apostila filo e etica

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2009 Ministério da Educação – MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Diretoria de Educação a Distância – DED Universidade Aberta do Brasil – UAB Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP Bacharelado em Administração Pública

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filosofia e etica

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  • 2009

    Ministrio da Educao MEC

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    Diretoria de Educao a Distncia DED

    Universidade Aberta do Brasil UAB

    Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP

    Bacharelado em Administrao Pblica

  • 2009. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.

    A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do(s) respectivos autor(es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e

    gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o

    contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos.

    A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem autorizao

    expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos

    1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

    A848f Assmann, Selvino JosFilosofia e tica / Selvino Jos Assmann. Florianpolis : Departamento de Cincias da

    Administrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2009.166p. : il.

    Bacharelado em Administrao PblicaInclui bibliografiaISBN: 978-85-61608-74-3

    1. Filosofia Histria. 2. tica. 3. tica profissional. 4. Administrao pblica. 5. Educaoa distncia. I. Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Brasil). II.Universidade Aberta do Brasil. III. Ttulo.

    CDU: 174

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

  • PRESIDENTE DA REPBLICA

    Luiz Incio Lula da Silva

    MINISTRO DA EDUCAO

    Fernando Haddad

    PRESIDENTE DA CAPES

    Jorge Almeida Guimares

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    REITORlvaro Toubes Prata

    VICE-REITORCarlos Alberto Justo da Silva

    CENTRO SCIO-ECONMICO

    DIRETORRicardo Jos de Arajo Oliveira

    VICE-DIRETORAlexandre Marino Costa

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO

    CHEFE DO DEPARTAMENTOJoo Nilo Linhares

    SUBCHEFE DO DEPARTAMENTOGilberto de Oliveira Moritz

    SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    SECRETRIO DE EDUCAO A DISTNCIACarlos Eduardo Bielschowsky

    DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    DIRETOR DE EDUCAO A DISTNCIACelso Jos da Costa

    COORDENAO GERAL DE ARTICULAO ACADMICANara Maria Pimentel

    COORDENAO GERAL DE SUPERVISO E FOMENTOGrace Tavares Vieira

    COORDENAO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOSFrancisco das Chagas Miranda Silva

    COORDENAO GERAL DE POLTICAS DE INFORMAOAdi Balbinot Junior

  • COMISSO DE AVALIAO E ACOMPANHAMENTO PNAP

    Alexandre Marino CostaClaudin Jordo de CarvalhoEliane Moreira S de Souza

    Marcos Tanure SanabioMaria Aparecida da SilvaMarina Isabel de Almeida

    Oreste PretiTeresa Cristina Janes Carneiro

    METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIA

    Universidade Federal de Mato Grosso

    COORDENAO TCNICA DED

    Andr Valente de Barros BarretoSoraya Matos de Vasconcelos

    Tatiane MichelonTatiane Pacanaro Trinca

    AUTOR DO CONTEDO

    Selvino Jos Assmann

    EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOS CAD/UFSC

    Coordenador do ProjetoAlexandre Marino Costa

    Coordenao de Produo de Recursos DidticosDenise Aparecida Bunn

    Superviso de Produo de Recursos DidticosFlavia Maria de Oliveira

    Designer InstrucionalDenise Aparecida Bunn

    Andreza Regina Lopes da Silva

    Supervisora AdministrativaErika Alessandra Salmeron Silva

    CapaAlexandre Noronha

    IlustraoIgor Baranenko

    Projeto Grfico e FinalizaoAnnye Cristiny Tessaro

    EditoraoRita Castelan

    Reviso TextualSergio Meira

    Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

  • Os dois principais desafios da atual idade na reaeducacional do pas so a qualificao dos professores que atuamnas escolas de educao bsica e a qualificao do quadrofuncional atuante na gesto do Estado Brasileiro, nas vriasinstncias administrativas. O Ministrio da Educao estenfrentando o primeiro desafio atravs do Plano Nacional deFormao de Professores, que tem como objetivo qualificar maisde 300.000 professores em exerccio nas escolas de ensinofundamental e mdio, sendo metade desse esforo realizado peloSistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). Em relao aosegundo desafio, o MEC, por meio da UAB/CAPES, lana oPrograma Nacional de Formao em Administrao Pblica(PNAP). Esse Programa engloba um curso de bacharelado e trsespecializaes (Gesto Pblica, Gesto Pblica Municipal eGesto em Sade) e visa colaborar com o esforo de qualificaodos gestores pblicos brasileiros, com especial ateno noatendimento ao interior do pas, atravs dos Polos da UAB.

    O PNAP um Programa com caractersticas especiais. Emprimeiro lugar, tal Programa surgiu do esforo e da reflexo de umarede composta pela Escola Nacional de Administrao Pblica(ENAP), do Ministrio do Planejamento, pelo Ministrio da Sade,pelo Conselho Federal de Administrao, pela Secretaria deEducao a Distncia (SEED) e por mais de 20 instituies pblicasde ensino superior, vinculadas UAB, que colaboraram naelaborao do Projeto Poltico Pedaggico dos cursos. Em segundolugar, esse Projeto ser aplicado por todas as instituies e pretendemanter um padro de qualidade em todo o pas, mas abrindo

  • margem para que cada Instituio, que ofertar os cursos, possaincluir assuntos em atendimento s diversidades econmicas eculturais de sua regio.

    Outro elemento importante a construo coletiva domaterial didtico. A UAB colocar disposio das instituiesum material didtico mnimo de referncia para todas as disciplinasobrigatrias e para algumas optativas. Esse material est sendoelaborado por profissionais experientes da rea da administraopblica de mais de 30 diferentes instituies, com apoio de equipemultidisciplinar. Por ltimo, a produo coletiva antecipada dosmateriais didticos libera o corpo docente das instituies para umadedicao maior ao processo de gesto acadmica dos cursos;uniformiza um elevado patamar de qualidade para o materialdidtico e garante o desenvolvimento ininterrupto dos cursos, semparalisaes que sempre comprometem o entusiasmo dos alunos.

    Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importantepasso em direo democratizao do ensino superior pblico ede qualidade est sendo dado, desta vez contribuindo tambm paraa melhoria da gesto pblica brasileira, compromisso deste governo.

