apostila - linguÍstica textual (segundo 2011) unieuro

57
1 TEXTO I: MOTIVAÇÕES PRAGMÁTICAS INTRODUÇÃO As discussões teóricas na lingüística giram em torno de dois pontos fundamentais dos quais derivam as escolas lingüísticas: a concepção de língua e linguagem e a perspectiva que o pesquisador adota em relação ao seu objeto de estudo. Dependendo do modo como os estudiosos concebem a língua, surge uma teoria e um método equivalente e adequado para explicar seu funcionamento, sua organização, sua estrutura e as possíveis relações da língua com outros elementos internos ou externos ao sistema lingüístico. A partir do século XX, depois da publicação do Curso de lingüística geral, de Ferdinand de Saussure, podemos afirmar que as pesquisas lingüísticas se dividem em dois grandes pólos: o pólo formalista e o pólo funcionalista. Dentro desse paradigma estão as seguintes escolas da lingüística: a sociolingüística, a sociolingüística interacional, o funcionalismo, a lingüística sociocognitiva, a análise do discurso, a pragmática, entre outras. Cada uma delas, a seu modo, ou seja, de acordo com seus modelos teóricos e metodológicos, considera a língua em uso, observando os fenômenos de variação e mudança lingüísticas, as interações face a face (e de outros tipos) entre falante e ouvinte, as influências sociais e psicossociais na estrutura da língua, a ideologia e a construção da subjetividade, os atos de fala no lugar de frases e sentenças verdadeiras e gramaticais, as implicaturas conversacionais, entre outros fatores. Dá-se relevo agora à fala ou ao discurso, e a noção de falante e ouvinte ideais é substituída pela de falante e ouvinte reais, ou seja, interlocutores inseridos num tempo e num espaço determinados. I. FORMALISMO X FUNCIONALISMO A consideração da existência de um modelo com visão funcionalista da linguagem, isto é, com uma visão da linguagem como entidade não suficiente em si, leva, em primeiro lugar, à contraposição com outro modelo que, diferentemente, examina a linguagem como um objeto autônomo, investigando a estrutura lingüística independentemente do uso. O próprio Halliday (Parret, 1974) distingue as duas tradições, a chamada "funcional", na qual ele se coloca e coloca a Escola de Praga, além de Firth, Lamb e a Escola de Londres, e a "formal” representa da especialmente por Bloomfield e por Chomsky. Na verdade, pode-se distinguir dois pólos de atenção opostos no pensamento lingüística, o funcionalismo, no qual a função das formas lingüísticas parece desempenhar um papel predominante, e o formalismo, no qual a análise da forma lingüística parece ser primária, enquanto os interesses funcionais são apenas secundários.

Upload: victor-hugo

Post on 16-Jul-2015

3.613 views

Category:

Documents


37 download

TRANSCRIPT

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 1/57

 

1

TEXTO I: MOTIVAÇÕES PRAGMÁTICAS

INTRODUÇÃO

As discussões teóricas na lingüística giram em torno de dois pontos

fundamentais dos quais derivam as escolas lingüísticas: a concepção de línguae linguagem e a perspectiva que o pesquisador adota em relação ao seu objetode estudo. Dependendo do modo como os estudiosos concebem a língua,surge uma teoria e um método equivalente e adequado para explicar seufuncionamento, sua organização, sua estrutura e as possíveis relações dalíngua com outros elementos internos ou externos ao sistema lingüístico.

A partir do século XX, depois da publicação do Curso de lingüística geral, de Ferdinand de Saussure, podemos afirmar que as pesquisaslingüísticas se dividem em dois grandes pólos: o pólo formalista e o pólofuncionalista.

Dentro desse paradigma estão as seguintes escolas da lingüística: asociolingüística, a sociolingüística interacional, o funcionalismo, a lingüísticasociocognitiva, a análise do discurso, a pragmática, entre outras. Cada umadelas, a seu modo, ou seja, de acordo com seus modelos teóricos emetodológicos, considera a língua em uso, observando os fenômenos devariação e mudança lingüísticas, as interações face a face (e de outros tipos)entre falante e ouvinte, as influências sociais e psicossociais na estrutura dalíngua, a ideologia e a construção da subjetividade, os atos de fala no lugar defrases e sentenças verdadeiras e gramaticais, as implicaturas conversacionais,entre outros fatores. Dá-se relevo agora à fala ou ao discurso, e a noção defalante e ouvinte ideais é substituída pela de falante e ouvinte reais, ou seja,interlocutores inseridos num tempo e num espaço determinados.

I. FORMALISMO X FUNCIONALISMO

A consideração da existência de um modelo com visãofuncionalista da linguagem, isto é, com uma visão da linguagem comoentidade não suficiente em si, leva, em primeiro lugar, à contraposiçãocom outro modelo que, diferentemente, examina a linguagem como um

objeto autônomo, investigando a estrutura lingüística independentementedo uso. O próprio Halliday (Parret, 1974) distingue as duas tradições, achamada "funcional", na qual ele se coloca e coloca a Escola de Praga,além de Firth, Lamb e a Escola de Londres, e a "formal” representadaespecialmente por Bloomfield e por Chomsky.

Na verdade, pode-se distinguir dois pólos de atenção opostos nopensamento lingüística, o funcionalismo, no qual a função das formaslingüísticas parece desempenhar um papel predominante, e oformalismo, no qual a análise da forma lingüística parece ser primária,enquanto os interesses funcionais são apenas secundários.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 2/57

 

2

Uma gramática formalmente orientada, diz Hoffman (1987, p. 114);trata da estrutura sistemática das formas de uma língua, enquanto umagramática funcionalmente orientada analisa a relação sistemática entreas formas e as funções em uma língua. Nas palavras de Dillinger (1991),os formalistas - entre eles os gerativistas - estudam a língua como objeto

descontextualizado, preocupando-se com suas características internas -seus constituintes e as relações entre eles - mas não com as relaçõesentre os constituintes e seus significados, ou entre a língua e seu meio;chegam, desse modo, à concepção de língua como "um conjunto defrases"; "um sistema de sons", "um sistema de signos", equiparando,desse modo, a língua à sua gramática. Os funcionalistas, por seu lado, sepreocupam com as relações (ou funções) entre a língua como um todo eas diversas modalidades de interação social, e não tanto com ascaracterísticas internas da língua; frisam, assim, a importância do papeldo contexto, em particular do contexto social, na compreensão danatureza das línguas.

De fato, como aponta de Beaugrande (1993, capo I, p. 19), adecisão estruturalista de estudar a "língua em si mesma e por si mesma"(langue) e de descrever cada subdomínio ("nível", "componente", etc.)por critérios internos levou a uma ênfase nos dados formais, enquanto osdados funcionais eram atribuídos ao uso da língua (parole) ou à interaçãoentre os subdomínios. O funcionalismo rejeitou essa atribuição edefendeu uma perspectiva mais integrativa na qual todas as unidades eos padrões da língua seriam compreendidos em termos de funções.Surgiu um contraste entre dois esquemas, como se sugere no quadro 1,abaixo. O esquema formalista, desde Bloomfield, teve seus subdomíniosou "níveis" definidos pelas unidades da Langue - fonemas, morfemas,palavras ou lexemas, e sintagmas ou "sintagmemas" -, sendo que osfonemas compõem a parte que o investigador encontra mais diretamente"nos" dados lingüísticos. Os subdomínios ou "níveis" foram relacionadosentre si, ao menos implicitamente, em termos de componentes, com osfonemas constituindo-se em morfemas, os morfemas em palavras, aspalavras em sintagmas:

FORMALISMO FUNCIONALISMOFonemas

MorfemasPalavras – lexemasSintagmas - sintagmemas

Entonação – prosódia

GramáticaDiscurso

(R. de Beaugrande, 1993, capo I, p. 19. Adaptação de M. H. M. Neves)

1.1. O Formalismo: do Descritivismo ao Gerativismo

A lingüística americana possui características particulares na medida emque foi, em grande parte, condicionada pelo estudo das línguas ameríndias: dametade do século XIX aos anos 20 do século XX, um conjunto importante detrabalhos lingüísticos no contexto americano teve como objetivo o

conhecimento dessas línguas para aprendizagem e análise, conhecimento quese integrou aos processos mais amplos de compreensão cultural e social. Isso

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 3/57

 

3

explica porque, nos Estados Unidos, a lingüística esteve integrada àantropologia e tenha funcionado como uma ciência auxiliar. Essa característicacondiciona o fato de os lingüistas americanos (que abordaremos nestecapítulo), terem sido, geralmente, especialistas nas línguas ameríndias.

Isso explica também, em parte, porque a tradição americana foidominada pelo método descritivo: Boas, que consagrou a maior parte de seustrabalhos às línguas indígenas da América, instala uma tradição, isto é, umaescola descritivista, no interior da qual seus sucessores, em particular Sapir eBloomfield, elaboraram suas teorias. Podemos caracterizar o descritivismo pelaescolha de uma abordagem teórica abstrata da linguagem destinada a produzirdescrições práticas e eficazes de línguas particulares (posição diferente da queserá, a partir dos anos 50, a abordagem chomyskiana, cujo objetivo será o deobservar línguas particulares para chegar a uma teoria geral da linguagem). Alingüistica descritivista é uma lingüística sincrônica e favorece a emergência e,mais tarde, a dominância do paradigma estruturalista na lingüística americana,

 já subjacente no século XIX através da influência importante de Whitney: nessesentido, devido à necessidade de descrever línguas ameríndias ágrafas, apostura estrutural se impõe quase naturalmente.

No primeiro terço do século XX, o descritivismo toma a forma do quedenominamos, posteriormente, distribucionalismo, cujas figuras principais sãoBloomfield, depois Harris e Pike, aos quais é preciso acrescentar o francêsGross, introdutor dos métodos harissianos na França.

1.1.1. ZELLIG S. HARRIS E O DISTRIBUCIONALISMO

O trabalho de Zellig S. Harris (1909-1992) se desenvolveu em trêsgrandes etapas: primeiramente, o desenvolvimento do método distribucionalmarcado pela publicação de Methods in Structural Linguistics, em 1947; emseguida a passagem para a gramática transfonnacional com a introdução danoção de transformação formulada em 1968 na obra Mathematical Structure of Language;  enfim, a evolução por uma outra concepção de transformação exposta em A Grammar of English on Mathematical Principles, em 1982.

a). Os quadros do distribucionalismo

Os objetivos da lingüística distribucionalPara Harris, o objetivo da lingüística distribucional é mostrar, a partir da

observação de um corpus  finito de enunciados naturais, que o sistema dalíngua funciona segundo regularidades demonstráveis.

As unidades da língua- Os elementos fonemáticos. Para isolar os elementos fonológicos, é

preciso segmentar a cadeia sonora. Essa operação se faz a partir dacomparação entre numerosos enunciados, colocando em evidência suassemelhanças.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 4/57

 

4

- Os elementos morfemáticos. Harris propõe uma definição dosmorfemas que, igualmente, não recorre aos sentidos. É preciso ressaltar que aacepção americana do termo morfema é diferente daquela utilizada na Europa:trata-se, em Barris, de um equivalente aproximativo de signo.

b). Do distribucionalismo ao transformacionalismo

Das unidades às frasesEm um segundo momento de sua pesquisa, nos anos 1960, Harris

interessa-se pelos planos da frase e do discurso, naturalmente, animado pelasua concepção das unidades da língua que repousa na hierarquização:

Em todo material lingüístico, as unidades, ou ao menos seussegmentos iniciais, podem ser ordenados linearmente. Cada discursoé uma seqüência de fonemas. De maneira mais precisa, significa

dizer que cada morfema é uma seqüência de fonemas, cada palavrauma seqüência de morfemas, cada frase uma seqüência de palavras,e cada discurso uma seqüência de frases (1971, p. 10).

Seu projeto distribucional é renovado pela noção de transformação e dáorigem ao transformacionalismo. Consoante com o método descritivo que elehavia aplicado às unidades da língua e à sua relação distribucional, ele parteda observação de frases para propor em seguida uma formalização possível.Seu objetivo não é o de poder dar conta da totalidade das frases produzidas,mas distinguir as combinações de segmentos que formam as frases aceitáveisdos que não as formam. Esse é, para ele,

o problema central da gramática, a saber, a caracterização deseqüências de sons ou de palavras que constituem frases oudiscursos, por oposição às que não constituem. (1971, p. 23)

Harris está atento ao fato de que "nem todas as combinações deelementos constituem um discurso" (título de um capítulo de Estruturas Matemáticas da Linguagem): 

Em uma língua dada nem todas as seqüências possíveis defonemas que pertencem a essa língua constituem frases ou

discursos. O fato de todas as combinações possíveis não seencontrarem realizadas permite definir todo elemento complexo (porexemplo, os morfemas) como fruto de restrições impostas sobre ascombinações de elementos simples (os fonemas) (1971, p. 13).

A explicação desse fenômeno constitui, em síntese, o programa mínimodo transformacionalismo.

A noção de transformação

A noção de transformação responde a uma interrogação sobre as

relações estabelecidas entre as frases e não sobre sua construção.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 5/57

 

5

As relações entre as frases são fundadas na transformação: as frasesde uma língua podem ser analisadas e classificadas a partir de algumasoperações formais aplicadas às estruturas de frases ditas de base (em inglês,kernels, frases nucleares). Por exemplo, a frase Esse vestido foi feito por uma costureira pode ser analisada como a transformação passiva da frase original:

Uma costureira fez esse vestido. Esse procedimento permite explicar aprodução de frases complexas a partir da decomposição em frases simples.Por exemplo, a frase Maria explica que Paulo está doente  pode serdecomposta em: Maria explica; Paulo está doente, que produzem a frasecomplexa por subordinação.

Esse trabalho não pode ser feito para todas as frases da língua e nãoestá em questão, para Harris, propor uma descrição exaustiva das frases deuma língua, e, menos ainda, propor um modelo abstrato de geração de frases(projeto que será posteriormente desenvolvido por Chomsky); trata-se dereduzir a diversidade e a complexidade aparentes das frases às combinações

de frases simples, que são em número finito:

Pode-se explicar o fato de que discurso e frase são seqüênciasde elementos discretos por meio de uma consideração sobre seunúmero. O conjunto dos elementos gramaticais, de caráter arbitrário(quer se trate de sons, elementos de vocabulário, ou regras declassificação e composição) deve ser finito ou engendrávelrecursivamente a partir de um número finito de geradores; se assimnão o fosse, esse conjunto não poderia ser composto de elementosdiscretos e preestabelecidos, à disposição comum do locutor e doouvinte. Disso deriva o fato de que ao menos uma das formas da

gramática é de natureza finita (1971, p. 12).

1.2. Funcionalismo

O funcionalismo é uma corrente lingüística que, em oposição aoestruturalismo e ao gerativismo, se preocupa em estudar a relação entrea estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextoscomunicativos em que elas são usadas. Assim, a abordagemfuncionalista apresenta não apenas propostas teóricas distintas acercada natureza geral da linguagem, mas diferentes concepções no que diz

respeito aos objetivos da análise lingüística, aos métodos nela utilizadose ao tipo dos dados utilizados como evidência empírica.

Os funcionalistas concebem a linguagem como um instrumento deinteração social, alinhando-se, assim, à tendência que analisa a relação entrelinguagem e sociedade. Seu interesse de investigação lingüística vai além daestrutura gramatical, buscando na situação comunicativa - que envolve osinterlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo - a motivação para osfatos da língua. A abordagem funcionalista procura explicar as regularidadesobservadas no uso interativo da língua, analisando as condições discursivasem que se verifica esse uso. Para compreender isso melhor, vejamos dois

exemplos que refletem um fenômeno relativamente comum no nosso dia-a-dia:

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 6/57

 

6

a). Você é desonesto.b). Desonesto é você.

Como explicar a diferença entre essas duas sentenças? Certamente, umaanálise que observasse apenas seu caráter sintático não daria conta de indicar

por que o falante usaria a sentença exemplificada em (a), em lugar daexemplificada em (b). Ocorre que, ao contrário do que acontece em (a), queconstitui uma afirmativa, a sentença (b) está relacionada a uma situaçãocomunicativa típica de réplica, marcada pela inversão do predicado desonesto,que vai para o início da frase. Isso significa que essa sentença só faz sentidoem um contexto em que o interlocutor tenha feito anteriormente o mesmoinsulto. Esse exemplo demonstra a essência da análise funcionalista, queamplia seu campo de visão, recorrendo ao contexto de uso o qual, porhipótese, motiva as diferentes estruturas sintáticas.

Ou seja, na análise de cunho funcionalista, os enunciados e os textos são

relacionados às funções que eles desempenham na comunicação interpessoal.Ou seja, o funcionalismo procura essencialmente trabalhar com dados reais defala ou escrita retirados de contextos efetivos de comunicação, evitando lidarcom frases inventadas, dissociadas de sua função no ato da comunicação. É auniversalidade dos usos a que a linguagem serve nas sociedades humanasque explica a existência dos universais lingüísticos,z em contraposição àpostura gerativista, que considera que os universais derivam de uma herançalingüística genética comum à espécie humana.

Funcionalistas e gerativistas divergem também com relação ao processode aquisição da linguagem. Os funcionalistas tendem a explicá-lo em termosdo desenvolvimento das necessidades e habilidades comunicativas da criançana sociedade. A criança é dotada de uma capacidade cognitiva rica que tornapossível a aprendizagem da linguagem, assim como outros tipos deaprendizagem. É com base nos dados lingüísticos a que é exposta em situaçãode interação com os membros de sua comunidade de fala que a criançaconstrói a gramática da sua língua. Os gerativistas, por outro lado, explicam aaquisição da linguagem em termos de uma capacidade humana específicapara a aprendizagem da língua.

Ao mencionarmos a idéia de uma capacidade cognitiva rica, frisamos

mais uma importante característica do funcionalismo: a visão de que alinguagem não constitui um conhecimento específico, como propõem osgerativistas, mas um conjunto complexo de atividades comunicativas, sociais ecognitivas integradas ao resto da psicologia humana. Assim, a visãofuncionalista de cognição assume que a linguagem reflete processos gerais depensamento que os indivíduos elaboram ao criarem significados, adaptando-osa diferentes situações de interação com outros indivíduos. Ou seja, osconceitos humanos associam-se à época, à cultura e até mesmo a inclinaçõesindividuais caracterizadas no uso da linguagem.

