apostila engenharia genômica

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  • Universidade Federal de Santa Catarina

    Centro Tecnolgico Departamento de Engenharia Qumica e Engenharia de Alimentos

    Curso de Engenharia Qumica

    ApostilaEQA5561IntroduoEngenhariaGenmica

    2005

    Gisele Serpa, Dr. Eng. Luismar Porto, Ph.D.

  • Introduo Engenharia Genmica

    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 1

    1. Fundamentos bsicos de bioqumica e biologia molecular.

    A composio qumica dos organismos vivos qualitativamente muito diversa da do meio fsico

    em que vivem. A maioria dos componentes qumicos dos organismos vivos de natureza orgnica

    compostos de carbono nos quais o carbono est relativamente reduzido ou hidrogenado. Muitas

    biomolculas orgnicas tambm contm nitrognio, enxofre, e oxignio. Em contraste, os elementos

    carbono e nitrognio no so abundantes na matria inanimada, ocorrendo na atmosfera e na crosta

    terrestre somente nas formas inorgnicas simples, como o dixido de carbono, nitrognio molecular,

    carbonatos e nitratos.

    Os compostos orgnicos presentes na matria viva ocorrem numa variedade extraordinria e

    muitos deles so extremamente complexos. Mesmo as clulas mais simples e menores, as bactrias,

    contm um nmero muito elevado de molculas orgnicas diferentes de protenas, carboidratos, lipdios e

    cidos nuclicos. Alm disso, a maior parte da matria orgnica das clulas vivas constituda de

    macromolculas com pesos moleculares elevados, incluindo no somente as protenas e cidos

    nuclicos, como tambm substncias polimricas como amido e celulose, entre outras.

    Embora sejam molculas complexas, a imensa variedade de macromolculas orgnicas

    constituintes dos organismos vivos pode se reduzir a alguns grupos simples de molculas mais simples,

    chamados monmeros primrios ou blocos construtivos. O amido e a celulose, por exemplo, so constitudos de vrias molculas de glicose, arranjadas uma ao lado da outra. As protenas, por sua vez,

    consistem de uma cadeia de aminocidos, ligados covalentemente, os quais so compostos pequenos

    de estrutura conhecida. Os cidos nuclicos, DNA e RNA, so tambm polmeros formados por apenas 8

    tipos diferentes de monmeros, denominados nucleotdeos, quatro dos quais so os blocos construtivos

    do DNA e quatro do RNA. Alm destes polmeros encontrados nas clulas, ainda destacam-se os lipdios,

    que no so molculas polimricas, j que no so resultantes da adio de monmeros. Os lipdios em

    conjunto com as protenas, so as molculas formadoras de todas as membranas existentes nas clulas.

    O objetivo deste captulo fornecer alguns conceitos e aplicaes de cada umas destas classes

    de macromolculas.

    1.1. Carboidratos

    Os carboidratos, ou sacardeos, so mais simplesmente definidos como poliidroxialdedos ou

    poliidroxicetonas e seus derivados. Muitos possuem a frmula bsica [CH2O]n, que originalmente sugere

    hidratos de carbono. Os monossacardeos tambm chamados de acares simples consistem numa s

    unidade poliidroxialdedica ou cetnica.

    Carboidratos podem servir como elementos estruturais. Encontram-se livres ou combinados,

    especialmente com as protenas (glicoprotenas). Entram tambm na composio da membrana,

    citoplasma, ncleo, membranas de organelas celulares, sendo pois, substncias de destacada

    importncia biolgica. Os carboidratos so o substrato dos processos bioqumicos orgnicos, como

    gliclise, fermentao alcolica e lctica. No ciclo energtico da vida, o processo de fotossntese,

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 2

    realizado pelas plantas, utiliza a luz solar para converter gs carbnico (CO2) e gua (H2O) em

    carboidratos (por ex., C6H12O6). Os carboidratos so oxidados com oxignio do ar, durante o processo de

    respirao, produzindo ATP a partir de ADP, molculas utilizadas pelas clulas em processos onde se

    necessita transferncia de energia (Figura 1.1). A respirao celular ser estudada no captulo 4.

    1.1.1. Aldoses e cetoses

    Figura 1.2: Trioses Os monossacardeos mais simples (Adaptado de Mathews, 1999)

    As menores molculas normalmente encontradas como

    monossacardeos so as trioses, com n=3, ou seja 3 carbonos (O

    sufixo ose comumente usado para designar compostos como

    sacardeos).

    Existem 2 tipos de trioses: gliceraldedo e diidroxiacetona

    (Figura 1.2). Elas representam as duas maiores classes de

    monossacardeos. O gliceraldedo um aldedo da classe das

    aldoses. A diidroxicetona uma cetona da classe das cetoses.

    Observe que ambos tm a mesma composio atmica elementar.

    Eles so tautmeros (ismeros estruturais que diferem na

    localizao dos seus hidrognios e ligaes duplas) e podem ser

    convertidos de um para outro.

    1.1.2. Enantimeros

    Uma caracterstica importante da estrutura dos

    monossacardeos pode ser observada examinando-se um pouco

    mais cuidadosamente a frmula do gliceraldedo. O segundo

    tomo de carbono carrega 4 substitutos diferentes, assim ele um carbono quiral, como um

    carbono nos aminocidos, como veremos mais adiante.

    O monossacardeo mais abundante o acar de

    seis carbonos D-glicose; o monossacardeo fundamental

    de onde muitos outros so derivados.

    A D-glicose o principal combustvel celular para a

    maioria dos organismos e o monmero primrio bsico dos

    polissacardeos mais abundantes, como amido e celulose.

    Figura 1.1: Ciclo energtico da vida

    (Adaptado de Mathews, 1999)

    A celulose, em especial a celulose bacteriana, pode ser utilizada como substituto de pele humana em procedimentos de medicina regenerativa (engenharia de tecidos), onde necessria uma grande quantidade de material, como o caso de queimaduras que se estendem por todo o corpo e outras leses

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 3

    Assim sendo, o gliceraldedo tem dois

    estereoismeros do tipo chamado enantimeros,

    os quais no possuem uma imagem subreposta no

    espelho. Essas formas tridimencionais so

    designadas como D- e L-gliceraldedo, como

    mostra a Figura 1.3.

    Na natureza, a forma enantiomrica D-

    monossacardeo prevalece em organismos vivos.

    No h razes obvias do porqu desta preferncia

    tenha sido estabelecida, mas ela evolutivamente

    persistente para a maioria das maquinarias

    celulares, que esto preparadas para operar com

    D-acares.

    Figura 1.3: Enantimeros do glicaraldedo. D e L so prefixos para dextrgiro e levgiro, respectivamente, e dizem respeito ao efeito provocado pela molcula (em geral em soluo) no desvio, para a direita ou para a esquerda, do plano de vibrao da luz polarizada. O nmero de ismeros depende do nmero de carbonos assimtricos, sendo que s existem para carbonos com ligaes simples. Misturas equimolares de ismeros dextrgiros e levgiros resultam em misturas ditas racmicas, no ativas opticamente. (Adaptado de Mathews, 1999)

    1.1.3. Estereoismeros dos monossacardeos

    Quando se consideram

    monossacardeos de mais de trs

    carbonos, algumas formas mais

    complicadas aparecem. Nestes

    casos os monossacardeos podem

    ter mais de um carbono assimtrico

    ou quiral, o que resulta em mais

    estereoismeros. Estes so

    anantimeros e diasteremeros,

    cujo caso mais simples uma

    tetrose. Em geral, a molcula com n

    carbonos quirais ter 2n

    estereoismeros, porque h duas

    possibilidades para cada centro

    quiral (L ou D).

    As Figuras 1.4 e 1.5

    apresentam os estereoismeros

    para os aldo e ceto-

    monossacardeos de at seis

    carbonos. Figura 1.4: Estereoismeros para os D-aldomonossacardeos

    (Adaptado de Mathews, 1999)

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 4

    As molculas D-ribose e D-glicose so de especial interesse em engenharia genmica. A ribose

    o acar que compe a cadeia estrutural dos cidos ribonuclicos (RNA) e a glicose a acar

    preferido como fonte de carbono e energia para a maioria das clulas.

    Figura 1.5: Estereoismeros para os

    D-cetomonossacardeos (Adaptado de Mathews, 1999)

    1.1.4. Estruturas Cclicas (Em anel)

    Com as pentoses e hexoses, outra caracterstica

    qumica dos monossacardeos assume uma maior importncia.

    Havendo cinco ou seis carbonos na cadeia principal, estes

    compostos, apresentam um potencial para formao de

    estruturas cclicas (anis). Os ngulos caractersticos das

    ligaes CO so tais que o anel contendo menos de cinco tomos de carbono no so estveis; no entanto anis com

    cinco ou seis carbonos so facilmente formados.

    A questo da facilidade de formao dos anis est na

    verdade relacionada estabilidade das ligaes carbono

    carbono. Ligaes qumicas se formam e se desfazem

    continuamente, na maioria das vezes com o auxlio de

    catalisadores (enzimas, por exemplo), e a deteco de uma

    determinada estrutura est diretamente associada

    quantidade relativa da mesma no meio.

    Desta forma, ligaes cclicas de quatro carbonos so

    pouco estveis, porque sua formao requer uma grande

    quantidade de energia; do contrrio, como sua quebra

    acompanhada de grande liberao de energia, compostos mais

    estveis (menos energticos) so formados em maior

    proporo. Um processo que altera profundamente a energia e, portanto, a reatividade e estabilidade de

    biomolculas a fosforilao, a adio de um grupo fosfato a acares, protenas, cidos nuclicos, etc.

    C

    OHH

    HHO

    OHH

    OHH

    CH2OH

    H O

    C

    OHH

    HHO

    OHH

    H

    CH2OH

    H OHOH

    OH

    H

    OH

    H

    OHH

    OH

    H2C

    H

    OH

    O

    OH

    OH

    OH

    H

    H

    OHH

    OH

    H2C

    H

    OH

    D-Glicoseestrutura linear

    D-Glicoseestrutura em anel

    (piranose)

    -D-Glicose

    -D-Glicose

    (a)

    (b)OH

    H2C

    H

    CH2

    HO H

    H OH

    OOHHO

    H2C

    OH

    H

    CH2

    HO H

    H OH

    OHO

    OH

    -D-Frutose-D-Frutose

    Estruturas apresentadas pelas hexoses. (a) A glicose apresenta-se na

    forma linear ou cclica, havendo ainda as possibilidades de formao dos

    seus ismeros e , conforme a posio dos grupos hidroxila no carbono 1. (b) A frutose na sua forma cclica de furanose, apresenta tambm os

    ismeros e .

