apostila do estado do tocantins

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EmancipaoO Estado do Tocantins foi criado no dia 5 de outubro de 1988, com a promulgao da oitava Constituio Brasileira. A conquista foi resultado de uma luta que comeou no sculo XIX e culminou com um projeto de lei do ento deputado federal Jos Wilson Siqueira Campos, aprovado pelo Congresso Nacional, em 1985, aps ter sido vetado em duas ocasies pelo presidente da Repblica, Jos Sarney, que considerava o plano oneroso e desprovido de interesse pblico. A luta pela autonomia do Estado sempre foi um desejo antigo do povo do ento norte de Gois. J em 1821, o desembargador Joaquim Theotnio Segurado rebelara-se contra o isolamento imposto na regio, proclamando o Governo Autnomo do Tocantins. Apesar da pouca durao desse governo, a iniciativa serviu para espalhar o sentimento separatista entre a populao. Mais tarde, em 1920, a diviso entre o norte e o sul de Gois foi novamente defendida por Jos Pires do Rio, ministro da Viao e Obras Pblicas do presidente Rodrigues Alves. A idia foi bem recebida, mas no se materializou. A luta recente pela emancipao do Tocantins foi personificada na figura de Siqueira Campos que, antes de conseguir a vitria na Constituinte, j havia apresentado a proposta diversas vezes ao longo de 18 anos em que atuara como deputado em Braslia (DF). Enquanto Siqueira Campos fazia gestes na esfera federal, a luta pela autonomia a Regio continuava com a mobilizao da populao pelas lideranas de Porto Nacional, Tocantinpolis, Natividade e outras localidades. Para dar nfase prioridade da emancipao, Siqueira Campos submete-se a uma greve de fome, determinado a ir s ltimas conseqncias. Como resposta, ele conseguiu a aprovao quase unnime no Congresso Nacional. A Capital Com a criao do Tocantins, era necessria uma Capital provisria at a aprovao da sede definitiva do Governo pela Assemblia Estadual Constituinte, e a cidade escolhida foi Miracema do Tocantins. J em novembro, foram realizadas as eleies para o legislativo e o executivo, sendo Jos Wilson Siqueira Campos eleito o primeiro Governador do mais novo Estado da Federao, tendo como vice, o juiz federal aposentado Darci Coelho. A capital definitiva, Palmas, foi instalada em 1 de janeiro de 1990 margem direita do rio Tocantins e com um plano diretor especialmente elaborado. Os poderes executivo, legislativo e judicirio foram transferidos de Miracema para a nova Capital, que nascia em terras cercadas pela Serra do Carmo e em menos de dois anos j atrara 30 mil pessoas vindas de todos os cantos do Pas em busca de oportunidades. Os negcios tomaram vulto, especialmente no ramo imobilirio e de construo civil. Palmas, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) conta com uma populao que ultrapassa 150 mil habitantes. a cidade que mais cresce no Pas.

GeografiaO Estado do Tocantins est localizado no Centro Geodsico do Brasil, e possui uma rea de 278.420,7 Km2. Com uma populao de 1.157.098 (IBGE 2000), o Estado faz divisa com seis Estados: Par, Maranho, Piau, Bahia, Mato Grosso e Gois. Por estar em uma rea de transio, apresenta caractersticas climticas e fsicas tanto da Amaznia Legal quanto na zona central do Brasil, com duas estaes: seca e chuvosa. O clima tropical e a vegetao predominante o cerrado, que cobre 87,8% da rea total do Estado. O restante ocupado por florestas. O relevo tocantinense formado por depresses na maior parte do territrio, planaltos a Sul e Nordeste, e plancies na regio central. O ponto mais elevado a Serra Traras (1.340 metros). O Tocantins dono de muitas belezas naturais, entre elas a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo, localizada na regio sudoeste do Estado, onde tambm esto o Parque Nacional do Araguaia e o Parque Nacional Indgena. 1 / 49

A maior bacia hidrogrfica totalmente brasileira tambm est localizada no Estado - a bacia do rio Tocantins - Araguaia com uma rea superior a 800.000 km2. Seu principal rio formador o Tocantins, cuja nascente localiza-se no estado de Gois, ao norte da cidade de Braslia. Dentre os principais afluentes da bacia Tocantins - Araguaia, destacam-se os rios do Sono, Palma e Manuel Alves, todos localizados na margem direita do rio Araguaia.

HistriaApresentao "O que ser toda essa riqussima regio no dia em que tiver transporte fcil pelo rio, ou uma boa rodovia ligando todos esses ncleos de civilizao. E sonhamos... com as linhas areas sobrevoando o Tocantins, vindo ter a ele ou dele saindo para os diversos quadrantes. As rodovias chegando a Palma, a Porto Nacional, a Pedro Afonso, a Carolina, a Imperatriz, vindos de beira mar! O trfego imenso que a rodovia Belm do Par - Imperatriz - Palma teria, se aberta ! (...) E pensamos: quantas geraes passaro antes que este sonho se realize! (...) mas tudo vem a seu tempo!" (Lysias Rodrigues) J sonhava Lysias Rodrigues na dcada de quarenta quando defendia a criao do territrio do Tocantins. E o tempo chegou ! Foi criado pela Constituio de 1988 o Estado do Tocantins. Sua capital no a Palma de que fala Lysias mas Palmas em homenagem a esta, a vila da Palma, antiga sede da Comarca do Norte. E as rodovias e linhas areas j vm e saem do Tocantins "para diversos quadrantes". Muitas geraes compartilharam o sonho de ver o norte de Gois independente. Esse sentimento separatista tinha justificativas histricas. Os nortistas reclamavam da situao de abandono, explorao econmica e descaso administrativo e no acreditavam no desenvolvimento da regio sem o seu desligamento do sul.

O norte de GoisO norte de Gois deu origem ao atual Estado do Tocantins. Segundo Parente (1999) esta regio foi interpretada sob trs verses. Inicialmente norte de Gois foi denominativo atribudo somente localizao geogrfica dentro da regio das Minas dos Goyazes na poca dos descobrimentos aurferos no sculo XVIII. Com referncia ao aspecto geogrfico essa denominao perdurou por mais de dois sculos, at a diviso do Estado de Gois, quando a regio norte passa a ser o Estado do Tocantins. Num segundo momento, com a descoberta de grandes minas na regio, o norte de Gois passou a ser conhecido como uma das reas que mais produziam ouro na capitania. Esta constatao despertou o temor ao contrabando que acabou fomentando um arrocho fiscal maior que nas outras reas mineradoras. Por ltimo, o norte de Gois passou a ser visto, aps a queda da minerao, como sinnimo de atraso econmico e involuo social, gerador de um quadro de pobreza para a maior parte da populao. Essa regio foi palco primeiramente de uma fase pica vivida pelos seus exploradores que "em quinze anos abrem caminhos e estradas, vasculham rios e montanhas, desviam correntes, desmatam e limpam regies inteiras, rechaam os ndios e exploram, habitam e povoam uma rea imensa...." (PALACIN, 1979, p. 30). Descoberto o ouro a regio passa, de acordo com a poltica mercantilista do sculo XVIII, a ser incorporada ao Brasil. O perodo aurfero foi brilhante, mas breve. E a decadncia, quase sem transio, sujeitou a regio a um estado de abandono. Foi na economia de subsistncia que a populao encontrou mecanismos de resistncia para se integrar economicamente ao mercado nacional. Essa integrao, embora lenta, foi se concretizando baseada na produo agropecuria, que predomina at hoje e constitui a base econmica do Estado do Tocantins (PARENTE, 1999,p.96).

A economia do ouro 2 / 49

"(...) descobrimento, um perodo de expanso febril, caracterizado pela pressa e semi - anarquia; depois, um breve, mas brilhante, perodo de apogeu, e, imediatamente, quase sem transio, a sbita decadncia, prolongada, s vezes, como uma lenta agonia. Tal o ciclo do ouro"(PALACIN).