    Celso Jos da Costa

    Diretor de Educao a Distncia

    Coordenador Nacional da UAB

    CAPES-MEC

  • Convite para pensar............................................................................................ 9

    Unidade 1 O que Filosofia

    O que filosofia?................................................................................................ 19

    A atitude filosfica........................................................................................ 20

    Especificidade do conhecimento filosfico...................................................... 23

    Os gregos inventam a filosofia....................................................................... 25

    O sentido da filosofia............................................................................... 28

    Caractersticas gerais da Histria da Filosofia..................................................... 36

    A filosofia antiga........................................................................................ 37

    A filosofia medieval................................................................................. 39

    A filosofia moderna....................................................................... 46

    Scrates e Plato: um confronto entre dois modos de entender a filosofia.............. 61

    A concepo socrtica de filosofia: busca de sabedoria............................... 62

    A concepo platnica de filosofia: encontro da sabedoria.......................... 67

  • Unidade 2 tica

    Sobre a tica, a partir da crise tica............................................................... 85

    tica e moral....................................................................................... 86

    tica antiga, medieval e moderna................................................................. 91

    tica da convico e tica da responsabilidade........................................... 99

    Afinal, o que tica?.................................................................................... 107

    Crise tica e crise da tica..................................................................... 110

    Dificuldade atual de formular uma tica....................................................... 112

    A tica e a poltica...................................................................................... 117

    Poder, poltica e tica.................................................................................... 118

    Duas concepes de poder................................................................. 123

    O poder como relao entre seres humanos........................................... 126

    Poder e liberdade.................................................................................... 129

    O problema tico, a tica profissional e a responsabilidade social na

    Administrao Pblica Brasileira.......................................................................... 136

    Administrao pblica brasileira e tica....................................................... 143

    Consideraes finais........................................................................................ 156

    Referncias.................................................................................................... 162

    Minicurrculo.................................................................................................... 166

  • Tudo corre. Escorre. Tudo muda. At na universidadeprofessores e alunos correm cada vez mais. Nada permanece. Tudo lquido. E todos corremos. Se no o fizermos, outros passaropor cima de ns, e seremos considerados preguiosos ouincompetentes. Mas em geral no sabemos para onde corremos,mesmo que daqui a pouco, no se sabe quando, venhamos a darde cara com a morte. Inevitavelmente. E ficamos produzindo,fazendo coisas...

    Precisamos ser competentes tecnicamente para que algumnos d um lugar, um emprego, mas tambm flexveis, maleveis,para podermos nos adaptar sempre ao que se nos pede. Ns, todosns sem exceo, que devemos adaptar-nos, e no o mundo ans, pois o mundo assim como . Paradoxalmente, o mundo queparece mudar tanto, parece tambm ser inflexvel e imutvel. preciso mover-se, a rede vasta, os compromissos so tantos, asexpectativas muitas, as oportunidades abundantes, e o tempo umamercadoria rara...

    A vida se torna uma loja de doces para apeti testransformados, at pelo marketing, em voracidade cada vez maior.Estamos sempre na beirada entre estar dentro e estar fora, entre serincludo e poder ser excludo a qualquer hora. Temos que estaratentos, correndo o risco da depresso, sempre. A insegurana nossa companheira permanente, na companhia de gente insegura.Sei que do meu lado tambm h gente to insegura quanto eu.Belo consolo! Mas isso, em vez de criar solidariedade entre osinseguros, aumenta a indiferena, a irritao, a vontade decompetentemente empurrar para longe todos os concorrentes ao

  • meu lado. Em vez de cerrar fileiras na guerra contra a incerteza,todos querem que os outros fiquem mais inseguros, abandonem obarco e o deixem mais tranquilo para mim. E se diz que isso ainsofismvel lei do mercado, que isso assim, thats it, como umtempo dizia a propaganda de um refrigerante conhecido: esta arazo das coisas, uma necessidade, e basta. Isso liberdade. Masno h escolha! Temos a sensao de nunca termos sido to livrese, ao mesmo tempo, a percepo de que somos totalmente incapazesde mudar algo.

    Sob outro aspecto, sentimo-nos vivendo em um mundo noqual, claramente, vale o privado, o interesse privado, e no o pblico,nem o interesse pblico. Ou ento, temos uma viso muito paradoxalda relao entre pblico e privado: por um lado, tudo o que estdiretamente situado como pblico aparece demonizado, como sefosse o lugar do mal, da indecncia, lugar em que seria impossvelfazer o bem, lugar em que s h interesses privados. E isso ocorreao mesmo tempo em que consideramos o mbito privado como ummbito no qual se faz o bem sempre, no qual tudo legitimvel oujustificvel. Como conciliar isso? Certamente tudo isso mexe naviso que se tem da poltica e do poltico, do Estado, do serviopblico, do funcionrio pblico de governos municipais, estaduaise federais, na viso que se tem da administrao pblica em geral.

    Exemplo desta viso sobre o que pblico e sobre a funodo Estado e do servio pblico o que disse Margareth Tatcher, aoexercer recentemente o cargo de primeiro-ministro da Inglaterra,defendendo o reinado absoluto da flexibilidade. Ela disse semeufemismos: No existe esta coisa chamada sociedade. S hindivduos, homens e mulheres como indivduos, e pronto! E oEstado? Deve ser uma instituio que deve funcionar como empresaeficiente a servio do interesse dos indivduos. O governante deveser meramente um gestor, nada mais. O Estado deve, pois, serexclusivamente um meio para fins privados. A poltica tambm deveser apenas meio. E os outros seres humanos? Estes s importam seme servem, individualmente, para alguma coisa. Mas quando todosos outros so apenas meios, tambm eu sou transformado em puromeio pelos outros, inevitavelmente...

  • Nesta situao de insegurana, de pretensa primazia do

    privado e do indivduo como tal, em que, paradoxalmente, sobrapouca alternativa, individual ou social, para mudarmos algo ao nossoredor e dentro de ns, como ficam os administradores tanto pblicosquanto privados? Ousara dizer que eles administram, gerem,executam, organizam a execuo de tarefas que em geral no sodeterminadas por eles mesmos, mas por outros, e tm que sercompetentes. Do contrrio sero jogados para fora do jogo, da corridaque est acontecendo globalmente, cada vez mais globalmente.Tambm os administradores devem correr. E saber apresentar-se,oferecer-se, vender-se no mercado. E deixar-se comprar tambm.Devem ser lquidos, flexveis, amoldando-se cada dia a novasexigncias estabelecidas no se sabe por quem, mas exignciasconsideradas naturais, ou melhor, estabelecidas pelo mercado, esteestranho senhor sem identidade que poderoso como ningum eque tem suas leis, que est em todo lugar, que no deixa ningumfora de seu controle, no d trgua a ningum, e nem d tempo paranada mais do que ficar correndo a seu servio. At que ele nos diga:voc no me serve mais! Voc suprfluo. Voc atrapalha!.

    Inclusive o Estado, o aparelho estatal, os servios pblicos,quando deixam de ser teis ao mercado, fazem com que os sereshumanos sejam jogados margem e obrigados a se contentaremem esperar a morte chegar; e s vezes at h gente que fica torcendopara que isso acontea o mais rpido, para no atrapalharmos otrnsito e o funcionamento do mercado. E se algum morrer, quemorra, no em casa, mas no hospital especializado, dignamente(a morte pode ser digna?!), para no atrapalhar o sistema deproduo, a que o Estado deve servir, e para nos ajudar aesquecermos que tambm ns iremos morrer.

    Tudo isso se tornou normal. Cinicamente, duramente normal.E se diz que no pode ser diferente. Que a histria no pode maismudar, ou at j terminou. Que estamos na fase final da histria.E repito todos passamos a viver como se nada pudesse sermudado nesse modo de ser das coisas, e que s nos resta umacoisa: nos iludirmos de que somos livres enquanto nos adaptamosao que existe!