Resumindo o que foi visto até aqui, o modelo funcionalista de análiselingüística caracteriza-se por duas propostas básicas:

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 7/57

 

7

a). a língua desempenha funções que são externas ao sistema lingüísticoem si;

b). as funções externas influenciam a organização interna do sistemalingüístico.

Sendo assim, a língua não constitui um conhecimento autônomo,independente do comportamento social, ao contrário, reflete uma adaptação,pelo falante, às diferentes situações comunicativas.

Por um lado, essas propostas opõem o funcionalismo às abordagens quenão se interessam pela atuação de fenômenos externos à estrutura das línguas(como o estruturalismo e o gerativismo); por outro lado, elas contrastamdiferentes visões funcionalistas, opondo modelos mais antigos, que focalizamas funções associadas à organização interna do sistema lingüístico (como nafonologia de Praga, por exemplo), a modelos mais recentes, que consideramas funções que a linguagem pode desempenhar nas situações comunicativas,

dando maior ou menor peso aos aspectos cognitivos relacionados àcomunicação.

É costume distinguir as análises na linha funcionalista com base no grauem que se considera o condicionamento do sistema lingüístico pelas funçõesexternas. A postura mais radical propõe que as funções externas (tais como ospropósitos comunicativos dos interlocutores) definem as categoriasgramaticais, de modo que não seria necessário postular categorias autônomase independentes. Em outras palavras, não existiria o nível estrutural chamadosintaxe: a língua poderia ser descrita unicamente com base nos princípioscomunicativos.

Nessa linha, inserem-se o trabalho de DuBois (1985) sobre a estruturados argumentos preferida em uma dada língua e o trabalho de Hopper &Thompson (1980), que trata a transitividade como uma categoria que deriva dodiscurso.

Uma postura mais moderada admite uma interação entre forma e função,de modo que as funções externas atuariam concomitantemente com aorganização formal inerente ao sistema lingüístico, influenciando-a em certospontos, sem fundamentalmente definir suas categorias básicas. Servem como

exemplo dessa postura mais moderada o funcionalismo de Dik e de Halliday,que, reconhecendo a inadequação do formalismo, propõem a incorporação dasemântica e da pragmática4 à análise sintática. Vejamos mais detalhadamentealguns desses diferentes modelos funcionalistas.

1.2.1. O Funcionalismo Europeu

Embora freqüentemente contrastado ao estruturalismo, o funcionalismosurge como um movimento particular dentro do estruturalismo, enfatizando afunção das unidades lingüísticas: na fonologia, o papel dos fonemas(segmentais e suprasegmentais) na distinção e demarcação das palavras; na

sintaxe, o papel da estrutura da sentença no contexto. Atribui-se aos membrosda Escola de Praga, que se originou no Círculo Lingüístico de Praga fundado

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 8/57

 

8

em 1926 pelo lingüista tcheco Vilém Mathesius, as primeiras análises na linhafuncionalista. Com relação ao ponto de vista saussuriano, esses lingüistas seopunham à distinção nítida entre sincronia e diacronia, assim como à noção dehomogeneidade do sistema lingüística. Sua contribuição pode ser sintetizadano uso dos termos função/funcional, no estabelecimento dos fundamentos

teóricos básicos do funcionalismo e nas análises que levam em contaparâmetros pragmáticos e discursivos.

Foi na área dos estudos fonológicos, principalmente, que a Escola dePraga obteve maior projeção. Entre os seus principais representantes,destacam-se Nikolaj Trubetzkoy e Roman Jakobson, ambos de origem russa.Os trabalhos de Tmbetzkoy lançaram os fundamentos para o desenvolvimentoda fonologia de um modo geral. Deve-se a ele a teoria estruturalista dofonema, a noção de contraste funcional utilizada na distinção entre fonética efonologia, a teoria dos sistemas fonológicos desenvolvida com Jakobson e oconceito de traços distintivos, mais tarde incorporado à teoria da fonologia

gerativa, em 1960, por Chomsky e Halle, discípulo e colaborador de Jakobson.

De acordo com a fonologia desenvolvida em Praga, os fonemas, definidoscomo elementos mínimos do sistema lingüístico, não são elementos mínimosem si, mas feixes ou conjuntos de traços distintivos simultâneos. Por exemplo,o fonema /p/   é constituído dos traços: oc1usivo, bilabial, surdo; enquanto ofonema /b/ reúne os traços: oc1usivo, bilabial, sonoro. Logo, /p/ e /b/  diferemquanto à sonoridade, e é esse traço [+ ou - sonoro] que distingue paresmínimos, como as palavras "pata" e "bara' ou "pico" e "bico".

Além da função distintiva, Trubetzkoy e seus seguidores estabeleceramtambém a função demarcadora e a função expressiva dos fonemas. A funçãodemarcadora serve para marcar a fronteira entre uma forma e outra na cadeiada fala. O acento tônico das palavras, por exemplo, tem uma funçãodemarcadora importante no português, como em "fábrica” (substantivo) e"fabrica" (verbo). A função expressiva de um traço fonológico indica o estadode espírito do falante, seus sentimentos ou sua atitude, como, por exemplo, apronúncia enfática de uma palavra, com o alongamento da vogal (/liiiiindo/).

Jakobson, por sua vez, é responsável pela introdução do conceito demarcação na morfologia. Aplicado primeiramente na fonologia, o princípio de

marcação estabelece a distinção entre categorias marcadas e categorias não-marcadas, em um contraste binário. Por exemplo, a oposição entre /p/ e /b/ ,vista anteriormente, se dá através do traço sonoridade. Quanto a esse traço,então, Ib/, que se caracteriza pelo traço [+ sonoro], é marcado, já /p/ ,caracterizado pelo traço [- sonoro], é não-marcado. Na morfologia, com relaçãoà categoria de número, a forma "meninos" [+ plural] é marcada em oposição a"menino" [- plural], forma não-marcada. As idéias de Jakobson extrapolaram alingüística, refletindo-se as áreas da poesia e da antropologia.

Os lingüistas da Escola de Praga estenderam o funcionalismo para alémda fonologia. Com relação à estrutura gramatical das línguas, Mathesius

antecipou uma concepção funcional da sentença, que deu origem, mais tarde,à teoria da perspectiva funcional da sentença, um tipo de análise em termos da

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 9/57

 

9

informação transmitida pela organização das palavras. O conceito deinformação, tal como é usado na lingüística, é definido como um processo deinteração entre o que já é conhecido ou predizíve1 e o que é novo ouimprevisto (Halliday, 1985). A categoria perspectiva dá conta do contraste entresentenças sintaticamente distintas que descrevem o mesmo estado de coisas.

Vejamos dois enunciados como os apresentados abaixo:

a). Eu já li esse livro.b). Esse livro eu já li.

Podemos tratar esses enunciados como sentenças diferentes com basenas diferenças na ordenação dos seus elementos, ou podemos tratá-los comoversões alternativas de dizer a mesma sentença, já que transmitem o mesmoconteúdo semântico ou a mesma informação. Temos aqui um problemasemelhante ao que apresentamos no exemplo anterior: como justificar o uso deuma ou outra dessas sentenças em um determinado contexto?

Se considerarmos, como costumam fazer os funcionalistas, que aorganização sintática da cláusula é motivada pelo contexto discursivo em queesta ocorre, não podemos dizer que (a) e (b) seriam empregadas na mesmasituação de comunicação. Ou seja, embora essas cláusulas pareçamequivalentes do ponto de vista semântico, elas diferem do ponto de vistapragmático. Essa diferença pragmática está relacionada ao status informacional dos elementos que compõem a cláusula: nos exemplos emquestão, é interessante o fato de "esse livro" ter ou não sido mencionadoanteriormente, ou seja, constituir ou não informação nova para o interlocutor.No caso do exemplo (b), o termo "esse livro" já foi mencionado, apresentandostatus de informação dada (ou informação velha), o que motiva sua colocaçãono início da sentença. Questões dessa ordem estão diretamente envolvidas nopapel funcional da sentença, tal como sugerido por Mathesius.

Seguindo a tradição da Escola de Praga, Jan Firbas desenvolveu, nocomeço da década de 1960, um modelo da estrutura informacional dasentença que buscava analisar sentenças efetivamente enunciadas paradeterminar sua função comunicativa. Nesse modelo, a parte da sentença querepresenta informação dada, ou já conhecida pelo ouvinte, tem o menor graude dinamismo comunicativo, ou seja, a quantidade de informação que ela

comunica aos interlocutores no contexto é a menor possível. Essa parte édenominada tema. A parte que contem a informação nova apresenta o graumáximo de dinamismo e forma o rema. Suponhamos o seguinte diálogo:

A: O que Maria comprou?B: Maria comprou uma bolsa preta.

Nesse contexto, "Maria comprou" é o tema e "uma bolsa preta" é o rema.Como mencionamos anteriormente, a tendência geral é que as partes quecontêm o menor grau de dinamismo comunicativo tendem a vir no início dasentença, enquanto as partes com o grau mais alto vêm por último.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 10/57

 

10

Em oposição à corrente lingüística que focalizava o estudo da linguagemenquanto expressão do pensamento, os funcionalistas de Praga enfatizaram ocaráter multifuncional da linguagem, ressaltando a importância das funçõesexpressiva e conotativa, entre outras, além da referencial (ver o capítulo"Funções da linguagem"). A influência da Escola de Praga foi duradoura e,

profunda. As idéias originadas nesse período são a fonte para diversostrabalhos posteriores, principalmente de Roman Jakobson e André Martinet,considerados os dois divulgadores mais importantes do pensamento lingüísticointernacional da Escola de Praga. Dentre as principais contribuições dessaescola estão a distinção entre as análises fonética e fonológica dos sons, aanálise dos fonemas em traços distintivos e as noções correlatas de binário emarcado.

A tendência de analisar a língua de um ponto de vista funcional estátambém presente no chamado grupo holandês. No final da década de 1970, olingüista holandês Simon Dik e seus seguidores desenvolveram um modelo de

sintaxe funcional em que as funções em uma sentença são analisadas em trêsníveis distintos. Tomemos, como exemplo, a sentença "João chegou cedo"."João" desempenha a função sintática de sujeito, a função semântica deagente e a função pragmática de tema. Primeiro as funções semânticas sãoassociadas com os predicados no léxico (por exemplo, agente + "chegar"), e onúcleo de uma sentença (no nosso exemplo, "João chegou") pode serampliado por satélites ("cedo", nesse caso). As funções sintáticas são entãorelacionadas aos seus elementos e, por último, às funções pragmáticas. Alingüística, portanto, tem que tratar de dois tipos de sistemas de regras: de umlado, as regras semânticas, sintáticas, morfológicas e fonológicas(responsáveis pela constituição das estruturas lingüísticas), de outro lado, asregras pragmáticas (responsáveis pelos modelos de interação verbal em queas estruturas lingüísticas são usadas). Dik trabalha com uma concepçãoteleológica de linguagem. Para ele, o principal interesse de uma lingüísticafuncionalista está nos processos relacionados ao êxito dos falantes ao secomunicarem por meio de expressões lingüísticas.

1.2.2. O Funcionalismo Norte-Americano

A partir do estruturalismo, a lingüística norte-americana foi dominada poruma tendência formalista que se enraizou com Leonard Bloomfield e se

mantém até hoje com a lingüística gerativa. Entretanto, paralelamente foi sedesenvolvendo uma tendência para o funcionalismo sob influência dostrabalhos de etnolingüistas, como Franz Boas, Edward Sapir e Benjamin LeeWhorf Dwight Bolinger é freqüentemente apontado como um dos precursoresda abordagem funcionalista norte-americana. Ainda durante o predomínio dasteorias formais, Bolinger chamava a atenção para o fato de que fatorespragmáticos operavam em determinados fenômenos lingüísticos estudadospelos estruturalistas e gerativistas. Embora não tenha avançado um esboçocompleto de uma gramática funcionalista, Bolinger impulsionóu o funcionalismocom suas análises de fenômenos particulares, em especial seu estudo pioneirosobre a pragmática da ordenação das palavras na cláusula.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 11/57

 

11

Diferentemente das teorias formais, o funcionalismo pretende explicar alíngua com base no contexto lingüístico e na situação extralingüística. Deacordo com essa concepção, a sintaxe é uma estrutura em constante mutaçãoem conseqüência das vicissitudes do discurso, ao qual se molda. Ou seja, háuma forte vinculação entre discurso e gramática: a sintaxe tem a forma que tem

em razão das estratégias de organização da informação empregadas pelosfalantes no momento da interação discursiva.

Dessa maneira, para compreender o fenômeno sintático, seria precisoestudar a língua em uso em seus contextos discursivos específicos, pois éneste espaço que a gramática é constituída. Em termos funcionalistas, essaconcepção de sintaxe corresponde às noções de "gramática emergente"(Hopper, 1998) ou "sistema adaptativo" (DuBois, 1985).

Considerar a gramática como um organismo maleável, que se adapta àsnecessidades comunicativas e cognitivas dos falantes, implica reconhecer que

a gramática de qualquer língua exibe padrões morfossintáticos estáveis,sistematizados pelo uso, ao lado de mecanismos de codificação emergentes.Em outras palavras, as regras da gramática são modificadas pelo uso (isto é,as línguas variam e mudam), e, portanto, é necessário observar a língua comoela é falada. Nesse sentido, a análise dos processos de variação e mudançalingüística constitui uma das áreas de interesse privilegiado da lingüísticafuncional.

a). Informatividade

O princípio de informatividade focaliza o conhecimento que osinterlocutores compartilham, ou supõem que compartilham, nainteração verbal. De um modo geral, a aplicação desse princípio setem voltado para o exame do status  informacional dos referentes nominais.Desse modo, um sintagma nominal pode ser classificado como dado, novo,disponível e inferível.

Um referente pode ser dado, ou velho, se já tiver ocorrido no texto(referente textualmente dado) ou se estiver disponível na situação de fala(referente situacionalmente dado), como os próprios participantes do discurso:falante e ouvinte. Vejamos os dois casos respectivos nos exemplos seguintes,

retirados do corpus Discurso & Gramática:?a). aí o mecânico falou que ... (Ø) não sabia qual o homem que tinha apertado

aquilo ((riso))b). E: e:: agora eu queria que você me ... me dissesse ... alguma coisa que você

sabe fazer ... ou que você ... goste de fazer ... e como é que se faz isso ...

No exemplo (a), o sujeito do verbo "saber" (marcado pelo símbolo Ø, queindica sua omissão) foi mencionado na primeira cláusula, constituindo um casode referente anteriormente dado: "o mecânico". Por isso ele não precisa serrepetido na sentença seguinte. No exemplo (b), em que o entrevistador pede

ao informante que ele diga algo que sabe fazer, embora a palavra "você" sejaambígua no sentido de que pode se referir a qualquer pessoa, o contexto

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 12/57

 

12

permite que interlocutor (o entrevistado) perceba que é a ele que o falantedeseja se referir. Em circunstâncias desse tipo, como a situação contextual nãodeixa dúvidas quanto ao sentido do termo, temos um caso de referentesituacionalmente dado.

Um referente é novo quando é introduzido pela primeira vez no discurso,como no exemplo (c). Se já está na mente do ouvinte por ser geralmente umreferente único (num dado contexto), é chamado disponível. São exemplos dereferentes disponíveis termos como "a lua", "o sol", "Pelé" ou "Petrópolis",como no caso (d):

(c). aí quando chegou ... ali na:: decida/ porque é ... Barra ... Tijuca ... né?quando estava quase chegando a ... Tijuca ... vinha um ônibus  na::direção deles ... e tinha um caminhão ... parado aqui (Informante 12,Dario, Discurso & Gramática, RJ)

(d). ... mas ... eu fui a Petrópolis  com uma amiga ... que nunca tinha subido a

serra.

Um referente denomina-se inferível  quando é identificado através de umprocesso de inferência - exemplo (e) - a partir de outras informações dadas. Asentidades inferíveis geralmente são codificadas com um artigo definido:

(e). ... quando ela viu o ônibus passar ... mas o ônibus já estava indo ... e elacomeçou a gritar e todo o ponto de ônibus assim lotado ... né? ela começoua gritar pro motorista ... mas ela estava um pouco longe ...

Nesse caso, o referente "o motorista" não foi mencionado, não

constituindo informação dada (ou velha). Entretanto, como um ônibus implica aexistência de um motorista, o ouvinte não tem problemas em identificar essainformação, que, por isso, também não pode ser classificada como nova.Temos aí um caso de referente inferível.

O status informacional dos elementos lingüísticos é importante no sentidode que interfere, por exemplo, na ordenação que eles assumem na cláusula,como veremos a seguir no conceito de iconicidade.

II. PRAGMÁTICA

2.1. Linhas Gerais

Mesmo que se admita a variedade presente na Pragmática, também sedeve admitir que as autoras e autores desse domínio têm certos pressupostosem comum. Haberland & Mey (1977), editores do Journal of Pragmatics, naprimeira edição desse periódico, afirmam que a Pragmática analisa, de umlado, o uso concreto da linguagem, com vistas em seus usuários e usuárias, naprática lingüística; e, de outro lado, estuda as condições que governam essaprática. Assim, em primeiro lugar, a Pragmática pode ser apontada como a ciência do uso lingüístico. As pessoas que a estudam esperam explicar antes alinguagem do que a língua. Essa afirmação é decorrente da dicotomia clássicasaussureana língua/fala: Saussure (1991) defende que a língua, que seria o

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 13/57

 

13

objeto de estudo da Lingüística por excelência, é a linguagem menos a fala,enquanto a Pragmática se inicia justamente defendendo a não-centralidade dalíngua em relação à fala. Em outras palavras, a Pragmática aposta nos estudosda linguagem, levando em conta também a fala, e nunca nos estudos da línguaisolada de sua produção social. Dessa forma, os estudos pragmáticos

pretendem definir o que é linguagem e analisá-la trazendo para a definição osconceitos de sociedade  e de comunicação  descartados pela Lingüísticasaussureana na subtração da fala, ou seja, na subtração das pessoas quefalam.