As descobertas de minas de ouro em Minas Gerais no ano 1690 e em Cuiab em 1718 despertaram a crena de que em Gois, situado entre Minas Gerais e Mato Grosso, tambm deveria existir ouro. Foi essa a argumentao, segundo Palacin (1979), da bandeira do Anhanguera, Bartolomeu Bueno da Silva (filho do primeiro Anhanguera que esteve com o pai na regio anos antes), para conseguir a licena do rei de Portugal a fim de explorar a regio. O Rei cedia a particulares o direito de explorao de riquezas minerais mediante o pagamento do quinto que "segundo ordenao do reino este era uma decorrncia do domnio real sobre todo o subsolo (...) o rei (...) no querendo realizar a explorao diretamente cedia a seus sditos este direito exigindo em troca o quinto do metal fundido e apurado a salvo de todos os gastos" (PALACIN, 1979, p. 46).

O controle das minasDesde quando ficou conhecida a riqueza aurfera das Minas de Goyazes, o governo portugus tomou uma srie de medidas para garantir para si o maior proveito da explorao das lavras. Foi proibida a abertura de novas estradas em direo s minas. Os rios foram trancados navegao. As indstrias proibidas ou limitadas. A lavoura e a criao inviabilizadas por pesados tributos: braos no podiam ser desviados da minerao. O comrcio foi "fiscalizado e vexado". E o fisco, insacivel na arrecadao. "S havia uma indstria livre: a minerao", concluiu Alencastre (1979, p.18), "(...) mas esta mesma sujeita capitao e censo, venalidade dos empregados de registros e contagens, falsificao na prpria casa de fundio, ao quinto (...) ao confisco por qualquer ligeira desconfiana de contrabando (...)". poca do descobrimento das Minas dos Goyazes vigorava o mtodo de quintamento nas casas de fundio. A das minas de Gois era em So Paulo. Para l que deveriam ir os mineiros para quintar seu ouro. Recebiam de volta, depois de descontado o quinto, o ouro fundido e selado com selo real. O ouro em p podia ser usado como moeda no territrio das minas, mas se sasse da capitania, tinha que ser declarado ao passar pelo registro e depois quintado, o que praticamente ficava como obrigao dos comerciantes. Estes, vendendo todas as coisas a crdito, prazo e preos altssimos acabava ficando com o ouro dos mineiros e eram os que, na realidade, canalizavam o ouro das minas para o exterior e deviam, por conseguinte, pagar o quinto correspondente.

A decadncia da produoA produo do ouro goiano teve nos primeiros dez anos de estabelecimento das minas (17261735) o seu apogeu, foi o perodo em que o ouro aluvional aflorava por toda a regio, resultando numa produtividade altssima. Quando se iniciou a cobrana do imposto de capitao em todas as regies mineiras, nesse momento, a produo comeou a cair " possvel afirmar que essa queda da produtividade est mascarada pelo incremento do contrabando - principalmente nessa regio que, infelizmente impossvel mensurar"(PARENTE, 1999, p.42). De 1752 a 1778 a arrecadao chegou a um nvel mais alto, o perodo da volta da cobrana do quinto nas casas de fundio. Mas a produtividade continuou decrescendo. O motivo dessa contradio era a prpria extenso das reas mineiras que compensava e excedia a reduo de produtividade. As distncias das minas do norte, os custos para levar o ouro e os perigos dos ataques indgenas aos mineiros justificaram a criao de uma casa de fundio em So Flix em 1754. Mas, j em 1797, foi transferida para Cavalcante "por no arrecadar o suficiente para cobrir as despesas de sua manuteno" (PARENTE, 1999, p. 51). A Coroa Portuguesa mandou investigar as razes da diminuio da arrecadao da Casa de Fundio de So Flix. Foram tomadas algumas providncias como a instalao de um registro, posto fiscal, entre Santa Maria (Taguatinga) e a vila do Duro (Dianpolis). Outra tentativa para reverter o quadro da arrecadao foi a organizao de bandeiras para tentar novos descobrimentos. Segundo Pvoa (1999) tem-se notcia do itinerrio de apenas duas. Uma dirigiu-

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se rumo ao Pontal (regio de Porto Real), pela margem esquerda do Tocantins e entrou em conflito com os Xerente, resultando na morte de seu comandante. A outra saiu de Traras (nas proximidades de Niquelndia, Gois) para as margens do rio Araguaia em busca dos Martrios, serra onde se acreditava existir imensas riquezas aurferas. Mas a expedio s chegou at a ilha do Bananal onde sofreu ataques dos Xavante e Java, dali retornando. No perodo de 1779 a 1822, ocorreu a queda brusca da arrecadao do quinto com o fim das descobertas do ouro de aluvio predominando a faiscagem nas minas antigas. Quase sem transio, chegou a sbita decadncia.

A crise econmicaO declnio da minerao foi irreversvel "arrastando consigo os outros setores a uma runa parcial: diminuio da importao e do comrcio externo, menos rendimentos dos impostos, diminuio da mo-de-obra por estancamento na importao de escravos, estreitamento do comrcio interno, com tendncia formao de zonas de economia fechada e um consumo dirigido pura subsistncia, esvaziamento dos centros de populao, ruralizao, empobrecimento e isolamento cultural" (PALACIN, 1979, p.133). Toda a capitania entrou em crise e nada foi feito para a sua revitalizao. Endividados com os comerciantes, os mineiros estavam descapitalizados. No investiu em tcnicas mais sofisticadas para a explorao do ouro nem resolveu o problema da falta de escravos. A avidez pelo lucro fcil, tanto das autoridades administrativas metropolitanas quanto dos mineiros e comerciantes, no admitiu perseveranas. O local onde no se encontrava mais o ouro ia sendo abandonado. "Os arraiais de ouro, que surgiam e desapareciam no Tocantins, nada nos legaram em benefcios de civilidade, a no ser o expansionismo geogrfico", concluiu Silva (1997, p. 41). Cada vez se adentrava mais para o interior procurando o ouro aluvional, mas as buscas foram em vo. Foi no norte da capitania que a crise foi mais profunda. Parente (1999) aponta os fatores determinantes. Isolada tanto propositadamente quanto geograficamente, essa regio sempre sofreu medidas que frearam o seu desenvolvimento. A proibio da navegao fluvial pelos rios Tocantins e Araguaia eliminou a maneira mais fcil e econmica de a regio atingir outros mercados consumidores das capitanias do norte da colnia. O caminho aberto que ligava Cuiab a Gois no contribuiu em quase nada para interligar o comrcio da regio com outros centros abastecedores visto que o mercado interno estava voltado ao litoral nordestino. Esse isolamento, junto com o fato de no se incentivar a produo agro-pecuria nas regies mineiras, tornava abusivo o preo de gneros de consumo e favorecia a especulao. A carncia de transportes, a falta de estradas e o risco freqente de ataques indgenas dificultavam o comrcio. Alm destas dificuldades o contrabando e a cobrana de pesados tributos contriburam para drenagem do ouro para fora da regio. Dos impostos, somente o quinto era remetido para Lisboa. Todos os outros (entradas, dzimos, contagens, etc.) eram destinados manuteno da colnia e da prpria capitania. "Para facilitar e agilizar a cobrana desses tributos, a capitania de Gois se dividia em duas (sul e norte), no momento de se repassarem as rendas, essa diviso no valia, o que beneficiava os arraiais mais prximos da sede do governo, localizados no sul, que faziam parte dos povoamentos nas rotas comerciais com as outras capitanias" (PARENTE, 1999, p.92). Isso explica por qu essa renda no ficava na regio de origem. Inviabilizadas as alternativas de desenvolvimento econmico devido falta de acumulao de capital e o atrofiamento do mercado interno, findo o ciclo da minerao, a populao se volta para a economia de subsistncia. Nas ltimas dcadas do sculo XVIII e incio do sculo XIX toda a capitania estava mergulhada numa situao de crise levando, diante desse quadro, os governantes goianos voltarem "suas atenes para as atividades econmicas que antes sofreram proibies, objetivando soerguer a regio da crise em que mergulhara" (PARENTE, 1999, p. 93).