  • Diante de tudo isso, de que adianta pensar? Pensar nos faz

    mal, impedindo que sejamos competitivos. Pensar causa transtornono trfego. Pensar nos faz parar, nos leva provavelmente a sermosexpulsos da corrida por incompetncia, por falta de flexibilidade ede produtividade. Ou ento como diriam os franceses queinventaram o prt--porter (pronto para usar) agora temos o prt--penser. s pagar que o mercado j oferece tudo pensado, paraser usado. Por isso, os livros mais lidos so os de autoajuda, quetm receitas precisas para tudo, para nosso corpo e nossa alma. Eno gostamos dos livros que nos fazem pensar e nos convidam anos colocar em jogo por nossa prpria conta e risco.

    A globalizao nos possibilita o acesso cada vez maior ainformaes, e maior possibilidade de comunicao. Mas isso demodo algum parece favorecer uma viso mais crtica do queacontece, nem favorece maior comunicao de fato. E quando asofertas so demasiadas, as escolhas parecem diminuir em vez deaumentar, sobretudo porque o assdio das informaes impede quepensemos. Neste contexto, podemos afirmar que nossa civilizaoatual parou de se questionar, parou de pensar. E que esse o nossoproblema fundamental, pois o preo do silncio passa a ser pagona dura moeda do sofrimento humano.

    Pode at ser que nos sintamos mais felizes, pois nossentimos mais competentes e mais criativos para satisfazer nossosdesejos, tanto no supermercado dos sabonetes e dos vinhos, quantonaquele dos desejos sexuais. S que esta felicidade tem tudo paraser superficial, insatisfatria, a ponto de ser instigante a afirmaode um atento leitor do que nos acontece hoje, como Umberto Eco:Algum que feliz a vida toda um cretino; por isso,antes de ser feliz, prefiro ser inquieto. E ser inquieto , nestecaso, no se deixar engolir pela lgica que estamos descrevendo, tentar pensar tambm.

    Com Zygmunt Bauman (BAUMAN, 1999, p. 11), ousamosarrematar: Questionar as premissas supostamente inquestionveisdo nosso modo de vida provavelmente o servio mais urgente quedevemos prestar a nossos companheiros humanos e a ns mesmos.Talvez nem sempre saibamos quais so as perguntas mais

  • importantes que devemos fazer, ou ento, ns que nos achamosto estupendamente modernos, criativos, nos damos conta queestamos repetindo as mesmas perguntas que j se fazem h sculos,h milnios. E esquecemos as respostas j dadas ou os silncios,sem resposta, j manifestados. J que o passado no interessa,nem o futuro, mas s o presente, este pode nos enganar a respeitode nossa originalidade e podemos achar que estamos mudandosempre. Claro que mudam certas coisas, por exemplo, melhora nossacapacidade tcnica. E o que mais? Nossa humanidade tambm?Nossa liberdade? Nossa felicidade? Por isso, faz bem incluirmosem nossa pergunta pelo que est acontecendo hoje, uma refernciaao que aconteceu ontem. E faz bem tambm perguntarmos: porque ser que paramos de sonhar e renunciamos s energiasutpicas? Como sabem os historiadores, h um duplo movimentona compreenso histrica: o presente pode ser iluminado pelopassado, mas tambm o passado acaba sendo melhor compreendidoa partir do presente. E isso nos fornece um elemento a mais parapodermos pensar no que acontece e nas possibilidades que temospara mudar o presente.

    Parece que nos esquecemos de que ns, seres humanos,temos como marca o fato de sermos seres que falam; bem mais,ou no s, seres que fazem, como disse Aristteles; que somosfrgeis, perdendo em fora fsica, sob todos os aspectos, para algumanimal, mas somos canios pensantes (Pascal). Por mais querepitamos que esta a era de Aqurio, a era do conhecimento,certamente no a era do pensamento, da profundidade, dareflexo. At porque no temos tempo a perder. E alm de tudo,como j dissemos, pensar perigoso, para quem pensa e para quemest do lado de quem pensa, pois nos pode fazer perder o lugar nomercado, que precisa produzir e consumir, objetos, coisas, e onde atos seres humanos devem ser s produtores e consumidores. Nada mais.

    Pois bem: nesta paisagem que apresentamos um livro-textoque pretende ser um Convite para pensar, convite feito aosestudantes e s estudantes do Curso de Bacharelado emAdministrao Pblica a distncia. Escolhi alguns temas parapensar. E pensar uma atividade realmente pessoal, por mais que

  • no dilogo com o passado e no debate com os nossoscontemporneos se possa pensar mais e melhor. Mas, dito de formasinttica, este convite para filosofar antes de mais nada um convitepara responder pergunta: o que est acontecendo comigo e comos outros no mundo hoje?

    Mais do que apresentar um texto cheio de informaes(conceitos, doutrinas, nomes) sobre a riqussima tradio dopensamento f i losfico ocidental, que j tem 2.500 anos,consideramos prefervel escolher alguns temas, como o do prprioconceito de filosofia, e de outras formas de conhecimento humano(como o senso comum e a cincia), com algumas informaes geraissobre a Histria da filosofia (Unidade 1); como o da tica, suacrise e suas dificuldades tericas, incluindo o debate em torno darelao entre tica e poltica, e do poder e sua relao com aliberdade, pois, afinal, a administrao sempre exerccio de poder(Unidade 2). Trata-se de uma escolha, sem a pretenso de ser amelhor, e menos ainda de dar conta da filosofia como tal. Pensamosque assim podemos dar uma ideia geral da filosofia em sua histriae do valor de uma atitude filosfica, que nos leve a pensar maissobre o que somos ns, seres humanos, sobre o ser humano comoproblema e como soluo, sobre o ser humano como profissional,como gente, como indivduo e como membro de uma comunidadelocal, regional, nacional e cada vez mais cosmopolita ou global.

    Embora no tenhamos a pretenso de responderexaustivamente a todas as questes importantes da filosofia, paraorganizar o texto seguimos o roteiro sugerido por Kant, talvez o maiorpensador moderno, ao apresentar as quatro perguntas fundamentaispara definir a atividade filosfica. A primeira pergunta : o que possvel conhecer? (os conceitos de filosofia, de cincia, de teologiae de senso comum). A isso nos referimos sobretudo na Unidade 1. Asegunda: o que devemos fazer? encontra resposta na tica e napoltica. A Unidade 2 procura responder a esta pergunta, incluindotambm nesta Unidade aspectos da terceira pergunta, que, para Kant, a seguinte: o que nos lcito esperar?, e a temos a ver com aquesto da religio. A quarta pergunta, a mais difcil de responder, a sntese das trs perguntas anteriores: o que o ser humano?, e

  • est presente, de algum modo, em todotranscorrer do texto que aqui apresentamos.

    Seguiremos este caminho na companhiade alguns autores ou companheiros e poderiaser com tantos outros, esperando que todos osleitores e leitoras se sintam bem e, quem sabe,ao final, com mais vontade de continuar aviagem reflexiva do que ao ler esta Apresentao.

