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FACULDADE KURIOS PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR BARREIRA – CEARÁ JULHO – 2011

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FACULDADE KURIOS PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR

PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO

POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE

EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR

BARREIRA – CEARÁ JULHO – 2011

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FACULDADE KURIOS PÓS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR

PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO

POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE

EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR

BARREIRA – CEARÁ JULHO – 2011

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FACULDADE KURIOS HABILITAÇÃO EM PEDAGOGIA

EMENTA DA DISCIPLINA POLÍTICAS PÚBLICAS E LEGISLAÇÃO SOBRE EDUCAÇÃO EM GESTÃO ESCOLAR

PROF. ANTONIO MARTINS DE ALMEIDA FILHO

DISCIPLINA: Políticas Públicas e Legislação Sobre E ducação em Gestão Escolar CARGA HORÁRIA: 30 Horas PROFESSOR: Antonio Martins de Almeida Filho EMENTA: As Políticas Públicas da Educação enquanto objeto de estudo.

Histórico das Políticas Públicas em Educação. As Políticas Públicas em Educação no Brasil. A Legislação Educacional, A Constituição Federal, A Lei nº 9394/96 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. A Gestão Escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZANHA , J. M. P. Planos e Políticas de Educação no Brasil. Alguns pontos

de reflexão. In: Estrutura e Funcionamento da Educação Básica. São Paulo: Ed. Pioneira, 2001.

BRASIL . Constituição: República Federativa do Brasil. Capítulo III e Atos das

Disposições Transitórias com a Incorporação da Emenda 14. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

___________. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Lei Nº 9.394/96. São Paulo: Ed. Saraiva, 1998. GADOTI & Colaboradores. Perspectivas Atuais da Educação. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2000.

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As políticas públicas, particularmente as de caráter social, são mediatizadas pelas lutas, pressões e conflitos entre elas. Assim, não são estáticas ou fruto de iniciativas abstratas, mas estrategicamente empregadas no decurso dos conflitos sociais expressando, em grande medida, a capacidade administrativa e gerencial para implementar decisões de governo. (...)Ao longo da história, a educação redefine seu perfil reprodutor/inovador da sociabilidade humana. Adapta-se aos modos de formação técnica e comportamental adequados à produção e reprodução das formas particulares de organização do trabalho e da vida.

Eneida Shiroma

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SUMÁRIO EMENTA DA DISCIPLINA 03 UNIDADE I

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO 06 A IDEOLOGIA E A EDUCAÇÃO 06 A CRISE DO CAPITALISMO E DA IDEOLOGIA LIBERAL 07 A EDUCAÇÃO NEOLIBERAL 08

UNIDADE II

AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO – UM BREVE CONCEITO 11 UNIDADE III

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS COMO CAMPO DE SABER 13 AS QUESTÓES FUNDAMENTAIS DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS 15 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: UMA DISCIPLINA A PROCURA DE SEU CONCEITO E SUA METODOLOGIA 20

UNIDADE IV

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL - Contextualização Histórica 23 UNIDADE V

PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO COMO DIREITO 31 UNIDADE VI

AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 39 UNIDADE VII

O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - Jorge Barcellos 48

UNIDADE VIII

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO - O problema da corrupção 57 UNIDADE IX

A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA 72

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UNIDADE I 1. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO CONTEXTO DO NEOLIBERALISMO A conjuntura das políticas educacionais no Brasil ainda demonstra sua centralidade na hegemonia das

idéias liberais sobre a sociedade, como reflexo do forte avanço do capital sobre a organização dos trabalhadores na década de 1990. A intervenção de mecanismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial, aliada à subserviência do governo brasileiro à economia mundial, repercute de maneira decisiva sobre a educação. Em contrapartida, a crise do capitalismo em nível mundial, em especial do pensamento neoliberal, revela, cada vez mais, as contradições e limites da estrutura dominante. A estratégia liberal continua a mesma: colocar a educação como prioridade, apresentando-a como alternativa de “ascensão social” e de “democratização das oportunidades”. Por outro lado, a escola continua sendo um espaço com grande potencial de reflexão crítica da realidade, com incidência sobre a cultura das pessoas. O ato educativo contribui na acumulação subjetiva de forças contrárias à dominação, apesar da exclusão social, característica do descaso com as políticas públicas na maioria dos governos.

O propósito do presente texto é apresentar, em síntese, as principais características da educação no

contexto neoliberal do Brasil, numa tentativa de contribuir com o debate de conjuntura acerca das políticas educacionais. Neste sentido, iniciamos a discussão com uma breve reflexão sobre a ideologia na educação, para, em seguida, apresentar a dimensão da crise do capitalismo e do pensamento liberal, concluindo com as principais políticas oficiais que vêm sendo propostas para a educação.

1.1 A IDEOLOGIA E A EDUCAÇÃO A relação da ideologia com a educação foi bastante polêmica ao longo da história. Embora o termo

tenha sido primeiramente utilizado em 1801, é com o advento do marxismo que a ideologia assume uma maior importância para o pensamento humano. Conforme Marilena Chauí, o marxismo entende a ideologia como “um instrumento de dominação de classe e, como tal, sua origem é a existência da divisão da sociedade em classes contraditórias e em luta”. Além disso, a utilização do termo confunde-se com o significado de crenças e ilusões que se incorporam no senso comum das pessoas. “A ideologia é ilusão, isto é, abstração e inversão da realidade, ela permanece sempre no plano imediato do aparecer social. (...) A aparência social não é algo falso e errado, mas é o modo como o processo social aparece para a consciência direta dos homens”.

Diferente da maioria dos marxistas, para os quais a ideologia consiste na expressão de interesses de

uma classe social, para Karl Manheim o que define a ideologia é o seu poder de persuasão, sua “capacidade de controlar e dirigir o comportamento dos homens”. Nicola Abagnano, reforça a teoria de Manheim dizendo que “o que transforma uma crença em ideologia não é sua validade ou falta de validade, mas unicamente sua capacidade de controlar os comportamentos em determinada situação”

A compreensão de ideologia como expressão de interesses e “falsificação da realidade” com vistas ao

controle social, permite a conclusão, do ponto de vista marxista, de que a estrutura social dominante constitui “aparelhos ideológicos” em forma de superestrutura, mantendo a opressão. Segundo Louís Althusser a escola é o principal aparelho ideológico da sociedade e, em seu entendimento, como a estrutura determina a superestrutura, não é possível qualquer mudança social a partir da educação. Moacir Gadotti considera a posição de Althusser bastante equivocada do ponto de vista da emancipação humana, pois gera uma situação de passividade e impotência, o que revela um caráter ideológico de sua própria teoria, já que “a subserviência da omissão interessa mais à dominação do que o combate a favor dela”. Para Gadotti, “se aceitarmos a análise de Althusser, certamente a educação enquanto sistema ou subsistema é um aparelho ideológico em qualquer sistema político. Mas se aceitarmos que ela é também ato, práxis, então as coisas se complicam. Não podemos reduzir a educação, a complexidade do fenômeno educativo apenas às suas ligações com o sistema”.

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De certa forma, Gramsci é que dá um novo rumo ao conceito de ideologia e, com isso, fornece valiosas contribuições para a construção da educação voltada para a transformação social. Um dos conceitos fundamentais adotados por Gramsci é o de hegemonia que, segundo ele, se dá por consenso e/ou coerção. Na sociedade dividida em classes, temos uma constante luta pela hegemonia política e a ideologia assume o caráter de convencimento, o primeiro recurso utilizado para a dominação. Do ponto de vista dos oprimidos, o embate ideológico contra a hegemonia burguesa se dá em todos os espaços em que esta se reproduz, como por exemplo, a escola. Temos então, uma luta de posição na escola, colocando a política, luta pelo poder, como o centro da ação pedagógica.

A educação, portanto, é um espaço social de disputa da hegemonia; é uma prática social construída a

partir das relações sociais que vão sendo estabelecidas; é uma “contra-ideologia”. Nesta perspectiva, é importante situar a posição do educador na sociedade, contribuindo para manter a opressão ou se colocando em contraposição à ela. Se o educador é um trabalhador em educação, parece coerente que este seja aliado das lutas dos trabalhadores enquanto classe, visto que as suas conquistas sociais, aparentemente mais imediatas, também dependem de vitórias maiores no campo social. Nessa perspectiva, é coerente que a posição do educador seja em favor dos oprimidos, não por uma questão de caridade, mas de identidade de classe, já que a luta maior é a mesma. Qual é a função do educador como intelectual comprometido com a transformação social?

Gramsci afirma que o povo sente, mas nem sempre compreende e sabe; o intelectual sabe, mas nem

sempre compreende e muito menos sente. Por isso, o trabalho intelectual é similar a um cimento, a partir do qual as pessoas se unem em grupos e constroem alternativas de mudança. Mas isso não é nada fácil: assumir a condição de intelectuais orgânicos dos trabalhadores significa lutar contra o contexto dominante que se apresenta e visualizar perspectivas de superação coletiva sem exclusão. Entender bem a realidade parece ser o primeiro passo no desafio da construção de uma nova perspectiva social. Que realidade é essa que se apresenta para a educação?

1.2 A CRISE DO CAPITALISMO E DA IDEOLOGIA LIBERAL O atual contexto traz algumas novidades e um conjunto de elementos já presentes há muito tempo no

capitalismo, ambos tentando se articular coerentemente, embora as contradições estejam cada vez mais explícitas. Em termos de estrutura social, vigora a manutenção da sociedade burguesa, com suas características básicas:

a) trabalho como mercadoria; b) propriedade privada; c) controle do excedente econômico; d) mercado como centro da sociedade; e) apartheid, exclusão da maioria; f) escola dividida para cada tipo social. Porém, a novidade, em termos estruturais, é que a ordem burguesa está sem alternativa, ou seja, o

capitalismo prova sua ineficácia generalizada e a crise apresentada revela seu caráter endógeno, ou seja, o capitalismo demonstra explicitamente ser o gerador de seus próprios problemas. Se o mercado é a causa da crise e se boa parte das soluções apresentadas para enfrentar esta crise prevê a ampliação do espaço do mercado na sociedade, a tendência é que os problemas sejam agravados.

O fracasso do capitalismo se comprova internamente, principalmente nos países mais pobres. Além

disso, o auge do neoliberalismo da década de 1990 mostra suas limitações e começa a ser rejeitado em todo o mundo. Entretanto, os neoliberais, embora a maioria não se assuma como tal, usam a estratégia de atacar quem se propõe a explicitar o que ficou evidente: “Além do ataque à esquerda, como que responsabilizando os outros pelo seu próprio fracasso, alguns liberais têm se manifestado através de artigos na imprensa, afirmando que as

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pessoas ‘de forma pobre e maniqueista culpam o neoliberalismo e o FMI pela miséria brasileira’. Ora, será que a culpa seria do PT, da CUT, do MST, da intelectualidade e do povo brasileiro?”

Nem mesmo crescimento econômico, suposta virtude da qual os intelectuais burgueses ainda se

vangloriavam, o capitalismo consegue proporcionar. Conforme o economista João Machado, a economia mundial que se mantinha num crescimento de 4% na década de 1960, chegou ao final da década de 1990 com apenas 1%. O custo social, por sua vez, é catastrófico:

a) a diferença entre países ricos e pobres têm aumentado em 110 vezes, desde a 2ª. Guerra Mundial até a década de 1990; b) aumenta consideravelmente a distância entre ricos e pobres dentro dos países; c) a crise ecológica vem sendo agravada, com a poluição das águas e diversos recursos naturais essenciais à produção. Há uma clara incompatibilidade entre a ordem burguesa e a noção de progresso civilizatório. De maneira mais conjuntural as principais características são as seguintes: a) crise do trabalho assalariado, com acentuada precarização nas relações de trabalho; b) mito da irreversibilidade da globalização, com forte carga de fatalismo;

c) mundo unitário sem identidade, trazendo à tona a fragmentação, também no que se refere ao conhecimento; d) retorno de “velhas utopias”, principalmente na política, economia e religião;

e) despolitização das relações sociais; f) acento na competitividade com a perspectiva de que alguns se salvam já que não dá para todos. Nessa realidade está inserida a educação, como um espaço de disputa de projetos antagônicos: liberal

X democrático-popular. Por um lado, o caos da ditadura do mercado como regulador das relações humanas e, por outro, a tentativa de manter a democracia como valor universal e a solidariedade como base da utopia socialista.

1.3 A EDUCAÇÃO NEOLIBERAL Do ponto de vista liberal, a educação ocupa um lugar central na sociedade e, por isso, precisa ser

incentivada. De acordo com o Banco Mundial são duas as tarefas relevantes ao capital que estão colocadas para a educação:

a) ampliar o mercado consumidor, apostando na educação como geradora de trabalho, consumo e cidadania (incluir mais pessoas como consumidoras);

b) gerar estabilidade política nos países com a subordinação dos processos educativos aos interesses da reprodução das relações sociais capitalistas (garantir governabilidade).

Para quem duvida da priorização da educação no países pobres, observe o seguinte trecho do vice-

presidente do Banco Mundial: “Para nós, não há maior prioridade na América Latina do que a educação. entre 1987 e 1992 nosso programa anual de empréstimos para a educação na América Latina e o Caribe aumentou de 85 para 780 milhões de dólares, e antecipamos outro aumento para 1000 milhões em 1994”. Porém, não vamos

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nos iludir pensando que a grande tarefa dos mecanismos internacionais a serviço do capital é financiar a educação. Conforme análise de Sérgio Haddad, o principal meio de intervenção é a pressão sobre países devedores e a imposição de suas “assessorias”: “A contribuição mais importante do Banco Mundial deve ser seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os governos a desenvolver políticas educativas adequadas às especificidades de seus países. (...) O Banco Mundial é a principal fonte de assessoramento da política educativa, e outras agências seguem cada vez mais sua liderança”.

É evidente que a preocupação do capital não é gratuita. Existe uma coerência do discurso liberal sobre

a educação no sentido de entendê-la como “definidora da competitividade entre as nações” e por se constituir numa condição de empregabilidade em períodos de crise econômica. Como para os liberais está dado o fato de que todos não conseguirão “vencer”, importa então impregnar a cultura do povo com a ideologia da competição e valorizar os poucos que conseguem se adaptar à lógica excludente, o que é considerado um “incentivo à livre iniciativa e ao desenvolvimento da criatividade”. Mas, e o que fazer com os “perdedores”? Conforme o Prof. Roberto Lehrer (UFRJ), o próprio Banco Mundial tem declarado explicitamente que “as pessoas pobres precisam ser ajudadas, senão ficarão zangadas” . Essa interpretação é precisa com o que o próprio Banco têm apresentado oficialmente como preocupação nos países pobres: “a pobreza urbana será o problema mais importante e mais explosivo do próximo século do ponto de vista político”.

Os reflexos diretos esperados pelo grande capital a partir de sua intervenção nas políticas educacionais

dos países pobres, em linhas gerais, são os seguintes: a) garantir governabilidade (condições para o desenvolvimento dos negócios) e segurança nos países “perdedores”; b) quebrar a inércia que mantém o atraso nos países do chamado “Terceiro Mundo”; c) construir um caráter internacionalista das políticas públicas com a ação direta e o controle dos Estados Unidos; d) estabelecer um corte significativo na produção do conhecimento nesses países; e) incentivar a exclusão de disciplinas científicas, priorizando o ensino elementar e profissionalizante. Mas, é evidente que parte do resultado esperado por parte de quem encaminha as políticas

educacionais de forma global fica frustrada por que sua eficácia depende muito da aceitação ou não de lideranças políticas locais e, principalmente, dos educadores. A interferência de oposições locais ao projeto neoliberal na educação é o que de mais decisivo se possui na atual conjuntura em termos de resistência e, se a crítica for consistente, este será um passo significativo em direção à construção de um outro rumo, apesar do “massacre ideológico” a que os trabalhadores têm sido submetidos durante a última década.

Em função dessa conjuntura política desfavorável, podemos afirmar que, em termos genéricos, as

maiores alterações que ultimamente tem sido previstas estão chegando às escolas e, muitas vezes, tem sido aceitas sem maiores discussões a seu respeito, impedindo uma efetiva contraposição. Por isso, vamos apresentar, em grandes eixos, o que mais claramente podemos apontar como conseqüências do neoliberalismo na educação:

1- Menos recursos, por dois motivos principais:

a) diminuição da arrecadação (através de isenções, incentivos, sonegação...); b) não aplicação dos recursos e descumprimento de leis;

2- Prioridade no Ensino Fundamental, como responsabilidade dos Estados e Municípios (a Educação Infantil é delegada aos municípios);

3 - O rápido e barato é apresentado como critério de eficiência;

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Note
atual prefeito de São Paulo, 2013
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4 - Formação menos abrangente e mais profissionalizante;

5 – A maior marca da subordinação profissionalizante é a reforma do ensino médio e profissionalizante;

6- Privatização do ensino;

7- Municipalização e “escolarização” do ensino, com o Estado repassando adiante sua responsabilidade (os custos são repassados às Prefeituras e às próprias escolas);

8- Aceleraração da aprovação para desocupar vagas, tendo o agravante da menor qualidade;

9- Aumento de matrículas, como jogo de marketing (são feitas apenas mais inscrições, pois não há estrutura efetiva para novas vagas);

10- A sociedade civil deve adotar os “órfãos” do Estado (por exemplo, o programa “Amigos da Escola”). Se as pessoas não tiverem acesso à escola a culpa é colocada na sociedade que “não se organizou”, isentando, assim, governo de sua responsabilidade com a educação;

11- O Ensino Médio dividido entre educação regular e profissionalizante, com a tendência de priorizar este último: “mais ‘mão-de-obra’ e menos consciência crítica”;.

12- A autonomia é apenas administrativa. As avaliações, livros didáticos, currículos, programas, conteúdos, cursos de formação, critérios de “controle” e fiscalização, continuam dirigidos e centralizados. Mas, no que se refere à parte financeira (como infra-estrutura, merenda, transporte), passa a ser descentralizada;

13- Produtividade e eficiência empresarial (máximo resultado com o menor custo): não interessa o conhecimento crítico;

14- Nova linguagem, com a utilização de termos neoliberais na educação;

15 - Modismo da qualidade total (no estilo das empresas privadas) na escola pública, a partir de 1980;

16- Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) são ambíguos (possuem 2 visões contraditórias), pois se, por um lado, aparece uma preocupação com as questões sociais, com a presença dos temas transversais como proposta pedagógica e a participação de intelectuais progressistas, por outro, há todo um caráter de adequação ao sistema de qualidade total e a retirada do Estado.

É importante recordar que os PCNs surgiram já no início do 1º. mandato de FHC, quando foi reunido um grupo de intelectuais da Espanha, Chile, Argentina, Bolívia e outros países que já tinham realizado suas reformas neoliberais, para iniciar esse processo no Brasil. A parte considerada progressista não funciona, já que a proposta não vem acompanhada de políticas que assegurem sua efetiva implantação, ficando na dependência das instâncias da sociedade civil e dos próprios professores.

17- Mudança do termo “igualdade social” para “eqüidade social”, ou seja, não há mais a preocupação com a igualdade como direito de todos, mas somente a “amenização” da desigualdade;

18 - Privatização das Universidades;

19 – Nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) determinando as competências da federação, transferindo responsabilidades aos Estados e Municípios;

20 - Parcerias com a sociedade civil (empresas privadas e organizações sociais).

Diante da análise anterior, a atuação coerente e socialmente comprometida na educação parece cada vez mais difícil, tendo em vista que a causa dos problemas está longe e, ao mesmo tempo, dispersa em ações locais. A tarefa de educar, em nosso tempo, implica em conseguir pensar e agir localmente e globalmente, o que carece da interação coletiva dos educadores e, segundo Philippe Perrenoud, da Universidade de Genebra, “o professor que não se preparar para intervir na discussão global, não é um ator coletivo”. Além disso, a produção teórica só tem sentido se for feita sobre a prática, com vistas a transformá-la. Portanto, para que haja condições efetivas de construir uma escola transformadora, numa sociedade transformadora, é necessária a predisposição dos educadores também pela transformação de sua ação educativa e “a prática reflexiva deve deixar de ser um mero discurso ou tema de seminário, ela objetiva a tomada de consciência e organização da prática”.

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UNIDADE II AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO – UM BREVE CONCEITO Políticas públicas são definidas como o conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, no caso

brasileiro, nas escalas federal, estadual e municipal, com vistas ao bem coletivo. Elas podem ser desenvolvidas em parcerias com organizações não governamentais e, como se verifica mais recentemente, com a iniciativa privada.

Cabe ao Estado propor ações preventivas diante de situações de risco à sociedade por meio de

políticas públicas. O contratualismo gera esta expectativa, ainda mais na América Latina, marcada por práticas populistas no século XX. Vejamos alguns exemplos:

• No caso das mudanças climáticas, é dever do Estado indicar alternativas que diminuam as

conseqüências que elas trarão à população do Brasil, em especial para a mais pobre, que será mais atingida;

• Com relação aos indicadores educacionais o estado tem desenvolvido diversas ações, ou políticas públicas, quais sejam: reduzir o índice de analfabetismo, melhorar a aprendizagem dos alunos, criar programas e projetos de capacitação e formação de professores, incentivo à freqüência dos alunos, leis que favoreçam o cumprimento das metas, dentre outras

• Com relação à violência e combate às drogas diversos programas e projetos foram implementados: segundo tempo na escola, escola de tempo integral, projetos e oficinas para alunos, Programa primeiro emprego, Projovem, escolas profissionalizantes, dentre outros.

• Com relação à saúde da população, temos: Programas de Vacinação em massa, Saúde da Mulher, Saúde do homem, Programas para idosos, distribuição de medicamentos, Programas de aleitamento materno, doação de órgãos, doação de sangue, programas preventivos, programas de controle à natalidade, Programas de combate às doenças, pragas, epidemias, O SUS, PSF, Exames especializados, ambulâncias, dentre outros;

• Voltado para a agricultura: Agricultura Familiar, Programa Safra, Distribuição de sementes selecionadas, Vacinação para combate às doenças, em especial à aftosa, dentre outros; Porém, não resta dúvida que diversas forças sociais integram o Estado. Elas representam agentes com

posições muitas vezes antagônicas. Também é preciso ter claro que as decisões acabam por privilegiar determinados setores, nem sempre voltadas à maioria da população brasileira.

Analisar ações em escalas diferentes de gestão permite identificar oportunidades, prioridades e

lacunas. Além disso, ela possibilita ter uma visão ampla das ações governamentais em situações distintas da realidade brasileira que, além de complexa, apresenta enorme diversidade natural, social, política e econômica que gera pressões nos diversos níveis de gestão. As forças políticas devem ser identificadas para compreender os reais objetivos das medidas aplicadas relacionadas às mudanças climáticas no Brasil.

A temática do aquecimento global ganhou corpo no mundo desde a década de 1980. Na década

seguinte, surgiram convenções internacionais para regulamentar emissões de gases de efeito estufa e, principalmente, apontar causas e efeitos das alterações climáticas. O Brasil teve um papel destacado nas negociações internacionais. Porém, internamente as políticas públicas relacionadas ao tema ainda deixam a desejar.

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Exemplos de políticas públicas
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As Políticas Públicas podem ser compreendidas como um sistema (conjunto de elementos que se interligam, com vistas ao cumprimento de um fim: o bem-comum da população a quem se destinam), ou mesmo como um processo, pois tem ritos e passos, encadeados, objetivando uma finalidade. Estes normalmente estão associados à passos importantes como a sua concepção, a negociação de interlocutores úteis ao desenvolvimento (técnicos, patrocinadores, associações da sociedade civil e demais parceiros institucionais), a pesquisa de soluções aplicáveis, uma agenda de consultas públicas (que é uma fase importante do processo de legitimação do programa no espaço público democrático), a eleição de opções razoáveis e aptas para o atingimento da finalidade, a orçamentação e busca de meios ou parceiros para o suporte dos programas, oportunidade em que se fixam os objetivos e as metas de avaliação. Finalmente, a implementação direta e/ou associada, durante o prazo estimado e combinado com os gestores e financiadores, o monitoramento (acompanhamento e reajustamento de linhas - refinamento) e a sua avaliação final, com dados objetivamente mensuráveis.

Os atores políticos são as partes envolvidas nos conflitos. Esses atores ao atuarem em conjunto após o estabelecimento de um projeto a ser desenvolvido onde

as estão claras as necessidade e obrigações das partes chegam a um estágio de harmonia que viabiliza a política pública.

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UNIDADE III 1. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS COMO CAMPO DE SABER - Por Jorge Barcellos

A política é coisa séria demais para ser deixada com os políticos. Charles De Gaulle Qual a primeira parte da política? A educação. A segunda? A educação. E a terceira? A educação. Jules Michelet

1.1 POLÍTICAS EDUCACIONAIS COMO CAMPO DE SABER O campo da disciplina de Políticas Educacionais está experimentando uma expansão. Dentro da

fragmentada configuração da Pedagogia, sua promessa é analisar, de forma explicita, os interesses sociais e políticos diversos nas ações governamentais.

No entanto, o hábito de associarmos a disciplina de Políticas Educacionais à Estrutura e

Funcionamento de Ensino, e o fato de quase as tratarmos como idênticas, levou-nos a não discutir suficientemente sobre sua história, possíveis definições, teoria, metodologia e suas afinidades com os demais campos da Pedagogia. Seu programa envolve tópicos sobre a organização do Sistema Nacional de Educação, formas de financiamento, além do estudo de leis básicas como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). No entanto, a disciplina de Políticas Educacionais pode ser identificada parcialmente a estes domínios de interesse, uma vez que dificilmente poderemos limitar nestes tópicos o que o campo das Políticas Educacionais podem tratar no futuro.

Proponho que busquemos compreender o campo das Políticas Educacionais através das estratégias

usadas pelas demais disciplinas, reivindicando territórios, objetos e paradigmas teóricos. Afinal, qual é o campo particular de objetos a que se dedica o Analista de Políticas Educacionais? Que tipo de metodologias utiliza, segue o campo vasto das Ciências Humanas em geral, ou da Pedagogia, em particular? Qual é a bibliografia de base para seu estudo? A resposta a esta ou a todas a perguntas é uma só: variada. Partamos da última questão. Sua bibliografia comum envolve desde textos sobre gestão escolar (Paro,Veiga), Currículo escolar (Cunha, Moreira), Profissionais da Educação (Alves, Codo), ou seja, todos os estudos do campo de investigação pedagógica necessários para dar conta da realidade escolar. Nesse processo, também utiliza os principais estudos no campo da política ao marxismo. De fato, como outras disciplinas, a disciplina de Políticas Educacionais não é uma disciplina tradicional: é freqüentemente interdisciplinar, o que é de certa forma, desagradável no campo da Pedagogia.

Qual é a metodologia da disciplina de Políticas Educacionais? Tenho certo desconforto para defini-la,

pois aparentemente, não parece ter nenhuma metodologia distinta ou forma ou análise que reivindique como sua. Estatística? Etnometodológica? Antropológica? Política propriamente dita? Receio que a disciplina de Políticas Educacionais não passe de uma bricolage, (O termo bricolagem (português brasileiro) ou bricolage/bricolagem (português europeu)[1] têm ambas origem que vem do francês bricolage, é usado nas atividades em que você mesmo realiza para seu próprio uso ou consumo, evitando deste modo, o emprego de um serviço profissional.) uma prática fragmentária a partir de questões que são colocadas de diversos contextos (sala de aula, ação governamental, opinião pública) atualizada constantemente pelas vivências dos alunos no interior da escola. Serve-se da legislação como uma desculpa, pois seu foco central é a ação governamental no campo da educação e os efeitos que pode oferecer nas vivências e experiências da realidade de ensino.

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Por isso, retomar a questão das Políticas Educacionais como disciplina é um trabalho difícil. Uma disciplina sem respostas prontas, que utiliza a análise de textos, observação, entrevistas, exegese de legislação, para oferecer insights e conhecimentos distintos para cada Analista de Políticas Educacionais. O que não significa que sua história não esteja sendo escrita neste preciso momento. Não há essencialmente, uma definição última para a disciplina de Políticas Educacionais, ela não é uma única coisa. Trata das ações governamentais na realidade escolar, na problemática da infância e da adolescência e os recursos e contradições dos investimentos públicos. No entanto é um investimento fundamental do campo da Pedagogia, pois propõe de imediato, soluções e alternativas estratégicas às ações do Estado em muitos contextos pré-definidos. Por isso, a disciplina de Políticas Educacionais precisa continuar a ser exercida de forma aberta, a partir dos dados da realidade de ensino. Isto por que ainda que seja um termo conveniente para uma série de investigações, a disciplina de Políticas Educacionais tem o compromisso com o desvelamento das relações de poder no interior do sistema de ensino.

Uma questão bastante ampla é encontrada logo que adentramos nos problemas de Políticas

Educacionais: o que é afinal, o poder? Com certeza um efeito do poder político a repercussão da legislação no interior da escola, mas as formas de organização e resistência escolar (Paul Willis, Peter MacLaren), as maneiras pelas quais na vida cotidiana administra seus afazeres (Paula Carvalho), as formas das relações subjetivas impostas aos alunos, professores e direção (Wanderley Codo), tudo enfim não pode ser considerado efeito do poder no campo das Políticas Educacionais (Foucault)? Nos, professores e professoras da disciplina de Políticas Educacionais precisamos fazer uma auto-reflexão a respeito, para compreendermos as razões de sua expansão na Universidade seu significado na necessária busca conjunta da construção de uma ciência (ciência?).

Para iniciar o processo de discussão, parto da afirmação um tanto óbvia de que a disciplina de Políticas

Educacionais é um campo interdisciplinar que atua na tensão da Política e da Educação. Naturalmente, por ser interdisciplinar, não é uma coisa nem outra, é uma terceira, o que envolve um trabalho sério sobre as condições que uma modifica a outra. Envolve uma concepção política de escola, por que a concebe como o lugar privilegiado de ação de um projeto político governamental no poder; por outro, envolve uma concepção antropológica da escola, por que a concebe como lugar de apropriação, ressignificação e resistência constante. Portanto, seu compromisso é com as práticas políticas e culturais no interior da escola.

Por outro lado, envolve uma prioritariamente a abordagem da ação governamental no campo da

educação. Não existe política educacional isolada das ações de Brasília e das decisões da Secretaria Estadual de Educação. O que o governo faz modifica em muito a realidade educacional. Não apenas o governo federal, mas os governos estaduais e municipais, em suas decisões sobre recursos e em suas políticas de pessoal que faz com que o Estado seja um lugar de investigação constante. Portanto, seu compromisso também é com o desvelamento dos diversos projetos políticos destinados a escola, não apenas de nível federal, mas também a nível local.

Quanto a distinção das congêneres Estrutura e Funcionamento de Ensino Fundamental e Médio, é

preciso lembrar que a última foi oriunda da obrigatoriedade instalada pela Resolução 9, de 10 de outubro de 1969, do Conselho Federal de Educação, onde a disciplina de Estrutura e Funcionamento de Ensino fez parte de um conjunto de disciplinas pedagógicas que, junto com Psicologia da Educação, Didática e Prática de Ensino - ou Estágio Supervisionado – ainda vigoram nos cursos de Pedagogia. Sua perspectiva era a de garantir a formação pedagógica necessária a todos os cursos de licenciatura, e deveria ter ao menos 1/8 de horas do curso. Conforme Strehl&Réquia, “dedica-se ao estudo da organicidade estrutural e funcional do ensino fundamental e médio, em nível macro e microssociológico, a partir de fundamentos filosóficos,legais, técnicos e administrativos”.

A diferença entre uma e outra, está no fato de que enquanto aquela realizava o estudo dos documentos

legais, de sua operacionalização no sistema de ensino e nas escolas, a disciplina de Políticas Educacionais visa reconstruir o projeto educacional do Estado e os possíveis diálogos/confrontos com a sociedade civil no desempenho das tarefas educacionais. Ao investigar as relações entre política e educação no Brasil, recupera a

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dinâmica histórica, a análise de conjuntura, priorizando os dilemas que envolvem a centralização e descentralização das políticas educacionais, as condições da escola pública e da escola privada, até, se possível, as condições para a emergência de uma educação politicamente orientada no contexto da democratização do acesso a educação. Portanto, mais do que uma análise pormenorizada da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a disciplina discute os problemas da educação, a responsabilidade do governo, da sociedade, dos professores numa abordagem crítica, envolvendo uma experiência de trabalho de campo. Portanto, coloca em segundo plano toda uma discussão dominante das disciplinas de Estrutura, como o que as leis aponta para os “fins da educação brasileira”, ou “a educação nas constituições federal e estadual”, para se dedicar aos elementos que caracterizam os diversos projetos políticos em confronto no sistema de ensino.

1.2 AS QUESTÓES FUNDAMENTAIS DO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO NO CAMPO DE ANÁLISE DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS 1.2.1 Métodos, técnicas e teoria Para iniciar um estudo qualquer de Políticas Educacionais, é preciso determinar o tipo de objeto ou

campo teórico que o constitui. No campo da Ciência Política e da Educação, a partir do qual nasce o objeto das Políticas Educacionais, temos campos mais ou menos sistemáticos, construídos pela aproximação das duas Ciências, cujos métodos e técnicas moldam-se para dar ao Analista de Políticas Educacionais indicadores através dos quais possa interrogar os fatos da realidade que deseja investigar, procurando por suas características e regularidade, desnudando as aparências que tomam ao observador direto. No objeto teórico, ou simplesmente, campo teórico das Políticas Educacionais, encontramos as relações sociais básicas que servem de referência para que se situe as diversas ações das esferas de governo.

Toda análise de Políticas Educacionais exige também um método. O pesquisador, ao ler nos jornais as

diversas notícias sobre a educação (municipal, estadual ou federal), ou qualquer outra forma de acesso a informação das ações governamentais, necessita de um modo concreto de investigar os fatos políticos. É a mesma exigência que se faz nas demais ciências e que permite que seja utilizada de forma correta um determinado conjunto de conceitos (globalização, educação integral, etc). A clareza do método de investigação é necessária por que permite avançar em profundidade de análise das práticas educacionais que se pretende explicar, os interesses subterrâneos contidos nas diversas ações governamentais. Da mesma forma, o método é necessário na exposição dos resultados de uma investigação. É, portanto, o momento intermediário exigido para a compreensão de um fenômeno de ordem da política educacional.

Se a investigação de temas de políticas educacionais exige um método, o saber o que fazer a cada

investida frente à realidade (documentos, discursos, dados de pesquisa), também exige técnicas adequadas. Como deve se comportar o analista de políticas educacionais frente aos dados da realidade? A resposta ao como fazer é dada pelo domínio das técnicas, ou seja, a forma mais correta de investigar um determinado problema. Por exemplo, a investigação sobre políticas de adoção do livro didático, podem envolver como técnica de pesquisa, uma avaliação qualitativa e quantitativa dos diversos livros didáticos possíveis a serem adotados. De fato, esta técnica foi utilizada pelo MEC no momento da avaliação dos defeitos de vários livros didáticos que estavam sendo oferecidos pelos professores. Após a utilização desta técnica pelo Ministério da Educação, vários livros foram retirados de catálogo. Obedecendo as etapas de um método de investigação, melhor chance teremos de alcançar um objetivo, de acordo com as técnicas empregas.