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 5

    A glicose uma hexose e dessa forma ocorre na forma cclica. Essas formas cclicas so

    chamadas de piranoses, por se assemelharem ao composto pirano, que tambm tem o anel composto de 6 tomos. Outro tipo de estrutura cclica encontrado nas hexoses so as chamadas furanoses, estruturas cclicas formadas com cinco tomos, que se assemelham ao furano (Quadro).

    1.1.5. Monossacardeos fosforilados

    Os monossacardeos carregam um certo nmero de grupos hidroxila nos quais alguns

    substituintes podem se ligar ou podem ser trocados por outros grupos funcionais. So muitos os

    compostos resultantes deste tipo de modificao, porm pode-se destacar a formao de acares

    fosforilados, que so encontrados nas molculas carreadoras de energia do organismo (AMP, ATP, GTP,

    etc.) e tambm nos cidos nuclicos (DNA, RNA). Veremos que os monossacardeos fosfatados so os

    maiores participantes de muitas das vias metablicas das clulas, merecem destaque os seguintes

    compostos: gliceraldedo 3-fosfato, -D-glicose-1-fosfato, -D-glicose-6-fosfato e -D-glicose-6-fosfato (Figura 1.6).

    Figura 1.6: Monossacardeos fosfatados

    Para detalhes de nomenclatura e uso apropriado de numerao de carbonos e prefixos, consulte

    as publicaes da International Union of Pure and Applied Chemistry, IUPAC (www.iupac.org).

    1.1.6. Oligossacardeos e polissacardeos

    Os monossacardeos podem ligar-se uns aos outros atravs de ligaes glicosdicas, conforme

    apresentado na Figura 1.7, havendo a liberao de uma molcula de gua. As ligaes glicosdicas so

    facilmente hidrolisadas (lise = quebra) por cidos, assim, os dissacardeos podem ser clivados,

    liberando seus monmeros, sob a ao de cidos diludos. A hidrlise das ligaes glicosdicas gera

    energia livre (de Gibbs) que utilizada para realizao de trabalho em processos celulares.

    Os oligossacardeos1 mais simples e mais importantes so os dissacardeos, formados por dois

    acares simples. Alguns deles, como, sacarose e lactose so fontes de energia solveis presentes em

    1 Oligossacardeos so carboidratos (acares) formados por alguns poucos monossacardeos.

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    plantas e animais. J outros como a maltose e a celobiose, so produtos da degradao de

    polissacardeos maiores.

    Quando um grande nmero de

    monossacardeos est ligado entre si, o resultado

    denominado polissacardeo. Estes compostos

    freqentemente no so solveis em gua,

    mas so importantes na estrutura das clulas

    e no armazenamento de energia. So exemplos

    de polissacardeos a dextrana, sintetizada por

    bactrias e utilizada em substituio do plasma

    sanguneo, a celulose, encontrada nas paredes

    celulares de plantas e da maioria das algas e

    tambm produzida por bactrias, o amido,

    importante fonte de reserva de energia das

    plantas.

    Figura 1.7: Ligao glicosdica

    1.2. Lipdeos

    Lipdeos so substncias orgnicas normalmente insilveis em gua, porm solveis em

    solventes apolares tais como acetona, clorofrmio, ter ou benzeno. Eles so constitudos principalmente

    por tomos de hidrognio e carbono, com menor quantidade de outros elementos como o oxignio,

    nitrognio e fsforo.

    Diferentemente dos polissacardeos e das protenas, os

    lipdeos no so polmeros. No entanto so molculas pequenas

    que tm uma grande capacidade de se associarem por foras no

    covalentes entre suas estruturas. A molcula de lipdeo

    normalmente caracterizada por possuir uma estrutura formada por

    uma cabea polar e hidroflica conectada a uma calda no

    polar e hidrofbica (Figura 1.8).

    As molculas lipdicas dispersas em uma soluo aquosa

    tendem a se manter juntas atravs de associaes no

    covalentes, do tipo interaes hidrofbicas, de suas caldas,

    Figura 1.8: Estrutura geral da molcula de

    lipdeo

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    Figura 1.9: Arranjos naturais das molculas

    lipdicas (Adaptado de Mathews, 1999)

    deixando as cabeas hidroflicas em contato com o solvente

    polar.

    Este arranjo natural das molculas lipdicas, dependendo

    do tipo de ambiente onde se encontram, contribui para a formao

    de uma variedade de estruturas necessrias a sustentao da

    clula, tais como: formao de monocamadas e bicamadas

    lipdicas, micelas e vesculas formadas por lipdeos, em contato

    com a gua (Figura 1.9).

    Existem trs categorias principais de lipdeos

    biologicamente importantes, baseadas em diferenas estruturais:

    triglicerdeos, fosfolipdeos e esteris, que formam a base de

    gorduras animais e vegetais, hormnios, vitaminas e outras

    molculas biologicamente ativas, incluindo muitos medicamentos.

    1.2.1. Triglicerdeos

    As gorduras e leos so lipdeos simples constitudos de dois tipos de grupamentos: glicerol e

    cidos graxos (Figura 1.10). A molculas de glicerol possui trs tomos de carbono:

    CH2 OH

    CH OH

    CH2 OH

    Figura 1.10: Formao dos triglicerdeos

    Os grupamentos hidroxila (-OH), que so polares, tornam o

    glicerol solvel em gua. Os cidos graxos tm a frmula geral

    CH3 (CH2)n COOH, onde n usualmente um nmero par.

    Quando n muito grande como no cido palmtico (n=14),

    o cido denominado cido graxo de cadeia longa. Uma molcula

    de gordura formada quando trs molculas de cidos graxos so

    ligadas, sob a ao de um conjunto de enzimas, a uma molcula

    de glicerol. Assim, gorduras so freqentemente chamadas de

    triglicerdeos.

    1.2.2. Fosfolipdeos

    Lipdeos complexos conhecidos como fosfolipdeos so componentes importantes de

    membranas celulares. Por exemplo, uma nica clula de bactria Escherichia coli contm cerca de 22

    milhes de molculas de fosfolipdeos em sua membrana.

    Os fosfolipdeos diferem dos triglicerdeos em dois aspectos: (1) somente duas molculas de

    cidos graxos so ligadas molcula de glicerol e, (2) um grupo fosfato est ligado ao glicerol (Figura

    1.11a).

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 8

    Os fosfolipdeos mais simples no tm

    componentes adicionais, mas outros tm

    componentes qumicos ligados ao grupo fosfato.

    Os nomes destes lipdeos refletem o grupo

    adicional.

    Em qualquer fosfolipdeo, o grupo fosfato

    hidroflico, devido presena de carga negativa,

    quando no estado ionizado (-PO3H2 -PO3H- + H+). Contudo, as cadeias longas de

    hidrocarbonetos dos cidos graxos so apolares,

    portanto grupos hidrofbicos. Desta forma uma

    molcula de fosfolipdeo anfiptica, isto ,

    possui caractersticas hidrofbicas (que so

    repelidas do meio aquoso e interagem mais

    facilmente com leos, gorduras e solventes

    orgnicos) e hidroflicas (que tm afinidade com

    substncias polares, por exemplo gua).

    A natureza anfiptica responsvel pelo

    comportamento caracterstico dos fosfolipdeos

    quando so colocados em contato com a gua.

    Figura 11: (a) Tipos

    mais simples de

    fosfolipdeo

    composto de uma

    molcula de

    glicerol, duas de

    cidos graxos e

    uma molcula de

    fosfato. (b)

    Fosfolipdeos em

    contato com a gua

    formam uma

    bicamada com os

    grupos fosfato

    voltados para a fase

    aquosa. (Adaptado

    de Pelczar, 1997)

    Eles formam uma bicamada lipdica, na qual os grupamentos fosfatos ionizados hidroflicos esto em

    contato com a gua e a cadeia de hidrocarbonetos apolares de cidos graxos est voltada parte interna

    da bicamada (Figura 1.11b).

    Esta bicamada forma a estrutura fundamental das membranas celulares. O desenvolvimento de

    antibiticos freqentemente conta com substncias qumicas que rompem essas bicamadas e

    conseqentemente destroem os microrganismos.

    1.2.3. Esteris

    Uma molcula de esterol altamente apolar e consiste principalmente em vrios anis

    constitudos de tomos de carbono ligados entre si (Figura 1.12a). Os animais utilizam os esteris para

    sintetizar a vitamina D e os hormnios esterides e eles tambm so encontrados nas membranas de

    alguns tipos de clulas. O composto colesterol, um componente natural de algumas membranas, um

    membro desse grupo de lipdeos. Certas drogas antifngicas combinam-se com os esterides nas

    membranas dos fungos e eventualmente matam as clulas.

    1.2.4. Outros lipdeos

    Alm dos trs grupos principais de lipdeos, outros so encontrados nos microrganismos. Entre

    eles esto a clorofila, lipdeos presentes na parece celular da bactria que causa a tuberculose e alguns

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    pigmentos responsveis pelas coloraes

    vermelhas e amarelas de alguns

    microrganismos.

    Um lipdeo, o poli--hidroxibutirato ou PHB ocorre somente em certas bactrias e

    funciona como uma fonte de reserva de

    carbono e energia. Ele insolvel no somente

    em gua mas tambm em muitos solventes

    apolares, incluindo o lcool e o ter. Entretanto

    solvel em clorofrmio quente. Molculas de

    PHB so constitudas de centenas e at

    milhares de molculas de cido -hidroxibutrico ligadas entre si (Figura 1.12b).

    Figura 1.12: (a) Colesterol, caracterizado por uma srie de anis interconectados; (b) Poli--hidroxibutirato, uma cadeia de muitas molculas de cido -hidroxibutirato ligados entre si, tambm conhecido como PHB.

    1.3 Protenas

    As protenas so as macromolculas mais abundantes das clulas. Elas ocorrem em todas as

    clulas, estando presentes em todos os seus compartimentos e em grande variedade. As protenas so

    molculas que desempenham uma srie de funes especficas nas clulas vivas e atravs delas que a

    informao gentica contida no DNA no ncleo da clula expressa na forma de reaes e produtos

    bioqumicos no citoplasma e organelas celulares.

    1.3.1. Aminocidos

    Protenas so polmeros constitudos por aminocidos, as subunidades monomricas, que

    embora relativamente simples fornecem a chave para a estrutura de milhares de macromolculas

    diferentes. Todas as protenas, incluindo as de bactrias at as do homem, so construdas com o

    mesmo conjunto de 20 aminocidos, ligados covalentemente em seqncias lineares caractersticas, que

    seguem a receita contida no DNA. Em virtude de cada um desses aminocidos ter uma cadeia lateral

    distinta, a qual determina as suas propriedades qumicas, como por exemplo, a sua polaridade.