A Subsistncia da populao e a integrao econmica"Realizada a transmutao, por toda a geografia de Gois na segunda dcada do sculo XIX, encontram-se carcaas de antigas povoaes mineiras outroras cheias de vida, o capim cresce nas ruas, a maior parte das casas abandonadas por seus habitantes se desmancham e at as igrejas, a comear por suas torres, vo caindo aos pedaos (...) O norte, sobretudo, foi mais de sculo em recuperar-se" (PALACIN). Finda a minerao, os aglomerados urbanos estacionaram ou desapareceram e grande parte da populao abandonou a regio. Os que permaneceram foram para zona rural e dedicaram-se criao de gado e agricultura, produzindo apenas algum excedente para aquisio de gneros essenciais (PALACIN, 1989, p.46).

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Toda a capitania entrou num processo de estagnao econmica. No norte o quadro de abandono, despovoamento, pobreza e misria foi descrito por muitos viajantes e autoridades que passaram pela regio nas primeiras dcadas do sculo XIX. Saint-Hilaire na divisa norte/sul da Capitania revelou: " exceo de uma casinha que me pareceu abandonada, no encontrei durante todo o dia nenhuma propriedade, nenhum viajante, no vi o menor trato de terra cultivada, nem mesmo um nico boi". Johann Emanuel Pohl, anos depois, passando pelo povoado de Santa Rita constatou ..." um lugar muito pequeno, em visvel decadncia .(...)Agora por no haver negros, por falta de braos, as lavras de ouro esto inteiramente descuradas e abandonadas". O Desembargador Theotnio Segurado, que mais tarde tornaria ouvidor da Comarca do Norte, em relatrio de 1806, deu conta das penrias em que vivia a regio em funo tanto do abandono como da falta de meios para contrapor esse quadro: "(...) A Capitania nada exportava; o seu comrcio externo era absolutamente passivo: os gneros da Europa, vindos em bestas do Rio ou Bahia pelo espao de 300 lguas, chegavam carssimos; os negociantes vendiam tudo fiado: da a falta de pagamentos, da as execues, da a total runa da Capitania". Diante dessa situao, a Coroa portuguesa tomou conscincia de que s atravs do povoamento, da agricultura, da pecuria e do comrcio com outras regies que a capitania poderia retomar o fluxo comercial de antes. Como sada para a crise voltaram-se as atenes para as possibilidades de ligao comercial com o litoral, atravs da capitania do Par, pela navegao fluvial dos rios Tocantins e Araguaia. "Voltar as atenes, naquele momento para essas vias de comunicao constitua-se numa necessidade premente da Capitania por no ser mais possvel manter gastos com o nico meio de transporte utilizado at ento - as tropas de animais - devido baixa produtividade das minas" (CAVALCANTE, 1999, p.39). As picadas, os caminhos e a navegao pelos rios Tocantins e Araguaia, todos interditados na poca da minerao para conter o contrabando, foram liberados desde 1782. Como efeito imediato o norte comeou a se relacionar com o Par, ainda que de forma precria e inexpressiva. Nas primeiras dcadas do sculo XIX, o Desembargador Theotnio Segurado j apontava a navegao dos rios Tocantins e Araguaia como alternativa para o desenvolvimento da regio atravs do estmulo produo para um comrcio mais vantajoso tanto no norte como em toda a Capitania, diferente do tradicionalmente realizado com a Bahia, Minas Gerais e So Paulo. Com esse fim props a formao de companhias de comrcio, o estmulo agricultura, o povoamento das margens desses rios oferecendo iseno por dez anos do pagamento de dzimos aos que ali se estabelecessem, e, aos comerciantes, concesso de privilgios na exportao para o Par. Com estas propostas chamou a ateno das autoridades governamentais para a importncia do comrcio de Gois com o Par, atravs dos rios Araguaia e Tocantins (CAVALCANTE, 1999, p.55). Foi ele prprio realizador de viagens para o Par incentivando a navegao do Tocantins. Destacou-se como um grande defensor dos interesses da regio quando foi Ouvidor da Comarca do norte. A criao dessa comarca visava promover o povoamento no extremo norte para fomentar o comrcio e a navegao dos rios Araguaia e Tocantins. Mas, s a partir dos anos 40 do sculo XIX que o poder pblico - tanto provincial quanto imperial investiu no sentido de explorar a navegao com fins comerciais. O governo imperial instalou na Provncia presdios e colnias militares e estabeleceu aldeamentos ao longo dos rios Araguaia e do Tocantins. "Os presdios incumbiam-se de afastar os ndios hostis, prover os navegantes de vveres e garantir apoio logstico navegao". Tambm buscaram atrair a populao no-ndia para as terras prximas a esses rios atravs da iseno fiscal por dez anos aos lavradores que ali se estabelecessem. Na linha do rio Tocantins no obtiveram sucesso no seu intento. O isolamento, as dificuldades de administrao e os ataques indgenas foram os principais empecilhos. "Os aldeamentos, sob a direo de padres capuchinos, promoviam a fixao dos ndios, tornando possvel utiliz-los como tripulao dos barcos que desciam rumo ao Par" (ROCHA, 1998, p59). Esses aldeamentos foram mais promissores na medida em que constituram, no norte, os ncleos iniciais de cidades como Tocantnia (antiga Piabanha), Pedro Afonso e Araguacema (antiga Santa Maria do Araguaia). Os esforos governamentais se concentraram principalmente no rio Araguaia na inteno de trazer tambm para os julgados do sul as vantagens do comrcio com o Par, visto que, " (...) as importaes de sal, ferro e manufaturas, via Bahia e Par, saam por um preo trs vezes menor do que os julgados do sul pagavam s importaes oriundas de So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro" (CAVALCANTE, 1999, p.39). Contudo, nem o aldeamento dos ndios, a formao de sociedades mercantis e a instalao da navegao a vapor no Araguaia no foram suficientes para viabilizar a comunicao dos julgados do sul com o Par. A navegao do Tocantins prosseguiu, embora cercada de imensos obstculos. Alm dos entraves naturais do prprio rio - cachoeiras e corredeiras - somavam-se os custos das viagens, a falta de suporte para as mesmas, a carncia de mo-de-obra para a navegao das embarcaes, o tempo gasto nas viagens e o perigo dos ataques indgenas.