Enquanto que o método implica ao Analista de Políticas Educacionais debruçar-se sobre o modo

concreto de conduzir uma investigação, a metodologia implica um conjunto de instrumentos e operações metódicas necessárias a produção do conhecimento científico do campo das Políticas Educacionais. É portanto, parte do processo que corresponde a produção e aplicação de uma explicação (teoria) a um determinado fato de política educacional. Não deve-se considerá-los isoladamente: a análise de uma política educacional qualquer

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exige teoria (Política e Educacional), métodos e as técnicas (das Ciências Sociais) intercaladas. Como em qualquer trabalho científico, o método de investigação da realidade educacional e a teoria político-educacional que lhe serve de apoio constituem uma unidade na explicação da realidade. A realidade das ações governamentais no campo da educação é o ponto de partida e chegada do analista de políticas educacionais. Ponto de partida, onde o discurso dos atores envolvidos (Presidente, Ministros, Secretários de Educação) é a aparência que cobre a substância. Sua compreensão depende da subjetividade do Analista de Político-Educacional. Este é o ponto de chegada, por que quando chega-se aos reais objetivos de uma ação governamental no campo da educação, transformamos em conhecimento dados da realidade (conjuntura política) através da mediação do instrumental teórico e metodológico que o campo da análise das Políticas Educacionais já elaborou.

Assim, no campo das políticas educacionais, também não pode haver dissociação do método e da

teoria. O Analista de Políticas Educacionais inicia seu trabalho organizando seu pensamento para analisar as ações concretas do campo educativo (método) com uma concepção desta sociedade expressa por um sistema de conceitos (neoliberalismo, tecnicismo, etc). Seguindo tais passos, a análise desemboca num conhecimento “científico” das políticas educacionais – as aspas para lembrar que mesmo a discussão da exigência de cientificidade é ainda uma questão polêmica das Humanidades. Se existe uma separação entre “método”, “técnicas” e “teoria” no campo de analise das políticas educacionais, é uma divisão artificial e didática que tem o mérito de permitir iniciar o aluno nos procedimentos de construção do conhecimento de um campo que supere a fragmentação da realidade. De qualquer forma, sempre é preciso lembrar a dificuldade de reconstruir um processo, o da produção do conhecimento das políticas educacionais, que é indivisível.

1.2.2 A construção do conhecimento em Políticas Educacionais A tarefa do Analista de Políticas Educacionais consiste em dar sentido as ações governamentais no

campo educativo, pois sem isto seria impossível uma visão crítica da ação do Estado. A primeira etapa do conhecimento de Políticas Educacionais está na recepção das informações que nos chegam pelos mais diferentes veículos e das mais diferentes formas de comunicação, seja pelo jornal, rádio, televisão, ou mesmo, se somos professores, diretamente pelo contato cotidiano com a realidade de ensino. Estas informações retiradas da experiência prática da vida, das percepções iniciais sobre as ações governamentais no campo da educação, são o material a partir do qual a disciplina de Políticas Educacionais aproveita-se para levantar seu edifício teórico. Acaso poderíamos definir o caráter neoliberal do governo FHC, se não houvéssemos observado, pelo período de seis anos, suas ações no campo das políticas sociais, educacionais e econômicas? Para poder definir o governo FHC dentro de uma política mais geral a sua visão particular do lugar da educação, é necessário reunir indicações, identificar o que há de comum entre a política neoliberal de FHC e outras (européias, americana), identificando o que há de comum e assim classificá-lo.

É claro que para julgar corretamente a adequação de uma política a uma determinada teoria não

bastam dados superficiais da realidade (aqueles obtidos no noticiário político da televisão). Por mais importante que seja o papel da informação preliminar, o conhecimento das políticas educacionais exige que se penetre mais fundo na essência da ação governamental. Muitas vezes o fenômeno que o observador percebe não revela objetivos importantes das coisas. Um exemplo importante disso é o fato de que observamos o esforço governamental em dotar as escolas de recursos de informática, mesmo quando escolas não possuem professor. O fato no entanto, não revela por si os laços existentes entre órgãos de governo e a industria de informática, uma das indústrias que mais cresce no país. E nenhuma palavra temos dos órgãos oficiais sobre os lucros que advém as indústrias que são privilegiadas nos processos de licitação.

O objetivo de uma discussão epistemológica na disciplina de Políticas Educacionais é o de habilitar a

prática de um claro conhecimento sobre a essência dos fenômenos políticos, da natureza da educação em geral, buscando o conhecimento das regularidades presentes nas ações governamentais. Quando vemos as notícias no campo das Políticas Educacionais, não separamos as características importantes das acidentais. Na imensidão de fatos relativos às ações governamentais no campo educativo, é necessário que o pensamento se

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mova pelo raciocínio até um outro nível capaz de apreender as características fundamentais do processo educativo. Que caminho deve fazer o Analista de Políticas Educacionais para alcançar este nível de conhecimento? Vejamos um exemplo. Os jornais inicialmente louvaram a decisão do MEC em dotar alunos das escolas de dicionários. Em qualquer disciplina, o dicionário é um instrumento de trabalho indispensável, assinalam os educadores. Aparentemente, MEC e o magistério estão de pleno acordo com a medida. Exceto pelo fato que, recentemente, foi descoberto que dicionários de qualidade duvidosa estavam na lista dos oferecidos pelo MEC. A análise crítica decorre de um trabalho intelectual de que exige que seja analisado em detalhe as condições reais de efetivação de uma política educacional, ou, para assim dizer, suas condições materiais de execução.

É lógico que uma crítica como este, produto do trabalho intelectual, não esgota as possibilidades da

ação política; antes, realiza-se a crítica a partir de um distanciamento exigido durante o processo de produção do conhecimento. Ao depararmo-nos com uma medida política, o problema ulterior consiste em conhecer seus efeitos e o modo real de sua execução. Só este conhecimento permite ao Analista de Políticas Educacionais atuar sobre as ações governamentais, bem como modifica o conhecimento preliminar que se tem destas mesmas ações através dos veículos de comunicação. Esse movimento, comum no conhecimento de qualquer objeto em geral, presente no campo de análise das políticas educacionais em particular, chama-se abstração de um fenômeno.

“Abstração é o esforço lógico para destacar as características essenciais de um objeto”(Petersen). Não

se trata de incentivar ao Analista de Políticas Educacionais especular sobre determinadas ações do Estado. Antes, é sugerir a importância de seguir rigorosamente o concreto, extrair dele os atributos, as características essenciais que definem o caráter de determinadas ações do Estado. O resultado desse processo é a criação de conceitos, expressões verbais que caracterizam determinada ação política, que permite o estabelecimento de vínculos entre diversas práticas políticas entre si. O conceito, ou uma interpretação conceitual, atravessa as ações políticas em seu amplo espectro. Por exemplo, a discussão sobre o papel que deve ter o Governo Federal na manutenção das universidades públicas, e sua aceitação, e até mesmo incentivo, de um sistema privado de ensino, pode revelar uma política mais ampla de privatização do ensino público. No caso, privatização do ensino é o conceito. Nele, estariam em segundo plano os detalhes da discussão sobre esta ou aquela universidade que cobra ou não taxas de seus alunos, fixando-se no que é essencial de determinada política. Os conceitos que usamos para explicar determinadas ações do Estado são formas puras, quer dizer, permitem uma visão abrangente dos processos políticos aos quais se referem. No caso, podemos encontrar elementos do processo de privatização do ensino em tempos tão diferentes quanto o governo FHC ou a ala conservadora da Igreja Católica da década de 60. Sem compreender os efeitos desse processo (negação dos direitos individuais do cidadão, apagamento das obrigações do Estado), pouco compreenderemos do significado das atitudes do governo.

O preço deste entendimento em profundidade é a simplificação da realidade. De fato, quando

acompanhamos a distância o que se passa nos corredores do Palácio do Planalto, ou no interior do Ministério da Educação – pois de fato, não estamos lá – estamos tendo um contato aproximativo com a realidade. Em qualquer discussão de Política Educacional, os argumentos em avaliação e os interesses em conflito são bem mais complexos que nossos conceitos podem compreender, mas apenas pelo nosso esforço teórico poderemos dar uma resposta satisfatória, não ao governo, mas a sociedade que tem sido sujeitada a tais ações. A importância de concentrarmo-nos na busca de palavras chaves conceituais, que permitam investigar uma série de fenômenos, é que através deles podemos apreender os nexos e as relações num determinado campo político. Através dos conceitos que utiliza o Analista de Políticas Educacionais, um conjunto de ações governamentais deixa de aparecer como algo caótico e sem interesse, para revelar-se como uma ação intencional.

No campo de definição das Políticas Educacionais como campo de saber, os conceitos tornam-se

fundamentais para revelar a estrutura interna das ações do Estado, ou aquilo que funciona com sua causa ou natureza. Se pudermos compreender as causas que geram determinada ação governamental, estaremos dando um passo adiante para compreender as regularidades da ação política, conhecimento que permite, ao mesmo

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tempo uma crítica, e a possibilidade de construção de um novo discurso (Marilena Chauí). Frente a um determinado problema, como por exemplo, a Bolsa-Escola, todo analista terá uma teoria, ou seja, uma articulação de conceitos que permite explicar sua função e que dá uma explicação correta, ainda que provisória, do fenômeno. Pode ser uma teoria que justifique sua existência, do ponto de vista de uma política eficaz de combate a ignorância. Ou pode ser uma teoria que critique sua existência, por acreditar que outras formas de atuação sobre a infância são necessárias e prioritárias. Não importa neste momento seu valor. É obvio do ponto de vista de uma analista comprometido com a mudança social que esta posição é importante. Mas o ponto que queremos aqui salientar é que nesse momento, o que está sendo destacado é a mediação que fazemos com determinado fato da realidade. É preciso usar conceitos para representar e apreender os tipos de relações básicas (não apenas políticas, mas sociais) presentes na realidade onde a ação governamental interfere. Ao final dessa interferência na realidade, a explicação do Analista só esgota seu poder explicativo quando se choca com algum aspecto desconhecido. O Analista teoriza sobre as ações que vê o governo empreender. Ele as simplifica para dar sentido, e por isso, em suas especificidades, o novo pode surpreender.

Com certeza, não se quer que por exemplo, o aluno saia por ai utilizando, por exemplo, o jargão

marxista ou qualquer outro jargão para analisar as políticas de FHC, por exemplo. A utilização mecânica é condenável, por que nega a referência ao concreto, ao particular, as ações de um governo específico. O pesquisador estará enganado se, por algum motivo, distanciar-se da realidade. Ele não pode dar-se esse privilegio, por que a realidade política está em permanente transformação. Inclusive do ponto de vista dos gestores das políticas públicas no campo educativo. Observe por exemplo, a evolução do conceito de pré-escola nos documentos legais. Inexistente até os anos 50, passa a ser considerado nos anos 80 e 90. Ou seja, mesmo que o campo teórico de um determinado fenômeno possa ser circunscrito pelo pesquisador, de fato o método de investigação exige que nossas teóricas enfrentem a realidade para descobrir o conteúdo objetivo da ação política. Precisamos estar atentos por que é freqüente agirmos mecanicamente, quer por que transforma-nos em oposição ao governo, quer em seu defensor.

1.2.3 O método do Analista de Políticas educacionais como atividade de utilização da Teoria Pedagógica Crítica para descobrir o conteúdo objetivo das ações governamentais. Talvez por que, após anos de exclusão pelo governo, os cientistas sociais acostumaram-se a “ficar com

um pé atrás” a toda medida do Estado, há sempre o risco de que esqueçamos de que cada problema ou campo específico de atuação do governo na educação exige, para ser investigado, um conjunto de procedimentos específicos. Eles vão da observação propriamente dita (da realidade escolar, das atitudes daqueles que ocupam lugar de mando na máquina do Estado), análise dos tópicos pertinentes, descrição das relações explicativas do fenômeno, medida pela teoria do pesquisador, sínteses e conclusões. Assim, a utilização da teoria – e é preciso familiarizar-se com as teorias das Ciências Sociais em geral – é um procedimento comum a investigação das Políticas Educacionais.

No entanto, para tristeza dos pesquisadores, não existe um modelo predefinido sobre o qual a

investigação sobre a natureza das Políticas Educacionais possa ser moldada, e nem ao menos, uma garantia de que o conhecimento obtido tenha perpetuidade. Noutras palavras, dado o caráter conjuntural do fenômeno político, também é conjuntural a interpretação que o Analista de Políticas Educacionais pode oferecer. A cada governo que se sucede no tempo ( a nível federal, estadual, municipal), um novo projeto de educação é colocado em ação. Essa descontinuidade - ainda que possam ser verificadas tendências a longo prazo, como aumento do número de matrículas, etc – vai marcar para sempre a natureza do objeto de investigação. Isto não é paradoxal, se pensarmos que também as teorias sociais que servem de base para a análise da realidade educacional também sofrem modificações ao longo do tempo. Mas a descontinuidade implica que o Analista de Políticas Educacionais utilize um método que permita acompanhar as transformações da realidade, e que, portanto, poucas chances terá de ser aplicado em outra investigação.

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Como o pode ser utilizado o campo teórico das Ciências Humanas no conhecimento da realidade político-educacional que se propõe a investigar? Há procedimentos genéricos que são auxiliares importantes na aproximação da análise das políticas públicas e que devem ter a especificidade da investigação concreta. Primeiro, qualquer ação política no campo educacional deve ser remetida ao campo das totalidade das ações sociais; qualquer ação política no campo educacional deve caber no campo de um marco teórico especifico, qual seja , da Teoria Educacional Critica, tal como aponta Tomaz Tadeu da Silva, em vários estudos; qualquer ação política no campo educacional deve ser capaz de ser explicado por hipóteses do pesquisador. Por exemplo, a problemática do Plano Nacional de Educação, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e publicado pelo Presidente da República, aponta para a problemática da definição de uma linha de ação governamental de longo prazo no campo educativo. Este objeto, que parece isolado, produto deste governo, quando investigado, revela-se como algo ligado a projetos anteriores de educação, ainda da década de 50, e que na verdade constituem elementos orgânicos de uma totalidade política. Assim, o objeto Plano Nacional de Educação (a Lei) vai se definindo, vai se tornando compreensível, na medida em que o Analista de Políticas Educacionais consegue descobrir a sua relação com problemas fundamentais que constituem a forma como a política educacional se estabeleceu em nosso pais e a forma como o atual projeto se vincula a projetos anteriores, parte do esforço que devemos ter em recuperar a totalidade. Os laços que o PNE tem com projetos que o antecederam, com o projeto elaborado pela sociedade civil, as conseqüências da derrota desta proposta para a sociedade, os significados da vitória do projeto governamental para educação, tudo enfim, são as partes que compõem a totalidade do processo das Políticas Educacionais em análise. Os procedimentos de investigação que permitem ir passo a passo, detalhando este processo e são exploratórios, através das formulações teóricas disponíveis, do raciocínio e da reflexão do pesquisador cujo objetivo é revelar informações que não eram evidentes e que permitem que vá se construindo o significado real que tem o PNE tal como é consolidado atualmente pelo governo.

Assim, o recurso a uma teoria geral é indispensável como uma primeira aproximação, mas o Analista de

Políticas Educacionais deve considerar as especificidades de cada ação governamental concreta, que exigem um sistema de categorias que permita penetrar na estrutura específica da ação política que se deseja investigar. Nesse sentido, o marco teórico é um elemento que pode auxiliar enormemente, pois é a formulação teórica específica que permite entender uma situação política concreta. Não se trata de outra teoria ou outra metodologia: é própria teoria de apoio original modificada pela realidade, é o corpo teórico da política e da educação já elaborado pelo Analista de Políticas Educacionais e que tem a finalidade de servir de fio condutor para que descobrir, a partir de traços gerais, novas propriedades e características das ações governamentais. Por exemplo, se concebemos a educação no campo da teoria da globalização, a percepção das influências do Banco Mundial na Educação Brasileira leva a construção de um marco teórico novo no qual o conceito de subordinação política da educação nacional pode ser central à análise. É o ponto de enlace entre o objeto teórico das políticas educacionais e o material de estudo. Permanentemente em desenvolvimento, a adequação teoria-realidade, que permite sua construção é constante e resultado das exigências explicativas do objeto em estudo. No caso, o conceito de subordinação política expressa as relações fundamentais de nosso processo de dependência educacional, deve ser completado por conceitos de menor alcance por meio dos quais vai ser expressa as características específicas do processo de intervenção do Banco Mundial na educação.

A lógica desta investigação de Políticas Educacionais devem servir tanto para as macro-políticas,

quanto para as micro-políticas (Foucault). Ou seja, tanto para os procedimentos a nível governamental geral, quanto para aqueles que se efetuam no cotidiano escolar. Por exemplo, no caso do trabalho de campo solicitado pela disciplina, faltando um marco teórico, um campo de investigação conceitual, os dados que a investigação, consubstanciados no Relatório da Realidade Escolar, consistirão em amplas generalidades, quando não assistemáticos, aparentes e ecléticos. No caso da investigação proposta pela disciplina, o diário de campo é o método que permite o registro ao longo do tempo e suas anotações, a técnica que permite reunir as informações aparentemente desconexas da realidade. A leitura dos textos indicados em aula, e principalmente, os relativos ao projeto político-pedagógico, permitirá a construção de um campo teórico no qual esses dados farão algum sentido – o marco teórico. Com o material selecionado, redigir será nada menos do que fazer o esforço de abstração que vai buscar as relações que fazem com que a escola seja o que ela é, quer dizer, quais as relações essenciais que permitem sua existência. Elas podem ser no campo da teoria política (Reis), da

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lógica do cotidiano (Mafessoli ou Lefebvre) e permite ver conexões da política educacional que antes de um aprofundamento não seriam percebidas.

Assim, a pesquisa em Políticas Educacionais exige a construção, ao mesmo tempo, de seu marco

teórico de análise, o mapa de seu objeto, as relações que o vinculam com a totalidade social. Finalmente, ele permite também que sejam elaboradas as hipóteses de trabalho, que sejam especificadas as relações da teoria com as políticas educacionais em estudo.

Em Políticas Educacionais, hipótese é uma formulação que explica uma ação política. Implica afirmar

a existência de uma relação entre fenômenos políticos diversos ou seus componentes, e que esta relação é importante para a explicação da ação política. É uma suposição do Analista de Políticas Educacionais, referido a um conjunto de fatos concretos e suposições explicativas fundadas numa teoria. Seja tomando a ação governamental como foco, ou a atitude de um diretor de escola noutro, o que se vê é uma tentativa de explicação a ser verificada sobre um tema já existente. Contribui para os rumos da investigação, pois encaminha a seleção dos dados, evitando perda de rumos na pesquisa, permitindo uma análise dos dados orientada. Investigar Políticas Educacionais é caminhar no conhecimento da ação política dirigido por nossas hipóteses.

1.3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: UMA DISCIPLINA A PROCURA DE SEU CONCEITO E SUA METODOLOGIA A defesa da existência da disciplina de Políticas Educacionais como um ramo autônomo da Pedagogia

exige um trabalho de reflexão teórica e sistematização. Devemos levar em conta além das questões teóricas, metodológicas e técnicas, que ela deve começar pela definição de alguns conceitos fundamentais inspirados na realidade escolar, princípios pedagógicos e dispositivos legais que inspiram não apenas documentos legais como a Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, mas toda uma abordagem da área.

1.3.1 O conceito de política: O conceito moderno de política não se detém apenas no sentido objetivo, “ciência do governo dos

povos;direção de um estado e determinação das formas de sua organização; conjunto dos negócios do estado, maneira de os conduzir” (Koogan Larousse). Sua origem relaciona-se aos clássicos da política, como Montesquieu, e antes dele, Aristóteles, que detiveram-se na análise dos regimes políticos e constituíram a tradição de estudos políticos modernos. A partir dos anos 60 recebeu uma contribuição dos estudos de Michel Foucault, que apontaram novas dimensões para o exercício do poder e foram utilizadas pelos educadores em suas pesquisas, a partir dos anos 80. No campo da educação, trata-se de incluir as análises do conceito de poder, central na Sociologia Critica da Educação e na Teoria Educacional Crítica. Trata-se da evolução da própria análise que permite o conceito de poder, que passa do Estado, como apontam não apenas os clássicos, mas também os estudos marxistas, para análises onde o poder é concebido como descentralizado, horizontal e difuso. Nessa perspectiva, estudos pos-estruturalistas em educação inspiram-se em Foucault para analisar os diferentes poderes disciplinares na escola, onde a lei é apenas um deles.

Para Mafessoli, em A transfiguração do político, “o político pertence a categoria das coisas que

perduram em todas as épocas sendo, ao mesmo tempo, sempre diferentes“. Concebendo a maneira de Simmel a política como uma forma, uma instância na sua acepção mais forte, que determina a vida social, ou seja, limita-a, constrange-a e permite-lhe existir”. Sua preocupação é revelar a dimensão imaginal do político, enquanto dimensão mental, que vive um drama de um lado do social, em sua vitalidade e desordem fundadora, e de outro, o Estado, em suas diversas formas de organização e razões.

Nessa concepção de política, não estão incluídas apenas as leis: estão também as formas como os

homens relacionam-se entre si no seu cumprimento. Coações cotidianas, hostilidades, animosidades, litanias, agregações sociais, tudo enfim que ocorre no dia a dia da escola compõem um plano político, antes chamado

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apenas de política das relações humanas, que interessa ao educador. Julien Freund, em Sociologia do Conflito definiu o político como “instância por excelência do desdobramento, da gestão e da solução dos conflitos.” Na educação, na escola, nas relações entre professores e alunos, nada escapa da intermediação política, pois o poder, está, em maior ou menor grau, presidindo as relações sociais. No momento em que a política parece perder todo o sentido específico, é preciso lembrar que é devido a própria sociabilidade, que conforme o momento, se rege por regras explícitas (o que diz a Lei) e implícitas (o que pensam os indivíduos).

1.3.2 O conceito de educação De uma forma geral, a educação é vista como “ação de desenvolver as faculdades psíquicas,

intelectuais e morais: a educação da juventude. Resultado dessa ação. Conhecimento e prática dos hábitos sociais” (Koogan- Laurosse). J.J.Rousseau, em Emílio, defendia uma educação suave “não combatas seus desejos com dureza, não sufoques sua imaginação, guia-a para que ela não crie monstros”. Incluída nos dispositivos constitucionais brasileiro, é “ direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho.”O caminho que vai da educação como direito a sua regulamentação nos diversos regimes políticos tem importância por que “as leis da educação são as que recebemos em primeiro lugar. E como elas nos preparam para a condição de cidadãos.” A definição, dada por Montesquieu, diferenciava-as apenas quanto a espécie de governo. Nas monarquias, tem como objeto a honra, nos despotismo, o temor e nas repúblicas, a virtude.

De uma forma geral, os educadores dividem-se entre os críticos de uma educação bancária, a partir dos

estudos de Paulo Freire que denunciaram os métodos tradicionais de ensino baseados na transmissão mecânica de informações para estudantes passivos, à libertadora, na qual as atividades educacionais estão ligadas a um projeto político amplo contra a opressão e a dominação e popular, na qual os grupos sociais subalternos são estimulados a participar a um participação mais ativa. Fundamental para a existência da sociedade e sua harmonia, a educação, em qualquer perspectiva de abordagem é fator decisivo de avanço social, garantindo a formação do homem, da ciência, da tecnologia, e contribuindo para a elevação do nível de um povo.

De uma certa forma, tanto para a Educação quanto para a Política, o campo das Constituições, dos

códigos e das leis é um campo importante, pois eles fixam as linhas gerais da organização social que oferecem subsídios para os conflitos e as formas de educação das crianças e jovens. Mas não o único. Tanto para a Educação quanto para a Política, a lei impõe determinadas formas de conduta para os indivíduos e possui limitações quando confrontada com a realidade.

1.3.3 As Políticas Educacionais: Na tentativa de esboçar uma definição de Políticas Educacional, já apontamos a importância de

considerá-la como ramo intermediário entre a Pedagogia e a Ciência Política especializada na análise dos projetos governamentais no campo educativo ou ainda, como a disciplina que se propõe a analisar e dar sentido ao conjunto de normas reguladoras entre o Estado e a sociedade no campo educacional. A Política Educacional gesta-se de “cima”para baixo” quando é objetivo explicito de governo, base constitucional e corresponde a um projeto de gestão do Estado brasileiro. Por outro, professores, diretores e alunos são também agentes de realização de Políticas Educacionais. A defesa e explicitação de determinadas correntes de educação, a dominância de determinadas perspectivas de ensino, a posição de organização não governamentais frente as ações do Estado, tudo enfim faz parte do campo de análise das Políticas Educacionais. Elas realizam-se plenamente no cotidiano da escola, nos diferentes graus de ensino. Diríamos, assim, que há duas políticas educacionais: uma, de “cima para baixo”, que faz com que um corpo de leis seja assimilado, discutido e incorporado no meio escolar, e outro, “de baixo para cima” e que corresponde a uma reapropriação, uma elaboração especifica, de cada instituição e dos profissionais da escola. Entre ambos, um movimento circular e

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em espiral: não é pouco comum o governo ter de ceder ou realizar contra-ofensiva às iniciativas e desejos do sociedade civil no campo educativo.

Como disciplina autônoma dos cursos de Pedagogia de nossas universidades, Políticas Educacionais é

uma disciplina em construção. Introduzida pelas sucessivas reformas dos currículos de nossas universidades, corresponde a um estágio avançado de análise e interpretação da realidade político-educacional. Resultado natural da evolução da análise dos problemas educacionais contemporâneos, da ampliação dos estudos e pesquisas produzidas pelos Programas de Pós-graduação em Educação e Política de norte a sul do pais, revela-se como disciplina cada vez sofisticada e com métodos e análises de investigação. Dedicando-se nos atores educativos, na participação dos agentes governamentais na gestão das políticas da educação, e na organização dos diversos setores organizados da sociedade ligados a educação (sindicatos), tem apresentado resultados importantes para a luta pela democratização da educação no Brasil.

Seu papel ainda é maior por que ao valorizar a ação da cultura do meio escolar, do sistema de crenças,

valores e idéias que orientam os professores e profissionais de ensino (além de é claro, dos agentes de governo) na gestão das tarefas educacionais, apresenta dimensões novas para a formulação de políticas educacionais. O enfoque da “escola como lugar político-cultural” marca a reflexão contemporânea da disciplina de Políticas Educacionais, onde os dispositivos legais são percebidos na relação com a cultura da escola. A análise institucional tradicional não é descartada porque a escola é dessas instituições sólidas e sérias que cria suas próprias regras de convívio e reação as atitudes governamentais. Finalmente, a utilização do método estruturalista em parte de seus estudos, predominante nas Ciências Sociais, não deixa de privilegiar a análise dos determinantes das estruturas políticas do Brasil contemporâneo, seja das estruturas sócio-econômicas ou a situação de dependência do país.

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UNIDADE IV 1. AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL

1.1 Contextualização Histórica – Por Jorge Barcellos A partir da Revolução de 1930 e a chegada de Getúlio Vargas ao Poder enquanto revolucionário e

representante das propostas de mudança da Nação Brasileira, o Estado torna-se o articulador central da política educacional brasileira. Após revolução que levou Vargas ao poder, até 937 permaneceu a tradição de relegar o ensino elementar aos Estados e Municípios. Quanto ao ensino secundário, a política educacional assumia competência exclusiva. Em 1931, Francisco Campos, então Ministro da Educação e Saúde, propõe a Reforma do Ensino Secundário, ampliando o monopólio estatal do acesso ao ensino superior. Tratava-se da política de "equiparação", política de oficialização de escolas públicas e privadas que exigia a equivalência de todos os cursos com o Colégio Pedro II. Foi o primeiro referencial normativo para o setor da educação secundária, levando as ultimas conseqüências a nomatividade que já vinha se realizando ao longo da república.

São reformas superiores as previstas para a educação pela Aliança Liberal. Francisco Campos era ex-Secretário da Instrução Pública de Minas Gerais. A reforma incluiu ainda o ensino profissional e a formação específica de magistério. Quanto ao terceiro grau, Francisco Campos criou novas áreas de saber universitário, mas assumindo um compromisso com a educação secundária. Ele estabelece a implementação definitiva do sistema seriado, o estabelecimento da política de equiparação das escolas e a criação de um sistema federal de regulamentação, fiscalização e orientação pedagógica das escolas equiparadas. A importância da ênfase adotada está no fato de que desde 1891, com Benjamin Constant, o ensino secundário era um mero preparativo para o ensino superior. O ensino seriado dá uma finalidade própria ao ensino secundário. A respeito, assinala Marlos Bessa Mendes da Rocha, em "Educação Conformada: a política pública de educação (1930-1945)

"Com a reforma Campos, ao contrário, o conteúdo da crítica pedagógica exercida e as medidas administrativas tomadas justificam-se inteiramente como voltadas para o ensino secundário. Nesse sentido, aboliu-se em definitivo os "exames de preparatório", mecanismo utilizado pela União nas reformas anteriores (exceto pela Reforma Rivadávia, de 1915) no controle do acesso ao 3o. grau. Exigir-se-á, a partir de então, que o acesso ao superior somente se faça pelo cumprimento, por completo, do sistema seriado. A preparação às Faculdades não será, entretanto, a sua única finalidade, pois o que se quer é que a seriação forme a personalidade do aluno, além de sua habilitação geral para a escolha profissional"

A Reforma Rivadávia havia vigorado de 1911 a 1915, formulada pela Lei Orgânica do Ensino Superior e

Fundamental da República. Elaborada pelo Ministro Rivadávia Correia, aboliu por completo qualquer interferência da União sobre os estabelecimentos de ensino e sobre os exames de acesso, como assinala Marlos Rocha. A reforma de 1931, ao contrário, se faz com o comprometimento da União com a rede de escolas secundárias, através de mecanismos de fiscalização das escolas oficiais e particulares. Somente são preservados os exames preparatórios da época do Império. Passam a existir então os "Exames de madureza", exames preparatórios para o ensino superior que conferiam o grau de Bacharel em Ciências e letras. Realizado em várias seções disciplinas, segundo Mattos é bem mais rigoroso que os exames preparatórios que conferiam apenas certificados de estudos secundários. Também foi o momento em que ocorreu a equiparação das escolas estaduais ao Ginásio Nacional. Aos poucos,o Estado alarga suas atribuições em matéria de ensino, inaugurando um processo de uniformização pedagógica, do ensino privado, que havia expandido-se e organizado no Brasil.

A mudança que a implementação da seriação também foi importante por que superou a possibilidade de se prestar exames para qualquer série. Ainda que permaneçam limitados a criação e manutenção de estabelecimentos públicos, a união interfere pedagogicamente no ensino secundário publico e privado, tornando homogêneos os currículos. Este quadro não é modificado pela Constituição de 1934, e durante o Governo Provisório, Francisco Campos buscará pela educação, atrair setores católicos, com a introdução do ensino religioso nas escolas públicas. Pode-se ter uma idéia do significado da medida frente ao caráter laico da tradição republicana, reforçado pelo Escolanovismo, movimento de renovação dos ideais educacionais que chega ao Brasil à época.

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1.2 As políticas educacionais na década de 1930

Em 1924, havia sido criada a Associação Brasileira de Educação. Em 1931, sua IV Conferência revela que o governo não conseguiu produzir um consenso entre os educadores nacionais. O governo provisório não possui uma política de educação, e as disputas acirram-se entre laicos e religiosos.. NO ano seguinte, em março de 1931, será lançado o "Manifesto dos Pioneiros", cuja ampla repercussão terá repercussão na Constituinte. Ele tem a formulação das "bases e diretrizes"para a educação nacional, com o objetivo de superar o estado fragmentário das antigas reformas, influenciando principalmente a escola pública. Segundo Rocha, "pretende-se superar o isolamento da escola em relação ao meio social, fazendo-a transbordar dos seus muros, levando-a a articular-se com outras instituições sociais”. Diz Shiroma

"Apresentava idéias consensuais como a proposta de um programa de reconstrução educacional em âmbito nacional e o principio da escola pública, leiga, obrigatória e gratuita e do ensino comum para os dois sexos (co-educação)

A proposta reconhece o relativismo da educação, defende uma concepção de vida e mundo, que são

também marcadas pela origem de classe social. A educação tem agora uma consciência histórica, afastando-se dos interesses de classe social, dos privilegiados, para ser a base para a organização da sociedade. Nasce a idéia de uma escola de qualidade, guiada pelo principio de igualdade e acesso a todos os indivíduos. O Manifesto também defende um ideal humano, solidário, cooperativo, baseado em atividades criativas na produção. Compromete-se também com o respeito a individualidade humana. O individuo tem portanto direito a educação,função pública por excelência.

Nasce a idéia de escola única, escola comum para todos, acessível em todos os seus graus para todos os cidadãos. Deve ser uma função única, onde suas partes apresentam-se integradas. Precisa ser autônoma o suficiente para não depender em suas funções dos diversos governos, e os bens oriundos da sua organização devem pertencer aos próprios sujeitos (descentralização). Uma escola adaptada as necessidades dos alunos, reorganizada de forma dinâmica em contato com a comunidade. Para os pioneiros, somente um "Plano de Reconstrução Nacional", é capaz de possibilitar a construção de uma educação unitária, da escola primária a universidade. Como aponta Rocha "para os pioneiros, a educação é fonte de energia criadora, de solidariedade social e de cooperação". Os educadores, portanto, situam-se politicamente fazendo a critica da escola tradicional, trazendo dois princípios modernos: o da universalidade do acesso educacional e o principio da individualização pedagógica. Seu significado foi importante (1932-1937), no período que antecede a imposição do regime autoritário que se seguirá,pois, frente a um estado que se faz interventor social, reconhece o principio liberal de preservar autonomia da individualidade.

O ideário reformista superestimava a importância da reforma da educação para reforma da sociedade. Típico do espírito salvacionista, origina-se quando em 1930 foi criado o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública pelo Governo Provisório. O objetivo é criar a educação necessária a modernização do pais. Eneida Shiroma, em Política Educacional, assinala uma série de Decretos que efetivou as chamadas Reformas Francisco Campos. Em 11 de abril de 1931, é criado o Conselho Nacional de Educação e organizado o ensino superior no Brasil, adotando-se o regime universitário. Em 18 de abril de 1931, o Decreto 19.890, dispõe sobre a organização do ensino secundário e ao final de junho do mesmo ano, o Decreto 20.158, organiza o ensino comercial. A reforma Francisco Campos tutela o ensino nacional.

Entre os sujeitos com os quais o governo entrará em atrito, encontra-se a igreja. Conforme Shiroma:

"Para a Igreja, a educação moral do povo brasileiro deveria ser de sua exclusiva competência. Tratava-se, para os católicos, de um esforço político, patriota, uma vez que colaborando para a pureza dos costumes, estaria formando homens úteis e conscientes, com os conhecimentos necessários aos bons cidadãos"

O esforço valeu a pena. Em 1931, dentre as medidas assinaladas, o Governo Provisório inclui o ensino

de religião nas escolas do pais. Ë facultativo. Somente, após, com o Manifesto dos Pioneiros, a igreja verá seu poder ser afetado por setores intelectuais e educadores que emergem de um processo de industrialização. Entre as razões com que fazem o sucesso dos pioneiros, está o fato de que cada vez mais, são seus ideólogos que ocuparam cargos na burocracia estatal, atuando politicamente. Vargas e Francisco Campos agiram buscando conciliar as divergências.