    Todos os 20 aminocidos encontrados nas protenas tm um grupo carboxila e um grupo amino

    ligados ao mesmo tomo de carbono (carbono ) (Figura 1.13). Eles diferem uns dos outros atravs de suas cadeias laterais ou grupos R, os quais variam em estrutura, tamanho e carga eltrica, e

    influenciam a solubilidade do aminocido em gua e outros meios.

    B

    A

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 10

    Figura 1.13: Estrutura geral dos

    aminocidos

    Figura 1.14: Aminocidos padro

    constituintes das protenas

    Os 20 aminocidos das protenas so freqentemente referidos como aminocidos padres,

    primrios ou normais, para distingu-los dos aminocidos que so modificados no interior das protenas,

    depois que as mesmas so sintetizadas, e de muitos outros tipos de aminocidos que podem estar

    presentes nos organismos vivos, porm no nas protenas.

    Os aminocidos padres, por conveno internacional, tm sido designados por abreviaes de

    trs letras (derivadas de seus nomes na lngua inglesa), ou por um smbolo de uma nica letra, conforme

    a Figura 1.14. Ambos so usados como abreviaturas para indicar a composio e a seqncia dos

    aminocidos nas protenas2.

    Notamos na Figura 1.14 que em todos os aminocidos, exceto na glicina, o carbono assimtrico, ligado a quatro grupos substituintes diferentes: o grupo carboxila, o grupo amino, um grupo

    R e um tomo de hidrognio. Assim, o tomo de carbono torna-se um centro quiral. Devido ao arranjo 2 Em programas de bioinformtica as seqncias consulta so normalmente fornecidas como cdigos de uma nica letra. Por

    exemplo, a seqncia LQTSKWMMELVDKTQLDEDAKDKLAFATRQYLDAMSPSNFMLTNPDVVKRAIETKGESLV representa uma

    pequena parte da protena PHA sintase de Chromobacterium violaceum, uma enzima que sintetiza poliidroxibutirato nesta bactria;

    os resultados, no entanto, podem ser em geral formatados para apresentar os cdigos de trs letras, mais facilmente interpretados.

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 11

    tetradrico dos orbitais de ligao ao redor do carbono dos aminocidos os quatro diferentes grupos substituintes podem ocupar duas disposies espaciais distintas, e estas so, entre si, imagens

    especulares no sobreponveis. Estas duas formas so chamadas enatimeros ou estereoismeros e

    so designadas como L ou D aminocidos, assim como no caso dos carboidratos (Figura 1.15).

    Quase todos os compostos biolgicos com centro

    quiral ocorrem naturalmente em apenas uma forma

    estereoisomrica, D ou L. Os aminocidos nas molculas

    proticas so sempre L-estereoismeros. Os D-aminocidos

    foram encontrados apenas em pequenos peptdeos (ver item

    1.3.2) da parede de clulas bacterianas e em alguns

    peptdeos que tm funo de antibiticos. Os aminocidos

    podem ser tambm agrupados em classes, de acordo com as

    propriedades dos seus grupos R, em particular a sua

    polaridade, ou tendncia para interagir com a gua em pH

    fisiolgico (pH prximo de 7,0).

    Figura 1.15: Os dois estereoismeros da alanina

    (Adaptado de (http://www.mun.ca/biology/ scarr/Karp_2_25_alanine_stereoisomers.gif)

    A polaridade dos grupos R varia bastante, desde um comportamento totalmente no polar ou

    hidrofbico (insolvel em gua) at polaridade alta ou hidroflica (solvel em gua). Existem cinco classes

    principais de aminocidos, aqueles cujo grupo R : no polar e aliftico; aromtico (geralmente no

    polar); polar, mas no carregado; negativamente carregado e positivamente carregado, conforme Figura

    1.14. Essas caractersticas qumicas dos aminocidos sero fundamentais na conformao espacial que

    a protena assumir, ou seja, a ordem com que os aminocidos esto organizados far com que os

    grupos de aminocidos afins se agrupem, levando uma ou outra configurao espacial. Uma alterao

    na seqncia de aminocidos pode levar a uma modificao de funo (em geral, uma perda) na

    protena correspondente. A figura abaixo mostra o efeito produzido na estrutura tridimensional de PHA

    sintases de Chromobacterium violaceum e Pseudomonas aeruginosa, protenas que codificam a enzima

    produtora de PHB.

    Figura 16: Variaes estruturais de protenas (enzimas) PHA sintases de Chromobacterium violaceum ( esquerda) e

    Pseudomonas aeruginosa do tipo 1 (centro) e do tipo 2 ( direita), modeladas por homologia (Piemolini, 2004).

    1.3.2. Peptdeos

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    Os peptdeos so molculas que ocorrem naturalmente e variam muito de tamanho, desde

    molculas pequenas contendo apenas dois ou trs aminocidos at grandes macromolculas contendo

    milhares de aminocidos (chamadas protenas).

    Duas molculas de aminocidos podem ser unidas

    atravs de ligaes covalentes entre um grupo amina de um

    e o grupo carboxila do outro, em uma ligao chamada

    ligao peptdica, para formar um dipeptdeo, conforme ilustra a Figura 1.17. Trs aminocidos podem ser reunidos

    por duas ligaes peptdicas para formar um tripeptdeo. Da

    mesma forma, aminocidos podem ser reunidos para formar

    tetra e pentapeptdeos. Quando um pequeno nmero de

    aminocidos reunido desta forma a estrutura resultante

    chamada de oligopeptdeo e quando muitos aminocidos so reunidos assim, a estrutura chamada de polipeptdeo. As unidades de aminocidos de um peptdeo so geralmente

    chamadas de resduos, pois cada um deles perdeu um tomo

    Figura 1.17 Ligao Peptdica

    de hidrognio de seu grupo amino e a parte hidroxila do seu grupo carboxila. O resduo de aminocido

    presente na extremidade do peptdeo que exibe um grupo -amino o resduo amino-terminal (ou N-terminal); o resduo na outra extremidade, que exibe um grupo carboxila livre, o resduo carboxi-terminal (ou C-terminal). Alguns oligopeptdeos e polipeptdeos pequenos possuem atividades biolgicas importantes e

    pronunciadas, exercendo suas funes em concentraes muito pequenas. Como exemplo, pode-se citar

    um certo nmero de hormnios, presentes nos vertebrados, que so polipeptdeos pequenos

    responsveis por alguns processos de comunicao celular.

    O hormnio insulina, por exemplo, contm duas cadeias

    polipeptdicas, uma com 30 resduos de aminocidos e outra com 21.

    Outros hormnios polipeptdicos so o glucagon, um hormnio

    pancretico de 29 resduos que tem ao oposta a da insulina, e a

    corticotrofina, um hormnio com 39 resduos de aminocidos,

    secretado pela hipfise anterior e que estimula o crtex adrenal.

    Outros peptdeos importantes tm apenas uns poucos resduos de aminocidos, como o caso

    do peptdeo sintetizado comercialmente, L-aspartilfenilalanil-metilster, conhecido como aspartame. O

    aspartame 200 vezes mais doce do que o acar comum (sacarose) utilizado como substituto

    direto do acar, em refrigerantes diet, gomas de mascar, iogurte, sucos de fruta, etc. Marcas comerciais

    incluem NutraSweet, Equal, Sugar Twin, e Sweet'n'Low. Pessoas com fenilcetonria (PKU), um defeito

    congnito do metabolismo (1:10.000 nascimentos), so incapazes de metabolizar a fenilalanina e devem,

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    portanto, evitar o uso de aspartame. Saiba mais sobre a PKU e outras doenas genticas no site do

    OMIM (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?db=OMIM), Online Mendelian Inheritance in Man.

    1.3.3. Protenas

    Quase tudo que ocorre nas clulas envolve uma ou mais protenas. As protenas fornecem a

    estrutura, catalisam as reaes celulares, atuam no transporte e motilidade das clulas, funcionam como

    reserva de nutrientes, atuam no sistema de defesa dos organismos e na regulao dos sistemas vivos. O

    seu papel principal sem dvida a expresso da informao gentica, que em ltima instncia

    traduzida em protenas. Para cada protena existe um segmento do DNA, um gene, que guarda a

    informao, especificando sua seqncia de aminocidos. As protenas esto entre as macromolculas

    mais abundantes e tambm so extremamente versteis nas suas funes. Assim podem ser

    classificadas segundo a funo que desempenham nos organismos vivos:

    a) Enzimas: o grupo de protenas mais variado e mais especializado, cujos componentes exibem

    atividade cataltica. De um modo geral, todas as reaes qumicas que ocorrem nas clulas, nas quais

    participam biomolculas orgnicas, so catalisadas por enzimas. H milhares de enzimas diferentes,

    mesmo em microrganismos simples, cada uma capaz de catalisar uma ou mais reaes especficas.

    b) Protenas Transportadoras: Ligam-se a ons ou molculas especficas os quais so transportados de

    um lado ao outro da clula ou de um rgo ao outro, no caso de organismos mais evoludos, atravs da

    corrente sangunea. Um exemplo tpico a hemoglobina, protena composta de quatro cadeias

    polipeptdicas, que se liga ao oxignio, medida que o sangue atravessa os pulmes, transportando-o

    at os tecidos perifricos. Outros tipos de protenas transportadoras esto presentes nas membranas

    plasmticas e nas membranas intracelulares de todos os organismos, onde elas atuam como canais,

    permitindo a passagem de molculas especficas.

    c) Protenas nutrientes e de armazenamento: muito encontradas em organismos vegetais, como por

    exemplo, trigo, milho e arroz. So protenas que guardam grande valor nutricional. As sementes de

    muitas plantas, por exemplo, so ricas nestas protenas, necessrias para a germinao e o crescimento

    dos brotos. A ovoalbumina, encontrada na clara do ovo e a casena, so exemplos de protenas

    nutrientes e de reserva encontrados em animais.

    d) Protenas contrteis ou de motilidade: importantes para as clulas e organismos, por permitirem que

    estes se contraiam, mudem de forma, ou se desloquem no ambiente. Exemplos destas protenas so a

    actina e miosina, que so encontradas nos msculos e algumas clulas no musculares e no caso de

    microrganismos, a protena dinena, responsvel pela movimentao de clios e flagelos, utilizados para a

    locomoo celular.