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Obstculos que o poder pblico no conseguiu transpor como tambm no conseguiu suprir a ausncia de um produto exportvel que mantivesse a regio vinculada metrpole ou mesmo s outras Provncias mais desenvolvidas economicamente. A agricultura no alcanou um nvel de produo comercial por fatores ponderveis como o isolamento geogrfico em relao aos grandes centros produtores, as dificuldades dos meios de transportes e de comunicao, a inexistncia de mercados consumidores e as constantes ameaas de ataques da populao indgena. Plantava-se, portanto, o indispensvel para o consumo e para a aquisio de alguns produtos bsicos de importao como sal, plvora, etc. A pecuria, praticada de forma extensiva, predominou. A navegao prosseguiu, ento, sustentada pela perseverana dos comerciantes do norte. Se no atendeu aos propsitos de soerguer economicamente toda a regio, ela foi de vital importncia para a economia do norte na medida em que integrou o serto ao mercado de Belm, proporcionando um surto de desenvolvimento em vilas e povoados. No final do sculo XIX, saam botes, canoas, bateles e, mais tarde, barcos motorizados carregados de mercadorias como fumo, algodo, cana-de-acar, couro de boi, peles silvestres e carne seca, rumo a praa de Belm. De l, vinham as manufaturas, ferro e produtos do reino. Entrepostos comerciais, de onde eram redistribudas as mercadorias importadas de Belm e repassados os produtos sertanejos, transformaram-se em prsperas vilas como Porto Imperial (atual Porto Nacional), Pedro Afonso, So Pedro de Alcntara (Carolina-Ma) e Boa Vista (Tocantinpolis). Paralelamente, o gado tambm abriu caminhos para o interior do serto. "As pastagens naturais, ao norte, tornaram-se forte atrativo aos criadores de gado do Maranho e Piau que, ao longo do sculo XIX, se desenvolveram e alcanaram autonomia e maior expresso na regio. Duas foram as razes: `(...) a proximidade do norte e nordeste de Gois ao litoral norte e nordeste e, a segunda, em razo do declnio da explorao aurfera ter sido mais rpido na regio e, ainda, o incentivo geral da Coroa na concesso de sesmarias mais extensas aos interessados na atividade pecuria (...) "(CAVALCANTE, 1999, p.19). Sesmarias eram lotes de terra cedidos pela Coroa portuguesa. A pecuria praticamente determinou o processo de ocupao econmica da regio nos sculos XIX e XX.. J no final do sculo XVIII e por todo o sculo XIX multiplicaramse as fazendas de gado no norte. Sob o estmulo da pecuria surgiram agrupamentos humanos ruralizados, constitudos de vaqueiros, criadores e tropeiros. Da conjugao das vrias fazendas, originaram-se os ncleos urbanos. Araguatins, Lizarda, Ponte Alta do Bom Jesus, Silvanpolis, Taguatinga, Tocantinpolis e Nazar so exemplos de cidades do estado do Tocantins que nasceram de currais de gado. No sculo XX, as fazendas de gado j estavam consolidadas e revelaram um novo tipo de sociedade onde a criao de gado, apesar de dominante, no foi exclusiva. Nas prprias fazendas, desenvolveu-se a pequena lavoura para complemento alimentar. Alm de gado, criavam porcos, cabras e ovelhas. A caa e a pesca tambm eram atividades subsidirias. Alguns fazendeiros dividiam seu trabalho entre o campo e a cidade, onde residiam e estabeleciam comrcio onde vendiam querosene, cachaa, fumo em rolo, pimenta-do-reino, cravo-da-ndia, ervas, rapadura, acar grosso, sal, botes, novelo de linha, medicamentos diversos, etc. Os vaqueiros, constantemente, intercalavam seu trabalho no campo com a atividade de barqueiro no rio Tocantins. Eram vaqueiros e remeiros. Os filhos dos fazendeiros ricos ou iam estudar em Carolina, Porto Nacional, Salvador, Rio de Janeiro; ou permaneciam na tradio familiar com a criao de gado. 6 / 49

O intercmbio comercial dessa regio era maior com as praas de Belm, Maranho, Piau e Bahia. Eram vendidos couros de boi e peles silvestres (Par e Maranho), ltex de mangabeira (Belm e Bahia) e gado em p (Bahia e Piau). O sal vinha de Mossor (RN) via Barreiras e o caf, de Corumb de Gois. As transaes eram feitas a dinheiro ou base de permuta (SILVA, 1997, p. 89). Boa Vista, atual Tocantinpolis, possua a maior frota de barcos e era o maior centro urbano de todo o norte goiano na metade do sculo XIX. No sculo XX, perde para a pacata vila de Pedro Afonso que com o ltex da mangabeira (caucho) assume a liderana de emprio do serto, centralizando os negcios do Mdio Araguaia e Tocantins com a praa de Salvador, na Bahia (SILVA, 1997, p.75). Nos anos 20, 30 e 40 do sculo XX, a ocupao econmica do extremo norte e do Mdio Tocantins foi sustentada pelo extrativismo mineral e vegetal: o babau, o caucho e o cristal. Nas dcadas de 1940 e 1950, essa atividade continuou movimentando a economia regional e trouxe surto de prosperidade para algumas povoaes. Pium, Cristalndia, Arapoema e Xambio foram favorecidas com a explorao do quartzo (cristal de rocha) que ganhou mercado com a Segunda Guerra Mundial. Em Araguatins, o babau e o mogno aqueceram o comrcio da regio. O extrativismo, como fonte de renda, fez parte de uma poca urea na histria desses municpios. Nesse mesmo perodo, a instalao de charqueadas incrementou o comrcio de Pedro Afonso e Araguacema com o Par. O charque - carne das partes dianteiras do boi, salgada e dobrada em forma de manta - era vendido para a praa de Belm. Esse comrcio foi feito inicialmente por via fluvial e continuou por via area, at o final da dcada de 1950. Na dcada de 1960, com a construo da rodovia Br-153 ou Belm-Braslia ligando o Planalto Central Belm do Par, declina a navegao mercantil. As linhas hidrovirias Porto Nacional-Lajeado; Tocantnia-Pedro Afonso-Carolina; Carolina-TocantinpolisBelm foram desativadas. A rodovia promoveu uma nova rearticulao do comrcio inter-regional que, se praticamente inexistia, tinha ficado ainda mais debilitado depois da construo da ferrovia no sudeste goiano, no incio do sculo XX. A construo da estrada-de-ferro integrou economicamente o centro-sul de Gois ao centro-sul do pas, alargando a distncia das relaes entre o norte e o sul de Gois. Com a BR-153 essa situao foi amenizada. Anaplis, plo industrial do Estado de Gois, se tornou o novo centro abastecedor do norte goiano, provocando um redirecionamento do comrcio, visto que, esta regio se relacionava basicamente com o Maranho, Par e Bahia. S a rodovia, porm, no foi suficiente para superar a debilidade dessa relao inter-regional devido ao desequilbrio existente na estrutura viria do estado. Os investimentos federais ou estaduais - nessa rea eram destinados principalmente a promover a integrao do centro sul de Gois com o centro sul do pas. "H informao de que at 1983 alguns municpios do norte de Gois, como Goiatins, Itacaj e outros, ficaram praticamente ilhados. Essa situao obrigou o Banco do Brasil a recusar, naquele momento, pedidos de financiamento agrcola sob a alegao de que as safras no seriam escoadas" (CAVALCANTE, 1999, p.43). No norte goiano, a Belm-Braslia provocou muitas alteraes na economia local. Cidades como Gurupi, Paraso, Miranorte, Guara, Colinas e Araguana, todas localizadas margem esquerda do rio Tocantins, tiveram sua origem ou se desenvolveram, com a construo da Br-153. Por outro lado, as povoaes situadas margem direita do rio ficaram isoladas da nova rota de desenvolvimento. Ainda se 7 / 49

tentou reativar a navegao dos rios Araguaia e Tocantins com a criao da Companhia Interestadual dos Vales Araguaia e Tocantins - CIVAT, da Comisso de Estudos e Obras dos Rios Tocantins e Araguaia - CEORTA e, mais tarde, com o Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia Araguaia - Tocantins (PRODIAT). Mas as estradas de rodagem j se expandiam oferecendo uma opo de trfego mais fcil e vivel. Ainda assim, em proporo muito menor, a navegao fluvial como meio de subsistncia, continua a fazer parte do cotidiano de algumas cidades. Araguatins, atravs do rio Araguaia e Itaguatins, do rio Tocantins, por exemplo, ainda preservam um intercmbio comercial e cultural com o Par e Maranho. A Belm-Braslia "ligando o Centro-Oeste com a orla martima do Norte transformou-se em rea de nova fronteira de desenvolvimento" (SILVA, 1997, p.94), o que permitiu que a partir da dcada de 1970, o norte de Gois se tornasse alvo para investimentos governamentais com o objetivo de incorporar a regio ao mercado nacional como produtora de bens exportveis. O governo federal criou programas dirigidos principalmente Amaznia, mas tambm difundidos em 60 municpios do norte goiano, iniciando uma nova fase de modernizao no processo de ocupao e causando impactos na organizao da produo e na estrutura fundiria da regio. Quanto produo, a agricultura foi reorientada, objetivando a exportao de arroz e soja, em detrimento dos tradicionais milho e feijo; a pecuria foi consolidada como atividade econmica bsica e, no lugar do gado vacum p duro, passou a predominar as raas gir e nelore. As pastagens naturais e a vegetao nativa cederam espao para o plantio de novos pastos. Em relao a estrutura fundiria, o novo modelo de desenvolvimento possibilitou a concentrao de terras com a formao de latifndios voltados para a pecuria. Isso ocorreu principalmente no espao que compreende o rio Araguaia e a Belm - Braslia onde "a pata de boi invade os babauais que passam a ser vtimas das queimadas. E o babau - o boi vegetal - com seus 80 subprodutos, como leo comestvel ou industrial, lcool, borra, carvo ativado, torta para rao animal etc. vai dando espao ao desenvolvimento da SUDAM..." (SILVA, 1997, p.93). Como conseqncia desse processo houve a desapropriao dos antigos moradores locais pelos grandes proprietrios desencadeando graves conflitos sociais. Nas dcadas de 1970 e 1980 na regio norte de Gois configurou-se uma nova paisagem marcada pela descontinuidade e heterogeneidade da expanso modernizadora. A polarizao de recursos em pontos diferenciados acentuou o desequilbrio regional. Um exemplo concreto desse fenmeno foi a posio privilegiada que o municpio de Araguana conseguiu em relao aos demais com o recebimento de mais recursos. J a persistncia de mtodos tradicionais na produo e nas relaes de trabalho diante do novo demonstrava a heterogeneidade dessa expanso. Com o fim da poltica de investimentos e de crdito do governo federal, a consolidao da integrao econmica, com a expanso da modernizao e a incorporao de novas reas, constitua-se num desafio para o futuro Estado do Tocantins.

