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I – Introdução à jurisdição e ação a) Introdução O direito positivo tem como conteúdo um conjunto de normas jurídicas que são aplicáveis num determinado Estado num determinado momento. Essas normas jurídicas, que são juízos hipotético- prescritivos, objetivam regular o comportamento humano intersubjetivo (entre os seres humanos) a fim de garantir a manutenção da sociedade e o bem comum que é a finalidade última do Estado. Essa regulação do comportamento humano intersubjetivo pelo direito se faz mediante a imposição de direitos e obrigações àqueles que são sujeitos de uma relação jurídica, relação essa que é imposta pela ocorrência concreta da hipótese (ou antecedente) da norma jurídica, impondo-se o conseqüente (ou tese) da norma. Exemplifiquemos: Consta do artigo 927 do Código Civil que: “Aquele que, por ato ilícito (arts 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Da interpretação do dispositivo legal acima transcrito, extrai-se a uma norma jurídica que tem:

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I – Introdução à jurisdição e ação

a) Introdução

O direito positivo tem como conteúdo um conjunto de normas jurídicas que são aplicáveis num determinado Estado num determinado momento. Essas normas jurídicas, que são juízos hipotético-prescritivos, objetivam regular o comportamento humano intersubjetivo (entre os seres humanos) a fim de garantir a manutenção da sociedade e o bem comum que é a finalidade última do Estado.

Essa regulação do comportamento humano intersubjetivo pelo direito se faz mediante a imposição de direitos e obrigações àqueles que são sujeitos de uma relação jurídica, relação essa que é imposta pela ocorrência concreta da hipótese (ou antecedente) da norma jurídica, impondo-se o conseqüente (ou tese) da norma.

Exemplifiquemos:

Consta do artigo 927 do Código Civil que:

“Aquele que, por ato ilícito (arts 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Da interpretação do dispositivo legal acima transcrito, extrai-se a uma norma jurídica que tem:

- como antecedente: a prática de um ato ilícito que resulte em dano a outra pessoa;

- como conseqüente: o dever do agressor de indenizar os danos (materiais e/ou morais) gerados na vítima e o direito da vítima de se ver indenizado pelos danos que lhe foram gerados pela prática de ato ilícito pelo agressor;

Sendo a norma jurídica um juízo hipotético-prescritivo, a mesma tem como característica a relação lógica de conseqüência entre o antecedente e o conseqüente, sob a seguinte forma: se ocorrer no mundo concreto o antecedente de uma norma, então deve-se aplicar o previsto no conseqüente.

Aplicando-se a teoria acima exposta ao artigo 927 do Código Civil, temos que: se “A” pratica um ato ilícito que resulte dano a “B” (antecedente da norma), então “A” tem o dever de indenizar “B” pelos danos que lhe foram produzidos (conseqüente da norma).

É importante realçar que a prática do antecedente da norma por “A” (isto é, a prática concreta de um ato ilícito por “A” e que gerou danos a “B”) gerou uma relação jurídica, que no caso é a relação jurídica de natureza pessoal/obrigacional que tem como sujeitos “A” e “B” e que tem como conteúdo a obrigação de “B” de indenizar os danos provocados em “A” e o direito de “A” de se ver indenizado pelos danos sofridos.

Esse exemplo é relevante para demonstrar não só que a “relação jurídica” surge da aplicação concreta de uma “norma jurídica”, isto é, da subsunção normativa (a aplicação da norma a um caso concreto), como também que a “relação jurídica” é um liame que envolve sujeitos (pessoas) que passam a ter obrigações e/ou direitos entre si.

Sobre relação jurídica, transcrevemos o magistério de De Plácido e Silva:

“RELAÇÃO JURÍDICA. É a expressão usada para indicar o vínculo jurídico, que une uma pessoa como titular de um direito, ao objeto desse mesmo direito. Edmond Picard assevera que na relação entre o sujeito e objeto de um direito se tem o coração, a medula do próprio direito, porque é ela o conteúdo dele, marcando-lhe o valor e a importância e o definindo em seu elemento mais significativo. Por isso mesmo é que, quando se rompe esse liame ou se interrompe a comunicação produzida por ele, entre o sujeito e o objeto do direito, há uma ofensa ao direito de outrem e se recorre à Justiça para reintegrá-lo em sua situação anterior, restabelecendo o vínculo, que se partira.”1

Pedro dos Reis Nunes apresenta conceito de “relação jurídica” que relaciona o seu surgimento à regulação por norma jurídica:

“RELAÇÃO DE DIREITO ou RELAÇÃO JURÍDICA (“vinculum juris”) – Relação que se estabelece entre duas ou mais pessoas, tutelada ou regulada pelas normas legais. Vínculo jurídico que liga o sujeito do direito ao seu objeto. Nexo entre o sujeito ativo e o sujeito passivo de um direito, do que resulta para o primeiro o poder e para o segundo o dever jurídico.”2

1 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Volume IV. São Paulo: Forense, 4ª edição, 1975, p. 1.3362 NUNES, Pedro dos Reis. Dicionário de tecnologia jurídica. Volume II. 8ª edição corrigida, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974, p. 1.051

Temos, então, que a relação jurídica surge da “subsunção normativa”, isto é, da ocorrência concreta do fato abstrato descrito no antecedente da norma, e tem como característica a existência de um liame, uma ligação entre duas ou mais pessoas formada por direitos e/ou obrigações existentes entre as mesmas.