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    e) Protenas estruturais: a classe de protenas que serve como filamentos de suporte, cabos ou lminas

    para fornecer proteo ou resistncia a estruturas biolgicas. Alguns exemplos so, o colgeno,

    encontrado em cartilagens e tendes; a elastina, dos ligamentos; a queratina, encontrada em cabelos e

    unhas, entre outras.

    f) Protenas de defesa: responsveis pela defesa dos organismos contra a invaso de outras espcies ou

    no caso de ferimentos. Alguns exemplos so as imunoglobulinas, ou anticorpos, protenas especializadas

    em reconhecer e precipitar, ou neutralizar invasores como bactrias, vrus ou protenas estranhas

    oriundas de outras espcies.

    g) Protenas reguladoras: Auxiliares na regulao da atividade celular ou fisiolgica. Entre elas esto

    muitos hormnios, como o caso da insulina. Outras protenas reguladoras ligam-se ao DNA e regulam a

    biossntese de enzimas e das molculas de RNA envolvidas na diviso celular, tanto em procariotos

    como em eucariotos, como veremos nos captulos seguintes.

    Cabe aqui lembrar que todas as protenas, com suas propriedades e funes to diferentes, so

    construdas com o mesmo grupo de 20 aminocidos, sendo que o fator determinante a seqncia com

    que esses aminocidos so adicionados um a um (estrutura primria), determinando assim a sua forma

    espacial, suas propriedades e suas funes.

    1.3.3.1. Estrutura das protenas

    A estrutura espacial dos tomos de uma protena chamada de conformao. A conformao de uma protena determinada pela seqncia primria dos aminocidos que compem a protena e

    pode sofrer mudanas, devido a rotaes de ligaes simples, por exemplo, sem a quebra das ligaes

    covalentes. Porm, a protena para ser funcional, necessita estar na sua conformao espacial

    predominante, que termodinamicamente a mais estvel, sendo, neste caso chamada de protena

    nativa. Existem quatro nveis na arquitetura das protenas, conforme ilustra a Figura 1.16, a estrutura primria inclui todas as ligaes covalentes entre os aminocidos que compem uma protena e definida pela seqncia destes aminocidos unidos por ligaes peptdicas. Estas cadeias peptdicas

    formadas pela unio dos aminocidos no so livres para assumir, ao acaso, uma estrutura

    tridimensional qualquer. Restries estricas, ou geomtricas e muitas interaes intramoleculares

    determinam que alguns arranjos sejam mais estveis do que outros.

    Estrutura secundria a designao que se d aos arranjos regulares e recorrentes no espao dos resduos de aminocidos adjacentes em uma molcula protica, ou seja, decorrentes das interaes

    entre um aminocido e seus vizinhos prximos devido principalmente formao de pontes de

    hidrognio entre os grupos (C=O) polares e NH ao longo da cadeia. As estruturas secundrias

    predominantes so a -hlice e as folhas , mostradas na Figura 1.18.

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    A estrutura terciria refere-se ao relacionamento espacial entre todos os aminocidos de um polipeptdeo. Essa

    estrutura se caracteriza pelas diversas dobras da molcula em

    uma forma especfica, como se fosse uma fita emaranhada.

    Esta forma causada pela interao entre diferentes

    partes da cadeia, principalmente por ligaes entre tomos de

    enxofre do aminocido cistena, chamadas de pontes ou

    ligaes dissulfeto.

    E por fim, algumas protenas contm duas ou mais

    cadeias polipeptdicas combinadas, ligadas atravs de

    interaes intermoleculares, que determinam a estrutura quaternria desta protena final.

    Para ser capaz de desempenhar a sua funo a

    protena deve estar na sua forma nativa. Porm essa

    conformao preferencial sofre alteraes resultantes da

    interao com o meio. Essas alteraes podem se dar na

    estrutura quaternria, terciria ou secundria da protena,

    fazendo com que a protena perca suas funes

    temporariamente, porm s vezes, sendo capaz de voltar

    forma inicial, caso o ambiente volte ao normal.

    Mas, se o ambiente for capaz de romper as ligaes

    peptdicas da protena, ou seja, alterar sua estrutura primria, o

    processo no reversvel.

    Figura 1.18: Nveis de estrutura das

    protenas ( Adaptado de http://ghs.gresham.k12.or.us/

    science/os/sci/ibbio/chem/notes /chpt3/proteinlevels.gif

    Uma alterao extrema capaz de levar perda total da sua estrutura tridimensional um

    processo chamada desnaturao. As protenas podem ser desnaturadas pelo aquecimento, por variaes extremas do pH do meio, por alguns solventes orgnicos miscveis com gua, como o etanol

    ou a acetona, por algumas substncias em soluo, como uria, ou por exposio da protena a

    substncias detergentes. Esses agentes desnaturantes atuam enfraquecendo as interaes inter e

    intramoleculares da protena levando perda da conformao nativa. Porm em muitos casos, quando

    os agentes so retirados, as interaes voltam a atuar e os resduos de aminocidos se organizam

    novamente, voltando conformao inicial e funcional. Este processo chamado de renaturao.

    1.3.3.2. Enzimas

    As enzimas so protenas com capacidade cataltica que atuam nas diversas reaes

    bioqumicas que ocorrem nas clulas. Muitas reaes bioqumicas envolvem a formao de compostos

    intermedirios muito instveis e normalmente para que estas reaes ocorram necessrio que as

    molculas estejam orientadas de modo certo. A funo da enzima nestes casos atuar como mediador,

    ligando-se aos substratos de forma muito especfica, promovendo a aproximao das molculas e

    fornecendo as condies ideais para trocas de eltrons e grupos funcionais entre elas.

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    A posio onde os substratos ligam-se na enzima chamada de stio ativo da enzima, e este normalmente muito especfico, permitindo que apenas um tipo ou grupo de molculas liguem-se da forma

    correta e promovam a reao (Figura 1.19).

    Figura 1.19 Esquema representativo da atuao da enzima num processo bioqumico (http://ghs.gresham.k12.or.us/science/ps/sci/ibbio/chem/notes/chpt8/enzymerxn.gif)

    Muitas vezes as enzimas ligam-se a grupos no proticos, que so imprescindveis para que a

    reao ocorra. Esses grupos, chamados cofatores, podem ser ons metlicos de Mg, Zn, Mn, F; uma coenzima, como as molculas de NAD, FAD, Coenzima A (CoA), e algumas vitaminas.

    A atividade cataltica da enzima ou de um grupo de enzimas que atuam numa determinada rede

    de reaes bioqumicas, interligadas para desenvolver um dado processo metablico de sntese ou

    degradao, funciona de modo integrado e regulado e esta regulao se d por meio de enzimas reguladoras, que tm a sua atividade aumentada ou diminuda mediante a presena de molculas sinalizadoras, que so em geral metablitos (molculas envolvidas no metabolismo celular, como

    veremos no captulo 4) ou cofatores. Devido presena dessas molculas sinalizadoras chamadas

    inibidores ou ativadores alostricos, que se ligam enzima de modo reversvel alterando sua conformao espacial, a atividade cataltica pode ser inibida ou estimulada, respectivamente (Figura

    1.20).

    Figura 1.20: Ativao (a) e inibio alostrica (b)

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    Muitas vezes o prprio substrato ou produto um modulador alostrico, ativando a enzima, no

    caso dos substratos e inibindo no caso dos produtos. Dessa forma as reaes bioqumica ficam

    integradas e reguladas de modo a evitar snteses ou degradaes desnecessrias clula.

    1.4. cidos Nuclicos

    Os cidos nuclicos, cido desoxirribonuclico (DNA) e o cido ribonuclico (RNA), so as

    organelas moleculares da informao gentica. A estrutura de toda protena e, em ltima anlise, de

    todo constituinte celular um produto da informao programada numa seqncia nucleotdica dos

    cidos nuclicos da clula. Os nucleotdeos so compostos ricos em energia que direcionam os

    processos metablicos (principalmente as biossnteses) em todas as clulas. Eles tambm funcionam

    como sinais qumicos, elos importantes nos sistemas celulares que respondem a hormnios e a outros

    estmulos extracelulares, e so componentes estruturais de vrios cofatores enzimticos e de

    intermedirios metablitos.

    Figura 1.21: Estrutura geral dos nucleotdeos (a) e suas bases

    nitrogenadas (b)

    Os nucleotdeos possuem trs

    componentes caractersticos: uma base

    nitrogenada, uma pentose (desoxirribose, no DNA

    e ribose, no RNA) e um fosfato, conforme

    mostrado na Figura 1.21. As bases nitrogenadas so derivadas de duas estruturas bsicas, as

    pirimidinas e as purinas. Nas molculas de DNA ocorrem quatro

    tipos de bases nitrogenadas, duas delas derivadas

    da purina: adenina e guanina, e duas derivadas da pirimidina: citosina e timina. Assim, h quatro tipos de nucleotdeos no DNA, cada um com uma

    base particular.

    O RNA tambm possui quatro tipos de

    bases diferentes, sendo elas a adenina, guanina e

    citosina, tambm encontradas no DNA e a uracila, base derivada da pirimidina que aparece apenas

    no RNA, ao invs da timina (Figura 1.21).

    Uma clula mantm ligados milhares de

    nucleotdeos para formar uma fita de DNA ou

    RNA, atravs de ligaes entre os grupos fosfato

    e as desoxirriboses ou riboses, respectivamente conforme a Figura 1.21, formando um esqueleto a partir

    do qual as purinas e pirimidinas se projetam.

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    Observa-se que o esqueleto tanto de DNA quanto de RNA hidroflico. Os grupos hidroxila dos

    resduos de acar formam ligaes de hidrognio com a gua. Os grupos fosfato no esqueleto

    encontram-se completamente ionizados e carregados negativamente em pH 7; desta forma o DNA

    cido e essas cargas precisam ser neutralizadas por interaes inicas com cargas positivas de algumas

    protenas, ons metlicos e poliamidas que sempre acompanham o DNA.

    Como pode ser observado na Figura 1.22, todas as ligaes fosfodisteres nas fitas de DNA e

    RNA possuem a mesma orientao ao longo da cadeia, conferindo a cada fita linear do cido nuclico

    uma polaridade e extremidades distintas, chamadas 5 e 3. Por definio, a extremidade 5 no possui um nucleotdeo na posio 5, e a extremidade 3 no o possui na posio 3.

    Figura 1.22: Estrutura qumica do DNA e RNA e suas ligaes

    fosfodister (Adaptado de Mathews, 1999)

    No caso do DNA, duas fitas

    apresentam ligaes cruzadas por meio

    das suas bases pricas e pirimdicas

    formando uma fita dupla de DNA.

    Ligaes de hidrognio ligam as

    bases de uma cadeia com as bases da

    outra (Figura 1.23). Duas bases ligadas

    desta maneira so denominadas pares de bases complementares. Somente dois

    pares de bases complementares so

    encontrados na fita dupla de DNA:

    Adenina (A) ligada timina (T)

    Guanina (G) ligada citosina (C)

    Assim, a proporo de A com T ou G com C na fita dupla de DNA sempre 1:1. A

    complementaridade das purinas e pirimidinas significa que a seqncia de bases em um das fitas ordena

    a seqncia da outra. Isto de grande importncia na sntese de novas fitas de DNA durante a diviso

    celular, porque esta a seqncia de bases do DNA que representa a informao gentica da clula,

    sendo que h uma seqncia diferente para cada espcie de organismo vivo.

