apostila políticas públicas sus

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1 1 CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO Disciplina: POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL Carga Horária: 20 horas PROGRAMA EMENTA: Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil. O Sistema Único de Saúde: legislação e organização. Atenção Primária: eixo estruturante do sistema de saúde. Promoção e Vigilância: o novo paradigma da saúde. SUS: avanços e desafios. OBJETIVOS: Analisar a evolução das políticas de saúde no Brasil com base em material específico; Discutir os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde através de referências teórico-práticas; Descrever os sentidos e significados da promoção e vigilância em saúde para a organização do SUS; Discutir a atenção primária como eixo estruturante do SUS. CONTEÚDOS: Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil; SUS: princípios e diretrizes; A Legislação do SUS: NOBs, NOAS, Pacto pela Saúde e Decreto 2011; Promoção e Vigilância em Saúde: sentidos e significados para a organização de um sistema de saúde; A Atenção Primária como eixo estruturante de um Sistema de Saúde; Avanços e desafios do Sistema de Saúde brasileiro METODOLOGIA: As ações didático-pedagógicas serão desenvolvidas com base nos princípios interacionistas refletidos nas abordagens conceitual, procedimental e atitudinal, bem como na relação teoria e prática de forma contextualizada e crítica. Para tanto, a disciplina está organizada em dois momentos: presencial e complementar. O momento presencial congregará atividades de discussão, exposição dialógica, painel, trabalhos individuais e em equipe. O momento complementar consistirá na realização de uma atividade de campo em equipe. RECURSOS DIDÁTICOS:

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Discorre sobre o surgimento do SUS, todo o seu histórico e funcionamento.

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO Disciplina: POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL

Carga Horária: 20 horas

PROGRAMA

EMENTA: Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil. O Sistema Único de Saúde: legislação e organização. Atenção Primária: eixo estruturante do sistema de saúde. Promoção e Vigilância: o novo paradigma da saúde. SUS: avanços e desafios. OBJETIVOS:

Analisar a evolução das políticas de saúde no Brasil com base em material específico;

Discutir os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde através de referências teórico-práticas;

Descrever os sentidos e significados da promoção e vigilância em saúde para a organização do SUS;

Discutir a atenção primária como eixo estruturante do SUS.

CONTEÚDOS:

Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil;

SUS: princípios e diretrizes;

A Legislação do SUS: NOBs, NOAS, Pacto pela Saúde e Decreto 2011;

Promoção e Vigilância em Saúde: sentidos e significados para a organização de um sistema de saúde;

A Atenção Primária como eixo estruturante de um Sistema de Saúde;

Avanços e desafios do Sistema de Saúde brasileiro

METODOLOGIA: As ações didático-pedagógicas serão desenvolvidas com base nos princípios interacionistas refletidos nas abordagens conceitual, procedimental e atitudinal, bem como na relação teoria e prática de forma contextualizada e crítica. Para tanto, a disciplina está organizada em dois momentos: presencial e complementar. O momento presencial congregará atividades de discussão, exposição dialógica, painel, trabalhos individuais e em equipe. O momento complementar consistirá na realização de uma atividade de campo em equipe. RECURSOS DIDÁTICOS:

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Textos de estilos diversificados, papel cartão, papel pardo, pincéis atômicos, hidrocores, quadro branco, jornais, revistas, micro system, CDs, Data show, vídeo e acessórios. AVALIAÇÃO: O processo avaliativo compreenderá a avaliação institucional, avaliação docente e auto-avaliação. Será realizado por todos os sujeitos do processo ensino-aprendizagem, no decorrer das atividades, com base nos objetivos e no contrato didático elaborado coletivamente.

APRESENTAÇÃO

O setor saúde tem passado por um importante processo de transformação em sua base teórica e em suas práticas assistenciais. A transição do modelo assistencial que se vivencia hoje com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), superando a lógica assistencialista, hospitalocêntrica para um modelo baseado na atenção integral ao indivíduo inserido em seu context social e familiar, é o exemplo mais claro da reestruturação dos services de saúde. Uma consequência clara e evidente das inovações nesse campo relaciona-se às novas exigências para o profissional da area, voltadas ao conhecimento de diferentes aspectos envolvidos no cuidado de clients/usuários à luz do novo paradigm da promoção e vigilância em saúde e à reorganização das ações. Assim, torna-se indispensável uma formação com forte recorte do campo da saúde coletiva propiciando ao novo profissional da saúde à reflexão sobre as relações saúde-sociedade, indivíduo-estado e instituições do campo. O presente referencial busca fomentar a discussão do processo de evolução histórica do SUS, seus instrumentos normativos e a aplicabilidade prática de suas diretrizes e princípios.

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DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE

Alma-Ata, URSS, 6-12 de setembro de 1978 A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, reunida em Alma-Ataaos doze dias do mês de setembro de mil novecentos e setenta e oito, expressando a necessidade de ação urgente de todos os governos, de todos os que trabalham nos campos da saúde e do desenvolvimento e da comunidade mundial para promover a saúde de todos os povos do mundo, formulou a seguinte declaração: I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado de completo bem- estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor saúde. II) A chocante desigualdade existente no estado de saúde dos povos, particularmente entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como dentro dos países, é política, social e economicamente inaceitável e constitui, por isso, objeto da preocupação comum de todos os países. III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem econômica internacional é de importância fundamental para a mais plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor qualidade de vida e para a paz mundial. IV) É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde. V) Os governos têm pela saúde de seus povos uma responsabilidade que só pode ser realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais. Uma das principais metas sociais dos governos, das organizações internacionais e de toda a comunidade mundial na próxima década deve ser a de que todos os povos do mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito da justiça social. VI) Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde. VII) Os cuidados primários de saúde: 1 - Refletem, e a partir delas evoluem, as condições econômicas e as características socioculturais e políticas do país e de suas comunidades, e se baseiam na aplicação dos resultados relevantes da pesquisa social, biomédica e de serviços de saúde e da experiência em saúde pública. 2 - Têm em vista os principais problemas de saúde da comunidade, proporcionando serviços de proteção, cura e reabilitação, conforme as necessidades. 3 - Incluem pelo menos: educação, no tocante a problemas prevalecentes de saúde e aos métodos para sua prevenção e controle, promoção da distribuição de alimentos e da nutrição apropriada, previsão adequada de água de boa qualidade e saneamento básico, cuidados de saúde materno-infantil, inclusive planejamento familiar, imunização contra as principais doenças infecciosas, prevenção e controle de doenças localmente endêmicas, tratamento apropriado de doenças e lesões comuns e fornecimento de medicamentos essenciais. 4 - Envolvem, além do setor saúde, todos os setores e aspectos correlatos do desenvolvimento nacional e comunitário, mormente a agricultura, a pecuária, a produção de alimentos, a indústria, a educação, a habitação, as obras públicas, as comunicações e outros setores.

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5 - Requerem e promovem a máxima autoconfiança e participação comunitária e individual no planejamento, organização, operação e controle dos cuidados primários de saúde, fazendo o mais pleno uso possível de recursos disponíveis, locais, nacionais e outros, e para esse fim desenvolvem, através da educação apropriada, a capacidade de participação das comunidades. 6 - Devem ser apoiados por sistemas de referência integrados, funcionais e mutuamente amparados, levando à progressiva melhoria dos cuidados gerais de saúde para todos e dando prioridade aos que têm mais necessidade. 7 - Baseiam-se, nos níveis locais e de encaminhamento, nos que trabalham no campo da saúde, inclusive médicos, enfermeiros, parteiras, auxiliares e agentes comunitários, conforme seja aplicável, assim como em praticantes tradicionais, conforme seja necessário, convenientemente treinados para trabalhar, social e tecnicamente, ao lado da equipe de saúde e responder às necessidades expressas de saúde da comunidade. VIII) Todos os governos devem formular políticas, estratégias e planos nacionais de ação para lançar/sustentar os cuidados primários de saúde em coordenação com outros setores. Para esse fim, será necessário agir com vontade política, mobilizar os recursos do país e utilizar racionalmente os recursos externos disponíveis. IX) Todos os países devem cooperar, num espírito de comunidade e serviço, para assegurar os cuidados primários de saúde a todos os povos, uma vez que a consecução da saúde do povo de qualquer país interessa e beneficia diretamente todos os outros países. Nesse contexto, o relatório conjunto da OMS/UNICEF sobre cuidados primários de saúde constitui sólida base para o aprimoramento adicional e a operação dos cuidados primários de saúde em todo o mundo. X) Poder-se-á atingir nível aceitável de saúde para todos os povos do mundo até o ano 2000 mediante o melhor e mais completo uso dos recursos mundiais, dos quais uma parte considerável é atualmente gasta em armamento e conflitos militares. Uma política legítima de independência, paz, distensão e desarmamento pode e deve liberar recursos adicionais, que podem ser destinados a fins pacíficos e, em particular, à aceleração do desenvolvimento social e econômico, do qual os cuidados primários de saúde, como parte essencial, devem receber sua parcela apropriada. A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde concita à ação internacional e nacional urgente e eficaz, para que os cuidados primários de saúde sejam desenvolvidos e aplicados em todo o mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, num espírito de cooperação técnica e em consonância com a nova ordem econômica internacional. Exorta os governos, a OMS e o UNICEF, assim como outras organizações internacionais, entidades multilaterais e bilaterais, organizações governamentais, agência financeiras, todos os que trabalham no campo da saúde e toda a comunidade mundial a apoiar um compromisso nacional e internacional para com os cuidados primários de saúde e a canalizar maior volume de apoio técnico e financeiro para esse fim, particularmente nos países em desenvolvimento. A Conferência concita todos a colaborar para que os cuidados primários de saúde sejam introduzidos, desenvolvidos e mantidos, de acordo com a letra e espírito desta Declaração.

CARTA DE OTTAWA

PRIMEIRA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE PROMOÇÃO DA SAÚDE Ottawa, novembro de 1986

Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, realizada em Ottawa, Canadá, novembro de 1986, apresenta neste documento sua Carta de Intenções, que seguramente contribuirá para se atingir Saúde para Todos no Ano 2000 e anos subseqüentes. Esta Conferência foi, antes de tudo, uma resposta às crescentes expectativas por uma nova saúde pública, movimento que vem ocorrendo em todo o mundo. As discussões principalmente as necessidades em saúde nos países industrializados, embora tenham levado em conta necessidades semelhantes de outras regiões do globo. As discussões foram baseadas nos progressos alcançados com a Declaração de Alma-Ata para os Cuidados Primários em Saúde, com o documento da OMS sobre Saúde Para Todos,

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assim como com o debate ocorrido na Assembléia Mundial da Saúde sobre as ações intersetoriais necessárias para o setor. PROMOÇÃO DA SAÚDE Promoção da saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e, pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global. PRÉ-REQUISITOS PARA A SAÚDE As condições e os recursos fundamentais para a saúde são: Paz – Habitação – Educação – Alimentação – Renda - ecossistema estável – recursos sustentáveis - justiça social e equidade. O incremento nas condições de saúde requer uma base sólida nestes pré-requisitos básicos. Os participantes desta Conferência comprometem-se a: • atuar no campo das políticas públicas saudáveis e advogar um compromisso político claro em relação à saúde e à eqüidade em todos os setores; • agir contra a produção de produtos prejudiciais à saúde, a degradação dos recursos naturais, as condições ambientais e de vida não-saudáveis e a má-nutrição; e centrar sua atenção nos novos temas da saúde pública, tais como a poluição, o trabalho perigoso e as questões da habitação e dos assentamentos rurais; • atuar pela diminuição do fosso existente, quanto às condições de saúde, entre diferentes sociedades e distintos grupos sociais, bem como lutar contra as desigualdades em saúde produzidas pelas regras e práticas desta mesma sociedade; • reconhecer as pessoas como o principal recurso para a saúde; apoiá-las e capacitálas para que se mantenham saudáveis a si próprias, às suas famílias e amigos, através de financiamentos e/ou outras formas de apoio; e aceitar a comunidade como porta-voz essencial em matéria de saúde, condições de vida e bem-estar; • reorientar os serviços de saúde e os recursos disponíveis para a promoção da saúde; incentivar a participação e colaboração de outros setores, outras disciplinas e, mais importante, da própria comunidade; • reconhecer a saúde e sua manutenção como o maior desafio e o principal investimento social dos governos; e dedicar-se ao tema da ecologia em geral e das diferentes maneiras de vida; • a Conferência conclama a todos os interessados juntar esforços no compromisso por uma forte aliança em torno da saúde pública. POR UMA AÇÃO INTERNACIONAL A Conferência conclama a OMS e outras organizações internacionais para a defesa da promoção da saúde em todos os fóruns apropriados e para o apoio aos países no estabelecimento de estratégias e programas para a promoção da saúde. A Conferência está firmemente convencida de que se as pessoas, as ONGs e organizações voluntárias, os governos, a OMS e demais organismos interessados, juntarem seus esforços na introdução e implementação de estratégias para a promoção da saúde, de acordo com os valores morais e sociais que formam a base desta Carta, a Saúde Para Todos no Ano 2000 será uma realidade!

SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988

Seção II Da Saúde Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

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Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. Parágrafo Único. O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recurso do orçamento da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE Secretaria Estadual de Saúde do Pará. Texto disponível no site

www.sespa.pa.gov.br/Sus/Sus/sus_oquee.htm (reprodução parcial) O Sistema Único de Saúde - SUS constitui o modelo oficial público de atenção à saúde em todo o país, sendo um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo e o único a garantir assistência integral e totalmente gratuita para a totalidade da população, inclusive aos pacientes portadores do HIV, sintomáticos ou não, aos pacientes renais crônicos e aos pacientes com câncer. O SUS está definido na Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990´- Lei Orgânica da Saúde, como "o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, incluídas as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde", garantida, também, a participação complementar da iniciativa privada no Sistema Único de Saúde. A direção do SUS, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, é única, sendo exercida em âmbito nacional pelo Ministério da Saúde; em âmbito estadual e no Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente e, no âmbito municipal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. A Lei Nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe, entre outros assuntos, sobre a participação da comunidade na gestão do SUS, estabelece, no seu artigo 1°, que o SUS, "contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde". A Conferência de Saúde, pelo menos a cada quatro anos, é convocada para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis nacional, estadual e municipal. O Conselho de Saúde, órgão colegiado com caráter permanente e deliberativo, composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, sendo que suas decisões requerem a homologação do chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. A Comissão Intergestores Tripartite - CIT, integrada por representantes dos gestores municipais (CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde), estaduais (CONASS - Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e federal (Ministério da Saúde) − e a Comissão Intergestores Bipartite - CIB, integrada por representantes dos gestores municipais (COSEMS - Colegiado de Secretários Municipais de Saúde) e estadual (Secretaria Estadual de Saúde), criadas pela segunda Norma Operacional Básica do SUS - a NOB-SUS 01/93, são responsáveis pelo gerenciamento do Sistema Único de Saúde, apreciando, entre outros assuntos, os pactos e programações entre gestores, buscando a integração entre as esferas de governo. Nelas são pactuados, por exemplo, os tetos financeiros possíveis − dentro das disponibilidades orçamentárias conjunturais − oriundos dos recursos das três esferas de governo, capazes de viabilizar a atenção às necessidades assistenciais e às exigências ambientais. O Sistema Único de Saúde - SUS - foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas

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Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto. Do Sistema Único de Saúde fazem parte os centros e postos de saúde, hospitais - incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros (bancos de sangue), além de fundações e institutos de pesquisa, como a FIOCRUZ - Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Vital Brazil. Através do Sistema Único de Saúde, todos os cidadãos têm direito a consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas ao SUS, sejam públicas (da esfera municipal, estadual e federal), ou privadas, contratadas pelo gestor público de saúde. O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos arrecadados através de impostos e contribuições sociais pagos pela população e compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal. Tem como meta tornar-se um importante mecanismo de promoção da eqüidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder aquisitivo do cidadão. O SUS se propõe a promover a saúde, priorizando as ações preventivas, democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus direitos e os riscos à sua saúde. O controle da ocorrência de doenças, seu aumento e propagação (Vigilância Epidemiológica) são algumas das responsabilidades de atenção do SUS, assim como o controle da qualidade de remédios, de exames, de alimentos, higiene e adequação de instalações que atendem ao público, onde atua a Vigilância Sanitária. O setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação de serviço ao Estado – quando as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir o atendimento a toda a população de uma determinada região. ANTECEDENTES Desde o início do século passado, até o final dos anos sessenta, o sistema de saúde brasileiro se preocupava, fundamentalmente, com o combate em massa de doenças, através das campanhas de saúde pública. A partir dos anos setenta, passou a priorizar a assistência médica curativa e individual. Em 1975, através da Lei 6.229, foi criado o Sistema Nacional de Saúde, separando as ações de saúde pública das ações ditas de atenção às pessoas. Em 1977, se criou INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, para tender exclusivamente as pessoas que possuíam carteira de trabalho. O atendimento dos desempregados e residentes no interior era de responsabilidade das Secretarias Estaduais de Saúde e dos serviços públicos federais. Somente a partir dos anos oitenta, mudanças econômicas e políticas ocorridas no país, passaram a exigir a substituição do modelo médico-assistencial privatista por um outro modelo de atenção à saúde. Os primeiros sinais de mudança do modelo de atenção à saúde no Brasil, surgiram com a criação, em 1979, do PIASS – Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento a partir de alguns projetos pilotos medicina comunitária. Em 1983, se implantou a AIS – Ações Integradas de Saúde, o primeiro desenho estratégico de co-gestão, de desconcentração e de universalização da atenção à saúde. Em 1986 foi realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde e, no ano seguinte, se criou o SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde, que representou a desconcentração das atividades do INAMPS para as Secretarias Estaduais de Saúde. A Constituição Federal de 1988, incorporando, parcialmente, as propostas estabelecidas pelo movimento da reforma sanitária brasileira criou o Sistema Único de Saúde, regulamentado dois anos depois pelas Leis 8.080, de 19 de setembro de 1990 e 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Um passo significativo na direção do cumprimento da definição constitucional de construção do Sistema Único de Saúde, foi a publicação do decreto nº 99.060, de 7 de março de 1990, que transferiu o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde. Em 27 de julho de 1993, quase três anos após a promulgação da lei 8.080, que regulamentou o SUS, o INAMPS foi extinto através da Lei n° 8.689, sendo suas funções, competências, atividades e atribuições absorvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal do SUS. Ao se preservar as funções, competências, atividades e atribuições do INAMPS, se preservou também a sua lógica de financiamento e de alocação de recursos financeiros, como, por exemplo, o estabelecimento de limites ou tetos físicos e financeiros para as Unidades Federadas.

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PRINCÍPIOS O SUS deve ser entendido como um processo em marcha de produção social da saúde, que não se iniciou em 1988, com a sua inclusão na Constituição Federal, nem tão pouco tem um momento definido para ser concluído. Ao contrário, resulta de propostas defendidas ao longo de muitos anos pelo conjunto da sociedade e por muitos anos ainda estará sujeito a aprimoramentos. Segundo a legislação brasileira, a saúde é um direito fundamental do ser humano, cabendo ao poder público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) garantir este direito, através de políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de se adoecer e morrer, bem como o acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. O acesso universal significa que ao SUS compete atender a toda população, seja através dos serviços estatais prestados pela União, Distrito Federal, Estados e Municípios, seja através dos serviços privados conveniados ou contratados com o poder público. O acesso igualitário não significa que o SUS deva tratar a todos de forma igual, mas sim respeitar os direitos de cada um, segundo as suas diferenças, apoiando-se mais na convicção íntima da justiça natural do que na letra da lei. CONTROLE SOCIAL Tanto a Constituição Federal como as leis orgânicas da saúde (8.080 e 8.142) estabelecem que saúde é direito de todos e dever do estado e suas ações e serviços devem ser organizados com a participação da comunidade. Isso quer dizer que o SUS impõe o direito de cidadania que deve ser exercido, institucionalmente, através dos Conselhos de Saúde, em cada esfera de governo – federal, estadual e municipal. Embora em muitos lugares, os Conselhos de Saúde não sejam mais do que palco de imposições governamentais e de influências partidárias ou corporativas, no geral o resultado parece apontar para a democratização da saúde. Avaliações dos Conselhos de Saúde existentes apontam para a necessidade de se propiciar a capacitação dos conselheiros mediante cursos regulares e de prover, de forma sistemática, as informações necessárias para o exercício do controle social da saúde. Manda a Lei 8.689: ―O gestor do SUS em cada esfera de Governo, apresentará trimestralmente, ao conselho de saúde correspondente e em audiência pública nas câmaras de vereadores e nas assembléias legislativas respectivas, para análise e ampla divulgação, relatório detalhado, contendo, dentre outros, dados sobre o montante e a fonte de recursos aplicados, auditorias concluídas ou iniciadas no período, bem como sobre a oferta e produção de serviços na rede assistencial própria, contratada ou conveniada‖. FINANCIAMENTO. Segundo a Constituição Federal (Parágrafo Único, do artigo 198) o financiamento do SUS se dá pelo orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, além de outras fontes. Portanto, o SUS é uma responsabilidade financeira dos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. Confirmando esse conceito, em setembro de 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional 29 (EC-29), que determina a vinculação de receitas das três esferas de governo para o SUS, definindo percentuais mínimos de recursos para as ações e serviços de saúde, vinculados à arrecadação de impostos e às transferências constitucionais. Provisoriamente, até que seja elaborada lei complementar, a EC-29 acresceu, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o artigo 77, que define os recursos mínimos a serem aplicados, de 2000 a 2004, nas ações e serviços públicos de saúde, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Por outro lado, reforçou a obrigatoriedade desses recursos serem aplicados por meio dos respectivos Fundos de Saúde, que serão acompanhados e fiscalizados pelos Conselhos de Saúde correspondentes. Portanto, desde o ano de 2000, passam a existir fontes de recursos e percentuais definidos para o SUS, o que antes não havia. Progressivamente, até 2004, a União terá que gastar no SUS, no mínimo, o valor empenhado no ano anterior acrescido da variação nominal do PIB – Produto Interno Bruto (5% em 1999). Os Estados e o Distrito Federal terão que gastar, no

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mínimo, 12% do produto da arrecadação dos impostos próprios e dos que lhes são transferidos pela União, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos Municípios. O Distrito Federal e os Municípios terão que gastar, no mínimo, 15% o produto da arrecadação dos impostos próprios e dos que lhes são transferidos pela União e, no caso dos municípios, também pelos Estados. Com o advento da EC-29 estimou-se que o gasto público em saúde, em 2001, chegaria a casa dos 40,4 bilhões de reais. Destes, 22,2 bilhões (55%) gastos pela esfera federal, 7,7 bilhões (19%) pelos governos estaduais e 10,5 bilhões (26%) pelos municípios. São, fundamentalmente, 3 (três) os mecanismos de transferência dos recursos do SUS da União para os estados, Distrito Federal e Municípios: • Transferência fundo a fundo: Os recursos são repassados diretamente do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos estaduais e municipais, independentemente de convênio ou qualquer outro instrumento congênere, segundo as condições de gestão. • Transferência por Serviços Produzidos: Os recursos são pagos diretamente a prestadores da rede estadual ou privados, contratados ou conveniados, contra apresentação de faturas, referentes a serviços realizados conforme programação e mediante prévia autorização do gestor, obedecendo as tabelas editadas pelo MS/SAS. • Transferência por Convênio: os recursos são repassados via convênio, visando a execução descentralizada de programa e ações de saúde, com interesses mútuos, ou cumprimento de emendas parlamentares ou, ainda, a assistência financeira suplementar. Os recursos federais, devido à habilitação dos estados e municípios, passam a ser transferidos diretamente do Fundo Nacional de Saúde aos Fundos Estaduais e Municipais, em observância ao mecanismo instituído pelo Decreto N° 1.232, de 30 de agosto de 1994. Além das transferências do Fundo Nacional de Saúde, os Fundos Estaduais e Municipais recebem aportes de seus próprios orçamentos. E, em alguns estados, há o repasse de recursos próprios para os Fundos Municipais de Saúde, de acordo com regras definidas no âmbito estadual.

O HISTÓRICO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretária de Assistência à Saúde. O SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE

BRASILEIRO. Brasília: Ministério da Saúde. 2002. (reprodução parcial) Antecedentes do SUS Antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde (MS), com o apoio dos estados e municípios, desenvolvia quase que exclusivamente ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, com destaque para as campanhas de vacinação e controle de endemias. Todas essas ações eram desenvolvidas com caráter universal, ou seja, sem nenhum tipo de discriminação com relação à população beneficiária. Na área de assistência à saúde, o MS atuava apenas por meio de alguns poucos hospitais especializados, nas áreas de psiquiatria e tuberculose, além da ação da Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP) em algumas regiões específicas, com destaque para o interior do Norte e Nordeste. Essa ação, também chamada de assistência médico-hospitalar, era prestada à parcela da população definida como indigente, por alguns municípios e estados e, principalmente, por instituições de caráter filantrópico. Essa população não tinha nenhum direito e a assistência que recebia era na condição de um favor, uma caridade. A grande atuação do poder público nessa área se dava através do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) que depois passou a ser denominado Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia do Ministério da Previdência e Assistência Social. O INPS foi o resultado da fusão dos institutos de aposentadorias e pensões (os denominados IAPs) de diferentes categorias profissionais organizadas (bancários, comerciários, industriários, dentre outros), que posteriormente foi desdobrado em Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Este último, tinha a responsabilidade de prestar assistência à saúde de seus associados, o que justificava a construção de grandes unidades de atendimento ambulatorial e

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hospitalar, como também da contratação de serviços privados nos grandes centros urbanos, onde estava a maioria dos seus beneficiários. A assistência à saúde desenvolvida pelo INAMPS beneficiava apenas os trabalhadores da economia formal, com ―carteira assinada‖, e seus dependentes, ou seja, não tinha o caráter universal que passa a ser um dos princípios fundamentais do SUS. Desta forma, o INAMPS aplicava nos estados, através de suas Superintendências Regionais, recursos para a assistência à saúde de modo mais ou menos proporcional ao volume de recursos arrecadados e de beneficiários existente. Portanto, quanto mais desenvolvida a economia do estado, com maior presença das relações formais de trabalho, maior o número de beneficiários e, conseqüentemente, maior a necessidade de recursos para garantir a assistência a essa população. Dessa forma, o INAMPS aplicava mais recursos nos estados das Regiões Sul e Sudeste, mais ricos, e nessas e em outras regiões, em maior proporção nas cidades de maior porte. Nessa época, os brasileiros, com relação à assistência à saúde, estavam divididos em três categorias, a saber: • Os que podiam pagar pelos serviços • Os que tinham direito a assistência prestada pelo INAMPS, e • Os que não tinham nenhum direito. Proporcionalmente a Região Sudeste, mais rica, foi a que recebeu mais recursos e que as Regiões Norte e Nordeste, mais pobres, foram a que menos receberam. Esses recursos eram utilizados para o custeio das unidades próprias do INAMPS (Postos de Assistência Médica e Hospitais) e, principalmente, para a compra de serviços da iniciativa privada. Com a crise de financiamento da Previdência, que começa a se manifestar a partir de meados da década de 70, o INAMPS adota várias providências para racionalizar suas despesas e começa, na década de 80, a ―comprar‖ serviços do setor público (redes de unidades das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde), inicialmente por meio de convênios. A assistência à saúde prestada pela rede pública, apesar do financiamento do INAMPS apenas para os seus beneficiários, preservou o seu caráter de universalidade da clientela. Também, nessa época, o INAMPS passa a dar aos trabalhadores rurais, até então precariamente assistidos por hospitais conveniados com o FUNRURAL, um tratamento equivalente àquele prestado aos trabalhadores urbanos. Mesmo com a crise que já se abatia sobre o INAMPS, essa medida significou uma grande melhoria nas condições de acesso dessa população aos serviços de saúde, particularmente na área hospitalar. No final da década de 80, o INAMPS adotou uma série de medidas que o aproximaram ainda mais de uma cobertura universal de clientela, dentre as quais se destaca o fim da exigência da Carteira de Segurado do INAMPS para o atendimento nos hospitais próprios e conveniados da rede pública. Esse processo culminou com a instituição do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), implementado por meio da celebração de convênios entre o INAMPS e os governos estaduais. Assim, podemos verificar que começava a se construir no Brasil um sistema de saúde com tendência à cobertura universal, mesmo antes da aprovação da Lei 8.080 (também conhecida como Lei Orgânica da Saúde), que instituiu o SUS. Isso foi motivado, por um lado, pela crescente crise de financiamento do modelo de assistência médica da Previdência Social e, por outro, à grande mobilização política dos trabalhadores da saúde, de centros universitários e de setores organizados da sociedade, que constituíam o então denominado ―Movimento da Reforma Sanitária‖, no contexto da democratização do país. A configuração institucional do SUS Uma primeira e grande conquista do Movimento da Reforma Sanitária foi, em 1988, a definição na Constituição Federal (CF) relativa ao setor saúde. O Art. 196 da CF conceitua que ―a saúde é direito de todos e dever do Estado(...)‖. Aqui se define de maneira clara a universalidade da cobertura do Sistema Único de Saúde. Já o parágrafo único do Art. 198 determina que: ―o sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes‖. Esta questão é de extrema importância, pois, em todo debate sobre o financiamento do SUS, a ênfase é na participação da União, como se esta fosse a única responsável. Um dos fatores determinantes deste entendimento foi, provavelmente, o papel do INAMPS no início do SUS, como veremos mais adiante. Um passo significativo na direção do cumprimento da determinação constitucional de construção do Sistema Único de Saúde foi a publicação do decreto n.º 99.060, de 7 de março de 1990, que transferiu o INAMPS do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde. Esse fato, portanto, foi anterior à promulgação da Lei