A questão que se pauta no presente momento é: Quando o sujeito passivo da relação jurídica não cumpre a sua obrigação em relação ao sujeito ativo, o que este último pode fazer? Ou melhor, de que meio, de que instrumento o direito se utiliza para impor o cumprimento real, efetivo das suas normas jurídicas?

Sempre que alguém contrai uma determinada obrigação devido à subsunção (ao enquadramento) numa norma jurídica, duas são as possibilidades: o cumprimento voluntário da obrigação ou o cumprimento forçado do dever. O ponto central de debate é exatamente o que fazer quando o sujeito deixa de cumprir voluntariamente a obrigação que lhe compete.

E o direito não pode deixar lacunas a essas perguntas, mesmo porque está em jogo, em razão do não cumprimento das normas jurídicas, a própria estabilidade do direito. Se não houvesse meio de forçar alguém a cumprir obrigação imposta por norma jurídica, estaria o direito fadado ao insucesso e as normas jurídicas não passariam de simples atos de concessão de faculdades aos sujeitos de direito.

Sobre o assunto, pertinente as lições de Humberto Theodoro Júnior:

“ Através da função legislativa, o Estado estabelece a ordem jurídica, fixando em forma preventiva e hipotética as normas que deverão incidir sobre as situações ou relações que possivelmente virão a ocorrer entre os homens no convívio social.

Dessa forma, o ordenamento jurídico atribui aos cidadãos “seus direitos”, prefixando as pretensões que cada um pode ostentar diante dos outros, bem como estabelece os deveres dos vários integrantes do grupamento social juridicamente organizado.

O comando da ordem jurídica, que visa à paz social e ao bem comum, geralmente é aceito e obedecido pelos membros da coletividade.

Mas, como isto, às vezes, não ocorre, e como as normas de direito são de observância imperativa, cabe ao Estado a adoção de medidas de coação para que não venha seu ordenamento transformar-se em letra morta e desacreditada.”3

3 THEDORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 24ª edição. Rio de Janeiro: forense, 1998, p. 33

Para a efetivação dos direitos, ou melhor, para a garantia do cumprimento das normas jurídicas e estabilização do direito positivo, vimos, durante a história, 3(três) sistemas de efetivação de direitos, quais sejam: a autotutela, a autocomposição e a jurisdição.

Ensina Ada Pelegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra que nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis. Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesma , a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada e, quando o Estado chamou a si o jus punitionis, ele o exerceu inicialmente mediante seus próprios critérios e decisões, sem a interposição de órgãos ou pessoas imparciais, independentes e desinteressadas. A esse regime chama-se autotutela (ou autodefesa) e hoje, encarando-a do ponto-de-vista da cultura do século XXI, é fácil ver como era precária e aleatória, pois não garantia a justiça, mas a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido4.

Tem-se, assim, duas características marcantes da autotutela: a ausência de juiz distinto das partes e a imposição da decisão por uma das partes à outra5.

Nos sistemas primitivos, além da autotutela, outra solução seria possível, a autocomposição, que ainda perdura no direito moderno e que consiste em uma das partes em conflito, ou ambas, abrirem mão do interesse ou de parte dele. São três as formas de autocomposicão: a) desistência (renúncia à pretensão, ao direito, ao interesse); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas entre as partes que têm conflito de interesses)6.

Com o fortalecimento do Estado e com o aperfeiçoamento do verdadeiro Estado de Direito, a justiça privada (caracterizada em especial pela autotutela), já desacreditada por sua impotência, foi substituída pela Justiça Pública ou Justiça Oficial. O Estado moderno, então, assumiu para si o encargo e o monopólio de definir o direito concretamente aplicável diante das situações litigiosas (de conflito de interesses), bem como o de realizar esse mesmo 4 GRINOVER, Ada Pelegrini e ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. Teoria Geral do Processo. 9ª edição, revista e atualizada, 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 1993, pp. 24-255 Ibidem, p. 256 Idem

direito, se a parte recalcitrante (que resiste, que se inconforma) recusar-se a cumprir espontaneamente as normas jurídicas7.

Para o desempenho da função acima, estabeleceu-se a jurisdição, como o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina situação jurídica.

A jurisdição é, no âmbito do processo civil, a função que consiste, primordialmente, em resolver os conflitos que a ela sejam apresentados pelas pessoas, naturais ou jurídicas (e também pelos entes despersonalizados, tais como o espólio, a massa falida e o condomínio), em lugar dos interessados, por meio da aplicação de uma solução prevista pelo sistema jurídico8.

A função da jurisdição é própria e exclusiva do Estado, exercida pelo Poder Judiciário. É ele, dentro dessa função, que atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses ocorrentes9. É, assim, um “poder-dever” do Estado, vez que se de um lado o Estado tem a capacidade de impor a sua função jurisdicional à sociedade, de outro lado a sociedade tem o direito de se ver tutelada (protegida) pela atividade jurisdicional do Estado.

Com a função jurisdicional do Estado, surgiu a regra de proibição da autotutela dos interesses individuais em conflito, por comprometer a paz jurídica, reconhecendo-se que nenhum outro poder se encontra em melhores condições de dirimir os litígios do que o Estado, não só pela força de que dispõe, como por nele presumir-se interesse em assegurar a ordem jurídica estabelecido.