Um segundo ponto acordado entre os estudiosos e estudiosas dessaárea é que os fenômenos lingüísticos não são puramente convencionais, massim compostos também por elementos criativos, inovadores, que se alteram einteragem durante o processo de uso da linguagem. Numa pequena fitacassete, com uma gravação curta de alguém conversando com um lingüista,vamos escutar trechos do tipo:

(1)Entrevistadora: Então ela largou o namorado?Entrevistada: Eu vi ela largar ... largou sim ... largou a ele ...Entrevistadora: A ele?Entrevistada: é, a ele, sim; a ele... largou a ele aquela vidainfeliz que

eles tinham juntos ... largou a ele.

Repare que a entrevistadora tem um impasse de interpretação da fala daentrevistada porque esta última cria uma estrutura "alterada", um objeto indiretoinesperado, no entanto de extrema importância para o entendimento, não só doque a entrevistada queria dizer, mas principalmente das possibilidadesexpressivas de inovações lingüísticas. O que vemos aqui não é poesia, ouvariação lingüística. Ainda que poesia e variação expressem esse mesmo tipode situações criativas, esse diálogo (1) é a prova de que não é produtivodescrever a linguagem como um sistema delimitável, mas sim que esta deveser trabalhada a partir da possibilidade de se juntar grupos de indícios sobreseu funcionamento, tendo como limite possível um recorte convencional, não justificado por qualquer fator inerente à linguagem. Quando a análise lingüísticaé feita em outros moldes, trechos como de (1) são descartados como erros deuso do sistema, ou, na melhor das hipóteses, exceção - "licença poética".

Como a Pragmática é uma área genericamente definida por pesquisarsobre o uso lingüístico, os temas escolhidos para análise são amplos evariados. Em publicações da Pragmática podemos ler estudos teóricos sobre arelação entre signos e falantes, como é o caso do estudo de Mey (1985), queprocura debater o lugar da linguagem na sociedade, de uma perspectivamarxista, discutindo o conceito de manipulação lingüística. Tambémencontramos levantamento de aspectos de diálogos entre falantes de umamesma comunidade ou comunidades diferentes (Verschueren & Bertuccelli-Papi, 1987). Observe o diálogo a seguir:

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 14/57

 

14

(2)A: Você viu meu rato por aí?B [apontando um rádio ao seu lado]: Está aqui o rádio.A: Não, é o rato mesmo. Meu rato de borracha.

B compreende a palavra rato, mas considera 1°) a improbabilidade dealguém estar procurando seu próprio rato (!); 2°) a proximidade concreta  [aoseu lado] de um objeto e fonológica da palavra que se refere a esse objeto.Assim, uma análise pragmática desse diálogo deve considerar tantos aspectosda estrutura da própria língua quanto aspectos relacionados ao usuário ou à

usuária (a situação que ele/ela vivencia).

Um outro tipo de tema comumente levantado pelos estudos pragmáticossão os funcionamentos e efeitos de atos de fala. Atos de fala  é um conceitoproposto pelo filósofo inglês J. L. Austin para debater a realidade de ação dafala, ou seja, a relação entre o que se diz e o que se faz - ou, mais

acuradamente, o fato de que se diz fazendo, ou se faz dizendo. Alguns estudosprocuram, por exemplo, classificar os atos de fala de acordo com seus efeitos.É o caso de Benveniste (1991), que pretende classificar os atos de fala. De umlado teríamos aqueles atos que seriam compostos por um verbo declarativo jussivo na primeira pessoa do presente mais uma afirmação, como:

(3) Eu ordeno que você saia.

Ainda que ele não explique detalhadamente o que seriam esses tipos deverbos, na lista dos "declarativos-jussivos", Benveniste inclui ordenar,comandar, decretar, o que nos leva a perceber esses verbos comoestabelecendo uma relação entre "declaração de uma ação" e "jus à posição deautoridade para tal ação". Assim, ordenar  não só explicita, "declara" a açãofeita por quem fala, como este deve estar apto a fazê-lo. No caso do exemplo(3), "ordenar" é o verbo declarativo-jussivo, e "você saia", a afirmação.

A Teoria da coerência  elaborada por Davidson (1986), e respaldadapelas críticas de Rorty (1994) à tradição analítica, delineia um arcabouçoteórico para tratar a coerência interna, e não a verdade, como o elemento quesustenta qualquer sistema interpretativo. Dessa forma, o que Davidson quermostrar é que as atitudes proposicionais de uma pessoa, sua fala, crenças e

intenções são verdadeiras porque existe um princípio legítimo que diz quequalquer uma das atitudes proposicionais do falante é verdadeira se ela é coerente com  o conjunto de atitudes proposicionais desse mesmo falante.Tomemos um exemplo:

(4)A: Estou pensando em assistir ao carnaval em Olinda.

Você, que é de lá, sabe se tem muito barulho?B: Não, tem polícia, é tudo bem organizado.A: A polícia não deixa ter muito samba?B: Não, a polícia não deixa as pessoas bagunçarem

as ruas.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 15/57

 

15

A: Não, não foi isso que eu quis dizer. Eu não estoufalando de barulho como bagunça, estou falandode barulho de batida de samba.

Esse trecho ilustra o que, entre lingüistas, é conhecido como "mal-

entendido", um momento no diálogo em que não há coincidência deinterpretação entre participantes. Muitos estudos têm procurado estabelecerpadrões para a "resolução" desses chamados mal-entendidos, justificando, porexemplo em (6), que a expressão "barulho" é empregada com diferençasculturais suficientemente marcantes para causar diferença também nainterpretação preferencial de tal expressão.

Um exemplo deste tipo de idéia de que mal-entendidos são erros edevem ser resolvidos é um texto de M. Dascal (1986) chamado A relevância do mal-entendido' . Não se iludam pelo título. O texto de Dascal procura respondercom especial ênfase à questão sobre a relação entre entender e mal-entender.

De acordo com esse autor, o mal-entendido relaciona-se com o entender namedida em que ambos estão ligados a camadas de um esquemaconversacional que é sempre utilizado pelos interlocutores e interlocutoras naatividade de linguagem.

2.2. Implícitos ou Implicaturas Conversacionais

As implicaturas conversacionais constituem um dos mais importantesestudos que exerceram influência decisiva para o desenvolvimento dapragmática. Cabe ao filósofo americano H. P. Grice, cujos estudos datam de1957, e que foram revisados em 1975, as noções de "implicatura” e o

estabelecimento de princípios que regem a comunicação.

Grice distinguiu dois tipos de implicaturas. As convencionais  são asimplicaturas cuja significação é gerada internamente, isto é, dentro do sistemalingüístico: na frase "Apesar de fanfarrão, ele é um bom jogador de futebol", porexemplo, a locução conjuntiva "apesar de" provoca as relações de sentidoentre uma oração e outra (no caso, uma relação de concessão). Já asimplicaturas conversacionais  estão mais ligadas ao contexto extralingüístico.Refletindo sobre este segundo tipo de implicatura, Grice criou os princípios decooperação e as máximas conversacionais. Para ele, nem sempre o que se diz

corresponde à realidade ou é realmente aquilo que se quer dizer, donde aimportância de se recorrer, nestes casos, ao contexto comunicativo: osignificado é obtido, então, por meio de uma implicatura, isto é, do resultado daadesão ao princípio de cooperação que guiaria a interação verbal (lingüística)entre os indivíduos.

Então, num diálogo como esse:

A: Você vai ao cinema com a gente?B: Estou com dor de cabeça.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 16/57

 

16

a resposta, que a princípio parece inadequada, é interpretada através de umaimplicatura conversacional. Para não dizer "não" explicitamente, B optou porum outro tipo de resposta, indireta, mantendo o mesmo efeito negativo.

A interligação da semântica com a pragmática manifesta-se só na

superfície do texto, como ainda nos seus implícitos, sob a forma depressupostos ou nas feições de subentendidos que, na troca linguageira,representam-se como estratégias linguísticas e referenciais, destinadas afazer compreender não somente o que é dito com palavras novas, mastambém com silêncios.

Não se nega o fato da presença do implícito em tudo o quedizemos; cada vez que falamos, oculta-se em nossa fala grande parte deimplícito - a linguagem comportando uma parte de significação deixada àinterpretação. Para termos uma clara ideia do que acabou de serexplicado, vamos outros exemplos;

Exemplo 1: Os partidos socialistas garantem a democracia noBrasil. 

Pressuposto: há partidos socialistas no Brasil. 

Exemplo2: Diplomou-se em direito, mas não advoga bem.Pressuposto: o fato de ter-se formado em direito não significa

ser bom advogado. 

Os pressupostos configuram-se como conteúdos que, sem

estarem presentes na mensagem de modo explícito, estãointrinsecamente inscritos no enunciado. São, em geral, independentesdo contexto.

Exemplo: Pedra impede Maria de partir.Pressuposto: Maria quer partir.

Independentemente de seu caráter semântico ou, em alguns casos,pragmático, são informações que se dão por sabidas ou cujo conhecimento,em alguns casos, se provoca.

BIBLIOGRAFIA

01). ADAM, Jean-Michel. A Lingüística Textual: Introdução à análisetextual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008.

02). GUIMARÃES, Elisa. Texto, Discurso e Ensino. São Paulo, Contexto,2009.

03). KÖCHE, Vanilda Salton. Leitura e Produção Textual: GênerosTextuais do Argumentar e Expor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

04). MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de Lingística. SãoPaulo: Contexto, 2008.

05). PAVEAU, Marie-Anne.As Grandes Teorias da LINGUÍSTICA: da

Comparada à Pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 17/57

 

17

EXERCÍCIOS PARTE I

01). Assinale as afirmativas que estão de acordo com os postuladosda abordagem funcionalista:

a) A existência de universais lingüísticas é explicada em termos de

uma dotação lingüística genética compartilhada pela espéciehumana.b) A existência de universais lingüísticos é motivada pelos usos

comuns a que a linguagem se presta nas comunidades de fala.c) As funções que a língua desempenha têm influência sobre a

organização interna do sistema lingüístico, o que significa que arelação entre forma e conteúdo é motivada.

d) A arbitrariedade, ou ausência de relação direta entre expressão esignificado, permeia todos os níveis de organização do sistemalingüística.

e) A gramática é um organismo maleável, que se adapta às

necessidades comunicativas e cognitivas dos usuários da língua.02). Classifique os elementos em itálico em termos do seu status 

informacional nas duas passagens retiradas do corpus  do Grupo deEstudos Discurso & Gramática de Natal, RN:

a) Eu  tive um namorado, meu vizinho, que minha mãe não queria, epor este motivo eu não conseguia de deixar de namorar este rapaz,fiz muita coisa que hoje eu não faria, mentia; apanhei por causadele, mais não valeu a pena porque hoje nós estamos com outras pessoas.

b) Eu vou contar uma viagem que a gente fez, hoje faz quinze dias, lápra casa de minha avó, sabe? Bom Jesus. Aí quando meu paichegou lá, começou beber umas, né? Aí a gente veio. No caminho,o carro ficava no meio da pista e a gente tudo preocupado. Pareciaque eu que vinha dirigindo, sabe?

03). Classifique os elementos em itálico em termos do seu status informacional nas duas passagens retiradas do corpus  doGrupo de Estudos Discurso & Gramática de Natal, RN:

a) Eu  tive um namorado, meu vizinho, que minha mãe não queria, epor este motivo eu não conseguia de deixar de namorar este rapaz,fiz muita coisa que hoje eu não faria, mentia; apanhei por causadele, mais não valeu a pena porque hoje nós estamos com outras 

pessoas.b) Eu vou contar uma viagem que a gente fez, hoje faz quinze dias, lá

pra casa de minha avó, sabe? Bom Jesus. Aí quando meu paichegou lá, começou beber umas, né? Aí a gente veio. No caminho,o carro ficava no meio da pista e a gente tudo preocupado. Pareciaque eu que vinha dirigindo, sabe?

04). Indique, por meio de comparações, os elementos da primeiraarticulação de:

maldade, escuridão, anormalidade, desesrruturássemos, desarmarás,explicar, incomum, deslealdade, imoralidade, recontávamos,

descosturariam, exportar.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 18/57

 

18

05). Com base na afirmativa abaixo, disserte sobre o conceito degramática:

O vocábulo "deslealmente" é composto dos elementos daprimeira articulação des-, - leal- e - mente. É importante observar,entretanto, que esses elementos se ligam segundo uma

determinada ordem, já que algo como "memelealdes" ou "lealdesmente" não faz sentido em português.

06). Leia as sentenças abaixo. Ponha um asterisco antes daquelas queconsiderar, segundo a sua intuição, agramaticais e escreva OK depoisdaquelas que considerar gramaticais. Logo após explique: de onde vem essaintuição sobre as frases da língua?

a). Parece que os alunos estão cansados.b). Os alunos, parece que estão cansados.c). Os alunos parecem estar cansados.d). Os alunos parecem estarem cansados.

e). Parece os alunos estarem cansados.f). Parece os alunos estar cansados.g). Os alunos, parece que eles estão cansados.

07). No final da festa do aniversário do seu filho, dona Maria ia anunciarque estava na hora de cortar o bolo e disse a seguinte frase: "Vamos, gente,está na hora de cortar o colo!". A própria falante riu do que disse e corrigiu afrase logo depois. O erro lingüístico que dona Maria cometeu deve serexplicado como um problema na competência ou no desempenho  lingüística?Explique.

08). Observe os dados do inglês e do espanhol abaixo. Leve emconsideração também a tradução dessas frases para o português. Explique ocomportamento dos sujeitos e dos objetos (nulos ou preenchidos) nessas trêslínguas de acordo com as noções de princípios e parâmetros.

INGL S ESPANHOLDid you see John? Int. você viu João?  Tu viste a Juan Você viu João? Yes, I saw him. Sim, eu vi-o.  Si, yo lo vi. Sim, eu o vi. * Yes, I saw. Sim, eu vi Ø  * Sí, lo vi Sim, o vi.

* Yes, saw him Sim, eu vi Ø  * Si, yo vi Sim, eu vi Ø * Yes saw. Sim, Ø vi Ø.  * Si, vi Sim, Ø vi Ø 

09).  Será que após você ler uma sentença como “O livro foi lido por João”, você reter aproximadamente “João leu o livro” se deve ao fato de vocêpercorrer o caminho inverso da cadeia superficial até a sentença nuclear,retendo os índices transformacionais, como queria Mehler, ou se deve a outrosfatores?

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 19/57

 

19

10). Leia o texto abaixo para responder às questões:“Chatear” e “encher” 

Um amigo meu me ensina a diferença entre "chatear" e "encher". Chatear éassim: você telefona para um escritório qualquer na cidade.

- Alô! Quer me chamar, por favor, o Valdemar?

- Aqui não tem nenhum Valdemar.Daí a alguns minutos você liga de novo:- O Valdemar, por obséquio.- Cavalheiro, aqui não tem nenhum Valdemar.- Mas não é do número tal?- É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar.

Mais cinco minutos, você liga o mesmo número:- Por favor, o Valdemar já chegou?- Vê se te manca, palhaço. Já não lhe disse que o diabo desse Valdemar nuncatrabalhou aqui?

- Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí.- Não chateia.

Daí a dez minutos liga de novo.- Escute uma coisa' O Valdemar não deixou pelo menos um recado?O outro dessa vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis.Até aqui é chatear. Para encher, espere passar mais dez minutos, faça nova

ligação:- Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar. Alguém telefonou para mim?

(Paulo Mendes Campos, "Chatear" e "encher". In: ler. vol. 2. São Paulo,Ática, 1983. p. 35)

a). Após a leitura do texto, caracterize cada diálogo como polido eimpolido, identificando os itens lingüísticos que caracterizam ora a atitudepolida, ora a impolida.

b). Mostre com passagens do texto como o "personagem" infringiu as trêsregras de polidez apresentadas por Lakoff:

não imponha; dê opções; faça "A" sentir-se bem; seja amigável.

c). Estabeleça a diferença entre chatear e encher, explicando a teoria dapolidez.

d). Pensando na afirmação "quando dizer é fazer", que ações  (atos defala) são realizadas pelo "personagem" que indiquem o que é chatear, de umlado, e o que é encher, de outro.

e). Segundo Searle, os atos de fala classificam-se em: assertivos: quando dizemos às pessoas como as coisas são; declarativos: quando tentamos levar as pessoas a fazer coisas; expressivos: quando expressamos sentimentos e atitudes; comissivos: quando produzimos mudanças por meio de nossas ações.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 20/57

 

20

TEXTO II: LINGUÍSTICA TEXTUAL

I. O QUE É LINGUÍSTICA TEXTUAL?

"Quo vadis, Textlinguistik?" É com estas palavras que Heinemann &

Viehweger (1991) encerram o capítulo introdutório de seu livro Textlinguistik: Eine Eiführung, intitulado "O que é e o que pretende a Lingüística Textual?"

Por seu turno, Antos (1997) propõe que, para obter uma resposta a essaquestão, se parta da pergunta: "O que deve e o que pode explicar a LingüísticaTextual?". Segundo ele, para se chegar a uma resposta conclusiva, importasaber o que a Lingüística Textual tem-se proposto explicar desde o seusurgimento, ou melhor, com qual conceito de texto vem trabalhando. O quepôde verificar é que várias concepções de texto têm acompanhado a históriadessa disciplina, levando-a a assumir formas teóricas diversas, entre as quaisse podem destacar:

1. texto como frase complexa (fundamentação gramatical);2. texto como expansão tematicamente centrada de macroestruturas(fundamentação semântica);3. texto como signo complexo (fundamentação semiótica);4. texto como ato de fala complexo (fundamentação pragmática);5. texto como discurso "congelado" - produto acabado de uma açãodiscursiva (fundamentação discursivo-pragmática);6. texto como meio específico de realização da comunicação verbal(fundamentação comunicativa);7. texto como verbalização de operações e processos cognitivos(fundamentação cognitivista).