    Obviamente no ser uma disciplina defi losofia que ir tornar os futurosadministradores pblicos novos especialistasem filosofia. Insisto: interessa no tanto que oadministrador se torne um filsofo, conhecendo um contedodeterminado, muito vasto. Muitos textos clssicos esto a disponveisnas livrarias, e cada vez mais na internet. Pode ser bom e talvez osque formularam o currculo mnimo do curso de Administraopensassem nisso ao incluir a Filosofia que o administrador tambmseja estimulado a pensar por prpria conta e risco, como diziam osIluministas modernos. Aude sapere! Ousa saber! Alis, se queremostanto ser modernos, ou ser crticos, independente da profisso, comocidados, no h outra sada seno pensar tambm.

    Claro que nem todos gostaro, com a mesma intensidade,deste convite para pensar; talvez alguns at nem gostem dele econsiderem chato ter que estudar filosofia, estudar estasbobagens, estas coisas inteis. Certamente a filosofia no servepara nada. Pensar no serve para nada. Concordo. Mas quem disseque so importantes s as coisas que servem, as coisas que someios para alguma coisa? Para que serve a liberdade, que tem napoltica (ou deveria ter nela) o seu lugar por excelncia? Para queserve a felicidade? Para que serve o amor? Para que serve o prazersexual? Para que serve a amizade? Se estas coisas forem apenasmeios, certamente sero menos importantes. Mas se tais coisasforem valiosas por si mesmas, certamente teremos muitos motivospara pensar mais e melhor. S para dar um exemplo: se um amigoservir como meio para fazer mais dinheiro, quando se conseguir odinheiro, acabar a amizade; se o amigo servir para nos trazer mais

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  • prazer, neste caso, conseguido o prazer, acaba a amizade; mas seeste amigo for mais que um meio, e a amizade for de fato um valorpara ambos os amigos, que mutuamente se tornam mais exigentes,e conquistam assim tambm o prazer de serem amigos, entopercebemos que a amizade mais que meio para outras coisas, ese torna ela mesma um fim. disso que falamos quando dizemosque a filosofia no serve para nada, ou que tem valor em si mesma.

    Contudo, ningum obrigado a pensar, nem a ter a coragemde pensar! E pensar no d dinheiro, certamente, ou nunca tornaro dinheiro um fim a alcanar. Pensar uma atitude improdutiva,coisa intil no mercado. Alm do mais, pensar perigoso, comoj disse. Acho, porm, que vale a pena correr este risco, pois sepoder perceber que o mundo que temos no o nico possvelnem o melhor dos mundos, levando-nos quem sabe a resistir aoque nos parece acontecer de maneira inevitvel, instigando-nos aficar mais atentos para as brechas que podem surgir e nossurpreender c e l, sugerindo, quem sabe, mudanas maissubstantivas, dentro de ns e entre ns, e no apenas na nossacapacidade de produo e de consumo. Neste sentido, pensar umjeito de cada um cuidar de si. E se cada um cuidar melhor de si, anossa convivncia com os outros poder ser mais agradvel.E certamente o servio pblico ser mais responsvel tambm.

    Lembro de muito bom grado a sabedoria de Aristteles: comamigos se pensa e se age melhor (tica a Nicmacos, 1155 a. 3, Braslia,Edit. UnB, 1999, p. 153). E aqui se fala da amizade que fim, conformese disse acima. Por isso, repito o convite para pensar: a aceitao doconvite pode tornar a vida mais interessante, mais leve e mais profunda,embora menos produtiva e menos consumvel. Neste caso,aristotelicamente, poderei confirmar, mais uma vez: pensar vale a pena!

    O convite est feito, e espero que voc, estudante, possaacompanhar o texto, em cada uma de suas Unidades, deixando-seprovocar por ele e por seu desejo de conhecer um pouco mais omundo em que vivemos e a si mesmo.

    Professor Selvino Jos Assmann

  • J K L M N O P Q R M R S M T U V O T Q R W M X S Y M Z W O [ X \ M ]^ _ ` a b c d a e c f g h i c j b a k c k g l _ m n k g l g f o h g f m c p c e k g qr a h i a b s t a f g f g d c m a _ b c f ` a d _ h _ ` a c m _ u ` a d _ h _ ` c f v^ p f g h g b i c f c h m c f c m i g f w h i a m c h x o h a m c h k g m c k c p g f w _ k _ y a h i z f a m _k c ` a d _ h _ ` a c { i g b k _ g u m _ b i c c a k g a c m g b i f c d k g m c k c p g f w _ k _ v| b i g b k g f c a u p _ f i } b m a c k c ` a d _ h _ ` a c ` f g b i g ~ h _ t i f c h ` _ f u c h k gm _ b y g m a u g b i _ y t u c b _ ` f g d a s a _ h c { h g b h _ m _ u t u { m a n b m a c k g b i a ` a m c f c k a h i a b _ g b i f g c ` a d _ h _ ` a c m _ u _ l g f k c k g og b m _ b i f c k c _ t m _ u _ k _ t i f a b c d c i _ { g c ` a d _ h _ ` a c m _ u _ x t h m ck c l g f k c k g { _ t h g c { m _ u _ c i _ k g p g b h c f z m f c i g h v g _ u p f g g b k g f c a u p _ f i } b m a c t g c ` a d _ h _ ` a c p _ k g i g f b c l a k cp f o i a m c k _ h h g f g h y t u c b _ h

  • c f _ g h i t k c b i g { g h i c u _ h a b a m a c b k _ c k a h m a p d a b c k g a d _ h _ ` a c {g g h i c p f a u g a f c j b a k c k g t u c f g ` d g _ h _ x f g _ t g g d cf g p f g h g b i c m _ b h i a i t a b k _ h g c h h a u t u a u p _ f i c b i gf g ` g f g b m a c d p c f c g u x c h c f c h p f z a u c h j b a k c k g h g a c m _ u c i g b _ g { h g i a l g f k l a k c h { f g d g a c g x t h t gg h m d c f g m n d c h b c h a b k a m c g h k g c a x c u c a h g i c u x u t b i _c _ a h i g u c k g ^ m _ u p c b y c u g b i _ v g l c u _ h t b i _ h m _ b h i f t a fb _ h h _ m _ b y g m a u g b i _ _ x f g i t k _ { p f _ m t f g p g b h c f l _ m nu g h u _ No seu sentido mais comum, o substantivo filosofia ou o verbo

    filosofar tem a ver com pensamento ou com o ato de pensar.

    Filosofar pensar sobre o que nos acontece, sobre o sentidodo que nos acontece ou sobre o significado da vida humana ou davida biolgica como tal. Diz-se assim que se tem uma filosofia devida. Mas este significado do termo certamente muito amplo evago. At mesmo pensar no a mesma coisa para todos.

    H um sentido menos comum, em que filosofar significasaber viver, ou melhor, saber viver com sabedoria, de acordo comuma doutrina, com uma Filosofia. Assim h, por exemplo,sabedorias diferentes daquela ocidental. Por isso se fala dos sbiosorientais Confcio e Lao Ts (China), Buda (ndia) e Zaratustra(Prsia), mas as suas doutrinas ainda esto vinculadas religio, eno caracterizadas por uma exclusiva racionalidade.