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8.080, que só veio a ocorrer em setembro do mesmo ano. A Lei 8.080 instituiu o Sistema Único de Saúde, com comando único em cada esfera de governo e definiu o Ministério da Saúde como gestor no âmbito da União. A Lei, no seu Capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes, Art. 7º, estabelece entre os princípios do SUS a ―universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência‖. Isso se constituiu numa grande alteração da situação até então vigente. O Brasil passou a contar com um sistema público de saúde único e universal. O processo de implantação do SUS Antes de tudo, é importante destacar que, como descrito anteriormente, o Sistema Único de Saúde começou a ser implantado por meio de uma estratégia que buscou dar caráter universal à cobertura das ações de saúde, até então proporcionada pelo INAMPS apenas para os seus beneficiários. No final da década de 80, o setor público de assistência à saúde mantinha uma estreita relação com o INAMPS, que a partir de 1990 passou a integrar a estrutura do Ministério da Saúde e que já vinha, nos anos anteriores, participando de modo significativo do seu financiamento. Considerando-se essa relação e a continuidade da participação do Ministério da Previdência no financiamento do INAMPS, este foi inicialmente preservado e se constituiu no instrumento para assegurar a continuidade, agora em caráter universal, da assistência médico-hospitalar a ser prestada à população. O INAMPS somente foi extinto pela Lei n° 8.689, de 27 de julho de 1993, portanto quase três anos após a promulgação da lei que instituiu o SUS. No parágrafo único do seu artigo primeiro, a lei que extinguiu o INAMPS estabelecia que: ―As funções, competências, atividades e atribuições do INAMPS serão absorvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal gestoras do Sistema Único de Saúde, de acordo com as respectivas competências, critérios e demais disposições das Leis n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.142, de 28 de dezembro de 1990‖. Ao se preservar o INAMPS, preservou-se também a sua lógica de financiamento e de alocação de recursos financeiros. Dessa forma, o SUS inicia a sua atuação na área da assistência à saúde com caráter universal, utilizando-se de uma instituição que tinha sido criada e organizada para prestar assistência a uma parcela limitada da população. Uma das consequências desta ―preservação‖ foi o estabelecimento de limites físicos e financeiros para as unidades federadas na lógica do INAMPS, que garantiria a manutenção da situação até então vigente. Ou seja, o SUS não adotou uma lógica própria para financiar a assistência à saúde de toda a população o que significaria um grande remanejamento da alocação de recursos entre os estados. Essa medida, sem dúvidas, geraria uma forte reação política dos estados mais desenvolvidos e que contavam com uma maior proporção de recursos. A primeira alocação de recursos feita pelo Ministério da Saúde, na condição de gestor federal do SUS, baseou-se, fundamentalmente, na situação deixada pelo INAMPS, como resultado da capacidade instalada dos serviços de saúde, construída ao longo do tempo para atender à população previdenciária, e carregou consigo uma imensa desigualdade na divisão dos recursos entre os estados pois, agora, a assistência passava a ter um caráter universal. Porém, a manutenção do INAMPS e de sua lógica de financiamento não evitou que, a partir de maio de 1993 e, portanto, pouco antes da sua extinção (em 27 de julho de 1993), o Ministério da Previdência Social deixasse de repassar para o Ministério da Saúde recursos da previdência social criando uma enorme defasagem entre a nova responsabilidade constitucional e a disponibilidade orçamentária. Os anos de 1993 e de 1994 foram de grandes dificuldades para o SUS, pela falta de uma fonte de financiamento que garantisse recursos para honrar os compromissos resultantes das definições da Constituição Federal e da Lei Orgânica da Saúde. O Sistema Único de Saúde vem passando, desde a sua instituição pela Lei Orgânica da Saúde em 1990, por importantes mudanças, entre as quais pode-se destacar o significativo avanço obtido na sua universalização, principalmente em decorrência de um importante processo de descentralização de responsabilidades, atribuições e recursos da esfera federal para estados e municípios, em oposição ao modelo anterior do sistema de saúde, caracterizado por marcante centralização decisória e financeira no nível federal. Esse processo tem sido orientado pelas Normas Operacionais do SUS, instituídas por meio de portarias ministeriais. Estas Normas definem as 23 competências de cada esfera de governo e as condições necessárias para que estados e municípios possam assumir as novas posições no processo de implantação do SUS. As Normas Operacionais definem critérios para que estados e municípios voluntariamente se habilitem a receber repasses de recursos do Fundo Nacional de Saúde para seus respectivos fundos de saúde. A habilitação às condições de gestão definidas nas Normas Operacionais é

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condicionada ao cumprimento de uma série de requisitos e ao compromisso de assumir um conjunto de responsabilidades referentes à gestão do sistema de saúde. Embora o instrumento formal seja uma portaria do Ministro da Saúde, o seu conteúdo é definido de forma compartilhada entre o Ministério e os representantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Para tanto foram criadas instancias de negociação, sendo uma a nível nacional, a Comissão Intergestores Tripartite (CIT – com representação do Ministério da saúde, do CONASS e do CONASEMS) e, em cada estado, uma Comissão Intergestores Bipartite (CIB), com representação da Secretaria Estadual de Saúde e do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (COSEMS). Desde o início do processo de implantação do SUS, foram publicas três Normas Operacionais Básicas (NOB SUS 1991, 1993 e em 1996.). No ano 2001 foi publicada a Norma Operacional da Assistência a Saúde (NOAS-SUS), atualmente em vigor. Uma das dimensões relevantes desse processo diz respeito à tentativa de definição do papel de cada esfera de governo no SUS, que se dá com intensos debates e conflitos, tendo em vista o caráter ainda recente do processo de democratização no Brasil, a marcante heterogeneidade política, econômica e social no país, as características do federalismo brasileiro e as intensas transformações por que o Estado brasileiro vem passando nas diversas áreas da política, entre outras questões. O papel dos três níveis de governo na assistência segundo a legislação do SUS A Constituição Federal, nos seus artigos 196 a 200, estabelece os princípios, diretrizes e competências do Sistema Único de Saúde, mas não aborda especificamente o papel de cada esfera de governo no SUS. Um maior detalhamento da competência e das atribuições da direção do SUS em cada esfera – nacional, estadual e municipal –, é feito pela Lei Orgânica da Saúde - LOS (Lei 8080, de 19 de setembro de 1990) (dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, organização e funcionamento dos serviços). A LOS estabelece em seu artigo 15 as atribuições comuns das três esferas de governo, de forma bastante genérica e abrangendo vários campos de atuação. Os artigos 16 a 19 procuram definir as competências de cada gestor do SUS e os artigos 20 a 26 também são relevantes ao tratarem da participação do setor privado no SUS. Os itens da LOS que abordam as questões referentes ao financiamento e participação social no SUS foram muito prejudicados pelos numerosos vetos presidenciais, sendo esse problema parcialmente contornado pela promulgação da Lei Complementar nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990 (Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros). Uma análise geral da Lei 8.080 permite destacar os seguintes pontos em relação às especificidades de atuação de cada gestor do SUS na assistência à saúde: Observações gerais: • Tende a haver maior especificação das competências do Ministério da Saúde e dos municípios do que das competências dos estados. 24 • Há grande ênfase na descentralização de ações e serviços para os municípios; ao Ministério da Saúde, não caberia a prestação direta de serviços, e no que diz respeito aos estados, a execução de ações e serviços seria apenas em caráter supletivo. • É destacado o papel do Ministério da Saúde de cooperação técnica aos estados e municípios e dos estados com os municípios. • Ministério da Saúde: Em geral, cabem ao Ministério da Saúde atividades estratégicas no âmbito nacional, seja no campo do planejamento, controle, avaliação e auditoria, como na promoção da descentralização. No que diz respeito às redes assistenciais, há um destaque no papel do MS em relação à definição e coordenação nacional de três sistemas: de alta complexidade, de laboratórios de saúde pública, e de sangue e hemoderivados. Outro destaque é dado ao papel do MS na regulação do setor privado, abrangendo a elaboração de normas para regular as relações entre o SUS e os serviços privados de assistência e também o estabelecimento de critérios e valores para remuneração de serviços e de parâmetros assistenciais de cobertura, sujeitos à aprovação do Conselho Nacional de Saúde. É também apontada como de competência da direção nacional do SUS a identificação de serviços estaduais e municipais de referência nacional para o estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde. De forma mais específica, cabe ao Ministério da Saúde:

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1. Elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal. 2. No que diz respeito à regionalização da assistência, o MS è responsável por: • Definir as normas e instrumentos técnicos de implementação da NOAS (inclusive os que regulam as relações entre o Sistema Único de Saúde e os serviços privados contratados de assistência à saúde) • Prestar cooperação técnica e financeira aos Estados para a elaboração dos instrumentos de planejamento (PDR, PPI, PDI) e para a implementação de sistemas de monitoramento e controle do sistema estadual (regulação) • Prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, DF e Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional • Gerenciar o sistema de referências interestaduais • Acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais. 3. Definir, normatizar, coordenar e oferecer cooperação técnica nacionalmente para os seguintes sistemas: a) Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados b) Sistema de Laboratórios de Saúde Pública c) Redes integradas de assistência de alta complexidade 4. Realizar investimentos voltados para a redução das desigualdades/iniqüidades no território nacional. 5. Exercer o papel de gerente e executor de serviços em caráter de exceção e/ou temporário, no caso de unidades complexas de referência nacional que ainda não tiverem sido transferidas a estados ou municípios. • Secretarias de Estado de Saúde No que concerne à função de planejamento, há uma referência indireta ao papel da direção estadual do SUS de planejar, programar e organizar a rede regionalizada e hierarquizada do SUS, 25 quando se fala que cabe aos municípios ―participar‖ desse processo, ―em articulação com sua direção estadual‖. Quanto ao controle e avaliação, há um destaque mais explícito para o papel do estado de acompanhamento, controle e avaliação das redes hierarquizadas do SUS. Em relação às redes assistenciais específicas, destaca-se o papel do gestor estadual na coordenação de três sistemas: de alta complexidade, de laboratórios de saúde pública e de hemocentros (somente nesses últimos dois casos, incluindo ―gerir unidades que permaneçam em sua organização administrativa‖). Não há referência a competências específicas do gestor estadual no que diz respeito ao planejamento, controle, avaliação, gestão e execução geral de ações e serviços, a não ser em caráter suplementar. Também em relação aos serviços privados contratados pelo SUS, não há menção de nenhuma competência específica do gestor estadual, seja na normatização, na contratação, no controle e avaliação. Em relação ao sistema regionalizado de serviços de saúde o Estado é responsável por: 1. Articulação e consolidação do Plano Diretor de Regionalização, Programação Pactuada Integrada e Plano Diretor de Investimentos 2. Implantação e gestão do sistema de regulação no âmbito estadual e pela gestão das centrais de regulação 3. Gestão e acompanhamento do sistema de referências intermunicipais 4. Coordenação da rede estadual de alta complexidade 5. Coordenação das redes estaduais de hemocentros e de laboratórios de saúde pública 6. Relações com o MS para viabilizar a assistência de alta complexidade não disponível no estado No que diz respeito à ações gerais de coordenação e regulamentação do sistema estadual, o gestor desse nível de governo: • Realiza ações de cooperação técnica e financeira aos municípios • Estabelece normas, em caráter suplementar, para o controle e avaliação dasações e serviços de saúde. • Realiza investimentos voltados para a redução das desigualdades/iniqüidades no território estadual

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• É gerente e executor supletivo de ações e serviços de saúde, só atuando naprestação direta de serviços públicos de saúde em caráter temporário e/ouem circunstâncias específicas e justificadas. Além disso, o gestor estadual participa na formulação das políticas de saúde nacionais através da presença de representantes estaduais na CIT. • Secretarias Municipais de Saúde: No modelo do SUS é dado forte destaque ao papel da direção municipal do SUS de planejar, organizar, controlar, avaliar as ações e serviços de saúde, gerir e executar os serviços públicos de saúde. Também em relação aos serviços privados, enfatiza-se o papel do gestor municipal na celebração de contratos e convênios (respeitado o art. 26º, que trata do estabelecimento de critérios, valores e parâmetros assistenciais pelo gestor nacional), controle, avaliação e fiscalização de prestadores privados. Portanto, as diversas competências de relação direta com prestadores públicos e privados são atribuídas aos gestores municipais do SUS. Em relação a redes assistenciais específicas, menciona-se o papel do gestor municipal de ―gerir laboratórios públicos de saúde‖ e de ―gerir hemocentros‖. O gestor do sistema municipal tem as atribuições de: 1. Analisar as necessidades de serviços 2. Realizar o planejamento e a programação operacional dos serviços de saúde em seu território (próprios, outros públicos e contratados) 3. Executar ações de controle e avaliação dos serviços públicos e contratados 4. Contratar os serviços privados, em base ao disposto pelo Governo federal, quando o setor público for insuficiente para satisfazer as necessidades de serviços 5. Gerenciamento e execução dos serviços públicos de saúde, para o atendimento à própria população e para aquela referenciada ao sistema municipal na base de acordos específicos definidos no PDR e PPI. 6. Sendo o nível mais próximo ao cidadão, o nível municipal é também responsável pelas ações de orientação aos usuários sobre o acesso e o uso dos serviços. 7. Realizar investimentos voltados para a redução das desigualdades/ iniqüidades no território municipal. 8. Participar do planejamento regional/estadual: • Contribuindo na elaboração do Plano Diretor de Regionalização, PPI e Plano de Investimentos; • recebendo informações sobre os serviços realizados para a população do próprio município por outros serviços localizados fora do território municipal, conforme ao desenho regionalizado da rede. 9. Participar da formulação das políticas de saúde estaduais e nacionais através da presença de representantes municipais na CIB e CIT. Funções Gestoras no SUS 1- Formulação de Políticas e Planejamento Federal Estadual Municipal - Identificação de problemas e definição de prioridades no âmbito nacional - Identificação de problemas e definição de prioridades no âmbito estadual - Identificação de problemas e definição de prioridades no âmbito municipal - Papel estratégico e normativo - Promoção da regionalização - Planejamento de ações e serviços necessários - Manter unicidade, respeitando a diversidade - Estímulo à programação integrada - Organização da oferta de serviços públicos e contratação de privados (caso necessário) - Busca da eqüidade - Apoio e incentivo ao fortalecimento institucional das SMS - Apoio e incentivo para o fortalecimento institucional e práticas inovadoras de gestão estadual e municipal

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2 - Financiamento Federal Estadual Municipal - Peso importante dos recursos federais. - Definição de prioridades estaduais. - Garantia de aplicação de recursos próprios. - Papel redistributivo. - Garantia de alocação de recursos próprios. - Critérios claros de aplicação de recursos federais, estaduais e municipais. - Busca da eqüidade na locação. - Definição de critérios claros de alocação de recursos federais e estaduais entre áreas da política e entre municípios. - Definição de prioridades nacionais e critérios de alocação entre áreas e entre estados. 3 - Coordenação, Regulação e Avaliação Federal Estadual Municipal - Coordenação e regulação de sistemas estaduais. - Coordenação e regulação de sistemas municipais. - Organização das portas de entrada do sistema. - Apoio à articulação interestadual. - Apoio à articulação intermunicipal. - Estabelecimento de fluxos de referência. - Normas de orientação quanto à regulação de sistemas. - Coordenação da PPI no estado. - Integração da rede de serviços. - Avaliação do desempenho dos sistemas estaduais. - Implantação de mecanismos de regulação (centrais). - Articulação com outros municípios para referências. - Avaliação dos resultados das políticas nacionais. - Avaliação do desempenho dos sistemas municipais. - Regulação e avaliação dos prestadores públicos e privados. - Avaliação dos resultados das políticas estaduais. - Avaliação dos resultados das políticas municipais. 4 - Prestação Direta de Serviços Federal Estadual Municipal - Em caráter de exceção. - Peso importante na execução de ações /prestação direta de serviços. - Em áreas/ações estratégicas. - Gerência de unidades de saúde. - Serviços de referência estadual/regional. - Contratação, administração e capacitação de profissionais de saúde. - Em situações de carência de serviços e de omissão do gestor municipal.

O CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE NO MOMENTO ATUAL Sampaio, LRF. Contribuição para a discussão na reunião de consenso em avaliação da atenção básica (Assessor do CONASS. Mestres em Saúde Coletiva)

Existe um considerável consenso entre os tomadores de decisão em saúde, em diversos países, que a Atenção Primária à Saúde é um componente essencial para um bom desempenho dos sistemas de saúde. Acumulam-se evidências de que nos sistemas nacionais

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de saúde, orientados pelos princípios da Atenção Primária, os custos são menores, há maior satisfação dos usuários e alcançam-se melhores indicadores de saúde, mesmo em situações de grande iniqüidade social (SHI 1992, 1999; STARFIELD, 1994,2002; MACINKO 2003; WHO EUROPE, 2004). Nesse contexto, a Atenção Primária àsaúde vem sendo colocada como uma megatendência dos sistemas de saúde no mundo (RUBINSTEIN, 2001). Essa realidade vem sendo reconhecida recentemente por governos e instituições internacionais (ZURRO, 1999; STARFIELD, 2002; OPAS, 2003; WHO, 2003; WHOEUROPE 2004). Entretanto, esse mesmo consenso não existe quando se fala em mecanismos operacionais para esses objetivos comuns (SALTMAN, 2004). Definindo Atenção Primária Diferentes interpretações de Atenção Primária à Saúde são apresentadas na literatura nacional e internacional. Em 1986, Vuori apontou quatro diferentes interpretações para a APS: um conjunto de atividades, como sugerido na declaração de alma-ata; um nível do cuidado dentro do sistema de saúde, em que as pessoas têm seu primeiro contato com o sistema; uma estratégia para organização dos serviços de saúde, funcionalmente integrada no sistema de saúde, que permita o acesso ao cuidado, tenha relevância dentro das necessidades da população, seja baseada na participação da comunidade, tenha uma boa relação custo efetividade e seja caracterizada pela colaboração entre todos os setores da sociedade. Isso requer reorientação de pessoal e recursos da atenção secundária e terciária para a Atenção Primária; uma filosofia que deve permear todo o sistema de saúde. Nesse sentido, um país pode considerar-se como praticante da aps se todo seu sistema de saúde for caracterizado por justiça social, eqüidade, solidariedade internacional, auto-responsabilidade e aceitação de um conceito ampliado de saúde. Essa classificação foi detalhada por Starfield (1993), colocando a APS como uma estratégia organizativa da atenção à saúde, definida pelos princípios e diretrizes que esses serviços devem proporcionar, como: atenção generalizada, não restrita a grupos de idade, gênero ou problemas de saúde; atenção acessível, integrada e continuada, trabalho em equipe; atenção centrada na pessoa e não na enfermidade; atenção orientada à família e à comunidade; atenção coordenada, incluindo o acompanhamento do usuário nos outros níveis de atenção; e apoio constante aos usuários nos aspectos relacionados à sua saúde e bem-estar. Segundo Zurro (1999), são interpretações equivocadas as que consideram a APS como assistência de baixa qualidade, medicina pobre e rudimentar para povos e cidadãos pobres, e que são direcionadas a uma análise primordialmente economicista dos serviços de saúde. No Brasil, também, são apresentadas diferentes interpretações para a APS. ―Os cuidados primários de saúde, ao assumirem na primeira metade da década de oitenta um caráter de programa de medicina simplificada para os pobres de áreas urbanas e rurais, em vez de uma estratégia de reorientação do sistema de serviços de saúde‖, acabou por afastar o tema do centro das discussões à época (PAIM, 1998, p.10). Ainda hoje, persiste a acepção de programa focalizado, apesar da ―superioridade conceitual da versão da Atenção Primária como estratégia de reformulação de todo o sistema de saúde‖ (MENDES, 1996, p.272). Pragmaticamente, pode-se adotar a conceituação de estratégia para o reordenamento do nível de Atenção Primária, com potencial de catalisar o reordenamento dos outros níveis. É interessante observar que a utilização, pelo Ministério da Saúde, do termo Atenção Básica para designar Atenção Primária apresenta-se como reflexo da necessidade de diferenciação entre a proposta do PSF e a dos cuidados primários de saúde, interpretados como política de focalização e como atenção primitiva à saúde (TESTA, 1987). Dessa maneira criou-se, no Brasil, uma terminologia própria, importante naquele momento histórico (SOUZA, 2004). Nos dias de hoje, alguns autores já vêm utilizando a terminologia internacionalmente reconhecida de Atenção Primária (MENDES, 2003). O CONASS, também, definiu essa terminologia como a mais adequada e chegou ao seguinte conceito, adotado pelos Secretários Estaduais de Saúde: Atenção Primária à Saúde é um conjunto de intervenções de saúde no âmbito individual e coletivo que envolve promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios (território processo) bem delimitados, pelas quais essas equipes

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assumem responsabilidade. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde das populações de maior freqüência e relevância. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, acessibilidade (ao sistema), continuidade, integralidade, responsabilização, humanização, vínculo, eqüidade e participação social. A APS deve considerar o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sóciocultural, e buscar a promoção de sua saúde, a prevenção e tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável (CONASS, 2004). Na operacionalização desses princípios, tem-se, no Brasil, como estratégia prioritária, o Programa de Saúde da Família. A Saúde da Família, apesar de não ser a única estratégia quando se analisam as experiências dos diversos municípios brasileiros, é, sem dúvida, hoje, a de maior abrangência (Souza & Sampaio, 2002; MENDES, 2003). Mendes propõe um modelo de análise do processo de implantação do PSF no SUS, que conta com quatro momentos: o de transição incipiente, o de transição intermediária, o de transição terminal e o de consolidação. ―Esses momentos caracterizam-se por singularidades que se manifestam numa dimensão horizontal de extensão, indicada pela cobertura populacional do PSF, e numa dimensão vertical de profundidade, dada pelo grau de institucionalização do PSF‖ (MENDES, 2002 p. 31). O autor aponta que o PSF se encontra atualmente no momento de transição intermediária, em que ainda existe pouca sustentabilidade endógena do processo e que é ainda fortemente dependente de estímulos externos. Nesse sentido o autor defende que se avance na melhoria da qualidade da Atenção Primária, na ―totalidade das unidades básicas do país, com sistemas de incentivos dirigidos exclusivamente à expansão de equipes do PSF e à conversão do modelo tradicional para o modelo PSF‖ (MENDES, 2002 p.39). O que se espera de uma estratégia que implemente os princípios da APS é que seja capaz de resolver cerca de 80% da demanda dos serviços de saúde de uma comunidade, já que a maior parte dessa demanda concentra-se em poucos problemas. Sabe-se, por exemplo, que cerca de 50 diagnósticos respondem por mais da metade da demanda das unidades básicas de saúde e que, por sua alta capacidade resolutiva, encaminha somente de 5 a 20% dos casos para serviços de referência (TAKEDA, 2004). O clássico estudo de White, publicado em 1961, demonstrou que de cada 1000 pessoas com mais de 15 anos 750 apresentam algum tipo de sintoma ou problema de saúde durante um mês. Desse grupo, cerca de 500 resolvem o problema por si mesmas, sem assistência médica, e 250 procuram o médico uma ou mais vezes, sendo 9 hospitalizadas e apenas 5 delas encaminhadas ao especialista. Estudo, semelhante, conduzido 40 anos depois, mostrou resultados semelhantes, apesar do enorme volume de incorporação tecnológica ocorrida nesse período. Nesse novo estudo, realizado no final da década de 90, de cada 1000 pessoas acompanhadas no período de um mês, 800 apresentaram algum tipo de sintoma ou problema de saúde, mas somente 217 visitaram o médico e 8 foram hospitalizadas (GREEN, 2001). Isso demonstra claramente a importância e a necessidade de investir nos serviços de Atenção Primária a fim de torná-los resolutivos, como peça chave no processo de reorganização das redes e sistemas de saúde. Esses serviços devem estar muito bem preparados para resolver todos os problemas de saúde comuns, isto é, que se apresentam com alta freqüência em um determinado território. Pelo fato de serem problemas comuns, muitas vezes são banalizados e entendidos como ―coisas simples‖, sendo tratados por equipes despreparadas e sem infra-estrutura adequada. Ao contrário, esses problemas, apesar de comuns, muitas vezes exigem das equipes grande habilidade clínica, habilidades comunicacionais e de interação interpessoal e capacidade de negociação individual e coletiva no seu território de atuação. Evidências O volume de evidências em relação às vantagens dos sistemas de saúde baseados em APS vem aumentando significativamente, nos últimos anos. Um recente estudo da Divisão Européia da Organização Mundial da Saúde2 levantou evidências para tomadores de decisão na área de políticas públicas de saúde, buscando responder quais as vantagens e desvantagens da reestruturação de sistemas de saúde focados em Atenção Primária (WHO EUROPE, 2004). Foram encontradas evidências da superioridade dos sistemas baseados em APS em várias questões, entre elas: saúde da população e gastos em saúde, eqüidade e acesso, qualidade e eficiência da assistência, custo efetividade e satisfação do usuário (WHO EUROPE, 2004).

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Em relação à satisfação do usuário, estudos demonstram maior satisfação, de forma geral, nos sistemas de saúde, fortemente baseados em Atenção Primária. Entretanto, a satisfação nos serviços de Atenção Primária varia em relação ao como o serviço é prestado, ao estilo do médico, à disponibilidade dos serviços, entre outros fatores (STARFIELD, 2002;WHO EUROPE, 2004). Na qualidade e custo efetividade da assistência, destaca-se que, apesar de serem poucos os estudos rigorosos disponíveis, comparações entre a assistência baseada em médicos de família3 e especialistas4 evidenciam que a qualidade e os indicadores de resultados da assistência prestada são semelhantes. Entretanto, médicos de família têm vantagens, entre as quais, melhores resultados na continuidade e integralidade da atenção, com melhoria de indicadores de resultados, e maior racionalidade no uso dos recursos dos sistemas de saúde, com redução de custos. A ampliação do acesso a médicos de família resulta em redução das hospitalizações, menor utilização de especialistas e serviços de emergência e menor chance de os pacientes serem submetidos a intervenções desnecessárias. Já o acesso direto a especialistas aumenta o custo e piora a qualidade da assistência (STARFIELD, 2002;WHO EUROPE, 2004). O trabalho em equipe, também, vem sendo destacado como estratégico para a APS. Alguns países, como Finlândia, Espanha e Portugal têm estimulado equipes de APS, como política nacional. Sabe-se, entretanto, da dificuldade de realização desse trabalho de forma eficiente, sendo o mais evidente dos problemas o desafio da comunicação e do intercâmbio de informações para a coordenação da atenção (STARFIELD, 2002). Na realidade, é importante que a Atenção Primária seja prestada por profissionais treinados e habilitados clinicamente para essa prática (STARFIELD, 2002). O Brasil encontra-se no processo de construção de uma estratégia brasileira para APS, que é a saúde da família. Apesar da indisponibilidade, nesse momento, de todos os profissionais devidamente habilitados para tal, não se pode perder de vista a imagem objetivo de um novo cenário, no qual se inverta a relação existente no país entre médicos de Atenção Primária e especialistas, e amplie-se a capacidade resolutiva das equipes multiprofissionais. Quais as Características da APS Atualmente, quatro características são colocadas como ―próprias‖ da Atenção Primária: primeiro contato, longitudinalidade, integralidade ou abrangência e coordenação (STARFIELD,1992; 2002). O conhecimento dessas características é de extrema importância e serve como um dos referenciais para o processo de avaliação da APS. O primeiro contato remete-se à capacidade de acessibilidade, considerando a estrutura disponível, no sentido da existência de barreiras, sejam na própria unidade prestadora como o exemplo das filas, sejam no transporte, ou sejam até mesmo aquelas de natureza cultura ou lingüística. A proximidade dos serviços da residência dos usuários, preconizada pelo Programa de Saúde da Família - PSF, é uma tentativa de facilitar esse primeiro contato. Cabe ressaltar que a organização da Atenção Básica, a partir de unidades de saúde com populações adscritas de 30 a 50 mil pessoas, como acontece em algumas metrópoles brasileiras, ao contrário, pode ser um elemento restritivo ao primeiro contato. Se observarmos os diferentes modelos de prestação de serviços em países que têm a APS como base de seus sistemas de saúde, veremos que a vinculação de usuários segue padrões que não se assemelham a esse (WHO EUROPE, 2004). Assim, é importante avaliar se a capacidade instalada de serviços de Atenção Primária responde ao que se espera destes. O processo de territorialização proposto pelo PSF, realiza esse dimensionamento de acordo com os problemas de saúde mais comuns e com a base populacional a ser atendida, facilitando-o. A utilização de instrumentos de programação das ações para as equipes pode tornar-se, então, uma ferramenta para facilitar o acesso aos serviços (SAMPAIO E MENDONÇA, 2003). Felizmente, a cultura da procura direta pela população por um especialista e da livre demanda, como símbolo da qualidade da atenção, própria do modelo médico hospitalocêntrico, vem sendo questionada. Alguns países, como Austrália, Dinamarca, Finlândia, Inglaterra e Holanda restringem o acesso a especialistas, fazendo o encaminhamento ao médico de família (RUBINSTEIN, 2001), o que tem repercussão direta nos custos e na eficiência do sistema (STARFIELD, 2002). A longitudinalidade poderia ser traduzida como o vínculo, a relação mútua entre o usuário e o profissional de saúde e a continuidade enquanto oferta regular dos serviços. Na saúde da

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família, as equipes com tempo integral de trabalho dedicado à uma população têm esse fator como um facilitador do processo de vinculação do usuário. Como se sabe, um percentual significativo de profissionais não cumpre a carga horária integral. Isso reforça a necessidade de qualificação dos processos de avaliação e acompanhamento descentralizados, que vêm sendo feitos no SUS, bem como a necessidade de monitoramento constante das equipes, por parte dos gestores municipais e estaduais. Outra importante questão, que dificulta a construção da longitudinalidade, é a alta rotatividade de profissionais. Nas discussões com os profissionais do PSF, isso tem sido creditado à ausência de contratos regulares, através do Regime Jurídico Único ou da CLT, o que dificulta a fixação do profissional, por falta de estabilidade. Entretanto, avaliandose o monitoramento da equipes do PSF, realizado pelo Ministério, em 2001 e 2002, vê-se que, em alguns estados, mais de 50% dos profissionais contratados são estatutários ou celetistas. Isso não quer dizer, entretanto, que esses estados tenham uma maior permanência de profissionais em suas equipes, se comparados aos outros estados que não têm essas modalidades de contratação. É também relevante que a permanência dos profissionais, nas equipes, varie para as diferentes categorias profissionais, sendo menor entre os médicos e maior entre os auxiliares.Torna-se necessário analisar outros fatores, para além da forma de contratação, que possibilitem a fixação desejada dos profissionais. A abrangência envolve a capacidade dos serviços em oferecer o que está planejado. Diz respeito às ações programadas para aquele serviço, à sua adequação às necessidades da população e à sua resposta as essas demandas, enquanto capacidade resolutiva. Nesse sentido, deve ficar claro que as equipes de APS devem encontrar o equilíbrio entre a resolutividade da clínica individual e as ações coletivas de caráter preventivo e promocional, como condição sine qua non para apresentar os resultados esperados. A coordenação da atenção relaciona-se à capacidade do serviço em proporcionar o seguimento do usuário no sistema, ou seja, garantir a referência a outros níveis de atenção, quando necessário. Tal proposição aproxima-se, na vertente dos sistemas de saúde, à integração vertical (MENDES, 2001), enquanto articulação entre os pontos de atenção para garantia da continuidade da assistência na rede de serviços. Alguns esforços têm sido feitos para o dimensionamento da capacidade a ser instalada nos outros pontos de atenção do sistema, a partir da demanda de referência dos serviços de APS (SAMPAIO, 2003). Dessas características ―próprias‖, derivam três aspectos adicionais: a centralização na família, a competência cultural e a orientação comunitária (STARFIELD, 2002). A centralização na família remete ao conhecimento dos membros da família e dos problemas de saúde dessas pessoas, bem como ao reconhecimento da família, enquanto espaço singular. A competência cultural trata da capacidade de reconhecer as multiplicidades de características e necessidades específicas de subpopulações, que podem estar afastadas dos serviços pelas suas peculiaridades culturais, como diferenças étnicas e raciais, entre outras. A orientação comunitária abrange o entendimento de que as necessidades se relacionam ao contexto social, e que o reconhecimento dessas necessidades pressupõe o conhecimento desse contexto. Ressalta-se que a presença dos Agentes Comunitários de Saúde nas equipes do PSF tem um grande potencial para facilitar a superação de barreiras na integração das equipes às comunidades, nos aspectos da competência cultural e orientação comunitária. A viabilização estratégica da APS, como proposta acima, apresenta entraves diferenciados, entre os países. De um lado, encontram-se aqueles que não possuem infraestrutura de serviços, e onde a pobreza e a falta de condições básicas de saneamento, alimentação, moradia, entre outros, dificultam a viabilização de uma estratégia tão ampla. De outro, nos países desenvolvidos, a inércia dos potentes sistemas de saúde centrados na assistência hospitalar e especializada pode ser o obstáculo principal para a implantação da estratégia (ZURRO, 1999). No Brasil, transitamos entre esses dois extremos, tendo exemplo de ambos se comparamos as diversas regiões do país. 1.4 Os diferentes desenhos organizativos dos serviços de APS Uma grande diversidade dos desenhos organizativos para a prestação de serviços pode ser observada quando se analisam os sistemas de saúde baseados na APS (STARFIELD, 2002; LAMARCHE,2003; SALTMAN,2004;WHO EUROPE, 2004). No Brasil, a descentralização, com gestão municipal dos sistemas de serviços de saúde, torna o território municipal um campo