A Primeira Ciso - 1736Na poca da minerao, as minas localizadas ao norte da capitania de Gois eram consideradas mais ricas do que as do centro-sul, todavia, a arrecadao de impostos era inferior. Por isso, a cobrana do quinto - pagamento em ouro em p sobre a produo - foi substituda pela capitao que passou a cobrar uma taxa de imposto sobre cada escravo utilizado, acrescido de uma

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sobretaxa para as minas do norte. Essa diferenciao fiscal teve como justificativa o alto ndice de contrabando na regio em funo do seu isolamento. Contra essa discriminao se levantaram os mineiros do norte ameaando desligarem-se da Superintendncia do centro-sul e ligar-se ao Maranho, caso o governo insistisse na cobrana de um imposto que consideravam injustas. Ficaram dois anos sem pagar e s voltaram em igualdade de condies com as outras regies. Este episdio deixava evidente o carter espordico das relaes entre o norte e o sul que s existia "em funo de atos administrativos isolados com finalidades meramente fiscais ou jurdicas" (CAVALCANTE, 1999, p.50). A atitude dos mineiros, segundo Palacin, causou "a primeira ciso, nunca de toda reparada, na conscincia de unidade do territrio de Gois" (PALACIN, 1979, p.52). Tal situao alimentou o sentimento de desligamento regional que mais tarde iria se evidenciar como "algo natural, geogrfico e histrico" (CAVALCANTE, 1999, p.50).

A Criao da Comarca do Norte - 1809Para facilitar a administrao aplicao da justia e, principalmente, incentivar o povoamento e o desenvolvimento da navegao dos rios Tocantins e Araguaia, o Alvar de 18 de maro de 1809 dividiu a Capitania de Gois em duas comarcas (regies): a comarca do sul e a comarca do norte. A Comarca do Norte recebeu a denominao de Comarca de So Joo das Duas Barras, assim como chamaria a vila que, na confluncia do Araguaia no Tocantins se mandaria criar com este mesmo nome para ser sua sede. Para nela servir foi nomeado o Desembargador Joaquim Theotnio Segurado como o seu Ouvidor. A nova comarca compreendia os julgados de Porto Real, Natividade, Conceio, Arraias, So Flix, Cavalcante, Traras e Flores. O arraial do Carmo que j tinha sido cabea de julgado perde essa condio que foi transferida para Porto Real, ponto que comeava a prosperar com a navegao do Tocantins. Enquanto no se fundava a vila de So Joo das Duas Barras, Natividade teria a sede da ouvidoria. A funo primeira de Theotnio Segurado era designar o local onde deveria ser fundada essa vila. Alegando a distncia e a descentralizao em relao aos julgados mais povoados, o Ouvidor e o povo do norte solicitaram a D. Joo autorizao para a construo da sede da comarca em outro local. No lugar escolhido por Segurado, o Alvar de 25 de janeiro de 1814 autorizava a construo da sede na confluncia dos rios Palma e Paran, a vila de Palma, hoje a cidade de Paran. A vila de So Joo das Duas Barras recebeu o ttulo de vila comarca, mas nunca chegou a ser construda. O ouvidor Theotnio Segurado, administrador da comarca do norte, muito trabalhou para o desenvolvimento da navegao do Tocantins e o incremento do comrcio com o Par. Assumiu posio de liderana como grande defensor dos interesses regionais e, "to logo se mostrou oportuno, no hesitou em reivindicar legalmente autonomia poltico administrativa dessa regio" (CAVALCANTE, 1999, p.54). O 18 de maro foi, oficialmente, considerado o Dia da Autonomia pela Lei n 960 de 17 de maro de 1998, por ser a data da criao da Comarca do Norte, estabelecida como marco inicial da luta pela emancipao do Estado.

O Movimento Separatista do Norte de Gois - 1821 a 1824A Revoluo do Porto no ano de 1820, em Portugal, exigindo a recolonizao do Brasil mobilizou, aqui na colnia, especificamente no litoral, a elite intelectualizada em prol da emancipao do pas. Em Gois, essas idias liberais refletiram na tentativa de derrubar "aquele que era a prpria personificao da dominao portuguesa": o capito-general Manoel Sampaio. Houve uma primeira investida nesse sentido em 1821, sob a liderana do capito Felipe Antnio Cardoso e do Pe. Luiz Bartolomeu Marques. Coube ao primeiro mobilizar os quartis e ao segundo, conclamar o povo e lideranas para a preparao de um golpe que iria depor Sampaio. Contudo, houve uma denncia sobre o golpe e, em seguida, foi ordenada a priso dos principais lderes rebeldes. O Pe. Marques conseguiu fugir e novamente articulou contra o capito-general. Mais uma vez Sampaio imps sua autoridade e os rebeldes foram expulsos da capital Vila Boa. Alguns vieram para o norte, como o capito Cardoso, que teve ordem para se retirar para o distrito de Arraias, e o Pe. Jos Cardoso de Mendona, enviado para a aldeia de Formiga e Duro. O Pe. Marques recebeu ordens para se manter afastado da capital. Mas os acontecimentos que ocorreram na capital no ficaram isolados. A idia da nomeao de um governo provisrio, depois de fracassada na capital, foi aclamada no norte onde j havia anseios separatistas. O desejo do padre Luiz Bartolomeu Marques no era outro seno a

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independncia do Brasil. E a deposio de Sampaio seria apenas o primeiro passo. Para este fim contavam com o vigrio de Cavalcante, Francisco Joaquim Coelho de Matos "(...) mas este, no tendo bastante prestgio e influncia, cedeu a direo das coisas ao desembargador Joaquim Teotnio Segurado (...)" (ALENCASTRE, 1979, p.358).