  • Embora a filosofia tambm consista em um

    determinado contedo de conhecimentosacumulados durante dois mil e quinhentos anos,que resultaram em uma mult ipl icidade defragmentos e de livros, podemos dizer quefilosofar ter uma atitude filosfica. Mesmoque digamos que de filsofo e louco todos tmum pouco, de fato so poucos os que tm estaatitude, exigindo-se para isso o conhecimento dostextos da Histria da Filosofia, mas tambm acriao do hbito de pensar de maneira rigorosae crtica. Falamos, portanto, aqui da Filosofia que

    quebra com o nosso saber prtico do dia a dia, e que nem semprenos agrada, pois primeira vista parece ser perda de tempo ouincmodo exagerado com as coisas, deixando-nos, quem sabe,angustiados demais, para alm do conveniente.

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    Saiba mais

  • O antroplogo e educador brasileiro Darcy Ribeiro (1922-

    1997) repetiu que pensar questionar o bvio. Assim, o filsofoparece desligado da realidade, vivendo nas nuvens, em coisasabstratas, distrado, perdido ou aparentemente alheio aos problemasconcretos da vida. Reconhecemos tambm, em geral, que a atitudefilosfica se confunde com uma atitude crtica, que diga-se depassagem no devemos confundir com falar mal, mas identificarcomo sendo a capacidade de perceber melhor o que estamosquerendo conhecer, e a podemos perceber se isso um mal ou umbem. Neste contexto, o filsofo inimigo mortal de qualquerfanatismo, de qualquer dogmatismo.

    Como exemplo da viso depreciativa da filosofia temos ahistria do antigo sbio grego chamado Tales que, ao olhar para ocu a fim de entender os movimentos das estrelas, acabou caindonum poo. Ou com uma definio, ou ditado popular italiano,bastante conhecido: a Filosofia a cincia com a qual ousem a qual tudo continua tal e qual!

    Por mais que haja uma viso pejorativa a respeito dosfilsofos e da filosofia, tambm verdade que nunca se desconheceua importncia histrica e terica da atividade filosfica. Noprecisamos de muito para perceber que s povos historicamenteimportantes apresentam grandes pensadores. Por que isso? Maisainda: podemos facilmente constatar que s existem grandespensadores em momentos histricos importantes da vida de umpovo. Um exemplo disso o fato de haver grandes pensadores naItlia precisamente na Renascena, e no tanto depois, ou o fatode haver grandes filsofos na Inglaterra e na Frana dos SculosXVII e XVIII, e no antes nem depois. Ou que aparecem filsofosimportantes nos Estados Unidos a partir do Sculo XX, e no antes.Nesta mesma perspectiva, poder-se-ia dizer que o Brasil e os demaispaises da Amrica Latina at hoje nunca proporcionaram umgrande filsofo nem sequer uma importante doutrina filosfica.

  • Todo filsofo , por assim dizer, um porta-voz consciente de

    um povo, e nunca apenas um gnio tomado isoladamente. Hegel odizia de maneira melhor: cada filosofia o prprio tempo empensamento, e cada filsofo , portanto, algum que pensao prprio tempo a partir da sociedade em que vive. Filsofono inventa a realidade, mas interpreta a realidade emque vive. Ele eleva a um conceito o que real.

    Claro que podemos ter filsofos que privilegiam uma visomais conservadora do prprio tempo ou do prprio povo e outros -talvez mais raros na Histria da Filosofia que acentuam a crtica prpria situao e por isso so mais utpicos. Mas nenhumpensador se tornou importante ou se tornou um clssico deixandode se preocupar com a prpria situao, com as razes do queacontece. Por isso, se pode afirmar que toda filosofia e deve serradical, pois no se contenta em ficar na superfcie das coisas,mas procura ir s razes (por isso, radical), busca desvendar osporqus das coisas.

    O filsofo faz perguntas do tipo: o que a realidade? Comoa realidade ? Por que a realidade assim? Ele procura a essncia,o significado e a origem do que quer conhecer. Essncia aquiloque torna uma coisa aquilo que ela . Por isso toda definio sempretem a ver com a essncia. Por exemplo, para definirmos o ser humanocomo animal racional. Neste caso, a essncia humana consisteem ser animalidade e racionalidade. No , pois, da essnciahumana, ser da raa branca ou amarela ou negra, assim como nopertence essncia de uma flor o fato de ser amarela ou vermelha.

    O filsofo reflete. Falar de reflexo lembra o espelho noqual a gente se reflete. Pois bem: filosofar refletir. um movimentode volta sobre si mesmo. Refletir pensar o prprio pensamento.Refletir , por exemplo, tomar o prprio eu como objeto decompreenso. Sujeito quem capaz de ser objeto para si mesmo.

  • isso que distingue o ser humano dos animais, que so incapazesde se verem como objeto... esta capacidade humana que nosdistingue dos seres animais: se dissermos que os animais conhecem,os seres humanos conhecem que conhecem, sabem que sabem. Porisso somos capazes de rir de ns mesmos. De toda forma, quemprefere uma vida tranquila, uma vida mais grudada ao cotidiano,ao terra-a-terra, fica longe da Filosofia. E quem quer alcanar maiorprofundidade, quem gosta de chegar s razes, ser mais radical, vaiprecisar dela, mesmo que isso no lhe venha a trazer certezas outranquilidade... e talvez nem felicidade.

    O pensador alemo contemporneo Theodor Adorno disseque s se pe a filosofar quem suporta a contradio, o conflito.Quem gosta de tranquilidade, no vai querer faz-lo.

    Talvez devamos afirmar que o filsofo quem assume correr

    o risco de viver mais inseguro, ter cada vez mais perguntas, e

    no respostas.

    Esta atitude filosfica deve ser claramente separada da meraopinio ou dos gostos pessoais. No filosfico dizer eu achoque, eu gosto de... A filosofia estabeleceu-se como saber lgico,rigoroso, concatenando as afirmaes entre si, superando, comodissemos, o senso comum.

    Vamos insistir ainda mais em compreender o que a filosofia,embora possamos afirmar que s sabe bem o que filosofar quemrealmente o faz. Com a pensadora brasileira Marilena Chau,que nos serve de apoio para vrias observaes feitas nestaspginas, podemos dizer que, do ponto de vista mais especfico, afilosofia se apresenta com quatro definies gerais:

  • em primeiro lugar, falamos de viso de mundo deum povo, de uma cultura. Viso de mundo umconjunto de ideias, de valores e de hbitos prticos deum povo, que fazem com que se defina uma identidadedo povo. Mas definir assim a Filosofia nos faz confundi-la com cultura, o que no convm;

    em segundo lugar, identifica-se a filosofia com asabedoria de vida, ou como filosofia de vida.Neste caso provavelmente incluir amos comofi losofias o Budismo, o Crist ianismo, e noconseguiramos distinguir entre filosofia e religio, oque tambm no convm;

    em terceiro lugar, filosofia esforo racional,sistemtico, rigoroso, para conceber o Universocomo uma totalidade ordenada e dotada de sentido(CHAU, 1995, p. 16). E esta definio correspondemais claramente com a Histria da Filosofia. Assimconseguimos perceber a diferena entre religio efilosofia. Aquela tem por base a f, pela qual se aceitamverdades no demonstrveis e que tantos consideraroat mesmo irracionais. Claro que isso no significaque, sob todos os pontos de vista, as verdades de fno sejam aceitveis, ou at mesmo razoveis, comotentou fazer um pensador da qualidade de Toms deAquino, que se esforou por mostrar que as verdadescrists no eram contrrias razo; e

    em quarto lugar, a filosofia admitida como funda-mentao terica e crtica dos conhecimentose das prticas (CHAU, 1995, p. 17): ela preocupa-se costumeiramente com os princpios do conhecimen-to (por exemplo, do conhecimento cientfico, o quechamamos epistemologia ou teoria do conheci-mento cientfico), com a origem, a forma e os con-tedos dos valores ticos, polticos e estticos.