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fértil a essa diversidade. Entretanto, se por um lado o respeito às particularidades locais é louvável e necessário, por outro, a responsabilidade de indução de desenhos organizativos, que evidenciem bons resultados, é dos níveis nacional e estaduais, especialmente, quando se sabe que a capacidade em operar sistemas de saúde é muito diversa entre os mais de 5 mil municípios brasileiros. Alguns aspectos, em especial do PSF, são bastante particulares do modelo brasileiro de APS, entre eles: a territorialização com adscrição da clientela, a proposta de trabalho em equipe, a figura do agente comunitário de saúde e a presença maciça de unidades públicas estatais com trabalhadores vinculados ao estado e à carga horária de trabalho. Unidades básicas Centro de Saúde/Unidade Básica Posto de Saúde Unidade de Saúde da Família – isolado A adscrição da clientela a uma equipe, com uma base territorial bem definida, como proposto pelo PSF, não é uma característica freqüente, em outros países6. Se por um lado, a definição de uma base territorial facilita a atenção com foco na família, por outro, reduz a possibilidade de escolha do usuário. Outra proposta de vinculação de clientela, utilizada especialmente em países europeus e no Canadá, e que vem sendo testada em algumas cidades brasileiras é a do cadastramento do usuário pelo médico ou equipe médica de sua preferência, algumas vezes sem nenhuma base territorial específica. Isso amplia a liberdade de escolha do usuário, mas, por outro lado, dificulta, podendo mesmo inviabilizar a proposta de um trabalho com foco na família. A forte presença estatal na prestação de serviços de APS é outro aspecto do sistema de serviços de APS, no país. Isso, muitas vezes, é defendido como um fator facilitador de maior compromisso dessas unidades e desses profissionais com o SUS. Entretanto, muitas vezes, o corporativismo e os conflitos de interesses existentes nesses espaços têm efeito contrário ao esperado. A questão da composição das equipes demonstra uma enorme variação, a depender do perfil epidemiológico, social e da disponibilidade de recursos humanos capacitados. Nos países europeus, as equipes de Atenção Primária variam de enfermeiras comunitárias e médicos generalistas isolados, até equipes com mais de 30 profissionais, com formação mais diversificada. De uma maneira geral, médicos de família e enfermeiras de unidade e comunitárias, na sua maioria com treinamento em serviço social, são invariavelmente incluídos. Também, são freqüentes assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos, osteopatas entre outros (STARFIELD, 2002; WHO EUROPE, 2004). No Brasil, os desenhos das equipes municipais do PSF seguem, em sua maioria, a orientação do Ministério da Saúde, com a agregação de outros profissionais, dependendo da disponibilidade e da capacidade financeira dos municípios. Uma proposta de classificação dos modelos de organização da prestação de Atenção Primária, no Canadá, aponta quatro diferentes categorias, que vão da prestação da assistência pelo médico de família isolado, em seu consultório, até o trabalho em equipes multiprofissionais integradas ao sistema de saúde. As conclusões mostram a superioridade do modelo de equipes integradas, à exceção da acessibilidade (LAMARCHE et al., 2003). Na realidade, independentemente do tamanho da equipe, o mais importante é que esta esteja preparada para trabalhar enquanto equipe, e não como uma simples agregação de profissionais no mesmo espaço físico, sendo resolutiva para os problemas de saúde que se apresentem em seu território.

PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS E ORGANIZACIONAIS DO SUS

PRINCÍPIOS DOUTRINÁRIOS UNIVERSALIDADE: acesso à saúde como direito público subjetivo, integrante dos direitos da cidadania. A Universalidade é o princípio segundo o qual ―A saúde é direito de todos e dever do Estado.,.‖ (CF, 196, caput) EQUIDADE: a política pública de saúde deve ser redistributiva com o objetivo de corrigir desequilíbrios sociais e regionais. Deve dar-se tratamento desigual para situações desiguais, ou seja, a cada um segundo suas necessidades objetivando proporcionar uma maior uniformidade. INTGRALIDADE: Direito de as pessoas serem atendidas na íntegra em suas necessidades. É entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços

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preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;‖ (Lei 8.080, 7°, II) PRINCÍPIOS ORGANIZACIONAIS DESCENTRALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS: redistribuição de recursos e responsabilidades entre os entes federados com base no entendimento de que o nível central, a União, só deve executar aquilo que o nível local, os municípios e estados, não podem ou não conseguem. A gestão do Sistema (SUS) passa a ser de responsabilidade da União, dos estados e dos municípios, agora entendidos como os gestores do SUS. REGIONALIZAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO DA REDE: distribuição espacial dos serviços de modo a atender às necessidades da população por regiões e em diferentes níveis de complexidade. Exige ações articuladas entre estados e municípios, sendo-lhes facultada a criação de consórcios. PARTICIPAÇÃO SOCIAL: institucionalização da democracia participativa e do conseqüente controle social na área de Saúde com a obrigatoriedade de constituição e de funcionamento de conselhos de saúde nos três níveis de governo.

PRINCÍPIOS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA TERRRITORIALIZAÇÃO Processo de apropriação do espaço local enquanto prátíca do planejamento; limitação da área/território de trabalho da equipe de saúde; definição de uma população adstrita/restrita com o objetivo de conhecer a realidade das famílias com ênfase nas características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas RESOLUTIVIDADE Assistência aos problemas de saúde mais comuns, dando resposta às necessidades básicas da população de sua área adstrita, responsabilizando-se pelas referências necessárias e, também, pela contra-referência; realizar ações de recuperação e reabilitação de enfermos tanto quanto desenvolver ações educativas que promovam a saúde e previnam doenças em geral. VINCULO E CO-RESPONSABILIZAÇÃO Aliança entre equipe e família para o cumprimento das ações, fortalecendo-as assim, proporciona-se o apoio necessário ao desempenho de suas responsabilidades; busca-se uma nova prática com base em uma premissa solidária e construída de forma democrática e participativa; todos são atores sociais e sujeitos do próprio processo de manutenção e recuperação da saúde; promoção do auto-cuidado HUMANIZAÇÃO Desenvolvimento das ações tecnicamente competentes e socialmente aproprias a cada individuo, extrapolando as preocupações unicamente curativas; valorização da relação com o usuário e com sua família para estabelecimento do vínculo de confiança e respeito ATENÇÃO À FAMÍLIA E AOS INDIVIDUOS NO SEU CONTEXTO Compreensão do contexto familiar e das caracteristicas sócio-culturais (crenças, valores, relações com membros da família e com meio social) do usuário; ver o indivíduo como ser indissociável de seu meio; realizar abordagem integral e articulada sem perder de vista o estado de equilibrio individual de cada membros da família PARTICIPAÇÃO SOCIAL Atuação dos individuos como cidadãos; desenvolvimento de um processo de planejamento pactuado em todas as fases: programação, execução e avaliação das ações TRABALHO EM EQUIPE Construção de uma equipe de trabalho como uma verdadeira unidade produtora das ações de saúde, intersetorialmente articuladas, buscando consenso, respeitando a especificidade das responsabilidades de cada membro a partir de uma prática democrática e construtiva.

REGULAMENTAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

Profª Drª Mônica Elinor Alves Gama

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No processo de configuração do Sistema Único de Saúde (SUS) faz-se necessário destacar o Movimento de Reforma Sanitária que foi um movimento coordenado por grupos de intelectuais articulados com partidos políticos de esquerda que se constituiu na base político-ideológica da reforma sanitária brasileira. Esse movimento foi gestado nos espaços de construção da medicina comunitária e teve como objetivo central a transformação do sistema de saúde tendo em vista a importância da política pública de saúde para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária. As mudanças alcançadas aconteceram por um longo e duro movimento de politização da Saúde que articulou movimentos sociais, profissionais de saúde, partidos políticos, universidades, instituições de saúde e políticos, especialmente parlamentares.

O Sistema Único de Saúde (SUS) é constituído por um conjunto de ações e serviços públicos (complementado por instituições privadas), disponíveis gratuitamente a todos os brasileiros, devendo ser organizados como uma rede regionalizada e hierarquizada, cujo principal objetivo é resolver problemas de saúde da população de acordo com a realidade de cada município.

É de responsabilidade necessariamente cooperativa das três esferas de governo: Federal, Estadual e Municipal e deve respeitar os princípios e diretrizes definidas na Constituição Federal de 1988, que em seu Artigo 196 estabelece que “A saúde é um direito de todos e dever do Estado”. A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90) regulamenta o previsto na Constituição, dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, organização e funcionamento dos serviços. A Lei 8.142/90 regulamenta a participação popular através das Conferências de Saúde e dos Conselhos de Saúde e dispõe sobre as transferências e alocações de recursos financeiros para a saúde através dos Fundos de Saúde.

Porém, a afirmação legal de um conceito é um passo importante, mas não é, em si, uma garantia de mudanças. Assim, foram, ao longo dos 16 anos de existência do SUS, sendo editados e pactuados instrumentos normatizadores da gestão do sistema de saúde – as normas operacionais (NOB/91, NOB/93, NOB/96 e NOAS/2002), que visam estabelecer estratégias para operacionalização dos princípios e diretrizes preconizados para o SUS. As normas operacionais configuram-se em instrumentos de regulamentação do processo de descentralização, normatizando a transferência de serviços, responsabilidades, poder e recursos da união para estados e municípios.

As normas operacionais básicas (NOBs) foram os instrumentos normatizadores da gestão do sistema de saúde visando estabelecer estratégias para operacionalização dos princípios e diretrizes preconizados para o SUS, regulando fundamentalmente o processo de descentralização, normatizando a transferência de serviços, responsabilidades, poder e recursos da união para estados e municípios e estabelecendo espaços de pactuação – as comissões intergestores tripartite (CIT) e bipartite (CIB). Assim, foram, ao longo dos 16 anos de existência do SUS, sendo editados e pactuados instrumentos normatizadores da gestão do sistema de saúde – as normas operacionais (NOB/91, NOB/93, NOB/96 e NOAS/2002).

A primeira NOB 1991/92 redefiniu a lógica de financiamento e de organização do SUS estabelecendo pagamento por produção de serviços privilegiando as atividades de assistência médica. Não previa financiamento para ações de saúde coletiva. Introduziu instrumentos de gestão – exigia a elaboração do plano plurianual, criação do fundo de saúde, garantia das contrapartidas e criação dos conselhos de saúde. A segunda NOB 1993 teve sua formulação norteada pelas deliberações da IX CNS (Sistema Único de Saúde – a municipalização é o caminho). Trouxe a proposição de modalidades de gestão na saúde, fomentando a progressiva organização dos serviços no âmbito municipal e a mobilização e articulação entre os municípios.

A terceira NOB 1996 constitui um marco na organização do SUS. Definiu modelos de gestão que ampliaram as responsabilidades e autonomia dos municípios já que implantou o Piso de Atenção Básica (PAB), composto por uma parte fixa e outra variável destinada a incentivar programas voltados a organização da atenção como PSF, PACS, Vigilância Sanitária, Atenção Farmacêutica Básica e a Vigilância Epidemiológica, mantendo-se, porém, o pagamento por procedimento na remuneração de serviços hospitalares. Implantou a Programação Pactuada Integrada (PPI) que determinava a necessidade dos municípios pactuarem entre si a prestação de serviços de maior complexidade que não dispusessem em seus territórios. O cálculo dos repasses financeiros é per capta e a pactuação de serviços depende da capacidade instalada dos serviços ofertados.

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A maior crítica às NOBs referiu-se a fragilidade dos Estados na implantação e coordenação dos processos de gestão e a organização da atenção básica, que se procurou superar com a NOAS/2001. A Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS 01/2002 define duas condições de participação do município na gestão do SUS: a Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, pela qual o município se habilita para receber recurso definido com base per capita para o financiamento das ações de atenção básica (Piso da Atenção Básica/PAB); e a Gestão Plena do Sistema Municipal, pela qual o município recebe o total de recursos federais programados para o custeio de toda a assistência em seu território.

A Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS 01/2002 tem como foco o processo de regionalização (a partir da Programação Pactuada Integrada e do Plano Diretor de Regionalização) e a organização da atenção básica a partir da implantação das sete ações estratégicas ―mínimas‖ (Controle da tuberculose, eliminação da hanseníase, controle da hipertensão arterial, controle do diabetes mellitus, saúde da criança, saúde da mulher e saúde bucal, além de ações básicas de vigilância à saúde: epidemiológica, sanitária e ambienta), e ações inter-setoriais e educativas visando a promoção da saúde e prevenção de doenças) de responsabilidade dos municípios; o município passa a garantir a gestão, organização e execução das ações de Atenção Básica, a partir das ações estratégicas garantindo ainda acesso aos serviços de média e alta complexidade por meio de referência.

O momento atual reveste-se de amplas mudanças para que se consolide o sistema de saúde brasileiro. Em seu percurso, o SUS tem exigido permanentes estratégias intergovernamentais de mediação e gestão cooperativa, além de um arranjo organizacional condizente com as distintas realidades e necessidades do País. Nesse sentido, um desafio está colocado para todos que tomam parte no processo de construção do SUS — manter o foco nos princípios doutrinários e organizativos que o caracterizam. Por isso, a partir de um consenso expresso num Pacto pela Saúde da população brasileira busca-se consolidar o processo de descentralização na perspectiva da solidariedade e da autonomia dos entes federados. Assim, ao longo de 2006 tem sido firmado entre as três esferas de governo o Pacto pela Saúde, com o objetivo primordial de promover inovações nos processos e instrumentos de gestão, visando alcançar maior eficiência e qualidade das respostas do Sistema Único de Saúde. As portarias GM/MS nº 399/2006 e GM/MS nº 699/2006 definem e regulamentam as diretrizes operacionais do Pacto pela Saúde.

Em suas três dimensões (Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão), o Pacto pela Saúde apresenta mudanças significativas para a execução do SUS, com destaque para a substituição do atual processo de habilitação pela adesão solidária aos Termos de Compromisso de Gestão, a regionalização solidária e cooperativa como eixo norteador do processo de descentralização, a gestão por resultados, a integração das várias formas de repasse dos recursos federais e a unificação dos vários pactos já existentes.