Poderíamos nos perguntar, também, dizem Autos & Tietz (1997), se,nestes trinta anos de existência, a Lingüística Textual desempenhou apenasum papel de "hóspede" da Lingüística, talvez um modismo como tantos outros,ou, então, se ela se tomou uma ciência integrativa de várias outras ciências(Retórica, Estilística, Teoria dos Gêneros, Teoria da Argumentação,Narratologia etc.), vindo a constituir uma "Ciência ou Teoria da Linguagem"(Van Dijk, 1978). Ou se ela faz parte integrante do domínio estabelecido daLingüística, quem sabe até do seu núcleo central. E, se for assim, quais seriamos prognósticos que se podem fazer quanto ao seu futuro? Ou, ainda, será que

todas essas perguntas surgem apenas porque a Lingüística Textual entrounuma fase de consolidação de tal forma espetacular que questões sobre a  justificação de sua existência estariam tão fora de propósito quanto, porexemplo, questões sobre a Semântica, a Fonologia ou a Sintaxe?

O que se pôde, com efeito, verificar é que, na época do surgimento daLingüística Textual, em função do conceito de texto então majoritário, a maioriados estudiosos se dedicava à análise transfrástica e/ou à construção degramáticas do texto, de modo que o objeto precípuo de estudo era a coesão(isto é, a propriedade de hang together, de cohere), por isso, muitas vezesequiparada à coerência, já que ambas eram vistas como qualidades ou

propriedades do texto.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 21/57

 

21

Uma das tônicas da década de 80 foi justamente a ampliaçãosignificativa do conceito de coerência, quando, adotando-se uma perspectivapragmático-enunciativa, passou-se a postular que não se trata de merapropriedade ou qualidade do texto em si, mas de um fenômeno muito maisamplo: a coerência se constrói, em dada situação de interação, entre o texto e

seus usuários, em função da atuação de uma complexa rede de fatores, deordem lingüística, sociocognitiva e interacional. Vieram a público diversascoletâneas sobre o tema (Charolles, Petüfi & Sozer, 1983; Neubauer, 1983;Petöfi, 1986; Sozer, 1985; Conte, Petöfi & Sozer, 1989, entre várias outras),além de artigos e obras individuais. Também no Brasil, as pesquisas sobrecoesão e coerência textuais tiveram grande desenvolvimento, frutificando emuma série de obras sobre o assunto. Podem-se mencionar, entre muitos outros,os trabalhos de Marcuschi (1983), Koch (1987,1989,1992), Koch & Travaglia(1989,1990), Fávero (1991) e Bastos (1985). Além disso, outros critérios detextualidade passaram a ser objeto das pesquisas sobre o texto, tais comoinformatividade, situacionalidade, intertextualidade, intencionalidade,

aceitabilidade (cf. Beaugrande & Dressler, 1981), contextua1ização,focalização, consistência e relevância.

Foi também nessa década que se delineou com vigor a abordagemcognitiva do texto, especialmente a partir dos estudos de Van Dijk e Kintsch,que foi ganhando cada vez mais terreno e passou a dominar a cena no inícioda década de 90, agora, porém, com forte tendência sociocognitivista.

1.1. Origem da lingüística textual 

A lingüística textual começou a se desenvolver na Europa no século XX,durante a década de 1960, e a partir daí se disseminou; no Brasil, conta comexpressivo número de pesquisadores! Trata-se, portanto, de uma abordagemrelativamente recente se comparada, por exemplo, à obra de Saussure, quedata do início do século XX. A lingüística textual representa um momento emque se procura a superação do tratamento lingüístico em termos de unidadesmenores - palavra, frase ou período no entendimento de que as relaçõestextuais são muito mais do que um somatório de itens ou sintagmas - nessaperspectiva, dois mais dois é mais que quatro.

A lingüística textual constitui um novo ramo da lingüística, que

começou a desenvolver-se na década de 60, na Europa, e, de modoespecial, na Alemanha.

Sua hipótese de trabalho consiste em tomar como unidade básica,ou seja, como objeto particular de investigação, não mais a palavra ou afrase, mas sim o texto, por serem os textos a forma específica demanifestação da linguagem.

A origem do termo lingüística textual pode ser encontrada emCosériu (1955), embora, no sentido que lhe é atualmente atribuído, tenhasido empregado pela primeira vez por Weinrich (1966, 1967).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 22/57

 

22

Um dos maiores desafios para a lingüística textual é exatamente definirseu objeto de análise-o texto. Fávero e Koch (1994) apresentam-no em umamultiplicidade de conceituações, partindo de um enfoque bastante amplo, nabase da concepção de texto como toda e qualquer forma de comunicaçãofundada num sistema de signos (como um romance, uma peça teatral, uma

escultura, um ato religioso, entre outros), e chegando a uma definição maisestrita. Nessa última definição, o conceito de texto se refere a uma unidadelingüística de sentido e de forma, falada ou escrita, de extensão variável,dotada de "textualidade", ou seja, de um conjunto de propriedades que lheconferem a condição de ser compreendido pela comunidade lingüística comoum texto. Assim, podemos dizer que o texto é a unidade comunicativa básica,aquilo que as pessoas têm a declarar umas às outras. Essa declaração podeser um pedido, um relato, uma opinião, uma prece, enfim, as mais diversasformas de comunicação. Neste capítulo estamos partindo do sentido estrito daconceituação de texto.

1.2. Causas do surgimento das gramáticas textuais

Entre as causas que levaram os lingüistas a desenvolveremgramáticas textuais, podem-se citar: as lacunas das gramáticas de fraseno tratamento de fenômenos tais como a correferência, apronominalização, a seleção dos artigos (definido ou indefinido), a ordemdas palavras no enunciado, a relação tópico-comentário, a entoação, asrelações entre sentenças não ligadas por conjunções, a concordância dostempos verbais e vários outros que só podem ser devidamente explicadosem termos de texto ou, então, com referência a um contexto situacional.

Assim, colocou-se, de imediato, um dilema: para um tratamentoadequado dos fenômenos citados, bastaria fazer intervir, na gramática dafrase, o contexto, ou seja, construir uma gramática do enunciado quelevasse em conta o seu contexto? Ou seria necessário construir uma novagramática - a gramática textual?

Dressler (1977) demonstra que, na verdade, são poucos osproblemas da gramática que não têm alguma relação com uma lingüísticado texto. Pondera que, nas gramáticas da frase, ficam excluídas vastaspartes da morfologia, da fonologia e da lexicologia. Já a lingüística textual

comporta diversas manifestações: cabe à semântica do texto explicitar oque se deve entender por significação de um texto e como ela seconstitui. É tarefa da pragmática do texto dizer qual é a função de umtexto no contexto (extralingüístico). A sintaxe do texto tem por encargoverificar como vem expressa sintaticamente a significação de um texto ecomo pode expressar o que está à sua volta. Estreitamentecorrelacionada à sintaxe do texto, está a fonética do texto, que, de modoanálogo à fonética da frase, ocupa-se das características e dos sinaisfonéticos da configuração sintática textual. Finalmente, pode-se indagarquais as contribuições que a lingüística do texto pode dar a disciplinasafins não-lingüísticas e de que modo pode ser enriquecida por elas: está

aí o papel interdisciplinar da lingüística textual.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 23/57

 

23

A gramática textual surgiu com a finalidade de refletir sobrefenômenos lingüísticos inexplicáveis por meio de uma gramática doenunciado. O que a legitima é, pois, a descontinuidade existente entreenunciado e texto, já que há entre ambos uma diferença de ordemqualitativa (e não meramente quantitativa).

Sendo o texto muito mais que uma simples seqüência deenunciados, a sua compreensão e a sua produção derivam de umacompetência específica do falante - a competência textual - que sedistingue da competência frasal ou lingüística em sentido estrito [como adescreve, por exemplo, Chomsky (1965)]. Todo falante de uma língua tema capacidade de distinguir um texto coerente de um aglomeradoincoerente de enunciados, e esta competência é, também,especificamente lingüística - em sentido amplo. Qualquer falante é capazde parafrasear um texto, de resumi-lo, de perceber se está completo ouincompleto, de atribuir-lhe um título ou, ainda, de produzir um texto a partir

de um título dado. São estas habilidades do usuário da língua que  justificam a construção de uma gramática textual, cujas tarefas básicassão:

a) verificar o que faz com que um texto seja um texto, isto é,determinar os seus princípios de constituição, os fatoresresponsáveis pela sua coerência, as condições em que semanifesta a textualidade (Texthaftigkeit);b) levantar critérios para a delimitação de textos, já que acompletude é uma das características essenciais do texto;c) diferenciar as várias espécies de textos.

1.3. Conceituação e relevância das gramáticas textuais

Uma gramática textual não é um tipo específico de gramática, comoa estrutural, a gerativo-transformacional ou a funcional (emborafragmentos de gramáticas textuais possam, em princípio, ser formuladosem termos de qualquer um destes modelos).

A gramática textual define-se em termos do tipo de objeto que sepropõe descrever de maneira explícita - o "texto" ou "discurso".

Do mesmo modo, a lingüística textual não deve ser caracterizadaem termos de certos métodos ou modelos, mas, sim, do seu escopo, ouseja, dos tipos de objetos e de problemas que constituem o seu campo deestudo. Assim sendo, diz van Dijk (1978), não teria sentido tentar provarque a gramática de texto ou a lingüística textual são "incorretas", já queelas resultam da decisão de se proceder a um estudo lingüístico(gramatical) do discurso, decisão esta que necessita de legitimação, masnão pode ser “refutada”. 

Desde o momento em que se reconheça também como tarefaprópria da lingüística o estudo das estruturas do discurso, não será mais

necessário falar em gramática e lingüística de texto: elas estariamenglobadas na gramática e na lingüística.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 24/57

 

24

Porém, como ainda hoje não se adota, de modo unânime, esteponto de vista, uma série de argumentos poderia ser levantada a seufavor (cf. van Dijk, 1978):

1) às teorias lingüísticas e às gramáticas em particular cabe darconta da estrutura lingüística de enunciados completos, isto é,também de enunciados constituídos de seqüências de frases.

2) existem propriedades gramaticais além dos limites da sentença -por ex., as relações semânticas entre sentenças.

3) o estudo do discurso permite chegar a generalizações sobre aspropriedades de períodos compostos e de seqüências de frases.

4) certas propriedades lingüísticas fazem parte de unidades supra-

sentenciais - por ex., fragmentos, parágrafos de um discurso,como também a noção de macroestrutura.

5) o relacionamento entre gramática e pragmática pressupõe umadescrição gramatical também de seqüências de frases e depropriedades do discurso como um todo - por ex., para dar contadas relações entre atos de fila e macroatos de fila.

6) uma gramática textual fornece uma base mais adequada para umrelacionamento sistemático com outras teorias que se ocupamdo estudo do discurso, como a estilística, a retórica, a poéticaetc.

7) uma gramática de texto oferece melhor base lingüística para aelaboração de modelos cognitivos do desenvolvimento,produção e compreensão da linguagem (e, portanto, dodiscurso).

8) uma gramática textual fornece melhor base para o estudo dodiscurso e da conversação em contextos sociais interacionais einstitucionais, e para o estudo dos tipos de discurso e usos de

linguagem entre culturas.1.4. O Texto como objeto

1.4.1. Conceito de texto

Texto é um tecido verbal estruturado de tal modo que as idéias formamum todo coeso, uno, coerente. Todas as partes devem estar interligadas emanifestar um direcionamento único. Assim, um fragmento que trata dediversos assuntos não pode ser considerado texto. Da mesma forma, se lhefalta coerência, se as idéias são contraditórias, também não se constitui texto.

Se os elementos da frase que possibilitam a transição de uma idéia para outranão estabelecem coesão entre as partes expostas, o fragmento não se

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 25/57

 

25

configura um texto. Essas três qualidades - unidade, coerência e coesão - sãoessenciais para a existência de um texto.

1.4.2. Os elementos estruturais

Os elementos estruturais do texto são: o saber partilhado, a informaçãonova, as provas, a conclusão, o tema, a referência.

Por saber partilhado entende-se a informação antiga, do conhecimentoda comunidade. De modo geral, o saber partilhado aparece na introdução, umlocal privilegiado para a negociação com o leitor.

A informação nova caracteriza-se como uma necessidade para aexistência do texto. Sem ela, não há razão para o emissor escrever nada. Umtexto só se configura texto quando veicula uma informação que não era doconhecimento do leitor, ou que não o era da forma como será exposta, o que

implica, naturalmente, matizes novos e, conseqüentemente, uma nova maneirade ver os fatos. A informação nova não significa originalidade total, absoluta. Éanáloga ao contrato que o leitor faz com o ficcionista.

A informação nova serve para desenvolver o texto, expandi-lo. O autorconsidera como não sendo do conhecimento de todos e, portanto, capaz deestimular o leitor a continuar na leitura. A existência de um texto implica ter algode novo para dizer, ou diz algo antigo sob forma nova.

O saber partilhado mais a informação nova não são suficientes para arealização de um texto. É preciso acrescentar provas, fundamentos dasafirmações expostas.

Ao saber partilhado, à informação nova, às provas o autor junta seusobjetivos, pois todo texto visa chegar a algum lugar, tem "uma intenção queprecisa ser cumprida", como ensina Siqueira (1990, p. 32).

Duas informações mais: todo texto trata de um assunto, a referência.Para saber qual a referência de um texto, o leitor deve interrogar-se: do quetrata o texto? Além do assunto, o texto tem um tema. Para conhecê-lo, o leitor

deve interrogar-se: sob que perspectiva o texto foi construído? No caso doexemplo, a referência é o pai do emissor, Júlio de Mesquita Filho. O tema sãoos traços de sua personalidade.

É preciso que todos esses elementos contribuam para formar umacompletude, uma unidade e manifestem uma nova visão sobre o assuntopara que haja de fato um texto.

1.4.3. A dimensão transfrástica.

A lingüística textual aparece num contexto epistemológico dominado

pela lingüística da frase, produto da cultura da gramática tradicional e dainfluência da gramática chomskyana e transformaciona1. Em 1969, a

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 26/57

 

26

expressão discourse analysis (análise do discurso), criada em 1952 por Harris,é traduzida em francês como discours suivi (discurso contínuo) e nos anosseguintes aparecem os programas - ou, pelo menos, as demandas - deextensão do objeto da lingüística às unidades transfrásticas. É, por exemplo, ocaso de pesquisadores que trabalham com a noção de paráfrase, como A.

Culioli e também Catherine Fuchs, que declara em 1985:Tais estudos seriam, portanto, preciosos, pois a limitação à frase,

neste domínio da constituição da significação, aparece como uma restriçãoprejudicial: [...] muitas ambigüidades potenciais da frase isolada nãosubsistem a um contexto mais amplo e, inversamente, outrasambigüidades são engendradas pela trama progressiva das significaçõesno fio do texto (1985, p. 20 - 21).

Em certa medida, já existem respostas a esse desejo de ampliação doscontextos de estudo, e esse é o caso da obra maior de Halliday & Hasan,

Cohesion in English, que testemunha a anterioridade das preocupaçõestextuais na lingüística americana, sobretudo na esteira do funcionalismo. Elesmostram, em particular, que todo locutor é depositário de duas competências,como indica Adam:

Nessa obra, os autores não se limitam unicamente a uma descriçãode fatos transfrásticos [...], eles enfatizam o fato de que a competência dossujeitos lhes permite distinguir uma coleção de frases sem relações de umtodo unificado. Segundo Halliday & Hasan, essa competência geral seacompanha de uma competência relativa às grandes formas detextualização e aos gêneros (1999, p.9).

Esse "todo unificado" é o objeto escolhido por Halliday & Hasan, já queseu trabalho concerne à continuidade do discurso, por meio do inventário e daclassificação das expressões relacionais. O discurso é, com efeito, para eles,uma unidade semântica (eles falam em uma unidade de "uso da linguagem"), enão uma unidade gramatical. Essa definição está no cerne da lingüísticatextual, no conjunto de seus desenvolvimentos.

1.4.4. A relação entre texto e discurso.

Com as noções de texto e discurso, tem lugar uma distinção ao mesmo

tempo necessária, difícil e polêmica. Adam propõe uma formulação muito clara,sob a forma de equação matemática:

DlSCURSO = Texto + condições de produçãoTEXTO = Discurso - condições de produção.

[...] Em outros termos, um discurso é um enunciado caracterizávelcertamente pelas propriedades textuais, mas, sobretudo, como um ato dediscurso realizado em uma dada situação (participantes, instituições, lugar,tempo) [...] O texto, ao contrário, é um objeto abstrato resultante dasubtração do contexto operada sobre o objeto concreto (o discurso). (1990,p. 23).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 27/57

 

27

Em uma outra terminologia, dir-se-á que o objeto discurso integra ocontexto, i.e. as condições extralingüísticas de sua produção, enquanto o textoas descarta, definindo-se como arranjo de segmentos que se relacionam com adimensão lingüística, i.e. do co-texto.

II. GÊNEROS E TIPOLOGIAS TEXTUAIS

INTRODUÇÃO

A tipologia textual, de acordo com Marcuschi, designa uma espécie deseqüência definida pela natureza lingüística predominante de sua composição(aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Quando seclassifica um certo texto como narrativo, descritivo ou dissertativo, determina-se uma tipologia predominante (2002, p. 22). Os tipos textuais abrangem anarração, a dissertação, a explicação, a descrição , predição, entre outros, e

estão presentes nos diferentes gêneros textuais de circulação social.

Os gêneros textuais, conforme Marcuschi, são os textos encontrados emnossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativoscaracterizados pela composição funcional, objetivo enunciativo e estilorealizados na integração de forças históricas, sociais e institucionais. Osgêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas dodia-a-dia (2002. p. 19-23). Eles podem se expressar em diversas designações,podendo-se mesmo dizer que são ilimitados. Alguns exemplos de gênerostextuais são: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance,conto, bilhete, reportagem jornalística, reunião de condomínio, lista decompras, editorial, resenha, resumo, esquema, e-mail, piada, horóscopo,receita culinária, bula de remédio, edital de concurso, cardápio de restaurante,noticia jornalística, aula expositiva.