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A Constituinte de 1934 atribuiu ao Conselho Nacional de Educação a tarefa de elaborar o Plano Nacional de Educação. A proposta dura pouco. A repressão generalizada da ditadura varguistas faz com que os ideais liberais sejam combatidos. Para Rocha, é difícil estabelecer as regras e as especificidades do debate de 33-34, pois os posicionamentos, em geral, são carentes de visão de conjunto ou as vezes, até incoerentes. A Constituinte,por exemplo, discute a questão da participação da União nos diversos ramos e níveis de ensino, que do anteprojeto governamental, sofre um Substitutivo na Comissão Constitucional. A critica paulista, principalmente, era de que era um projeto centralista para a educação, permitindo a interferência da União em toda as esferas de ensino. Rio Grande do Sul e Minas Gerais, ao contrario, se posicionam junto ao governo: o ensino secundário, por exemplo, deve continuar submisso ao governo central.

A Constituinte também discute o tema do direito à educação. Primeiro, sobre o aspecto da afirmação jurídica do direito do cidadão. Em segundo lugar, pela previsão de recursos para a garantia desse direito e, finalmente, o da obrigatoriedade escolar, que define, de quem é o dever público. Nasce a idéia da educação como "direito público subjetivo" um avanço, se considerarmos o fato de que Rocha menciona que o anteprojeto governamental nada falava – exceto em "favorecer o desenvolvimento das artes, ciência e ensino" o Substitutivo Constitucional, somente dizia que "a todos facilitará o Estado a educação necessária"Ou ainda, cabe ao Estado a obrigação de dar os meios, e ao cidadão, a obrigação de reclamar os meios. Assinala Rocha

"Apesar dos renovadores conseguirem finalmente afirmar na Constituição o direito a educação, ele sai suficientemente mutilado para que nada obrigue o Estado a um investimento maciço em educação pública. Ao contrário de toda e expectativa dos renovadores, o que ali se abriu foi uma imensa brecha para o que Anísio Teixeira chamará mais tarde de "publicização do privado’ referindo-se ao processo de elevação do interesse privado ao plano do interesse público".

A constituinte põem também em debate a questão da ação supletiva da união. OS renovadores queriam que a União agisse em prol da educação onde se fizesse necessário, inclusive e principalmente, naquelas regiões carentes de recursos.Inspirados na experiência americana, os renovadores propõe a idéia dos Conselhos de Educação, como forma de realizar essa ação. Autônomos, segundo justificativa da ABE na sugestão para um Plano Nacional de Educação, "é preciso não esquecer a consideração muito importantemente de que, num e noutro caso, os órgãos políticos são sujeitos a mudanças demasiados freqüentes.

A constituinte também propõe tratar da aplicação dos recursos públicos em educação, de forma a garantir a obrigatoriedade escolar básica. As constituições anteriores haviam se eximido desta questão, e agora, o debate se faz em índices orçamentários para a União, Estados e Municípios referidos a educação. Discute-se critérios para distribuição desses meios, inclusive, bolsas de estudos em instituições privadas, caso o sistema público não tenha condições. Isso fazia parte do reconhecimento da educação como direito social. Os renovadores, portanto, não tem, ao contrário do que se poderia pensar, comprometimento com a idéia de dirigir verba pública para a educação pública. Rocha, encontra a explicação em Anísio Teixeira, quando diz:

“Antes de 1930, os colégios particulares do Brasil eram realmente particulares e resistiam vivamente a qualquer intromissão do Estado. Os de nível secundário pensariam em tudo,menos em pedir recursos ao Estado. Zelavam, sobremodo, pela sua independência e serviam a uma pequena classe média relativamente abastada e a pobres orgulhosos, que sofriam sua pobreza mas não desejavam esmolas, que tanto seriam consideradas as bolsas e auxílios"

Por isso é que não ocorreu uma grande disputa pela verba pública, inclusive, pelos setores majoritários

da igreja católica.. Mas há a brecha constitucional para que ela se instale e ao longo do tempo, o principio de subimento público será a regra de financiamento do aluno carente no sistema privado. Seu auge se dará no Estado Novo.

A relação entre católicos e conservadores não era de oposição. De fato, assumiram posições conciliativas quanto a aprovação do ensino religioso de caráter facultativo nas escolas publicas, de acordo com a confissão religiosa, bem como a questão da intervenção do Estado na educação, a que a igreja era favorável, apesar de ser uma posição moderna. Sua exigência era apenas da participação da família na educação. Apesar de ser criada no meio de posições majoritariamente conservadoras (São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul) a Constituinte abre espaços para o moderno representado pelos pioneiros, devido ao novo momento que vive o país após a Revolução de 1930. Além disso, os pioneiros tiveram sucesso em demonstrar a coesão de seus princípios doutrinários e de forjar alianças entre educadores e políticos. Foram eles que qualificaram a definição

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de quem educa e de quem diz o como educar. Para a primeira, a resposta é a centralizada do poder público em todos os níveis e ramos de ensino, aprovada a nível de diretrizes de autoridade e fiscalização. Os pioneiros tinham consciência da necessidade de modernização do Estado. Os limites eram dados pelo contexto da época. NO Caso dos Conselhos de Educação, como órgãos públicos de regulamentação e ensino, cede, num contexto centralizador, sendo aprovado um Conselho restrito, extinguindo o agente civil democratizador, o estado centraliza e termina por restringir o publico ao governo, e com ele, o controle da escola particular, em equivalência com as escolas públicas. Para Rocha

"São dois, portanto, os sentidos básicos do arreglo jurídico-político constituído naquela legislatura: 1. Afirmação de uma modernidade educacional pelo primado do púbico, mas que se faz fundamentalmente pela exacerbação da regulação e fiscalização do Estado, antes que pelo papel de promovedor da universalização do acesso por meios públicos; 2. Ambigüidade na definição do direito público a educação, igualizando direitos aos sistemas públicos e privados de ensino"

A Constituição foi promulgada em julho de 1934 e a repressão faria letra morta as propostas liberais e

as garantias constitucionais em nome a perseguir’`ao comunista. O atendimento manteve-se deficitário, ainda que tenham aumentado o número de matriculas. Havia uma distancia entre a intenção de saneamento escolar.

A implantação do Estado Novo em 1937, redefiniu o papel da educação no projeto nacionalista. A nova constituição dedicou-lhe menos espaço, garantindo-lhe apenas como estratégia de resolver a "questão social" e combater o comunismo. O estado privilegiava um ensino específico para as classes menos favorecidas, primeiro dever do estado a ser cumprido com industrias e sindicatos. A escola se transformava em lugar de discriminação social. A política educacional era o lugar da ordenação moral e civil, adestramento, obediência, formação da fora de trabalho para a modernização.

1.2 As políticas educacionais do Estado Novo

A política educacional do Estado Novo no ensino básico, segundo Rocha, não é puro arbítrio do regime. Ele herda o fundamento político estabelecido pela dimensão do direito publico de educação. Estão presentes, de uma forma desfigurada o, os sujeitos sociais civis no interior do estado. A preocupação é com a modernidade, e para isso, uma preocupação muito grande com o ensino primário, através de rede de escolarização e aportes financeiros, com critérios para sua distribuição, serão pensados. O Estado centraliza, regula e fiscaliza: seu conservadorismo revela-se na relutância da união numa aplicação intensa de verbas: o discurso de nacionalização é intenso, mas a participação é irrisória.

Entre a Constituinte de 1934 a instalação do Estado Novo, a ação da política dos renovadores foi organizada pela ABE. A constituição havia aprovado princípios caros aos renovadores, mas no espaço de luta, outros princípios foram desvirtuados, fazendo-se uma defesa das prerrogativas da União no ensino secundário, por exemplo. Em meados de 1935, com a promulgação da Lei de Segurança Nacional, inicia o fechamento político, e com esse a repressão deste ano. O movimento renovador é atingido e Anísio Teixeira, um dos principiais lideres renovadores e Secretario de Instrução Publica no Distrito Federal, demitido. O debate é cerceado

Em 1942, o então ministro Gustavo Capanema, implementou uma série de medidas que tomaram o nome de Leis Orgânicas do Ensino, que flexibilizaram e ampliaram as reformas Francisco Campos. Foram aprovadas a Lei Orgânica do Ensino Industrial(1942), a Lei Orgânica do Ensino Secundário(1942) o Servi;o Nacional de Aprendizagem Industrial SENAI (1942), a Lei Orgânica do Ensino Comercial (1943), a Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal (1946) e a Lei Orgânica do Ensino Agrícola (1946). Essa legislação completa o processo político dado pela criação do ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública e possibilitaram a consolidação de diretrizes em todos os níveis. As reformas de Campos, só atentaram para o ensino comercial. Contemplando todos os níveis de ensino, entretanto, havia dualismos que fazia com que não houvesse diretrizes comuns gerais a todos os ramos e níveis de ensino, as camadas mais favorecidas buscavam o ensino secundário e superior e as mais pobres, as escolas primárias e uma rápida formação para o trabalho. O SENAI foi um sistema paralelo ao oficial, o estado reconhecia sua incapacidade em prover a formação profissional em larga escala. Para os empresários, era o luar ideal para a formação dos valores do industrialismo e por isso foi mantido pelos fiados da Confederação Nacional da Industria. Aos poucos, já em 1948, o SENAI desiste da tarefa

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que lhe é proposta, reivindicando para a escola primaria a tarefa de formação do operariado. É por isso que ao longo dos anos abandona os cursos e atividades vinculados a formação de mão de obra para dedicar-se a formação especializada de nível técnico. A remodelação sofrida no pós 64 devolverá ao Estado a tarefa.

Com a Constituição de 1946, do Estado Novo, é defendida a liberdade e educação dos brasileiros. Conforme Shiroma, "era assegurada como direito de todos e os poderes públicos foram obrigados a garantir, na forma da lei, educação em todos os níveis". Clemente Mariano nomeia uma comissão de especialistas com o objetivo de propor uma reforma geral da educação nacional, que em 1948 é apresentado ao Congresso Nacional e levará a promulgação, em 1961, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional (Lei 4024/61). Segundo Shiroma, será a vitória das forças conservadoras e privatistas e que trará sérios prejuízos quanto a distribuição de recursos públicos e ampliação das oportunidades educacionais.

O ensino secundário durante o estado novo, contudo, foi diferente. Segundo Rocha

"Tratou-se de um ensino de cunho ideológico, valorativamente autoritário, centralista na sua formulação e controle, regulamentado estrito dos conteúdos e das regas de ensino, fiscalizador burocrático formalistas desses conteúdos e regras, homogeneizados do ensino em âmbito nacional nos níveis e tipos de ensino, segmentador dos cursos, dificultado equivalências e passagens de um curso a outro.”

Para Rocha, a questão de "como educar" e "quem educa" mantém-se sobre o estabelecimento de

relações de tipo cartorial, beneficiando uma parte da iniciativa privada. A expansão da iniciativa privada na educação, nos anos 40, é fruto da política de equivalência entre ensino público e privado, que "trouxe ares de qualificação pública a um conjunto de novas escolas privadas’. A política de equivalência substitui a ausência de uma política de expansão da rede pública de ensino médio. A política para o ensino básico procurou comprometer verbas pública dos estados e municípios, já para o nível secundário não há preocupação com a expansão da rede. É conseqüência do fato de que o setor renovador não foi defensor do estatismo do como educar, mas da livre criação educacional sustentada com verba publica. Por outro lado, os que defendem a iniciativa privada não tem contradições com o controle estatal, , e de fato, expandem-se quando o Estado o regula, dando-lhe equivalência e disputa de verba publica.

Entre as razões, está o fato da nova conjuntura política dos anos 40. O Governo Vargas busca mobilização social em apoio ao governo, consolidando em 1945, quando é editado o Ato Adicional no. 9,Uma portaria ministerial concede aumento de 25% para os professores da rede privada, ato inédito, para os profissionais sujeitos a CLT, através de portaria. Gustavo Capanema revelava o comprometimento de sua atuação com medidas de apoio popular. O patronato de ensino reage, buscando compensações e os alunos, o não repasse as mensalidades. Daí o financiamento indireto, através da suspensão de impostos e da concessão de empréstimos, que colaboram no déficit orçamentário a longo prazo.

Segundo Rocha:

"Abriu-se, dessa forma, a nível de educação média, especialmente a de tipo secundário, o processo que aqui chamamos de cartorização do ensino privado. Ele é decorrente das opções fundas do Estado corporativo-autoritário, aliadas que foram da preservação conservadora de uma política de investimento educacional do Estado, que fora apanágio dos anos anteriores a 1940"

Os anos 40 encerram-se com o surgimento de um novo sujeito civil na realidade educacional, o

empresariado de ensino. Seu vinculo estatal esta marcado pela sua origem, no momento em que foi dada ao ensino privado a dimensão de ensino publico. A intervenção do estado na educação privada se dará pela possibilidade de financiamento e gestão escolar sob critérios públicos. Contudo, nos governos posteriores, desaparece a questão da gestão, permanecendo apenas o financiamento. ""Ou seja, o que vale para o financiamento, não vale para a intervenção, o que evidentemente é um reconhecimento de fato, a revelia da lei, do caráter empresarial de tais estabelecimentos", diz Rocha, p. 169.

Durante 13 anos, o Movimento em Defesa da Escola Pública, iniciado na USP, com nomes como Florestan Fernandes, Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, ocupam as discussões do projeto em tramitação no Congresso nacional. Em 1959 é inclusive divulgado novo manifesto assinado por 189 intelectuais, educadores, endereçado ao governo e ao povo. A nova geração discutia os aspectos sociais da educação e a

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defesa da escola pública. A aprovação da LDB de 1961, conservadora, revela a submissão a iniciativa privada, prevendo ajuda financeira de forma indiscriminada ao mercado e a igreja.

1.4 As políticas Educacionais do Estado Militar

O contexto político é agitado pela guerra fria e pela efervescência cultural e política. Surgem os chamados movimentos de educação popular, que nos anos 60, serão realizados pelos Centros Populares de Culturas, (CPCs) da Une, que levavam peças políticas a portas de fabricas e sindicatos . Também surgem os movimentos de Cultura Popular em Pernambuco e Rio Grande do Norte, com programa de alfabetização de Paulo Freire. A igreja divide-se tem-se a emergência de forças progressistas. A alfabetização das massas tinha então o objetivo de colaborar na conscientização popular e aumentar o número de eleitores, por que o voto não era facultado aos analfabetos.

O tema foi exaustivamente estudado por José Wiillinton Germano, em "Estado Militar e Educação no Brasil"(1964-1985). Para Germano, o estado militar precisou da adesão de uma parte dos intelectuais, camadas médias e massas populares. A ambigüidade de seu discurso e prática é que enquanto apelava a democracia e a liberdade, a golpeava, enquanto declarava-se a favor da erradicação da miséria, colabora para aumentar os índices de pobreza pela concentração de renda. Nesse sentido, insere-se o discurso favorável a erradicação do analfabetismo e a expansão da educação escolar, proposto pelos militares, enquanto reprimiam severamente professores e diminuíam as verbas do Orçamento para a educação. A política educacional faz parte do contexto em que o Estado assume cunho ditatorial voltado para os interesses do capital. As reformas do ensino superior (1968) e ensino primário e médio (1971) são realizadas sem a participação da sociedade civil, com a intenção de desmobilizar os eventuais movimentos sociais. A política educacional se transforma em "estratégia de hegemonia", veiculo necessário para a obtenção do consenso. O Estado militar esbarra no limite de escassez de verbas para a educa’[cão publica, já que está empregando os recursos disponíveis para a acumulação do capital. Seu interesse pela educação se manifesta pela repressão aos professores e alunos indesejáveis ao regime, pelo controle político e ideológico do ensino, eliminando-se a critica. O regime tinha como princípios um anticomunismo exacerbado, antiintelectuais que levava a negação da razão e o terrorismo cultural.

Finalmente Germano, a política educacional do Regime Militar vai se pautar pela economia da educação de cunho liberal. É elaborada a "teoria do capital humano", subordinando diretamente educação a produção – é o êxtase da aplicação de princípios da economia à educação. O II Plano Setorial da Educação, Cultura e Desporto(1974-1979), é exemplo disso. Germano assinala que em síntese, foram os seguintes os eixos de sua política educacional:

" 1) Controle político e ideológico da educação escolar em todos os níveis. Tal controle, no entanto, não ocorre da forma linear, porém, é estabelecido conforme a correlação de forças existentes nas diferentes conjunturas históricas da época. Em decorrência, o Estado militar e ditatorial não consegue exercer o controle total e completo da educação. A perda de controle acontece, sobretudo, em conjunturas em que ass forças oposicionistas conseguem ampliar o seu espaço de atuação política. Daí os elementos de "restauração"e de "renovação" contidos nas reformas educacionais; a passagem da centralização das decisões e do planejamento, com base no saber da tecnocracia, aos apelos "participacionistas"das classes subalternas. 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo a "teoria do capital humano" entre educação e produção capitalista e que aparece de forma mais evidente na reforma do ensino de 2o. grau, através da pretensa profissionalização .3) incentivo a pesquisa vinculada a acumulação de capital. 4) Descomprometimento com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrendo decisivamente para a corrupção e privatização do ensino, transformando em negócio redondo e subsidiado pelo Estado. Dessa forma, o Regime delega e incentiva a participação do setor privado na expansão do sistema educacional e desqualifica a escola pública de 1o. e 2o. graus, sobretudo"

Boa parte das reformas de ensino militares foram balizadas por recomendações de agencias internacionais e relatórios vinculados aos estados unidos, como o Relatório Atcon e o Relatório Meira Mattos do Ministério da Educação Nacional. Incorporava-se compromissos da Carta de Punta Del Leste (1961) e do Plano Decenal da Educação da Aliança para o Progresso. Eram os acordos MEC-USAID que tinham nos intelectuais orgânicos do regime, como o Instituto de Pesquisas E Estudos Sociais e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática, as bases de apoio para o regime. Suas reflexões serviram também para uma perspectiva economicista em educação, confirmada pelo Plano Decenal de 1967. O planejamento da educação torna-se coisa de economistas.

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Em 1964, várias leis são aprovadas entre elas a regulação a participação estudantil e o salário educação. Dois anos depois, é suspensa as atividades da UNE e a representação estudantil nas universidades federais. Entre 1967 e 69, é organizado o funcionamento do ensino superior: reitores podem enquadram o movimento estudantil na legislação pertinente, organiza-se o funcionamento universitário e proíbe-se a manifestação política na universidade. No campo do ensino fundamental e médio, é criado o Mobral em 1967, Movimento Brasileiro de Alfabetização e as diretrizes e bases para o ensino de 1o. e 20 graus (Lei 5692/71) que será reformada pela lei7044, em 1982. A Constituição de 1967 faz um retrocesso, não prevento percentuais mínimos a serem despendidos pelo poder publico. Segundo Shiroma, havia dois objetivos básicos do governo militar durante o milagre econômico brasileiro:

"O primeiro era o de assegurar a ampliação da oferta do ensino fundamental para garantir a formação e qualificação mínimas a inserção e amplos setores das classes trabalhadoras em um processo produtivo ainda pouco exigente. O segundo, o de criar as condições para a formação de uma mão de obra qualificada para os escalões mais altos da administração pública e da industria e que viesse a favorecer o processo de importação tecnológica e de modernização que se pretendia para o país"

Formulada no auge do regime militar, a reforma do ensino superior visou conter as mobilizações estudantis e a resistência a ditadura existem nas universidades. De fato, lideranças estudantis , intelectuais haviam se engajado na luta armada contra a ditadura.. A ditadura visava restaurar a ordem e ambiguamente, nos termos de Germano, "emprego desmedido da repressão política mas, igualmente, da assimilação (desfigurada) de princípios avançados que haviam sido colocados por segmentos e experiências de caráter reformador". Por exemplo, a lei 5540/68 extingue a cátedra, introduz o regime de tempo integração e de dedicação exclusiva aos professores, cria a estrutura departamental , divide o curso de graduação em duas partes, básico e profissional, e cria o sistema de crédito por disciplina, a semestralidade e o vestibular. Mas contudo, é a lei que implementa a indissociabildade entre ensino, pesquisa e extensão e fortaleceu a pós-graduação Outro exemplo é a lei 569271, que introduz mudanças no ensino, sem colocar em disputa os defensores da escola pública e laica, e a igreja, como ocorreu em 1936 e 46 e 61. Foi ampliada a obrigatoriedade escolar para oito anos, com a fusão do primário e ginásio, eliminando-se o excludente exame de admissão ao ginásio, antiga reivindicação dos educadores atendida pela ditadura. Finalmente, a implantação do salário educação (Lei 4420/64), cumpriu o papel de fonte de recursos, numa época em que o governo gastou menos de 3% do orçamento com educação. Delineai-se uma escola ampla que necessitava investimentos, e o governo limita-se a formular projetos de gabinete e favorecer favores e dependências. A educação se transforma em negócio, empresas privadas envolvem-se cada vez mais com a educação, aproveitando incentivos e subsídios.

1.5 A política educacional da Nova República

No segundo período (1975-1985), com a crise econômica e política, a política educacional proposta pelo governo busca a correção das desigualdades no plano do discurso, enquanto na pratica continuou os mecanismos de exclusão da escola. 60% da população é excluída da escola, condenada a viver em condições miseráveis devido a contração de renda conseqüência do projeto de construção do "Brasil potência’. A prioridade do estado é o mercado, a acumulação de capital e não a educação. Os raros projetos voltados para educação tinham vícios estruturais, e os recursos perdiam-se no meio da burocracia. Exemplos são os programas e ações para as populações mais pobres do norte. A questão social passas a substituir o discurso da segurança nacional. A educação passa a colaborar com o projeto desenvolvimentistas tecnocrático, atenuando as contradições do modelo econômico. Programas como Pólo Nordeste, Edurrural, Programas de Ações Socioeducativas e Culturais para as Populações Carentes do Meio Urbano (PRODASEC, e do Meio RURAL(PRONASEC), além do programa de Educação Pré Escolar, no entender de Shiroma, constituem exemplos do modelo de gestão das coisas da educação, e que vai perdurar por até hoje: a pulverização de recursos no campo da Educação, perda de recursos nos entraves burocráticos, dificuldades impostas pelas muitas instancias administrativas. Para Shiroma, "poucos recursos alcançavam as necessitadas escolas das regiões ou localidades a que se dirigiam". O estilo centralizador de controle das fontes de financiamento, o clientelismo na distribuição dos recursos, o atendimento de prerrogativas do Banco Mundial.

Com a Anistia, e a atuação de diversas entidades, como a SBPC, forma-se um consenso sobre a necessidade de um novo projeto educacional, Organiza-se o Fórum de Secretários Estaduais de Educação, que

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via a se transformar no Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), cujo objetivo é a defesa da educação publica, através da participação dos estados na definição das políticas do MEC.

O primeiro governo civil depois do regime militar de 1964, escolhido por um Colégio Eleitoral denomina-se Nova República. Para Sofia Lerche Vieira, em "Política Educacional em Tempos de Transição". Para Vieira, os documentos do governo Sarney fazem um "amplo inventário dos históricos problemas da educação, mas tendem a oferecer poucas alternativas inovadoras a sua superação". Os documentos, assinala, pautam entre suas prioridades estratégias de flexibilidade, mobilização social e articulação com a sociedade com o objetivo de valorizar projetos de valorização do magistério de educação básica, ampliação de oportunidades de acesso a escola e assistência ao aluno carente. A ele veio somar-se as diretrizes tiradas no dia 18 de setembro de 1985, o chamado "Dia D da Educação", que discriminou uma série de preocupações governamentais, principalmente quanto ao aumento do número de escolas, de melhor qualidade e participação da comunidade. Com o PND da Nova República, estabelece

"o compromisso de oferecer escola pública a todas as crianças de 7 a 14 anos. É objetivo, ainda, garantir a permanência dos alunos na escola durante todo o período da educação fundamental. Ao final do plano, 25 milhões de crianças estarão sendo atendidas"

A prioridade é explicita a educação básica. Passado dois anos, o foco da política educacional se desloca do executivo para o legislativo, onde está sendo votada a nova Constituição. Dois anos depois, a Reunião de Jomtien, realizada na Tailândia, assinala que, educação para todos é, para crianças de 7 a 14 anos, ou portanto, não exatamente todos.

Segue-se Fernando Collor de Mello, para um mandato de cinco anos.Para Vieira, seu governo inaugura a fase da "educação espetáculo", propondo o Programa nacional de Alfabetização para a Cidadania – PNAC. Como os governos anteriores, firma a concepção de uma educação como eixo importante para o desenvolvimento, sem fazer na prática grandes avanças. Exceção é a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que não nasce por movimento dos educadores, mas que tem, contudo, um capitulo sobre o direito a educação. Collor concebe projetos de grande visibilidade, como a construção de Ciacs, que unem educação e saúde. São projetos que não apresente uma proposta coerente com o novo papel da educação desejada no contexto neoliberal. Para Mello & Silva, citado por Vieira, o governo Collor seria marcado

"por ausência de centralidade da educação na agenda governamental – inteiramente tomada pela administração da economia de curto prazo; falta de um projeto educacional e por conseqüência organizada das ações e programas de governo; centralização de recursos, decisões associadas a um discurso cuja tônica, era contraditoriamente, a da descentralização e falta de prioridades claramente definidas"

O governo Itamar Franco introduzirá no cenário político Fernando Henrique Cardoso, responsável pela adoção do Plano Real, caracterizado pela contenção dos gastos públicos, aceleração da privatização que terá efeitos imediatos no campo do financiamento da educação. No Ministério da Educação, assume Murilo Hingel, que acreditava na universidade pública e preocupava-se com o professor e a educação das crianças. Grandes mobilizações surgem com os debates para a elaboração do Plano Decenal de Educação para todos(1993), que se desdobrará em planos educacionais de estados e municípios, e a realização da Conferencia Nacional de Educação para Todos, (1994). Abre-se o governo para ouvir a sociedade, somente. O resto continua a velha estrutura tradicional de planejamento governamental.

A grande novidade é que o MEC passa a prestar contas de suas ações. Seus relatórios apontam que o foco principal é o ensino fundamental, principalmente com o Programa nacional de Atenção Integral a criança e adolescente (PRONAICA), que junto com as ações de assistência ao estudante, que junto com a Fundação de Assistência ao Estudante, será central na nova estratégia. O governo afirma-se com compromissos com o Plano Decenal, a questão do magistério. Plano Decenal, menina dos olhos do governo Itamar, enfrentou os mesmos problemas de descontinuidade administrativa dos governos anteriores. Para Vieira

"Nos tempos de transição, a política educacional coloca todas as suas energias sobre o ensino fundamental. Trata-se de uma opção dura que a médio e longo prazos compromete o ingresso do país na direção da sociedade do conhecimento"Ou pelo menos, restringe esse ingresso aos loucos eleitos favoritos da fortuna"

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UNIDADE V 1. PAPEL DO ESTADO E A EDUCAÇÃO COMO DIREITO - Por Jorge Barcellos

A existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por ”existência” deve entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. Norberto Bobbio

1.1 Direitos Humanos: uma idéia que nasceu há 300 anos

Segundo Renato Janine Ribeiro, não havia direitos humanos na Grécia. Isso pode soar estranho, até porque Atenas ainda hoje aparece como um momento alto, insuperado, do regime político democrático. Mas o fato é que a democracia, pelo menos entre os Antigos, não incluía o que chamamos direitos humanos - e que são uma invenção moderna.

A Inglaterra, hoje sinônima de calma resolução dos conflitos, já se viu tomada por guerras civis; e foi por

ocasião de uma delas, entre 1640 e 1660, que se tornou comum à alusão aos direitos do 'freeborn Englishman', o inglês nascido livre ou livre por nascença. Haveria uma série de direitos que todo inglês teria, só por nascer.

Insistamos na questão do nascimento: é o que explica o termo 'direitos naturais'. Natural é o que temos

por nascença. Direitos naturais são os que temos antes de qualquer decisão governamental ou política - sem precisarmos da boa vontade do Estado ou de quem quer que seja.

Os direitos humanos surgem, na modernidade, como direitos naturais. Basta o inglês nascer, para tê-

los. Essa é uma das grandes inovações dos revolucionários ingleses de 1640. Entre tais direitos estava o de não ser obrigado a acusar a si próprio, o de não pagar impostos que não fossem votados por seus deputados, o de ter voz na política.

O arremate da revolução inglesa iniciada em 1640 se dá em 1688, quando é deposto o rei Jaime II.

Guilherme e Maria, que sucedem a ele, aceitam o 'Bill of Rights', que é o nome inglês do que conhecemos, nas línguas latinas, como 'declaração de direitos'.

'Bill', em inglês, é mais ou menos o que chamamos um projeto de lei - antes, portanto, de ser

sancionado pelo poder executivo. No caso, recebe esse nome por ser um texto legal plenamente válido, mas cuja validade não deriva da assinatura do rei. Isso quer dizer que os direitos existem e vigoram, não porque um rei (ou mesmo uma assembléia) assim o quis, mas porque naturalmente todos os humanos têm tais direitos. A assembléia seja ela à francesa de 1789 ou a da ONU de 1948, apenas declara os direitos, ela não os cria.

A Constituição brasileira de 1988, tão difamada pelos autoritários, segue essa (boa) lição: pela primeira

vez em nossa história, os direitos humanos precedem o funcionamento dos poderes de Estado. Ela ensina que o Estado está a serviço dos cidadãos, que nas Cartas anteriores apareciam depois dos três poderes, como um acréscimo, detalhe ou mesmo estorvo. E também por isso a Constituição deu caráter pétreo aos artigos sobre os direitos: se a Constituinte apenas os declarou, se não os criou (porque estão acima da vontade humana), isto implica que eles não podem ser abolidos.

Mas voltemos à história. Em 1689, a Inglaterra promulga seu 'Bill of Rights'. Vai passar um século antes

de surgirem dois outros. Em 1789, a Assembléia que acaba de se declarar Constituinte, na França, vota a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - não mais, porém, de um único povo, mas agora da humanidade inteira.

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1.2 Direitos passam a universais

Esta, aliás, é a grande característica da Revolução Francesa de 1789, nisso mais audaz que a Inglesa de 1688 ou mesmo a Americana de 1776: nenhum direito é invocado pelos franceses como sendo apenas nacional. Todos os direitos são do cidadão e do homem como universais. Valem para qualquer povo. E mesmo que a própria França demore em estendê-los, por exemplo, aos negros escravos, uma dinâmica se instaura que terminará suscitando suas revoltas (por exemplo, no Haiti) e sua liberdade.

Em 1791, os Estados Unidos aprovam sua declaração. Os constituintes de 1787, liderados pelos

federalistas, deram maior importância à mecânica dos três poderes que aos direitos humanos. Mas Thomas Jefferson, mais democrático que eles, propôs que a adesão à Carta viesse junto com uma série de emendas reconhecendo direitos aos indivíduos. São as dez primeiras emendas à Constituição americana, conhecidas como Bill of Rights.

Quando estudamos os direitos humanos, são estes os três textos-chave iniciais, aos quais se soma, em

1948, a Declaração da Assembléia Geral da ONU. Vemos que eles se foram expandindo, a partir porém de uma idéia inicial e decisiva. Esta era (e é) que os direitos humanos estão acima de qualquer poder de Estado. Por isso, é uma idéia antipositivista.

Positivismo, em direito, não significa a mesma coisa que nas ciências. Chama-se de 'positivismo

jurídico' a tese de que uma lei vale porque foi decretada (ou posta, ou afirmada) pela autoridade legítima. Só haveria direitos ou obrigações com base num poder. Mas a tese dos direitos humanos supõe, justamente, que acima de qualquer poder existente já vigem direitos inegáveis, irredutíveis.

Este é o cerne da idéia de direitos humanos, e vê-se qual a sua conclusão lógica: que os governos não

podem violar tais direitos impunemente, e - se o fizerem - devem pagar por isso. Cedo ou tarde, precisaremos assim ter uma jurisdição supranacional que julgue e puna criminosos que só têm em seu favor, como Pinochet ou Saddam Hussein, o fato de terem cometido crimes em tão larga escala que escapam - por um tempo - ao castigo merecido.

As declarações clássicas são, porém, acusadas freqüentemente de dar força demais aos direitos do

indivíduo - e do proprietário - e de desprezar os grupos de trabalhadores sem propriedade. É verdade. Nelas, a ênfase está na defesa, contra o poder estatal, da propriedade, numa definição de direitos civis e políticos que nem sempre pretende abranger toda a humanidade. A declaração inglesa exclui dos direitos os estrangeiros, a americana os escravos, à francesa (a mais universalizante) encontra seu limite na recusa, em 1791, de uma declaração dos direitos das mulheres: Olympe de Gouges, sua proponente, foi guilhotinada em 1793.

Mas o importante não é as limitações dessas declarações - e sim suas potencialidades. Nos últimos três

séculos, uma consciência de direitos aumentou, limitando o Poder. Os direitos se ampliaram, incluindo os direitos sociais, que se distinguem da 'primeira geração' de direitos por beneficiar grupos e não indivíduos, trabalhadores e não proprietários. Recentemente, surgiram os direitos difusos, dos quais o grande exemplo são os relativos ao meio-ambiente, que não têm titulares precisos, perfeitamente definidos, mas beneficiam a todos. Isso é irônico, porque o direito ao ar puro protege até os próprios poluidores, porque eles precisam, para viver, da mesma atmosfera que estão degradando.

Talvez o grande salto por se dar seja para os direitos dos animais ou da natureza em geral. Esta

questão é curiosa. A tradição jurídica ocidental moderna entende que direitos pertencem a seres humanos. Se assim for, a razão de se preservar a Mata Atlântica ou o mico-leão dourado estaria no interesse (ou direito) dos homens a um meio-ambiente equilibrado, biodiversificado etc. Mas basta isso? Quando defendo uma espécie em extinção, a base de minha ação estará em meus interesses - ou no direito dessa própria espécie a viver? Cada vez mais filósofos, juristas - e praticamente todos os ecologistas - entendem dessa última forma.

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E assim pode ser que o arremate dos direitos humanos seja, para além do homem, uma declaração de direitos dos animais e até da natureza. Haverá melhor sinal de que essa idéia, 300 anos depois de irromper, continua fecunda

1.3 O direito à educação como uma obrigação do Estado

No capítulo 3 de Educação, Estado e Poder (Brasiliense, 1987), Fábio Konder Comparato refere-se a importância de retornarmos as origens do pensamento político para compreendermos o lugar das leis em educação. Comparato retoma o argumento de Montesquieu, para quem havia basicamente três tipos de regimes políticos: o republicano, o monárquico e o despótico. No primeiro, a soberania, poder político supremo, pertence ao povo; no monárquico, a quem governa, com base em leis fixas e estáveis, e no ultimo, apenas um governo, sem leis, seguindo apenas a sua vontade.

Para Montesquieu, o elemento chave do regime republicano é a virtude, qualidade política que significa amor à igualdade. É o amor a igualdade de todos, universal, completa. Logo após a exposição sobre os regimes políticos, Montesquieu trata das leis da educação, fundamentais em qualquer regime político “as leis da educação são as que recebemos em primeiro lugar. E como elas nos preparam para a condição de cidadãos, cada família em particular deve ser governada em consonância com a grande família que engloba todas. Se o povo em geral tem um principio, as partes que o compõem, ou seja, as família tê-la-ão também. As leis da educação serão pois diferentes em cada expedia de governo” E acrescenta: “É no governo republicano que há necessidade de toda força da educação”. A educação, para Montesquieu é visada, pois ela deve inspirar o cidadão o amor às leis. Ela é compreendida como uma instituição política, um elemento de organização do Estado. Herda a concepção de Platão, presente no livro 4 da República, onde atribui grande importância a educação na organização do Estado: os guardiões do estado precisavam ser formados, e isto era tarefa da educação. “Se nos não construirmos nossas sociedade ideal com base na função educacional, tudo estará perdido”, diz Sócrates.