O Pacto pela Saúde configura-se em uma unidade de princípios coerentes com a diversidade operativa e com as diferenças loco-regionais, reforçando a organização das regiões sanitárias e instituindo mecanismos de co- gestão e planejamento regional; fortalece ainda o controle social, qualifica o acesso da população à atenção integral à saúde, redefine os instrumentos de regulação, programação e avaliação, valorizando a macro função de cooperação técnica entre os gestores.

As prioridades do Pacto em Defesa do SUS visando implementar um projeto permanente de mobilização social nos moldes da Reforma Sanitária, em defesa do caráter público e universal do sistema de saúde brasileiro, envolvem:

• Mostrar a saúde como direito de cidadania e o SUS como sistema público universal garantidor desses direitos;

• Alcançar, no curto prazo, a regulamentação da Emenda Constitucional n° 29, pelo Congresso Nacional;

• Garantir, no longo prazo, o incremento dos recursos orçamentários e financeiros para a saúde;

• Aprovar o orçamento do SUS, composto pelos orçamentos das três esferas de gestão, explicitando o compromisso de cada uma delas;

• Elaborar e divulgar a carta dos direitos dos usuários do SUS.

O Pacto pela Vida definiu seis prioridades, estabelecendo objetivos, metas e indicadores que devem ser pactuados e avaliados anualmente, incorporando a prática da gestão por resultados baseada na análise da situação de saúde da população:

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• Saúde do idoso;

• Controle do câncer, de colo de útero e de mama;

• Redução da mortalidade infantil e materna;

• Fortalecimento da capacidade de respostas às doenças emergentes e endemias, com ênfase na dengue, hanseníase, tuberculose, malária e influenza;

• Promoção da Saúde;

• Fortalecimento da Atenção Básica/Primária.

Os objetivos do Pacto de Gestão, com vista ao fortalecimento da gestão compartilhada e solidária do SUS são:

• Definir a responsabilidade sanitária de cada instância gestora do SUS: federal, estadual e municipal, superando o atual processo de habilitação;

• Estabelecer as diretrizes para a gestão do SUS, com ênfase na Descentralização; Regionalização; Financiamento; Programação Pactuada e Integrada; Regulação; Participação e Controle Social; Planejamento; Gestão do Trabalho e Educação na Saúde.

No Pacto especial ênfase é dada a nova proposição de alocação dos recursos federais para o custeio das ações e serviços de saúde em cinco blocos de financiamento:

• Atenção Básica (PAB Fixo e PAB Variável)

• Atenção de Média e Alta Complexidade (MAC e FAEC)

• Vigilância em Saúde (Epidemiológica/Ambiental e Sanitária)

• Assistência Farmacêutica (Básico, Estratégico, Excepcional)

• Gestão do SUS

O financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) sempre foi responsável por grandes embates políticos e econômicos na agenda de saúde do País – tanto pela insuficiência quanto pela indefinição dos recursos destinados às ações de saúde. Vale ressaltar que as dimensões do conceito ampliado de saúde têm fomentado no debate divergências que têm gerado ainda mais conflitos.

Ao longo do processo de construção e consolidação do SUS, a busca do pleno exercício de seus princípios doutrinários (universalidade, equidade e integralidade) tem ido de encontro à necessidade de contenção de gastos, baseada na redução de despesas, reflexo de uma política fiscal austera – como resultado observa-se um conflito direto entre os direitos do cidadão e as responsabilidades dos gestores.

A Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Representa um relevante instrumento para o aprimoramento da democracia e da ética política onde se delineia um sistema integrado aos três níveis de governo, individualizando responsabilidades de cada poder e de seus titulares (ou substitutos em exercício), tanto da administração pública direta como indireta. Disciplina as fases de planejamento, execução e fiscalização da gestão fiscal de todos os entes da Federação, incluindo os órgãos da administração indireta e as empresas estatais dependentes, enfatizando que o ajuste fiscal estaria vinculado à imposição de limites estritos para duas categorias importantes da despesa orçamentária: os gastos com pessoal e encargos sociais, por um lado, e com a dívida pública por outro lado.

A Lei de Responsabilidade Fiscal inclui mecanismos implícitos de disciplina e implementação das medidas de transparência da gestão fiscal e de atendimento aos dispositivos de responsabilidade e integração. A ―responsabilidade na gestão fiscal‖ pressupõe: ação planejada e transparente com prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas; cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a "limites" e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em restos a pagar.

Um dos grandes desafios para os gestores da saúde, considerando o irreversível processo de municipalização e os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, relaciona-se a expansão significativa da contratação da força de trabalho em saúde pelos municípios. Em 1980, os municípios detinham apenas 16% dos empregos públicos, atualmente

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respondem por 66% (no âmbito estadual, 25% e federal apenas 8%). Essa situação reflete os limites da gestão e financeiros em função da Lei de Responsabilidade Fiscal e urge que se discuta amplamente e que se busquem alternativas para o fortalecimento da capacidade de governança dos municípios e superação desses entraves ao processo de consolidação do SUS.

No SUS, merece destaque a produção anual de ações e serviços de saúde (sem referencial em nível mundial), com oferta pública de serviços a cerca de 120 milhões de brasileiros, porém com grandes limitações em seu financiamento. A magnitude do que é ofertado pelo SUS pode ser observada no quadro a seguir:

Produção de serviços pelo SUS, em 2004

Ano de Referência 2004

Unidades Hospitalares 5.864

Internações 12.046.255

Diárias de UTI 2.441.617

Partos 2.299.896

Cirurgias Oncológicas 105.353

Transplantes 23.400

Terapias Renais Substitutivas ( n.º de sessões) 8.275.418

Unidades Ambulatoriais 63.662

Consultas (2002) 624.989.424

Procedimentos ambulatoriais 881.885.572

Atendimentos p/ médicos e outros Prof. de Nível Superior 224.960.680

Exames Laboratoriais 287.826.616

Quimioterapias 1.337.100

Radioterapias 6.408.848

Ultra-sonografias 9.185.198

Ressonâncias Magnética 156.496

Tomografias Computadorizadas 1.056.938

Equipes de Saúde da Família 21.448

Agentes Comunitários de Saúde 195.152

Vacinações (doses aplicadas) 139.836.973

Fonte: Site da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde e Pesquisa AMS/IBGE/MS

Os gastos com a saúde no Brasil inegavelmente vêm se elevando, com participação progressiva das três esferas de governo. Porém, os recursos financeiros ainda são limitados e as necessidades de saúde da população não.

Alguns países ricos gastam, apenas com saúde, até o dobro de toda a renda por habitante-ano do Brasil, merecendo que se destaque ainda que nações com PIB e renda per capita menores, casos da Colômbia, Guatemala e Chile, também investem mais na saúde que o Brasil. Entre 1995 e 2002, o gasto das três esferas de governo foi pequeno e pouco oscilante, passando de 3,01% para 3,54 % do Produto Interno Bruto (PIB). No Canadá e na Inglaterra o percentual do gasto público em relação ao gasto total em saúde corresponde a mais de 70%, com gasto per capita em torno de US$ 2000, enquanto que no Brasil fica em torno de 40%, per capita de US$ 300. Os gastos públicos com a saúde em 2002 ficaram em torno de 47 bilhões (União 25 bi, Estados, 10,5 bi e municípios 12 bi)

Apesar do alcance social do SUS, não tem sido possível promover um processo de implantação da maneira desejada, em decorrência principalmente das sérias dificuldades relacionadas tanto com seu financiamento, quanto com a eficiência administrativa de sua operação.

A organização político-administrativa do Brasil apresenta algumas especificidades que merecem destaque, por suas implicações para a área da saúde – merecem destaque: o grande

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peso dos municípios, considerados como entes federativos com muitas responsabilidades na implementação de políticas públicas e a diversidade dos municípios brasileiros (em termos de porte, desenvolvimento político, econômico e social, capacidade de arrecadação tributária e capacidade institucional de Estado). Isso tem implicado em diferentes possibilidades de implementação de políticas públicas de saúde, face à complexidade de enfrentamento dos desafios mencionados.

Uma das características primordiais do SUS é a valorização do nível municipal e ao gestor municipal da saúde cabe a árdua tarefa de garantir serviços e ações que dêem conta das necessidades de saúde individuais e coletivas de seus munícipes enfrentando a limitação dos recursos financeiros. Assim, é imprescindível ao gestor (re)conhecer caminhos que lhe conduza às possibilidades de combinar recursos escassos da maneira mais eficiente, engendrando melhoria na qualidade de vida das pessoas, buscando a mudança de seus indicadores de saúde.

É indispensável que se desenvolva uma gestão eficiente, eficaz e efetiva, promovendo-se a melhor utilização dos limitados recursos existente a partir da busca de alternativas e novas propostas de modelos de gestão aplicáveis ao setor que resultem em menos desperdício e melhoria da qualidade dos serviços oferecidos, Para tanto, o(a) Secretário(a) Municipal de Saúde deve ter ciência de suas atribuições e responsabilidades tendo como foco a conformação de uma estrutura de gestão compatível com as responsabilidades assumidas, integrando as funções de planejar, orçar, executar, acompanhar, fiscalizar e avaliar as ações e serviços do SUS.

A estrutura do Sistema Municipal de Saúde deve ser composta pelas seguintes instâncias: Conselho Municipal de Saúde; Secretaria Municipal de Saúde; Serviços de Saúde.

O Conselho Municipal de Saúde configura-se como um órgão colegiado, de composição paritária e com caráter deliberativo, que assegura a participação da sociedade civil de forma efetiva na defesa dos interesses da população, na formulação, acompanhamento e avaliação das políticas do setor saúde e na fiscalização da aplicação dos recursos financeiros (Lei 8.142/90). Deve ser composto por usuários (50% dos integrantes), representantes da gestão municipal, dos trabalhadores de saúde e dos prestadores de serviços do SUS, que devem ser escolhidos de forma democrática entre seus pares.

A Secretaria Municipal de Saúde deve ter equipe mínima que atenda às especificidades relativas a vigilância epidemiológica e sanitária, controle, regulação, auditoria e assistência farmacêutica, sendo composta por profissionais preferencialmente com experiência em gestão pública e/ou de saúde; sua estrutura física deve permitir a instalação e funcionamento adequado dos diferentes setores; chama-se a atenção para a necessidade da disponibilidade de veículos bem como de um setor informatizado minimamente estruturado para o desenvolvimento das ações compatíveis com as seguintes funções:

Planejamento e programação do sistema municipal de saúde, sendo necessário:

o Conhecer a situação de saúde do município, com ênfase na determinação do perfil epidemiológico, condições sócio-econômicas e demográficas da população e da capacidade instalada de ações e serviços de saúde existentes;

o Elaborar, implantar e monitorar o desenvolvimento dos instrumentos de gestão (Portaria nº. 548 de 12 de abril de 2001):

Os instrumentos de gestão que merecem destaque são

Agenda Municipal de Saúde – deve ter como referencial a Agenda Estadual de Saúde, o Plano Municipal e Relatório de Gestão prévios, informações institucionais e epidemiológicas e deliberações do Conselho Municipal de Saúde, devendo ser discutida e submetida ao referido conselho.

Plano Municipal de Saúde e Quadro de Metas – devem ser discutidos e submetidos ao Conselho Municipal de Saúde; subsidiarão a elaboração do Plano Estadual de Saúde.

Relatório de Gestão – deve ser apresentado ao Conselho Estadual de Saúde referindo-se a prestação de contas das ações desenvolvidas no ano anterior, previamente programadas no Plano Municipal, Agenda de Saúde e Quadro de Metas

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Nesses instrumentos devem constar ações acerca do:

Gerenciamento da Atenção à Saúde

Controle, Regulação e Auditoria

Vigilância em Saúde (epidemiológica, sanitária e ambiental)

Gerenciamento Administrativo (gestão de pessoas e administração de materiais e transporte, licitação e compras)

Gerenciamento Financeiro (Fundo Municipal de Saúde)

Educação e Comunicação em Saúde

Porém, a questão que se impõe refere-se a gestão de um sistema tão complexo enfrentando enormes dificuldades que perpassam pelo sub-financiamento do setor saúde, tais como a falta de recursos humanos, dificuldades de acesso ao uso de tecnologias e até mesmo inexistência de estruturas físicas adequadas – realidade de muitos municípios, principalmente os de pequeno porte.

Há anos, tem-se buscado a adequação do financiamento das ações e serviços de saúde a fim de se contar com ―recursos definidos, definitivos e suficientes‖. Durante o processo de construção da proposta de implantação do SUS os embates foram grandes. Não se conseguiu a princípio fixar percentuais vinculados, porém, em 2000, com a edição da Emenda Constitucional nº. 29 (EC/29), a saúde inicia um novo processo de financiamento. Assegura-se o co-financiamento da saúde pelos três poderes, estabelecendo percentuais mínimos das receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A EC/29 é auto-aplicável - suas exigências e efeitos são imediatos. Mas ainda ocorreram conflitos e divergências – sobre a base de cálculo para a aplicação da União entre os Ministérios da Fazenda e da Saúde e sobre a amplitude do conceito de saúde. Com a aprovação da Resolução nº. 322/2003 estabeleceu-se a abrangência das ações e serviços públicos de saúde, dentre outros aspectos, assegurando-se, portanto recursos financeiros essencialmente para a saúde. Deve-se destacar que ainda se aguarda que o seu conteúdo seja garantido com a aprovação do projeto de regulamentação da EC/29, em tramitação na Câmara Federal.

A EC/29 prevê que, a partir de 2004, seja aplicado um percentual das receitas dos Estados e Municípios de, no mínimo, 12% e 15% respectivamente – para a União, a regra estabelecida vincula os recursos ao crescimento do PIB. Com as novas regras, tem-se observado incremento na participação financeira dos municípios no setor saúde, com retração dos Estados e da União (ainda que seus montantes sejam maiores) – um balanço feito em 2003 apontou para perda de R$ 3,4 bilhões, resultado do não cumprimento do estabelecido pela EC/29 pelos Estados e de 1 bilhão pelo descumprimento por parte da União. Mas é claro que também existem municípios que não investem ainda o que deveriam.

Na Constituição Federal, está definido que “O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, além de outras fontes”, dispondo a Lei Orgânica da Saúde, em seus arts. 31 e 33, que o orçamento da Seguridade Social destinará ao SUS, de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Os princípios e diretrizes do SUS devem nortear os gastos realizados com o atendimento das necessidades da área, visando-se o desenvolvimento de ações e serviços de acesso universal, igualitário e gratuito, da atenção básica, da assistência de média e alta complexidade, da assistência farmacêutica e da vigilância epidemiológica, sanitária e nutricional, entre outras.

Ao longo da implantação do SUS, com a edição das Normas Operacionais (NOB/91, NOB/93, NOB/96 e NOAS/2002), foram sendo aprimoradas algumas questões relativas ao financiamento da saúde – até 1997 não havia subdivisão dos recursos transferidos para Estados e Municípios. Com a edição da portaria GM/MS n° 2.121 implanta-se o Piso da Atenção Básica (PAB) separando os recursos para o financiamento da Atenção Básica e para a Assistência de Media e Alta Complexidade Ambulatorial. Com a edição do Pacto pela Saúde 2006 está foi alterada a forma de financiamento do SUS extinguindo-se uma centena de modalidades de transferências de recursos reduzindo-as para apenas cinco blocos – que contem seus componentes específicos.