  • Assim, a filosofia reflexo, crtica, e anlise. Mas

    isso no a torna sinnimo de cincia, mas uma reflexo crtica sobrea cincia; no a torna uma religio, mas uma anlise crtica sobreo sentido da experincia religiosa e sobre a origem das crenas;nem a identifica com a psicologia, com a sociologia, a histria oua cincia poltica, por mais que estas cincias do fenmeno humanotenham parentesco histrico com ela. Neste caso, se costuma dizerque as cincias humanas (e as cincias em geral) estudamo qu e o como dos fenmenos, enquanto a filosofiaestuda o porqu e o que , os conceitos.

    Veja mais informaes sobre o que filosofia nos textos indicados a seguir.

    EWING, A.C. O que filosofia e por que vale a pena estud-la.

    Disponvel em: . Acesso em:3 ago. 2009. No deixe de ler este artigo interessante.

    CHAU, Marilena. Convite Filosofia. So Paulo: tica, 1995. Sugere-

    se a leitura da Unidade 1 A Filosofia, para aprofundar a temtica econfrontar com o que se diz aqui. O livro est acessvel na sua ntegraem: . Vale a pena! A filosofia, essa forma de conhecimento sistemtico, tem uma

    histria de mais de dois mil e quinhentos anos. Nascida na GrciaAntiga, ali se consolidou, tornando-se uma das principais marcasda civilizao ocidental.

    Os gregos, desde os primrdios (por volta de 1500 a. C.,com a civilizao micnica), se concentraram nas costas doMediterrneo em pequenas e distintas naes, constituindoposteriormente cidades independentes e rivais entre si. Cada cidadecom sua cultura, seus hbitos, sua poltica. Mesmo assim, foi criadauma comunidade de lngua e de religio, o que fez com que se

    v

  • constitussem em um povo, aos quais se opunhamtodos os que no falavam o grego. Eram osbrbaros, e brbaro significa precisamenteaquele que no fala o grego.

    A genialidade grega, reconhecidahistoricamente alguns falam do milagre grego ,foi afirmada por Homero, pintores, escultores,ceramistas, e pelos primeiros nomes da Cincia eda Fi losofia: Tales de Mileto, Hercl i to,Anaximandro, Xenfanes e Parmnides. Alm daregio conhecida como Grcia, havia tambm aMagna Grcia, incluindo partes do sul da Itliapeninsular (Tarento, Npoles, Crotona) e insular(Siracusa, Agrigento, cidades da Siclia). Aliviveram pensadores como Pitgoras, Empdocles,e foi para Siracusa que depois viajou Plato paratentar aplicar sua teoria.

    Entre as cidades-estado foi consolidada,por volta dos Sculos VI e V a. C., a importnciade Esparta e Atenas, esta ltima realizando esofrendo grandes alteraes sociais e polticas,com Slon, Clstenes e Pricles, e com o

    desenvolvimento do comrcio e a expanso da colonizao grega.

    Voc lembra da Guerra do Peloponeso (431-401 a. C.), entre

    Atenas e Esparta, atravs da qual se afirmou a superioridade

    da primeira?

    Atenas criou a democracia direta, e neste contexto surgemas artes, as tragdias e as comdias. Depois disso se consolida emAtenas a Filosofia, mostrando que a vida da cidade, a poltica, um cho propcio no qual pode germinar melhor a atividadefilosfica. em Atenas que vivem os grandes trgicos squilo,Sfocles e Eurpedes, o autor de comdias, Aristfanes, e os

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    Saiba mais

  • primeiros historiadores, Herdoto e Tucdides. Na mesma cidade,os filsofos Anaxgoras e Demcrito lecionaram, assim comofizeram os sofistas, os primeiros professores que se fizeram pagarpelo ensino. E depois, os trs maiores expoentes da filosofiagrega: Scrates, Plato e Aristteles. Scrates (470/469-399a. C.), condenado morte por um governo tirnico, o seu discpuloPlato (428/427-348/347 a. C.), fundador da Academia, e Aristteles(384 a. C. 322 a. C.), criador do Liceu, professor de AlexandreMagno, jovem imperador que viria a confirmar, depois de seu paiFelipe j ter conquistado a Grcia, o fim da autonomia das cidades-estado, estabelecendo o imprio macednico, sucedido pelo domnioromano da Grcia. Deixam de existir as cidades-estado autnomase passa a existir a ideia de imprio, onde praticamente j no mais possvel ao cidado participar da vida poltica, obrigando-oa encontrar o sentido da sua vida fora desta.

    Podemos, de passagem, afirmar que este o momento emque se comea a dar valor ao indivduo e vida privada. omomento em que a poltica comea a perder a primazia. Por outrolado, passa ento a existir uma ideia de universalidade tambm napoltica, e isso facilita o estabelecimento da mesma religio para todos,de um s deus para todos, o que vai se consolidardepois, com a implantao da doutrina judaico-crist no mundo greco-romano.

    Em todo caso, o imperador Alexandrecontribuiu para que a cultura grega, que eleaprendeu com seu mestre Aristteles, seexpandisse pelo Oriente Mdio. Como nolembrar dos perodos helnico oualexandrino, que no s conservaram asobras clssicas do pensamento grego com aposterior criao da famosa Biblioteca deAlexandria, no norte e frica, mas tambmcontinuaram atraindo para as novas cidadesartistas, sbios e homens letrados. Em todocaso, a Filosofia grega no morre, continuaem Roma e depois floresce em toda a Europa,

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    Saiba mais

  • a partir do casamento feito entre a racionalidade grega e a novareligio, o Cristianismo, que aos poucos deixa de ser uma religiomarcada pela mentalidade oriental e passa, sobretudo a partir daobra de Paulo de Tarso (o apstolo So Paulo), que de formaogrega, a mesclar a nova religio com o pensamento racional grego.Este casamento entre razo grega e religio judaico-crist foi a baseda Idade Mdia e como se reconhece cada vez mais a base daprpria tradio moderna. Por tudo isso se pode dizer que a filosofia filha da Grcia e que o Ocidente tem l o seu bero.

    A palavra filosofia originariamente grega: philos (amigo)+ sophia (sabedoria). Filosofia significa, portanto, amizade pelasabedoria, amor pelo saber. De sada j se poderia dizer: para serfilsofo se deve amar, e no se pode odiar. O filsofo o amigo, oamante da sabedoria.