É importante salientar que as tipologias textuais, presentes nos gêneros,os tomam, em geral, tipologicamente heterogêneos. A carta pessoal, porexemplo, pode conter uma seqüência narrativa, uma argumentativa ou umadescritiva. Vejamos a seguir as características principais de cada tipo textual.

Apesar de todo o avanço tecnológico que surgiu no século XX, a

comunicação escrita ocupa ainda um lugar de destaque nas sociedadesdesenvolvidas e naquelas em vias de desenvolvimento. Um exemplo bemcaracterístico da valorização do texto escrito é a presença do computador, quepossui uma linguagem escrita, mas precisa ser operado pelo homem.

2.1. GÊNEROS TEXTUAIS

Os gêneros textuais, segundo Bakhtin, apresentam-se como gêneros do discurso, e são tipos relativamente estáveis de enunciados produzidos pelasmais diversas esferas da atividade humana (1992, p. 279). Afirma-se serem

relativamente estáveis, pois podem sofrer modificações de acordo com asituação comunicativa na qual são empregados. Um acadêmico, por exemplo,

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 28/57

 

28

utilizará uma linguagem mais elaborada no e-mail que enviar ao seu professordo que no e-mail que enviar ao seu colega.

A natureza dos gêneros é variada, e estes recebem diversasdesignações, como carta pessoal, receita culinária, bula de remédio, romance,

conto, reportagem, notícia, editorial, resumo, resenha, esquema, redação devestibular, edital de concurso, inquérito policial, piada, horóscopo, cardápio derestaurante, sermão, conferência, aula expositiva, conversação, reunião decondomínio, entre outros. Pode-se mesmo dizer que são ilimitados, visto quetambém são infinitas as situações comunicativas que requerem sua utilização.

N a vida diária, a interação social ocorre por meio de gêneros textuaisespecíficos que o usuário utiliza, disponíveis num acervo de textos constituídoao longo da história pela prática social, e não simplesmente por meio detipologias textuais, como a narração, a descrição ou a dissertação. A escolhado gênero textual depende da intenção do sujeito e da situação

sociocomunicativa em que está inserido: quem ele é, para quem escreve, comque finalidade e em que contexto histórico ocorre a comunicação.

Imagine o cotidiano de uma executiva. Ao acordar, ela deixa um bilhetepara o filho que ainda está dormindo e uma lista de compras para a empregadaque se atrasou. Chegando ao escritório, na sua rotina diária, escreve e-mails ecartas comerciais, dá telefonemas e organiza reuniões. Todos esses textos queela produz, orais e escritos, são gêneros textuais (bilhete, lista de compras, e- mail, telefonema, carta comercial e reunião).

Segundo Marcuschi, os gêneros surgem emparelhados a necessidadese atividades socioculturais e na relação com as inovações tecnológicas. Aintensidade do uso das novas tecnologias e sua interferência nas atividadescomunicativas diárias motivam a explosão de novos gêneros e novas formasde comunicação, quer na oralidade, quer na escrita (2002, p. 19-34). Porexemplo, o site, o blog, o chat, o e-mail  e as aulas virtuais são gênerosrecentes advindos da presença marcante de um novo suporte tecnológico nacomunicação: a internet.

Os gêneros textuais exercem um papel fundamental no processo deinteração entre os indivíduos. De acordo com Bakhtin, "se não existissem os

gêneros do discurso e se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pelaprimeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um denossos enunciados, a comunicação verbal seria quase impossível" (1992, p.302). Por isso, existem tantos gêneros orais ou escritos quantas são assituações sociais em que o indivíduo está inserido.

Conforme Bronckart, os gêneros textuais constituem ações delinguagem que requerem do produtor uma série de decisões. A primeira é aescolha que deve ser feita a partir do rol de gêneros existentes, ou seja, eleoptará por aquele que lhe parecer mais adequado ao contexto e à intençãocomunicativa; a segunda decisão é a aplicação, na qual o produtor poderá

acrescentar algo ao gênero escolhido ou recriá-lo (1999). Isso significa que oprodutor pode valer-se dos gêneros que circulam socialmente e modificá-los

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 29/57

 

29

conforme a situação de comunicação em que serão utilizados, ou até mesmocriar um novo gênero a partir de um já existente. Por exemplo, o gênero textuale-mail pode derivar do bilhete, da carta pessoal ou da carta comercial.

Em virtude da extrema heterogeneidade dos gêneros, produto da

diversidade de relações sociais que se estabelecem na vida humana, Bakhtin(1992) os agrupa em dois tipos: primários (simples) e secundários (complexos).

Na visão do autor, os gêneros textuais primários emanam das situaçõesde comunicação verbal espontâneas, não elaboradas. Pela informalidade queos diferencia, já que são produzidos em situações simples, pode-se afirmar queeles mantêm uma relação mais imediata com a realidade existente. Isso ocorrenos enunciados da vida cotidiana, como em diálogos com a família, cartas,bilhetes, reuniões de amigos e diários íntimos.

Por sua vez, ainda conforme Bakhtin, os gêneros secundários surgem

nas condições da comunicação cultural mais complexa, organizada eprincipalmente escrita. Ou seja, trata-se de uma forma de uso mais elaboradada linguagem. O gênero funciona como instrumento para construir uma açãoverbal em situações de comunicação que se constituem nas esferas sociaismais formalizadas e, relativamente, mais evoluídas: artística, cultural e política.Os gêneros secundários absorvem e modificam os primários (1992, p. 281).Entre os gêneros secundários, citam-se como exemplos o livro didático, oromance, o editorial, a tese, a palestra, o anúncio e o texto instrucional.

2.1.1. Agrupamento dos gêneros textuais

Schneuwly, Dolz e colaboradores agrupam os gêneros textuais a partirdas capacidades de linguagem dominantes dos sujeitos nas seguintes ordens:relatar, narrar, argumentar, expor  e descrever ações  ou instruir/prescrever ações (2004, p. 60-61). Observe a seguir:

a) Relatar: volta-se à documentação e memorização de ações humanas.Mostra experiências vividas, situadas no tempo (relato, notícia, diário,reportagem, crônica esportiva, biografia etc.).

b). Narrar: representa uma recriação do real. Isso pode ser visualizado

na literatura ficcional (conto, conto fantástico, conto maravilhoso,romance, fábula, apólogo etc.).

c). Argumentar: diz respeito à discussão de problemas controversos. Oque se busca é a sustentação de urna opinião ou sua refutação,tomando urna posição (debate, editorial, carta argumentativa, artigode opinião, discurso de defesa, carta do leitor etc.).

d). Expor: refere-se à apresentação e construção de diferentes formasdos saberes (texto explicativo, artigo científico, verbete, seminário,palestra, entrevista de especialista etc.)

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 30/57

 

30

e) Descrever ações ou instruir/prescrever ações: diz respeito àsnormas que devem ser seguidas para atingir algum objetivo(instruções e prescrições). Indica a regulação mútua decomportamentos (receita, manual de instruções, regulamento, regrasde jogo etc.).

2.1.2. Produção de Gêneros Textuais e Níveis de Linguagem

Para a produção de um gênero, o autor pode valer-se de diferentesníveis de linguagem, como a linguagem familiar, comum, cuidada ou oratória. Aescolha do nível depende da intenção do produtor e da condição socioculturaldo interlocutor.

A linguagem, segundo Koch, é concebida como lugar deinteração que possibilita aos membros de uma sociedade a práticados mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes

reações e/ou comportamentos, levando ao estabelecimento devínculos e compromissos anteriormente inexistentes (1997, p. 9-10).

As especificidades de fala e de escrita nas quais ocorreminterações originam diferentes níveis de linguagem, que variam deacordo com o arranjo que se dá à  sintaxe, ao vocabulário e à pronúncia. Segundo Vanoye, no interior da língua falada existe umalíngua comum, formada por um conjunto de palavras, expressões econstruções mais usuais, língua tida como simples, mas correta. Apartir desse nível, tem-se, em ordem crescente do ponto de vista daelaboração, a linguagem cuidada e a oratória. E, no sentido contrárioda informalidade, tem-se a linguagem familiar e a informal ou"popular" (1996, p. 31). Assim, dependendo da situação deinterlocução e da intenção do discurso, o falante/escrevente poderáfazer uso de diferentes níveis de linguagem.

A distinção entre os níveis de linguagem pode calcar-se emcritérios distintos. Por exemplo, a linguagem popular e a cuidada,conforme aponta Vanoye, apóia-se num critério sociocultural, aopasso que a distinção entre a linguagem informal e a oratória tem porbase, sobretudo uma diferença de situação comunicativa. O indivíduo

não empregará a mesma linguagem ao fazer um discurso e aoconversar com os amigos em um bar (1996, p. 31). Portanto, emrelação aos níveis, a linguagem pode ser familiar, popular, comum ecuidada.

Veja os níveis, de acordo com Vanoye (1996, p. 30-32):

a). Linguagem familiar: corresponde a um nível menos formal, maiscotidiano da língua. O vocabulário obedece relativamente às normasgramaticais. Utiliza-se esse nível de linguagem nos gêneros oriundosde situações mais informais, como em conversas familiares ou com

amigos, em cartas familiares, bilhetes, entre outros.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 31/57

 

31

ExemploSeguinte, o Cabeludo fica perto de uma igreja. Pra chegar lá, tu

pega a 13 de Maio (a rua que tu pega p/  chegar na tua academia) sóque pela 18 do Forte (a rua da Igreja de Lourdes, ali perto da casa devocês). Vindo pela 18 do Forte, tu pega à esquerda, na 13 de Maio epassa 4 ruas e na 5ª tu entra à direita. Depois tu segue reto, tu vaifazer um curvão pra direita e ali já dá pra ver a Igreja. O Cabeludo ficana frente.

Qualquer coisa é só pedir para qualquer pessoa ali onde é quefica o Cabeludo (Casa de Surdinas Cabeludo) que eles vão teinformar melhor. O James sabe onde fica e o Michel tb eu acho.

Eu tenho que ir ajeitar uns troços do reboque pq meu pai vaiprecisar hj à tarde. Desculpa não poder esperar. Um abraço! Roger

A linguagem familiar corresponde a um nível menos formal, maiscotidiano da língua. O vocabulário é  empregado com relativaobediência às normas gramaticais.

b). Linguagem popular

ExemploIncelentíssima dotôra Sou o cantadô Patativapeço perdão à senhora que trôxe aquela missivadesta carta lhe envia aquele papé escritomas leia os versos rastêro e cantou no seu salãode um cabôco violêro com a recomendaçãodo sertão do Ceará. do Zé Carvaio de Brito.(ASSARÉ, Patativa do. Digo e não peço segredo. São Paulo: Escrituras, 2001. p. 77).

A linguagem popular apresenta desvios da linguagem padrão.Caracteriza-se pelo excesso de gírias, onomatopéias, clichês e formasdeturpadas, como, por exemplo, dotôra (doutora), cabôco (caboclo),cantadô (cantador), trôxe (trouxe), papé (papel).

c). Linguagem comum: emprega um conjunto de palavras, expressõese construções mais usuais, com uma sintaxe acessível ao leitorcomum, ou seja, é simples, mas segue a norma padrão da línguaescrita. É usada em artigos de opinião, editoriais, anúnciospublicitários, notícias etc.

Exemplo: Por quem elas mugem?Cientistas canadenses estão tentando descobrir' do que as

vacas gostam. Parece inútil, mas uma vaca feliz produz 15% a maisde leite. Eles fizeram os ruminantes andar por um labirinto em quecada corredor levava a uma opção diferente. A conclusão foi que elasnão dão a mínima para afagos, carinhos ou voz suave. Só interessacomida (POR quem elas mugem? Superinteressante, São Paulo, mar.2003. p. 18).

A linguagem comum é simples, com uma sintaxe acessível ao

leitor comum. É empregada em jornais, revistas e noticiários, dentreoutros.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 32/57

 

32

d). Linguagem cuidada: usa um vocabulário mais preciso e raro, comuma sintaxe mais elaborada que a comum. Emprega-se em cartascomerciais, editais, artigos científicos, entre outros gêneros.

Exemplo:

O  conhecimento científico é um produto resultante dainvestigação científica. Surge não apenas da necessidade deencontrar soluções para problemas de ordem prática da vida diária,característica essa do conhecimento do senso comum, mas do desejode fornecer explicações sistemáticas que possam ser testadase criticadas através de provas empíricas e da discussãointersubjetiva. É produto, portanto, da necessidade dealcançar um conhecimento “seguro” (KOCHE, José Carlos.Fundamentos da metodologia científica. 18. ed. Petrópolis:Vozes, 2000. p. 29).

A linguagem cuidada emprega um vocabulário mais preciso,mais raro e uma sintaxe mais elaborada que a da linguagem comum.É usada, por exemplo, em livros didáticos, artigos científicos ecorrespondências oficiais.

O papel dos gêneros textuais tem sido reconhecido como fundamentalna interação sociocomunicativa e, em vista disso, eles passaram a norte ar oensino da língua, especialmente o trabalho com análise, interpretação eprodução de textos. Essa abordagem favorece o desenvolvimento dacompetência linguística e discursiva e, consequentemente, amplia aparticipação social do indivíduo. Por isso, os Parâmetros CurricularesNacionais (1999) preconizam o ensino da leitura e produção de textos a partirde gêneros textuais.

2.2. AS TIPOLOGIAS TEXTUAIS

As principais modalidades de comunicações escritas são: a narração, adissertação e a descrição. Vale enfatizar que essas três modalidades textuaisgeralmente não ocorrem isoladas. Assim, num romance ou mesmo num conto,embora predomine a narração, freqüentemente encontraremos as modalidades

descritiva e dissertativa.2.2.1. A NARRAÇÃO

O que caracteriza um texto narrativo é a presença de uma seqüência deações que se sucedem através do tempo e do espaço. A estrutura de um textonarrativo pode estar organizada da seguinte maneira:

presença de um narrador, que pode estar dentro ou fora daquilo a sernarrado;

uso do verbo na 1 ª pessoa com o intuito de criar situações subjetivas.

Nestecaso, o próprio narrador é também uma personagem de seu texto;

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 33/57

 

33

uso do verbo na 3ª pessoa. Neste caso, o narrador não faz parte dahistória;

presença de uma ou mais personagens, além da personagem-narra-dor.

Modelo de narração

Texto I: O ganso azarado

Um grupo de pesquisadores ingleses instalou transmissoreseletrônicos em seis gansos de uma espécie irlandesa para acompanhara jornada de mais de 7000 quilômetros até o Canadá Ártico, cumpridatodos os anos para acasalamento.

Após dois meses e meio verificando seu progresso diário, ospesquisadores perceberam que um deles, apelidado de "Kerry", parousubitamente de se locomover na remota ilha canadense de Bathurst, jána etapa final da viagem de ida. Intrigados, perseguiram ° sinal atédescobrir Kerry no freezer de uma casa. O ganso havia superado temporuim, montanhas de gelo e predadores naturais, mas não escapou damira certeira de um esquimó, que o abateu em pleno vôo e planejava jantá-lo naquele mesmo dia (O ganso azarado. Veja. São Paulo, 4 set.2002, p. 92).

Esse é um texto narrativo. Caracteriza-se pelo relato de um fato (Keny,um ganso que fazia parte de uma pesquisa foi morto), num tempo definido(2002) e num espaço concreto (Canadá). Nele, predominam termos concretosque se referem ao mundo real (pesquisadores, gansos, transmissores, freezeretc.). Há mudança de um estado para outro e, por isso, entre os enunciados,existe uma relação de anterioridade e posterioridade (O ganso fazia parte deuma pesquisa e foi encontrado morto). O tempo verbal predominante é opretérito perfeito do indicativo (instalou, perceberam, parou, perseguiram,abateu etc.). A narração também pode ser construída utilizando o pretéritoimperfeito, o mais-que-perfeito e o futuro do pretérito do indicativo.

2.2.2. A DISSERTAÇÃO

A dissertação é a exposição de idéias ou pensamentos por meio deargumentos para a defesa ou crítica de determinada posição sustentada diante

de um tema.O texto dissertativo se caracteriza, portanto, por obedecer a duas

exigências básicas: a exposição e a argumentação simultâneas daquilo que oautor pensa a respeito de determinado assunto. O autor situa um tema ediscute-o, lança sua tese e conclusões, procurando convencer o leitor a aderirao seu ponto de vista.

Em razão disso, esse tipo de texto pode ser denominado também deexpositivo-argumentativo, englobando não só a dissertação, mas tambémtrabalhos científicos ou acadêmicos, como a monografia, a dissertação de

mestrado, a tese de doutorado, os artigos e editoriais de jornais.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 34/57

 

34

Em suma, diante do tema é preciso colocar objetivamente uma questão(a tese), desenvolvê-la por meio de argumentação coerente e convincente e,por último, concluí-la dentro da linha proposta.

Modelo de um texto dissertativo

Texto 2: Muito luxo e pouco samba no pé!

Sempre que se fala do Brasil, há uma imediata associação combelas mulatas, samba, ginga e CARNAVAL: festa popular que já éconsagrada como o cartão postal e de visitas do país - uma dasmaiores tradições por aqui. Mais que tradição, virou profissão de fé eamor ao espetáculo, ao desfile.

Só que, com o surgimento da especulação turística, o carnavaldeixou de ser uma festa popular de manifestação espontânea, para setornar um show de luxo, luxúria e exuberância visual. O velho e bom"samba no pé" vai desaparecendo a cada ano. O brilho é o ponto

principal. Os gastos são imensos!O Rio de Janeiro (exemplo maior) tornou-se o recanto real do

luxo carnavalesco. A avenida Marquês de Sapucaí - passarela dosamba carioca estremece ao som de enredos quentes, embalados portapetes, cortinas, telhados de plumas, paetês, lantejoulas, pedrarias etudo o mais que possa tornar o carnaval um espetáculo extasiante paraos "gringos" cobertos de dólar.