Em Montesquieu, a relação Estado e Educação se aprofundam: não é possível organizar a republica sem educação republicana. Não é possível desenvolver uma educação igualitária num regime que não seja igualitário. As leis da educa’’cão são as que recebemos em primeiro lugar e nos preparam para a condição de educação, diferente de instrução, mera transmissão de conhecimento. A educação forma para a cidadania

1.4 O Conteúdo político da educação nacional

Elias de Oliveira Motta, em Direito Educacional e Educação no século XXI, assinala que desde a constituição de 1988, determinados valores foram inscritos para inspirarem toda e qualquer análise sobre legislação brasileira. Na verdade, constituem o campo de fundamento da Republica Federativa do Brasil e seus objetivos fundamentais. Conforme aparecem no seu preâmbulo, são os seguintes “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos”.

Longe de uma concepção neutra da educação, nesse processo ela tem um conteúdo político, determinado pelos direitos fundamentais que deve reencarnar. Ela tem caráter político por que, nos termos do artigo 1o, expressa a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. A educação é política por que permite a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, e tem como objetivo colaborar na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais. São princípios válidos para todas as áreas, definidos na Constituição, e que devem ser aplicados na Educação.

1.5 A educação como direito social

A Constituição de 1988 estabelece, em seu artigo 6o a Educação como um direito social. É uma herança das modificações introduzidas nos dispositivos constitucionais dos Estados liberais ao longo do tempo, que sofreram a influência da divulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sofrendo pressões

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populares, os políticos de cada pais começaram a incluir dispositivos voltados para a questão social, buscando garantir a igualdade de todos perante a lei. A educação é valorizada no campo dos direitos sociais, decorrência direta dos direitos de igualdade e de liberdade, prestações do Estado proporcionada para os cidadãos com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais.

No Brasil, a instrução pública foi objeto de garantia individual desde a Constituição do Império (1824),

que previa gratuidade no nível primário para todos só cidadãos, o que veio a se manter nas diversas constituições brasileiras até a Constituição de 1988. Ao assegurarem a educação como um direito de todos, os Constituintes geraram um dever correspondente ao Estado de prove-la, sem descartar contudo a família e a colaboração da sociedade. O Estado toma a si o direito de legislar sobre matéria educacional, e os pais de escolher o tipo de educação que desejam para seus filhos.

1.6 Competências para legislar em Educação

Como o Brasil é uma federação de Estado, somente a União cabe fazer leis gerais para a Educação. Isso permite estabelecer uma hierarquia entre as leis, definidas pelo Congresso Nacional e pelo Ministério da Educação. Aos estados e municípios cabe legislar de forma complementar, derivada e supletiva, desde que respeitadas as leis nacionais.

É obrigação de todos às esferas de organização do Estado (federal, estadual e municipal) proporcionar

os meios de acesso à educação, como assegura o Art. 23. Competência comum, dividida entre os poderes da seguinte forma: a federação organiza o sistema federal de ensino superior e colabora técnica e financeiramente com os demais sistemas, o estados administram o ensino médio e fundamental e os municípios o ensino fundamental e a educação infantil. Leis estaduais não poderão contrariar leis federais na organização do ensino, podendo a federação intervir (como expresso no artigo 34da Constituição) nos diversos estados que não satisfazerem esta prerrogativa. É claro que a possibilidade de intervenção foi introduzida pela Constituição de 1969, mas agora, seu objetivo é garantir que o percentual mínimo exigido pela Constitui’’cão de receita de cada município seja gasto com educação. Como a Constituição não previa intervenção nos estados, a Emenda 14, de 1996, resolveu o problema.

Estabelecer e manter programas de educação infantil e ensino fundamental é a missão primordial das

municipalidades brasileiras, segundo a Constituição. Instituições educacionais não podem sofrer com a imposição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços, quando sem fins lucrativos desde a Constituição de 1934. O objetivo é incentivar a iniciativa privada a prestar serviços na área educacional ainda que varias instituições usem essa estratégia ara aumentar os ganhos de seus mantenedores. O que falta é uma rígida fiscalização por parte do Estado.

O apoio da lei ao investimento em pesquisa, criação de tecnologia é uma das novidades da atual

constituição, ainda que não tenha melhorado o investimento geral em termos percentuais, que corresponde a apenas 0,7 % do PIB brasileiro, enquanto que outros países desenvolvidos investem cerca de 3,0%.

Nesse aspecto, considerando que uma das metas do Ministério da Educação é colocar um aparelho de

televisão, com antena especial videocassete, mais um computador ligado em rede em cada escola com mais de cem alunos, percebe-se que a necessidade de investimento em tecnologia por parte do estado. A esse respeito, na própria constituição refere-se a importância de que redes de televisão, que envolvem alta tecnologia, dedicarem-se a tarefas e finalidades educativas.

Desde a Emenda Constitucional numero 1, de 1969, a educação’ é conceituada como direito de todos e

dever do estado e da família. Reconhecida sua importância na constituição do Estado Brasileiro, revelou o reconhecimento já consolidado nas Constituições de países mais adiantados do mundo. De certa forma, também corresponderão atendimento das sugestões da Organização das Nações Unidas, relativas a Declaração dos Direitos do Homem, de 1948. Este era o projeto de Anísio Teixeira, reafirmar os princípios escolanovistas que conceituam a educação como atributo fundamental na formação da pessoa humana. É portanto, aceitação da

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tendência mundial de valorização do ensino regular e da educação permanente, transformada em serviço publica essencial sob a responsabilidade do Estado.

O direito a educação evoluiu nas Constituições brasileiras, mas os diversos governos brasileiros foram

ineficientes para sua eficiente execução. Evoluiu por que já em termos internacionais, constava da Declaração de 1948, ratificada na Conferencia Mundial de Educação para todos, de 1990. Em 1994, na Declaração de Salamanca, novamente foi reafirmado esse direito. NO Brasil, como dever do estado e da família, deve ser dada no lar e na escola. NO lar não cabe intromissão do Estado, exceto nos termos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente ou na legislação posterior de proteção a criança. A idéia da importância dos pais na educação dos filhos é também reforçada pelo Código Civil. Segundo Alceu Amoroso Lima “A educação da prole é dever primordial da família e seu direito natural. A vida social, porém, pela suas dificuldades, exige que a família seja auxiliada em sua tarefa formadora das novas gerações. Daí nasce a escola como instituição necessária, que tem a sua importância como grupo autônomo, assegurada pelas exigências da vida em comum. A escola é o grupo natural, por acidente, podemos dizer, pois nasce não naturalmente, como a família ou o Estado,mas como instituição voluntária especializada, se bem que exigida, pela finalidade natural da família. A escola, portanto, completa a família e é a segunda célula social, pois via a propagação natural dela. Tudo o que separa,portanto, essas duas instituições e nocivo ao bem comum. E tudo o que tornar cada vez mais solidária as suas atividades, distintas mas nunca separadas, é benéfico e necessário ao bem comum “

O papel do estado na ação educativa inicia-se com sua obrigação de construir, organizar e manter

escolas, proporcionando a democratização e a gratuidade do ensino, especialmente no nível constitucional da obrigatoriedade, bem como zelar pelo respeito as leis do ensino, pela avaliação das instituições e pelo desenvolvimento do nível de qualidade do ensino. A colaboração da sociedade é prevista para suprir as deficiências do estado. A livre iniciativa tem importância pra garantir vagas e oferecer alternativas as famílias para escola das escolas.

O principio maior que norteia a constituição é a crença no homem e nas suas possibilidades de

desenvolvimento. Seu sentido é humanista, visa a formação integral da pessoa, pois não há pleno desenvolvimento sem desenvolvimento político, preparação para o exercício da cidadania. Ela deverá ser evidenciada em todos os conteúdos programáticos de cada matéria, disciplina ou atividade do currículo escolar, visando a conscientizar o aluno em relação a suas responsabilidades de cidadão, aos seus direitos civis e políticos para atingir sua maturidade. Como afirma José Cretela Jr, em Comentários a Constituição Brasileira de 1988: ”Cidadania é a capacidade política, idoneidade, possibilidade ou aptidão para o exercício dos direitos ativos (eleger) e passivos (ser eleito, ou , pelo menos, ser candidato as eleições), participante, pois do sufrágio e da vida democrática. (...) Em sentido estrito, cidadania é o status de nacional, acrescido dos direitos políticos, em sentido estrito, isto é, o poder de participar do processo eleitoral, antes de tudo pelo voto”. Em conseqüência, cidadania é status vinculado a regime político, em vigor, em dado momento histórico.

O pressuposto político educacional presente no projeto nacional é de que a escola deve desenvolver o

espírito critoc, combatendo preconceitos e cultivando a tolerância e o amor a liberdade. Não apenas voltada para o mundo político, mas também para o mundo do trabalho, desde a década de 80a preparação para o trabalho tem sido um dos objetos da política educacional. Voltada para o desenvolvimento de planos que envolvam aspectos psicológicos, filosóficos, antropológicos e sociais, o trabalho também é visado por que envolve o desenvolvimento integral do homem.

A constituição, especialmente nos artigos 205 e 206, estabelece finalidades e princípios para a

educação que constituem a base das políticas educacionais de Estado em nosso pais. São sete princípios:

1) o direito de aprender mediante o acesso e permanência na escola em igualdade de condições, é regido pelo principio maior da igualdade, presente no artigo 5o. da Constituição. Ninguém pode sofrer discriminação de qualquer espécie, em sofrer nada que posa prejudicar sua permanência nos estudos. Permanência significa, segundo Pinto Pereira, em Curso de Direito Constitucional, que “ninguém será excluído da escola, a não ser por motivo grave, apurado em sindicância ou processo administrativo, com ampla defesa. Aos portadores de deficiências também não se vedará o acesso, nem se

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interrompera a permanência”.A exceção desta regra é somente para os portadores de moléstias transmissíveis, para os quais se impõe isolamento, para preservar a saúde dos demais. Aids, no entanto, não é motivo de isolamento.

2)a liberdade de ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, como princípios a uma continuidade e complementação dos direitos humanos, são conseqüência do direito a liberdade. Liberdade de ensinar, autonomia da escola, liberdade de categoria e livre atuação para empresas privadas respeitam, totalmente, o principio inalienável da liberdade.

3) O pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, defendido pela Constituição engloba o pluralismo de instituições e sua liberdade de ensinar. O espírito democrático, que possibilita, apesar de suas contradições a existência de ensino publico e privado, só o faz para garantir liberdade de escolha em relação a educação, seja na qualidade ou na metodologia, ou custos.

4)a exigência da gratuidade nos estabelecimentos de Estado, visam garantir a educação como direito de todos. A gratuidade deve ser progressiva, o que avança em relação as prerrogativas estabelecidas nas Constituições anteriores, que só determinavam para o nível primário ou dos sete aos quatorze anos. Para José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional, significa que “onde o ensino oficial, em qualquer nível, já é gratuito não poderá passar a ser pago. Onde é pago, se for fundamental, deverá passar imediatamente a ser oferecido gratuitamente, e se for médio, a entidade pública mantenedora deverá tomar providencias no sentido de que, progressivamente, se transforme em gratuito”.Há uma enorme polêmica neste campo entre os defensores do ensino publico gratuito e os que defendem a gratuidade apenas para os que não podem comprovadamente pagar.

5) a valorização dos profissionais de ensino, principalmente os professores, com planos de carreira e piso salarial profissional, bem como regime jurídico único dos estabelecimentos mantidos pela união é outra característica atual . Reforça que o ingresso no magistério ‘público só é possível mediante concursos de provas e títulos

6) a gestão democrática exclusivamente nas escolas publicas, consolida na lei algumas experiências de gestão democrática já existente em muitos municípios brasileiros, cujas secretarias municipais de educação já possuíam, quer conselhos consultivos, quer conselhos deliberativos, para avaliar e discutir questões referentes a qualidade de ensino. Na década de 70 tornaram-se conhecidas as experiências de Maranguape (CE), Piracicaba(SP) e Lages (SC).

7) Ainda que o padrão de qualidade seja uma garantia e principio constitucional, pouco se fez em vários municípios para efetivá-lo, em virtude do corte de verbas e arrochos salariais. A qualidade de ensino depende diretamente de bons salários e treinamento.

1.7 O dever do estado com a educação

No artigo 208, são garantidas uma série de responsabilidades do estado com a educação que resumem os serviços que devem ser prestados a sociedade e que o cidadão tem o direito de exigir do poder publico. Como deveres do Estado, possibilitam maior eficácia aos direitos publico subjetivo. Uma formula encontrada, por exemplo, para assegurar a efetiva obrigação do Estado para com o ensino fundamental foi assegurar”inclusive, sua oferta gratuita para os que a ele não tiverem acesso na própria idade”. Para os demais níveis, especialmente o superior, a lei estabelece “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade”, principalmente, no caso de nível superior, aqueles que comprovarem capacidade, pela aprovação em processos seletivos, tais como vestibulares.

A questão do ensino pago x ensino gratuito vem desde o império, ainda que a primeira constituição republica tenha-se omitido nessa matéria, ela retorna na Constituição de 1934, 37, e 46 como “o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á (gratuito) para quantos provarem a falta ou insuficiência de recursos”. Esse conflito aparentemente recebeu uma nova ênfase na Constituição de 1988, pró-ensino gratuito. Luiz Alberto David Araújo, em A proteção constitucional das pessoas portadoras de Deficiência, assinalou que “a educação é direito de todos, portadores ou não de eficiência. As pessoas portadoras de deficiência tem direito a educação, a cultura, como forma de aprimoramento intelectual, por se tratar de um bem derivado do direito a vida” E

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continua:”O dever do Estado de prestar educação, portanto, passa, obrigatoriamente, pelo fornecimento de educação especial as pessoas portadoras de deficiência”.

A renovação também se deu no campo da educação infantil, por que o que era até o momento era

previsto no campo da assistência médica e alimentar, e somente com a Constituição de 1988, juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente, deu condições de cidadania a criança neste pais, portanto, um principio norteador para as novas políticas educacionais. Entretanto, Para Sônia Kramer, em Políticas de atendimento a criança de 0 a 6 anos no Brasil, “embora sejamos a oitava economia do mundo ocidental, nossa taxa de mortalidade de menores de 5 anos é mais alta do que a da Mongólia e do Paraguai, e mais do que o dobro da Argentina, Guiana ou Panamá. No que diz respeito a educação, sabemos que mais de 7 milhões e crianças de 5 a 17anos nunca freqüentam a escola, e que de cada cinco crianças que entram na primeira série, apenas uma chega ao final do primeiro grau, porcentagem igual a de Blangadesh”.

Portanto, estamos diante de um projeto democrático de educação que não foi acompanhado de

políticas de financiamento na área de educação infantil, nem de recursos humanos especializados para atuar na área. Partindo-sedo pressuposto que o direito constitucional, há a possibilidade de exigir-se, de maneira garantido,aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio, o não oferecimento do ensino obrigatório e gratuidade, importa a responsabilidade da autoridade competente,nas esferas de poder competentes. O próprio Código Penal Brasileiro, no seu artigo 246, estabelece pena de detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, a quem “deixar, sem justa causa, de prover a instrução primaria de filho em idade escolar”. Para isso, diversos promotores de justiça já sugeriram a importância de efetuar recenseamento sobre alunos evadidos para o Ministério publico, para que possam serem instaurados inquéritos policiais.

1.8 A fragilidade do direito a educação: 1 milhão de crianças está fora da escola

Cerca de 130 milhões de crianças em idade escolar (21% do total) estão sem estudar hoje em todo o mundo. No Brasil, elas chegam a 1,12 milhão, cerca de 5% das crianças entre 7 anos e 14 anos.Esses dados fazem parte do relatório "Situação Mundial da Infância 1999", que será divulgado hoje pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

O relatório de 1999 dá ênfase à educação e faz uma avaliação de como os países vêm cumprindo as

seis metas traçadas durante a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em março de 90, na Tailândia.Segundo o UNICEF, a meta em que o Brasil se saiu melhor foi a de universalizar o acesso ao ensino. O fortalecimento das parcerias entre governo e sociedade civil para aperfeiçoar a educação no país também foi elogiado pelo UNICEF.

Mas o relatório alerta para a necessidade de o Brasil ainda ter de melhorar muito a qualidade do ensino

nas escolas públicas. Dados do censo escolar de 98 apontam que 96,5% das crianças brasileiras entre 7 anos e 14 anos estão matriculadas regularmente. Essa meta só precisaria ser alcançada em 2003.De 94 a 98, o total de crianças matriculadas no ensino fundamental cresceu 11,8%, atingindo 35,8 milhões de alunos neste ano.

A redução no número de crianças entre 7 anos e 14 anos que estavam fora da escola no Brasil ocorreu

sobretudo a partir de 1996. Naquele ano, ainda havia 3,5 milhões de crianças fora da escola.O crescimento das matrículas no ensino médio foi ainda maior do que no fundamental. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 37,3%. De acordo com o UNICEF, o desafio de aumentar o número de crianças matriculadas em escolas -até chegar a 100% do total- vai ficar mais difícil para o Brasil a partir de agora.

Isso porque as crianças e adolescentes que continuam sem estudar fazem parte de grupos mais difíceis

de serem trabalhados. São crianças portadoras de deficiências, que vivem nas ruas, que trabalham ou que estão detidas em instituições por terem cometido infrações.Para que voltem à escola é preciso que o governo desenvolva ações voltadas especificamente para esses grupos -programas de erradicação do trabalho infantil, por exemplo.

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Dos cerca de 6 milhões de brasileiros até 19 anos que são portadores de deficiência, apenas 5% (334,5 mil) estão matriculados em escolas que oferecem atendimento especializado. Os demais estão sem estudar ou freqüentando escolas que não atendem a suas necessidades.

1.9 Os excluídos da educação: repetência, interrupção, e atraso escolar

Para Daniela Falcão, da Sucursal de Brasília do Jornal Folha de dos 35,8 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental do Brasil este ano, 16,7 milhões (46,6%) já repetiram o ano pelo menos uma vez, segundo dados do MEC (Ministério da Educação) obtidos pela Folha. Os números incluem as rede de ensino público e privado.

Desse total de repetentes, 8,5 milhões já deveriam estar no ensino médio (antigo 2º grau) porque

completaram 14 anos -idade com que, em tese, deve-se concluir a 8ª série.Esses alunos, chamados de "fora da idade", não estão nas séries que deveriam por três motivos: reprovações sucessivas, interrupção nos estudos e demora em entrar na escola.

As altas taxas de reprovação no ensino fundamental têm o efeito de uma bomba-relógio, fazendo com

que o número de alunos fora da idade estoure no 2º grau.Em 98, mais da metade (53,6%) dos 6,9 milhões de alunos matriculados nas escolas do ensino médio haviam completado 18 anos. Ou seja, já deveriam ter concluído a educação básica e estar matriculados em universidades, cursos de aperfeiçoamento profissional ou trabalhando.

Os Estados do Norte e, sobretudo, do Nordeste são os que concentram maior número de alunos

atrasados. A taxa de defasagem entre aluno e série nos nove Estados nordestinos é de 64,2%, bastante acima da média nacional, de 46,7%.O Rio Grande do Sul é o Estado com menor número de alunos fora da idade, com uma taxa de defasagem de 22,6%. Em seguida, aparecem São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal.

O grande número de alunos fora da idade é apontado pelo MEC como o principal obstáculo a ser

vencido por Estados e municípios nos próximos quatro anos."O primeiro desafio foi matricular todas as crianças na escola. Agora que já estamos quase lá, temos de nos preocupar em corrigir o fluxo para que não haja mais alunos atrasados. Essa deve ser a prioridade tanto dos Estados quanto dos municípios", diz Iara Prado, secretária de Educação Fundamental do MEC.

Por enquanto, só há uma receita para reduzir a defasagem entre a idade do aluno e a série que cursa: a

implantação das classes de aceleração, em que alunos atrasados aprendem os conteúdos de várias séries em apenas um ano. Para que isso aconteça, em vez de trabalhar todo o conteúdo de uma série regular, os alunos das classes de aceleração aprendem apenas o essencial. Além disso, as turmas são menores (com no máximo 25 alunos) para que o professor possa dar atendimento individualizado.

As primeiras classes de aceleração foram implantadas no Maranhão em 1996, antes mesmo da

aprovação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), que tornou legal a possibilidade de aceleração de estudos para alunos atrasados.Hoje, o número de alunos do ensino fundamental matriculados em classes de aceleração no país já ultrapassa 1,18 milhão, e só o Rio Grande do Sul não implantou mecanismos que permitem aos alunos atrasados recuperar o tempo perdido.

Os gaúchos ficaram de fora porque têm a menor taxa de defasagem entre a idade e a série dos alunos

no país. Os mineiros são os campeões: 39% dos 1,18 milhão de estudantes matriculados em classe de aceleração neste ano são de Minas Gerais.Além dos Estados, a Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação assinou convênios para a implantação das classes de aceleração em 787 municípios, gastando R$ 40 milhões de seu orçamento.A verba repassada pelo ministério serve para treinar os professores que vão dar aulas nas classes de aceleração e para confeccionar material didático próprio.

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UNIDADE VI 1. AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM EDUCAÇÃO NO BRASIL 1.1 Aspectos Históricos da Implantação do Plano Nacional de Educação – No Brasil

Desde a chegada do primeiro governador-geral, em 1549, trazendo os primeiros jesuítas, até a expulsão deles pelo marquês de Pombal, em 1759, a Companhia de Jesus dominou o cenário educacional brasileiro. Com suas escolas de primeiras letras, seus colégios e seminários, os jesuítas exerceram amplo trabalho de catequese dos nativos e de educação dos brancos que aqui aportaram ou nasceram, principalmente, mas não exclusivamente, aqueles de classes mais abastadas.

Fica fora do objetivo desta notícia descrever e avaliar o trabalho e a importância da educação jesuítica

no tempo do Brasil colonial. O que interessa aqui é apenas registrar que, nesse período, a educação não foi um problema que emergisse como um assunto nacional, não obstante tenha sido um dos ingredientes das tensões permanentes entre a Ordem e a Coroa Portuguesa e cuja solução levou à expulsão dos jesuítas em 1759.

A expulsão dos jesuítas criou um vazio escolar. Conforme mostra Maria de Lourdes Mariotto Haidar, a

insuficiência de recursos e a escassez de mestres que substituíssem os jesuítas desarticularam o trabalho educativo no País, com repercussões que se estenderam por décadas, alcançando o período imperial. Nessas condições, os efeitos da reforma que Pombal realizou na educação portuguesa foram, no Brasil, sobretudo negativos.

Com a vinda da Família Real, já no início do século XIX, a educação brasileira recebeu um grande

impulso no que diz respeito ao ensino superior necessário para a formação de quadros, mas a educação popular permaneceu relegada a um segundo plano. Conforme Mariotto:

“O quadro geral da instrução pública no Império, enriquecido com a criação dos cursos superiores, não

se alterou significativamente, entretanto, quanto aos estudos primários e médios, algumas escolas de primeiras letras e um punhado de aulas avulsas no velho estilo das aulas régias constituíram todo o saldo positivo do período que sucedeu à Independência e que precedeu à reforma constitucional de 1834.

Essa reforma (Ato Adicional de 1834) descentralizou as responsabilidades da educação popular,

deixando-as às províncias e reservando à Corte a competência sobre os ensinos médio e superior. Mas as províncias, pouco aquinhoadas na arrecadação de impostos, quase nada puderam fazer em matéria de educação popular; e durante a segunda fase do Império, o que permaneceu foi um completo descaso nessa área: ainda que tenham havido algumas iniciativas interessantes, como a da criação das escolas normais, elas acabaram perecendo.

Nesse período, o quadro geral foi sempre o mesmo: escassez de escolas e de mestres no ensino

primário. Com relação ao ensino médio, exclusivamente propedêutico ao ensino superior, prevaleceram as aulas avulsas apenas acessíveis às classes abastadas. É verdade que houve tentativas notáveis de estruturação de cursos regulares com propósitos amplamente formativos e não apenas preparatórios. O Colégio Pedro II, os liceus da Bahia e de Pernambuco e algumas outras poucas escolas são exemplo desse esforço, mas isso não foi suficiente para alteração do quadro geral. Mais para o final do Império, até mesmo as escolas acabaram afetadas pela mentalidade vigente, que via nos estudos de grau médio apenas uma preparação para o ensino superior. Não faltaram, contudo, principalmente na segunda metade do século, tentativas de reforma, mas a tendência de multiplicação das aulas avulsas e dos exames parcelados prevaleceu e apenas nas vésperas da República houve esforços no sentido de modificação desse quadro.

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É preciso evitar, porém, que essa sumaríssima descrição induza a idéia de que, durante o Império, não tenham havido alguns homens notáveis capazes de perceber e denunciar a situação de penúria e descaminho dos ensinos primário e secundário. Entretanto, essa efervescência do pensamento educacional muito pouco ultrapassou o terreno das idéias e dos debates parlamentares.

A Proclamação da República, embora tenha alterado, em alguns pontos, substantivamente a ordenação

legal da educação brasileira, pouco modificou o quadro vigente. Conforme disse Fernando de Azevedo: “À parte do laicismo, a infiltração das idéias positivistas e o movimento renovador de São Paulo, limitado ao ensino primário e normal e sob a influência das técnicas pedagógicas americanas, todos os outros fatos relativos à educação e à cultura acusavam, no último decênio do século XIX, a sobrevivência das tradições do regime imperial.

O positivismo de Benjamin Constant, embora radical nas reformulações propostas, teve pouca duração

em seus efeitos. Nem mesmo a ampla autonomia concedida aos estados em matéria de ensino secundário e superior alterou o quadro existente no final do Império.

É verdade que a República, nos seus inícios, foi pródiga em reformas – Benjamin Constant (1890),

Epitácio Pessoa (1901), Rivadávia Correia (1911), Carlos Maximiliano (1915) –, mas foi preciso esperar até a década de 20 para que, realmente, o debate educacional ganhasse um espaço so-cial mais amplo. Foi nesse período que a questão educacional deixou de ser apenas tema de reflexões isoladas e de discussões parlamentares para ser percebida como problema nacional, isto é, como problema afeto ao próprio destino da nacionalidade. Foi o que disse J. Nagle quando escreveu: “O que distingue a última década da Primeira República das que a antecederam foi justamente isso: a preocupação bastante rigorosa em pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares, nas diferentes modalidades e nos diferentes níveis.

Os quadros social, político e econômico dessa década, com a continuidade significativa das correntes

imigratórias, a urbanização, as insatisfações políticas represadas desde a Proclamação da República e a intensificação da tensões entre a industrialização nascente e as crises do comércio cafeeiro foram altamente propícios para que a questão educacional se impusesse como de interesse coletivo e de salvação nacional. Aliás, foi nesses termos que os diversos movimentos sociais que então apareceram – ligados ou não aos partidos políticos – passaram a se preocupar com a escola popular, a sua reforma e a sua disseminação. Várias tentativas reformistas ocorreram em diferentes estados; foi nesse período que se iniciou uma efetiva profissionalização do magistério e que novos métodos e modelos pedagógicos começaram a ser mais amplamente discutidos e introduzidos nas escolas. Essa efervescência dos assuntos educacionais, esse “entusiasmo pela educação”, conforme a expressão usada por J. Nagle, gerou uma “atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos”.

1.2 A Idéia de um Plano de Educação

Segundo Celso Lafer, a primeira experiência de planejamento governamental no Brasil foi a executada pelo governo Kubitschek com o seu Plano de Metas (1956/61). Antes disso, os chamados planos que se sucederam desde 1940 foram, segundo Lafer, “antes propostas, diagnósticos e tentativas de racionalização do orçamento”.

O mesmo autor sugere que na análise do processo de planejamento convém distinguir “três fases: a

decisão de planejar, o plano em si e a implantação do plano: A primeira e a última são essencialmente políticas. Apenas a segunda é um assunto estritamente técnico”.

No caso do planejamento educacional, essa distinção é interessante, porque, como veremos, a idéia de

um plano nacional de educação antecedeu, em muito, as primeiras tentativas de formulação de um plano. Foi preciso um longo período de maturação para que se formulasse explicitamente a necessidade nacional de uma

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política de educação e de um plano para implementá-la. Como vimos, brevemente, na década de 1920 a questão educacional amadureceu e chegou à percepção coletiva da educação como um problema nacional.

1.2.1 Manifesto dos Pioneiros

A Revolução de 1930 foi o desfecho “natural” das crises políticas e econômicas que agitaram com intensidade crescente a década de 1920. Compôs-se, então, o quadro histórico propício à transformação da educação no Brasil em um efetivo problema nacional. Além da profunda crise internacional que afetara também o Brasil, a urbanização crescente foi um elemento decisivo para a percepção coletiva da educação como meio importante para uma ascensão social cada vez mais difícil. Em 1932, um grupo de educadores e homens de cultura conseguiu captar na sua inteireza esse anseio coletivo e lançou um manifesto ao povo e ao governo que ficou conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, com redação de Fernando de Azevedo e a assinatura de 25 homens e mulheres da elite intelectual brasileira. Trata-se de um documento que extravasa o “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico” que J. Nagle detectara na década de 1920.

A importância do “Manifesto” tem sido, algumas vezes, minimizada pela arrogância dos patrulheiros

ideológicos, mas é fora de dúvida que se trata de um documento que constitui marco histórico na educação brasileira, por várias razões. Dentre elas, sobreleva o fato de que se trata da mais nítida e expressiva tomada de consciência da educação como um problema nacional. Além disso, o “Manifesto” continha um diagnóstico e era um indicador de rumos. É claro que, pelos seus próprios propósitos, o diagnóstico e o traçado de rumos foram expressos em uma linguagem genérica. Mas não caberia outra forma num documento político cujo objetivo era provocar sentimentos e atitudes e mobilizar para a ação. Levando em conta a importância desse documento, convém transcrever alguns dos seus trechos:

“Na hierarchia dos problemas nacionaes, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da

educação. Nem mesmo os de caracter economico lhe pódem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. (...) todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito de continuidade, não lograram ainda crear um systema de organização escolar, á altura das necessidades do paiz. Tudo fragmentário e desarticulado.

‘Onde se tem de procurar a causa principal desse estado antes de inorganização do que de

desorganização do aparelho escolar, é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins da educação (aspecto philosophico e social) e da applicação (aspecto technico) dos methodos scientificos aos problemas da educação. (...) Os trabalhos scientificos no ramo da educação já nos faziam sentir, em toda a sua força reconstrutora, o axioma de que se pode ser tão scientifico no estudo e na resolução dos problemas educativos, como nos da engenharia e das finanças. (...) Em lugar dessas reformas parciais, que se sucederam, na sua quase totalidade, na estreyteza chronica de tentativas empíricas, o nosso programa concretiza uma nova política educacional, que nos preparará, por etapas a grande reforma...

‘Assentado o princípio do direito biológico de cada indivíduo à sua educação integral, cabe

evidentemente ao Estado a organização dos meios de o tornar efetivo, por um plano geral de educação...’ ‘A estructura do plano educacional corresponde, na hierarchia de suas instituições escolares (...) aos

quatro grandes períodos que apresenta o desenvolvimento natural do ser humano. É uma reforma integral da organização e dos methodos de toda educação nacional (...)’

‘Não alimentamos, de certo, ilusões sobre as dificuldades de toda a ordem que apresenta um plano de

reconstrução educacional de tão grande alcance e de tão vastas proporções. (...) O próprio espirito que o informa de uma nova política educacional, com sentido unitário e de bases scientificas (...) tornará esse plano suspeito aos olhos dos que, sob o pretexto e em nome do nacionalismo, persistem em manter a educação, no terreno de uma política empírica, à margem das correntes renovadoras de seu tempo".

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Esses trechos mostram claramente que o “Manifesto” era ao mesmo tempo uma denúncia, a formulação de uma política educacional e a exigência de um “plano científico” para executá-la, livrando a ação educativa do empirismo e da descontinuidade. O documento teve grande repercussão e motivou uma campanha que repercutiu na Assembléia Constituinte de 1934, que “... acolheu a idéia de um plano nacional de educação, a ser fixado pela União, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência para organizar e manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União, estabeleceu os montantes mínimos de recursos a serem aplicados pelo governo federal, pelos Estados e pelos municípios na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos e (...) atribuiu ao Conselho Nacional de Educação a tarefa de elaborar o plano nacional de educação e ordenou aos Estados e ao Distrito Federal que estabelecessem conselhos de educação e departamentos autônomos de administração do ensino".

Como se pode notar, os propósitos do “Manifesto” foram alcançados no que diz respeito à incorporação

ao texto constitucional de 34 de suas mais importantes reivindicações. Aliás, como veremos, todas as constituições posteriores, com exceção da Carta de 37, incorporaram, implícita ou explicitamente, a idéia de um Plano Nacional de Educação.

1.2.2 A Primeira Tentativa de Plano Nacional de Educação

De acordo com a Constituição de 34, o Conselho Nacional de Educação elaborou e enviou, em maio de 37, à Presidência da República, um anteprojeto do Plano de Educação Nacional. Com a sobrevinda do Estado Novo, o anteprojeto nem chegou a ser discutido. Na verdade, não merecia melhor destino.

Ainda que a idéia de plano nacional de educação fosse fruto das posições do “Manifesto” e das

campanhas que se seguiram, o Plano de 1937 era a mais completa negação das teses defendidas pelos educadores ligados àqueles movimentos. Excessivamente centralizador, o anteprojeto pretendia ordenar em minúcias irrealistas toda a educação nacional. Tudo ficava regulamentado no Plano, desde o ensino pré-primário ao ensino superior, passando pelo ensino de adultos e de profissional em todas as modalidades e níveis. Os currículos todos eram estabelecidos e até mesmo o número de provas, os critérios de avaliação, etc.

Contudo, para os objetivos deste trabalho, é importante chamar a atenção para os dois primeiros artigos

dos 504 que compuseram o Plano de 1937:

• Art. 1o – O Plano Nacional de Educação, código da educação nacional, é o conjunto de princípios e normas adotados por esta lei para servirem de base à organização e funcionamento das instituições educativas, escolares e extra-escolares, mantidas no território nacional pelos poderes públicos ou por particulares.

• Art. 2o – Este Plano só poderá ser revisto após vigência de dez anos. 11 Nesses artigos, há três pontos que convém destacar porque eles revelam uma concepção de plano que

persistiu, pelo menos em parte, em iniciativas e leis posteriores:

a. O Plano de educação identifica-se com as diretrizes da educação nacional. b. O Plano deve ser fixado por lei. c. O Plano só pode ser revisto após uma vigência prolongada.

O primeiro ponto foi abandonado pela Constituição de 1946, que nem mesmo se referiu ao plano de educação, mas estabeleceu a necessidade de fixação de diretrizes e bases da educação nacional. Essa fixação, em 1961, pela Lei no 4.024, incumbiu o Conselho Federal de Educação de elaborar o Plano de Educação para os recursos dos ensinos primário, médio e superior agrupados nos respectivos fundos nacionais. Houve aí uma importante modificação na idéia do Plano de 1937: diretrizes não são planos e, nessas condições, plano vem a ser simples esquema distributivo de recursos. Esse entendimento de plano prevaleceu em todos os planos nacionais posteriores.