    No RNA, no h formao de fitas duplas, ou seja, no h uma segunda fita complementar

    pareada, porm em alguns casos a fita simples de RNA pareia-se com ela mesma, formando um lao.

    A porcentagem de A com U e G com C pode variar entre diferentes molculas de RNA e no

    necessariamente 1:1 como no DNA. O RNA a segunda forma principal de cidos nuclicos nas clulas

    e desempenha o papel de intermedirios na converso da informao existente no DNA para uma

    protena funcional.

    Nos eucariotos, o DNA principalmente confinado no ncleo, enquanto a sntese de protenas

    ocorre nos ribossomos do citoplasma.

    Portanto, alguma molcula diferente do DNA deve transportar a mensagem gentica para a

    sntese de protenas do ncleo at o citoplasma. A molcula responsvel por transportar esta mensagem

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    Captulo 1: Fundamentos bsicos de bioqumica, biologia molecular - 2005 Serpa e Porto 19

    o RNA chamado RNA mensageiro (mRNA), que consiste de uma fita simples composta pelos nucleotdeos A, U, C e G, e confeccionado a partir da seqncia de nucleotdeos existente no DNA.

    Figura 1.23: Estrutura da dupla

    hlice do DNA

    O mRNA consegue transitar do ncleo at o citoplasma,

    levando a informao gentica at os ribossomos onde o

    mensageiro fornece os moldes para a especificao da seqncia de

    aminocidos nas cadeias polipeptdicas.

    Nos procariotos no existe um ncleo definido como no caso

    dos eucariotos, mas os mRNAs tambm so os responsveis por

    transportar a mensagem gentica.

    Outros tipos de RNA so o RNA transportador (tRNA), que atua como carreador para os aminocidos que sero utilizados na

    sntese das protenas e os RNAs ribossmicos (rRNA), que so componentes estruturais dos ribossomos.

    Leitura Recomendada: 1. MATHEWS, Christopher K; VAN HOLDE, K E; AHERN, Kevin G. Biochemistry. 3. ed. San Francisco:

    Addison Wesley Longman, 1999.

    2. LEHNINGER, Albert L; NELSON, David L.; COX, Michael M. Princpios de bioqumica. 3. ed. So Paulo: Sarvier, 2002.

    3. PELCZAR, Michael Joseph; CHAN, Eddie Chin Sun; KRIEG, Noel R. Microbiologia : conceitos e aplicaes. 2. ed. So Paulo: Makron Books, 1997.

    4. BERG, Jeremy M.; TYMOCZKO, John L.; STRYER, Lubert. Biochemistry. New York: W. H. Freeman and Co., 2002.

    5. VOET, Donald; VOET, Judith G. Biochemistry. 3. ed. John Wiley. New York, 2005.

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 20

    2. A Clula Procariotos e Eucariotos

    As clulas so consideradas as unidades bsicas de qualquer organismo, desde os microrganismos

    constitudos por uma nica clula s formas de vida com tecidos especializados e rgos complexos. A clula

    consiste de um protoplasma, que uma mistura complexa e gelatinosa de gua, protenas, lipdeos e cidos nuclicos, envolvido por uma membrana flexvel e algumas vezes por uma parede celular rgida. Dentro de cada

    clula existe uma regio que controla a funo celular e a hereditariedade. Em algumas clulas, esta regio

    representada por uma estrutura denominada ncleo, que circundado por uma membrana nuclear. Em clulas mais simples, existe tambm uma regio similar, mas que no delimitada por uma membrana. A essa

    regio se d o nome de nucleide. Em cada um desses tipos celulares o ncleo ou o nucleide contm o DNA da clula, que carrega a informao gentica, as instrues codificadas que regulam a construo e a

    manuteno da clula e so transmitidas para as geraes seguintes. O restante do protoplasma denominado

    de citoplasma, que o local onde as snteses de protenas, lipdeos e nucleotdeos ocorrem e onde os processo vitais da clula acontecem.

    Um organismo pode ser constitudo de apenas uma clula unicelular sendo que nesse caso todos os processos celulares ocorrem nesta nica clula, ou ento pode ser constitudo de muitas clulas

    multicelular como o caso de formas de vida superiores, como as plantas e os animais, onde as clulas so arranjadas em estruturas chamadas de tecidos ou rgos, com funes especficas. De qualquer forma, todos

    os organismos apresentam os seguintes processos celulares: reproduo, utilizao de alimentos ou nutrientes

    como fonte de energia, sntese de substncias e estruturas celulares, excreo de substncias e resposta a

    alteraes ou estmulos ambientais.

    2.1 Classificao dos Organismos Vivos

    Os organismos vivos so ainda classificados segundo o modo como seu material nuclear se apresenta

    dentro da clula: clulas eucariticas tm um ncleo separado do citoplasma por uma membrana nuclear, enquanto as clulas procariticas apresentam material nuclear sem a membrana envoltria. Essa diferena a base para a separao de bactrias de outros tipos de microrganismos e de todas as outras clulas, de

    plantas e animais. As bactrias tm uma estrutura celular procaritica e so procariotos. Outras clulas, incluindo algas, fungos, protozorios e clulas vegetais e animais tm uma estrutura celular eucaritica e so

    eucariotos. Os organismos podem ser tambm classificados segundo a sua fonte de energia, sendo

    quimiotrficos, aqueles que, como ns, obtm sua energia de um combustvel qumico (compostos orgnicos ou inorgnicos) e fototrficos, aqueles que obtm sua energia da luz solar. Como complementao para essa classificao, inclu-se a capacidade que os organismos tm de sintetizar suas macromolculas a partir de

    fontes naturais: os autotrficos so organismos que tm a capacidade de sintetizar algumas ou todas as suas subunidades monomricas, intermedirios metablicos e macromolculas a partir de materiais iniciais muito

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 21

    simples, tais como CO2 e NH3. J os heterotrficos devem adquirir alguns de seus nutrientes pr-formados de seu ambiente, necessitando assim de compostos orgnicos mais complexos como fontes de carbono. Sendo

    assim, so quatro as possibilidades de classificao

    dos organismos vivos, dependendo de suas fontes

    de energia e carbono, conforme mostra a Figura 2.1.

    Para os heteroquimiotrficos, como ns, os

    compostos orgnicos so tanto a fonte de energia

    quanto a fonte de carbono.

    2.2 Evoluo e Estrutura das Clulas

    Inicialmente achava-se que os procariotos

    eram as formas de vida mais simples, os mais

    primitivos de todos os organismos. Porm, atravs de

    estudos utilizando o cido ribonuclico ribossmico

    (rRNA), que essencial para a sobrevivncia das

    clulas, de diferentes organismos, os cientistas

    descobriram que o rRNA de eucariotos possui um

    tipo geral de seqncia e o dos procariotos um

    segundo tipo. Mas eles tambm descobriram que

    alguns procariotos tm um terceiro tipo de rRNA e o

    arranjo desse rRNA difere dos outros procariotos e

    Figura 2.1: Classificao dos organismos conforme suas fontes de carbono (em azul) e energia (em vermelho). (Adaptado de Lehninger

    et al.,1995)

    dos eucariotos. Assim, eles concluram que existem dois tipos principais de bactrias, que so agora

    designadas de arqueobactrias e eubactrias, que so to diferentes umas das outras como o so dos eucariotos.

    Assim, se aceita hoje que as arqueobactrias, eubactrias e eucariotos evoluram por caminhos

    diferentes a partir de um ancestral comum, conforme ilustra a Figura 2.2. Existem ainda outras evidncias de

    que as bactrias podem ter desempenhado uma outra funo na evoluo das clulas eucariticas.

    As clulas eucariticas atuais contm organelas auto-replicativas, diferentemente de seus ancestrais,

    que no as possuam. Essas organelas so os cloroplastos e as mitocndrias, que tm genes e ribossomos prprios. Alm disso, estudos dessas organelas sugerem que as mitocndrias e os cloroplastos parecem ter

    sido derivados das eubactrias.

    Acredita-se que, em algum estgio da evoluo, uma bactria invadiu uma clula eucaritica, sem

    causar danos para essa clula, e pelo contrrio, acabou fornecendo a esta clula hospedeira algumas

    habilidades extras, tais como a capacidade de respirar ou realizar a fotossntese. Ambas se beneficiaram desta

    associao e cada uma tornou-se gradualmente dependente uma da outra.

    A bactria invasora ao longo da evoluo sofreu algumas mutaes e tornou-se a mitocndria ou o

    cloroplasto da clula invadida, e passou a ser responsvel pela respirao e pela fotossntese,

    respectivamente.

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 22

    Figura 2.2: Evoluo dos organismos vivos (Adaptado de Pelczar et al.,1997)

    A idia da origem das organelas eucariticas a partir dos procariotos conhecida como teoria endossimbintica (Figura 2.3). A partir do surgimento dessas clulas eucariticas, outros organismos evoluiram, levando a uma vasta diversificao de organismos eucariticos, tais como os protistas, as algas e os

    diversos organismos multicelulares.

    2.3. Diferenas entre procariotos e eucariotos

    2.3.1. Organismos procariotos:

    Morfologicamente, os procariotos so normalmente unicelulares, com dimetros de 0,5 a 2 m em mdia e comprimentos de at 100 m. Podem ser clulas esfricas (cocos), cilndricas (bacilos) ou espiraladas ou helicoidais (espirilos). E ainda podem viver isolados, como normalmente acontece com as clulas

    espiraladas, vivendo como clulas nicas, ou ento na forma de arranjos ou padres caractersticos, muito

    comuns no caso dos cocos.

    Quanto a suas estruturas, os procariotos so relativamente mais simples que os eucariotos, porm

    apresentam algumas particularidades. Algumas das estruturas dos procariotos so encontradas no lado

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 23

    externo da clula, responsveis principalmente pela locomoo e defesa da clula, enquanto a maioria

    encontra-se no interior da clula, que limitada pela membrana citoplasmtica e pela parece celular (Figura

    2.4).

    Figura 2.3: Teoria endossimbintica. Proposta de evoluo e

    diferenciao das clulas eucariticas a partir de uma clula pr-

    eucaritica que desenvolveu invaginaes na membrana celular e

    tambm passou a ser colonizada de modo simbitico por uma

    bactrias. Essa associao resultou numa nova clula eucaritica,

    capaz de realizar fotossntese, quando o simbionte era um

    procarioto fotossinttico; ou ento, capaz de realizar a respirao

    celular, quando o simbionte era um aerbio no fotossintetizante.