Por isso, o carnaval deixou, pouco a pouco, de regalar a alegriapopular para satisfazer interesses econômicos escusos (SA YEG-SIQUEIRA, João Hilton. Organização do texto dissertativo. São Paulo:Selinunte, 1995. p. 69).

Esse texto é uma dissertação, pois apresenta uma questão que édesenvolvida através de uma argumentação coerente e consistente,construindo-se uma opinião (transformação do Carnaval de uma festa popularpara um show de luxo, afim de favorecer interesses econômicos). O tempoverbal predominante é o presente do indicativo (fala, é, vai, são, estremece).

Para Delforce (1992), a dissertação é a construção de uma opinião noexame fechado de uma questão. Dissertar, segundo o autor, é demonstrar oque se pensa com uma opinião progressivamente construída, examinando-se,antes, todas as opiniõesresposta que a pergunta possibilita, avaliando-se sua

pertinência e validade. Na dissertação, não se apresenta imediatamente umaresposta à questão formulada, como em uma entrevista.

2.2.3. A DESCRIÇÃO

A descrição, ao contrário da narração, apresenta um aspecto estático. Oobjetivo de um texto descritivo é bastante semelhante àquilo obtido com afotografia. É necessário que o leitor veja as imagens mentais que lhe foramdescritas pela linguagem. A descrição compreende três submodalidades:

- a informativa- a pessoal

- a ambiental

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 35/57

 

35

Na descrição informativa, a linguagem utilizada é a referencial. Nessamodalidade só há lugar para os aspectos denotativos das palavras, tendo-se apreocupação de serem eliminadas situações ambíguas e procurando-se manterum nível satisfatório de concisão. Podem-se descrever objetos, pessoas,animais, paisagens, gravuras, cenas, lugares, etc.

Na descrição pessoal, existe uma conjugação de aspectos denotativoscom os de natureza conotativa.

Na descrição ambiental, há uma revelação objetiva ou subjetiva damaneira pela qual o autor exterioriza o que sente e o que vê, sem sernecessariamente uma fotocópia do que viu. Assim, elementos conotativos edenotativos podem estar conjugados ou não.

Modelo de descrição

Texto 3Era um pobre diabo caminhando para os setenta anos,

antipático, cabelo branco, curto e duro, como uma escova, barba ebigode do mesmo teor; muito macilento, com uns óculos redondosque lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara umaexpressão de abutre, perfeitamente de acordo com o seu narizadunco e com sua boca sem lábios; viam-se-lhe ainda todos osdentes, mas tão gastos que pareciam limados até o meio. Andavasempre de preto, com um guarda-chuva debaixo do braço e umchapéu de Braga enterrado nas orelhas (AZEVEDO, Aluísio. Ocortiço. Rio de Janeiro: Tecnoprint SA, s.d. p. 22).

Esse é um texto descritivo. Caracteriza-se pela descrição de umpersonagem (um homem velho), a partir de um processo linear de observação.Nele não há relações de anterioridade e posterioridade, inexistindo umaprogressão temporal entre os enunciados. Observam-se o acúmulo deadjetivos ou locuções adjetivas (pobre diabo, antipático, macilento, expressãode abutre, nariz adunco) e a predominância do pretérito imperfeito (era,aumentavam, davam-lhe, viam, pareciam e andava).

Na descrição, relatam-se as propriedades e os aspectos de um objetoparticular concreto (uma paisagem, uma casa, um personagem, um rosto...),

um processo, um mecanismo etc., situados em um certo momento estático detempo.

2.2.4. A EXPLICAÇÃO

A explicação utiliza e sistematiza informações já existentes e possibilitaao leitor compreender melhor tais informações, a partir de uma investigação.Veja o exemplo: Sabe-se que a gordura trans causa prejuízos à saúde. O que é gordura trans? 

Segundo Vilela e Koch, a organização do texto explicativo nasce da

pergunta que se põe a um determinado problema: qual é o problema? Como epor que surgiu o problema? Questiona-se sobre o que é obscuro; depois vem a

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 36/57

 

36

explicação e, em seguida, a compreensão (2001, p. 548). O tempo verbalpredominante é o presente do indicativo, pois responde a uma questão daordem do saber. Essa tipologia apresenta um significativo emprego deadjetivos, advérbios, operadores argumentativos, repetições, modalizadores ecomparações.

Modelo de explicação

Texto 4: Implantes dentários

Sabemos que os implantes dentários são usados parasubstituir eventual perda de dentes naturais. Esses implantesfuncionam como os dentes naturais?

Nenhum material até hoje fabricado funcionará como osdentes naturais. No entanto, na maioria dos casos, os implantes,quando indicados, funcionam melhor do que as próteses removíveisconvencionais e propiciam ao paciente comer, falar e sorrir sem

preocupar-se com possíveis movimentos indesejáveis das dentadurase das pontes móveis (RUBIN, Luis Cohen. Implantes dentários. ZeroHora, Porto Alegre, 10 ago. 2002. Viva Melhor, Geral. p. 28). -Adaptação das autoras.

Esse texto é explicativo. Ele responde a um problema da ordem dosaber, a partir da investigação de uma evidência, ou seja, de um fenômenonormal que se torna objeto de investigação (Os implantes dentários substituemos dentes naturais?). Observa-se o emprego de operadores argumentativos (noentanto, e). O tempo verbal predominante é o presente do indicativo (sabemos,são, funcionam, propiciam).

O texto explicativo também pode partir de um paradoxo que se refere aalgo aparentemente incompatível com o sistema estabelecido de explicação domundo. Exemplo: Por que o sol parece ser do mesmo tamanho da lua? (naverdade, o sol é 400 vezes maior que a lua).

2.2.5. A INJUNÇÃO

A injunção, segundo Travaglia, tem por finalidade incitar à realização deuma situação, requerendo-a ou desejando-a, ensinando ou não como realizá-Ia. Constitui -se sobretudo no discurso do fazer (ações) e do acontecer (fatos,fenômenos). Para o autor, na injunção, a informação se refere a algo a ser feitoou a como deve ser feito. Cabe ao interlocutor fazer aquilo que se solicita ou sedetermina que seja realizado, em um momento posterior ao da enunciação(1991, p. 50-55). Por isso, normalmente, predominam os verbos no modoimperativo, que podem aparecer também de forma implícita.

A tipologia textual injuntiva está presente em gêneros como as receitas,os manuais e as instruções de uso e montagem, os textos de orientação (leisde trânsito) e os textos doutrinários. Conforme o referido autor, nessa tipologiainclui-se ainda a optação, que consiste no discurso da expressão do desejo, e,

neste caso, o locutor não tem controle sobre a realização da situação (Que Deus te ajude!).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 37/57

 

37

Modelo de injunçãoReceita de bolo de cenoura

1/2 xícara (chá) de óleo3 cenouras médias raladas4 ovos2 xícaras (chá) de açúcar2 1/2 xícaras (chá) de farinha de trigo1 colher (sopa) de fermento em pó

Cobertura 

1 colher (sopa) de manteiga3 colheres (sopa) de chocolate em pó ou achocolatado1 xícara (chá) de açúcarSe desejar uma cobertura molinha coloque 5 colheres de leite

Nesse texto, predomina a tipologia textual injuntiva, pois induz o leitor à

realização de uma ação: fazer o bolo. O gênero, portanto, apresentainformações ao leitor com o intuito de fazer o bolo em um momento posteriorao da enunciação.

2.2.6. DIÁLOGO

A tipologia textual dialogal acontece em gêneros nos quais apareçam nomínimo dois interlocutores que efetuam trocas verbais. Os interlocutorescooperam na produção do texto, uma vez que este se constrói através dainteração verbal, em que um enunciado determina o enunciado do outro.

Para Bronckart, a tipologia dialogal concretiza-se somente nossegmentos de discursos interativos dialogados. Esses segmentos estruturam-se em turnos de fala que, nos discursos interativos primários, são diretamenteassumidos pelos agentes-produtores envolvidos em uma interação verbal (- Oi,como vai?   / - Bem, e você  ?). Por sua vez, nos discursos interativossecundários, os turnos de fala são atribuídos às personagens postas em cenano interior de um discurso principal ou englobante (1999, p. 230231). Isso severifica nos romances em que são inseridos diálogos entre as personagens.

Modelo de diálogo

- Como vai a saúde do velho Aurélio? - perguntou o Padre Giobbe, satisfeito deter escrito há pouco o seu nome, porque a memória não o ajudava.

- Melhor, mais animado.- E a tua esposa?- Vai indo bem, também. Grazie.- Já está esperando filho?POZENATO, José Clemente. O quatrilho. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985,p. 64.

Esse texto é um fragmento da obra O quatrilho, de José ClementePozenato, que pertence ao gênero romance. Nesse fragmento, constata-se a

presença da tipologia dialogal, pois verificam-se turnos de fala entre o padreGiobbe e seu interlocutor (- E a tua esposa?  / - Vai indo bem, também. Grazie).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 38/57

 

38

Como as falas das personagens estão no interior do romance, classifica-se odiscurso interativo como secundário.

2.2.7. PREDIÇÃO 

A predição, conforme Travaglia, é uma antecipação de situações cujarealização será posterior ao tempo da enunciação. Constitui sempre umadescrição, narração ou dissertação futura em que o locutor/enunciador, no seudizer, faz uma previsão (1991, p. 60). Essa tipologia está presente nasprofecias, nas previsões científicas (mudanças climáticas, aquecimento global),nos boletins meteorológicos, nos horóscopos, nas previsões em geral, nosprenúncios de eventos, comportamentos e situações. Exemplo:

Modelo de Predição

A justiça será como o cinto de seus rins, e a lealdade circundará

seus flancos. Então o lobo será hóspede do cordeiro, a pantera sedeitará ao pé do cabrito, o touro e o leão comerão juntos, e ummenino pequeno os conduzirá: a vaca e o urso se fraternizarão, suascrias repousarão juntas, o leão comerá palha com o boi. A criança depeito brincará junto à toca da víbora, e o menino desmamado meteráa mão na caverna da áspide. Não se fará mal nem dano em todo omeu santo monte. Porque a terra estará cheia da ciência do Senhor,assim como as águas recobrem o fundo do mar (Is 11,5·9: O Reinodo Messias. Bíblia sagrada. 47. ed. São Paulo: Ave Maria, 1985).

Esse texto é um fragmento da profecia  do livro de Isaías, retirado da

Bíblia Sagrada. A tipologia textual de base é a preditiva, pois há uma previsãode um evento futuro: a justiça será como  o cinto de seus rins, e a lealdade circundará seus flancos. Profetiza que, para aqueles que acreditam no Senhor,não haverá mal algum.

Para predizer a paz que se estabelecerá entre os seres humanos, aprofecia vale-se das características de animais que são inimigos naturais: loboe cordeiro; pantera e cabrito; touro e leão; vaca e urso; leão e boi. Predominamos verbos no futuro (será, deitará, comerão, conduzirá,fraternizarão,repousarão, comerá, brincará, meterá, fará, estará), pois a concretização dasações será posterior ao tempo da enunciação.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 39/57

 

39

ATIVIDADES DA PARTE I

01). Identifique os níveis de linguagem:

a) A Dynacom lançou um teclado que promete reduzir os problemas

de quem digita muito no computador e também eliminar as doresde cabeça dos mais desastrados. Seu teclado ergonõmico TE-200vem equipado com uma membrana interna que protege omecanismo de acionamento das teclas dos acidentes com todotipo de líquidos, de café a refrigerantes. O apoio frontal e a alturaregulável do teclado ajudam a acomodar melhor pulsos e mãos. Jáa disposição das teclas permite digitar com os braços na mesmaposição de quando estão em repouso. Preço: 55 reais. Dynacom,tel (011) 857- 1399 (SOLUÇÕES. Banco de idéias. Info Exame,São Paulo, n. 143, p. 94, fev. 1998).

b) Nesta oportunidade, vimos solicitar-lhe a gentileza de comparecera esta empresa para tratarmos de assuntos ligados a débitosverificados em seu cadastro.

c) Neste momento, temos a satisfação de apresentar mais um projetode lei que, sem dúvida alguma, se aprovado, trará muitasconquistas para a nossa progressista comunidade. Sabedores dodesejo popular de que nosso município, com todo o merecimento,tenha mais uma via de acesso asfaltada e de que toda a naçãobrasileira o veja como exemplo de progresso e pujança, estamosaqui para defender esse interesse que não é meu, nem de um sóvereador, mas é de nossa abnegada e dedicada população.

d)  Beleza! Este carro tá uma belezura. Meu filho, certamente, vaigostar de ver o revestimento desses bancos.

e) Desculpe, véio. É só jeito de falar. Você não entende o papo dagente.

f) A comunicação pressupõe que os indivíduos têm um repertório depalavras em comum e compreendam tais palavras do mesmomodo. Entretanto, se a rigor é possível chegar a um entendimentosobre as palavras concretas, não se dá o mesmo em relação àspalavras abstratas, de significado mais frouxo e mais disperso. Acompreensão só pode ocorrer na medida em que uma palavraapresenta para vários significados um certo grau de uniformidade,fixado pelo uso da língua. Em outras palavras, não existe um sen-tido comum genuíno, mas sim uma espécie de acordo implícitosobre o uso e a aplicação das palavras (VANOYE, Francis. Usosda linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 33).

g) - Se abanque, no más - disse o analista de Bagé, indicando odivã.- Eu, ahn, prefiro ficar de pé - disse o moço.- Se abanque, índio velho, que tá incluído no preço (VERÍSSIMO,

Luís Fernando. O analista de Bagé. Porto Alegre: L&PM, 1997. p.20).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 40/57

 

40

h)  - Paulo, o telefone tá tocando.- Não posso, estou no banho!-Tá bem, então, eu atendo.

02). Escreva um bilhete convidando um amigo íntimo para a sua

festa de aniversário e um outro para o juiz da cidade, que é seupadrinho de batismo. Atente para a variedade da linguagem.

03). Transcreva a letra da música Inútil, de Roger RochaMoreira, para a linguagem comum.

A gente não sabemos escolher presidenteA gente não sabemos tomar conta da genteA gente não sabemos nem escovar os denteTem gringo pensando que nóis é indigenteInútilA gente somos inútil

A gente faz carro e não sabe guiarA gente faz trilho e não tem trem pra botarA gente faz filho e não consegue criarA gente pede grana e não consegue pagarInútilA gente somos inútilA gente faz música e não consegue gravarA gente escreve livro e não consegue publicarA gente escreve peça e não consegue encenarA gente joga bola e não consegue ganharInútilA gente somos inútil

04). Nos textos que seguem (I, II, III), identifique as tipologiastextuais e responda as perguntas:

Texto I: O camponês e a cobra

Certo dia, na casa de um camponês, uma serpente venenosa insinuou-se edisse-lhe bem maneirosa:

- Vizinho, salve! Hoje eu te trouxe uma boa notícia. Vamos ser amigos!Não será mais preciso temeres a mim, porque regenerei-me, estou mudada.

Vê, minha pele até já está trocada, sou outra, diferente de antes!Porém, o camponês, muito sábio, não se enganou com a lábia do animal, e

disse, com um pau na mão:- Tua pele é nova, mas teu coração ainda é o mesmo.E, com uma porretada, liquidou a cobra venenosa (KRYLOV. Fábulas russas.São Paulo: Melhoramentos, 1990. p. 15). - Adaptação das autoras.

a). O texto narra, descreve ou comenta a respeito de um assunto?b). O texto refere-se a objetos do mundo real?c). Há um fato concreto no texto?d). Há um espaço? Qual?e). O texto está situado em um tempo? Qual?f). Há mudanças de anterioridade e posterioridade? Como isso é

explicitado?g). Qual é o tempo verbal predominante? Exemplifique.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 41/57

 

41

h) A partir desses aspectos, a que tipologia textual pertence o textoanalisado?

Texto II

Rosa respirou fundo o cheiro das paredes, de tábuas ainda verdes. Era a casa,a sua casa. Tinha três por quatro metros, uma janela na frente e outra nos fundos,mas parecia enorme. O piso era de terra batida e a mesa, de tábua áspera, maisparecia mesa de carpinteiro. Não importava, era dela a casa. Da janela via os troncoschamuscados e, ao fundo, a mata fechada. Ali, pensou, nesse pedaço de terra limpa,podia plantar temperos e algumas flores. Aurélio desatava o galo e as três galinhas eos prendia na gaiola de taquara. Teriam um galo para cantar de manhã cedo e galinhapara o caldo, quando nascesse a criança. Se algum bicho não os comesse antes(POZENA TO, José Clemente. A Cocanha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000. p.152 ).

a). O texto foi construído com termos concretos ou abstratos?

b). Qual é o tempo verbal predominante? Exemplifique.c). Há uma progressão temporal no texto?d). O que mostra o texto?e) A partir dos aspectos analisados, a que tipologia textual pertence otexto analisado?

Texto III: Educação

Ninguém discute que a educação é o alicerce da sociedade. O grandeproblema do Brasil é valorizar demais a quantidade e esquecer a qualidade. Para quese apresentem estatísticas com baixos índices de repetência, criam-se programas

como a progressão continuada, que faz com que os alunos não repitam o ano mesmosem ter aprendido. Sendo os fundamentos educacionais baseados em números, e nãoem qualidade, será improvável uma sociedade bem estruturada, justa e democrática(SOUZA, L.M. de. Educação. Veja, São Paulo, 03 set. 2003. Cartas, p. 24).

a) O texto narra um fato, descreve algo ou constrói uma opinião?b). A respeito de que fala o texto?c). Há relações de anterioridade e posterioridade no texto?d). O texto situa-se em um tempo definido?e) Qual é o tempo verbal predominante? Exemplifique.f). Quanto à tipologia textual, como se classifica o texto?

05). Numere os textos, conforme o que segue: (1) narrativo; (2)descritivo; (3) dissertativo; (4) explicativo; (5) preditivo:a) ( ) Por que o ferro precisa estar quente para passar a roupa?