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A idéia de que o plano devia ser fixado por lei prosperou de certo modo e nunca mais foi inteiramente abandonada. O seu primeiro retorno ocorreu em 1967, quando o Ministério da Educação promoveu os Encontros Nacionais de Planejamento da Educação, cujo objetivo era discutir um anteprojeto de lei fixando o Plano Nacional de Educação.

Houve outras resistências, além da de São Paulo, e a iniciativa não teve seguimento. Porém, a

Constituição Federal de 1988 retomou a idéia de que o Plano de Educação deve ser estabelecido por lei (art. 214) e a de São Paulo (1989) seguiu-lhe os passos (art. 241).

1.3 Diretrizes e Bases da Educação Nacional

Após o anteprojeto de plano de 1937, a idéia de um Plano Nacional de Educação permaneceu sem efeito até 1962, quando foi elaborado e efetivamente instituído o primeiro plano nacional governamental. Embora Lafer entenda que o governo Kubitschek empreendeu, pela primeira vez, um planejamento global de governo, com relação à educação não houve nada, nesse período, que correspondesse aos reclamos anteriores de um Plano Nacional de Educação. No Plano de Metas, a educação era a meta número 30 e, segundo R. Moreira, pode-se dizer “...que o setor de educação entrou no conjunto do Plano de Metas pressionado pela compreensão de que a falta de recursos humanos qualificados poderia ser um dos pontos de estrangulamento do desenvolvimento industrial previsto".

Mesmo que a Constituição de 1946 não tivesse feito referência expressa à formulação de um Plano

Nacional de Educação, essa exigência acabou surgindo na Lei no 4.024 de 1961 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A propósito desta lei, é interessante notar que o anteprojeto original, preparado por uma comissão especial, que teve como relator o professor Almeida Jr., um dos signatários do “Manifesto” de 1932, não fez menção a planos de educação. Mais ainda, na sua resposta ao Parecer Capanema, Almeida Jr. fez referência elogiosa ao fato de que na Constituinte de 46 tivesse sido abandonada a idéia de um plano nacional. Mas, embora não constasse do anteprojeto original, a exigência de um plano foi incluída no terceiro substitutivo da Comissão de Educação e Cultura, que afinal transformou-se na Lei no 4.024/61. Nesse ponto, convém observar que, com relação a vários aspectos, o substitutivo transformado em lei era muito menos interessante do que o anteprojeto original.

Atente-se, por exemplo, para a própria concepção do que deveria ser uma Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional. Segundo o Relatório Geral da Comissão que elaborou o anteprojeto: “Diretriz” é linha de orientação, norma de conduta, “Base” é a superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce está construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só os preceitos genéricos e fundamentais".

Se essa concepção tivesse prevalecido, a LDB seria somente uma fixação de princípios gerais de

educação brasileira. E, por serem gerais, esses princípios permitiriam a elaboração, em níveis estaduais, de políticas de educação também de “rumos gerais” e, por isso mesmo, capazes de se afeiçoarem às características de cada estado sem deixar de integrar-se numa política nacional. Aliás, a obediência ao princípio federativo era o propósito da comissão relatora do anteprojeto, quando disse que “... o que fica claro é que a função de organizar o respectivo sistema de ensino cabe privativamente a cada Estado, e que a lei federal de Diretrizes e Bases, se interferir nessa matéria, violará a Constituição".

No quadro dessa concepção, que lamentavelmente não prevaleceu, as relações entre os conceitos de

política educacional e de plano de educação seriam conciliáveis não apenas de um ponto de vista lógico, como também numa perspectiva de integração da ação governamental na área da educação.

Porém, se a LDB afinal aprovada (Lei no 4.024/61) distanciou-se muito da clareza e da sensatez do

anteprojeto original, a lei que a sucedeu e substituiu em parte (Lei no 5.692/71) agravou sobremodo a situa-ção eliminando qualquer possibilidade de instituição de políticas e planos de educação como instrumentos efetivos

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de um desenvolvimento desejável da educação brasileira. A Lei no 5.692 aproximou-se muito, nas suas minudências regimentais, do natimorto Plano de Educação Nacional de 1937. Nada tem a ver com uma Lei de Diretrizes e Bases concebida em termos de princípios gerais e consagrou novamente a idéia de plano como distribuição de recursos.

1.4 Plano Nacional de Educação de 1962 e suas Revisões

Como já vimos, a exigência de um plano foi afinal incluída no texto da Lei no 4.024, mas, na fórmula aprovada, suprimiu-se o termo “nacional” porque ele “não se coadunaria, certamente, com as teses de descentralização e liberdade do ensino que acabaram por se impor, em larga medida, na referida lei". Contudo, o primeiro plano feito na sua vigência estabeleceu o adjetivo. Esse foi, de fato, o primeiro Plano Nacional de Educação, porque o de 1937 não ultrapassou a fase de anteprojeto. A comparação entre os dois é interessante porque exibe uma alteração conceitual importante. O Plano de 1937 pretendia ser uma ordenação legal da educação brasileira e não apenas uma operação distributiva dos recursos a serem aplicados à educação. Aliás, nele a distribuição de recursos ficava fora do que se chamou Plano de Educação Nacional e era atribuição do órgão que seria o Conselho Nacional de Educação.

O Plano de 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

tinha outro caráter. Era basicamente um conjunto de metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas num prazo de oito anos. É claro que elas representavam opções políticas para os rumos da educação pública brasileira em todos os níveis, mas opções cujas coordenadas já estavam estabelecidas na LDB. No fundo, entre os Planos de 1937 e 1962, a diferença básica estava na própria concepção de plano, que, no primeiro, se traduzia numa ordenação até nos pormenores da educação brasileira, enquanto o segundo apenas estabelecia determinados critérios para os esforços articulados da União, dos estados e dos municípios na aplicação dos recursos destinados à educação.

O Plano de 1962 sofreu uma revisão em 1965. Esta revisão – a primeira feita após a Revolução de

1964 – teve um caráter fortemente descentralizador e incluiu normas tendentes a estimular a elaboração dos planos estaduais. Uma razão importante para a revisão de 1965 foi também a instituição em 1964 (Lei nº 4.440) do salário-educação, que aumentou substancialmente os recursos destinados ao Fundo Nacional do Ensino Primário. Em 1966, houve ainda uma nova revisão, que se chamou Plano Complementar de Educação, que introduziu importantes alterações na distribuição dos recursos federais, indicativas de uma mudança de rumos na política nacional: o restabelecimento de vultosos recursos para a educação de analfabetos com mais de 10 anos e a instituição de ginásios orientados para o trabalho.

1.5 Planos de Educação Posteriores

Após a iniciativa pioneira de 1962 e suas revisões, sucedem-se, em trinta anos, cerca de dez planos. Num exaustivo estudo do que foi feito nessa área até 1989, Roberto Moreira conclui que essa sucessão de planos elaborados, parcialmente executados, revistos e abandonados reflete não apenas os males gerais da administração pública brasileira, como também o fato de que na educação, pela razão de ela nunca ter sido realmente prioritária para os governos, as coordenadas da ação governamental no setor ficavam bloqueadas ou dificultadas pela falta de uma integração ministerial.

Em conseqüência disso e de outras razões, sobretudo políticas, o panorama da experiência brasileira

de planejamento educacional é, na opinião de Moreira e de outros autores, um quadro claro de descontinuidade administrativa, que, no fundo, fez dessa experiência um conjunto fragmentário e algumas vezes incoerente de iniciativas governamentais que nunca foram mais do que esquemas distributivos de recursos. É claro que distribuição de recursos pressupõe opções e, portanto, de certo modo, uma política de educação. Mas não no sentido das aspirações do “Manifesto dos Pioneiros”, isto é, de estabelecimento claro de princípios e rumos da educação nacional.

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1.6 A Crença numa “Ciência” do Planejamento

Essa crença se funda na idéia de que o desenvolvimento da ciência é um simples resultado da aplicação na investigação de métodos adequados. Todavia, hoje, historiadores e filósofos da ciência vêem com extrema cautela e até desconfiança a afirmação de que o desenvolvimento da ciência seja simples efeito da aplicação de métodos gerais identificáveis, codificáveis e por isso mesmo transmissíveis. É claro que há muitos métodos para fazer muitas coisas em ciência, mas os avanços significativos da ciência ocorreram, sobretudo pela produção de novas teorias e seu livre exame pelas comunidades científicas. Não há, porém, métodos para inventar teorias interessantes: o caldo de cultura onde elas surgem é antes o saber substantivo disponível num certo momento e a permanente discussão deste saber do que o emprego mecânico de rotinas metodológicas. Histórica e filosoficamente, é falsa a idéia de que há um conjunto de procedimentos de aplicação universal (método científico) e que o desenvolvimento da ciência é fruto da sua aplicação sistemática.

O significado do termo “planejamento” é muito ambíguo, mas no seu uso trivial ele compreende a idéia

de que, sem um mínimo de conhecimento das condições existentes numa determinada situação e sem um esforço de previsão das alterações possíveis dessa situação, nenhuma ação de mudança será eficaz e eficiente ainda que haja clareza a respeito dos objetivos dessa ação. Nesse sentido trivial, qualquer indivíduo razoavelmente equilibrado é um planejador. Mas, quando pressupomos que haja uma “ciência do planejamento”, então, de certo modo, os reparos que fizemos à idéia que se tem de uma metodologia científica de aplicação universal, valem também para o campo do planejamento. Não há uma ciência do planejamento e nem mesmo métodos de planejamento gerais e abstratos que possam ser aplicados à variedade de situações sociais independentemente de considerações de natureza política, histórica, cultural, econômica, etc. É claro que para situações específicas, há uma ampla variedade de técnicas de planejamento que podem ser eficazes e eficientes, do mesmo modo que há tecnologias científicas para algumas parcelas do trabalho científico. Mas entre isso e a admissão de que há um saber geral sobre planejamento e que o domínio desse saber torna indivíduos aptos a “planejar em geral” há uma grande distância.

1.7 A Autonomia do Conceito de Plano de Educação

Ao longo desta exposição, ainda não fizemos uma tentativa maior de clarificação dos significados de termos como política de educação e plano de educação. Mas nas rápidas descrições já feitas, percebe-se que houve uma variação conceitual deles desde o “Manifesto”. Neste preconizava-se uma política de educação para os diversos níveis de ensino e um planejamento científico que conduzisse a educação brasileira nos rumos assinalados.

No Plano de 1937, essa concepção se alterou e a idéia de plano compreendeu uma política de

educação que se traduzia numa ordenação legal de toda a educação brasileira. A comissão que preparou o anteprojeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases nem mesmo se referiu a

planos e a preocupação foi a indicação de rumos para a educação, isto é, a fixação de uma política geral de educação. Na discussão do anteprojeto, a idéia de plano se introduziu, mas a própria lei não tratou maiormente do assunto e deixou a sua elaboração para o Conselho Federal de Educação.

O primeiro plano – o de 1962 – e suas revisões foram planos de metas distributivas de recursos

coerentes com os rumos estabelecidos na Lei no 4.024. Nos demais planos que se sucederam permaneceu essa característica do plano como esforço distributivo de recursos e, vez por outra, este esforço vinculou-se a estímulos para uma alteração de rumos em alguns aspectos da política educacional de certo modo implicada pelos dispositivos da LDB vigente.

Com a promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases em 1971, houve alterações radicais na

política educacional. As mais profundas foram a fusão dos antigos ensinos primário e ginasial num curso único de oito anos e a reorganização de todo o ensino de 2º grau (antigo colegial) para dar-lhe feição terminal

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profissionalizante. Não é aqui oportuno avaliar essas mudanças de rumo da política educacional, mas apenas assinalar que os planos de educação subseqüentes se ajustaram em maior ou menor grau a essas mudanças.

O ponto a que queremos chegar é o seguinte: em todas as experiências brasileiras de planejamento, os planos, bem ou mal, ligavam-se à política de educação expressa ou pressuposta nos textos das Leis de Diretrizes e Bases. Nas atuais Constituições federal e estadual, a obrigatoriedade do plano – a ser instituído por lei – ganha uma autonomia que sugere uma nova alteração conceitual do termo. A Constituição federal faz referência a alguns rumos gerais da ação pública em educação e a estadual diz que na elaboração do plano devem ser “considerados diagnósticos e necessidades apontados nos Planos Municipais de Educação”.

Contudo, essas vagas referências não chegam a se constituir numa indicação clara da política de educação a que esses planos devem servir. A propósito, convém lembrar que, já em 1968, dizíamos que “O estabelecimento de um plano de educação implica, preliminarmente, a definição de uma política educacional (...) Nesses termos, um plano de educação se define como um conjunto de medidas de natureza técnica, administrativa e financeira – a serem executadas num certo prazo – e selecionadas e escalonadas a partir de uma política educacional. Esse conceito de plano tem a sua principal vantagem no fato de pôr em relevo o que é realmente imprescindível: a definição de uma política educacional.".

Essa manifestação foi feita a propósito do esforço que estava sendo desenvolvido, à época, pelo Ministério da Educação para fixar, por lei, um novo plano de educação. Iniciativas nesse sentido pressupõem a autonomia da idéia de plano com relação à idéia de política educacional. Tal pressuposição é falsa e essa falsidade é expressão da crença de que há uma ciência do planejamento e que por isso a boa condução dos negócios públicos deve se fundar na sua aplicação.

Nessas condições, a maneira pela qual o assunto foi tratado nas Constituições federal e estadual sugere uma aceitação ingênua de autonomia do conceito de plano que pode gerar confusões antes do que favorecer uma racionalização de esforços, que é o propósito básico de todo o planejamento.

1.8 A Eliminação de Obstáculos ao Planejamento

Como já vimos, a descontinuidade administrativa tem sido apontada como a causa principal do malogro parcial ou total de planos de educação no Brasil. Já o “Manifesto” denunciava o caráter fragmentário da ação governamental, atribuindo-o à inexistência de planos. Mas é claro que a simples existência de planos, por si só, não assegura a continuidade da ação governamental, que fica na dependência de condições de estabilidade política e administrativa. Ora, às vezes, nem no âmbito de um mesmo governo é possível reunir essas condições de estabilidade.

Em 1962, em trabalho apresentado numa Conferência Internacional das Nações Unidas, na Suíça, Jayme Abreu, numa comunicação sobre os obstáculos ao planejamento educacional, apontou, dentre outros, os seguintes: “... dificuldades resultantes de instabilidade política” e “... dificuldades da parte dos staffs administrativos tradicionais e da opinião pública".

É interessante observar que, nesse trabalho, as afirmações de Abreu não se fundavam na experiência brasileira de planejamento educacional (o primeiro plano estava sendo proposto), mas deviam refletir alegações que vinham sendo repetidas em encontros internacionais de especialistas em planejamento. Numa outra reunião internacional, Gabriel Betancur Mejia disse que “... uma das causas que mais influem na lentidão do avanço educativo é a instabilidade pessoal, dos planos e dos programas".

De outra parte, não devemos simplificar excessivamente as coisas e considerar, invariavelmente, a descontinuidade administrativa como um mal a ser eliminado. Eventualmente, o prejuízo maior poderia estar na continuidade. Além disso, é necessário lembrar que o anseio de racionalidade, que motiva as tentativas de supressão da descontinuidade e de outros obstáculos ao planejamento, pode ter o seu preço no estabelecimento de restrições a mecanismos ou condições essenciais da própria vida democrática. A instabilidade da hegemonia dos agrupamentos políticos é uma dessas condições essenciais e a descontinuidade da ação administrativa pode ser, muitas vezes, simples decorrência inevitável das vicissitudes da prática da democracia. Nessas condições, a eliminação da descontinuidade pode ser não-desejável, porque implicaria restrições políticas indesejáveis.

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Aliás, F. Hayeck, já em 1944, fazia uma advertência nesse sentido, quando disse que “cresce a convicção de que, para se realizar um planejamento eficaz, a gestão econômica deve ser afastada da área política e confiada a especalistas – funcionários permanentes ou organismos autônomos e independentes".

Ao fazer essa advertência, Hayeck tinha diante dos olhos a ascensão nazifascista como também opiniões de pensadores políticos de esquerda, como Harold Laski, que, alguns anos antes, dissera, a respeito da situação inglesa: “É sabido que o atual mecanismo parlamentar é bastante inadequado à aprovação de um volumoso corpo de leis complexas. O Governo, na verdade, basicamente admitiu isto ao implementar suas medidas econômicas e tarifárias, não por meio de um debate pormenorizado na Câmara dos Comuns, mas por um sistema de delegação de função legislativa".

Chegamos assim a uma questão delicada, isto é, as crescentes exigências de um planejamento eficaz e eficiente podem ter um preço insuportável para uma vida social e política ordenada segundo valores mais altos.

1.9 Planos Gerais de Educação e Autonomia das Escolas

Como vimos no subitem anterior, eventualmente o êxito do planejamento pode ter como contrapartida alguma forma de restrição às condições da vida política democrática. Essa situação pode, num determinado momento, apresentar-se como um verdadeiro dilema, porque ou corremos riscos com relação ao sucesso do planejamento ou restringimos as discussões e decisões sobre o plano que se quer. Ora, um dilema, num sentido estritamente retórico, delineia-se quando a escolha de qualquer das alternativas tem efeitos desagradáveis.

É indiscutível que em muitas situações de planejamento, a eficácia e a eficiência de um plano são quase incompatíveis com uma ampla discussão e deliberação sobre o próprio. Também é indiscutível que para problemas desse tipo, quando eles surgem na esfera governamental, não há nenhuma solução geral.

Nessas condições, convém evitar que o problema apareça no campo da Administração Pública do Ensino. Talvez isso seja possível se houver uma clara distinção entre os diferentes níveis de atuação que são inerentes à administração de uma rede pública de escolas. Um plano de educação pública deverá levar em conta esse fato e ajustar-se a ele, distinguindo os níveis que devem permanecer vinculados a decisões centrais daqueles outros, de caráter propriamente pedagógico, que dizem respeito à própria vida da escola. Para este último caso, uma política de educação realmente democrática apenas poderá fixar diretrizes gerais, deixando tudo o mais, que é a vida das escolas, ser decidido por elas próprias, respeitada a orientação contida nas diretrizes. Quando o problema é posto nesses termos evita-se o dilema antes referido.

A autonomia das escolas tem seu fundamento na exigência ética de que a ação educativa não se reduza ao mero cumprimento de horários e de execução de tarefas determinadas por órgãos exteriores à instituição. A ação educativa, tanto na sua dimensão individual como coletiva, requer uma consciência clara dos objetivos educacionais e dos valores a eles ligados. Sem essa consciência não é possível definir responsabilidades num sentido ético e social. Analogias entre escolas e empresas poderão obscurecer esse aspecto fundamental da educação.

Eventualmente, escolas às quais se permita a autonomia de decisão e de ação poderão encontrar dificuldades para atingir níveis de desempenho exteriormente fixados. Isso não tem maior importância. Hipotéticos níveis de eficiência que seriam alcançáveis se houvesse uma orientação rígida e centralizada não podem justificar, da parte de órgãos centrais, tentativas de intervenção e de correção. Já dizia Bacon que a verdade brotará mais facilmente do erro do que da confusão. É preciso deixar que as escolas corrijam os seus próprios erros, quando for o caso, mas não convém que aqueles que educam fiquem confundidos e inseguros a respeito de suas intransferíveis responsabilidades na ação educativa.

Pode ser que a autonomia da escola seja – como disse R. King Hall – apenas uma “... ficção desejável,

mas também é um objetivo da democracia – extremamente útil, altamente desejável e possivelmente essencial.”

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UNIDADE VII

1. O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - Jorge Barcellos

“Por tudo isto, Senhor Presidente, estou seguro de que o Plano Nacional de Educação, examinado e aprovado pelo Congresso Nacional e convertido em Lei ordinária, representa um passo importante não somente para a continuidade da atual política educacional, como também para a adoção de novas medidas que se fazem necessárias” Paulo Renato de Souza

1.1 As origens do Plano Nacional de Educação - PNE Em nove de janeiro de 2001, termina uma etapa importante da gestão das políticas educacionais do

governo FHC: é publicada no Diário Oficial da União a Lei 10.172, que aprova o Plano Nacional de Educação. Nesta Unidade, desejamos acompanhar a história política que levou a constituição de duas propostas de PNE – a do governo e a da sociedade - e as contradições dos interesses envolvidos.

Lúcia Maria Wanderley Neves, em “Por que dois planos nacionais de educação? define plano nacional

como o “resultado de um processo de planejamento educacional que, por sua vez, expressa o estágio da correlação de forças sociais gerais e, mais especificamente, do campo educacional, no processo de definição de políticas de educação”. A definição é Nacional, desde o final de 1997. A vitória da proposta governamental está relacionado aos processos políticos na tramitação da LDB e da política educacional na área construída pelo governo FHC nesses anos. Propostas divergentes para a educação para os próximos dez anos estiveram em debate e, do ponto de vista desta Unidade, cabe questionar as diferenças entre uma e outra proposta, nos termos das metas de gestão democrática, expansão do ensino e melhoria da qualidade.

O Plano Nacional da Educação em vigor é uma proposta vencedora que tem duração de 10 anos. Em

seu artigo 2o.impõe o prazo de dois anos para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para elaborarem seus planos decenais correspondentes. A lei determina seu acompanhamento pelo Poder Legislativo, através das Comissões de Educação, Cultura e Desportos da Câmara dos Deputados e da Comissão de Educação do Senado Federal.Não é no entanto, o primeiro Plano de Educação que conheceu o país.

Demerval Saviani remonta a idéia de Plano Nacional de Educação às iniciativas da década de 1930

contida nos “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, onde já aparecia a idéia de “sistema educacional”, isto é, a organização lógica, coerente e eficaz do conjunto das atividades educativas levadas a efeito numa sociedade determinada ou, mais especificamente, num determinado país”. Como nas demais políticas sociais, trata-se da aplicação da racionalidade científica no campo da educação, reforçada pela Constituição Brasileira de 1934 e cuja responsabilidade de sua elaboração caberia ao Conselho Nacional de Educação. Criado em 1931, reorganizado em 1937 sob a orientação do Ministro Gustavo Capanema para elaborar o Plano Nacional de Educação, chamado “Código da Educação Nacional”, o Conselho Nacional de Educação sofreu com a ação do Estado Novo que encerra a pretensão do governo em criar um Plano Nacional. Para Dermeval Savianni:

“enquanto para os educadores alinhados com o movimento de introdução da racionalidade cientifica na Política Educacional, para Getúlio Vargas e Gustavo Capanema o Plano se convertia em instrumento destinado a revestir de racionalidade o controle políltico-ideológico exercido através da política educacional”.

A ambição de Capanema era redefinir o arcabouço da educação nacional através da promulgação de

uma lei geral de ensino – um Código de Educação Nacional – que construísse a base da ação de governo no âmbito educacional. Isto envolveria promulgar um Código Nacional de Educação, Leis Orgânicas do Ensino (Municípios), e estratégias de orientação e controle das atividades de ensino, nas instituições particulares e públicas. Entretanto, nenhuma das reformulações legais foi implementada. No período que se seguiu, entre 1946 e 1964, a contradição de base do processo educativo centrou-se entre

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“as forças que se aglutinaram sob a bandeira do nacionalismo desenvolvimentista que atribuíam ao Estado a tarefa de planejar o desenvolvimento do país libertando-o da dependência externa, e aquelas que defendiam a iniciativa privada se contrapondo a ingerência do Estado na economia e aquilo que taxavam de monopólio estatal do ensino”

Santiago Dantas era o porta-voz da primeira tendência na Câmara dos Deputados, defendendo no

debate que se travou por ocasião da primeira LDB a necessidade de criar um sistema de ensino voltado para as necessidades nacionais. Entreanto, ao longo dos debates, prevaleceu a tendência privatisa, que defendia a liberdade de ensino e o direito da família de escolher a educação dos filhos e não a obrigação do estado em oferecer educação nacional “nossa primeira LDB ficou reduzida a instrumento de distribuição de recursos para diferentes níveis de ensino. De fato, pretendia-se que o plano garantisse acesso das escolas particulares, em especial, as católicas, aos recursos públicos destinados a educação”, assinala Dermerval Savianni.

A primeira referência a idéia de Plano Nacional no contexto do autoritarismo aparece na primeira LDB,

em seu art. 92, que determina que o Conselho Federal de Educação elabore o Plano de Educação referente a cada fundo de financiamento de ensino. “Nesse caso o conceito de “Plano” já assume o significado estrito de forma de aplicação de determinado montante de recursos financeiros, assinala Saviani. Para o autor, é importante acompanhar que o planejamento educacional ao poucos será transferido dos educadores para os tecnocratas e será feita uma reavaliação estratégica do Ministério da Educação na organização dos poderes, e que passa a ser subordinado ao Ministério do Planejamento. Ora, como se sabe, este ministério não é rico em educadores, e sim em economistas para os quais, nem sempre os objetivos da educação são considerados prioritários em termos de planejamento global. Esta tendência é clara na Lei 5.692/71, ao definir em seu artigo 53 que “O planejamento setorial da educação deverá atender as diretrizes e normas do plano-geral do governo, de modo que a programação dos órgãos da educação superior do Ministério da Educação e Cultura se integre harmonicamente nesse plano geral”

No campo da educação, os planos correspondentes aos Planos Nacionais de Desenvolvimento

denominavam-se Planos Setoriais de Educação e Cultura. Ora o plano é o instrumento para introduzir a racionalidade cientifica na educação, ora é um instrumento da racionalidade tecnocrática. Com a nova República, elaborou-se o Plano Educação Para Todos, projeto que o Governo Tancredo Neves pretendia por em ação. Substituído pelo I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986-1989), terminou por repassar aos estados recursos de forma clientelista. Para Acácia Kunzer

“Passou-se desta forma, de uma estratégia de formulação de políticas, planejamento e gestão tecnocrática, concentrada no topo da pirâmide no governo autoritário, para o pólo oposto, da fragmentação e descontrole,justificado pela descentralização, mais imposto e mantido por mecanismos autoritários”

A entrada na década de 1990 é marcada pela elaboração pelo MEC do Plano Decenal de Educação

para Todos. Elaborado em 1993 destinou-se a diagnosticar a situação do ensino fundamental no Brasil e delinear estratégias para “universalização da Educação fundamental e erradicação do analfabetismo”. O documento tomou como base a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, proclamada na reunião de março de 1990 na Tailândia. Como outros projetos do governo, ao longo do tempo, não saiu do papel.A apresentação de dois planos ao Congresso Nacional, um do governo e outro da sociedade civil, evidenciou o acirramento do conflito entre duas propostas de educação – a proposta liberal corporativa e a proposta democrática de massas. Assinala Neves

”Esses embates sucessivos, quer no âmbito da tramitação no Congresso da nova LDB, quer na definição da política educacional na aparelhagem estatal e na sociedade civil neste final de século, podem ser divididos em dois momentos: um que vai da promulgação da Constituição de 1988 até a eleição do sociólogo Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República em 1994 e outro que vai da sua posse até o envio ao Congresso Nacional desses dois Planos”

De fato, a Constituição previa a necessidade de um plano Nacional de Educação que fosse plurianual e

promovesse a articulação do ensino em todos os seus níveis. O projeto deveria possibilitar a articulação das três esferas de poder para a erradicação do analfabetismo, a universalização do atendimento escolar e melhoria da qualidade de ensino. Não era uma solução muito viável, por que deixava para um futuro impreciso a definição de um projeto global de educação. Durante a Constituinte, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública

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construiu um projeto educacional e democrático de massas, que foi encaminhado pela primeira vez pelo Deputado Otávio Elísio (PMDB/MG), o projeto de lei 1258. Nesse projeto de diretrizes e bases, o deputado dizia em seu artigo 80, que seria privativo do Congresso Nacional a elaboração do PNE.”A escolha do congresso procurava, certamente, garantirão processo da elaboração do PNE, ao menos, o mesmo nível de participação política conquistado pela sociedade no decorrer do processo constituinte, no momento em que este Congresso teve ampliada suas prerrogativas constitucionais”Ou seja, em suas origens, a proposta de um PNE na década de noventa estava ligada a ampla participação da sociedade, educadores e responsáveis pela gestão pública da educação, por meio da Câmara de Educação da Câmara Federal. De fato, á época, existia um amplo censo sobre o patamar mínimo de escolarização, reivindicação não apenas do campo liberal corporativo, como também do campo democrático de massas.

O fórum em defesa da escola pública, consolidado a partir do encaminhamento da LDB, mas também

preocupado com os princípios a serem definidos para o PNE, foi assimilado pelo Fórum Nacional de Educação, criado como instancia obrigatória do Sistema Nacional de Educação para a formulação da política educacional. “O fórum seria promovido e coordenado, conjuntamente,, pelas Comissões de Educação do Congresso nacional, pelo Ministério da Educação e do Desporto, pelo Conselho Nacional de Educação, e integrado por representação de cinco membros especialmente eleitos para tal fim, pelo plenário das entidades especificamente Definidas. “

Era um amplo fórum composto por colegiados normativos dos sistemas de ensino dos estados,

entidades nacionais de secretários de educação, dirigentes municipais, reitores, universidades, professores de educação básica, sindicatos de professores, e trabalhadores em educação, além de representantes de várias áreas correlatas a educação. Compunham portanto, uma ampla base social e representação da sociedade no espaço público de definição das políticas de educação. Para Lucia Neves, foi o momento que mais a sociedade constitui-se em um processo de ocidentalização, no qual ampliou-se a sociabilidade política na constituição de um momento consensual para o Estado – momento de ocidentalização do Estado, na concepção Gramsciana.

A reversão deste processo deu-se com a eleição de Fernando Collor de Melo, com o Projeto “Brasil

Novo”. Primeiro projeto neoliberal da redemocratização, procurou estimular a reorientação privatista da sociedade, de forma geral, e da educação, de forma particular. Trata-se de por um freio a participação democrática da sociedade na definição do seu projeto de educação. A respeito do caráter de Fernando Collor de Mello, assinala Mário Sergio Conti em Noticias do Planalto

“O objetivo era ser conhecido pelos brasileiros. Conhecido com o jovem enérgico que não participava das jogadas dos jaquetões da política. Seu estandarte de auto-divulgação, fincado mais no solo da indignação moral que no da racionalidade política, era o do combate ao servidores públicos com proventos faustosos. Prometia acabar com os salários robustecidos por manhas burocráticas. Acabar com o nepotismo que pendurava apaziguados de políticos na máquina do estado. Ele ia botar relógio de ponto e fazer todo mundo trabalhar. Fernando Collor de Mello foi eleito governador aos 37 anos por que construiria essa mensagem contra uma casta de privilegiados, os marajás. E por que soube propagá-la na campanha eleitoral e, antes dela, no jornal, nas rádios e na televisão de sua família”.

Com sua eleição, e as medidas e estratégias que tomou nos anos iniciais de seu governo, colaborou na

formação da base política na qual Itamar, e principalmente, Fernando Collor de Mello irão se apoiar: o prussianismo, governo forte em detrimento do parlamento, a tendência a provocar um desequilíbrio de poder em favor do Estado; a instalação de mecanismos transformistas, tentando obter cooperação e favores clientelistas para o governo e formas de populismo na qual o presidente tenta um vinculo entre o líder e a massa atomizada, sem os partidos. A herança será plenamente adotada por FHC: a adoção de mecanismos para aprovação junto ao poder legislativo de suas medidas, fará do governo Collor de Mello o grande professor dos governos neoliberais. Collor inicia, portanto, um processo de desmobilização dos trabalhadores em educação que terá efeitos terríveis com relação a definição do Plano nacional de Educação, de forma particular, como as políticas gerais de educação. O impeachment e o governo Itamar Franco foram apenas um intervalo neste processo.”

“A política e o político como expressão do conflito vão sumindo do universo de uma fatia considerável da população, aprisionada pela ideologia da via única para a solução dos problemas nacionais, a via “pós-modenizante”das soluções neoliberais”

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Desmobilizando os trabalhadores de educação, empregando mecanismos de coerção e às vezes, obtenção do consenso dos profissionais a proposta neoliberal na agudização do confronto, duas propostas foram apresentadas ao Congresso no final de 1997. Esboça-se um novo quadro, no qual a gestão democrática de massas da educação cede espaço ao Conselho Nacional de Educação e ao Ministério da Educação, a articulação entre os sistemas de ensino da união, dos estados e dos municípios. O efeito é calculado: desmobilizar o fórum nacional e com ele, esvaziar um mecanismo popular de definição da política educacional. O PNE passa a ser elaborado pelo MEC em consonância com o CNE. Ao Congresso Nacional cabe apenas a aprovação da lei do Executivo. “No que diz respeito a limitação dos marcos da democracia política nos anos de 1990, tão grave quanto a exclusão de uma instancia autônoma e definidora de política educacional, foi a transferência da tomada das decisões do âmbito do Congresso para o Executivo Central”, segundo Neves.

A função é rapidamente assimilada pelo governo FHC: o projeto de Darcy Ribeiro já inclui, entre suas prerrogativas, a determinação a União, Estados e municípios na elaboração do PNE, que deve ser feito em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, redirecionando as prioridades do PNE estabelecidas pela constituição, reforçada pela versão final da LDB. Ou seja, para Neves, “a redefinição de prioridades educacionais na direção dos objetivos dos organismos internacionais só se efetiva sistematicamente no governo FHC.” De fato, o Plano Decenal de Educação para Todos do Governo Itamar Franco, representou um acordo entre as instancias ‘dos trabalhadores em educação e o mercado. A ampla participação popular não significou o abandono da natureza neoliberal do plano, apenas o sucesso, num primeiro momento, do pacto social, concomitante a discussão da LDB. Não era um programa suficiente: sua pretensão era apenas com a educação básica, prioridade de Itamar Franco naquele momento. A respeito conclui Neves

“De fato, o Plano Decenal de Educação para todos não se constituiu em mais uma etapa da discussão que vinha se travando na sociedade brasileira desde meados dos anos 1980. Ele se consubstanciou, na verdade, no resultado de um acordo selado pelo Brasil em nível internacional, sob a orientação da ONU. Suas diretrizes fazem parte de uma estratégia global de educação com a finalidade de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem dirigidas a nova fase de desenvolvimento mundial, dos povos dos países subdesenvolvidos, e principalmente, das populações que vivem em situação de pobreza e de pobreza extrema”.

Lucia Neves critica o apoio dado pela CUT e CNTE ao Plano Decenal por que revelam o

desconhecimento da idéia subjacente de Pacto Social como estratégia de negociação, a prioridade da educação básica e a luta pela defesa de um piso salarial nacional para as categorias. O acordo foi selado durante a realização da Conferencia Nacional de Educação para Todos, em Brasília, em 1994 “portanto, a dois meses da sucessão presidencial, quando as pesquisas de opinião já definiam claramente a preferência do eleitorado em relação ao candidato continuista e sua proposta neoliberal de governo”. No dia 15 de outubro de 1994, dia dos professores, é firmado o Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade de Educação, que fixou o piso salarial do magistério em R$ 300,00, a ser implementado gradualmente em todo o país, assinado no dia 19, pelo ministro da Educação Murilo Hingel.