Temos que ressaltar, entretanto, que exceções existem à regra de proibição de autotutela. Essas exceções são previstas expressamente pelo direito positivo como, por exemplo, no artigo 1.210, parágrafo 1º, do Código Civil, in verbis:

Código Civil. Art. 1.210. “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

Par. 1º. O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.” (sublinhado nosso)

7 THEODORO JUNIOR, Humberto, op. cit., p. 348 WAMBIER, Luiz Rodrigues et alli. Curso avançado de processo civil. Volume I.. 3ª edição revista,

atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, 409 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil.

Fora dos casos expressamente previstos no direito positivo para o exercício da autotutela, qualquer ato de realização de “justiça com as próprias mãos” é considerado “tipo penal” de exercício arbitrário das próprias razões, previsto nos artigos 345 e 346 do Código Penal, abaixo transcrito:

Código Penal. Art. 345. “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de 15(quinze) dias a 1(um) mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.”

Código Penal. Art. 346. “Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção: Pena – detenção, de 6(seis) meses a 2(dois) anos, e multa.

b) A jurisdição

A jurisdição não é senão o poder de declarar o direito aplicável aos fatos. O processo civil é a atuação da própria lei, ainda que impulsionado pelas próprias partes. Pois bem, essa atuação se faz através de declaração do Estado, na sua função soberana, exercendo a jurisdição10.

Costuma-se dizer que cabe ao Estado, através da sua função jurisdicional, compor as lides, isto é, solucionar os conflitos de interesse.

Várias são as formas de se conceituar “jurisdição”, sendo que adotaremos, para efeitos didáticos, o conceito apontado por Humberto Theodoro Junior: “jurisdição é a função do Estado de declarar e realizar, de forma prática, a vontade da lei diante de uma situação jurídica controvertida”11.

A jurisdição, como poder ou função estatal, é una e abrange todos os litígios que se possam instaurar em torno de quaisquer assuntos de direito. A diferença de matéria jurídica a ser manipulada pelos Juízes, na composição dos litígios, conduz à necessidade prática da especialização não só dos julgadores, como também das próprias leis que regulam a atividade jurisdicional, daí o aparecimento do Direito Processual Penal, do Direito Processual Civil, do Direito Processual Trabalhista, entre outros12.10 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. ABC do processo civil: v.1, processo de conhecimento e processo de execução. 7ª edição revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 3811 THEODORO JUNIOR, Humberto, op. cit., p. 37

12 Ibidem, p. 39

O âmbito da jurisdição é delineado por exclusão, de forma que a jurisdição civil se apresenta com a característica da generalidade. Aquilo que não couber na jurisdição penal e nas jurisdições especiais será alcançado pela jurisdição civil, pouco importando que a lide verse sobre direito material público (constitucional, administrativo etc) ou privado (civil ou comercial)13.

e) A lide ou litígio

Não são todos os conflitos de interesses que se compõem por meio da jurisdição, mas apenas aqueles que configuram a lide ou litígio. O conceito de lide é, portanto, fundamental para a compreensão da atividade jurisdicional e, por conseqüência, do processo e da ação14.

Lide e litígio são sinônimos e correspondem a um evento anterior ao processo, mas sua existência constitui conditio sine quan non (condição essencial de existência) do processo, já que: inexistindo litígio, não há sequer interesse em se instaurar a relação processual e sem legitimidade e interesse, diz expressamente a lei, não se pode propor ou contestar ação15, conforme artigo 3º do CPC, in verbis:

CPC. Art. 3º. “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.”

Para que haja a lide ou litígio é necessário que ocorra “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida”, conforme a lição clássica de Carnelutti. É que muitos conflitos existem sem que cheguem a repercutir no campo da atividade jurisdicional. Se, por qualquer razão, uma parte, por exemplo, se curva diante da pretensão da outra, conflito de interesse pode ter existido, mas não gerou litígio, justamente pela falta do elemento indispensável deste, que vem a ser a resistência de um indivíduo à pretensão de outro16.

Por fim, sobre o tema “lide”, importante são as lições de Moacyr Amaral Santos, cujos trechos passamos a transcrever:

“Os bens da vida se destinam à utilização pelo homem. Sem uns, este não sobreviveria; sem outros, não se desenvolveria, não se aperfeiçoaria. A razão entre o homem e os bens, ora maior, ora menor, é

13 Idem14 Ibidem, pp. 34-3515 Ibidem, p. 3516 Idem

o que se chama interesse. Assim, aquilata-se o interesse da posição do homem, em relação a um bem, variável conforme suas necessidades. Donde consistir o interesse na posição favorável à satisfação de uma necessidade.”17

“Se entretanto, duas ou mais pessoas têm interesse pelo mesmo bem, que a uma só possa satisfazer, dar-se-á um conflito intersubjetivo de interesses ou simplesmente um conflito de interesses.”18

“ Os conflitos de interesses se resolvem, de ordinário, pela subordinação dos seus sujeitos às ordens abstratas da lei que os regula. É a composição normal dos conflitos, como resultado da geral e espontânea submissão dos interesses à ordem jurídica. É bastante o respeito à lei, às normas do direito objetivo, para que os interessados se componham segundo o que estas prescrevem.

Entretanto, ocorre comumente que as partes conflitantes não acomodam espontaneamente seus interesses, na conformidade da sua regulação jurídica. Ou, mais precisamente, o conflito pode dar lugar à manifestação da vontade de um dos sujeitos, de exigir a subordinação do interesse do outro ao próprio. A essa atitude da vontade dá-se o nome de pretensão. Pretensão é, pois, a exigência da subordinação de um interesse de outrem ao próprio.