O calor do ferro põe a estrutura do tecido em ordem. Quando uma peçade roupa é lavada, as fibras que formam o pano ficam amassadas edesalinhadas. O que o calor faz é organizá-las paralelamente,homogeneizando tudo. A temperatura ideal para fazer esse trabalho variade uma fibra para outra. No caso de uma roupa toda de algodão, ela ficaem torno de 100 graus Celsius. Já para o poliéster e a microfibra, émelhor aquecer o ferro entre 30 e 40 graus Celsius. Se a temperatura nãofor adequada, a paralelização não acontece (POR QUE o ferro precisaestar quente para passar a roupa? Super Interessante, São Paulo, n. 2, p.

25, fev. 1998).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 42/57

 

42

b) ( ) Leão - (22/07 a 22/08)Vênus aumentará as chances de você se envolver com alguém muitoespecial (HORÓSCOPO. Semanário, Bento Gonçalves, 01 mar. 2003.Caderno S, p. 19).

c) ( ) Em busca do sucessoO padre Marcelo Rossi lança nesta semana seu novo CD tendo umdesafio pela frente - impulsionar as vendas de seus produtos que andamfracas. Ano após ano, seus novos discos têm tido vendas menores queas dos anteriores. O último CD alcançou 350.000 fiéis compradores noano passado - muito para os comuns mortais, mas pouco para quem em1998 chegou à ante-sala do céu com 3,2 milhões de discos vendidos (EMbusca do sucesso. Veja, São Paulo, 03 set. 2003. Radar, p. 27).

d) ( ) Área ligada à memória fabrica células funcionaisCientistas americanos do Instituto Salk mostraram que o hipocampo,porção do cérebro ligada à memória, é capaz de produzir células novas e

funcionais mesmo em animais adultos. O estudo, que saiu na "Nature"(www.nature.com). abre novo caminho para curar doenças neurológicas(ÁREA ligada à memória fabrica células funcionais. Folha de S. Paulo,São Paulo, 01 mar. 2002. Folha Ciência. p. A 12).

e) ( ) A casa de Aurora era de uma só peça. No meio dela, no chão, um pau delenha queimava, enchendo tudo de fumaça e cheiro de fuligem. Ao redor,  junto às paredes, estavam os estrados cobertos de trapos sujos, ondedevia dormir toda a família. Aurora, deitada na meia escuridão, tossia.Rosa chegou a sentir uma revolta no estômago (POZENA TO, JoséClemente. A Cocanha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2000. p. 245).

f) ( ) Enchentes por monções na Índia matam ao menos 43As monções (ventos periódicos do sul da Ásia) provocaram enchentes emataram 43 pessoas em áreas montanhosas no norte da índia. Militaresforam convocados para ajudar as equipes de resgate (ENCHENTES pormonções na índia matam ao menos 43. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12ago. 2002. p. A 11).

g) ( ) O Brasil não ficou totalmente estagnado na corrida da educação. Suataxa de analfabetismo caiu, praticamente, todas as crianças estãomatriculadas no ensino fundamental e o número de estudantes noensino superior subiu. E por que há uma diferença tão grande naescolaridade entre o Brasil e a Coréia? A diferença está no investimentoque cada nação faz. Quanto maior o capital investido, melhor aqualidade do ensino (MIGLlORANZA, K.K. Veja, São Paulo, 03 set.2003. Cartas, p. 24).

h) ( ) Empossada na Academia Brasileira de Letras a escritora Ana MariaMachado. Ela foi eleita em abril para a cadeira de número 1, que foiocupada pelo jurista Evandro Lins e Silva, morto no ano passado. Dia29, no Rio de Janeiro (Veja, São Paulo, 03 set. 2003. Datas, p. 95).

i) ( ) Por que salivamos diante de uma comida apetitosa?Isso acontece porque o organismo já está se preparando

antecipadamente para a digestão. A visão do prato e seu cheiroestimulam o cérebro, que, por vez, aciona as glândulas produtoras desaliva, secreção que tem a função de ajudar o aparelho digestivo a

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 43/57

 

43

decompor a comida ingerida. (...) O curioso é que a quantidade desalivação varia de acordo com o estado motivacional da pessoa. "Umindivíduo faminto tende a salivar muito mais diante de um prato decomida do que alguém com menos fome", afirma a fisiologista SaraShammah Lagnado, da Universidade de São Paulo (USP) (POR QUEsalivamos diante de uma comida apetitosa? Superinteressante, SãoPaulo, v. 16, n.177, p. 31, jun. 2002).

06). Elabore uma questão que tenha como resposta o textoexplicativo abaixo:

O psiquiatra é o único que pode receitar remédios, por isso éobrigatório que seja formado em medicina. Para o psicólogo, bastaa graduação em psicologia, mas é ele o de atuação maisabrangente: atende não só em consultórios, mas também emempresas, fazendo orientação de recursos humanos, testesvocacionais ou dinâmicas de grupo; e podendo seguir dezenas delinhas ou métodos diferentes. "Estamos falando de duas profissões- psiquiatria e psicologia - e de uma técnica da psicologia, apsicanálise", afirma o psiquiatra paulista Wilson Gonzaga. Opsicanalista é, assim, o mais específico tanto que sua formaçãodispensa a faculdade, substituída pelo curso de especialização daSociedade Brasileira de Psicanálise. Essa técnica de investigação,em sessões individuais de 50 minutos, foi criada pelo austríacoSigmund Freud, a partir da descoberta do inconsciente, manifesto,por exemplo, nos sonhos (SILVA, Siméia Lúcia P. da.Superinteressante, São Paulo, n. 4, p. 44, abro 2001).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 44/57

 

44

III. AS GRANDES NOÇÕES DA LINGÜÍSTICA TEXTUAL

No que se pode chamar de versão padrão, a lingüística textual definiu,com certeza, grandes noções que se assentaram firmemente nas ciências da

linguagem e, freqüentem ente, foram didatizadas com sucesso no ensinosecundário.

3.1. COERÊNCIA TEXTUAL

Para Koch (1997), a coerência textual é o resultado de umprocesso de construção do sentido feito pelos interlocutores, numasituação de interação. Ela permite que uma seqüência lingüísticaconstitua-se em um texto, pois estabelece relações entre os seuselementos (palavras, expressões, frases, parágrafos, capítulos). Acoerência, no entanto, não está somente dentro dos textos, mas é

construída também pelo receptor, no momento da leitura.

A coerência constitui a textualidade, ou seja, faz de umaseqüência lingüística um texto e não um amontoado aleatório de frasesou palavras, conforme a referida autora. O texto, por sua vez, "éentendido como uma unidade lingüística concreta (perceptível pelavisão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante,escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativaespecífica, como uma unidade de sentido e como preenchendo umafunção comunicativa reconhecível e reconhecida, independente de suaextensão" KOCH e TRAVAGLIA, 1989. p. 8-9).

A coerência e a coesão textual estão intimamente relacionadas.No entanto, há textos que podem ser coerentes sem possuir elementosexplícitos de coesão e outros que apresentam uma seqüência deenunciados coesos, mas não constituem textos, pois falta-lhes acoerência.

Observemos as diferenças com relação à coerência nos três textos queseguem:

Texto 1É verdade que a cada geração ficamos mais altos?Sim, principalmente nos países desenvolvidos. Apesar de o crescimento serlimitado pela genética, a melhora na dieta e nas condições de saúde sempretraz centímetros a mais. "O consumo de proteínas estimula a produção decélulas dos tecidos ósseos e musculares, acelerando o crescimento", diz anutricionista paulista Flora Spolidoro (É verdade que a cada geração ficamosmais altos? Superinteressante. São Paulo, p. 41, ago. 2000).

Texto 2Cidadezinha qualquerCasas entre bananeiras

Mulheres entre laranjeirasPomar amor cantar.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 45/57

 

45

Um homem vai devagar.Um cachorro vai devagar.Um burro vai devagar.Devagar... as janelas olham.Eta vida besta, meu Deus.

(ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética.24. ed. Rio de Janeiro: Record, 1990. p. 44).

Texto 3

Pessoas que tomam café da manhã todos os dias correm menos riscosde ter infecções, conforme estudos realizados. As infecções são comuns emcrianças que freqüentam a escola pela primeira vez. Por isso, a escola temcomo filosofia o desenvolvimento de um processo de ensino-aprendizagemconstrutivista.

No texto 1, observa-se coerência entre as sentenças. A respostaà pergunta formulada é coerente e esclarece que o aumento docrescimento a cada geração deve-se ao consumo de proteínas.

No texto 2, há unidade de sentido. Trata-se da descrição poéticade uma cidadezinha pacata, possuindo um enfoque depreciativo (Etavida besta, meu Deus). É um texto coerente, embora não apresenteelementos coesivos.

No texto 3, apesar da presença de elementos de ligação entre as

sentenças, constata-se incoerência entre elas. O tópico frasal (1ªoração) não é desenvolvido nas orações subseqüentes. Outras idéiassão inseridas no parágrafo sem o estabelecimento de relações desentido com as anteriores.

3.1.1. Fatores de coerência

Entre os principais fatores de coerência, destacam-se os elementoslingüísticos, o conhecimento de mundo, os implícitos e a intertextualidade.

a). Elementos lingüísticos

Os elementos lingüísticos, como os itens lexicais e as estruturassintáticas, desempenham papel importante para a compreensão textual, umavez que ajudam a ativar os conhecimentos armazenados na memória do leitore os sentidos dos enunciados que compõem cada texto. Desse modo, ocontexto lingüístico, contemplado inclusive pelos elementos de coesão, êdeterminante na constituição da coerência.

b). Conhecimento de mundo

A coerência de um texto tem estreita relação com a experiência demundo do sujeito que o lê. Está relacionada ao conhecimento sobre o assuntopor parte do interlocutor. Se o leitor não está informado sobre a temática do

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 46/57

 

46

texto, este poderá lhe parecer incoerente, pois falta-lhe o conhecimento paraapreender o sentido. Vejamos:

Sarney compara a operação da PF ao caso Watergate (SARNEYcompara a operação da PF ao caso Watergate. Folha de S. Paulo, São Paulo,

14 mar. 2002, p. A5).

O exemplo ilustra a necessidade de conhecer o assunto para acompreensão da manchete. Se o leitor não tiver a informação do que seja ocaso Watergate (espionagem que provocou a renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon), não terá elementos para relacioná-lo com acandidatura de Roseana Sarney à presidência da República, filha de JoséSarney, ex-presidente da República (denúncia de grande quantidade dedinheiro encontrado no escritório do marido leva à renúncia de suacandidatura).

3.1.2. Implícitos

Os implícitos são aquelas informações que necessitam de um ato deinferência ou de pressuposição para o entendimento, pois não aparecemexplicitamente no texto.

A inferência é uma afirmação implícita que pode ser negada pelo texto, já que é o leitor que a constrói.

Exemplo:

A Faculdade vai comprar o Patativa do Assaré?b) Está no provão. (A resposta é dada de modo a entender que o livroserá comprado, pois consta

na bibliografia do Provão do Curso de Letras.)

A pressuposição é uma afirmação implícita que não pode ser negadapelo texto, porque há um elemento lingüístico que a comprova.

Exemplo:João parou de jogar. (O verbo parou pressupõe que João jogava.)

3.1.3. IntertextualidadePara o entendimento de um texto, freqüentemente, acessa-se o

conhecimento prévio, decorrente de leituras anteriores. A intertextualidadeocorre quando o autor utiliza conteúdos referidos direta ou indiretamente deoutros textos. Vejamos o exemplo:

"Não só de pão vive o homem, mas de toda a palavra da boca de Deus"(LUCAS. Preparação para a vida pública de Jesus. In: Bíblia Sagrada. 47 ed.São Paulo: Ave Maria Ltda, 1985, cap. 4, V. 4. p. 1350).

"Não só de repolhos, nabos e batatas viverá o homem, mas também devioletas, orquídeas e rosas..." (AL VES, Rubem. Sobre moluscos, conchas e

belezas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 31 mar. 2002. Caderno A, p. A3).

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 47/57

 

47

Rubem Alves escreve valendo-se da passagem bíblica em que Jesusresponde ao diabo, no momento em que é tentado no deserto.Reinterpretando-a, diz que ao homem não basta o alimento para viver; eletambém precisa da beleza, representada pelas flores.

3.2. COESÃO TEXTUAL

A coesão textual, para Halliday & Hasan (1976), diz respeito às relaçõesde sentido que ocorrem no interior do texto, por meio das quais uma sentençase liga à outra. Essa ligação dá.se através do emprego de elos coesivos naorganização textual, permitindo a concatenação das suas partes.

Desse modo, a coesão possibilita a ligação dos elementos queconstituem o texto e gera uma interdependência interna organizada. Ela serealiza na conexão de vários enunciados, a partir das relações de sentido queexistem entre eles, expressas por certas categorias de palavras, chamadas de

conectivos. Existem diferentes estratégias de coesão que dependem dasescolhas do autor e das intenções comunicativas.

A rede de relações de um texto, responsável pela construção do sentidoglobal, pode ser estabelecida por dois grandes conjuntos: o da coesãoreferencial e o da coesão seqüencial. Apresentaremos a seguir apenas oselementos da coesão referencial, em que um componente da superfície dotexto faz remissão a outro(s) elemento(s) do universo textual (KOCH, 1994. p.30).

3.2.1. Mecanismos de coesão referencial

Halliday & Hasan (1976) citam como principais fatores de coesãoreferencial a substituição, a referência, a coesão lexical, elipse e a conjunção.

a). Coesão por substituição

A coesão por substituição consiste em utilizar conectivos ou expressões(diante do que foi exposto, tudo o que foi dito, esse quadro, a partir dessasconsiderações etc.) para sintetizar e retomar substantivos, verbos, expressõese partes de textos já referidos.

Exemplos: O temporal destruiu o telhado da escola. Em vista disso, as aulas foram

suspensas. A temperatura baixou na serra gaúcha. Por essa razão, houve o aumento

das vendas de roupas de lã. Marcos, Tiago e Mateus compraram um Fiesta, um Corsa e um Gol,

respectivamente.

b). Coesão referencial

A coesão referencial realiza-se pela referência de elementos do própriotexto. Para efetivá-la, são usados pronomes pessoais, possessivos,

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 48/57

 

48

demonstrativos ou advérbios e expressões adverbiais que indicam alocalização.

Exemplos: Ana é uma excelente funcionária. Ela sempre cumpre as metas propostas.

Paulo aplica seu dinheiro na poupança e Joaquim o aplica em ações. Pedro comprou um anel para oferecê-lo no aniversário de Maria. Prefiro Bento Gonçalves a Porto Alegre. Esta é mais violenta, aquela é mais

calma. Ambas oferecem boas perspectivas profissionais. Fui visitar a Igreja Santo Antônio de Bento Gonçalves. Lá, encontrei o vigário

que era meu amigo de infância. Pedi uma fatia de torta. A fatia, entretanto, estava muito grande.

Observação: O mecanismo de coesão referencial estaria mal empregadose escrevêssemos, na segunda sentença: Uma fatia, entretanto, estava muitogrande.

c). Coesão lexical

A coesão lexical de um texto depende de um certo grau de redundância,através da qual retomam-se as idéias e parte delas, utilizando-se de palavras jáditas, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos ou palavras do mesmo camposemântico.

Exemplos: O aluno entrou na sala. O aluno estava atrasado. (repetição) O aluno entrou na sala. O estudante estava atrasado. (sinônimo)

Pedro desenhou quadrados, retângulos e losangos. Os quadriláterosestavam corretos. (hiperônimo) Pedro desenhou quadrados, retângulos e círculos. As figuras geométricas 

estavam corretas. (nome genérico) A escola estava aberta. Dezenas de alunos e professores circulavam nos

corredores. (palavras do mesmo campo semântico)

c). Coesão por elipse

Na construção de um texto, muitas vezes, certas palavras, expressões eaté frases podem ser omitidas, evitando-se, assim, a repetição desnecessária,

mas garantindo-se o sentido. A elipse pode estar marcada por vírgula. Ospronomes, os versos, os nomes e as sentenças podem estar implícitos.

Exemplos: Eles acordaram e viajaram. (elipse de pronome - eles ) Eu comprei camisas, minha irmã, saias. (elipse de verbo - comprou ) Esta questão foi a mais difícil da prova. (elipse de nome - questão ) Você já leu todo o livro? - Li. (elipse de sentença - já li todo o livro )

d). Coesão por conjunçãoA conjunção estabelece relações significativas específicas entre os

elementos do texto.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 49/57

 

49

Exemplos: Fomos a Gramado. Depois, jantamos em Nova Petrópolis. Fomos a Gramado. Logo após, jantamos em Nova Petrópolis.

BIBLIOGRAFIA

01). ADAM, Jean-Michel. A Lingüística Textual: Introdução à análisetextual dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008.

02). GUIMARÃES, Elisa. Texto, Discurso e Ensino. São Paulo, Contexto,2009.

03). KÖCHE, Vanilda. Prática Textual: Atividades de leitura e escrita. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

04). KÖCHE, Vanilda Salton. Leitura e Produção Textual: GênerosTextuais do Argumentar e Expor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

05). MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de Lingística. SãoPaulo: Contexto, 2008.

06). PAVEAU, Marie-Anne.As Grandes Teorias da LINGUÍSTICA: daComparada à Pragmática. São Carlos: Claraluz, 2006.

07). SOUZA, Luiz Marques de. Compreensão e produção de textos.Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 50/57

 

50

EXERCÍCIOS PRÁTICOS

1) A partir da leitura da crônica a seguir de Luis FernandoVeríssimo, faça os exercícios sugeridos: 

O homem trocadoO homem acorda da anestesia e olha em volta. Ainda está na sala derecuperação. Há uma enfermeira do seu lado. Ele pergunta se foi tudo bem.

- Tudo perfeito - diz a enfermeira, sorrindo.- Eu estava com medo desta operação...- Por quê? Não havia risco nenhum...- Comigo, sempre há risco. Minha vida tem sido uma série de enganos...E conta que os enganos começaram com seu nascimento. Houve uma troca de

bebês no berçário e ele foi criado até os dez anos por um casal de orientais, quenunca entenderam o fato de terem um filho claro com olhos redondos. Descoberto oerro, ele fora viver com seus verdadeiros pais. Ou com sua verdadeira mãe, pois o paiabandonara a mulher depois que esta não soubera explicar o nascimento de um bebê

chinês.- E o meu nome? Outro engano.- Seu nome não é Lírio?- Era para ser Lauro. Se enganaram no cartório e...Os enganos se sucediam. Na escola, vivia recebendo castigo pelo que não

fazia. Fizera o vestibular com sucesso, mas não conseguia entrar na universidade. Ocomputador se enganara, seu nome não apareceu na lista.