    (Adaptada de Pelczar et al.,1997)

    Figura 2.4: Estrutura esquemtica de uma clula procaritica

    (Adaptado de http://www.phschool.com/ science/biology_place/biocoach/images/cells

    Membrana citoplasmtica:

    Estrutura formada por duas camadas de fosfolipdeos (20 a 30%) complementadas com protenas (50 a

    70%) que esto dispersos nesta bicamada (Figura 2.5). Os fosfolipdeos contm uma cabea polar, devida ao

    fosfato e uma calda apolar, devida terminao hidrocarbnica. Assim, as terminaes polares, que so

    solveis em gua,ficam arranjadas para os lados de fora da bicamada e conseqentemente as terminaes

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 24

    apolares, se orientam para o seu interior. Neste arranjo inicial, ainda so acrescentadas as protenas, que so

    arranjadas de modo a ficarem inteira ou parcialmente inseridas na membrana. Devido sua estrutura qumica,

    a membrana citoplasmtica fluida, ou seja, essas protenas inseridas se movimentam dentro da membrana.

    Figura 2.5: Estrutura da membrana citoplasmtica (Adaptado de

    http://www.brunel.ac.uk/depts/bl/project/microbio/cellstrc/bacwall/cytoplas.htm)

    A membrana citoplasmtica, alm de delimitante da rea celular, est envolvida em funes vitais

    clula, tais como transporte seletivo de substncias e ons, produo de energia, reaes enzimticas,

    metabolismo e replicao celular. Inseridas na bicamada, encontram-se muitas protenas transportadoras e

    tambm muitas enzimas, que desempenham esses papeis vitais.

    Parede celular:

    A parede celular uma estrutura externa membrana citoplasmtica, que encontrada nos

    organismos procariotos e nas algas, fungos e plantas, e tem a funo de proteger e manter a forma

    caracterstica das clulas, resistindo inclusive a altas presses e condies fsicas adversas.

    Sua constituio qumica varia com as diferentes espcies, correspondendo de 10 a 40% da massa

    seca de cada clula. Devido composio da parede celular, as bactrias podem ser classificadas em Gram-

    negativas, que possuem uma parede celular mais fina, e Gram-positivas, que possuem uma parece celular mais

    espessa.

    As bactrias Gram-positivas possuem uma parece celular composta de 50% ou mais, de um polmero

    poroso e insolvel muito resistente, chamado peptideoglicano e polissacardeos, formando uma camada muito entrelaada e resistente sobre a membrana citoplasmtica, conforme mostrado na Figura 2.6a.

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    Figura 2.6: Representao esquemtica da estrutura da parede celular e membranas das clulas procariticas (Pelczar et al.,1997)

    J a parede celular das bactrias Gram-negativas possui uma quantidade menor de peptideoglicano na

    sua composio (de 5 a 10%), porm recoberta por uma membrana externa, que possui uma constituio muito parecida com a membrana citoplasmtica, ou seja, uma bicamada fosfolipdica, acrescida de protenas

    e ainda lipopolissacardeos. Esta membrana externa fica ancorada na camada de peptideoglicano atravs de

    lipoprotenas, (Figura 2.6b). A membrana externa das bactrias Gram-negativas serve como barreira seletiva

    para a entrada de substncias na clula e tambm est relacionada com os efeitos nocivos causados por essas

    bactrias, uma vez que causam efeito txico a alguns animais infectados.

    Flagelos e plos:

    Estrutura encontradas nas partes externas parece celular, os flagelos e os plos, so estruturas finas

    que se estendem a partir da membrana citoplasmtica. Os flagelos so mais compridos e com forma helicoidal,

    tendo a funo de propulso da clula, permitindo que as bactrias se movimentem no meio. Nem todas as

    bactrias possuem flagelos, sendo estes mais freqentemente encontrados em bacilos e espirilos. O tamanho e

    a quantidade de flagelos de uma bactria variam com a espcie.

    J os plos so menores que os flagelos e mais numerosos, particularmente encontrados nas bactrias

    Gram-negativas. So encontrados diferentes tipos de plos, sendo que cada tipo associado a funes

    caractersticas tais como reproduo sexual (plo F) e adeso celular nas superfcies de outras clulas

    hospedeiras (infeces).

    Glicoclice

    Consiste de uma camada viscosa composta de polissacardeos que circunda algumas espcies de

    bactrias. Esta camada viscosa pode ser organizada e acoplada firmemente parede celular, formando uma

    (a) (b)

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    cpsula, ou ento, apresentar-se desorganizada e sem forma, fracamente ligada clula, formando uma camada limosa. O glicoclice tem como funes a facilitao da aderncia da clula em superfcies de difcil aderncia

    e de grande movimentao, o aumento da proteo da clula contra a desidratao, evitar a adsoro e lise por

    bacterifagos (vrus que atacam as bactrias) e ainda protegem as bactrias contra o ataque das clulas de

    defesa dos animais.

    Regio citoplasmtica

    O citoplasma o material interno da clula, composto de gua (80%), protenas, carboidratos, lipdeos

    e cidos nuclicos, alm de ons orgnicos e muitos compostos e partculas de baixo peso molecular. no

    citoplasma das bactrias que as reaes enzimticas vitais acontecem, desde a degradao de compostos

    nutrientes at a sntese das protenas e cidos nuclicos. Na regio citoplasmtica esto presentes ainda

    algumas estruturas tpicas, indispensveis para a vida da clula, tais como: 1) os ribossomos, que so partculas densas onde ocorre a sntese de protenas, podendo ser encontrados dispersos no citoplasma ou

    ento associados estrutura da membrana citoplasmtica; 2) corpos de incluso, que so depsitos de substncias presentes no citoplasma das clulas. Podem conter reservas de energia e carbono, como o caso

    dos poli-hidroxialcanoatos (PHA), polmeros de material lipdico e os grnulos de glicognio e enxofre.

    Regio nuclear:

    As bactrias no possuem uma membrana nuclear, ento o material gentico (DNA) da clula fica

    tambm disperso no citoplasma na poro mais central da clula, agrupado numa estrutura chamada

    cromossomo, que nico e circular. o cromossomo que carrega a informao hereditria da clula e sempre

    que a clula for se dividir, esse material previamente duplicado.

    2.3.2. Organismos eucariotos: As clulas de organismo eucariotos diferem das clulas procariticas quanto ao tamanho e quanto a

    sua complexidade. Como j mencionado anteriormente, as clulas eucariticas evoluram do mesmo ancestral

    comum que as procariticas, porm por caminhos diferentes. Os eucariotos atuais so organismos formados

    por uma ou mais clulas oriundas da incorporao de uma bactria por uma clula eucaritica primitiva, durante

    o perodo evolucionrio. Essa simbiose permitiu que hoje as clulas eucariticas possussem a capacidade de

    respirar ou realizar a fotossntese, atravs de organelas chamadas mitocndria e cloroplastos, respectivamente.

    Alm dessas organelas, as clulas eucariticas possuem outras, conforme a Figura 2.7, que no

    existem nas clulas procariticas, e ainda possuem uma carioteca, uma membrana que delimita o ncleo, que

    a caracterstica principal dos eucariotos.

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    Figura 2.7: Estrutura esquemtica de uma clula eucaritica (Adaptado de

    http://www.phschool.com/science/biology_place/biocoach/images/cells

    Alguns dos organismos eucariticos so microrganismos, assim como os procariotos, como as algas,

    fungos e protozorios. Outros so organismos mais complexos e acabam por constituir todas as outras

    espcies de animais e vegetais encontradas na Terra.

    Algumas das estruturas encontradas nas clulas procariticas tambm so encontradas nas

    eucariticas, e muitas vezes com a mesma funo.

    Flagelos e clios:

    Assim como as bactrias, alguns organismos eucariticos tambm possuem estruturas externas

    membrana citoplasmtica e parede celular, que permitem sua locomoo. Muitos protozorios e algas

    unicelulares utilizam os flagelos, que se movimentam em zigue-zague, impulsionando as clulas. Outras clulas

    possuem clios, que so menores e mais numerosos, e movimentam-se em um movimento coordenado a fim de

    movimentar a clula em meios fluidos.

    Parede celular

    A parede celular uma estrutura mais externa que a membrana citoplasmtica, e est presente em

    algumas clulas eucariticas, tais como nas plantas, nas algas e nos fungos. Tem, como nos procariotos, a

    funo de manter a forma e proteger a clula. As paredes celulares de plantas, algas e fungos, diferem umas

    das outras e tambm diferem da parede celular dos procariotos, tanto na sua composio qumica quanto na

    sua estrutura fsica. Nas plantas a parede celular formada principalmente de celulose e pictina. Nos fungos a

    parede celular contm quitina e celulose e nas algas podem ser formadas por celulose ou at carbonato de

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 28

    clcio. Nas clulas eucariticas tambm no so encontrados peptidoglicanos na formao da parede celular,

    como ocorre com os procariotos.

    Membrana citoplasmtica

    Assim, como os procariotos, as clulas de organismos eucariticos tambm possuem a membrana

    citoplasmtica, uma bicamada fosfolipdica semipermevel, na forma de mosaico fluido, estrutura na qual

    muitas protenas ficam inseridas parcial ou totalmente, conforme mostra a Figura 2.5.

    Existem, no entanto, algumas diferenas entre a membrana citoplasmtica de eucariotos e de

    procariotos. Nos eucariotos, alm das fosfolipdeos e das protenas, encontram-se tambm esteris,

    principalmente o colesterol, entrelaados na bicamada lipdica, conferindo resistncia membrana. Nos

    organismos que no possuem parede celular, a membrana citoplasmtica reforada por fibras de actina e

    miosina.

    Organelas celulares

    As organelas celulares so estruturas especializadas na realizao de funes especficas, tais como

    fotossntese, respirao, transporte de substncias, entre outras. As organelas so delimitadas por membranas

    e localizam-se na regio citoplasmtica da clula. O citoplasma dos eucariotos diferente daquele dos

    procariotos, possuindo uma extensa rede de microtbulos e estruturas proticas que constituem o citoesqueleto

    das clulas, o que lhe confere forma e d maior proteo s clulas.

    Ncleo: O ncleo dos eucariotos delimitado por uma membrana dupla membrana nuclear que se assemelha a duas membranas citoplasmticas juntas. A membrana nuclear muito porosa, o que permite que

    molculas complexas como protenas e RNA passem de um lado para o outro. O ncleo tem a forma oval ou

    circular e contm toda a informao gentica do organismo na forma de fitas duplas de DNA, que so

    organizadas em cromossomos. O ncleo o local onde ocorrem as snteses do RNAs (mensageiros,

    ribossmicos e transportadores) a partir da mensagem codificada no DNA. A partir da membrana nuclear

    segue-se o retculo endoplasmtico.