Um ano após o Pacto, FHC firma em 2 de setembro de 1995, um novo acordo, que resulta no Manifesto pela Educação, que defende a criação de um fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério, e numa tacada, exclui a possibilidade de criação de um piso nacional unificado. A mudança nas regras agrava a desmobilização, como assinala Neves, e permite a FHC a redirecionar os objetivos para a constituição de um Plano Nacional de Educação. A estratégia é utilizar mecanismos autoritários para a gestão de iniciativas educacionais junto a iniciativa privada, e, garantir mecanismos de consentimento popular, através dos programas Comunidade Solidária e, recentemente, com Amigos da Escola, parceria com as Organizações Globo. A idéia de um projeto geral perde espaço para soluções tópicas para a educação do trabalhador, desvinculadas de uma política educacional abrangente quanto as condições de ensino da população, contribuindo para diluir o poder de mobilização do conjunto dos trabalhadores em educação. Fez parte desse processo, a submissão do novo Conselho Nacional de Educação as prerrogativas de FHC, através da lei 9.131, de 24 de novembro de 1995, quando perdeu toda sua autonomia e transformou-se “em órgão colaborador do Ministério da Educação na formulação e na avaliação da política nacional de educação”, condição que lhe caberá na execução do novo PNE.

O estreitamento do espaço de negociação pelo PNE dá-se quando FHC desconsidera a discussão travada no Congresso Nacional sobre o PNE. O governo, ao conquistar a submissão do CNE, revela-se dotado de amplos poderes na definição da política educacional. A nova LDB faz o golpe de misericórdia, ao eliminar o

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Fórum Nacional de Educação, órgão de articulação da sociedade, transformando o MEC no único autor da PNE. Para Horta:

“O Plano Nacional de Educação previsto na LDB não se confunde com o Plano Nacional de Educação previsto na Constituição de 1988. A constituição prevê o estabelecimento de um plano de educação visando a articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, enquanto que o Plano de Educação previsto na LDB refere-se, sem duvida, a educação básica, como se pode deduzir da referencia a Declaração Mundial sobre Educação para Todos. Nesta perspectiva, o Congresso Nacional continua com o dever constitucional de aprovar um Plano Nacional de Educação e, por conseguinte, com a competência legal de desencadear o processo de sua elaboração”

Enquanto que o MEC elabora sua proposta de Plano Nacional de Educação e encaminhou ao

Congresso Nacional, incorporando contribuições do Plano Decenal de Educação, o Congresso Nacional acolheu uma proposta de Plano Nacional elaborada pela sociedade civil. É o ultimo suspiro contra a deslegitimação, por parte do governo, da proposta dos trabalhadores autônomos para o PNE. Mas o contexto é frágil para as organizações de trabalhadores em educação. O governo FHC conta com um consentimento maior da população em geral, e amplo espaço de divulgação de suas políticas nos meios de comunicação de massa.

A primeira diferença, aponta Neves, reside na forma de participação da sociedade civil. O governo

consulta a sociedade civil , enquanto o da sociedade civil é referendado pelos participantes do II Congresso Nacional de Educação, que define coletivamente, diretrizes e metas da educação escolar. A segunda diferença está nos objetivos. O plano do governo é um “instrumento capaz de fortalecer e impulsionar as mudanças já desenhadas pelas atuais políticas educacionais. Na proposta do PNE da sociedade, esse plano se constitui em referencial de atuação política que tenha como pressupostos: Educação, Democracia e Qualidade.“ Para Neves, finalmente, a principal diferença está no fato de que no plano da sociedade, as entidades empresariais que só participaram efetivamente do plano do governo estiveram excluídas, cedendo espaço as organizações de trabalhadores em educação.

A proposta elaborada pela sociedade A proposta da sociedade civil foi uma proposta vencida. Durante três anos, debateram-se no Congresso

Nacional um projeto que representou ampla parcela da sociedade e que não pode ser esquecida. Em sua formulação participaram 13 prefeituras comandadas por partidos de esquerda, a Secretaria de Educação de Belo Horizonte, a UNDIME, entidades representativas dos trabalhadores em educação, os organismos construídos em defesa da escola pública, entidades estudantis, CUT, MST e Anped, organizando uma visão de mundo e de educação que encaminhous-e para o confronto no Congresso Nacional.

A proposta da sociedade diferenciava-se da proposta do governo em forma e conteúdo. Primeiro por

que sua proposta de gestão democrática da educação prevê a participação autônoma dos diferentes órgãos de estado e das entidades da sociedade civil na definição e na implementação das políticas educacionais. Deseja participação paritária e autônoma da comunidade escolar e da sociedade organizada, reivindicando a revogação os instrumentos legais que impedem o funcionamento da organização democrática do sistema escolar, especialmente as leis que disciplina a escolha dos dirigentes universitários, a que cria o Conselho Nacional de Educação e a Portaria que dispõe sobre a escolha de dirigentes de escolas técnicas e profissionais. A revogação da nova LDB e do FUNDEF estavam entre suas reivindicações. Conforme Neves, o plano propugna:

a. realizar eleições diretas e paritárias de dirigentes das unidades escolares e universitárias, com a participação de todos, de acordo com seu projeto político-pedagógico e administrativo, amplamente divulgado aos interessados;

b. a criação do Fórum Nacional de Educação, de Fóruns Estaduais e Municipais com atribuições deliberativas, de acompanhamento e avaliação das políticas educacionais e de implementação do PNE, com a participação democrática de representantes da sociedade civil organizada e da sociedade política (com garantia de autonomia, orçamento e infra estrutura)

c. realizar, a cada dois anos, eleições em níveis nacional estadual e municipal dos conselhos de educação, precedidas de conferencias, em cada um dos níveis.

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d. Criar, no prazo de três anos, os Conselhos Escolares deliberativos, como instrumentos de construção coletiva e democrática das propostas político-pedagogicas;

e. Construir os Conselhos Paritários (trabalhadores, governos e empresários) para gestão das agencias de formação de profissionais

f. Garantir e incentivar as organizações estudantis nos níveis fundamental e médio da educação básica e a organização profissional e sindical, dos trabalhadores em educação, entre outras metas” O PNE da sociedade também difere-se em relação a expansão da oferta escolar para a formação do

trabalho da atual e próxima geração de trabalhadores nos níveis fundamental e médio. Como afirma Neves, “propugna a correção do desequilíbrio gerado por repetências sucessivas, entre os anos de permanência do aluno na escola e a duração do próximo nível de ensino”. A proposta da sociedade deseja, de fato, a permanência do caráter integral do ensino médio, além de propor atingir 50% da faixa etária entre zero e três anos (educação infantil) e 100% na faixa de quatro a seis anos (pré-escolar). Propõe também para que cerca de 40% da população da faixa etária entre 18 e 24 anos seja atendida pelo sistema público do ensino superior. Os críticos apontam que uma contradição notável é propor para a educação profissional, ao mesmo tempo que abre para a discussão de um novo projeto, metas e diretrizes para a expansão e o redirecionamento da oferta de formação profissional e que as vezes, se confundem com a proposta governamental.

O projeto social do PNE democrático de massas tem por finalidade integrar o Brasil de forma soberana a nova ordem internacional do trabalho. Além disso, propõe a socialização da riqueza produzida e do saber coletivamente construído em práticas democráticas de massa. A educação é vista na produção coletiva do conhecimento que contribua para a qualificação social do pais, a construção de uma sociabilidade emancipatória, rejeitando toda a base da política educacional neoliberal.”As propostas do PNE da sociedade para a escola em sua totalidade se dirigem, inversamente, para a formação de profissionais/cidadãos críticos e competentes que participem ativa e criativamente do mundo do trabalho e da construção coletiva de uma sociedade livre e justa” Sua preocupação é com a escolarização básica de zero a 18 anos de caráter integral para todos, em ações educacionais de caráter presencial. No entanto, não há uma rejeição a priori do mercado, por que o projeto da sociedade propõe uma compatibilização entre uma educação de qualidade e necessidade do trabalho. O projeto da sociedade não abre mão para isso, de garantir a formação dos profissionais da educação em universidades, de modo vinculado à pesquisa, extensão e ensino, rejeitando qualquer proposta de formação de centros universitários.

A proposta que buscava a construção de uma qualidade social construída de dentro para fora foi uma proposta vencida no interior do congresso nacional. A razão é a forma de intromissão do Executivo nos assuntos legislativos, a partir de sua base aliada. As características da proposta do governo, aprovada, são o objeto da próxima aula.

A divergência de interpretações entre os diferentes planos pode ser observada pelos argumentos de defesa e crítica. Na defesa realizada por Para Vidal Didonet, Assessor Especial da Comissão de Educação da Câmara Federal para o Plano Nacional de Educação, seu autor enumera seis características que marcam a relevância do plano. Elas são o que o distinguem de todos os outros planos já elaborados e podem ser sintetizados no que segue:

1. aprovação pelo poder legislativo: Para Didonet, o fato de ser aprovado pelo Poder Legislativo (Câmara

dos Deputados e Senado Federal) amplia seu grau de legitimidade social. Reconhece a bem da verdade que, “embora o produto final das propostas ali discutidas dependa da correlação de forças existentes nas duas Casas Legislativas, em que grupos hegemônicos logram aprovar o que desejam, a experiência tem demonstrado que a negociação possibilita avanços”.

2. cumpre um mandato constitucional legal: ainda que desde a Constituição de 1934 previsse o PNE, somente após 66 anos ele é cumprindo, atendendo os preceitos da Constituição Federal e LDB, que determinaram a aprovação do PNE por lei. Assim, o PNE aprovado pressupõe que a iniciativa deva ser fundado na iniciativa social, e não da criatividade dos políticos. Sob este aspecto, observar, adiante, argumento de Ivan Valente.

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3. vigência por uma década: Para Didonet, é importe o fato de que o PNE coloca o compromisso para uma década. A razão é o fato da descontinuidade dos projetos e programas nas sucessivos governos.”Dez anos é um horizonte de tempo equilibrado para fixar metas e garantir resultados capazes de mudar um quadro educacional Isso não significa que no fim dos dez anos todos os problemas tenham sido resolvidos” assinala Didonet.

4. abrangência dos níveis e modalidades de ensino e das áreas da administração educacional. Contra o tratamento da educação em segmentos estanques, como o feito durante décadas, seguindo a Constituição, o PNE determina a harmonização das políticas, no campo de'planejamento, na destinação de recursos e definição de prioridades. “Ter em um único documento a visão diagnóstica da educação, do nascimento à pós-graduação, permite uma analise compreensiva da problemática educacional brasileira, das interelações entre os níveis de ensino”.

5. acompanhamento da execução do PNE pelo Poder Legislativo: como o artigo 49, X, em seus artigos 70 e 74 determina o papel fiscalizador da Câmara e do Senado, o PNE aplica a determinação a sua execução. O que significa um papel ativo para as Comissões de Educação do Senado e da Câmara Federal.

6. Envolve a sociedade como um todo: para Didonet, o fato de que a educação é uma responsabilidade do estado e da sociedade, convém para dar liberdade a iniciativa privada, “respeitada certas condições”. Prevê, portanto, “a participação e no acompanhamento e na avaliação, entre outras, das entidades da comunidade educacional”. A caracterização realiza Ivan Valente em “Para um balanço do PNE” é totalmente distinta.

Professor, deputado federal pelo PT de são Paulo, encabeçou a apresentação do PL 4155/98, que apresentou o PNE da Sociedade Brasileira a Câmara dos Deputados. A posição de Valente é a da critica ao atual plano. Para ele, o Plano reduziu-se de uma tarefa de Estado às razões de governo, submisso as exigências do OMC, FMI e Banco Mundial. A proposta da sociedade havia sido elaborada coletivamente em II Congressos nacionais de Educação, entre 1996 e 1997, em Belo Horizonte, com cerca de cinco mil pessoas, cada um, de todo o país. Ele entrou em tramitação no dia 10 de fevereiro de 1998. No dia seguinte, o governo desengaveta seu projeto e apresenta-o ao plano, sendo anexado ao PNE em discussão.

“A proposta governamental foi elaborada à moda tecnocrática, com restrita audiência social e política, de modo a garantir o essencial da política do Banco Mundial, agência que, como foi anteriormente assinalado,v em dando a tônica do elenco de medidas implementadas, para todos os níveis em modalidades e ensino, nestes anos de predomínio no MEC da coligação (PSDB, PFL, PMDB e outras siglas), que sustenta o Executivo Federal”

Para Ivan Valente, o problema do projeto governamental era manter a política educacional

caracterizada no centralismo exacerbado da esfera federal, que assume para si a formulação e gestão da política educacional e a política de empurrar para a sociedade, aquilo que deveria ser sua prerrogativa, a manutenção e desenvolvimento do ensino.

1. Um dos problemas que o PNE da sociedade enfrentou é que o governo contava com ampla maioria na

Câmara dos Deputados e no Senado. Foi então mobilizado a base governista na discussão do PNE, foi indicado Nelson Marchesan (PSDB/RS) que elaborou o substitutivo a proposta da sociedade. Segundo Valente, “tratou-se de abreviar a participação social no debate no Congresso, fazendo preponderar nas audiências públicas os convites para autoridades e técnicos vinculados a posições oficiais”. Ao contrário da posição otimista de Didonet, Valente aponta uma serie de características do PNE que o identificam a proposta neoliberal em educação:

2. o PNE é uma proposta Frankenstein: ela simula uma tentativa de diálogo entre o projeto produzido no interior do movimento social, no que se refere à extensa parte de diagnostico da situação da educação nacional, com a as metas impostas pela política neoliberal de FHC.

3. detalhismo nas prerrogativas governamentais e generalismo ambíguo nas medidas de interesse social: para Valente, o governo é preciso na centralização da política, como salienta na meta 8, onde prevê prazos para formulação de projetos pedagógicos embasados nas diretrizes e nos parâmetros

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curriculares nacionais. Ao mesmo tempo, não define prazos na meta 20, que prevê a eliminação dos dois turnos diurnos das escolas.

4. retrocesso frente à Constituição Federal: na adoção dos comandos dos objetivos gerais do PNE, onde não faz referência a erradicação do analfabetismo e universalização do atendimento escola, previstas na Constituição, que ou não são referidas, ou passam a ser tomadas como “elevação geral do nível de escolaridade” tornando, como assinala o autor, “opaco o conteúdo do comando institucional”.

5. adoção da estratégia de ajuste estrutural imposto pelo FMI: utilizando o argumento o MEC e dos representantes do Banco Mundial de que “o Brasil não gasta pouco em educação, ele gasta mal”, o projeto trabalha com a lógica de contenção ou corte dos gastos públicos na prestação dos serviços educacionais. Esmagador número de vetos do presidente foi, justamente, na questão dos recursos financeiros.

6. Toma a política realizada pelo MEC como PNE: o substitutivo Marchezan, apresentado e aprovado pelo Congresso, substitui ardilosamente a instauração de um Sistema nacional de Educação por um Sistema Nacional de Avaliação, este sim, com instrumento central da política nacional de educação.

7. Rejeita as teses centrais da proposta do PNE –Sociedade: este reivindica escola pública, gratuita, democrática, de qualidade para todos. Para Valente, esta proposta requeria “(a) aumentos substanciosos do gasto público; b) universalizar a educação básica e ampliar e democratizar o ensino superior publico; c) implementar um Sistema Nacional de Educação; d) gestão efetivamente democrática da educação “.

O PNE aprovado, portanto, possui características legais que o fazem um instrumento de políticas públicas, e ideológicas, que o fazem um instrumento de execução – por falta ou omissão – das políticas do FMI e do Banco Mundial.

Do ponto de vista da Educação Infantil, o Estado e a União com a manutenção do ensino fundamental, já que é, a rigor, obrigação municipal, ainda que o Art 211, parágrafo 1o, e em especial, o art 30, inciso VI ordenam a política de cooperação “técnica e “financeira”” com os municípios. Para Valente, isto se confirma quando o PNE “reconhece, de modo indireto, o impacto sucateador do FUNDEF sobre esta fase da educação básica, ao constatar uma redução de 200 mil matriculas, na chamada educação pré-escolar”. O PNE deixa de enumerar metas para apontar intenções , sem enumerar competências, meios , prazos e responsáveis pela execução dos comandos aprovados.

Quanto à educação básica, o PNE afirma a política atual do MEC. Sua tônica é, segundo Valente, “a centralização da gestão da educação e obstaculização das possibilidades de exercício da autonomia das escolas”. O exemplo disso é a atuação de Paulo Renato de Souza com relação ao Bolsa Escola. O referido programa, exemplo de atuação no campo do ensino fundamental, oferecendo míseros Rr$ 15, 00, é totalmente capitalizado como batalha no processo de disputa do candidato a Presidência, passando a largo da discussão de ampliar o volume de recursos.

O ensino médio também é vitima da tensão da centralização e proposta de gestão não democrática. Sorrateiramente estimula a privatização disfarçada do ensino público, como na meta 13 “criar mecanismos, como conselhos ou equivalentes, para incentivar a participação da comunidade na gestão, manutenção e melhoria das condições de funcionamento da escola”, que pode incluir desde iniciativas como “amigos da escola”, a propriamente, sua privatização.O PNE enuncia, mas não tem como assegurar universalização do atendimento do ensino em todos os níveis.

O ensino superior foi à seção que mais recebeu vetos diretos do presidente, o que transforma o projeto de “metas” em lista de intenções. A política em curso é intervir diretamente nas universidades, como o que ocorreu no Caso da UFRJ, e assumir uma política de privatização no ensino superior. São estabelecidas umas séries de medidas sem a correspondente indicação de meios que fazem ser “letra morta” as políticas para o nível superior, tanto no que se refere à oferta deste nível de ensino (meta 1), a formação de profissionais (meta 16). Restam, portanto, apenas os dispositivos constitucionais aprovados que substituem os vetos e significam a legitimação da política atual do MEC: “cursos seqüenciais, sistema interativo de educação à distância, o ”provão”

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como ponta-de-lança da avaliação institucional, instituição de diferentes níveis de “autonomia”para as chamadas instituições não universitárias – os “Centros Universitários”, por exemplo, etc”.

Valente analisa ainda outras modalidades de ensino como educação de jovens e adultos, educação tecnológica e formação profissional, além da educação especial. Talvez o argumento central de sua análise esteja mais adiante, na seção em que analisa o que FHC veta e que faria do PNE um plano.

De fato, a mensagem no. 9, de 9/1/2001, que comunica os vetos ao parlamento, assinalam que foram determinadas pela área econômica do governo, através do Ministério do Planejamento e da Fazenda, e não do Ministério da Educação. É uma outra forma de dizer que seguiram as impões do FMI e do Banco Mundial, que subordina, de imediato, a política educacional (e também as políticas sociais, como vimos), a política econômica do governo. Não há nenhuma justificativa pedagógica nos vetos.

São vetados, sucessivamente, a ampliação do Programa de Renda Mínima, quatros questões relativas

ao nível superior, magistério de educação básica, e Financiamento da Educação. O ensino superior teve vetado as metas que dispunham de ampliação de vagas, da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Superior, a ampliação do crédito educativo e do financiamento da pesquisa. Foi vetada a meta que definia a implantação de planos de carreira e novos níveis de remuneração para profissionais de educação básica e finalmente, foram vetados metas de financiamento: aumento do PIB investido em educação, aumento dos valores mínimos por aluno e a polêmica questão da exclusão do pagamento de aposentados e pensionistas do ensino, que seriam pagãos com recursos do Tesouro Nacional. Como assinala Valente, FHC “vetou tudo o que o aproximava de um plano”.

A argumentação de base dos vetos é a submissão a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como se sabe, ela

estabelece como primeiro objetivo da administração pública a contensão de gastos para pagar a dívida. Ela proíbe os governantes de planejarem seu futuro, já que planos para dez anos (como o PNE) devem se submeter a as Leis de Diretrizes Orçamentárias, e Plano Plurianual de Investimentos de duração de até quatro anos. Como assinala Valente, “é uma lei feita para criminalizar governantes que contrariem os interesses do capital financeiro(...) fiel aos cânones do neoliberalismo, [que] não admite outros planos que não sejam aqueles elaborados pelas grandes corporações e grupos econômicos, tratados como “mercado”.

A comparação, portanto, do PNE atualmente em vigor, com o PNE vencido, o da sociedade brasileira,

‘’e importante para revelar o espírito do legislador, o lugar da questão educacional nas políticas de governo. Ela não contempla, apesar de seus méritos, reivindicações de setores sociais. “É uma espécie de” salvo conduto para que o governo continue implementando a política que já vinha praticando “.

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UNIDADE VIII 1. FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO - O problema da corrupção

Eu estaria disposto a tentar entender a economia se me convencessem de que alguém entende. Luis Fernando Veríssimo

1.1 O banco mundial e o financiamento da educação no Brasil

Lauglo aponta que o Relatório sobre políticas do Banco Mundial para o ano de 1995, intitulado "Prioridades e Estratégias para a Educação", revela que, a par uma série de elevados objetivos contidos no documento, como a defesa da educação como um direito e meio para melhorar as condições de vida, para o autor , a inclusão da expressão "orientação ao cliente" é expressão chave. Para o autor, "todo o processo tenderá para o tipo de abordagem e para as prioridades que o banco quer que prevaleçam(...) a estratégias é induzi-lo a desenvolver os projetos na direção que o banco, em sua sabedoria, estabeleceu". Entre as prerrogativas do banco, estão a educação básica fornecidas para escolas de ensino básico, onde devem ser destacadas disciplinas como matemática, ciências e habilidades em comunicação. Para o Banco Mundial, a privatização é um complemento, que deve financiar a educação profissional e o treinamento. Para o nível superior, a privatização é a regra, a fim de assegurar, "em todas as regiões", a sustentação fiscal da educação superior.

É o Banco Mundial que impõe a política de monitoramento de insumos e resultados da educação, buscando o cumprimento de "Padrões e rendimento" e "resultados" na educação. O autor aponta que, no mesmo documento, "a educação básica deve ser fornecida gratuitamente, mas a educação secundária e a educação superior devem ser sujeitas ao pagamento de taxas. Se as taxas da educação superior são conservadas baixas, há possibilidade do estabelecimento de um i posto de educação para graduados", diz o autor. A política do banco mundial para educação e clara: paulatinamente incluir a educação paga, através de esquemas de empréstimos aos beneficiados.

De fato, a justificativa do banco para exigir políticas para a educação nos diversos países do terceiro mundo, está no fato de que sua participação como fonte de recursos elevou-se na última década. Participando do financiamento de 2,2% dos gastos mundiais de educação, o Banco subiu sua participação de 10%, em 1980, para 27% e em 1990 correspondeu a 62% do financiamento total concedido por todas as agencias multilaterais de educação. Os países dependem do suporte que o banco dá para os gastos de educação e por essa razão, é muito influente junto a governantes e outros financiadores.

1.2 O perfil atual do financiamento da educação no Brasil

A principal fonte do financiamento da educação no Brasil dada pela Constituição Federal de 1988 é a receita de impostos. No artigo 212 , a redação é clara: "A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, 25% - vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento de ensino". Cada nível de governo deve deduzir aquela parcela da receita que transfere para outro nível e acrescer aquela que recebe.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional assinala em seu art. 69 que os índices mínimos são aqueles assinalados pelas respectivas Leis orgânicas dos Estados ou municípios, ou seja, possibilita a ampliação do percentual mínimo para a Educação. Poderão se contabilizados para efeito de cumprimento dos índices constitucionais os recursos públicos destinados a escolas privadas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, desde que comprovadamente não lucrativas e que apliquem seus excedentes em educação. Elas ficam obrigadas a prestar contas ao poder público, e não podem distribuir resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela de seu patrimônio sob nenhuma forma. Como a LDB entende de forma ampla o que

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seja escola comunitária – aquela entidade que tem na direção representantes da comunidade – confessionais, que além de representantes da comunidade, professam ideologia religiosa, e filantrópicas, as definidas por lei, na verdade adotou conceitos amplos que permitirem diversas instituições pleitearem verbas públicas. Não pouco comum a existências de instituições privadas que colocam de forma inócua, representantes da comunidade, já que a lei não define seu peso na participação nem sua forma de escolha.

Pelo Artigo 213 da Constituição, ainda há mais duas possibilidades de uso de recursos vinculados a educação, em atividades universitárias de pesquisa e extensão e nos gastos com bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, para aqueles que demonstrem insuficiência de recursos, desde que haja vagas nos cursos

1.3 A corrupção na educação: o caso do FUNDEF, 1999

Cresce no meio educacional a tendência a considerar a insuficiência de atendimento do estado na educação um problema devido a corrupção. O efeito das políticas educacionais em nosso país passaria pela corrupção na aplicação dos recursos. O esquema de corrupção consiste em emitir notas fiscais frias para justificar gastos, permite que o dinheiro dos contribuintes, repassado pela União aos municípios, financie campanhas eleitorais ou acabe sendo embolsado pelo administrador, por exemplo.A fraude cresceu nos últimos anos com a municipalização dos serviços de saúde e educação, cujas verbas são os principais alvos de administrações corruptas

Ao longo de 1999, essa tese foi amplamente divulgada. Responsabiliza-se o Ministério da Educação por tudo de corrupção no meio educacional. No entanto, a tese a ser defendida – e comum aos estudiosos do tema – é que de que não há corrupção sem uma cultura da corrupção, que prospera por que em vários níveis, todos aceitam e consideram legítimo estar a margem da lei. A corrupção tem raízes profundas na sociedade brasileira: surpreende que revele raízes no campo educacional tão tarde. E também – tese também a ser defendida – pior do que a mal versação dos recursos, é o prejuízo ético moral para a sociedade que tais práticas representam.

Na medida em que os instrumentos legais, principalmente os que criam a idéia de sistema educacional no país e articulam todos os níveis de poder, deixam margem à corrupção, vemos que ela corrói todas as relações sociais. Não apenas estruturas de poder local, mas também as relações sociais imediatas. É preciso revelar portanto que nos dediquemos a estudar a cadeia de corrupção na área de educação. Como aponta Renato Janine Ribeiro, "é pensar a res pública como fruto da ação coletiva e não como o resultado de uma autoridade ante a qual os cidadãos se reduziriam a meros súditos passivos"

Neste estudo procuramos acompanhar a evolução dos acontecimentos do caso do FUNDEF. As fontes de pesquisa são as diversas reportagens Do Jornal Folha de São Paulo, publicadas no ano de 1999 onde acompanhamos a crise gerada no interior do Ministério da Educação devido ao desvio das verbas do Fundo e seus efeitos nas políticas educacionais. O tema foi escolhido por que permite explorar o grau de responsabilidade das diversas instâncias na construção da corrupção em prática no campo educacional. Este estudo reconstrói a história dos esquemas de corrupção que vieram a tona em 1999 e que envolveram governo, estados e municípios. Sua principal constatação é a dificuldade do ministério público em encontrar, identificar e punir os responsáveis pela corrupção. A pergunta central é: estaria o Fundef colaborando na formação de uma nova estrutura educacional corrupta?

Sustento que para conhecermos o campo das políticas educacionais recentes, os educadores, ou os professores da respectiva disciplina, devem conhecer o fenômeno da corrupção. Alias, um tema tão importante quanto o do Plano Nacional de Educação, ou a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, presentes no programa da disciplina de Políticas Educacionais da Unisinos, deveria ser o da Corrupção em Educação. Um simples levantamento das notícias de jornal, como a que fazemos neste estudo, nos mostra que a corrupção é a questão de política educacional por excelência, discuti-la deveria ser tema de nossas aulas por que somente desta forma, abandonaríamos a visão que apenas a critica e constata de forma episódica, para enfrentar conceitualmente o problema que engata a Ética e a Política no campo educacional. Nosso sistema educacional está adotando costumes corruptos e isso, por definição, é uma questão política, que exige que pensemos a Política Educacional no campo do afeto e não apenas razão.

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Para Renato Janine Ribeiro, a possibilidade da corrupção está na própria idéia de Estado. Retomando Montesquieu, Ribeiro aponta que na fundação da idéia de natureza da república, manteve-se a idéia monárquica de que um erro moral pode dar certo na prática. O espaço do erro é garantido na sociedade por que ela mesma se constitui e se mantém pela luta e não pela harmonia, "dificilmente haverá algo a que poderíamos chamar o Bem". Nesse sentido, a república moderna admite o erro moral, desde que não seja excessivo, permitindo uma mentalidade de tolerância à corrupção, problema não só do Brasil, mas de países do primeiro mundo. Para Ribeiro, no entanto,

"Daí que a corrupção tenha lugar, quase por definição, justamente onde se exige muito: no único governo que, para viver, requer a virtude dos súditos. Assim, se a democracia cobra muito de nós(pede que superemos pela virtude nossa natureza egoísta, parcial), o risco nela é que a corrupção inscreva o despotismo, isto é, a morte da coisa pública em seu seio".

Portanto, o problema é colocarmo-nos a questão de se a corrupção não está se tornando a "alma do negócio" na educação. Fatal ao regime democrático de gestão das coisas da educação, é a engenharia política da aplicação dos recursos que faz com que interesses privados entrem em conflito com interesses públicos, por uma complexa rede de canais de poder, influência e tráfico. "Se a corrupção não ameaça a ditadura, mas, ao contrário, até a alimenta, quando ministrada a democracia ela pode ser fatal".

1.4 As estratégias da corrupção do FUNDEF

O Fundef tem a finalidade de redistribuir entre cada Estado e seus municípios recursos para o ensino fundamental. As origens das receitas provém do Fundo de Participação dos Municípios(13,2%), Fundo de Participação dos Estados ( 11,6%), ICMS ( 63,8%), IPI exportação ( 1,7%) e Ressarcimento pela desoneração das exportações -lei Kandir ( 3,7%). O caminho do dinheiro é complexo, mas merece também atenção. A cada mês, 15% do que os Estados e municípios arrecadam com as cinco fontes de receita que compõem o Fundef é automaticamente repassado para o fundo único. A partir do total arrecadado, o dinheiro é dividido entre o Estado e os municípios com base no número de alunos matriculados no ensino fundamental. Cada Estado e município tem uma conta corrente no Banco do Brasil específica para receber os depósitos referentes ao fundo. Os depósitos são feitos três vezes ao mês (dias 10, 20 e 30)

Feito o depósito, o dinheiro pode ser usado segundo os critérios estabelecidos na lei: 1) 60% para pagamento de salário dos professores. Desse total, uma parte pode ser aplicada, até 2001, para capacitar professores leigos e 2) 40% em ações para manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental (construção e reforma de escolas, compra de material didático e equipamentos, capacitação de professores, serviços diversos e pagamento de inativos). A prestação de contas deve ser feita periodicamente. Os Estados e municípios enviam, aos tribunais de conta, relatórios detalhando como o dinheiro foi aplicado. A fiscalização é feita pelos tribunais de conta. Também existem, nos municípios, nos Estados e em nível federal, conselhos para acompanhar se os recursos estão sendo aplicados corretamente.

O sistema serve para garantir dinheiro para a educação. Os recursos saem diretamente de fundos a que Estados e municípios teriam direito - tirados do bolo geral do ICMS e do IPI, por exemplo - e são redistribuídos para uso exclusivo no ensino. O problema é que a verba do fundo representa uma enxurrada de recursos para muitas prefeituras vem sendo desviada por uma infinidade de pequenos ralos municipais que só agora começam a ser descobertos. Por enquanto, o quanto dos R$ 14 bilhões anuais do Fundef que deixam de ser aplicado como se deve, é uma incógnita. Só no segundo semestre de 1999, o MEC recebeu 271 denúncias de desvio ou mau uso dos recursos, envolvendo 173 municípios.Em Santa Brígida (BA), por exemplo, há professoras que dão aulas ao ar livre por falta de escolas adequadas. A prefeitura diz que o dinheiro do Fundef é insuficiente, mas há suspeita de irregularidades na folha de pagamento da educação na cidade.

Como é possível que recursos dessa ordem possam ser desviados de sua finalidade? Existe uma infinidade de fatores envolvidos, mas indicamos alguns que levantamos a partir da imprensa e que nos parecem indicar estratégias de poder e subjetividade presentes nas organizações educativas. Utilizando fragmentos coletados em jornais, nossa preocupação é expor de uma forma rigorosa, mas não rígida, a realidade social da corrupção na educação, e como se aparecem as primeiras reconstruções sobre desvio de dinheiro na educação. São, numa palavra, estratégias, ou dispositivos que permitem a possibilidade de construção de um saber sobre o

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fluxo do fundo, e a possibilidade de transformação, por cada sujeito, estrutura ou poder,para extrair dele, aumento da sua força. Dispositivo, para Foucault, é:

"através deste termo tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos. Em segundo lugar, entre esses elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo,ou seja, mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes. Em terceiro lugar, entendo dispositivo como um tipo de formação que,em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante"

Podemos encontrar na sociedade brasileira uma rede de dispositivos políticos responsáveis pela estruturação da corrupção, que perpassam a estrutura social. Tomando de empréstimo a conceituação de poder de Foucault, compreendemos a corrupção na educação como a forma que perpassam a estrutura social, numa rede de dispositivos (estratégias) de poder que se exercem cotidianamente. Se a corrupção for, como pensamos, um efeito de poder poderemos pensar junto com Foucault que "há possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados elo poder; podemos sempre modificar sua dominação segundo uma estratégia precisa" De uma certa maneira, a corrupção exemplificaria esse jogo de saber, poder e verdade institucionais. Vejamos algumas estratégias utilizadas.

1.5 A estratégia das diferentes interpretações da lei

As primeiras notícias a darem conta de corrupção nas contas da educação começaram a surgir em março de 1999, quando Marta Avancini, publicou na Folha de São Paulo, uma matéria onde revelava que as contas de 98 incluíam despesas "ilegais". O caso era o seguinte.A Prefeitura de São Paulo incluiu, em sua prestação de contas na área de educação de 98, despesas com itens que não poderiam ser incluídos como gastos no setor. A Lei Orgânica do Município de São Paulo determina que a prefeitura tem de aplicar 30% do que arrecada com educação. Como a prefeitura declarou ter gasto, em 98, R$ 1,4 milhão com educação, teria contribuído com 30,26% da arrecadação. Mas esse percentual inclui despesas com "assistência" e "cultura", o que é irregular, segundo a Constituição Federal.

Isso significa que o dinheiro tinha de ser aplicado, por exemplo, em construção de escolas, no pagamento dos salários dos professores, capacitação e treinamento foi desviado. Primeira estratégia: a mal versação da verba publica surge do conflito de interpretações da lei. Vejamos como ocorreu neste caso. À época, para os especialistas da área "é claro que assistência social e cultura colaboram na educação, mas elas não podem ser incluídas na prestação de contas do setor. A inclusão desses gastos na prestação de contas é irregular", defendia o advogado Adib Salomão, especializado em educação. A conclusão é clara: a prefeitura aplicou em educação menos que os 30% previstos na lei. Por outro lado, o secretário das Finanças do município, José Antonio de Freitas interpretou a lei a sua maneira. Para ele, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional permitem que ele use os recursos como descrito na prestação de contas. Seriam gastos com cultura, mas dinheiro repassado ao departamento de Bibliotecas Infanto-Juvenis e Bibliotecas Públicas, que têm grande número de estudantes entre seus freqüentadores. A verba para assistência se refere a "convênios de cunho sócio-educacional, que abrangem crianças na faixa de 7 a 14 anos, portanto, a mesma do 1º grau". Assim, os administradores, nas brechas da lei, fazem prestações de contas que mascaram as origens de recursos, fonte de confusão nos tetos mínimos de aplicação. Também na época, o estudo realizado pelo vereador Nelson Proença (PSDB-SP) mostrou que as irregularidades da prestação de contas se deram porque não incluiu receitas adicionais, como a cota do salário educação (algo em torno de R$ 34 milhões).