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Tem-se mantido, porém, a lógica da remuneração de serviços prestados por produção a partir da alimentação do Sistema de Informação Ambulatorial e Hospitalar (SIA e SIH). Mesmo com o progressivo aumento no volume de recursos repassados diretamente aos fundos de saúde (municipais e estaduais), um terço dos recursos federais ainda é utilizado para pagamento direto de prestadores de serviços de saúde. Isso é decorrente do processo de contratação e pagamento centralizado que vigora desde o período que antecedeu à implementação do SUS e, até então, não foi plenamente substituído pelo processo de descentralização, dado o caráter não compulsório e progressivo do mesmo. Esse modelo é oneroso porque incentiva a prática da medicina curativa e a adoção de procedimentos de média e alta complexidade; e, também, é ineficiente porque não prioriza a adoção de procedimentos de prevenção de doenças e de promoção da saúde.

Para execução das ações e oferta dos serviços de saúde, os recursos provêm de fontes próprias ou suplementares de financiamento da União, Estados e Municípios, explicitados no orçamento da Seguridade Social.

As fontes de financiamento referem-se aos recursos destinados pela União, Estados e Municípios para atenção básica, de média e alta complexidade. Conta-se com o PAB – parte fixa destinada à assistência básica e a parte variável que corresponde a adesão a incentivos específicos para o custeio de ações especiais da atenção básica, sob a forma de programas (PSF, PACS, Assistência Farmacêutica, Vigilância em Saúde). Dispõem-se ainda de recursos financeiros provenientes de convênios e do teto financeiro para custeio de ações ambulatoriais e hospitalares de média e alta complexidade

Inegáveis são os avanços alcançados na área da saúde a partir da destinação de um recurso fixo aos municípios (PAB fixo) mudando a forma anterior de financiamento vinculado unicamente a prestação de serviços, passando para uma lógica de transferência de recursos em função do compromisso do município assumir a responsabilidade sanitária por este nível de atenção. Isso tem permitido um avanço na busca de um modelo de assistência à saúde, voltado para as práticas da promoção e vigilância em saúde.

O custeio da assistência hospitalar pode se dar a partir do pagamento de autorizações de internação hospitalar (AIH), do Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e Pesquisa (FIDEPS) e do INTEGRASUS – valor agregado a fatura de Hospitais Filantrópicos, dentre outras. Destaca-se o programa de apoio aos Hospitais de Pequeno Porte (HPP), visando superar a precariedade da assistência ofertada por hospitais com menos de 30 leitos – cerca de 60% da rede hospitalar é composta por HPP, localizados em municípios com menos de 20.000 habitantes. O financiamento de serviços de alta complexidade (como transplantes, cirurgias neurológicas e cardíacas) corre por conta do FAEC (Fundo de Ações Estratégicas e Compensações).

Deve-se lembrar que o Ministério da Saúde ainda disponibiliza recursos financeiros para a execução de vários outros programas assistenciais, tais como: Programa de Aquisição de Medicamentos Excepcionais e para Saúde Mental, Incentivo à Atenção Básica e Assistência Ambulatorial e Hospitalar de Apoio ao Diagnóstico à População Indígena, Campanhas para a oferta de serviços de alta complexidade financiadas pelo Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC).

De grande relevância na consolidação do SUS são os processos de pactuação e regionalização da assistência à saúde, que tem como objetivo primordial promover maior equidade na alocação de recursos e no acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção. A NOAS 01/2002 definiu como macro-estratégia para a hierarquização e equidade a regionalização, com a formação de redes cooperativas tendo como instrumento de ordenamento do processo de regionalização o Plano Diretor de Regionalização (PDR) visando superar limitações estruturais, racionalizar ofertas, potencializar ganhos e maximizar uso de recursos.

Para a construção do PDR, as necessidades de saúde e a demanda devem ser o referencial de um amplo processo de pactuação - a Programação Pactuada e Integrada (PPI). A PPI da assistência configura-se em um instrumento de planejamento que preside a função alocativa dos recursos para as ações ambulatoriais e hospitalares de média e de alta complexidade\custo. Contem a referência intermunicipal e os critérios para sua elaboração, bem como a proposição de estratégias de monitoramento e de garantia das referências intermunicipais com critérios de revisão periódica dos limites financeiros dos municípios.

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No PDR, é definida a divisão do território estadual em regiões de Saúde, cabendo aos municípios a oferta de ações e serviços da atenção básica, garantindo também o acesso (ainda que referenciado) a serviços de Média Complexidade I para sua população; deve também ser pactuada a oferta de serviços de Média Complexidade II, Média Complexidade III e Alta Complexidade.

Descrição do elenco mínimo de serviços de acordo com o nível de complexidade

Média Complexidade I

Setor ambulatorial: (M1)

• Cirurgia ambulatorial especializada (ginecológica)

• Ações Especializadas em Odontologia (endodontia)

• Patologia clínica (básica)

• Radiodiagnóstico (Raio X simples)

• Ultra-sonografia (obstétrica e ginecológica)

• Fisioterapia (básica) Setor hospitalar: internação hospitalar nas clínicas

• Médica (básica)

• Pediátrica (básica)

• Obstétrica (parto normal e cesárea) Setor de Urgência e Emergência: dispor de SPA em regime de 24 horas (Urgência Nível 1)

• Atendimento médico de urgência clínica (médica e pediátrica) • Pequenas cirurgias • Atendimento Ortopédico com imobilizações provisórias

Média Complexidade II

Setor ambulatorial: (M2)

• Consultas especializadas em cardiologia, cirurgia geral, oftalmologia, ortopedia e psiquiatria

• Cirurgia Ambulatorial Especializada

• Procedimentos traumato-ortopédicos

• Ações Especializadas em Odontologia (periodontia, ortodontia, cirurgias, próteses)

• Patologia clínica, Radiodiagnóstico, Ultra-sonografia (MC II)

• Fisioterapia (especializada)

• Terapias especializadas: Cardiologia/Ginecologia/Oftalmologia/Urologia/nutrição parental/Centro de Apoio Psicosocial (CAPS)

Setor Hospitalar: internação hospitalar nas clínicas

• Médica (especializada)

• Pediátrica (especializada)

• Obstétrica

• Cirúrgica

• Leitos de cuidados intermediários Setor de Urgência e Emergência: (Urgência Nível 2) dispor de Serviço para Atendimento de Urgência e Emergência 24 horas

• Clínicas: Médica, Pediátrica, Cirúrgica e Ortopédica

• Suporte anestesiológico Deve dispor também de:

• Hemonúcleo e/ou agência transfusional

• CAPS (intermediário)

• Serviço de reabilitação física (intermediário)

Média Complexidade III

Setor ambulatorial: (M3)

• Consultas especializadas - outras especialidades dermatologia/endocrinologia/infectologia/gastroenterologia/nefrologia/oncologia/reumatologia/geriatria/hematologia/neurologia/otorrinolaringologia/pneumologia/proctologia

• Procedimentos cirúrgicos (especializados)

• Ações Especializadas em Odontologia (MC III) periodontia/prótese/cirurgia/radiologia

• Patologia clínica / Radiodiagnóstico / Ultra-sonografia (MC III)

• Anatomo Patologia e Citopatologia

• Terapias especializadas (MC III) Setor Hospitalar: Atenção de maior complexidade em regime de internação internação hospitalar

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nas clínicas

• Médica, Pediátrica, Obstétrica e Cirúrgica

• Tratamento especializado em unidades de terapia intensiva Setor de Urgência e Emergência: (Urgência Nível 3) dispor de Serviço para Atendimento de Urgência e Emergência 24 horas - Hospitais de Excelência

• Clínicas: Básicas, Ortopédica e Neurocirúrgica

• Suporte para atenção ao paciente grave (UTI)

• Hospitais habilitados como referência para U/E e GAR

Deve-se sempre buscar critérios técnicos e a realidade epidemiológica e estrutural dos municípios para a elaboração do PDR e PPI – alguns dos referenciais técnicos constam na Portaria 1.101 de 12 de junho de 2002. Os parâmetros devem ser pactuados na Comissão Intergestores Bipartites (CIB – instância colegiada composta por representação de gestores estaduais e municipais). Os Serviços estruturados na lógica de redes cooperativas resultam em eficiência, efetividade e qualidade, devendo ser ofertados de forma dispersa apenas os serviços que não se beneficiam de economias de escala e de escopo. A economia de escala ocorre quando se reduzem os custos médios de longo prazo, a partir do aumento do volume de uso de determinado serviço – os estudos de economia da saúde mostram que somente se alcança economia de escala em hospitais com mais de 200 leitos.

A estratégia de regionalização do SUS fortalece inclusive as modalidades de articulação já existentes – consórcios, associações de municípios, regionais de saúde, fóruns e redes regionais – integrando-as de forma mais orgânica ao SUS. Ao longo do tempo, tem-se observado progressivo crescimento de uma modalidade de cooperação entre os municípios – trata-se do Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS). Os CISs representam a união de municípios integrantes do mesmo aglomerado urbano e/ou microrregional e/ou macrorregional, a partir de um convênio firmado entre as partes, com a finalidade de conjugar esforços para a prestação de serviços públicos (administração de serviços especializados de média e alta complexidade) de interesse comum dos municípios partícipes. Constituem experiências de cooperação entre municípios para solução de problemas comuns, através da articulação de esforços e recursos financeiros e tecnológicos. No Brasil, hoje já envolvem mais de 35% dos municípios brasileiros. A Lei Federal n.º 11.107 de 06 de abril de 2005 dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e da outras providências.

Além da programação da assistência (referente aos serviços ambulatoriais e hospitalares de média e alta complexidade), passam por um processo de pactuação recursos financeiros para a Programação da Vigilância Epidemiológica que propõe atividades e metas visando o fortalecimento do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e Ambiental em Saúde – tem como base o aumento da capacidade do município de assumir as atividades de notificação, investigação, confirmação laboratorial, imunização, sistema de informação e vigilância ambiental em saúde.

As transferências dos recursos podem ocorrer por meio de: Transferência Regular e Automática (transferência fundo a fundo), considerando as modalidades de gestão, qualificação e certificação aos programas e incentivos, bem como os respectivos tetos financeiros (recursos pactuados para custeio da assistência); remuneração por produção de serviços (pagamento direto aos prestadores mediante apresentação de fatura, com base no SIA e SIH, respeitando-se teto financeiro pactuado); convênios (financiamento de projetos específicos, com repasses de acordo com o cronograma físico-financeiro) (Fluxograma a seguir). Por meio da Transferência Regular e Automática, são repassados recursos para custeio de ações e serviços relacionados à atenção básica (PAB) e a assistência de média e alta complexidade (teto financeiro pactuado).

Fluxograma da transferência de recursos financeiros entre as três esferas de Governo

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O Fundo Municipal de Saúde deve ter suas receitas especificadas e vinculadas à execução das ações e serviços públicos de saúde. Trata-se de uma Unidade Gestora de Orçamento, com conta específica (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica próprio), fiscalizada pelo Conselho Municipal de Saúde, cujo objetivo maior refere-se à descentralização dos recursos. Constituem-se em instrumentos de gestão, planejamento e controle dos recursos.

Os recursos referentes às ações da atenção básica (PAB) são repassados diretamente ao Fundo Municipal de Saúde. A depender da modalidade de gestão, os recursos destinados às ações de média e alta complexidade podem ser destinados diretamente do Fundo Nacional para o Fundo Municipal de Saúde (Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde), sendo o pagamento aos prestadores de serviço cadastrados executado pelo Município. Nos Municípios não habilitados para a Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde o pagamento desses prestadores é feito diretamente pelo Fundo Nacional ou Estadual de Saúde (se habilitado na Gestão Plena do Sistema Estadual de Saúde).

A alimentação dos diferentes sistemas de informação é indispensável para a garantia de recebimento dos recursos financeiros. Além do que a disponibilidade das informações permite também o aprimoramento da gestão a partir da identificação do perfil epidemiológico, socioeconômico das populações bem como do perfil financeiro e dos gastos destinados pelas três esferas na área da saúde.

A relevância do desenvolvimento de um aprimorado processo de gestão pode ser evidenciada com os seguintes dados: no Brasil, em 2000, foram registradas 12 milhões, 438 mil, 151 internações, sendo que destas 3 milhões, 556 mil e 88 foram por condições sensíveis à atenção primária e o custo dessas internações por problemas que poderiam ser resolvidos na atenção básica ficou em torno de R$ 1 bilhão e 40 milhões. Faz-se necessário ressaltar que 85% dos problemas de saúde podem e devem ser resolvidos no âmbito de uma atenção primária de qualidade (foco primordial da gestão municipal).

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender a gestão do SUS. Brasília: CONASS, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde: manual básico. Brasília: MS, 2003. BRASIL. Ministério da Saúde. Gestão Municipal de Saúde. Textos Básicos. Rio de Janeiro, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Operacional de Assistência à Saúde. Brasília, 2001. BRASIL. Ministério da Saúde. Norma Operacional de Assistência à Saúde. Brasília, 2002.

Impostos e Contribuições

Orçamento Ministério da Saúde

Fundo Nacional de Saúde

Estados e Municípios

Estabelecimentos de Saúde

Transferências Fundo a Fundo

Convênios

Remuneração por Prestação de Serviços (SIA e SIH)

Os Recursos para o Custeio da Assistência são e

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CAMPOS, FC. Gestão inter-governamental e financiamento do Sistema Único de Saúde. In: BRASIL. Ministério da Saúde Gestão Municipal de Saúde. Textos Básicos. Rio de Janeiro, 2001. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICPIO. Saúde. Brasília: Confederação Nacional de Municípios, 2004. IBGE. Estatísticas de Saúde: assistência médico-sanitária. Rio de Janeiro, IBGE, 2000. MARQUES, RM; MENDES, A. Atenção Básica e Programa de Saúde da Família (PSF): novos rumos para a política de saúde e seu financiamento? Ciência e Saúde Coletiva 8(2): 403-415, 2003. MARTINS JÚNIOR, F; SILVA, AM; SOLLA, J; SANTOS, NR. O impacto potencial da atual estrutura de financiamento da gestão descentralizada do SUS na redução de desigualdades regionais Ciência e Saúde Coletiva 8(2): 645-648, 2003. MENDES, E. V. Reflexões sobre a NOAS SUS 01/02. 1º Seminário para construção de consensos: organização, gestão e financiamento do SUS. Brasília: CONASSS, 2003. MINAS GERAIS, Secretaria de Estado de Saúde. Pacto de gestão: da municipalização autárquica à regionalização cooperativa. Marcus Vinícius Caetano Pestana da Silva e Eugênio Vilaça Mendes. Belo Horizonte, 2004. STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO/Ministério da Saúde, 2002. TEIXEIRA, M. G. O imperativo do financiamento e da gestão: desafios ao Sistema Único de Saúde. Revista de Direito Sanitário, 4: 85-96, 2003. Sites www.saude.gov.br www.ipea.gov.br http://dtr2001.saude.gov.br/sctie/portal_des/index_des.htm

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A Saúde Pública de Todos Nós

Lenir Santos, Doutora em Saúde Pública pela UNICAMP Disponível em:http://cebes.org.br/2013/08/a-saude-publica-de-todos-nos/ Publicado em: 12/08/2013.

Nunca a saúde pública foi tão debatida quanto nos dias hoje, exceto talvez na ocasião da

introdução da vacina por Oswaldo Cruz que originou a famosa “guerra da vacina” de

intensos debates na sociedade e no congresso nacional. Com a saúde no palco

novamente, devemos debatê-la em todas as suas contradições.

Antes de 1988, serviços de assistência médica e hospitalar destinavam-se tão somente

aos trabalhadores formais e seus dependentes. Para os ricos, a saúde privada, ainda sem

um mercado de planos e seguros. Para os demais, as santas casas de misericórdias que

destinavam aos indigentes (a maioria da população), serviços gratuitos em suas grandes

enfermarias. A mudança é recente; data de 1988. São apenas 25 anos de direito à saúde.