O sujeito do interesse oposto, neste caso, pode assumir uma de duas atitudes: conformar-se com a subordinação ou resistir à pretensão daquele a essa subordinação. No primeiro caso, o conflito se compõe pacificamente. No segundo caso, o conflito se dinamiza: à pretensão do sujeito de um interesse se opõe a resistência do sujeito de outro interesse. Configura-se aqui um litígio ou lide, que se caracteriza por ser um conflito de interesses em que à pretensão de um dos sujeitos se opõe a resistência do outro.

Lide, portanto, é o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interessados e pela resistência do outro. Ou, mais sinteticamente, lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.”19

d) Jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária

17 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeira linhas do direito processual civil. 2º volume. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 1985, p.418 Ibidem, p. 919 Idem

A jurisdição civil, aquela que é regulada pelo direito processual civil, compreende, segundo o artigo 1º do Código de Processo Civil, a jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária. A jurisdição contenciosa é a jurisdição propriamente dita, isto é, aquela função que o Estado desempenha na pacificação ou composição dos litígios, pressupondo controvérsia entre as partes(lide) a ser solucionada20.

Mas, ao Poder Judiciário são, também, atribuídas certas funções em que predomina o caráter administrativo e que são desempenhadas sem o pressuposto do litígio. Trata-se da chamada jurisdição voluntária, em que o juiz apenas realiza gestão pública em torno de interesses privados, como se dá nas nomeações de tutores, nas alienações de bens de incapazes, na extinção do usufruto etcNessa espécie de jurisdição (voluntária) não há lide, nem partes, mas apenas um negócio jurídico processual, envolvendo o juiz e os interessados. A função do juiz é, portanto, equivalente ou assemelhada à do tabelião, ou seja, a eficácia do negócio jurídico depende da intervenção pública do magistrado21.

e) A ação

O direito de ação é o direito subjetivo público de pleitear ao Poder Judiciário uma decisão sobre uma pretensão22. A partir do momento em que o Estado instituiu a proibição da justiça privada, foi outorgado aos cidadãos o direito de recorrer a órgãos estatais pra a solução de seus conflitos de interesses. Primitivamente, entendeu-se o direito de ação como um complemento do direito subjetivo de cada um, mas a doutrina percebeu que aquele era independente deste, isto é, que o direito de ação existia independentemente da existência do direito subjetivo23.

Segundo Ada Pelegrini Grinover, ação é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exibir esse exercício), sendo que mediante o exercício da ação provoca-se a jurisdição que, por sua vez, se exerce através de um complexo de atos que é o processo24.

Nesse mesmo contexto, ensina Humberto Theodoro Júnior que o Estado, ao vetar aos seus súditos fazer justiça pelas próprias mãos e ao assumir a

20 Ibidem, p. 3921 Ibidem, p. 4022 GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 8ª edição atualizada. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 7523 Idem24 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 209

jurisdição, o Estado não só se encarregou da tutela jurídica dos direitos subjetivos privados, como se obrigou a prestá-la sempre que regularmente invocada, estabelecendo, em favor do interessado, a faculdade de requerer sua intervenção sempre que se julgue lesado em seus direitos, sendo que do monopólio da justiça decorreram duas importantes conseqüências, quais sejam:

- a obrigação do Estado de prestar a tutela jurídica aos cidadãos; e

- um verdadeiro e distinto direito subjetivo – o direito de ação – oponível ao Estado-Juiz, que se pode definir como direito à jurisdição.25

Assim, o direito de ação é nada mais, nada menos, que o direito de exigir do Estado o exercício da função jurisdicional para compor (resolver) determinada lide (determinado conflito de interesse qualificado pela pretensão de um dos interessados e resistência do outro).

f) A autonomia do direito de ação

O direito subjetivo, que o particular tem contra o Estado e que se exercita através da ação, não se vincula ao direito material da parte, pois não pressupõe que aquele que o maneje venha a ganhar a causa. Mesmo o que ao final do processo não ser titular do direito material que invocou para movimentar a máquina judicial, não deixa de ter exercido o direito e ação e de ter obtido a prestação jurisdicional, isto é, a definição estatal da vontade concreta da lei26.

Como bem assevera Theodoro Júnior, o direito de ação é um direito abstrato (direito à composição do litígio), que atua independentemente da existência ou inexistência do direito substancial que se pretende fazer reconhecido e executado. Em outras palavras, o exercício da ação não fica vinculado ao resultado do processo. É, assim, e apenas o direito à prestação jurisdicional, direito instrumental, com que se busca a tutela jurídica27.

Exemplifiquemos: João e Maria, conduzindo seus respectivos veículos em via pública, acabam por se chocar, gerando graves lesões em João. Pretendendo se ver ressarcido dos danos que lhe foram gerados, João, não

25 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 4726 Ibidem, p. 4827 Idem

conseguindo um acordo com Maria (que sustenta que a culpa pelo acidente foi de João), exerce o seu direito de ação e propõe ação de indenização por danos materiais e morais em face de Maria. Ao final do processo, após analisar a petição inicial de João, a contestação da Maria e as provas produzidas, o Juiz da causa acaba por julgar a ação improcedente, declarando que João não tem direito à indenização reivindicada. Ora, no caso, teve, sim, João o direito de ação (que o mesmo exercitou propondo a ação e, dessa forma, exigindo que o Estado (Poder Judiciário) solucionasse o conflito de interesses existente), no entanto, não teve o direito material que perseguia, isto é, a condenação de Maria no pagamento de indenização, vez que o conflito de interesses foi solucionado a favor de Maria, julgando-se improcedente a ação proposta por João.

g) As condições da ação

Se de um lado é verdadeiro dizer que os cidadãos têm direito à ação, de outro lado é importante dizer que esse direito não é absoluto, sendo exigido o cumprimento (preenchimento) de alguns requisitos, algumas condições para que se possa exercer o direito de ação, trata-se das “condições da ação”.