    Lembremos, porm, que amante no algum que donodaquilo ou de quem ele ama, mas algum que pretende s-lo, eno consegue ser dono, nem deve ser dono. Quando se possui oobjeto amado (coisa ou pessoa), o amor acaba. Assim, filsofo quem, como j dissemos, procura chegar ao fundamento ltimo, essncia ou raiz das coisas e dos problemas.

    A concepo da filosofia como procura amorosa da verdade,procura da compreenso da realidade, pode ser atribuda aScrates, como veremos no f inal da Unidade 1, quandoapresentaremos e discutiremos as duas concepes de filosofia, ade Scrates, presente no livro de Plato chamado O Banquete, e ade Plato, presente no mais famoso livro dele, A Repblica.

    A busca da verdade est vinculada aposta e ao desejo deorganizar a vida individual e social ou poltica de maneira maisobjetiva, slida e permanente. E isso se faz fundamentando averdade na razo, e no em alguma crena ou alguma opinio

  • interessada ou interesseira. importante insistir nisso para nopensarmos que a filosofia existiu sempre, ou que ela seja umainveno casual de algum gnio, e no uma criao que se inscrevenum contexto histrico favorvel a tal saber.

    Hegel, um dos grandes pensadores modernos, ir escreverno Sculo XIX que os gregos inventaram a filosofia por teremsido o primeiro povo que, ao tentar resolver seus problemas, o fezcomo se estivesse resolvendo os problemas de todos os sereshumanos, de todos os povos, para todos os tempos. isso quecaracteriza a razo como fundamento da objetividade doconhecimento, de um saber objetivo e neutro, de um saber comvalidade universal. Portanto, no a cincia, como tantas vezesse pensa, o primeiro conhecimento objetivo, neutro e universal darealidade, mas a filosofia que teve por primeiro esta pretenso,sendo ela, por isso, a raiz da ideia moderna de cincia.

    Especialista no estudo do pensamento antigo, Jean-PierreVernant (2002) afirma que os gregos inventaram a filosofia nosimplesmente para satisfazerem uma curiosidade de entender ascoisas, como dizia Aristteles, mas para resolverem um problemaprtico, tico e poltico.

    E qual este problema? Responder s seguintes perguntas:

    como encontrar uma soluo segura e definitiva para os

    problemas polticos? Como encontrar um jeito para que se

    estabelea uma ordem, uma harmonia, a just ia, na

    convivncia humana, e para que a soluo valha no apenas

    para aquela ocasio, mas para todas as ocasies e para todos

    os povos?

  • Diante desse problema, aparece a extraordinria soluo

    grega, que constitui, como dissemos, o nascimento da filosofia eda cincia como tal: para resolvermos com segurana e vigor osproblemas devemos encontrar um fundamento slido. Estefundamento slido a razo, que est presente narealidade, na natureza, mas tambm no ser humano.

    Ao invs de fundamentar as solues dos problemas ticos epolticos nos sentidos (audio, olfato, tato, viso), nos sentimentosmutveis, nos interesses de grupo ou pessoas, nas opinies daspessoas, opinies que mudam, se busca encontrar uma soluofirme, eterna, imutvel, slida, objetiva, neutra, universal, que valhano s pra mim, mas para todos os seres humanos. E esta soluoest na razo, que nica, que funciona em tudo e em todos osseres humanos do mesmo jeito, e por isso, se formos fiis razo,chegaremos a uma verdade segura, assim como a desejamos.

    Dissemos que a filosofia grega, portanto ocidental. Por isso,por mais que haja uma sabedoria oriental, por mais que algumpossa valorizar mais a cultura oriental, esta no deveria serchamada de filosofia oriental, pois a cultura do Oriente sefundamenta em dois princpios que nunca coincidem, que nuncadeixam de ser contrrios: o Yin e o Yang. O Yin o princpio femininopassivo da natureza, enquanto o Yang o princpio masculino ativona natureza. Por isso, convm dizer que a filosofia s existe a partirda Grcia antiga, pois s a partir da se consegue ver as coisascomo uma unidade, como algo compreensvel pela razo, enquantoque para o oriental isso nunca possvel.

    De fato, a filosofia tem como princpio e caracterstica aunidade da realidade, a unicidade do fundamento, a unicidade darazo. Na filosofia sempre buscamos e acabamos afirmando umprincpio nico, e s por isso tambm ser possvel afirmarmos queh um cosmos, ou seja, uma ordem. No se trata de dizer que asabedoria oriental melhor ou pior do que a filosofia, que asabedoria ocidental, mas se trata de assinalar que so saberesdiferenciados e incompatveis. Isso importante para termos clarezae entendermos melhor a distino entre Oriente e Ocidente, e

  • tambm para tentarmos compreender o que levou o Ocidente a servitorioso sobre o Oriente, pelo menos sob certos pontos de vista.

    E insistimos: o nascimento da filosofia entre os gregostambm , de certa forma, o nascimento da cincia como tal. NaAntiguidade e na Idade Mdia praticamente os dois conceitos seequivalem, enquanto cincia e filosofia se baseiam na razo, emcontraposio a outros saberes que no partem de umafundamentao racional, como o caso da mitologia ou dateologia, que incluem em si, necessariamente, uma crena ou af. S na modernidade que foi estabelecida mais claramente umadistino entre filosofia e cincia. !

    cincia, por exemplo, no interessa saber por que existeuma lei natural, mas qual tal lei, e como a realidade funciona deacordo com esta lei. Mas interessa filosofia perguntar por que hleis, quais os princpios destas leis. A ela interessam as causasltimas, e no a causa mais imediata, como faz a cincia. Estaforma de conhecer bastante recente, tendo cerca de quatrocentosanos, com a contribuio importante de Coprnico, Galileu, Bacone Newton. Esta cincia nasceu com a pretenso de permitir ao serhumano ter um controle prtico da natureza, um domnio sobreela, para que o ser humano se torne senhor da natureza e senhor desi mesmo. Conhecendo a natureza, o ser humano liberta-se dela, epode dispor dela para seu prprio interesse. o que expressa aconhecida frase de Francis Bacon: saber poder. Esta forma deconhecimento possibilita um conhecimento sistemtico e seguro,com a formulao de leis (naturais ou sociais), permitindo dessamaneira um agir mais seguro para os seres humanos. Pode-se assim

  • romper com crenas e prticas supersticiosas, afastando temoresbrotados da ignorncia, vencendo normas tradicionais de condutae resolvendo novos problemas. Por isso, a cincia , sobretudo, ummtodo de investigao, uma lgica geral empregada para garantiruma certeza maior e at infalvel, uma objetividade, umaimparcialidade ou neutralidade, para estabelecer melhor umarelao entre causas e efeitos, em suma, para responder de formamais precisa s perguntas formuladas pelos estudiosos.