    Retculo endoplasmtico: O retculo endoplasmtico (RE) consiste de uma rede de tbulos e bolsas

    achatadas que se conectam membrana nuclear e

    membrana citoplasmtica, como mostra a Figura 2.8.

    Esta complexa rede a responsvel pelo transporte

    de molculas atravs da clula. Existem dois tipos de

    retculos endoplasmticos, o liso e o rugoso. O RE

    rugoso est envolvido na sntese de protenas, com

    ribossomos acoplados ao longo de sua extenso. As

    protenas recm sintetizadas podem ento ser

    liberadas no citoplasma, ou ser enviadas, atravs do

    RE, para diversas partes da clula. J o RE liso, que Figura 2.8: Retculo endoplasmtico

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 29

    no possui ribossomos acoplados, est relacionado com a sntese de glicognio, lipdeos e esterides. A

    quantidade de RE liso existente em uma clula pode variar, dependo da funo que esta clula desempenha no

    organismo.

    Complexo de Golgi: O complexo de Golgi uma organela composta de bolsas achatadas e vesculas,

    Figura 2.9: Complexo de Golgi

    Conforme apresentado na Figura 2.9. Funciona como uma central

    de empacotamento da clula. Sua funo empacotar todas as

    substncias produzidas pela clula e que precisam ser enviadas

    para o exterior, assim como envolver as enzimas da clula

    (proteases, lipases, glicosidades, entre outras) para que estas

    no atuem sobre a prpria clula em situaes inoportunas,

    formando organelas chamadas lisossomos.

    Mitocndria: As mitocndrias so as organelas celulares responsveis pela produo de energia para

    a clula, atravs da respirao aerbia. A energia, na forma de ATP, produzida na mitocndria necessria na

    sntese de biomolculas teis para a clula e no transporte ativo de substncias atravs da membrana

    citoplasmtica. A mitocndria o resultado da

    incorporao de uma bactria aerbia, por uma clula

    eucaritica primitiva, segundo a teoria

    endossimbintica. Sua forma cilndrica e formada

    por duas membranas, uma externa, que delimita a

    organela e outra interna, muito invaginada, como

    apresentado na Figura 2.10, onde ocorre a produo

    de energia (ATP). As mitocndrias possuem seus

    Figura 2.10: Mitocndria

    prprios ribossomos e seu prprio DNA, que carrega a informao para a sntese de um nmero limitado de

    protenas, que esto relacionadas com as atividades da mitocndria. Elas podem tambm se dividir dando

    origem a novas mitocndrias independente da diviso da clula.

    Cloroplasto: Os cloroplastos so organelas que possuem a mesma funo das mitocndrias, ou seja,

    Figura 2.11: Cloroplasto

    produo de energia (ATP). Porm so encontrados em

    organismos que realizam fotossntese, na qual a luz utilizada

    como fonte de energia para a sntese de ATP para a clula.

    Como as mitocndrias, tm sua origem explicada pela simbiose

    de uma clula eucaritica primitiva e uma bactria

    fotossintetizante. Como ilustrado na Figura 2.11, o cloroplasto

    tem a forma de um pepino, circundado por uma dupla membrana.

    No seu interior encontram-se um DNA circular, que codifica para

    algumas protenas, e os ribossomos do cloroplasto. A membrana

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    Captulo 2 - A Clula Procariotos e Eucariotos 2005 Serpa e Porto 30

    interna se dobra vrias vezes para formar bolsas,chamadas tilacides, que contm os pigmentos clorofila e carotenides usados na fotossntese.

    Leitura Recomendada: 1. PELCZAR, Michael Joseph; CHAN, Eddie Chin Sun; KRIEG, Noel R. Microbiologia: conceitos e aplicaes. 2. ed. So Paulo: Makron Books, 1997.

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    Captulo 3 - O funcionamento das clulas. 2005 Serpa e Porto 31

    3. O funcionamento das clulas

    A maioria dos constituintes celulares so compostos de carbono, hidrognio, oxignio e nitrognio que,

    devido s muitas possibilidades de ligao do carbono, podem ser molculas pequenas, com massa molecular

    baixa, ou molculas gigantescas, com grande massa molecular, como as protenas e os cidos nuclicos.

    Estas molculas, organizadas de modo a seguir as leis da qumica, interagem entre si atravs de

    reaes bioqumicas, onde molculas so decompostas para que sua energia e matria sejam aproveitadas

    para a sntese de outras molculas, e estas por sua vez acabam por formar a clula, em todas as suas

    organelas e membranas.

    A maquinaria que permite que molculas sem vida (pr ex. protenas, cidos nuclicos, lipdeos, entre

    outros) venham a formar um ser vivo capaz de se manter e de se multiplicar, muito complexa, porm,

    totalmente coerente com as leis da termodinmica e da qumica.

    3.1. Energia para a clula

    Para que a vida seja possvel, as clulas vivas precisam realizar trabalho. Este trabalho, na forma

    qumica, utilizado na sntese de compostos celulares, no transporte de substncias atravs das membranas,

    na manuteno da presso osmtica da clula, no movimento celular, entre outros.

    Na clula, a energia para estes processos extrada, canalizada e consumida atravs de reaes

    bioqumicas, onde a energia resultante de reaes exergnicas1 da degradao de substratos canalizada para tornar possveis as reaes endergnicas2 de sntese de compostos que no se processariam espontaneamente, como ilustrado na Figura 3.1.

    Figura 3.1: Relao entre degradao e sntese de compostos pela clula

    (Adaptado de Pelczar et al., 1997)

    1 Reaes onde os produtos possuem menor energia livre do que os reagentes. G negativo. 2 Reaes onde os produtos possuem maior energia livre do que os reagentes. G positivo.

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    Captulo 3 - O funcionamento das clulas. 2005 Serpa e Porto 32

    Imagine a situao apresentada na Figura 3.2. Uma reao qumica do tipo A B C onde a primeira reao endergnica (G positivo) e a segunda exergnica (G negativo), conforme apresentado no grfico.

    Figura 3.2: Reao qumica A B C

    (Adaptado de Lenhinger et al.,1995)

    A variao de energia total da reao (A C) a soma aritmtica das energias livres de cada reao. Para que as reaes sejam possveis, necessrio que esta soma seja negativa, ou seja, a reao total seja

    exergnica.

    As reaes neste sistema esto acopladas, uma

    vez que o produto de uma reao o reagente da outra.

    Este acoplamento de uma reao endergnica com

    outra exergnica a base das reaes bioqumicas que

    ocorrem nas clulas vivas.

    As clulas vivas podem usar duas estratgias

    para obter energia livre do meio:

    1) Os quimiotrficos utilizam-se de componentes qumicos do meio (compostos orgnicos e

    inorgnicos), extraem a energia livre destes

    componentes, atravs de reaes exergnicas e

    transferem esta energia para reaes endergnicas

    acopladas s primeiras;

    2) Os fototrficos utilizam a energia absorvida da luz solar para a realizao de reaes fotoqumicas

    exergnicas, que esto acopladas a reaes

    endergnicas.

    Figura 3.3: Fluxo de energia qumica na clula (Adaptado

    de Pelczar et al.,1997)

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    Captulo 3 - O funcionamento das clulas. 2005 Serpa e Porto 33

    As clulas capturam, armazenam e transportam energia livre na forma qumica. A principal molcula

    altamente energtica que atua como intermedirio nas reaes bioqumicas dos organismos, servindo como um

    carreador de energia o trifosfato de adenosina, ou adenosina trifosfato (ATP). O ATP , por isso, considerado um tipo de moeda energtica de troca entre as reaes.

    O ATP transporta a energia entre as vias metablicas acoplando as reaes exergnicas de catlise de

    compostos orgnicos energticos com as reaes endergnicas de sntese dos compostos celulares.

    A alta energia do ATP devida ao seu grupo fosfato terminal, que transferido a uma variedade de

    molculas receptoras que so assim ativadas para sofrerem outras transformaes qumicas. A molcula

    resultante, adenosina difosfato (ADP) ento reciclada em outras reaes exergnicas, voltando a ser ATP.

    Este ciclo ento se repete, constituindo o principal fluxo de energia qumica dentro da clula, conforme

    apresentado na Figura 3.3

    3.2. Transporte de substncias atravs da membrana celular

    As membranas celulares so fundamentais para a vida nas clulas. A membrana plasmtica envolve a

    clula, definindo seus limites e mantendo as diferenas essenciais entre o citoplasma e o meio externo. As

    clulas eucariticas possuem ainda organelas especializadas como o retculo endoplasmtico, o complexo de

    Golgi, as mitocndrias entre outras que so envolvidas por membranas para manter sua funcionabilidade.

    A bicamada lipdica das membranas no miscvel com o lquido extracelular nem com o lquido

    intracelular. Desta forma ela constitui uma barreira para a passagem de molculas de gua e outras

    substncias do meio externo para o meio interno da clula e vice-versa e tambm entre os diversos

    compartimentos celulares. Porm cada clula viva necessita adquirir do meio onde se encontra os compostos

    energticos necessrios para a biossntese e a produo de energia, assim como precisa liberar para o meio

    alguns produtos do seu metabolismo, esse conjunto de reaes bioqumicas que sustenta a vida.

    Estas passagens de ons, nutrientes e metablitos ocorrem atravs da difuso direta pela camada

    lipdica, principalmente com substncias lipossolveis, ou ento atravs de canais especficos, constitudos por

    protenas, presentes na membrana.

    As diferentes protenas presentes na membrana agem de forma distinta no transporte das substncias.

    Algumas protenas atravessam totalmente a bicamada lipdica, constituindo assim um canal aquoso que

    permitem o movimento livre de gua, ons e outras molculas hidrossolveis. Outras, por sua vez unem-se a

    ons e molculas que vo ser transportados e, a seguir, vo sofrendo transformaes conformacionais, devidas

    presena da substncia, fazendo com que a molcula ou on se movimente dentro da camada lipdica,

    passando de um lado ao outro da membrana. Estas protenas so chamadas protenas transportadoras ou carreadoras. Os dois tipos de protenas, as que formam canais e as transportadoras, so em geral seletivos a um tipo de on ou molcula.

    Nas membranas celulares existem basicamente dois tipos de transporte: a difuso e o transporte ativo. Atravs de um desses processos as molculas de gua, metablitos, nutrientes e os ons atravessam a bicamada lipdica de um lado ao outro da membrana (Figura 3.4).