O direito de ação é extraordinariamente amplo quanto ao seu exercício, na medida em que qualquer afirmação que o autor possa fazer, quanto à lesão ou ameaça a direito que entende de sua titularidade, pode constituir em pretensão suficiente para ensejar o manejo do direito de ação28.

Entretanto, desde o momento em que é exercido pelo autor da demanda, o direito de ação se submete às regras processuais, devendo respeitar três condições previstas no Código de Processo Civil, que, presentes, permitem sua admissibilidade regular no Poder Judiciário, dando ensejo a que, no processo de conhecimento, se profira sentença de mérito, pela procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor. Dessa forma, conquanto possa ser exercido sem qualquer restrição, para que seja possível a regular instauração do processo e a obtenção da tutela jurisdicional, o direito sujeita o autor à observância de condições previstas no CPC29.

Humberto Theodoro Júnior afirma que “as condições da ação são requisitos de ordem processual, intrinsecamente instrumentais e existem, em última análise, para verificar se a ação deverá ser admitida ou não. Não

28 WAMBIER, Luiz Rodrigues et alli. Op. cit., p. 13529 Ibidem, p. 135-136

encerram, em si, fim algum; são requisitos-meios para, admitida a ação, ser julgado o mérito”30

Assim, “condições da ação” são exigências ou requisitos preliminares, cuja inobservância impede o Juiz de ter acesso ao julgamento do mérito31, isto é, impede o Juiz de solucionar a lide.

São 3(três) as condições da ação, quais sejam:

- interesse de agir;- legitimidade; e- possibilidade jurídica do pedido

Passamos, agora, a analisar cada uma dessas condições:

- Interesse de agir: Também denominado “interesse processual”. A condição da ação consistente no interesse de agir se compõe de 2(dois) aspectos, ligados entre si, que se traduzem no binômio: necessidade e adequação32.

Localiza-se a necessidade da tutela jurisdicional na impossibilidade de obter a satisfação do direito alegado sem a intervenção do Estado – ou porque a parte contrária se nega a satisfazê-lo, sendo vedado ao autor o uso da autotutela (vide o exposto sobre a autotutela na letra “a” deste item), ou porque a própria lei exige que determinados direitos só possam ser exercidos mediante prévia declaração judicial (são as chamadas ações constitutivas necessárias no processo civil, como por exemplo: na anulação de casamento e na suspensão e perda do pátrio poder).33

Exemplifiquemos: Se “A” pretende obter a satisfação de um crédito, representado por um contrato que não se constitua em título executivo (isto é, que não se enquadra numa das hipóteses dos artigos 584 e 585 do CPC), de que é titular diante de “B”, terá necessidade da tutela jurisdicional se “B”, no vencimento, se negar ao pagamento, e terá como tutela útil aquela que vai, ao final, reconhecer a existência do crédito e obrigar “B” à sua satisfação34. Outros exemplos:

30 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit, p. 5831 Ibidem, p. 5332 WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord). Op. cit., p. 13633 GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Op. cit., pp. 217-21834 WAMBIER, Luiz Rodriges (coord). Op. cit., p. 137

- É absolutamente necessária a tutela jurisdicional, em decorrência de disposição expressa de lei, na hipótese de se pretender a decretação do divórcio35;- É desnecessária a tutela jurisdicional, por não haver interesse processual, se “A”, maior e capaz, de posse de documento comprobatório do nascimento de seu filho, requerer, representado pela mãe do recém-nascido, a tutela do Estado, pela via judicial, para obter o direito ao registro do filho junto ao serviço de registro civil. Para isso não é necessária a invocação da tutela jurisdicional, bastando que “A” se dirija ao cartório de registro civil do local em que se deu o nascimento e o declare ao Oficial36.

A adequação é a relação existente entre a situação reclamada pelo autor ao vir a juízo e o provimento (tutela) jurisdicional concretamente utilizado. O provimento jurisdicional (a tutela jurisdicional) solicitado deve ser apto a corrigir o mal de que o autor se queixa, sob pena de não ter razão de ser37. Exemplifiquemos: que alega o adultério do cônjuge não poderá pedir a anulação do casamento, mas a separação judicial, porque a anulação exige a existência de vícios que inquinem o vínculo matrimonial logo na sua formação, sendo irrelevantes fatos posteriores. Outro exemplo: o mandado de segurança não é medida hábil para a cobrança de créditos pecuniários (em dinheiro)38.

- Legitimidade: também denominada “legitimidade ad causam”, legitimatio ad causam ou “legitimidade de parte”. É a titularidade ativa e passiva da ação. Estará legitimado o Autor quando for o possível39 titular do direito pretendido, ao passo que a legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença40.

A legitimidade da causa é, portanto, de 2(duas) ordens: ativa (quanto ao Autor, e se refere à situação do Autor ser o titular da pretensão, isto é, do direito material que pleiteia na ação), ou passiva (quanto ao Réu, e se refere à situação do Réu ser a pessoa contra quem se pode exigir a pretensão).