No dia 14 de setembro, um ms aps a frustrada tentativa de deposio de Sampaio, instalou-se o governo independencista do norte, com capital provisria em Cavalcante. O Ouvidor da Comarca do Norte, Theotnio Segurado, presidiu e estabeleceu essa Junta provisria at janeiro de 1822. "No dia seguinte, o governo provisrio da comarca da Palma fez circular uma proclamao em que declarou-se desquitado do jugo desptico do governo, mas deu vivas a D. Joo VI e s cortes de Lisboa" (ALENCASTRE, 1979, p.358). As justificativas para a separao do norte em relao ao centro-sul de Gois eram, para Segurado, de natureza econmica, poltica, administrativa e geogrfica. Alegava que as demais provncias j haviam destitudo seus capites generais, reclamava da falta de assistncia da administrao pblica na regio que s se fazia presente na onerao de tributos; da carncia de uma fora poltica representativa e da necessidade de um governo mais centralizado. - Proclamao. - Habitantes da comarca da Palma! tempo de sacudir o jugo de um governo desptico; todas as provncias do Brasil nos tm dado este exemplo; os nossos irmos de Gois fizeram um esforo infrutfero, ou por mal delineado, ou por ser rebatido por fora superior. Eles continuam na escravido, e at um dos principais habitantes dessa comarca ficou em ferros. Palmenses! Sejamos livres, e tenhamos segurana pessoal; unamo-nos e principiemos a gozar as vantagens que nos promete a constituio! Abulam-se esses tributos que nos vexam, ou por sermos os nicos que os pagamos, ou por no serem conformes s antigas leis adaptveis a esta pobre comarca. Sadas de gados, dcima, banco, papel selado, entrada de sal, ferro, ao e ferramentas ficam abolidas, todos os homens livres tm direitos aos maiores empregos; a virtude e a cincia, eis os empenhos para os cargos pblicos. Todas as cabeas de julgado daro um deputado para o governo provisrio; os arraiais de So Jos, S. Domingos, Chapada e Carmo ficam gozando da mesma prerrogativa. Esses deputados devem ser eleitos, e dirigirem-se imediatamente a Cavalcante, onde reside interinamente o governo provisrio. Depois de reunidos todos os deputados, se decidir qual deve ser a capital, e nela residir o governo. No dia 14 de setembro, um ms aps a frustrada tentativa de deposio de Sampaio, instalou-se o governo independencista do norte, com capital provisria em Cavalcante. O Ouvidor da Comarca do Norte, Theotnio Segurado, presidiu e estabeleceu essa Junta provisria at janeiro de 1822. "No dia seguinte, o governo provisrio da comarca da Palma fez circular uma proclamao em que declarou-se desquitado do jugo desptico do governo, mas deu vivas a D. Joo VI e s cortes de Lisboa" (ALENCASTRE, 1979, p.358). As justificativas para a separao do norte em relao ao centro-sul de Gois eram, para Segurado, de natureza econmica, poltica, administrativa e geogrfica. Alegava que as demais provncias j haviam destitudo seus capites generais, reclamava da falta de assistncia da administrao pblica na regio que s se fazia presente na onerao de tributos; da carncia de uma fora poltica representativa e da necessidade de um governo mais centralizado. - Proclamao. - Habitantes da comarca da Palma! tempo de sacudir o jugo de um governo desptico; todas as provncias do Brasil nos tm dado este exemplo; os nossos irmos de Gois fizeram um esforo infrutfero, ou por mal delineado, ou por ser 10 / 49

rebatido por fora superior. Eles continuam na escravido, e at um dos principais habitantes dessa comarca ficou em ferros. Palmenses! Sejamos livres, e tenhamos segurana pessoal; unamo-nos e principiemos a gozar as vantagens que nos promete a constituio! Abulam-se esses tributos que nos vexam, ou por sermos os nicos que os pagamos, ou por no serem conformes s antigas leis adaptveis a esta pobre comarca. Sadas de gados, dcima, banco, papel selado, entrada de sal, ferro, ao e ferramentas ficam abolidas, todos os homens livres tm direitos aos maiores empregos; a virtude e a cincia, eis os empenhos para os cargos pblicos. Todas as cabeas de julgado daro um deputado para o governo provisrio; os arraiais de So Jos, S. Domingos, Chapada e Carmo ficam gozando da mesma prerrogativa. Esses deputados devem ser eleitos, e dirigirem-se imediatamente a Cavalcante, onde reside interinamente o governo provisrio. Depois de reunidos todos os deputados, se decidir qual deve ser a capital, e nela residir o governo.Os soldados que quizerem sentar praa de infantaria vencero cinco oitavas por ms, e na cavalaria seis e meia. Palmense, nimo e unio! O governo cuidar da vossa felicidade. Viva a nossa santa religio, viva o Sr. D. Joo VI, viva o prncipe regente e toda a casa de Bragana, viva a constituio que se fizer nas cortes reunidas em Lisboa. Cavalcante, 15 de setembro de 1821. Presidente Joaquim Theotnio Segurado, Manoel Antnio de Moura Teles, Jos Zeferino de Azevedo, Jos Vitor de Faria Pereira, Francisco Joaquim Coelho de Matos, Francisco Xavier de Matos, Luiz Pereira de Lemos e Joaquim Rodrigues Pereira (ALENCASTRE, 1979, p.358-359). A instalao de um governo independente - no necessariamente em relao Coroa Portuguesa, mas sim ao governo do capito-general da Comarca do Sul - parecia ser o nico objetivo de Theotnio Segurado. A sua posio no-independencista provocou a insatisfao de alguns dos seus correligionrios polticos e a retirada de apoio causa separatista. Em outubro de 1821, transfere a capital para Arraias provocando oposio e animosidade dos representantes de Cavalcante. Com o seu afastamento em janeiro de 1822, quando partiu para Lisboa como deputado representante de Gois na Corte agravou a crise interna. "A partir dessa data uma srie de atritos parecem denunciar que a Junta havia ficado acfala. Na ausncia de Segurado, nenhuma liderana capaz de impor-se com a autoridade representativa da maioria dos arraiais conseguiu se firmar. Pelo contrrio, os interesses particulares dos lderes de Cavalcante, Palmas, Arraias e Natividade se sobrepuseram causa separatista regional" (CAVALCANTE, 1999, p.64). Um novo governo provisrio foi organizado. O Capito Felipe Antnio Cardoso, partidrio da luta pela independncia nacional, foi quem assumiu a chefia do movimento e organizou o novo governo, apesar de no participar diretamente dele. Atravs de um decreto, a Comarca da Palma foi desmembrada de Gois e constituiu em sua jurisdio uma provncia independente. Foi mandado Corte um deputado para comunicar o governo central da deciso tomada. O sucessor de Segurado foi o tenente-coronel Pio Pinto Cerqueira que transferiu a capital para Natividade, destituiu o Ouvidor Febrnio Jos Vieira Sodr de suas funes e passou a acumular o cargo de Ouvidor. Tal deciso provocou reao em Cavalcante e Palma que no acataram as ordens de Cerqueira e mantiveram-se fiis ao Ouvidor Febrnio, instalado em Cavalcante. A crise se instalara dividindo e enfraquecendo o governo do norte. Em abril de 1822, com a instalao do governo provisrio no sul, assume o poder naquela comarca o Pe. Camargo Fleury com a misso de restabelecer a unidade poltica da Provncia. A priso do Capito Felipe Antnio Cardoso, que resistia unificao, foi sua primeira demonstrao de fora. Fleury tambm conseguiu a dissoluo do maior foco de oposio contra a unidade poltica - o Clube de Natividade - que j estava enfraquecido por divergncias internas. Assim, quando Lus Gonzaga, "o pacificador do norte", chegou regio no encontrou nenhuma resistncia organizada que viesse a se tornar obstculo realizao de seu objetivo. Para entender a impossibilidade de sustentar o governo provisrio do norte" relevante no a posio antiindependencista de Theotnio Segurado mas sim, o seu afastamento da liderana do movimento por ter viajado a Lisboa (...).Em decorrncia disso, com a ausncia de um lder em condies de assumir tal posio, antes ocupada por Segurado, seria inevitvel a ciso entre as lideranas regionais" (CAVALCANTE, 1999, p. 67). Finalmente em 1823, com o Brasil j independente, o Brigadeiro Cunha Matos - na condio de Comandante das Armas e a servio da Junta de Governo da Provncia de Gois - foi enviado para Cavalcante a fim de garantir a consolidao da recm conquistada unidade poltica. As divergncias internas em relao hegemonia poltica da regio, as dificuldades de natureza econmica e financeira, o pulso forte de Lus Camargo Fleury e o no reconhecimento por parte de D. Pedro I do governo instalado no norte, foram todos fatores que, em conjunto, contriburam

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para o fracasso desse movimento. Mas, ainda que remando contra a mar, o sentimento separatista continuou vivo ao longo do sculo XIX. A imprensa regional constantemente denunciava a situao de abandono, explorao econmica e descaso administrativo, contribuindo para a crena de que para o norte goiano se desenvolver seria preciso, obrigatoriamente, desligar-se do sul.

