenciaturas. O que vemos com freqncia a
compartimentalizao dos saberes cientficos organizados em disciplinas. Segundo
Morin (2000), ... uma disciplina tende naturalmente autonomia pela delimitao de suas fronteiras (...). A fronteira disciplinar, sua linguagem e seus conceitos prprios isolam a disciplina das outras e dos problemas que a recobrem. O esprito hiperdisciplinar sujeita-se, nesse caso, a se formar, como um esprito de proprietrio que impede toda a circulao estranha na sua parcela de saber (65-7).
Esse currculo disciplinar conhecimentos especficos e pedaggicos tem
como objetivo formar professores aptos a desenvolverem uma prtica coerente com os
saberes acadmicos. Assim, cada disciplina vincula-se a uma rea do conhecimento,
cumprindo um objetivo especfico na formao profissional, dentro de um currculo
proposto para atender s necessidades educativas da sociedade. Em suma, a formao de
professores sofre uma interveno direta do contexto social, o qual define quais as
competncias, habilidades e atitudes esperadas do futuro docente.
Segundo Marcelo Garca (1999), a formao de professores ... no
representa seno outra dimenso do ensino como atividade intencional, que se
desenvolve para contribuir para a profissionalizao dos sujeitos encarregados de
educar as novas geraes (p. 22).
Com isso, atuais e futuros professores assumem o papel de especialistas em
uma dada disciplina e armazenam informaes e conhecimentos a serem desenvolvidos
na prtica pedaggica. Essa lgica concebe a formao profissional como pronta e
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acabada, a qual parece negar o contexto dinmico e complexo no qual os profissionais
da Educao iro desenvolver uma prtica social, afetiva e intelectual.
Buscando uma outra concepo de formao docente, Marcelo Garca
(1999) desenvolve o conceito de formao contnua, a qual se realiza integrando teoria e
prtica em um movimento de reflexo-ao fundamentado nos saberes acadmicos e nas
crenas e concepes que os atuais e futuros professores adquirem a partir de suas
experincias. Porque, segundo Lortie (apud Marcelo Garca, 1999), "... os estudantes
que iniciam um programa de formao j possuem algumas concepes, conhecimentos
e crenas enraizados e interiorizados em relao ao que se espera de um professor, qual
o papel de escola, o que um bom aluno, como se ensina, etc"(p. 85).
Dito de outra forma, os saberes adquiridos nas prticas escolares anteriores
so incorporados em um processo incidental, isto , no so intencionalmente
transmitidos, mas so adquiridos de acordo com o contexto escolar e as necessidades e
expectativas de cada sujeito.
Do exposto at aqui, temos o desafio de tentar superar a idia da formao
preparatria e partir para a idia de uma formao que articule os saberes acadmicos
com os experienciais. Ou seja, necessrio pensar em uma formao em formao,
considerando tambm as concepes, crenas e saberes que so mobilizados na
produo do trabalho docente. Neste processo, o futuro professor constitui-se num
movimento de ao reflexiva e de tomada de decises cotidianas, o qual contribui para o
seu desenvolvimento profissional. Acreditamos que a superao da idia da formao
preparatria s ser possvel quando assumirmos a perspectiva defendida por Freire
(1998):
... fundamental que, na prtica da formao docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensvel pensar certo no presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrrio, o pensar certo que supera o ingnuo tem que ser produzido pelo prprio aprendiz em comunho com o professor formador (p. 43).
A reflexo crtica assume, portanto, um papel importante na formao
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docente, sem a qual nosso trabalho passa a ser automatizado dentro de uma abordagem
reducionista, em que a rotina lhe d o tom. Passamos a trabalhar de forma repetitiva,
reproduzindo o que est pronto e o que mais acessvel, fcil ou simples. Refletir, pois,
acerca do contexto no qual estamos inseridos, com suas limitaes e possibilidades,
permite-nos avanar por olhar o mundo escolar em sua dinmica e complexidade.
Entende-se por reflexo a ao de pensar sobre o que se faz (Ges, 2001: 101), que
faz parte do processo de criar e recriar a prtica pedaggica em sua complexidade. Pois,
para Gmez (1992), a reflexo no um conhecimento puro, mas sim um
conhecimento contaminado pelas contingncias que rodeiam e impregnam a prpria
experincia vital (p. 103). neste sentido que compreendemos a reflexo: como um
caminho passvel de rupturas, principalmente, com o pensamento simplificador, que
busca indcios para compreender melhor o cotidiano escolar e desenvolver aes
pedaggicas que integrem mais o aluno e o professor no processo de ensinar e aprender.
Para aprofundar a discusso em torno da relao entre os saberes acadmicos
e os experienciais que so mobilizados pelos estagirios em um contexto de iniciao
prtica docente, abordaremos, a seguir, os saberes docentes e a disciplina Prtica de
Ensino.