Exemplifiquemos: O “nu-proprietário” não detém a posse do bem sobre o qual tem a nua-propriedade e, portanto, não tem legitimidade ad

35 Idem36 Idem37 Ibidem, p. 21838 Idem39 Utilizamos a expressão “possível”, porque a “certeza” da titularidade do direito pretendido somente se dará quando da decisão judicial transitada em julgado.40 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 57

causam para propor ação de despejo em face de Locatário (que pactuou contrato de locação com o “usufrutuário” do imóvel)41.

Outro exemplo: “A”, menor impúbere, é proprietário exclusivo de um imóvel que está locado. O pais, representantes legais do menor, propõem, em nome do menor, ação de despejo. Apesar de aparentemente correta a propositura, a forma adotada apresenta um vício de legitimidade. Com efeito, nos termos do artigo 1.689 do Código Civil, os pais são os administradores legais dos bens dos filhos que se achem sob o seu poder, e o urufruto dos bens do filho é inerente ao exercício do pátrio poder (vide art. 1.689 do Código Civil), de modo que a ação de despejo, objetivando a retomada da posse de um bem locado, deveria ser proposta pelos pais, em nomes próprios, e não em nome do menor, ainda que representados pelos pais42.

Importante ressaltarmos que o CPC, em seu artigos 3º e 6º, trata da legitimidade:

CPC. Art. 3º. “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.”

CPC. Art. 6º. “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei

A doutrina processual civil costuma dividir a legitimidade em legitimidade ordinária e legitimidade extraordinária. A legitimação “ordinária” decorre da posição ocupada pela parte como sujeito da lide43 (como já estudado acima). Já a legitimação “extraordinária” se trata de casos excepcionais previstos (permitidos) expressamente em lei e que consiste em permitir-se, em determinadas circunstâncias, que a parte demande em nome próprio, mas na defesa de interesse alheio. Ressalte-se, porém, a excepcionalidade desses casos que, doutrinariamente, se denominam “substituição processual”, e que podem ocorrer, por exemplo, com o marido na defesa dos bens dotais da mulher, com o Ministério Público na ação de acidente de trabalhou ou na ação de indenização do dado ex delicto, quando a vítima é pobre44.- Possibilidade jurídica do pedido: Há possibilidade jurídica do pedido quando a pretensão, em abstrato, inclui-se entre aquelas que são reguladas pelo

41 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. ABC do processo civil. Volume I. 7ª edição revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 8242 GRECCO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 1º Volume. São Paulo: Saraiva, 14ª edição revista, 1999, p. 80 43 THEODOR JÚNIOR, Humberto. Op. cit., p. 5744 Idem

direito positivo45. Segundo Vicente Gereco Filho, “a possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendida pelo interessado”46

O direito de ação pressupõe que o seu exercício visa à obtenção de uma providência jurisdicional sobre uma pretensão tutelada pelo direito positivo. Está visto, portanto, que para o exercício do direito de ação a pretensão formulada pelo autor deverá ser de natureza a poder ser reconhecida em juízo. Ou, mais precisamente, o pedido deverá consistir numa pretensão que, em abstrato, seja tutelada pelo direito positivo, isto é, devidamente normatizada (prevista em norma jurídica)47.

Era clássico o exemplo de impossibilidade jurídica do requerimento de “divórcio” antes da Emenda Constitucional no. 9 de 28/06/77, que o criou, e da Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, que o regulamentou48.

Outro exemplo é ação objetivando cobrança de “dívida de jogo”, que não gera obrigação de pagamento, na forma do artigo 814 do Código Civil.

h) A carência de ação

Quando faltar uma só que seja das condições da ação, diz-se que o autor é carecedor desta. Doutrinariamente, há quem diga que, nessa situação, ele não tem o direito de ação ou não lhe falta o direito ao exercício da ação. A conseqüência é que o juiz, mesmo exercendo o poder jurisdicional, não chegará a apreciar o mérito (ou seja, o pedido), em outras palavras, não chegará a declarar a ação procedente nem improcedente)49.

i) Os elementos identificadores da ação

45 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeira Linhas de Direito Processual Civil. 1º volume. São Paulo: Saraiva, 12ª edição atualizada, 1985, p. 17246 GRECCO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 8147 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit., p. 17248 GRECCO FILHO, Vicente. Op. cit., pp. 83-8449 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 219

Os elementos da ação têm como objetivo identificar ação por ação50, a fim de isolar cada uma delas e distingui-las das demais já propostas, das que venham a ser propostas ou de qualquer outra ação que se possa imaginar51, evitando, dessa forma, que seja novamente julgada ação idêntica a outra já proposta e julgada em seu mérito ou que tramitem perante Juízes diferentes ações idênticas.

Três são os elementos identificadores da ação, quais sejam: as partes, o pedido e a causa de pedir. Assim, idênticas são as ações que tenham mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido.

Analisaremos, abaixo, cada um desses elementos:

- Partes: são o Autor e o Réu. O autor é aquele que vem a juízo para expor a sua pretensão e formular o pedido diante da jurisdição52. Já o Réu é aquele em direção a quem ou contra quem o autor formulou o pedido de tutela jurisdicional53.

A qualidade de parte implica sujeição àquilo que for decidido no processo, de forma que os chamados efeitos subjetivos da coisa julgada alcançarão a um e a outro dos sujeitos parciais54.