A trajetria de luta pela criao do TocantinsNo final do sculo XIX e no decorrer do sculo XX, a idia de se criar o Tocantins, estado ou territrio, esteve inserida no contexto das discusses apresentadas em torno da rediviso territorial do pas, no plano nacional. Mas, a concretizao desta idia s veio com a Constituio de 1988 que criou o Estado do Tocantins pelo desmembramento do estado de Gois. Ainda no Imprio, duas tentativas: a defesa de Visconde de Taunay, na condio de deputado pela Provncia de Gois, propondo a separao do norte goiano para a criao da Provncia da Boa Vista do Tocantins, com a vila capital em Boa Vista (Tocantinpolis), em 1863; e, de modo mais concreto, em 1889, com o projeto de Fausto de Souza para a rediviso do Imprio em 40 provncias, constando a do Tocantins na regio que compreendia o norte goiano. Nas primeiras dcadas da Repblica o discurso separatista sobreviveu na imprensa regional, principalmente de Porto Nacional - maior centro econmico e poltico da poca - em peridicos como "Folha do Norte" e "Norte de Gois". A partir da dcada de 1930 que o discurso retorna esfera nacional. Aps a criao pela Constituio de 1937 dos territrios do Amap, Rio Branco, Guapor - atual Rondnia - Itaguau e Ponta Por (extintos pela Constituio de 1946), houve tambm quem defendesse a criao do territrio do Tocantins.

Em 1944, o Brigadeiro Lysias Rodrigues, "que conhecia por terra, gua e ar as vastides nacionais", abraou a bandeira da criao do territrio do Tocantins tendo o seu projeto acatado pelo presidente Getlio Vargas e despachado para o IBGE. O territrio do Tocantins seria criado com a diviso territorial do norte de Gois e sul do Maranho, com a capital em Carolina (MA) ou Pedro Afonso (GO). Em Pedro Afonso, houve a criao do Comit de Propaganda Pr-Criao do Territrio do Tocantins, acreditando ser pertinente a sua defesa devido a abertura dada pela Constituio de 1946 que estabelecia normas para subdiviso ou incorporao de novos estados. Contudo, as oposies internas e promessas polticas no cumpridas provocaram desgastes e enfraqueceram a luta. Em 1949, a Assemblia Legislativa no aceitou a representao da Comisso que defendia a criao do territrio do Tocantins, sendo a mesma posteriormente rejeitada e arquivada pela Comisso de Constituio e Justia da Administrao Federal. Nos anos 50, vigorava no pas as polticas do desenvolvimentismo e da integrao nacional marcadas pelo Governo Juscelino Kubistcheck. A viabilizao de projetos como a Br-153 e a construo de Braslia destacou Gois no cenrio nacional, com a consolidao da expanso capitalista no centro-sul. O norte, na prtica, no sentiu os efeitos desse surto na dcada de 50, visto que, a Br-153 s foi asfaltada a partir de 1965. A tentativa de integrao do norte goiano marcha desenvolvimentista partiu da promoo do seu discurso separatista ressaltando sempre a situao de abandono da regio. Em 13 de maio de 1956, foi lanado em Porto Nacional o movimento PrCriao Estado do Tocantins, liderado pelo Juiz de Direito dessa Comarca, o Dr. Feliciano Machado Braga, com o apoio dos poderes legislativo e executivo local. Com o objetivo de mobilizar a regio em torno desse discurso foram realizados vrios eventos. Em outubro, a Cmara Municipal aprovou resoluo que integrava Porto Nacional ao estado do Tocantins e reconheceu este estado. O movimento ganhou apoio de estudantes, adeso de outros municpios e manifestaes de solidariedade de outros estados como Maranho e Bahia. Foi instituda a bandeira e escolhido o Nosso Senhor do Bonfim como padroeiro do Estado. 12 / 49

Como instrumento de luta foi lanado o jornal O Estado do Tocantins, sob a direo de Dioclesiano Ayres da Silva e redao de Fabrcio Costa Freire e Dr. Feliciano Braga. A aprovao da Emenda da deputada Almerinda Arantes Constituio Estadual criando o Estado do Tocantins pelo desmembramento de Gois a partir do paralelo 13, seria um passo em direo criao do Tocantins, mas dependia tambm da realizao de um plebiscito na regio e da aprovao do Congresso Nacional, conforme estabelecia a Constituio Federal. Mas, o artigo de solicitao do plebiscito, feito pelo deputado Paulo Malheiros, foi rejeitado em agosto de 1957, pela Assemblia Legislativa Goiana. Motivos para a criao do Tocantins continuaram sendo expressos em artigos de jornais relacionando a importncia de Braslia e a criao do novo estado para a interiorizao do Brasil. Contudo, a oposio do Legislativo goiano e a transferncia do Dr. Feliciano da regio norte para Anpolis, enfraqueceram o movimento. Nos anos 60, o movimento foi sustentado pela defesa isolada de alguns membros do Legislativo estadual e de lideranas estudantis do norte, com destaque para a Casa de Estudante do Norte Goiano (CENOG), fundada em Goinia em 15 de maio de 1960, com o objetivo inicial de dar assistncia aos estudantes que iam para aquela capital para dar prosseguimento aos seus estudos. A conscientizao destes em relao aos problemas da regio permitiu que a entidade ampliasse seus objetivos e abraasse a causa separatista. Assim, atravs de congressos, comcios, distribuio de cartazes e boletins, manteve acesa a luta pela criao do Tocantins durante uma dcada. Mas, em decorrncia da ditadura militar e do fechamento poltico do pas a partir de 1965, o movimento apresentou certa disposio ao desalento, pois, qualquer manifestao de carter autonomista poderia ser interpretada como ameaa ordem e segurana nacional. Assim, foi mais conveniente mobilizar as foras representativas da regio para uma ao unificada junto ao governo do estado, buscando sua integrao aos progressos do centro-sul. Neste contexto, vale destacar a atuao da CENOG que, atravs do seu jornal O Paralelo 13, funcionou como um instrumento de denncias e reivindicaes do povo nortense.Em 1965, por ocasio da elaborao da Constituio de 1967, foi aberto um espao para a abordagem da rediviso territorial, na Assemblia Constituinte, atravs de uma carta ao presidente Castelo Branco, redigida pelo Dr. Feliciano Braga. Nesta havia um apelo para que a Revoluo de 31 de maro realizasse a rediviso do pas. "O magistrado considerava a disposio geogrfica daquela poca anacrnica e injustificvel - herana da colonizao com leves modificaes" (CAVALCANTE, 1999, p.123). E pedia que a futura Constituio no se omitisse na soluo de "to importante e vital problema do Brasil". A publicao dessa carta na imprensa regional trouxe novamente baila as manifestaes pr-criao do estado do Tocantins. Quando o governo federal, com base na ideologia da Segurana Nacional, acenou para a possibilidade de formar novos territrios na Amaznia, com a insero do norte de Gois na Amaznia Legal, mobilizou o meio poltico para a criao do Tocantins. Contudo, o pronunciamento do ministro do Interior, general Albuquerque Lima, considerando "irreais" as informaes extra-oficiais que anunciavam a rediviso do pas em vrios territrios, entre eles o do Tocantins, as mobilizaes perderam as foras. At a primeira metade dos anos 70, as reivindicaes polticas do norte goiano diziam respeito sua insero no mercado internacional, dentro da poltica econmica da poca, direcionadas para a produo de bens de consumo durveis e do incentivo agricultura comercial voltada para a exportao. Para a regio se enquadrar nessa poltica foram necessrias medidas urgentes como regularizao de ttulos de terras, abertura de crditos e financiamentos, etc. proporcionando a modernizao do processo de ocupao econmica com a mecanizao da lavoura e a pecuria intensiva. Isso provocou uma "justificada euforia". "Mas no com fora suficiente para que a tese separatista fosse sustentada, principalmente se for considerado o fato de os divisionistas sempre terem levantado a bandeira do abandono e do isolamento a que essa regio estivera relegada" (CAVALCANTE, 1999, p.128).