Ao estabelecer uma discusso terica acerca dos saberes docentes, apoiamo-
nos em alguns estudos que tematizam tal problemtica no contexto da formao
profissional. Dentre alguns, destacamos aqui os trabalhos de Tardif, Lessard & Lahaye
(1991); Barth (1993); Gauthier & Tardif (1997); Freire (1998); Gauthier (1998); Tardif
(1999); Fiorentini, Nacarato & Pinto (2000).
Inicialmente situaremos os pressupostos bsicos defendidos por cada um
destes autores.
Tardif et al (1991), por exemplo, definem ... o saber docente como saber
plural, formado pelo amlgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da
formao profissional, dos saberes das disciplinas, dos currculos e da experincia (p.
218).
Os saberes docentes desenvolvidos nas escolas, na viso dos autores, embora
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ocupem uma posio importante nos processos de produo dos saberes sociais, alm de
no serem socialmente reconhecidos como vlidos, parecem acentuar a desvalorizao
profissional.
Tardif et al (1991) argumentam que o saber da experincia constitui para os
professores os fundamentos da prtica e da competncia profissional. Em suas
palavras,
A experincia provoca assim um efeito de retorno crtico (feedback) aos saberes adquiridos antes ou fora da prtica profissional. Ela filtra e seleciona os outros saberes, e por isso mesmo ela permite aos(s) professores(as) retomar seus saberes, julg-los e avali-los, e, ento, objetivar um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validao constitudo pela prtica cotidiana (p. 231).
O conceito de experincia destes autores leva-nos a pensar que ela constitui-
se, para o estagirio que inicia sua experincia na docncia, em uma instncia mediadora
de ressignificao dos saberes adquiridos durante a formao pessoal e profissional.
Concebemos a ressignificao como um processo criativo de atribuir novos
significados a partir do j conhecido, validando um novo olhar sobre o contexto em que
o sujeito est imerso. Nesse sentido, nos aproximamos do conceito de ressignificao
que vem sendo desenvolvido por Jimnez (2001):
O termo re-significao vem sendo usado, nesse contexto de troca, partilha e de aprendizagem com outro, como um processo de produo de (novos) significados e (novas) interpretaes sobre o que sabemos, fazemos e dizemos... O processo de re-significao atua, portanto, sobre as experincias e os saberes em ao que vm sendo produzidos pelos sujeitos que se encontram para falar sobre eles. (p. 44)
Desta forma, quando estamos imersos numa prtica social, em especial na
sala de aula, nossas reflexes e significaes sobre o que sabemos, fazemos e dizemos
podem constituir-se em algo formativo para cada um de ns. nesse processo de
produo de significados e de ressignificao de saberes e aes que nos constitumos
professores; ou seja, aprendemos a ser professor e professora no trabalho.
no trabalho, portanto, que o professor renova e ressignifica os saberes
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adquiridos durante todo o processo de escolarizao, passando, ento, a desenvolver seu
prprio repertrio de saberes. Esse repertrio resulta daquilo que Gauthier et al. (1998)
chama de reservatrio de saberes, o qual constitudo de saberes disciplinares: a
matria; saberes curriculares: o programa; saberes das cincias da Educao; saberes da
tradio pedaggica: o uso; saberes experienciais: a jurisprudncia particular; saberes da
ao pedaggica: o repertrio de conhecimentos de ensino ou a jurisprudncia particular
validada.
Assim sendo, Gauthier et al. (1998) definem o saber como sendo ... os
argumentos, os discursos, as idias, os juzos e os pensamentos que obedecem s
exigncias de racionalidade, ou seja, as produes discursivas e as aes cujo agente
capaz de fornecer os motivos que as justificam (p. 336-7).
Barth (1993), ao tentar caracterizar o saber em movimento no contexto da
prtica, o qualifica ... como sendo, ao mesmo tempo, estruturado, evolutivo, cultural,
contextualizado e afetivo (p. 61). Ou seja, o saber no fixo; faz parte da
construo pessoal evolutiva de cada um e, por isso, sempre provisrio, no tem fim.
Assim, quando reavaliamos um saber, um conceito, este ser mudado a partir de nosso
ponto de vista, tendo em vista a nossa experincia. Portanto, este saber, que vivido e
experienciado em nosso cotidiano, em especial no mundo do trabalho docente, evolui
como uma espiral.
E, nesse processo, o nosso saber partilhado por todos que participam deste
mundo. Como seres individuais e coletivos, partilhamos saberes num tempo e espao
demarcados por uma realidade que nos impulsiona a ensinar e a aprender. Por isso, o
saber interpretado dentro de um contexto vinculado a uma realidade sociocultural, que
necessita da interao do eu com o ns. Por isso, assume tambm o saber como
afetividade. Pensado, experimentado e vivido pelo sujeito, este saber afetivo influencia
... nosso modo de aprender a realidade e o modo de nos apreendermos a ns
prprios (Barth, 1993: 84).
Compreender o saber em construo romper com o entendimento do saber
pronto e acabado e admitir um contexto escolar complexo, dinmico e plural, composto
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por sujeitos (docentes e discentes) em formao. E, ainda, assumir-se como ser social e
histrico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos,
capaz de ter raiva porque capaz de amar (Freire, 1998: 46).