- Pedido: também denominado petitum. Não se justifica o ingresso de alguém em juízo se não fosse para pedir do órgão jurisdicional uma determinada medida (provimento jurisdicional)55. O pedido, de acordo com a doutrina moderna, é o objeto da ação, a medida sobre a qual incidirá a atuação jurisdicional56. O pedido deve ser formulado claramente, desde logo, na petição inicial e estabelecerá perfeitamente a limitação objetiva da sentença (o Juiz, na sua sentença, não poderá conceder direitos além daqueles pleiteados na petição inicial)57, conforme artigo 460, caput, do CPC, abaixo transcrito:

CPC. Art. 460. “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em

50 WAMBIER, Luiz Rodriges (coord). Op. cit., p.123 51 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 21952 WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Op. cit., p. 12553 Idem54 Idem55 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 22056 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit. p. 89.57 Ibidem, p. 89-90

quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

O pedido deve ser entendido em 2(dois) planos ou aspectos: sob um aspecto genérico consiste no tipo de provimento jurisdicional solicitado, ou seja, de condenação, declaração ou constituição, cautelar ou de execução; ou sob um aspecto específico consistente no bem jurídico pretendido. Ambos identificam o pedido e, conseqüentemente, a ação. É possível que apenas um dos aspectos seja diferente, o que já é suficiente para diferenciar as demandas.

Exemplifiquemos: se alguém é credor de R$ 1.000,00, pede a condenação do devedor porque deseja receber. No caso de ser insuficiente a condenação do devedor, proporá ele outra ação, a de execução, visando concretizar seu crédito. Temos, então, na hipótese, duas ações diferentes, pois, apesar de se referirem à cobrança dos mesmos R$ 1.000,00, os pedidos são diferentes.

- Causa de pedir: também denominada causa petendi. Ao levar sua pretensão a juízo, o Autor apresenta 2(duas) ordens de fundamentos: os “fatos” e o “direito”58. A junção entre as fundamentações de “fato” e de “direito” formam os elementos que objetivam levar o Juiz à conclusão de que deve conceder o bem jurídico pretendido (que é o pedido) na ação. A fundamentação fática (fundamentação de “fato”), refere-se aos fatos a respeito dos quais pretende uma solução do Estado => trata-se da descrição daquilo que ocorreu no mundo concreto. Exemplo: um comportamento negligente de “A” ao conduzir o seu veículo e que levou à ocorrência de acidente de trânsito com sérias lesões físicas provocadas em “B”.

A fundamentação de direito refere-se ao “direito” que decorre dos “fatos” em razão do enquadramento do fato concreto numa norma jurídica. Exemplo: o artigo 927 do Código Civil determina que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo”; logo, como a conduta negligente de “A” configura-se como um ato ilícito que gerou graves lesões à integridade física de “B”, deve “A” indenizar todos os danos materiais e morais sofridos por “B” em razão do acidente.

Atentemo-nos para o fato de que a junção entre as fundamentações de fato e de direito levam diretamente à conclusão, que é o “pedido” de condenação de “A” em indenização por danos materiais e morais (trata-se do objeto material, do bem jurídico que o Autor pretende com a ação.

58 WAMBIER, Luiz Rodriges (coord). Op. cit., p.126

Essa relação entre “fato”e “direito” tem nexo de causalidade com a subsunção normativa (“encaixe” do fato – mundo real, concreto – à descrição abstrata de um comportamento constante no antecedente de uma norma jurídica). Assim, na causa de pedir, demonstraremos o enquadramento do caso concreto a uma norma jurídica.

O Código de Processo Civil adotou a “teoria da substanciação”, pela qual são necessárias, além da fundamentação jurídica (demonstração de que o fato concreto ocorrido enquadra-se numa norma jurídica que concede ao Autor determinado “direito”. Exemplo: o caso acima citado onde um comportamento negligente no trânsito e que gerou lesões na vítima acaba enquadrando-se no artigo 927 do Código Civil, concedendo o direito de indenização ao Autor), a alegação e descrição dos fatos sobre os quais incide o direito alegado como fundamento do pedido59.

A fundamentação jurídica é, via de regra, a “causa de pedir próxima”, enquanto o fato gerador do alegado direito se constitui, também, na generalidade dos casos, a “causa de pedir remota”60.

j) A classificação das ações

Classificar significa agrupar objetos semelhantes (a partir de determinada condição de pertinência) com o fim de melhor estuda-los. Dessa forma, inúmeras são as classificações das ações, cada qual com o objetivo de evidenciar uma determinada nuance, um determinado quesito típico das ações. Analisamos, abaixo, a classificação que entendemos mais útil no presente grau de desenvolvimento da matéria.

Quanto ao tipo de provimento jurisdicional invocado, as ações podem ser: de conhecimento, de execução ou cautelares.Estudemos cada uma delas: - ação de conhecimento: visa ao provimento de mérito (julgamento da causa)61; é a ação em que a parte realiza afirmação de direito, demonstrando sua pretensão de vê-lo reconhecido pelo Poder Judiciário, mediante a formulação

59 WAMBIER, Luiz Rodriges (coord). Op. cit., p.12760 Idem61 GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p.223

de um pedido, cuja solução será no sentido positivo ou no sentido negativo, conforme esse pleito da parte seja resolvido por sentença de procedência ou de improcedência62. Na ação de conhecimento as partes têm oportunidade de realizar ampla produção de provas, voltadas a demonstrar a existência do direito (regra geral, pelo autor) ou a existência de fato que o impeça, modifique ou extinga (regra geral, pelo réu). Diz-se ação de conhecimento porque, nessa modalidade, o juiz realiza ampla cognição (amplo conhecimento dos fatos alegados), analisando todos os fatos alegados pelas partes, aos quais deverá conhecer e ponderar para formar sua convicção e sobre eles aplicar o direito, decidindo, através de sentença de mérito, pela procedência ou improcedência do pedido formulado pelo autor63.