1.6 A estratégia do "por outra coisa no lugar"

Apesar de as fraudes do FUNDEF começarem a aparecer por todo o país, ao final do mês de março, o MEC anunciava a imprensa que, junto com os Estados iria combater as fraudes. Era esperado portanto, que o MEC iniciasse um processo direto sobre as denúncias. Um indicador da corrupção do estado é a capacidade de "por outra coisa no lugar" naquilo que lhe é exigido (pela sociedade, pela imprensa). Não foi nos desvios do FUNDEF que o governo inicialmente se dedicou, mas nas fraudes no Censo Escolar-99, que começaria a ser respondido por 215 mil diretores de escolas públicas e privadas de educação básica do país no ano de 1999. A

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razão disto é que o governo afirmava então que em 98, uma auditoria realizada pelo MEC descobriu 148,3 mil alunos fantasmas no ensino fundamental, todos da rede municipal. Era verdade. As prefeituras "lucravam" ao declarar que atendem a mais alunos do que o real porque a maioria dos recursos federais - como os da merenda escolar, livro didático e Fundef (fundo de valorização do magistério) - são repassados aos municípios proporcionalmente ao número de alunos matriculados no ensino fundamental. Assim, quanto mais alunos a rede municipal declarar, mais dinheiro as prefeituras receberão.

Um dos indicadores do governo estava no fato de que em 1998 auditou 385 municípios em cinco Estados do Norte e Nordeste e constatou que o crescimento da matrícula ficou muito acima da média regional. Como o MEC não tem condições de fiscalizar todos os 5.506 municípios brasileiros, pretendia contar com a ajuda dos Estados. A imprensa publicou a justificativa: "Não temos condições de fiscalizar as informações prestadas por todas as escolas. Por isso, vamos visitar os Estados e pedir que eles façam um acompanhamento mais próximo dos municípios", segundo Maria Helena Guimarães, presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

Os Estados tinham interesse em colaborar com o MEC na fiscalização porque, com o Fundef, eles são obrigados a transferir dinheiro para os municípios em que o gasto por aluno é inferior a R$ 315. Se essas prefeituras informam ter mais alunos do que o real, a "perda" dos Estados é maior.Em 1998, por exemplo, a descoberta das 148,3 mil matrículas fantasmas evitou que os cinco Estados auditados repassassem R$ 30 milhões aos municípios que fraudaram informações.O MEC economizou R$ 16 milhões - parte da complementação federal que iria para essas cidades – naquele ano onde só houve fiscalização "in loco" (diretamente nas escolas) em 70 dos 385 municípios auditados. Nos demais, o controle foi feito com a apresentação dos diários de classe e das fichas de matrícula. Em que pese as justificativas do MEC, deliberadamente o governo opta por atuar em outra frente de trabalho, desviando-se claramente do que a sociedade civil apontava como mal versação de verbas.

1.6 A estratégia da morosidade

Observando as notícias de jornal, a segunda estratégia da corrupção se baseia na morosidade do Estado, que diz-se lento para cumprir as exigências necessárias para o repasse de verbas. Nada mais indica a corrupção de um Estado do que a aparente tranqüilidade com que aceita não ter condições de cumprir prazos. Se não vejamos. No mês de abril, novas denúncias chegam aos jornais: verba de US$ 500 mi a ensino profissionalizante está parada desde outubro de 98, US$ 500 milhões do Proep - programa federal para reformar o ensino profissionalizante e ampliar a oferta de vagas - estão à disposição dos governos estaduais. Mas só seis Estados (São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Goiás) apresentaram projetos mostrando o que pretendem fazer com o dinheiro, condição obrigatória para que a verba fosse repassada.

Dos seis, apenas São Paulo, Ceará e Rio Grande do Sul acabaram recebendo recursos para tirar seus projetos do papel, quase dois anos após o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e o MEC terem assinado o acordo de empréstimo do Proep.Os US$ 500 milhões do Proep colocados à disposição dos Estados são financiados pelo BID e pela União, sem a exigência de contrapartida financeira dos governos estaduais. Para receber o dinheiro do acordo com o BID, basta que os Estados apresentem projetos com o número de alunos que precisam ser formados, levantamento da rede de escolas profissionalizantes que já existe e um plano apontando onde serão construídas ou reformadas as unidades beneficiadas.

À época, eram exigências semelhantes às feitas pelo Ministério da Saúde para liberar os R$ 250 milhões para melhoria de prontos-socorros e maternidades.O coordenador do Proep a época, Raul do Valle, afirmava que um dos motivos da lentidão dos Estados foi a mudança de governo."Muitos Estados em que o governador não foi reeleito tiveram de começar do zero. Outros já tinham projetos quase prontos do governador anterior, mas pediram prazo para fazer modificações', registram as reportagens publicadas na Folha de São Paulo.

Como os US$ 500 milhões do Proep poderim ser gastos em seis anos, Valle afirmava que mesmo os Estados mais lentos poderiam receber recursos. "Mas quem for eficiente vai receber mais."Os governos estaduais podiam perder dinheiro para escolas técnicas federais e organizações comunitárias que lidam com ensino profissionalizante, que também têm direito à verba "Distribuiremos as verbas de acordo com a demanda

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de cada Estado e com os projetos apresentados. Se as organizações comunitárias forem mais eficientes que os governos estaduais, pode haver remanejamento de recursos."

Além dos US$ 500 milhões do Proep, os Estados tinham a partir de agosto de 1999 mais US$ 500 milhões do Promed (Programa de Reforma do Ensino Médio) para melhorar a qualidade da educação e ampliar a oferta de vagas.O valor total do Promed era de US$ 1 bilhão. Mas, ao contrário do Proep, o Promed exigia a contrapartida financeira dos Estados. O BID emprestava à União US$ 500 milhões e os Estados tinham de arcar com o restante.

A falta de dinheiro para investir no ensino médio sempre foi uma das principais reclamações feitas pelos governos estaduais ao MEC.Como têm de destinar 15% de suas receitas para o Fundef (fundo de valorização do magistério), os secretários da Educação se queixavam de que não sobrava quase nada para o antigo 2º grau.Só que, até então, apenas Bahia, São Paulo, Ceará e Distrito Federal apresentavam seus planos iniciais, que ainda precisavam ser revisados e aprovados pelo MEC para que o dinheiro pudesse ser repassado a partir de agosto. Para Estados que necessitavam de recursos, a morosidade na administração só é concebível quando, paradoxalmente, e numa estratégia corrupta, não interessa o acesso aos recursos.

1.7 A estratégia de "deixar os Estados investigar"

Como o governo é moroso em iniciar suas investigações, e não raro, substitui e ocupa o espaço com outras atividades, termina que os Estados tomem a iniciativa. Em abril, a noticia de que o Ceará instaurou CPI para apurar "fundão" inicia uma serie de iniciativas semelhantes em vários estados. NO caso, a Assembléia Legislativa do Ceará instaurou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar supostas irregularidades na aplicação de verbas do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e Valorização do Magistério) no Estado.

No ano de 1988, o Fundef investiu R$ 864 milhões no sistema educacional público do Ceará.A instauração da CPI foi pedida pelo deputado Artur Bruno (PT), que se baseou em denúncias enviadas ao seu gabinete. O presidente da Assembléia, Wellington Landim (PSDB), solicitou que o Tribunal de Contas dos Municípios fizesse uma auditoria nos municípios denunciados e constatou irregularidades nas contas de 16 prefeituras. Segundo Landim, o relatório do TCM constatou que as prefeituras aplicaram recursos do Fundef em outras áreas da administração que não a educacional, pagaram despesas sem a necessária licitação e não implantaram um plano de carreira e remuneração do magistério, conforme determina a legislação.O relatório do TCM constatou, ainda, segundo Landim, que as prefeituras desrespeitaram uma norma do Fundef, a qual determina que 60% dos recursos de cada município devem ser gastos na remuneração do magistério.

A prefeitura de Pacajus (46 km ao sul de Fortaleza), por exemplo, foi acusada de gastar verbas do Fundef na contratação de bandas de forró e de superfaturar contratos com uma firma que fazia a reciclagem de professores do município. O prefeito de Pacajus, José Wilson Chaves (PPB), negou as acusações.A época, Bruno disse que havia fortes indícios da existência de uma "máfia" de entidades de qualificação de professores, as quais são contratadas a "peso de ouro" pelas prefeituras. A repercussão é imediata, e em vários estados, emergem comissões de inquérito para investigar os desvios de verbas. O Estado, num primeiro momento, exime-se de investigar.

1.8 A estratégia do uso de brechas

A razão da corrupção: os prefeitos driblam a questão fiscal e acham brechas na lei. No calhamaço de denúncias relativas ao Fundef recebidas pelo MEC, a mais comum é de atraso do salário dos professores (27%). É um bom indício de que há problemas no uso do dinheiro, pois o fundo tem um sistema de depósito automático que torna todo atraso inexplicável. O dinheiro cai na conta de prefeituras e Estados três vezes por mês; se não vai parar na mão do professor é porque foi desviado para outro fim.

Outra queixa recorrente: o uso indevido do dinheiro. Também nesse caso, há exemplo _mau exemplo_ na cidade baiana de Santa Brígida. O município está sendo investigado por ter incluído, de modo aparentemente irregular, pelo menos cinco funcionários na folha de pagamento da área da educação. É o caso de Josilene do

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Carmo dos Anjos, que é registrada como professora, com salário líquido de R$ 217,24, mas trabalha na delegacia de polícia.

A administração de Santa Brígida atribui as irregularidades a enganos. "A funcionária da delegacia pode

ter sido transferida de outra área e acabou sendo mantida na folha da educação", diz a prefeita Rosália Rodrigues França (PTB). Ela admite que não foi gasta verba alguma na casa da professora Valmira. "Na hora de fazer a prestação de contas, o contador deve ter atribuído a essa escola uma verba aplicada em outra. Mas garanto que o material foi usado em alguma escola", diz.

Para a escola de Juazeirão, outro bairro rural do município, o dinheiro não foi. Ali, 32 alunos assistem aulas embaixo de uma árvore, com a lousa enganchada no tronco, por falta de espaço na "classe" de 9 metros quadrados. "Não me importo com as galinhas e os cachorros que circulam durante a aula. As crianças estão aprendendo", afirma a professora Evaneide Cordeiro da Silva.

No Ceará, a principal irregularidade já detectada pela CPI foi a contratação de cursos que deveriam habilitar professores _mas não habilitam. Nas palavras do relator da CPI, deputado Artur Bruno (PT), foi criada no Estado uma "máfia da capacitação".A partir de 2001, o MEC não vai mais tolerar que professores leigos continuem dando aulas. A lei autoriza o gasto de parte do fundo na habilitação desses profissionais, mas o dinheiro acaba indo para outro tipo de curso.A Prefeitura de Cascavel (53 km ao sul de Fortaleza) gastou no ano passado R$ 714 mil da verba do Fundef em três cursos que, legalmente, não servem para habilitar. Segundo a Secretaria da Educação do Estado, o município tinha 42 professores leigos, o que significa que a pseudo-habilitação custou R$ 17 mil por profissional.

A prefeitura tem estatística diferente. O secretário interino da Educação, João Bosco Nesres, diz que não há mais professores leigos na rede de ensino de Cascavel e que os cursos não deveriam "habilitar", mas "capacitar".Aí começa uma discussão que pode acabar numa irregularidade de R$ 20 milhões. Para Artur Bruno, relator da CPI, há uma imprecisão na lei do Fundef _um artigo permite gastar em habilitação de professores leigos e outro em capacitação de forma genérica. A CPI já apurou que há pelo menos 13 empresas especializadas nesse filão, e seu relator estima em R$ 20 milhões o possível desvio.

Para o secretário da Educação do Ceará, Antenor Naspolini, a legislação é dúbia, mas a maioria dos erros ocorre por simples má-fé. A secretaria fez cursos ensinando prefeitos a usar os recursos do fundo e criou programa para habilitar leigos, mas constatou que muitos preferiram contratar empresas não autorizadas. No caso de Cascavel, as características de um dos cursos contratados mostram que, mesmo que o objetivo fosse capacitar, o dinheiro estaria longe de ter sido bem empregado. A empresa IAM/Fugesp recebeu R$ 339 mil para dar seu curso Pro - cidadão, que promete noções de psicologia e combate às drogas, por exemplo. O curso foi contratado para 120 pessoas, mas há apenas 61 alunos matriculados e só 25 comparecem. Pelo menos uma aluna é professora de escola particular, não pública, o que é irregular. As aulas acontecem no refeitório de uma escola, em que as cadeiras de alunos dividem 50 metros quadrados com mesas de refeição.O diretor-executivo da empresa é Sérgio Rodrigues Lima, que até o início deste ano trabalhava como advogado da prefeitura.

O superintendente da IAM/Fugesp, Baltazar Pereira Júnior, afirma que quem deve ser questionada pela contratação dos cursos é a prefeitura. "Fomos contratados para capacitar professores e fizemos isso com competência", diz.

O desperdício de dinheiro em Cascavel salta à vista quando comparado com o gastou a Prefeitura de Santana do Acaraú (CE) para dar formação a seus 43 professores leigos. Gastou-se lá, por professor, menos de 10% do que em Cascavel _R$ R$ 1.120 contra os R$ 17 mil de Cascavel.A Prefeitura de Caucaia (região metropolitana de Fortaleza) gastou pelo menos R$ 519 mil com cursos custeados pela verba do Fundef em 1998. Em sua avaliação, contratou três empresas com o "melhor corpo de técnicos" e preços menores.

Uma delas emitiu nota fiscal com o endereço de um motel, outra deu nota com endereço inexistente e a terceira funciona em uma garagem residencial. Nenhuma das três tem autorização legal para habilitar os leigos.

O Instituto Educare faturou R$ 37 mil por projetos educacionais, mas o endereço da nota fiscal não existe. Também ninguém atendeu, em dois dias diferentes, em outro endereço da empresa que aparece na lista telefônica.A Capacity levou R$ 157.200 pela elaboração de projetos educacionais. A empresa funciona em uma sala de 10 metros quadrados, localizada na garagem da residência de Péricles Lessa, diretor da empresa, em

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Fortaleza. Quando a Agência Folha esteve na sede da Capacity, uma mulher atendeu e disse que iria chamar o diretor. Ninguém mais apareceu ou telefonou à reportagem em resposta aos recados deixados.A empresa Fácil, que ganhou R$ 13.704,00 para capacitar secretárias de escolas, diz que emitiu nota com endereço do motel Ideal, no centro de Fortaleza, por um problema de impresso. "Já funcionamos naquele endereço", explica Reinaldo Teixeira, diretor da empresa. "Foi um erro grave não ter feito bloco de notas novo."

1.9 A estratégia da fiscalização deficiente

Com frequência as irregularidades envolvendo o Fundef têm uma parceira comum: a fiscalização deficiente da prestação de contas. A lei do Fundef previu conselhos para acompanhar como os recursos são gastos, mas o controle tem patinado neste momento de implantação.Pesquisa do MEC indica que só 80% dos municípios têm conselhos constituídos, o que transforma os outros 20% em fonte de preocupação. Basta dizer que um deles era a cidade de São Paulo, onde a prefeitura há anos é acusada de não aplicar o que deve em educação. A cidade recebeu recursos desde o ano passado, mas só criou seu conselho de fiscalização há pouco mais de dois meses.

Da cidade baiana de Cícero Dantas (350 km de Salvador), o Tribunal de Contas recebeu uma prestação de contas informando que a escola Egídio Gonçalves de Souza havia sido reformada no ano passado. Ocorre que as obras só começaram agora em setembro _em pleno período letivo, o que obriga os alunos a ocupar duas salas improvisadas em um parque de vaquejada.No local, falta cozinha para preparar a merenda, feita no prédio de outra escola a 50 metros dali. A água que as 40 crianças bebem e que é usada no banheiro também é retirada da escola ao lado, transportada em baldes pela zeladora.

O assessor da Secretaria Municipal da Educação Antônio Carlos Passos Soares admite que o que foi chamado de reforma não passou de "uma mão de tinta e uns reparos no telhado". Mas diz que _agora, sim_ a prefeitura vai construir as cinco novas salas.Só uma falha na fiscalização local explica casos como o do funcionário Bruno de Queirós Oliveira. Ele aparece na folha de pagamento de 99 da área de educação da Prefeitura de Serrinha (BA), com cargo de vice-diretor e salário de R$ 73,60. O problema é que Bruno tem 16 anos.O secretário da Educação e da Cultura da cidade, Elso Pimentel de Lima, diz que pode ter havido irregularidades no uso do dinheiro do fundo, mas que "essa é uma questão velha". "Fizemos concurso para corrigir as distorções e exoneramos 700 não-concursados. Esse menino deve ter sido incluído no grupo", acredita Lima.

Esse caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal, como tantos outros que conseguem driblar a fiscalização do município, mas caem na malha fina da promotoria ou dos Tribunais de Contas.No Rio Grande do Norte, o prefeito de Alexandria, José Bernardino de Sena (PMDB), foi denunciado pelo Ministério Público e afastado pela Justiça na quinta-feira acusado de colocar recursos do Fundef em sua própria conta corrente. Outro prefeito afastado, Túlio de Paiva (PMDB), de Rio do Fogo, foi denunciado duas vezes pelo MP, sob acusação de pagar contas normais do município com recursos do fundo.

Em Minas, é o próprio governo do Estado que deve explicações. O Executivo é acusado de, no final do ano passado, não ter repassado R$ 43 milhões a 741 municípios do Estado que municipalizaram o ensino fundamental. Os municípios ganharam os alunos, mas não a verba correspondente.CPI que investiga o uso de recursos de fundos estatais apurou que o dinheiro do Fundef foi para o caixa único da Secretaria Estadual da Fazenda e acabou sendo utilizado para outras finalidades.Azeredo diz que, em seu governo, foram investidos 46% da receita estadual em educação. E sustenta que o repasse para as prefeituras não era obrigatório por lei.

1.10 A estratégia da minimização da importância

Novamente, a reação do governo é minimizar os efeitos dos casos de corrupção. Os casos de supostos desvios de recursos do Fundef são isolados e não invalidam seus efeitos positivos, avalia o ministro Paulo Renato Souza (Educação)."A apreciação geral do fundo, baseada em estudos feitos pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), é positiva. Na maioria dos Estados os recursos estão sendo bem aplicados. Mas é claro que não se pode esperar que não haja casos de mau uso ou desvio", diz ele, que baseia sua avaliação nas denúncias que vêm chegando à Diretoria de Acompanhamento do Fundef. "São 271 denúncias em um universo de 5.506 municípios."

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O ministro diz esperar que, se as denúncias de irregularidades em fase de investigação se comprovarem, os responsáveis sejam punidos. "O Fundef é um grande êxito como política para melhorar a qualidade do ensino. Se as denúncias forem comprovadas, é preciso que haja punição."O balanço do primeiro ano de vigência do Fundef, divulgado em março, revela que houve aumento da remuneração dos professores (12,9% em média no país) e do valor per capita gasto por aluno _39% dos municípios brasileiros tinham piso abaixo do limite mínimo nacional atual de R$ 315. Os municípios também receberam uma injeção de recursos: 2.073 cidades tiveram acréscimo de receitas da ordem de R$ 2 bilhões _46% desse total foram para as cidades do Nordeste.

O ministro diz ainda que o próprio MEC está criando condições para receber as denúncias e para que elas sejam analisadas _depois de passarem por uma avaliação prévia, são encaminhadas ao Ministério Público ou aos tribunais de contas.

Ele considera ainda que as investigações sobre as suspeitas de desvios de dinheiro do Fundef são consequência de um novo espírito que está se criando no Brasil: o de fiscalização da aplicação dos recursos públicos."Implantamos políticas que permitem que o livro didático e a merenda cheguem às escolas. Com isso, as pessoas percebem que algo está sendo feito e que há uma mudança, uma preocupação maior com a educação. Em cima disso, veio o Fundef e uma grande campanha de divulgação e conscientização. As pessoas começam a querer saber o que está acontecendo no seu município e se mobilizam."

1.11 A sociedade indignada: iInicia a disseminação das CPIs

As CPIs chamam a atenção para o fato de que os Estados fazem uso irregular do fundão. Depois do Ceará, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul têm problemas de uso indevido de recursos do Fundef em 98 para pagar funcionários não ligados ao ensino fundamental, o que é proibido por lei. As denúncias foram feitas Brasília por representantes dos Conselhos Estaduais de Acompanhamento e Controle Social do Fundef, responsáveis por fiscalizar a aplicação dos recursos do fundo.

É proibido usar recursos do Fundef para pagar servidores públicos ou mesmo para pagar servidores da Educação não ligados ao ensino fundamental.Não foi o que aconteceu no Espírito Santo. Cerca de R$ 27 milhões dos R$ 209 milhões que deveriam ter sido aplicados no ensino fundamental em 98 "desapareceram" das contas do Fundef.A rede de corrupção é tamanha que os R$ 27 milhões foram desviados para pagar servidores de outras secretarias, com aval do Tribunal de Contas do Estado.

Em Mato Grosso do Sul ocorreu problema semelhante: 98% dos R$ 82 milhões de recursos do Fundef que deveriam ter sido aplicados na rede estadual de ensino fundamental em 98 foram usados para pagar pessoal."Só sobraram 2% para investir na capacitação de professores e na melhoria das condições físicas das escolas", reclama Francineide Alves Pereira, representante dos funcionários da Secretaria da Educação no conselho de fiscalização, em matéria do Jornal Folha de São Paulo.Em Mato Grosso do Sul, o dinheiro do Fundef não foi desviado para outras áreas, mas o problema é que foi usado para pagar servidores técnico-administrativos da Secretaria da Educação não ligados ao ensino fundamental.

Outro problema grave é que toda a folha de pagamento de professores aposentados também foi paga com recursos provenientes do Fundef.Nem a emenda constitucional 14 nem a lei que regulamentou o Fundef vedam o uso de recursos do fundo para pagar aposentados, mas TCES de vários Estados têm dado recomendação contrária e o fato começa a ser investigado pelas CPIs.

1.12 A reação dos municípios e estados

Da mesma forma, o município de Santo André (SP) conseguiu uma liminar desobrigando a prefeitura de repassar 15% de sua arrecadação com impostos para o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério).A decisão elevou para quatro o número de municípios que estiveram isentos do repasse em 1999: Santo André (SP), Diadema (SP), Ribeirão Pires (SP) e Recife (PE). Rio Grande da Serra (SP), que também entrou com pedido, ainda aguardava parecer da Justiça.

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Segundo Selma Rocha, secretária de Educação e Formação Profissional de Santo André, o argumento utilizado pela prefeitura do município foi o mesmo dos outros: a inconstitucionalidade da emenda 14, que criou o fundo.Ficou claro a toda a nação que as Prefeituras de São Paulo não usam toda a verba do Fundef . Em pelo menos três municípios de São Paulo, parte dos recursos do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) está sendo guardada em contas bancárias.Como o gasto com a remuneração dos professores não atinge os 60% dos recursos repassados, como determina a lei que criou o fundo, há uma sobra de dinheiro.Em Adamantina são cerca de R$ 450 mil parados. Em Junqueirópolis são R$ 300 mil.As duas prefeituras alegam que o dinheiro está depositado em uma conta bancária por um motivo simples: eles temem que o Estado solicite o dinheiro de volta.

A confusão é gerada pelo primeiro decreto de municipalização (40.889), de dezembro de 97, que não obrigava os municípios a pagar aos professores provenientes do Estado. Dessa forma, esses docentes continuaram a receber do governo estadual.Segundo a assessoria da Secretaria da Educação de São Paulo, os municípios não teriam de devolver o excedente ao Estado. Em 98, um novo decreto (43.072), que passou a valer apenas para os novos convênios, obrigou os municípios a pagar aos professores da rede estadual.

De acordo com números da própria prefeitura, mesmo que o município tenha de pagar os professores do Estado, ainda vão sobrar R$ 75 mil. O que já daria um abono de R$ 2.000 por professor.Em Porto Feliz, onde também existe uma sobra de dinheiro, os professores ainda não receberam o abono porque ainda não foi aprovado o projeto de lei que regulamentaria essa gratificação.

1.13 O FUNDEF chega aos tribunais

Em agosto, as crises do Fundef chegam a justiça. A Prefeitura de Diadema (SP) obteve liminar isentando-a de repassar sua cota mensal ao fundão (como é conhecido o Fundef, fundo de valorização do magistério).Diadema destinou R$ 13,9 milhões ao fundo em 98 e recebeu de volta R$ 585 mil. Ou seja, teve um "prejuízo" de R$ 13,4 milhões, que foram repassados à Secretaria Estadual da Educação e a outras prefeituras paulistas.

O ministro Paulo Renato Souza (Educação) afirmou que o MEC iria questionar na Justiça a liminar obtida por Diadema. "A assessoria jurídica do ministério já está estudando com a Advocacia Geral da União a melhor maneira de derrubar a liminar." Declarou aos jornais na época. Diadema perdia dinheiro para o Estado porque tem arrecadação alta e poucos alunos matriculados na rede municipal. Dos 67.688 alunos da rede pública de ensino fundamental de Diadema, apenas 866 estudavam em escolas municipais em 98, contra 66.688 matriculados na rede estadual.

Como o dinheiro do Fundef é distribuído a Estados e municípios de acordo com o número de alunos matriculados no ensino fundamental, Diadema recebia muito menos do que contribui. Mesmo com a obrigação de destinar ao Fundef parte de seus recursos, a prefeitura dispõe de sete vezes mais verba para gastar com cada aluno do ensino fundamental do que o Estado. Enquanto cada aluno da rede municipal teve à disposição em 98 R$ 7.000, cada um da rede estadual ficou com R$ 900.Com a desobrigação do Fundef, a Prefeitura de Diadema terá R$ 22,5 mil anuais para gastar com cada um de seus 866 alunos do ensino fundamental."Isso não faz sentido, estão querendo criar um apartheid na rede de ensino de Diadema. Em vez de questionar o Fundef na Justiça, o prefeito deveria assumir as escolas estaduais, já que a educação fundamental é obrigação do município", diz Ulysses Semeghini, coordenador do Fundef a imprensa na época.Com a liminar obtida por Diadema, já são duas as prefeituras que conseguiram na Justiça a suspensão da contribuição ao Fundef. Em abril, a Prefeitura de Recife entrou com ação cautelar na 5ª Vara Federal pedindo a suspensão do repasse mensal de R$ 900 mil que era obrigada a fazer ao Fundef e obteve liminar.O MEC tentou derrubar essa liminar pelo menos quatro vezes, mas fracassou em todas.

Nas duas ações contra o fundo que chegaram ao Supremo Tribunal Federal, movidas pelos partidos de oposição e pelo governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, as liminares foram negadas. Em ambos os casos, o mérito da questão ainda não foi julgado.

1.14 A reação das demais instituições sociais

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O governo começa a sofrer pressões. Uma decisão do Tribunal de Contas da União, divulgada ontem, obriga o MEC (Ministério da Educação) a rever os critérios que vêm sendo adotados para distribuir os recursos do Fundef (Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). De acordo com a decisão do tribunal, o valor dos repasses terá de levar em conta dois critérios que não vêm sendo considerados: a estimativa de matrículas novas, computadas no início do ano letivo, e o pagamento de valores diferenciados para estudantes da 1ª à 4ª série e da 5ª à 8ª. Os dois critérios constam da legislação que criou e regulamentou o Fundef.

O ministro Humberto Souto, relator do processo, determinou prazo de 15 dias _a contar da data da notificação_ para que o MEC comece a definir critérios para incluir esses critérios no cálculo dos repasses.Até o final da tarde de ontem, o MEC não havia sido informado oficialmente da decisão, segundo a assessoria de imprensa. A Folha tentou contatar o diretor de Acompanhamento do Fundef, Ulysses Cidade Semeghini, mas ele não foi encontrado.

A decisão foi tomada a partir de uma contestação apresentada ao tribunal pela prefeitura de Bariri (342 km de São Paulo), cujo caso ilustra o que pode estar ocorrendo em outras cidades do país. O município tem 565 alunos matriculados na rede municipal, mas recebe repasses sobre 474 matrículas _ou seja, o cálculo não leva em conta 91 matrículas e por isso a cidade perde receita.Souto também determinou a revisão da portaria que fixou o coeficiente de participação no Fundef para este ano o que significa, na prática, que o governo poderá ter de compensar eventuais perdas dos Estados e municípios.

Nos estados, a reação continua. A Assembléia Legislativa aprovou a criação de uma CPI para investigar as contas do governo estadual na área da Educação.Segundo estudos do deputado Cesar Callegari (PSB), que foi o autor do pedido, mais de R$ 5,5 bilhões deixaram de ser aplicados pela secretaria desde 1995.Se isso ficar comprovado, o governo estaria deixando de cumprir a legislação, que obriga o Estado a aplicar pelo menos 30% da arrecadação em Educação.Callegari afirma que três pontos serão os principais alvos da investigação. O primeiro seria a inclusão do gasto com profissionais inativos no Orçamento que, segundo o parlamentar, só em 1999 foi de R$ 1,9 bilhão.O outro ponto é que o governo deixaria de considerar a parte do ICMS, relacionada a juros, multas e atrasos, como verbas que devem ser repartidas. Por último, o deputado aponta as transferências de impostos pelo governo federal, de 95, 96 e 97, que não entraram nas contas da Educação.

Callegari alega também que, na prestação de contas, não estão sendo colocados os recursos do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e do salário-educação como valores adicionais.De acordo com o deputado Lobbe Neto (PMDB), presidente da Comissão de Educação na Assembléia, a CPI deverá ser instalada já na próxima semana.O secretário do Planejamento de São Paulo, André Franco Montoro Filho, disse que os recursos estão sendo devidamente aplicados e que os inativos, de fato, têm sido colocados na conta da Educação. "Entendo que esse é um gasto da Educação", disse.Ele afirma ainda que fará os devidos esclarecimentos, mas que não deverão ser comprovadas irregularidades. "Nós temos investidos os 30%, tanto que o Tribunal de Contas e a própria Assembléia têm aprovado", afirma.

Liminar concedida na última quinta-feira, pela juíza federal Raquel Fernandez Perrini, proíbe que o valor mínimo per capita por aluno do ensino fundamental seja inferior ao definido pela lei que criou o Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) em 2000.A ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal, tinha como objetivo evitar que o governo descumprisse a lei, como ocorreu este ano.Pela lei, o valor per capita neste ano deveria ter ficado em torno de R$ 430. O valor efetivo, determinado por um decreto, foi de R$ 315 - o mesmo de 1998.

Segundo Ulisses Semeghini, coordenador do departamento de acompanhamento do Fundef, do Ministério da Educação (MEC), até ontem ele não havia sido notificado da liminar."O MEC vai analisar e ver que atitude tomará", disse.Hoje, oito Estados recebem complemento da União para alcançar o valor de R$ 315.E outros oito Estados, de acordo com Semeghini, devem ter valor mínimo entre R$ 315 e R$ 400, e exigiram complemento da União se o valor fosse o estipulado pela lei.

O grande número de ‘denúncias levou a Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados instala hoje uma subcomissão para apurar denúncias de irregularidades envolvendo mau uso e

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desvio de recursos do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) em todos os Estados.O pedido para a constituição da subcomissão foi feito pelos deputados Gilmar Machado (PT-MG) e Walter Pinheiro (PT-BA), com base em denúncias contidas em reportagens publicadas pela Folha em setembro, que apontavam irregularidades em São Paulo, Ceará e Bahia.

Reportagem da Folha mostrou que, de julho para cá, o Ministério da Educação recebeu 487 denúncias de irregularidades envolvendo o Fundef em 24 Estados, em um total de 266 cidades.A primeira providência da subcomissão será levar ao TCU (Tribunal de Contas da União) um plano para a realização de auditorias. O deputado Machado sugere que, a cada três meses e sem aviso prévio aos municípios, os tribunais de contas dos Estados realizem por amostragem devassas nas contas do Fundef.

A Câmara dos Deputados vai investigar o desvio de verbas públicas em cidades de todo o país por meio da emissão de notas fiscais frias. Levantamento feito pela Agência Folha em 20 Estados, publicado em 28 de novembro, mostrou como funciona a indústria de fraudes que sustenta a corrupção nas prefeituras.As investigações ficarão a cargo da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara. O presidente da comissão, deputado Delfim Netto (PPB-SP), disse que o assunto entra em pauta nesta semana.Na reunião de hoje da CFFC, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) apresentará um requerimento solicitando a documentação das prefeituras citadas pela reportagem da Agência Folha.

No município de Palmas (TO), procuradores investigam o desaparecimento de R$ 1,1 milhão de dois convênios com os ministérios da Saúde e da Educação.O ex-prefeito Edwino Raimundo Schultz, da cidade de Chapadão do Sul (MS), é acusado de usar empresas fantasmas para desviar R$ 500 mil (o equivalente à receita mensal do município) de 1997 a maio último.No Espírito Santo, a Procuradoria da República denuncia um esquema que ficou conhecido pelo jargão "política da rapinagem". Nesta modalidade de fraude, prefeitos seriam eleitos e depois usariam notas frias para justificar gastos inexistentes e reembolsar os financiadores da campanha.No Ceará, uma CPI instalada na Assembléia Legislativa apura o sumiço de cerca de R$ 800 mil do Fundef em quatro prefeituras.

1.15 O que não é dito na política educacional: O MEC como agente corruptor

O MEC começou a enfrentar oposição e críticas na investigação. Secretários estaduais e municipais da Educação acusam o MEC de estar desrespeitando duas determinações da lei que criou o Fundef (fundo de valorização do magistério). Segundo eles, o MEC descumpriu a lei ao fixar o piso mínimo por aluno para 99 em R$ 315 - abaixo do valor definido pela lei, que seria de pelo menos R$ 420. Os secretários dizem também que o valor repassado aos Estados para custear alunos portadores de deficiências deveria ser superior. Atualmente, o valor repassado é idêntico para todos os alunos do ensino fundamental, inclusive os deficientes.

O atendimento aos alunos portadores de deficiências foi apontado como uma das áreas em que o Brasil menos avançou na última década, durante encontro encerrado ontem em Brasília para avaliar o cumprimento das metas da Conferência de Jomtien (Tailândia).Em 98, 430,3 mil alunos portadores de deficiência receberam atendimento em escolas especializadas ou em classes especiais nas escolas regulares. Apenas 46,8% desses alunos foram atendidos pela rede pública.Estima-se que haja no país cerca de 6 milhões de crianças e adolescentes de até 19 anos com algum tipo de deficiência. Ou seja, apenas 7,2% receberam atendimento especializado no ano passado.

Para Éfrem Maranhão, presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), se o valor repassado para custear alunos portadores de deficiências fosse maior, o número de crianças atendidas cresceria bastante.

"Para as escolas públicas conseguirem atender adequadamente os alunos deficientes é preciso haver investimentos. Sozinhos, Estados e municípios não vão conseguir fazer isso", afirmou Maranhão. Segundo a secretária de Educação Especial do MEC, Marilene Ribeiro dos Santos, o ministro Paulo Renato Souza está estudando mecanismos para garantir que os alunos portadores de deficiência recebam recursos adicionais a partir do ano que vem. O que é estranho nesta discussão é que em nenhum momento o MEC foi considerado como agente fomentador da corrupção ao descumprir, como a pontavam outros órgãos, o que prezava a lei.