    Antes de procurar definir melhor o que a filosofia, vale apena repetirmos que existem vrias formas de conhecimentohumano. E no podemos esquecer, alm das formas j citadas(mitologia, teologia, cincia, Filosofia), o conhecimento maiscomum, chamado em geral como senso comum. o conhecimentoque recebemos de uma gerao para outra, e que nasce do esforoque os seres humanos fazem normalmente para resolver osproblemas prticos e imediatos que surgem no dia a dia (porexemplo, formas de organizar a vida comunitria, formas desobreviver frente ao clima e frente natureza, como fazer habitao,vesturio, plantio, colheita, conservao de produtos, alimentao,cuidado com sade, e, mais recentemente, uso da tcnica etc.). Porexemplo, o campons sabe plantar e colher segundo hbitos enormas que aprendeu dos pais, usando tcnicas herdadas de seutempo e de sua comunidade, e hoje aprendemos a usar o carro ououtros meios tcnicos a partir do ensino passado por quem j ofaz. Isso acontece de maneira espontnea e prtica, no de formarigorosa e sistemtica, conforme ocorre com o conhecimentocientfico. Pelos exemplos tambm percebemos que o senso comummuda historicamente por influncia do saber cientfico e tecnolgico.Assim, o senso comum , sobretudo, um saber fazer, mais do queum saber puramente terico, sem que se conheam os motivos pelosquais algo se faz assim e no de outro modo. Por isso, o sensocomum tem a ver com uma crena, embora no se trate de umacrena, mais terica, que repercute na vida das pessoas atravs deoutra forma de conhecer, que a crena religiosa, pela qual osseres humanos definem o sentido da vida, e aquilo que eles devemfazer para viver melhor ou para ter uma vida feliz depois da morte.

  • Mesmo que ao senso comum pertenam elementos do saber

    cientfico, da teologia, da mitologia e da prpria filosofia, na medidaem que tais saberes se tornaram comuns no comportamentocotidiano das pessoas e nas relaes entre elas, e mesmo que osenso comum seja, por conseguinte, o saber mais presente naexistncia de cada um de ns, isso no impede que devamosdistinguir entre os saberes. E por isso insistimos em definir afilosofia.

    Todos sabem, inclusive os matemticos, o que amatemtica. Todos os qumicos concordam com a definio daqumica. O mesmo acontece, mais ou menos, com os bilogos, osfsicos, os mdicos, os engenheiros, os socilogos, os historiadores,os psiclogos. Mas, ao contrrio do que acontece normalmente comcada uma das cincias naturais ou humanas, percebemos que hpraticamente uma definio para cada filsofo ou cada doutrinafilosfica. Esta pluralidade de definies da filosofia, mesmo quetodas mantenham a ideia de se tratar de uma tarefa executadaracionalmente, no s serve para suscitar em ns uma perplexidadeou uma insegurana, mas tambm nos convida para que tambmns sejamos mais crticos com qualquer doutrina ou verdade quenos for apresentada. E com isso tambm ns nos tornamos maisracionais, ao mesmo tempo em que perceberemos melhor o alcancee os limites da prpria razo. Neste sentido, h motivos paracontinuar afirmando como o sbio Scrates: que o ato de filosofarem ltima instncia nos leva a perceber que sabemos pouco, ouento, que quanto mais pensamos, mais percebemos o limite denosso conhecimento. Mas para se saber que sabemos pouco indispensvel estudar e pensar muito. Isso, alis, tambmacontece entre os cientistas: em geral os grandes cientistas so osque mais reconhecem a precariedade do conhecimento cientfico,enquanto os cientistas medianos ou medocres tendem a seapresentar como gnios. Em geral, quem pensa pouco e sabe pouco,imagina saber muito.

    Plato, um dos maiores filsofos de todos os tempos,reconhece (e o faz em duas ocasies!) que seu mestre Scrates muito mais sbio do que ele. E a prova apresentada por Plato

  • para sustentar isso bem surpreendente: ele diz que Scrates mais sbio porque nunca escreveu um livro ou um artigo! Scratesnunca se considerou capaz ou no direito de fixar uma verdade porescrito. Isso nos levaria a dizer hoje e no seria apenas em tom debrincadeira! que Scrates um trabalhador intelectualimprodutivo!

    Se a filosofia, por um lado, uma atitude diante dosacontecimentos e diante da vida em geral, por outro tambm umcampo do saber humano, ao lado das cincias, sociais e naturais,da tecnologia, da teologia, da mitologia, do senso comum. Por maisque ela no possa ser vista como um determinado contedo (notem sentido dizer a filosofia afirma que....), pode-se afirmar queh filosofias de perodos histricos diferentes (Filosofia Antiga,Medieval, Moderna e Contempornea), filosofias deperspectivas diferentes (Filosofia Grega, que se confunde comFilosofia Antiga, Filosofia Crist, que em geral se identifica comoFilosofia Medieval) e filosofias de pases diferentes (FilosofiaAlem, Francesa, Italiana, Inglesa, Norte-americana...). Por fim, fala-se da filosofia de cada filsofo (Filosofia Cartesiana, Kantiana,Platnica, Tomista, Marxiana, e assim por diante).

    Amplie seus conhecimentos atravs das obras indicadas a seguir.

    Sugerimos, para a relao entre Filosofia e Mitologia, entre Filosofia e

    Tragdia, a obra do grande especialista francs, h pouco falecido:VERNANT, Jean-Pierre. Entre mito e poltica. 2. ed. So Paulo: EDUSP,2002.

    Sobre o debate entre filsofos e sofistas, ver, por exemplo: GADAMER,

    Hans Georg; HSLE, Vittorio; VEGETTI, Mario. (Entrevista). As razesdo pensamento filosfico. Trad. Portuguesa de Selvino Jos Assmann.Disponvel em: . Acesso em:3 ago. 2009.

  • Atividades de aprendizagem c f c l g f a ` a m c f h t c m _ u p f g g b h _ t c b i _ c _ hi g i _ h { g p _ h i _ h c i c t a { h g p c f c u _ h c d s t u c h t g h i g h p c f c l _ m n f g h p _ b k g f | h m f g l c m _ uh t c h p f z p f a c h p c d c l f c h " g p f g m a h c f k g c t w d a _b _ k g a g k g ` c e g f m _ b i c i _ m _ u h g t i t i _ f # _ u x c h g b _ i g i _ c p f g h g b i c k _ { t c d _ u _ i a l _ p f o i a m _ t g d g l _ t_ h s f g s _ h c a b l g b i c f g u c ` a d _ h _ ` a c { t u c ` _ f u c k g h c x g f t g p f g i g b k g h g f b g t i f c { _ x g i a l c { t b a l g f h c d { b a m c { k a h i a b i c k c f g d a s a _ gk _ h g b h _ m _ u t u $% f _ m t f g k g h m f g l g f _ t g h g g b i g b k g p _ f ` a d _ h _ ` a c b _ h g b h _ m _ u t u g f s t b i g c c d s t u c h p g h h _ c h m _ b y g m a k c h { g l g f a ` a t g t c d ck a ` g f g b c m _ u _ m _ b m g a i _ t g _ h s f g s _ h k g f c u ~ ` a d _ h _ ` a c & ' t c d c m _ u p c f c _ t g p _ k g u _ h ` c e g f g b i f g c ` a d _ h _ ` a c g c m a n b m a cu _ k g f b c { t g i c u x u k g ` g b k g { i c b i c h l g e g h { c b g t i f c d a k c k g g c_ x g i a l a k c k g $