Saúde que nasceu cindida na Constituição. As forças progressistas e as do “Centrão”, na

Assembleia Nacional Constituinte, tiveram que aliar a saúde pública à liberdade da

iniciativa privada. Uma premissa de difícil conjugação se não houver forte atuação

regulatória pública sobre o setor privado, uma vez que o sucesso de um pode ser o

fracasso do outro; a saúde pública de qualidade, gratuita, pode ser o fracasso da saúde

privada, paga. A saúde pública pobre, o sucesso dos planos e seguros. É preciso, pois

delimitar os campos de atuação de ambos.

A implantação do SUS, sua estruturação e funcionamento adequados às necessidades de

saúde da população têm sido tarefa árdua em todos os sentidos: do seu financiamento

insuficiente, que passa ainda pelas formas de gestão incompatíveis com o mundo

contemporâneo, à formação dos profissionais de saúde e as dificuldades próprias do

sistema público em se estruturar, dada as suas complexidades operativas. Longo e

áspero caminho, entrecortado todo o tempo com os vieses do nosso federalismo de

centenárias práticas centralizadoras, incompatíveis com o princípio federativo e que tem

o município como ente da Federação: ente igual em autonomia e profundamente

desigual em seu desenvolvimento econômico-social para o exercício da autonomia

federativa e das competências constitucionais. Para promover o equilíbrio nacional, a

União precisa atuar no alcance da equidade orçamentária federativa, no

desenvolvimento geoeconômico e abandonar as práticas centralistas da cenoura e da

vara em relação aos demais entes federativos. Por isso, para o SUS acertar o passo não

são poucas as suas tarefas por se tratar de um sistema único que se espraia em 5.568

municípios e 27 estados, todos autônomos entre si ao mesmo tempo em que são

interdependentes na condução da saúde pública.

Consideremos apenas algumas que julgamos essenciais:

1.Financiamento insuficiente. Não há como negar a insuficiência do financiamento

público na saúde. Não se faz saúde integral (prevenção e recuperação) sem o poder

público gastar, minimamente, 7% do PIB. O gasto em saúde no Brasil é 7.9% do PIB,

sendo 3.7% público para 191 milhões de pessoas e 4.2% privado para 48 milhões de

pessoas (1). Destaque-se, ainda, que proporcionalmente, são os municípios os mais

onerados tendo em vista que o gasto municipal com saúde está por volta de 20% a 25%

das receitas municipais (a obrigação constitucional mínima é de 15% das receitas),

desequilibrando o gasto com as demais atividades municipais públicas.

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2.Gestão pública sem modernização ou serviços públicos ineficientes em suas estruturas

administrativas. Sendo o SUS um sistema que impõem entre os entes federativos a

integração de suas ações e serviços em rede, regionalizada e hierarquizada (em

complexidade tecnológica de serviços), haveria de estar em curso as mais modernas

formas de atuação da ação pública, em especial as de gestão compartilhada. Um setor

público ainda aferrado às estruturas arcaicas de gestão pública, dotadas de minúcias de

controles burocráticos e atividades-meio que não conseguem nem coibir a corrupção

nem permitir o seu desenvolvimento qualitativo, sendo ainda fato corriqueiro na saúde

um equipamento ficar quebrado por seis meses a um ano; uma licitação de compra de

bem ou serviços durar um ano; um contrato levar seis meses para ser assinado e assim

por diante. O custo “tempo” parece não existir para a Administração que se perde

diariamente em reuniões nem sempre produtivas, eventos, viagens, quando as empresas,

por teleconferência, realizam diariamente reuniões com o mundo inteiro. A tentativa de

melhorar a gestão apenas trouxe para dentro do SUS as organizações sociais que nem

sempre são bons exemplos de gestão por incorporar vícios privados no bem público,

continuando sem guarida uma série de estudos e propostas como a fundação estatal, o

conglomerado público, a empresa pública da área social, o contrato de autonomia, o

projeto de reforma da Administração Publica (2). Continuamos a passos de tartaruga

num mundo de velocidade virtual. O custo disso para a saúde é muito grande.

3. Formação de recursos humanos na saúde. O SUS é um sistema cujo modelo

assistencial se centra na atenção básica que exige resolutividade em 85% dos casos que

lhe chegam e deve estar presente em todo o território nacional, em quantidade e

qualidade suficientes às necessidades de saúde, de competência municipal, adotando-se

o princípio da subsidiariedade. Entretanto, nesses anos, a formação profissional não se

modificou para garantir profissionais para o sistema público, mantendo-se a hegemonia

de formação para o mercado privado (48 milhões de pessoas). Além do mais somos um

país de flagrantes desigualdades socioeconômicas, culturais, demo-geográficas que

adotou o modelo de assistência centrada na atenção básica, a qual exige equipes de

saúde e médicos com essa formação em todo o território nacional. Fatalmente a falta de

médicos em lugares mais recônditos ou em lugares mais vulneráveis, é fato que seria

previsível há 25 anos e que não foi objeto de planejamento público adequado ao longo

do tempo, tanto quanto à formação descolada dos serviços públicos de saúde centrados

no modelo definido pelo SUS. A falta de médicos e a necessidade de reformulação da

sua formação são fatos incontestáveis e que não podem mais tardar. Por outro lado,

falar-se em carreira federal para médicos, como as dos juízes federais (temas

inconfundíveis, diga-se), não pode ser vista com bons olhos. Médicos federais, em

exercício profissional em municípios, mesmo sob a direção do gestor municipal, será

um flagrante retrocesso ao princípio da descentralização e da regionalização da saúde,

sem se falar na postergação de um plano de desenvolvimento dos entes municipais para

o exercício de suas competências constitucionais. Que se instituam novos modelos de

gestão pública que permitam aos entes municipais gerirem seus próprios servidores sem

ficarem submetidos aos profissionais de carreira federal, como aconteceu nos

primórdios do SUS, com os profissionais do INAMPS, o que sempre foi um problema

para o município. Há que se pensar em carreira para os médicos, mas não carreira

federal; deve-se estudar novas formas de gestão interfederativa, como as fundações

estatais intermunicipais, os consórcios públicos e outras formas de gestão compartilhada

em regiões de saúde, garantindo ao município a gestão de seus servidores que pode ser

realizada de maneira compartilhada, garantindo-lhes plano de carreira consequente e

conforme a forma organizativa do SUS. Lembramos ainda que os médicos precisam

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também cumprir a carga horária de trabalho para os quais foram contratados. Fato

incontestável é o seu flagrante descumprimento. A falta de médicos no país, em especial

na região norte e nordeste que muitas vezes fica abaixo de 0,8% (em relação a mil

habitantes) e a formação inadequada para os serviços de saúde públicos são fatos contra

os quais não há argumentos. A atitude do governo, no momento, ao lançar mão de seu

poder de ordenar a formação de recursos humanos em prol da saúde pública é um

caminho virtuoso.

4. Planejamento em saúde insuficiente. Se em 1988 iniciou-se uma fase nova para a

saúde pública a partir de seu reconhecimento como direito público subjetivo, haveria

que ter sido feito um planejamento de longo prazo, 20 anos, talvez, de implantação

escalonada das estruturas do SUS. A falta de um plano nacional de desenvolvimento da

saúde, que deveria ter sido realizado logo após a edição da lei 8080, em 1990, obrigando

a todos os governos pelo prazo necessário à substituição de um modelo por outro, fez

com que cada governo ou gestor da saúde, adotasse as medidas que julgassem

pertinentes, sem lastro em estudos, pesquisas, informações. Não houve um passo a

passo estrutural de longo tempo. Um plano nacional de desenvolvimento da saúde teria

sido (e ainda é) de grande valia. É preciso pensar a saúde em longo prazo e não desviar

do caminho que deve ser imposto a todos por estarmos em um sistema único em seus

conceitos e princípios.

5.Organização estrutural do modelo de atenção em acordo aos seus marcos

constitucionais não consolidados.O Ministério da Saúde, responsável pela direção

nacional do SUS, deveria ter definido (ou ainda definir) diretrizes nacionais de

implantação das estruturas do SUS em médio e longo prazo. As mudanças no SUS

foram se dando aos trancos e barrancos, havendo hoje mais de mil portarias dispondo

sobre essas estruturas, sua forma organizativa, suas políticas e demais ações e serviços;

uma babel, ininteligível que fraciona um sistema que precisa ser uno em todos os seus

sentidos. O SUS se assenta em alguns pilares constitucionais: competência tripartida

(todos os entes da federação cuidam da saúde); modelo assistencial centrado na atenção

primaria, o que exige rede suficiente de serviços para a continuidade da assistência em

níveis de maiores complexidades tecnológica, ao lado de um sistema eficaz de

referenciamento entre os entes na região e inter-região. A região de saúde é recorte

territorial essencial para a organização do SUS quanto à complexidade tecnológica de

seus serviços, assim como as referências entre serviços são essenciais para a eficácia da

assistência consequente ao primeiro atendimento na unidade básica de saúde.

6.Usando o SUS. Quem usa o SUS de fato? A população, que não tem escolha. Quem

pode escolher, compra um plano de saúde; negocia nos seus acordos coletivos de

trabalho a assistência de planos de saúde; agentes públicos com sistema próprio, como

parlamentares, servidores públicos, magistratura, entre outros, pagos, na maioria das

vezes, com recursos do cidadão-contribuinte. Os gestores da saúde pública, na grande

maioria, gerem o que não usam. Os juízes julgam serviços que não usam e assim a

saúde vai se transformando em bem de consumo esfumaçando o direito e transformando

o sistema público num SUS pobre para pessoas pobres.

7.Os planos de saúde sem regulação eficiente. Os planos de saúde não são regulados de

maneira suficiente para manter-se como mercado privado sujeito aos seus bônus e ônus.

Os bônus são dos acionistas e os ônus do poder público que lhe tem sido complementar

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ao atender seus contratados nos serviços públicos sem o devido ressarcimento, nos

termos da lei. A ANS, ao deixar de cobrar pelos serviços que o SUS presta aos seus

beneficiários, faz renuncia fiscal e nada acontece. Afora a falta de regulamentação dos

espaços de mercado em saúde. Qual é o espaço, no âmbito da assistência à saúde (que é

livre à iniciativa privada, mas sob regulamentação pública), vai ser reservada ao

mercado dos planos de saúde? O que é do público e o que é do privado? E a relevância

pública das ações e serviços de saúde prevista constitucionalmente?

8. Judicialização da saúde. Esse fenômeno tem duas vertentes que não podemos ignorar:

a insuficiência dos serviços públicos e a eficiência de uma estrutura que se organiza

para incentivar a judicialização (3). Separar o joio do trigo nessa seara, que lida com a

vida humana e suas fragilidades e o poder médico, é fato complexo e assim seguimos

num SUS, com dificuldades ainda para se estruturar e que se desestrutura ante os

mandados judiciais diários. Boa parte das liminares garante serviços de saúde para

quem tem plano de saúde, desonerando suas operadoras nas suas obrigações contratuais

ferindo, assim, o principio da isonomia ao garantir acesso preferencial àquele cidadão

que está a espera de um atendimento, exame, medicamento. Afora desconsiderar todo o

planejamento, as políticas de saúde, as pactuações entre gestores, os serviços sistêmicos

que se transformam em bens e produtos isolados, tal qual um balcão desregulado de

serviços ou uma farmácia pública.

9. Gasto com pessoal na saúde sem encontrar sua virtuosidade. Muitos municípios não

contratam profissionais para a saúde pelo fato de estar no seu limite de gasto com

pessoal permitido pela lei de responsabilidade fiscal. A LRF vigora desde 2000; as

reclamações aumentam diuturnamente e nada se resolve. A fundação estatal não

dependente do orçamento público (4) poderia ser uma solução para parte desse

problema; o não cômputo das despesas com pessoal decorrentes dos recursos das

transferências federativas também poderia ser outra medida de alívio; contudo nada foi

feito nesse campo. E tudo continua como desde 2.000.

10. A saúde pública deve garantir um padrão de integralidade (rol de ações e serviços de

saúde) ao cidadão num pacto social. Não há tudo para todos em área que tem custos.

Direitos que custam precisam de delimitação em razão do orçamento público. É

imperioso que o poder público discuta com a sociedade quais ações e serviços de saúde

serão garantidos a todos, de maneira universal, igualitária e equânime. Essa escolha tem

que ser um ato integrado entre a sociedade detentora do direito e o Estado detentor da

obrigação de fazer; esse pacto que referendaria o previsto na RENASES (5) poderia

inclusive ser uma medida de “desjudicialização” da saúde e uma maneira de se

programar o gasto com saúde em médio e longo prazo. Não se pode incorporar

tecnologias na saúde que não possa ser garantida a 191 milhões de pessoas, sob pena de

servir para os apadrinhamentos que ainda existe no serviço público.

Vê-se que esse debate que se instalou sobre a saúde brasileira é eivada de dúvidas e

contradições que precisam ser sanadas urgentemente num pacto social. A crise atual da

saúde implica todos nós. Somos todos responsáveis pela saúde pública brasileira, bem

protegida pela Constituição, mas que depende de todos nós.

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CADERNO DE EXERCíCIOS

ROTEIRO PARA VIDEO “História das Políticas de Saúde no Brasil”

- Anotar as palavras chave que determinaram as transformações do Modelo Assistencial de Saúde no Brasil, observando os determinantes políticos, econômicos e sociais e as mudanças no modelo de assistência à saúde individual e coletiva. CENÁRIO NACIONAL

PERÍODO

MARCO POLÍTICO/ECONÔMICO/SOCIAL

ASSISTÊNCIA MÉDICA

SAÚDE PÚBLICA

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EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO SUS Identifique nos enunciados abaixo o(s) principio(s) do SUS em evidência. 1- O Sr. RMS de 86 anos, queixa-se à sua vizinha que esteve na UBS de seu bairro e foi muito mal atendido: ― cheguei lá bem cedo, estava com dor e tive de esperar a manhã toda para ser consultado‖. 2- PSS de 36 anos refere que aguardou dois meses para conseguir uma consulta médica e quando conseguiu, o doutor lhe disse que não poderia fazer nada pois seu caso não era para ele. 3- A Sr ª MLRC 21 anos , gestante com 26 semanas , ainda não está fazendo pré- natal pois tem de caminhar 2 km para ir até a casa do ACS para agendar uma consulta e depois caminhar quase 10 km para realizar a mesma. 4- A ESF nº 15 do município de Poraí tem sua área adscrita situada na zona rural, porém desenvolve suas atividades no ambulatório do hospital na sede do município, distante de sua área 15 km. 5- A Drª SM 37anos comparece para ministrar palestra educativa sobre DST, a palestra foi amplamente divulgada com antecedência o que a deixou com grande expectativa ; ao chegar fica decepcionada com o comparecimento de somente 3 pessoas. ESTUDO DIRIGIDO Grupo A, ler:― Declaração de Alma Ata‖, ―Carta de Ottawa‖ e artigos da Constituição Federal, 1988. Grupo B, ler: ―O Histórico do Sistema de Saúde brasileiro‖ Grupo C, ler: ―O Sistema Único de Saúde.‖ Grupo A - Qual a influência dos movimentos internacionais e do movimento da Reforma Sanitária na configuração da atual política de saúde do Brasil? Grupo B - O que é e como se configura o Sistema Único de Saúde? Grupo C - Quais são as diretrizes norteadoras do SUS?

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ATIVIDADE FINAL SUS: AVANÇOS E DIFICULDADES Em sua opinião, quais os principais desafios para a consolidação do SUS? Qual é a base de apoio a política publica de saúde? Quais são os principais interesses contrários ao fortalecimento do ideal da saúde como direito de cidadania? Quais estratégias necessárias para superar os desafios?