- Há anos que a minha conta do telefone vem com cifras incríveis. No mêspassado tive que pagar mais de Cr$ 300 mil.

- o senhor não faz chamadas interurbanas?- Eu não tenho telefone!Conhecera sua mulher por engano. Ela o confundira com outro. Não foram

felizes. - Por quê?- Ela me enganava.Fora preso por engano. Várias vezes. Recebia informações para pagar dívidas

que não fazia. Até tivera uma breve, pouca alegria, quando ouvira o médico dizer:- O senhor está desenganado.Mas também fora um engano do médico. Não era tão grave assim. Uma

simples apendicite... - E se você diz que a operação foi bem...A enfermeira parou de sorrir.- Apendicite? - perguntou, hesitante.- É. A operação era para tirar o apêndice.- Não era para trocar de sexo?

(Luís Fernando Veríssimo Seleção de crônicasdo livro Comédia da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996)

a) Toda a crônica se desenvolve lingüisticamente em torno do que otítulo sugere: "O homem trocado". Destaque do texto termos queretomam as sucessivas e marcantes "trocas" do personagem.

b) No primeiro parágrafo, "o homem" é referido inicialmente e, emseguida, é retomado por intermédio de outras três estratégias deremissão coesiva. Informe que artifícios são esses.

c) Observe o trecho do diálogo entre a enfermeira e o homem:- Por quê? Não havia risco nenhum.

- Comigo, sempre há risco ...

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 51/57

 

51

O termo destacado, embora formalmente repetido, é articulado comdistintos sentidos. O que "risco" significa para cada uma daspersonagens?

d) O que justifica dizer que em "- Comigo, sempre há risco. Minha vida éuma série de enganos ... " O termo em destaque articula uma

referência catafórica?e) Qual O papel dos termos em destaque nas seguintes seqüências paraa configuração da unidade textual? Mas também fora um engano domédico.- E se você diz que a operação foi bem ...

f) Como a declaração do médico "- O senhor está desenganado" podeser interpretada pelo personagem como uma boa informação? Porque essa possibilidade leva ao humor?

g) Por que podemos classificar a crônica "O homem trocado" como umtexto coerente?

02). Leia os enunciados que seguem e diga se há ou não coerência.Caso ocorram incoerências, aponte-as.

a) Maria tinha feito o almoço, quando chegamos, mas ainda estavafazendo.

b) Pedra não foi ao shopping, entretanto, estava doente.c) A caturrita estava grávida.d) Mário foi à solenidade, todavia, ele não fora convidado.e) Mário foi à solenidade, todavia, ela não fora convidada.f) Mário foi à solenidade, porque fora convidado.g) Mário foi à solenidade, todavia, porque não fora convidado.h) Mário foi à solenidade, todavia, porque não fora convidado, pediram-

lhe que se retirasse.i) Mário não foi à solenidade, embora tivesse sido convidado.  j) Prezado clientek) Solicitamos a gentileza de comparecer a nossa central de crédito

para o acerto de seus débitos. Só a sua presença é que poderáresolver esse galho. Cordialmente.

l) Aninha era uma menina que sonhava em possuir um patinete,sempre que via Paula brincando com o dela. Imaginava como seriabom se pudesse andar no patinete da amiga. Certo dia, Paula

esqueceu-o na casa de Aninha, e esta resolveu brincar de bonecas.m) Daniel é um adolescente encantado por filosofia. Na escola,demonstra conhecer as obras dos grandes filósofos. No recreio, nãodeixa sua professora de história descansar porque deseja saber ascausas dos movimentos sociais, e é contra todas as terapiasalternativas. Quando trouxe uma fotografia de seu quarto para queseus professores o conhecessem, revelava a presença de amuletos,cristais, pirâmides e pêndulos.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 52/57

 

52

03). Leia os poemas que seguem:

Texto 1 – Meus oito anosOh! Que saudades que tenho Como são belos os diasDa aurora da minha vida Do despontar da existência!Da minha infância querida - Respira a alma inocênciaQue os anos não trazem mais! Como perfumes a flor;Que amor, que sonhos, que flores, O mar é - lago sereno,Naquelas tardes fagueiras, O céu - um manto azulado,À sombra das bananeiras O mundo - um sonho dourado,Debaixo dos laranjais! A vida - um hino d'amor!(...) (...)

(ABREU, Casimiro de. Meus oito anos. In: ALVES, Alfonso Telles (Org.).Antologia de poetas brasileiros. São Paulo: Logos Ltda., s.d. p. 67).

Texto 2 – Doze anosAi, que saudades que eu tenho Matando passarinho

Dos meus doze anos Colecionando minhocaQue saudade ingrata Jogando muito botãoDar banda por aí Rodopiando piãoFazendo grandes planos Fazendo troca-trocaE chutando lataTrocando figurinha

Ai que saudades que eu tenho Chupando picoléDuma travessura Pé-de-moleque, paçocaO futebol de rua E, disputando troféuSair pulando muro Guerra de pipa no céu

Olhando fechadura Concurso de pirocaE vendo mulher nuaComendo fruta no pé

[HOLLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque -letra e música.São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 159).

3.1. Responda as seguintes questões:a). O poema Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, é um texto

coerente? Justifique.b). Os dois poemas retratam a mesma fase da vida? Qual?c). Os sentimentos expressos pelo texto 2 são os mesmos do texto 1?

Explique.d). A intertextualidade pressupõe um trabalho de transformação de umtexto pelo outro. É o que se observa no poema Meus doze anos, deChico Buarque, em relação ao poema Meus oito anos, de Casimirode Abreu. A partir do que foi dito, comente a relação intertextualpresente nos dois poemas.

04). Observe a afirmação:Naquela casa, as coisas não estão bem. Pedro continua batendo namulher e João voltou a beber.Na frase, encontram-se inferidas outras afirmações. Assinale aquela cuja

verdade não está pressuposta na frase:a). Pedro batia na mulher.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 53/57

 

53

b). João parou de beber em um momento passado.c). João bebe atualmente.d). João sempre bebeu.

05). Observe a sentença:

Marisa comprou um colar de diamantes.A partir da afirmação, assinale a que só pode ser inferida mediante umcontexto:a). Marisa tem um colar.b). Marisa tinha recursos para comprar um colar.c). Marisa é muito rica.d). Marisa é uma companhia agradável.

06). Construa uma nova versão dos textos que seguem, utilizandoos mecanismos de coesão que julgar adequados, visando torná-los maiscoesos.

Texto A - O estresse não só acontece nas grandes cidades, poisnossos antepassados já tinham estresse, mas é importante salientar que asmanifestações do estresse eram espaçadas no tempo. As pessoas depequenas cidades também têm estresse por preocupações, tensões do dia-a-dia, instabilidade econômica do mercado, desemprego. Por outro lado, oestresse não vem somente com coisas ruins, o estresse também vem nassituações em que aspiramos a avançar mais. Ganhar na loto é um estresse domesmo nível de uma demissão do emprego, só que é chamado de estresse positivo (BACCARO, Archimedes. Vencendo o estresse. Petrópolis: Vozes,1997. p. 17). - Adaptação das autoras.

Texto B - Os golfinhos são graciosos. Os golfinhos têm um ar deirresistível inteligência e os golfinhos encantam os humanos - mas milhares degolfinhos morrem todos os anos, vítimas dos pescadores. Os barcospesqueiros jogam redes imensas para capturar os cardumes de atum eacabam prendendo os golfinhos, quando os golfinhos sobem para respirar.As campanhas de preservação dos golfinhos já conseguiram reduzir amatança em 80%. Só agora um acordo feito entre os dez países que pescamatum nas águas da parte leste do Pacífico, responsáveis pela morte de 25000golfinhos em 1991, pretende levar a operação resgate ao limite máximo.Alguns ecologistas duvidam de que esse acordo vá diminuir a matança degolfinhos nos próximos anos (SANTOS, Marcos César de Oliveira. Baleias e

golfinhos. São Paulo: Ática, 1996. p. 51). - Adaptação das autoras.

07). Destaque do texto dois casos em que ocorra um mecanismo decoesão por elipse e dois por referência.

Água é o melhor remédioO alerta vem de médicos de diversos países, convencidos de que as

pessoas não conhecem direito os benefícios desta santa fórmula, o H20. Ela ésimples, eficiente e sem contra-indicações. Basta seguir uma receita trivial -tome pelo menos oito copos de água por dia - e os efeitos aparecem no corpointeiro, do cérebro aos intestinos e ossos. O difícil é descobrir algo que a águanão faça dentro do organismo. Ela transporta nutrientes para as células, dissol-ve e vitaminas e sais minerais dentro delas, ajuda a desintoxicar os rins, dá

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 54/57

 

54

flexibilidade aos músculos, lubrifica as juntas ósseas e refrigera o corpo aoexpulsar pela pele o suor aquecido. Perder apenas 20% dos 40 ou 50 litros dovolume total de água no corpo pode ser mortal. A sede já é sinal de de-sidratação. E, se você não beber água, podem aparecer sintomas mórbidos.Eles surgem no cérebro, que é 74% líquido. Se ele começa a secar, você sentedor de cabeça, moleza e um pouco de confusão mental. Já o sangue, quecontém 80% de H20, engrossa, elevando a pressão. E o apetite também desa-parece. Portanto, não perca tempo: encha a cara de água (ÁGUA é o melhorremédio. Superinteressante. São Paulo, v. 16, n. 179, p. 24, ago. 2002).

08). TEXTO: PONTO DE VISTA - COMPRE SEMPRE À VISTA

A tradição das religiões não permite incorporar algumas modernidades,situações novas com as quais os antigos não conviviam. Infelizmente nãopodemos criar mandamentos que eliminariam imenso sofrimento humano, quereduziriam inúmeros conflitos familiares modernos, que devolveriam paz deespírito a muitos seres humanos. Se pudéssemos, eu proporia um décimo pri-

meiro mandamento: "Jamais comprarás a prazo".O endividamento pessoal, o crediário sem fim e as compras a prazodeturpam a condição humana. O trabalho se torna uma obrigação, a de saldaras dívidas do consumo, em vez do contrário. O consumo deveria ser arecompensa merecida pelo trabalho bem-feito.

"Curta hoje, pague depois" tornou-se o novo lema do consumismomundial, uma inversão da ética milenar de colocar o sacrifício antes do prazer.

Talvez por isso sejamos um povo eternamente endividado, pendurado.Poupamos pouco, investimos menos ainda. Não é à toa que para muitostrabalhar é um fardo. O prazer veio antes.

A desculpa de "se eu não comprar a prazo, jamais comprarei algo" nãoconvence, porque comprando a prazo você estará pagando muito mais pelo

mesmo produto, acrescido de juros e inúmeros outros custos adicionais.Se você depositar todo mês numa aplicação de renda fixa o valor

equivalente ao que seria o da prestação, depois de dezoito meses terá entre50% e 100% de rendimento a seu dispor, dependendo das taxas de juros domomento.

A questão nunca está entre comprar e não comprar, mas entre recebera mercadoria já, pagando prestações e juros no futuro, e poupar e comprar nofuturo, à vista, com desconto e tudo mais. Não são os pobres que compram aprazo, é a compra a prazo que os deixa mais pobres. Compre a prazo e vocêficará eternamente pendurado. Compre à vista e estará eternamente livre dos - juros do crediário.

Quando se compra a prazo, paga-se por muitos custos adicionais, alémdos juros, algo que nossos professores não ensinam. Comprando à vista, umasérie de despesas se torna desnecessária, barateando o custo do produto.

Comprando em dez prestações, você está pagando por dez notas pro-missórias e dez lançamentos que precisam ser contabilizados e registrados.Cada vez que você paga uma prestação, um funcionário tem de receber econtar o dinheiro, um contador precisará dar baixa na prestação, um recibodeverá ser emitido e assinado. Tudo isso tem um custo. Além do mais, há ocusto do centro de atendimento de crediário. Nada disso é necessário quandovocê compra à vista.

Existe ainda o custo da pesquisa de crédito: alguém tem de telefonarpara seu empregador, seus antigos credores, para o serviço de proteção ao

crédito e  assim por diante. Chamam a isso custo de abertura de crédito. Equem paga É você.

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 55/57

 

55

Muita gente acaba não saldando as prestações, e o pior da compra aprazo é que você terá de pagar por esses caloteiros. De 3% a 8% dosdevedores nunca quitam suas dívidas, e quem paga é você. Isso é umaenorme injustiça, os bons pagadores acabam pagando pelos maus pagadores.Como nunca se sabe de antemão quem vai dar o calote ou não, não há outroremédio a não ser incluir o custo no preço pago por todos.

Inadimplência não é o único custo que se tem quando se compra aprazo, existem ainda milhares de devedores que atrasam o pagamento.Embora não sejam exatamente caloteiros, acabam incorrendo em outroscustos, dos cobradores, dos advogados, das cartas de aviso, e quem paganovamente é você. pagador pontual.

Todos esses custos estão embutidos nos juros cobrados, o que geraalgumas conclusões equivocadas por parte de certos economistas, jornalistas epolíticos que acusam o comércio, os bancos e os cartões de crédito de cobrar  juros abusivos. Esquecem que os "juros" são na realidade a soma de jurosmais todas essas despesas.

Além de tudo isso, a compra a prazo provoca um senso de

superioridade incompatível com sua produtividade, uma ostentação acima desua capacidade de produção. Na compra de um imóvel não há alternativa anão ser o plano a prazo, mas na compra de um eletrodoméstico há. Para suafelicidade e de sua família, incorpore mais um lema em sua vida: compre àvista!

(KANITZ, Stephen. Compre sempre à vista. Veja, mar. 2002, p. 20).

AtividadesResponda as questões que seguem:01). Quem é o autor do texto?02). Qual é a fonte desse texto?

03). O que significa "Ponto de Vista" no título do texto? Em que veículosde comunicação podemos encontrar essa seção?04). Qual é a questão abordada no texto?05). A que gênero textual pertence o texto Compre sempre à vista? Qualé a tipologia textual predominante? Justifique.06). Aponte um sinônimo que possa substituir os seguintes termos no

texto:a). incorporar (linha 01):b). conflitos (linha 04):c). inversão (linha 12):d). poupamos (linha 14):

e). equivocadas (linha 55):f). ostentação (linha 60):

07). Assinale a opção que justifique o emprego das aspas na seguinteafirmação: "se eu não comprar a prazo, jamais comprarei algo" (linha16):( ) É um provérbio.( ) Trata-se de um argumento de consenso, utilizado, geralmente, pelaspessoas que costumam comprar a prazo.( ) É a citação direta das palavras de um outro autor.( ) Revela a ironia do autor em relação ao assunto.

08). Indique as linhas do texto em que aparecem as partes:situação-problema:

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 56/57

 

56

discussão:solução-avaliação:09). O texto apresenta um percurso argumentativo para desqualificar acompra a prazo. Apresente esses argumentos relacionados aosseguintes aspectos:

a) Lema do consumismo mundial:b) Desculpa usual:c) Custos e juros:d) Senso de superioridade:10). Identifique 04 tipos de custos advindos das compras feitas a prazo.11). O que revela o emprego repetido do vocábulo você no texto?12). No primeiro e terceiro parágrafos foram utilizadas aspas.A finalidade de tal uso é semelhante nesses distintos momentos?

Justifique.13). O autor, conforme as linhas 05 e 06, propõe a criação de um décimoprimeiro mandamento. Há alguma relação de intertextualidade, ou seja,

o autor estabelece uma relação de sentido entre o que diz e outro texto?Explique.14). Há duas afirmações imperativas no texto que se opõem: "Compresempre à vista" e "Curta hoje, pague depois". Qual é o sentido dessaoposição no texto. Você concorda com o posicionamento do autor?Justifique.15). Como você interpreta a afirmação: "O endividamento pessoal, ocrediário sem fim e as compras a prazo deturpam a condição humana"(linhas 07 e 08).16). Sublinhe, no último parágrafo do texto, todos os operadoresargumentativos utilizados pelo autor, indicando a relação queestabelecem.17). Encontre os referentes de:a) as quais (linha 02):b) que (linha 03):c) os - deixa (linha 26):d) esses caloteiros (linha 44):e) isso (linha 45):f) que (linha 50):g) esses custos (linha 54):h) que (linha 54):

i) essas despesas (linha 58):18). Substitua os articuladores destacados abaixo por outros de mesmosentido e especifique a relação estabelecida:a) porque (linha 17):b) mas (linha 23):c) quando (linha 29):d) inda (linha 39):19). Como já estudamos, a elipse é um recurso que garante oestabelecimento da coesão. No texto em estudo, ela se manifesta emdiferentes momentos. Que termos ou expressões encontram-se emelipse nos fragmentos abaixo?

5/14/2018 APOSTILA - LINGUÍSTICA TEXTUAL (SEGUNDO 2011) UNIEURO - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/apostila-linguistica-textual-segundo-2011-unieuro 57/57

 

57

a) "Curta hoje, pague depois", tornou-se o novo lema do consumismomundial, uma inversão da ética milenar de colocar o sacrifício antes doprazer (linhas 11 e 12).b) Esquecem que os "juros" são na realidade a soma de juros maistodas essas despesas (linhas 57 e 58).

c) Além de tudo isso, a compra a prazo provoca um senso desuperioridade incompatível com sua produtividade, uma ostentação acima desua capacidade de produção (linhas 59 a 61).

d) Na compra de um imóvel não há alternativa a não ser o plano a prazo,mas na compra de um eletrodoméstico há (linhas 61 e 62).

20). 20) Proposta de produção textual: escreva uma carta do leitor,posicionando-se com relação ao assunto abordado no artigo. Seu texto serálido pelos colegas.