As ações de conhecimento, por sua vez, subdividem-se em ações declaratórias, constitutivas e condenatórias64. Serão declaratórias quando o pedido for de uma decisão que simplesmente declare a existência ou inexistência de uma relação jurídica (exemplo: a declaração de inexistência de um débito)65.

Serão constitutivas quando o pedido visar a criação, modificação ou extinção de relações jurídicas (ex: ação de separação judicial, ação de divórcio, ação de investigação de paternidade)66.

Serão condenatórias quando visam a imposição de uma sanção, ou seja, uma determinação cogente, sob pena de execução coativa (de execução forçada, com a constrição (penhora) de bens para garantir o pagamento da quantia executada67. Estas (ações condenatórias) visam a uma decisão que contenha uma declaração quanto à relação jurídica discutida e, além disso, a condenação do Réu numa prestação68. Exemplo: proponho uma ação condenatória em face de João para, sob a alegação de que realizei um contrato de compra e venda de um veículo e, apesar de ter pago todo o valor, João não cumpriu a sua obrigação de entregar o veículo vendido. Essa ação objetivará que o Juiz declare o meu direito a receber o veículo, obrigando (condenando) João a entrega-lo em determinado prazo. Caso João não cumpra com a decisão(sentença) condenatória do juiz (que julgou procedente o meu pedido), posso executar a sentença (ação de execução) para que seja João citado a fim de entregar o veículo sob pena de busca e apreensão do bem (execução forçada).

62 WAMBIER. Op. Cit., pp. 111-11263 Ibidem, p. 11264 GRECO FILHO, Vicente. Op. cit., p. 9365 Idem66 Idem67 Idem68 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit .p. 182

- Ação de execução: são as ações que provocam providências jurisdicionais de execução. Para bem se compreender o que sejam ações executivas, convém retomar as noções expostas a respeito das ações condenatórias. Estas (ações condenatórias) visam a uma decisão que contenha uma declaração quanto à relação jurídica discutida e, além disso, a condenação do Réu numa prestação69. Por outras palavras, as sentença, nas ações condenatórias, além de declarar a existência de uma relação jurídica, aplicam, em concreto, a sanção que em abstrato se contém na lei para aqueles que desobedecem o imperativo legal (uma ação que condena o Réu a indenizar o autor não só declara que o Réu enquadra-se no artigo 927 do Código Civil, como também o obriga a indenizar pelos danos causados no Autor)70. Além da função declaratória, as sentenças condenatórias têm uma função sancionadora (obriga o Réu ao cumprimento de determinada prestação). Por força dessa função, a sentença condenatória conclui por condenar o réu, aplicando-lhe uma sanção71.

Quando a sentença aplica uma sanção (isto é, obriga o Réu ao cumprimento de determinada prestação), atribui ao Autor um título executivo72. Pode acontecer que, proferida a sentença na ação condenatória, o réu (que é o devedor) satisfaça a obrigação para a qual foi condenado na sentença. Pode, entretanto, acontecer de deixar de cumprir a obrigação. Nessa hipótese, poderá o credor utilizar-se da sentença condenatória, como título executivo, para solicitar da jurisdição (função jurisdicional do Estado) providências indispensáveis à realização prática da regra sancionada (isto é, da obrigação imposta na sentença)73. Exemplifiquemos: se na ação de condenação o Réu foi condenado a pagar R$ 1.000,00 ao Autor e não cumpre com essa obrigação, a sentença condenatória será título executivo que permitirá ao Autor que requeira ao juiz competente a “execução” da obrigação, isto é, a utilização da força do Estado para o cumprimento efetivo da obrigação, através de instrumentos como, por exemplo, a penhora de bens (constrição de bens com o objetivo de garantir o pagamento da dívida, de forma que, não paga a dívida, o referido bem será alienado judicialmente para o pagamento da dívida)

Assim, a ação executiva tem por pressuposto um título executivo (vide artigo 583 do CPC, abaixo transcrito). Com fundamento nesse título, o credor provoca as atividades jurisdicionais necessárias a transformar um estado de fato existente de modo a que se dê a realização prática da sanção. Por outras palavras, por meio da ação executiva pede-se a realização de atos executórios 69 Ibidem, p. 18270 Idem71 Idem72 Utilizaremos, nesse momento, um conceito provisório e precário de “título de crédito”, qual seja: é o documento que reflete a certeza do direito de uma determinada pessoa (credor) receber determinada prestação de outra pessoa (devedor).73 SANTOS, Moacyr Amaral. Op. cit .p. 182

que tornem efetiva a sanção. O credor pede que se pratiquem atos de execução, como, por exemplo: a penhora de bens do réu, para que sejam levados à praça (forma de venda judicial de bens), vendidos, transformados em dinheiro, para seu pagamento e satisfação de seus direitos74.

- Ação cautelar: são as ações que visam a providências urgentes e provisórias, tendentes a assegurar os efeitos de uma providência principal, em perigo por eventual demora75.

74 Idem75 Idem