Assim, aps discutir brevemente os saberes docentes com base na literatura,
assumimos com Fiorentini et al (1999) o conceito de saber docente: como um saber reflexivo, plural e complexo porque histrico, provisrio, contextual, afetivo, cultural, formando uma teia, mais ou menos coerente e imbricada, de saberes cientficos oriundos das cincias da educao, dos saberes das disciplinas, dos currculos e de saberes da experincia e da tradio pedaggica (p. 55).
Entendemos que esta concepo de saber nos ajudar a compreender melhor
o nosso objeto de estudo, ou seja, o processo de vir a ser professor e professora na
prtica docente, no contexto da Prtica de Ensino de Matemtica da Unicamp, a qual
vem sendo concebida pelos seus docentes como instncia experiencial de formao que
interliga ao, reflexo e investigao.
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CAPTULO II
SOBRE O PROCESSO METODOLGICO DA
INVESTIGAO
No captulo anterior tentamos descrever os antecedentes que me levaram a
optar por este estudo, alm de discutir a problemtica relativa formao inicial do(a)
professor(a) de Matemtica, delimitando como foco de nossa pesquisa o processo
experiencial de formao do professor (a) de Matemtica que acontece na Prtica de
Ensino de Matemtica e Estgio Supervisionado I e II (PEMES I e II) na Licenciatura de
Matemtica da Unicamp. Esta opo foi motivada, de um lado, pela possibilidade de
acompanhar mais diretamente os sujeitos da investigao em suas experincias de
insero no trabalho escolar e, de outro, por se tratar de uma experincia diferenciada de
formao, a qual tem como eixo de trabalho a investigao e/ou a reflexo sistemtica
sobre a prtica pedaggica.
Considerando que existem, na Unicamp, duas classes de Prtica de Ensino de
Matemtica e Estgio Supervisionado uma desenvolvida na Licenciatura Noturna e a
outra na Diurna , selecionamos dois sujeitos para um estudo mais sistemtico: uma
licencianda do diurno (Ana) e um licenciando do noturno (Allan).
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O ano de observao/investigao foi o de 1999. As Prticas de Ensino de Matemtica e
Estgio Supervisionado I (1o semestre) e II (2o semestre) estiveram, nesse ano, sob a
responsabilidade dos professores Dario Fiorentini (noturno) e Dione Lucchesi de
Carvalho(diurno).
A opo por poucos casos possibilita, segundo Gil (1988) e Ldke & Andr
(1986), seu estudo profundo e exaustivo, com contornos claramente definidos,
permitindo ... compreender melhor a manifestao geral de um problema, as aes, as
percepes, os comportamentos e as interaes das pessoas (...) relacionadas situao
especfica onde ocorrem ou problemtica determinada que esto ligadas (p.18-9).
Objetivando investigar, como acontece, durante as disciplinas PEMES I e II,
o processo de formao do futuro professor de Matemtica quando este tem a
oportunidade de experienciar, na prtica escolar, a atividade docente, optamos pelo
estudo de casos sob uma abordagem qualitativa. Nessa abordagem, a observao
participante fundamental, pois ... possibilita um contato pessoal e estreito do
pesquisador com o fenmeno pesquisado, o que apresenta uma srie de vantagens,
uma vez que ... a experincia direta sem dvida o melhor teste de verificao da
ocorrncia de um determinado fenmeno (Ldke & Andr, 1986: 26).
Coerentemente com esta modalidade de pesquisa e com a questo
orientadora de investigao, procurei lanar mo de instrumentos compatveis com a
construo do material emprico. Estes instrumentos so:
dirios de campo da pesquisadora; dirios de campo dos estagirios; material produzido pelos alunos no desenvolvimento das disciplinas (resenhas,
reflexes, relatrios, memoriais, monografias);
observaes e registros etnogrficos realizados durante os encontros de discusso terico-metodolgica na Unicamp;
observaes e registros etnogrficos realizados durante as aulas ministradas pelos estagirios na escola;
entrevistas semi-estruturadas individuais e coletivas (gravadas em udio e, posteriormente, transcritas).
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Os dirios de campo, alm de constiturem uma fonte complementar s
gravaes realizadas nos encontros na FE/Unicamp e na escola, serviram tambm para
registrar nossas impresses iniciais durante a pesquisa, ou seja, permitiram levantar
hipteses e estabelecer as primeiras interpretaes e reflexes acerca do processo de
formao dos sujeitos da investigao.
Os textos, produzidos pelos discentes durante as atividades de ensino nos
dois semestres de 1999, representam material importante que pode oferecer indcios de
mudana isto , ressignificao de saberes, idias e prticas no processo de
formao de cada um.
As observaes etnogrficas foram realizadas por mim na FE/Unicamp e na
escola. Na Universidade, no 1 e no 2 semestres de 1999, observamos e participamos
das atividades de ensino desenvolvidas pelos professores regentes Dario e Dione. Na
escola, a partir do 2 semestre, observ