  • Introduo Engenharia Genmica

    Captulo 3 - O funcionamento das clulas. 2005 Serpa e Porto 34

    Existem algumas variaes desses mecanismos, mas de um modo geral so esses dois tipos que

    ocorrem na clula. A difuso a passagem de molculas ou ons atravs da membrana, seja por espaos

    intermoleculares atravs das camadas lipdicas, seja por protena formadora de canal ou por protena

    transportadora. A energia que causa esse processo a energia do movimento cintico (trmico) normal da

    matria, obedecendo a um gradiente de concentrao da substncia.

    Figura 3.4 Tipos de transportes atravs de membranas.

    O transporte ativo s possvel se for mediado por uma protena transportadora que movimenta ons e

    molculas atravs da membrana, contra gradientes de concentrao. Essa movimentao exige por sua vez a

    utilizao de energia adicional, em geral na forma de ATP, alm da energia cintica para que ocorra o

    movimento.

    3.3. Metabolismo Celular

    Uma vez dentro da clula os nutrientes e ons comeam a fazer parte de milhares de reaes qumicas,

    que acontecem ao mesmo tempo dentro de cada uma das clulas vivas. O arranjo destas reaes embora

    muito complexo revela uma extrema sincronia entre cada uma delas, de modo que a clula consiga obter a

    energia ou os componentes desejados da melhor maneira possvel e com pouco desperdcio.

    Embora sejam muitas as reaes qumicas que ocorrem nas clulas, so poucos os tipos de reaes,

    que normalmente so simples e mediadas por enzimas, que atuam como catalisadores biolgicos, diminuindo a energia de ativao das reaes, e facilitando sua ocorrncia. So tambm as enzimas que ao se ligarem

    com molculas de ATP, promovem a transferncia da energia qumica desta molcula para outras molculas

    que esto reagindo tambm ligadas enzima.

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    Captulo 3 - O funcionamento das clulas. 2005 Serpa e Porto 35

    A primeira lei da Termodinmica diz que a energia no pode ser nem criada nem destruda, apenas

    transformada. Seguindo este princpio, as clulas obtm a energia do meio ambiente e a transforma de tal

    modo que possam utiliz-la para as diversas funes celulares.

    Os organismos fototrficos utilizam-se da energia solar para converter complexos pobres em energia

    em molculas mais complexas. J os quimiotrficos, obtm a energia atravs da oxidao de substncias

    qumicas. Ao conjunto de reaes bioqumicas que envolvem a degradao e a sntese de compostos pela

    clula, d-se o nome de metabolismo celular. Existem muitos caminhos pelos quais as reaes metablicas podem seguir, que comeam com uma

    molcula em particular sendo convertida a outras molculas intermedirias, numa seqncia de reaes

    definida e regulada, chamados vias metablicas. O arranjo entre estas vias inclui a transferncia de energia qumica (ATP) e a circulao de um nmero

    limitado de compostos intermedirios, que so elementos chaves das vrias vias metablicas e interligam todas

    as reaes, tanto de degradao como de sntese, conforme a Figura 3.4.

    Figura 3.4: Vias metablicas (www.genome.ad.jp/kegg)

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    Captulo 3 - O funcionamento das clulas. 2005 Serpa e Porto 36

    As vias metablicas so interdependentes e suas atividades so reguladas de forma a deix-las em

    sintonia com o estgio de crescimento e atividade em que a clula se encontra.

    Podemos dividir o metabolismo celular em duas classes de reaes: 1) reaes de degradao de

    substrato para a obteno de energia, chamadas em conjunto de catabolismo, e 2) reaes de sntese de compostos celulares que necessitam de energia, chamadas em conjunto de anabolismo.

    Na primeira classe, as reaes transformam o combustvel (substrato) em energia disponvel. Constituem assim as reaes catablicas, e podem ser generalizadas da seguinte forma:

    2 2( , , ...)Catabolismocombustvel carboidrato gorduras CO H O energia + +

    As reaes de sntese, chamadas de reaes anablicas, so reaes do tipo endergnicas e, portanto,

    necessitam de energia para que ocorram. Podem ser generalizadas na forma:

    Anabolismoenergia molculas simples molculas complexas+

    Observe que a energia, na forma de ATP, o elo qumico entre o catabolismo e o anabolismo. Sua

    converso exergnica em ADP + fosfato est presente em um grande nmero de reaes bioqumicas e

    processos endergnicos. Nesta converso o grupo fosfato transferido para o substrato ou para a enzima que

    est mediando a reao, transferindo assim a energia de uma reao para a outra e possibilitando que as

    reaes endergnicas ocorram.

    O metabolismo celular composto de muitas vias metablicas, que incluem todas as vias de

    degradao de substratos (carboidratos, lipdeos, protenas, etc) e as vias de sntese de todos os compostos

    essenciais vida da clula. Destas inmeras vias, destacam-se algumas, que merecem um estudo mais

    detalhado, justamente por se tratarem do que se conhece como Vias do Metabolismo Central da Clula, que incluem as reaes bsicas para degradao da glicose, principal substrato para a maioria das clulas

    quimiotrficas, e as reaes de formao de ATP e de muitos compostos intermedirios importantes para as

    reaes de sntese celular. Destas, merecem destaque a Gliclise, o Ciclo dos cidos Tricarboxlicos, as vias de sntese de alguns metablitos e a Cadeia Transportadora de Eltrons, que onde ocorre a sntese de ATP.

    Leitura Recomendada: 1. MATHEWS, Christopher K; VAN HOLDE, K E; AHERN, Kevin G. Biochemistry. 3. ed. So Francisco:

    Addison Wesley Longman, 1999.

    2. LEHNINGER, Albert L; NELSON, David L.; COX, Michael M. Princpios de bioqumica. 3. ed. So Paulo: Sarvier, 2002.

    3. PELCZAR, Michael Joseph; CHAN, Eddie Chin Sun; KRIEG, Noel R. Microbiologia: conceitos e aplicaes. 2. ed. So Paulo: Makron Books, 1997.

    4. BERG, Jeremy M.; TYMOCZKO, John L.; STRYER, Lubert. Biochemistry. New York: W. H. Freeman and Co., 2002.

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    Captulo 4 Principais vias metablicas 2005 Serpa e Porto 37

    4. Principais Vias Metablicas

    Uma clula viva necessita de energia para manter suas funes vitais, e para isso utiliza-se de

    uma maquinaria complexa, formada de organelas celulares onde ocorre uma srie de transformaes

    qumicas, tanto de degradao como de sntese de compostos orgnicos e inorgnicos. Essas reaes

    qumicas so na sua grande maioria mediadas por enzimas que devido sua conformao espacial

    possuem stios de ligao especficos para determinados substratos e outras molculas, fazendo com

    que os reagentes se aproximem de tal forma a permitir que as reaes qumicas ocorram. Nota-se,

    portanto, que a organizao destas reaes, para que ocorram no lugar certo, no tempo certo, e ainda

    evitando desperdcios bastante complexa.

    A compreenso da seqncia destas reaes, bem como sua localizao na clula e sua

    regulao so o objeto de estudo dos bioqumicos h muitos anos. Muitas so as vias metablicas

    existentes em uma clula e a maioria sofre alteraes de um organismo para o outro. Porm, as vias

    metablicas do Metabolismo Central, ou seja, aquelas que envolvem a degradao da glicose para obteno de energia e compostos intermedirios para as snteses, foram muito conservadas ao longo da

    evoluo e podem ser encontradas tanto em bactrias como em humanos, com algumas pequenas

    alteraes.

    4.1. Gliclise

    Os organismos vivos podem utilizar uma ampla variedade de substratos para a obteno de

    energia qumica, incluindo compostos orgnicos e inorgnicos. Muitos, incluindo o homem e algumas

    bactrias de interesse industrial, utilizam-se de monossacardeos, especialmente a glicose, como fonte

    de energia e de carbono para a sua manuteno. Existem muitas vias de degradao da glicose, porm a

    mais comum a Gliclise, que encontrada em muitos microrganismos, animais e plantas. Na gliclise uma molcula de glicose degradada por uma srie de reaes catalticas mediadas

    por enzimas, resultando em duas molculas de piruvato, que um importante intermedirio de outras

    vias. A energia contida nas ligaes qumicas que so quebradas fica retida sob a forma de ATP

    disponvel para a clula. Durante as reaes da gliclise bem como em outras vias metablicas,

    molculas de um cofator chamado NAD (nicotinamida adenina dinucleotdeo) so reduzidas a NADH que

    numa etapa futura sero precursores na formao de outras molculas de ATP (Figura 4.1).

    Nota-se tambm que a gliclise possui duas fases distintas. Inicialmente para ativar e rearranjar a

    molcula de glicose so gastas duas molculas de ATP, para fosforilar a glicose e a frutose, de modo a

    deixar a molcula mais instvel e favorecer a quebra da molcula de frutose 1,6-bifosfato (6C) em uma

    molcula de gliceraldedo 3-fosfato (3C) e outra de diidroxicetona-fosfato (3C), que se apresentam em

    equilbrio dinmico. Nesta primeira etapa ento, h um investimento de energia pela clula que, porm,

    compensado na segunda etapa onde essas molculas passam por outras reaes que resultam na

    formao de quatro molculas de ATP e duas molculas de NADH para cada molcula de glicose inicial.

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    Assim, a gliclise uma via metablica que possui um saldo positivo de 2 ATP e 2 NADH, terminando

    com a formao de 2 molculas de piruvato.

    Figura 4.1: Gliclise

    (Adaptado de http://tina.bu.edu/rmh/BookBackup/Wiley/figures/Glycolysis/ch15_glycolysis-cmutexas.jpg)

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    Captulo 4 Principais vias metablicas 2005 Serpa e Porto 39

    A regulao desta via metablica ocorre de trs maneiras. A primeira regulao ocorre j na

    primeira reao, catalisada pela enzima hexoquinase, que fosforila a glicose a glicose 6-fosfato. Quando a concentrao de glicose 6-fosfato aumenta no interior da clula, a enzima inibida alostericamente, ou

    seja, a glicose 6-fosfato se liga enzima mudando a sua conformao espacial e diminuindo sua

    atividade. A segunda regulao ocorre devido ao aumento da concentrao de ATP na clula, que inibe

    alostericamente a enzima piruvato quinase, que catalisa a reao de transferncia do grupo fosfato do fosfoenolpiruvato para o ADP, resultando em ATP e piruvato. Alm destas duas regulaes internas da

    gliclise ela ainda pode ser regulada, de forma mais complexa, atravs da enzima fosfofrutoquinase-1,

    que catalisa a formao de frutose 1,6-bifosfato, que inibida alostericamente por ATP, citrato (um

    intermedirio de outra via metablica), e tambm pode ser ativada pela