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A discussão sobre o valor do piso mínimo, entretanto, está longe de ter solução. A lei estabelece que o piso deve ser calculado dividindo a previsão de arrecadação pelo número de matrículas no ensino fundamental.Por esse cálculo, o piso para 99 deveria ser de, no mínimo, R$ 420. Entretanto o MEC estabeleceu por decreto que o piso seria de R$ 315, mesmo valor de 98.Paulo Renato afirma que a interpretação do MEC é diferente da de Estados e municípios. No entanto, ele não explicou qual é sua interpretação.

1.16 O prejuízo das crianças

Um dos efeitos graves da corrupção na educação é que as crianças transformaram-se em objeto de barganha.Em um truque para obter mais verbas, prefeitos estão matriculando crianças com menos de 7 anos de idade e jovens com mais de 19 anos de idade no ensino fundamental.As verbas do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do magistério) são distribuídas proporcionalmente ao número de alunos atendidos pelas escolas estaduais e municipais. O Fundef é composto de um bolo de receitas estaduais e municipais, complementado pelo governo federal. O valor este ano é de R$ 14,1 bilhões.

Além de crianças, estão matriculando também adultos, para engrossar matrículas. Eles são retirados dos supletivos dos Estados e municípios. A maioria tem mais de 19 anos de idade.O inchaço ocorreu exatamente após a criação do Fundef, em 1996, com os prefeitos saindo à caça de matrículas. De 1998 até este ano, foram aproximadamente mais 120 mil novos alunos com seis anos de idade, pulando de 451 mil para 571 mil. A idade para entrada no ensino fundamental (ex-primário e ginásio) é de 7 anos até, teoricamente, 14 anos.

Em 1996, já havia 342 mil. Desde então, o salto foi de 66,8%, numa avalanche que explica por que as matrículas da pré-escola (4 a 6 anos de idade) caem bruscamente em todo o país _de 1997 a 1998, a redução foi de 200 mil.A expansão é mais veloz no Nordeste, atingindo, desde 1996, 138%. Saltou de 99 mil alunos com seis anos, matriculados no ensino fundamental, para 238 mil. Na Bahia, no período, o salto foi de 63 mil para 94 mil.Não há, assim, critério pedagógico. A criança é usada para fazer número e tirar verba do Fundef.

O censo mostra que, em muitos Estados, cai o número de alunos de supletivos. Em Minas caiu de 223 mil em 1996 para os 48 mil deste ano; desses 48 mil, 32 mil são de estabelecimentos privados. Ou seja, nos cursos públicos quase não sobrou ninguém.Tanto o Piauí como a Bahia apresentam este mesmo movimento. Em 1996, havia 92 mil e, agora, 9.000. No Piauí, caiu de 94 mil para 22 mil.O próprio Ministério da Educação reconhece, em documento, a burla. Em um texto a ser apresentado, em Paris, na reunião da Unesco sobre educação, é apontada a transferência de alunos.

Com esse movimento, segundo o documento ministerial, os municípios estariam desmontando ou enfraquecendo a pré-escola _ um período considerado por especialistas como vital para o desenvolvimento emocional e intelectual de uma criança.Em um trecho, o documento afirma:

"O próprio fato de o Fundef incentivar a ampliação do ensino fundamental, garantindo recursos vinculados, parece ter desestimulado os municípios, principais responsáveis pela pré-escola, a continuarem a investir nesse nível de ensino. Isto é particularmente verdadeiro para os municípios que não cumpriam a determinação constitucional de investimento no ensino fundamental e aplicavam a maioria dos recursos destinados à educação na manutenção de creches e pré-escolas. Esses municípios perderam recursos na redistribuição do Fundef e estão dedicando maior atenção ao ensino fundamental, como forma de recuperá-lo".

Diante das milhares de matrículas de crianças com seis anos, o Conselho Nacional de Educação preferiu aceitar o truque, determinando apenas que as cidades comprovem que 95% dos alunos de 7 a 14 anos estão matriculados.Na prática, a burla foi aceita e legitimada, apesar do indício de fraude e falta de conteúdo pedagógico. A jogada dos prefeitos é mais um ingrediente das carências da educação infantil no país _creches e pré-escolas.

Estima-se que, para uma população de 12 milhões de pessoas de zero a três anos de idade, cerca de 800 mil usufruam das creches, atualmente.Relatórios preparados pelo governo indicam que a situação é de carência geral. Faltam professores qualificados, parques para brincadeira, bibliotecas e também água, esgoto e eletricidade.

Numa autocrítica, o documento do MEC a ser apresentado em Paris afirma: "Embora municipalização tenha um sentido positivo, indicando a tendência geral do sistema de se adaptar às recentes normas legais, é

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preciso reconhecer que o governo federal ausentou-se mais do que devia da área da pré-escola, que conta com poucos estímulos e parcos recursos do poder central". AO final do ano o Ministério da Educação já tinha recebido 487 denúncias de irregularidades com verbas municipalizadas em 266 cidades brasileiras nos últimos cinco meses.O relatório sobre as fraudes no Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) _que começou a ser feito em julho último_ mostra que elas atingem 24 Estados.

No Ceará, o Tribunal de Contas dos Municípios encontrou notas frias no valor de R$ 391 mil nas contas da Prefeitura de Parambu, R$ 318 mil nas de Quiterianópolis, R$ 71 mil nas de Solonópolis e R$ 20 mil nas de Novo Oriente.As notas haviam sido emitidas por empresas fantasmas do esquema do coronel reformado da Polícia Militar José Viriato Correia Lima. Prefeituras do Piauí e Maranhão também se beneficiavam do esquema.Em Goiás, pelo menos 43 prefeituras são suspeitas de desviar recursos públicos usando notas frias das empresas fantasmas Papelaria Papirus, Star-Med e Pro-Med _as duas últimas usadas na fraude com recursos do SUS (Sistema Único de Saúde).Todas as 11 prefeituras de Tocantins sob investigação da Procuradoria da República são suspeitas de desviar tanto verbas do Fundef como do SUS. Em São Paulo, a administração de Mirassol é acusada de sumir com R$ 135,8 mil destinados à educação.Técnicos dos tribunais de contas ouvidos pela Agência Folha afirmam que é praticamente impossível descobrir o uso de notas fiscais frias na prestação de contas dos municípios relativa ao uso das verbas de saúde e educação."Por força da lei, as prestações de contas podem ser simplesmente feitas com um balancete, sem as notas, que ficam no município, arquivadas em local apropriado, por até cinco anos, para possibilitar uma checagem, caso haja suspeita de alguma coisa errada", afirmou Jerônimo Leite, secretário-geral do Tribunal de Contas do Maranhão.

O problema é que ao minimizarem os efeitos, o governo esquece os grandes prejudicados, as crianças. Todas as tardes, de terça a sábado, a professora Valmira Santana Santos dá aulas para um grupo de 20 crianças baianas na varanda da casa dela. São três cômodos de taipa, sem água nem luz, no meio da caatinga e a mais de 470 quilômetros de Salvador. "Como não tem escola, ensino os meninos aqui mesmo", conta Valmira. "A gente trabalha como pode".

Pelas contas da Prefeitura de Santa Brígida, a professora Valmira não teria do que reclamar. Oficialmente, ela trabalha em uma escola que recebeu reforma recente no valor de R$ 1.640.Tudo ficção. Esse dinheiro jamais foi aplicado para melhorar a infra-estruturadesse grupo de alunos. A lousa continua apoiada sobre as duas vigas que sustentam a cobertura da varanda. As crianças continuam escrevendo sobre pedaços de compensado e sentadas em cadeiras improvisadas. "O pior é o vento, que atrapalha e enche tudo de poeira", diz a professora Valmira.

O caso de Santa Brígida serve para ilustrar os desvios que vêm ocorrendo com o dinheiro do Fundef (Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), um fundo para educação criado pelo governo federal para melhorar salários e infra-estrutura do ensino fundamental (o antigo 1º grau) no país todo, em funcionamento desde 1998.Na Bahia, 63 cidades são investigadas pelo Ministério Público Federal. No Ceará, Comissão Parlamentar de Inquérito apura suspeitas de irregularidade em 106 dos 184 municípios do Estado.No Rio Grande do Norte, quatro prefeitos foram afastados em conexão com mau uso de verbas do Fundef e outros 21 estão na mira. Já se comprovou irregularidades em Igaci e Viçosa, em Alagoas, e outros oito municípios desse Estado são investigados.

1.17 O prejuízo a moral e a ética social

A análise dos casos de corrupção no Fundef nos mostram que a degradação da coisa pública no campo educacional é uma das características da política educacional. Mas,contudo, a experiência do FUNDEF mostra que diferente dos antigos, nossa corrupção não está na degradação da coisa pública pela usura dos costumes. Estamos nos acostumando a ver os casos de corrupção do Fundef como o mau trato do dinheiro público. Evidentemente, o que queremos mostrar é que esquecemos que, esta mal versação dos fundos da educação também é causada por uma degradação moral, dos costumes. Ë preciso que funcionários sejam subornados, sejam corrompidos. Se alguns dos traços da democracia antiga servem para a atual, é o fato de que nesta, é a que mais se exige dos cidadãos. Precisamos exigir das autoridades competentes um maior grau de autodisciplina, em uma palavra, precisamos mais de administradores virtuosos.

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Por outro lado, esperamos que o caso Fundef mostre como o desgaste também vem do fato de que a coisa pública é vista como propriedade privada. Cada governante, apropriando-se dos recursos educacionais para si, para os objetivos que vê como prioritários, concebe o público como privado. "A corrupção acaba identificada com uma desonestidade qualquer. Perde-se de vista seu sentido de desagregação do espaço público, como coisa bem pior que o prejuízo causado ao particular. Esquece-se seu efeito multiplicador do mal – melhor dizendo, seu efeito divisor desse bem que seria ávida social"(Ribeiro, p. 177.).

A discussão assim colocada, onde a corrupção na educação se torna equivalente ao crime comum, onde o político é equivalente do "ladrão", o deslocamento grave é que perdemos o senso do público como algo superior ao privado. A corrupção nas contas do Fundef não é um assalto comum. Precisamos dar-lhe o sentido político. Para além de um furto, é um ataque a coisa publica, que é mais do que economia. A corrupção é um problema não pelo valo monetário que desvia, mas pelo nível das relações sociais que revela.

Ribeiro aponta que é preciso "recuperar o sentido próprio da coisa pública. É preciso devolver aos costumes, aos mores, o lugar central que ocupam numa sociedade republicana ou democrática. Vencer a corrupção não é simplesmente assegurar o bom trato do dinheiro público: é garantir o respeito ao outro, a qualquer outro. (p.179).

1.18 Conclusão

Portanto, é preciso ampliar a noção que está por trás das diversas investigações sobre o Fundef. De fato, não apenas uma boa política fiscal, parlamentar é necessária, por que não é um problema que se resuma aos recursos educacionais. Não se trata apenas de introduzir punição e justiça, mas em questionarmos como estão nossos costumes. Como a sociedade se articula ao Estado. O erro é priorizarmos de um lado, os funcionários públicos ou administradores como Estado, de um lado, e o sistema educacional, como contribuinte lesado, de outro. Os administradores desse patrimônio também são cidadãos. A corrupção na educação é mais do que do dinheiro, é dos costumes.

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UNIDADE IX 1. A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA

O que é Legislação Educacional? Legislação da educação é a mesma coisa de legislação de ensino? A legislação educacional é disciplina da Pedagogia ou do Direito? Qual o lugar da Legislação Educacional no âmbito das Ciências jurídicas?

Estas são questões que exigem mais do que respostas pontuais e prontas, mas um exercício de desvelamento conceptual de legislação e educação. As palavras legislação e educação nos fazem remontar à Roma Clássica, especialmente ao Direito Romano. Derivada do latim legislatio, a palavra legislação quer dizer, literalmente, ato de legislar, isto é, o direito de fazer, preceituar ou decretar leis. A legislação é, pois, o ato de estabelecer leis através do poder legislativo.

Também derivada do latim, a palavra educação vem de educare, e com esta raiz, quer dizer, ato de amamentar.

Também há que diga que educação teria origem também na raiz latina educere, que pode ser traduzida como ato de conduzir, de levar adiante o educando. Atualmente, as tendências pedagógicas acolhem esta segunda etimologia.

Assim, quando digo legislação da educação, posso estar me referindo à instrução ou aos processos de formação que se dão não apenas nos estabelecimentos de ensino como também em outras ambiências culturais como a família, a igreja, o sindicato, entre outros.

A atual compreensão de legislação da educação, no âmbito da LDB, considerada como a lei magna da educação, é a de educação escolar mas não restrita à concepção de instrução, voltada somente à transmissão de conhecimento nos estabelecimentos de ensino.

Na LDB, a educação é concebida como processo de formação abrangente, inclusive o de formação de cidadania e o trabalho como principio educativo, portanto, não restrita às instituições de ensino. Aqui, reside a possibilidade de se contemplar a legislação educacional como a legislação que recolhe todas os atos e fatos jurídicos que tratam da educação como direito social do cidadão e direito público subjetivo dos educandos do ensino fundamental.

Já nas suas raízes conceituais, etimológicas e históricas as palavras legislação e educação não tinham sentido unívoco, isto é, já traziam na sua formação histórica o caráter da polissemia.

Em Roma, legislação tanto podia significar o conjunto de leis específicas de uma matéria ou negócio como a lei no seu sentido mais abrangente. Hoje, a situação não mudou muito: quando nos referimos à legislação tanto no sentido estreito como no sentido largo, por extensão.

Assim, a expressão legislação educacional me revela um conjunto de normas legais sobre a matéria educacional. Se falo legislação educacional brasileira, refiro-me às leis que de modo geral formam o ordenamento cultural do país

Com a palavra educação, teremos situação semelhante. Ora a palavra educação refere-se aos processos de formação escolar, dentro e fora dos estabelecimentos de ensino, ora tem conceito restrito à educação escolar que se dá unicamente nos estabelecimentos de ensino. Daí, falar-se, em outros tempos, em legislação de ensino e em legislação da educação.

Então, entendamos o seguinte: a legislação da educação pode ser considerada como o corpo ou conjunto de leis referentes à educação, seja ela estritamente voltada ao ensino ou às questões à matéria educacional, como, por exemplo, a profissão de professor, a democratização de ensino ou as mensalidades escolares.

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Ainda assim, a partir do nova ordem geral da educação nacional, decorrente da Lei 9.394/96, poderíamos de alguma forma cogitar o uso das expressões legislação educacional e legislação de ensino.

Quanto utilizarmos a expressão legislação educacional ou legislação da educação estaremos nos referindo à legislação que trata da educação escolar, nos níveis de educação (básica e superior).

Quando dizemos legislação educacional estamos nos referindo, portanto, de forma geral, à educação básica(educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e à educação superior. Daí, posso referir-me apenas à legislação da educação básica ou à legislação da educação superior.

Se desejo referir-me aos níveis de ensino fundamental e ensino médio, que formam à educação básica, posso utilizar a expressão legislação do ensino fundamental ou legislação do ensino médio.

Certo é que a legislação educacional pode ser, pois, tomada como corpo ou conjunto de leis referentes à educação. É um complexo de leis cujo destinatário é o homem trabalhador ou o homem consumidor.

É este o sentido de legislação como legis data. A legislação se revela, sobretudo, em regulamentos ditos orgânicos ou ordenados, expedidos pelos magistrados em face da outorga popular.

A legislação educacional, como nos parece sugerir, é uma disciplina de imediato interesse do Direito ou mais precisamente do Direito Educacional. Mas um olhar interdisciplinar dirá que ela é central na Pedagogia quando no estudo da organização escolar.

Por não termos alcançado, ainda, uma fase de pleno gozo de eqüidade, diríamos que a legislação educacional é até final do século XX a única forma de Direito Educacional que conhecemos e vivenciamos na estrutura e funcionamento da educação brasileira.

Desta forma, a legislação educacional pode ser entendida como a soma de regras instituídas regular e historicamente a respeito da educação.

Todas as normas educacionais, legais e infralegais, leis e regulamentos, com instrução jurídica, relativas ao setor educacional, na contemporaneidade e no passado, são de interesse da legislação educacional.

Vemos, deste modo, que a legislação educacional pode ter uma acepção ampla, isto é, pode significar as leis da educação, que brotam das constituições nacionais, como a Constituição Federal, considerada a Lei Maior do ordenamento jurídico do país, às leis aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República.

Pode, também, a legislação abranger os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as resoluções e pareceres dos órgãos ministeriais ou da administração superior da educação brasileira.

Para este trabalho, vai nos interessar o sentido da Legislação Educacional como ação do Estado sobre a educação, vista, pelo Estado-gestor, como política social. A legislação educacional é, portanto, base da sustentação da estrutura político-jurídica da educação.

1.1 As Duas Faces da Legislação Educacional

A legislação Educacional possui duas naturezas: uma reguladora e uma regulamentadora.

A partir de seu caráter, podemos derivar sua tipologia. Dizemos que a legislação é reguladora, quando se manifesta através de leis, sejam federais, estaduais ou municipais.

As normas constitucionais que tratam da educação são as fontes primárias da regulação e organização da educação nacional, pois, por elas, definem-se as competências constitucionais e atribuições administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Abaixo das normas constitucionais, temos as leis federais, ordinárias ou complementares, que regulam o sistema nacional de educação.

A legislação reguladora estabelece, pois, a regra geral, a norma jurídica fundamental. Daí, o processo regulatório voltar-se sempre aos princípios gerais e à disposição da educação como direito, seja social ou público subjetivo.

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O principal traço da regulação é sua força de regular, isto é, poder, regularmente, ou que pode traduzido também pela democraticamente, estabelecer regras gerais de Direito ou normas gerais criadores de Direito.

Quando dizemos que a educação é direito social ou que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, a imperatividade normativa reside na origem da fonte de direito, a Constituição, seja Federal, Estadual ou Municipal. Por isso, uma vez aprovadas, as leis devem ser respeitadas e cumpridas.

A legislação regulamentadora, ao contrário da legislação reguladora não é descritiva, mas prescritiva, volta-se à própria práxis da educação.

Os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as resoluções e pareceres dos órgãos do Ministério da Educação, como o Conselho Nacional da Educação ou o Fundo de Desenvolvimento da Educação como serão executadas as regras jurídicas ou das disposições legais contidas no processo de regulação da educação nacional.

A regulamentação não cria direito porque limita-se a instituir normas sobre a execução da lei, tomando as providências indispensáveis para o funcionamento dos serviços educacionais.

Diríamos, em substância, que a estrutura político-jurídica da educação contida na Constituição Federal e nas Leis Federais regulam a estrutura político-jurídica da educação enquanto os decretos, as portarias, as resoluções, os pareceres, as instruções, enfim, prescrevem a forma de funcionamento do serviço educacional.

1.2 O Direito Educacional no Brasil

O Direito Educacional, no Brasil, ainda está na sua fase de Legislação do Ensino. Não alcançamos, ainda, uma fase propriamente dita do Direito, isto é, a de ter o Direito Educacional como corpo doutrinário, com análise e objeto bem definidos.

Esta pequeno comentário à LDB é uma contribuição teórica à sistematização do Direito Educacional, na fase de Legislação, para tentarmos chegar a uma reflexão mais doutrinária e com perspectiva de se definir o lugar do Direito Educacional no âmbito das Ciências. Afinal, o Direito da Educação deve estar no elenco das disciplinas das Ciências Jurídicas ou das Ciências da Educação.

Na sua fase de Legislação, o Direito Educacional avançou de um lado, estruturou e fez funcionar o sistema educacional, mas, do outro, do ponto de vista teórico, passou a ter um caráter reducionista, apropriou-se do discurso ou teoria educacional e não avançou na construção jurídica e doutrinária da Educação.

Não foi por falta de produção legislativa. Pelo contrário, a tradição legisferante da Educação, inaugurada por Pombal, na Colônia e expressivamente produzida após a Constituição de 1824 não apenas confirmou a tradição ibérica do direito escrito, descritivo e receptivo, mas assinalou o grau de dependência das normas educacionais à sociedade política.

Mas, na medida em que o constitucionalismo moderno foi ampliando as dimensões normativas da Constituição, isto é, introduzindo, no seu texto, a matéria educacional, alargou, materialmente, o conteúdo da Lei Fundamental do Estado, a ponto de não termos dúvida de que, se de um lado não saímos da fase de Legislação, no plano do Direito Educacional, alcançamos plenamente um Direito Constitucional da Educação, com definição e repartição equilibrada das competências constitucionais relativas à Educação.

Acreditamos, que no século XXI, chagaremos a um modelo de sistematização das normas educacionais para em outro momento vislumbramos um estágio de Direito da Educação em que movimentos sociais em favor do Direito à Educação estejam sob a égide da doutrina e da jurisprudência na Educação.

O Direito Educacional é, ainda, um “órfão acadêmico”, isto é, quem está desenvolvendo reflexão na Pós-Graduação em Direito puxa a reflexão para o jurídico e os que estão, do outro lado, o da Educação, puxam o Direito Educação para a teoria educacional.

Confesso que me vem dúvida com relação o lugar do Direito Educacional(o da Educação Escolar) no campo das ciências: aproxima-se mais das Ciências Jurídicas ou das Ciências da Educação? A meu ver, deve

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ser disciplina na Educação.Portanto, devemos desenvolver uma reflexão com a intervenção da abordagem jurídica.

1.3 A LDB à Luz do Direito Constitucional Positivo

Com este comentário à LDB, com fundamento teórico no Direito Constitucional Positivo, sistematizamos as normas legais da Lei 9.394/96, através de cinco categorias estruturantes das constituições escritas, modelo apresentado pelo constitucionalista José Afonso da Silva(1995).

Com este procedimento, não apenas localizamos as normas legais, mas as qualifico juridicamente, através de uma intercessão interdisciplinar que considero inovadora, relevante não apenas para a Histórica da Educação bem como a definição do objeto do Direito Educacional, no Brasil.

Minha inclinação, como educador, por uma abordagem jurídica frente às normas educacionais, vem do reconhecimento que não se conhece uma lei ordinária sem uma base jurídica.

No meu entender, as fontes legais citadas em boa parte das referências da historiografia educacional ou ensaios de legislação de ensino, na maioria das vezes, estão destituídas de uma exegese jurídica, o que torna a leitura da Educação no plano do ordenamento jurídico do país bastante restrita. A análise de conteúdo é, assim, limitada.

Não quero defender intransigentemente a abordagem jurídica no estudo das normas educacional, mas julgo ser um procedimento metodológico bastante completo e capaz de oferecer suficientemente, para o estágio em que se encontra o Direito Educacional, uma visão de totalidade dos fatos jurídicos de uma época ou regime político.

O entendimento da LDB passa necessariamente pelo compreensão do texto constitucional de 1988, sua matriz, e da evolução constitucional no Brasil.

Estou certo de que a estrutura é, efetivamente, “uma ordenação reveladora do modo de ser dos elementos que a integram”(HORTA: 1995, p. 219). Na medida que, por exemplo, estruturo a educação como norma constitucional, este conhecimento permite fixar as características, as formas e as modalidades com que a norma se apresenta no ordenamento jurídico do País.

A Constituição de 1824, por exemplo, não se registrou nenhuma norma educacional na categoria Elementos Sócio-Ideológicos, concluímos que a estrutura normativa reflete o modelo de constitucionalismo predominante no Século XIX.

Sabemos que o Constitucionalismo Clássico, dos séculos XVIII e XIX, a matéria constitucional se exauria na organização dos Poderes do Estado e na Declaração dos Direitos e Garantias Individuais. Assim, a sociedade política imperial não vai identificar a matéria educacional nem ordená-la em um conjunto de regras constitucionais reguladoras da atividade educacional.

No entanto, a Constituição para a construção do Direito Constitucional da Educação é de suma importância: no texto constitucional já recolhemos fragmentos de normas educacionais que, mais tarde, passarão a integrar o conjunto sistemático da ordem educacional no âmbito das Constituições Nacionais.

As normas jurídicas relativas à Educação contidas na Constituição de 1824 são regras antecipadoras do direito à educação e das normas de princípio educacional (a gratuidade do ensino).

Foi a partir da estrutura das normas educacionais, no âmbito das Constituições brasileiras, que vimos a validade de se aplicar uma teoria de estruturação normativa caracterizar a matéria educacional como fato jurídico gerador de eficácia jurídica, isto é, de práxis social.

A investigação leva-nos a crer que somente com uma abordagem jurídica temos condições de ver o grau de expansividade ou incidência da matéria educacional no ordenamento constitucional do País, na proporção em que as cinco categorias de elementos constitucionais(orgânicos, limitativos, Sócio-Ideológicos, estabilização constitucional e formais de aplicabilidade) vão se integrando nas Constituições Nacionais, no decorrer de sua evolução histórica, e à medida em que o Estado Federal, entendido como criação jurídico-positivo, torna-se mais intervencionista e social e assume novas finalidades no campo da política social.

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1.4 Aspectos Jurídicos da LDB

Em se tratando se sistematização normativa, o que pode ser aplicado à Constituição Federal pode-se, também, aplicar à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), promulgada em 1996.

Para ilustrar, poderia usar do mesmo expediente para descrever as normas educacionais na LDB, conforme tabela abaixo:

a. Normas orgânicas - A Lei 9.394/96, a LDB na linguagem dos educadores, contém normas que regulam a organização e funcionamento do Estado. Estas normas concentram-se, predominante nos Títulos IV - (Da Organização da Educação Nacional, do art. 8o a 16), VI - (Dos Profissionais da Educação, Art. 61 a 67) e VII - Dos Recursos Financeiros (Art. 68 a Art. 77);

b. Normas limitativas - A LDB traz normas que consubstanciam o elenco dos direitos e garantias fundamentais, limitando a ação dos poderes estatais e dão a tônica do Estado de Direito. É norma limitativa o Art. 7o, do Título III - Do Direito à Educação e do Dever de Educar;

c. Normas sócio - ideológicas - A LDB consubstancia normas que revelam o caráter de compromisso liberal/neo-liberal do Estado com a sociedade. Estão estas normas inscritas no Título III - Do Direito à Educação e do Dever de Educar (Art. 4o, 6o e 7o) e Título II - Dos Princípios e Fins da Educação nacional (Art. 2o e Art. 3o) e Título V - Dos Níveis e das modalidades de educação e ensino (Art. 21 a art. 60);

d. Normas de estabilização da lei - A LDB traz artigos que asseguram, juridicamente, o acesso ao ensino fundamental (Art. 5o ), a defesa da aplicação dos recursos financeiros (Art. 69, §6o) e o ingresso de docente exclusivamente por concurso público de provas e títulos nas instituições de ensino, premunindo os meios e técnicas contra sua infringência, a não ser nos termos nela própria estatuídos. São os seguintes remédios constitucionais previstos: direito de petição, Ação popular contra crime de responsabilidade, Mandato de segurança individual;

e. Normas formais de aplicabilidade imediata - A LDB estatui regras de aplicação imediata da Lei. Estão presentes predominantemente nas disposições transitórias (Art. 867 a 92) e no Art. 1o, preâmbulo da Lei. 1.5 A LDB e a Organização Escolar

LDB, Direito Educacional e organização escolar caminham juntos, lado a lado. Com a nova a LDB, a educação é vista como um processo, que se dá em várias ambiências, manifesto em níveis, etapas e modalidades.

A LDB bifurca a educação escolar assim:

a. educação básica e b. educação superior.

A educação básica é divida, por sua vez, em etapas (e não em subníveis) desta forma:

1. Educação Infantil, Primeira etapa; 2. Ensino Fundamental, Segunda etapa e 3. Ensino Médio, terceira etapa ou etapa final.

Entre as modalidades, podemos citar:

a. educação especial (destaque-se que esta é a única modalidade de ensino que perpassa todos os níveis e etapas da educação Básica);

b. educação profissional e educação de jovens e adultos, mas poderíamos lembrar, ainda, c. educação indígena e d. educação a distância.

A educação superior, por seu turno, dividida em cursos seqüenciais, graduação, extensão e pós-graduação.

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Como disse, anteriormente, no Brasil, o Direito Educacional ainda está na sua fase de Legislação do Ensino e, a rigor, não chegou a fase de direito, isto é, sob a égide da Jurisprudência e da Doutrina. Pode-se constatar a assertiva pelo próprio registro da legislação no âmbito da História da Educação Brasileira.

Tomemos, por exemplo, obras como historiográficas como as Otaíza romanelli, Maria Luisa Ribeiro, Chiridalli, que ao relatarem sobre os fatos históricos da educação brasileira, apresentam a legislação apenas como reflexo das correlações de força política que dominam, em determinado momento da história nacional, a estrutura de poder.

As normas ou determinantes jurídicos são atuantes no sistema escolar brasileiro e respondem pela maior parte da organização e funcionamento do sistema escolar brasileiro. O êxito ou fracasso da organização escolar está condicionado aos determinantes jurídicos da sociedade. Se isso é verdade, as incursões dos educadores e historiógrafos da educação brasileira pelo campo do Direito Educacional são uma necessidade premente.

No tocante ao Direito Constitucional, a maior contribuição das obras de História da Educação Brasileira está na indexação das fontes legais e do registro de mudanças ocorridas na estrutura do sistema educativo decorrentes das constituições, leis constitucionais e da legislação do ensino, especialmente decretos, portarias e pareceres.

No entanto, não se constrói o Direito Educacional, dentro de uma perspectiva mais doutrinária, apenas com uma indexação legislação, de caráter alfabético ou cronológico, mas com a doutrina ou construção jurídica das fontes legais, isto é, qualificando juridicamente as normas legais para alcance prática efetivamente eficaz

Em substância, as leis não devem ser apenas registradas como fatos políticos, mas interpretados à luz da técnica jurídica capaz de revelar a virtualidade da regulação da sociedade.

Entre as obras que organizam a legislação do ensino na medida em que as mudanças vão corrente na estrutura do sistema educativo, estão História da Educação no Brasil, de Otaíza de Oliveira Romaneli, que, inclusive, oferece, na bibliografia de seu trabalho, um índex de documentos legislativos seguindo um critério cronológico(1983, p. 265-267). A legislação, no decorrer da obra historiográfica, é apontada pela autora como fator atuante na evolução do sistema educacional brasileiro, mas imposto pelas facções políticas à organização do ensino (ROMANELLI: 1983, P.127).

Na História da Educação, de Paulo Ghiraldelli Jr. a legislação do ensino estaria num plano a que chama de políticas educacionais, que, segundo o autor, envolve a relação entre Estado, educação e sociedade.

Entende-se o plano de políticas educacionais como o plano que diz respeito aos projetos educacionais das diversas classes sociais, com destaque para os projetos das classes dominantes de diversas classes sociais, uma vez controladoras do estado, implementam tais projetos na medida em que ditam as leis e as normas educacionais e, na medida em que negociam tais normas e leis com as classes não dominantes.

Cremos que o principal referencial teórico para os estudos de direto educacional está no âmbito do Direito Constitucional Positivo, especialmente nas formulações teóricas de constitucionalizas como José Afonso da Silva e Raul Machado Horta, especialmente o primeiro, por haver construído uma teorização de estruturação das normas constitucionais cujas categorias permitem, uma vez aplicadas à legislação do ensino, a análise e a sistematização das normas educacionais.

No Brasil, somente a partir dos anos 90 é que legislação educacional passa ter mais eficácia e eficiência na administração pública. Acredito mesmo que não houve, a rigor, no Brasil, até meados dos anos 90, uma sistematização mais rigorosa das normas educacionais, a menos que se entenda por sistematização apenas uma indexação da legislação do ensino.

A sistematização vai além da classificação normativa, implica em sinalizar princípios que regem o ordenamento educacional do País, sem os quais não há como ultrapassar a fase de legislação do ensino e alcançar a fase do direito educacional propriamente dita que, por sua vez, implica em um corpo doutrinário.

A teorização de José Afonso da Silva traz a perspectiva de não apenas mapear as normas educacionais no âmbito das Constituições, das Leis Constitucionais, Leis Complementares e Ordinárias, seja a nível da União ou dos Estados, mas de mostrar como elas, no arcabouço jurídico, estão coordenadas entre si.

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Em substância, a sistematização da normas educacionais com fins de construção jurídica do Direito Educacional tem como maior exigência uma qualificação jurídica das normas.

Um dado importante e central na relação Estado e Educação, certamente é a definição de competências e incumbências dos entes federativos, inclusive, para fazer valer o reordenamento do Estado Federal brasileiro que reconhece a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal como entes federativos.

Ora, quanto mais qualificamos juridicamente as normas legais relativas à Educação, mas determinamos o grau de responsabilidade social das entidades intergovernamentais e sua capacidade de produção ou criação legislativa. Daí, a sistematização, sob a ótica do Direito Constitucional, contribuir para a definição das competências constitucionais da Educação na medida em que vai definindo os atores-agentes ou coadjuvantes nos processos educativos previstos na legislação do ensino.

A legislação da educação pode ser considerada como o corpo ou conjunto de leis referentes à educação, seja ela estritamente voltada ao ensino ou às questões à matéria educacional, como, por exemplo, a profissão de professor, a democratização de ensino ou as mensalidades escolares.

Ainda assim, a partir do nova ordem geral da educação nacional, decorrente da Lei 9.394/96, poderíamos de alguma forma cogitar o uso das expressões legislação educacional e legislação de ensino.

Quanto utilizarmos a expressão legislação educacional ou legislação da educação estaremos nos referindo à legislação que trata da educação escolar, nos níveis de educação (básica e superior).

Quando dizemos legislação educacional estamos nos referindo, portanto, de forma geral, à educação básica(educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e à educação superior. Daí, posso referir-me apenas à legislação da educação básica ou à legislação da educação superior.

Se desejo referir-me aos níveis de ensino fundamental e ensino médio, que formam à educação básica, posso utilizar a expressão legislação do ensino fundamental ou legislação do ensino médio.

Certo é que a legislação educacional pode ser, pois, tomada como corpo ou conjunto de leis referentes à educação. É um complexo de leis cujo destinatário é o homem trabalhador ou o homem consumidor.

É este o sentido de legislação como legis data. A legislação se revela, sobretudo, em regulamentos ditos orgânicos ou ordenados, expedidos pelos magistrados em face da outorga popular.

A legislação educacional, como nos parece sugerir, é uma disciplina de imediato interesse do Direito ou mais precisamente do Direito Educacional. Mas um olhar interdisciplinar dirá que ela é central na Pedagogia quando no estudo da organização escolar.

Por não termos alcançado, ainda, uma fase de pleno gozo de eqüidade, diríamos que a legislação educacional é até final do século XX a única forma de Direito Educacional que conhecemos e vivenciamos na estrutura e funcionamento da educação brasileira.

Desta forma, a legislação educacional pode ser entendida como a soma de regras instituídas regular e historicamente a respeito da educação.

Todas as normas educacionais, legais e infralegais, leis e regulamentos, com instrução jurídica, relativas ao setor educacional, na contemporaneidade e no passado, são de interesse da legislação educacional.

Vemos, deste modo, que a legislação educacional pode ter uma acepção ampla, isto é, pode significar as leis da educação, que brotam das constituições nacionais, como a Constituição Federal, considerada a Lei Maior do ordenamento jurídico do país, às leis aprovadas pelo Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República.

Pode, também, a legislação abranger os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as resoluções e pareceres dos órgãos ministeriais ou da administração superior da educação brasileira.

Para este comentário à LDB, vai nos interessar o sentido da Legislação Educacional como ação do Estado sobre a educação, vista, pelo Estado-gestor, como política social. A legislação educacional é, portanto, base da sustentação da estrutura político-jurídica da educação.

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