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O discurso separatista veio novamente tona quando o sul do Mato Grosso, em plena fase de prosperidade econmica, se mobilizou em torno de sua autonomia at conseguir em 1977 a aprovao pelo governo federal do projeto de criao do estado do Mato Grosso do Sul. Neste contexto, o deputado Siqueira Campos, representante do norte goiano, retomou a proposta da criao do Tocantins. Presidiu a Comisso da Amaznia e apresentou trabalho sobre a rediviso territorial propondo a criao de doze territrios, entre eles o do Tocantins. O mesmo deputado apresentou projeto de consulta plebiscitria para a posterior criao do Territrio do Tocantins, aprovado pela Cmara de Deputados e que, no ano seguinte, foi arquivado pelo Senado Federal. Nos anos 80, as expectativas em relao ao processo de democratizao deflagrado, inicialmente, com as eleies diretas para governador em 1982, permitiu que fosse novamente levantado o discurso em defesa dos interesses do norte goiano. Havia ainda por vir a Campanha das Diretasj, em 1984, e a convocao da Assemblia Nacional Constituinte, em 1987. A fundao da CONORTE - Comisso de Estudos do Norte Goiano - em 1981, em Braslia, foi de fundamental importncia dentro desse contexto. Sustentada por lideranas polticas e intelectuais radicadas em Goinia e Braslia, a CONORTE tinha como objetivos conscientizar a populao das potencialidades econmica do norte goiano, do descaso governamental e da necessidade de se organizar politicamente para a defesa dos interesses da regio. Isso foi feito atravs de congressos, seminrios, conferncias e manifestos publicados na imprensa. Em abril de 1982, a CONORTE promoveu o 1 Congresso de Estudo dos Problemas do Norte Goiano. Em maio do mesmo ano, divulga em Braslia a Carta do Tocantins. Esta, alm de fazer uma anlise scio-econmica da regio, apela aos nortistas para reunirem foras em prol do aumento da representatividade da regio na esfera governamental. Na prtica a idia era de que, em plena fase de abertura poltica, se votasse em polticos comprometidos com os interesses do norte, independente de opes partidrias.

No ano de 1984, o deputado Siqueira Campos apresentou um projeto de Lei Complementar para criar o Estado do Tocantins. O projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas vetado pelo Presidente Jos Sarney. Depois, o projeto foi reapresentado no senado pelo Senador Benedito Ferreira, aprovado na Cmara e no Senado e, mais uma vez, vetado pelo presidente. Os dois vetos foram justificados com os argumentos de que a criao de mais um estado implicaria em nus para os cofres pblicos e da inviabilidade econmica do novo estado que no dispunha de recursos suficientes para sustentar-se. Em protesto contra o segundo veto do presidente os deputados Siqueira Campos e Tot Cavalcante iniciaram greve de fome, chamando a ateno da mdia de todo o pas e sensibilizando a opinio pblica em favor da criao do estado do Tocantins. A CONORTE mobilizou as lideranas conclamando para uma cruzada de mobilizaes populares e realizou seminrios e conferncias nas universidades de Gois demonstrando a falta de fundamentao nas justificativas do veto presidencial que, mais uma vez, adiou o sonho dos tocantinenses. Em junho de 1986, a Comisso de Rediviso Territorial, coordenada pelo Ministrio do Interior, concluiu ser invivel a criao do estado do Tocantins mas acenou com a possibilidade de se instalar o Territrio do Tocantins. A maioria das lideranas era contrria a essa posio. Articularam-se, ento, para a aprovao do projeto de criao do novo estado pela Assemblia Nacional Constituinte de 1987. A criao do Estado do Tocantins - 1988O ano foi 1987. As lideranas souberam aproveitar o momento oportuno para mobilizar a populao em torno de um projeto de existncia quase que secular e pelo qual lutaram muitas geraes: a autonomia poltica do norte goiano j batizado "Tocantins". A CONORTE apresentou Assemblia Constituinte uma Emenda Popular com cerca de 80 mil assinaturas como reforo proposta de criao do estado. Foi criada a Unio Tocantinense, organizao suprapartidria com o objetivo de conscientizao poltica em toda a regio norte para lutar pelo Tocantins tambm atravs de Emenda Popular. Com objetivo similar, nasceu o Comit Pr-Criao do Estado do Tocantins que conquistou importantes adeses para a causa separatista. "O povo nortense quer o Estado do Tocantins. E o povo o juiz supremo. No h como contest-lo", reconhecia o governador de Gois na poca, Henrique Santilo (SILVA, 1997,

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p.237). Em junho, o deputado Siqueira Campos, relator da Subcomisso dos Estados da Assemblia Nacional Constituinte, redige e entrega ao presidente desta Assemblia, o deputado Ulisses Guimares, a fuso de emendas criando o Estado do Tocantins que foi votada e aprovada no mesmo dia. Pelo artigo 13 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias da Constituio, em 05 de outubro de 1988, nascia o Estado do Tocantins: Art.13. criado o Estado do Tocantins, pelo desmembramento da rea descrita neste artigo, dando-se sua instalao no quadragsimo sexto dia aps a eleio prevista no 3, mas no antes de 1 de janeiro de 1989. 1 O Estado do Tocantins integra a Regio Norte e limita-se com o Estado de Gois pelas divisas norte dos Municpios de So Miguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minau, Cavalcante, Monte Alegre de Gois e Campos Belos, conservando a leste, norte e oeste as divisas atuais de Gois com os Estados da Bahia, Piau, Maranho, Par e Mato Grosso. 2 O Poder Executivo designar uma das cidades do Estado para sua capital provisria at a aprovao da sede definitiva do governo pela Assemblia Constituinte. 3 O Governador, o Vice-Governador, os Senadores, os Deputados Estaduais sero eleitos, em um nico turno, at setenta e cinco dias aps a promulgao da Constituio, mas no antes de 15 de novembro de 1988, a critrio do Tribunal Superior Eleitoral (...). 4 Os mandatos do Governador, do Vice-Governador, dos Deputados Federais e Estaduais eleitos na forma do pargrafo anterior extinguir-se-o concomitantemente aos das demais unidades da Federao; o mandato do Senador eleito menos votado extinguir-se- nessa mesma oportunidade, e o dos outros dois, juntamente com o dos Senadores eleitos em 1986 nos demais Estados. 5 A Assemblia Estadual Constituinte ser instalada no quadragsimo sexto dia da eleio de seus integrantes, mas no antes de 1 de janeiro de 1989, sob a presidncia do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Gois, e dar posse, na mesma data, ao Governador e ao Vice-Governador eleitos. 6 Aplicam-se criao e instalao do Estado do Tocantins, no que couber, as normas legais disciplinadoras da diviso do Estado de Mato Grosso, observado o disposto no art. 234 da Constituio. 7 Fica o Estado de Gois liberado dos dbitos e encargos decorrentes de empreendimentos no territrio do novo Estado, e autorizada a Unio, a seu critrio, a assumir os referidos dbitos. A eleio dos primeiros representantes tocantinenses foi realizada em 15 de novembro de 1988, pelo Tribunal Regional Eleitoral de Gois, junto com as eleies dos prefeitos municipais. Alm do Governador e seu vice, foram escolhidos os Senadores e Deputados Federais e Estaduais. A cidade de Miracema do Norte, localizada na regio central do novo estado, foi escolhida como capital provisria. No dia 1 de janeiro de 1989 foi instalado o Estado do Tocantins e empossados o Governador, Jos Wilson Siqueira Campos; seu vice, Darci Martins Coelho; os senadores Moiss Abro Neto, Carlos Patrocnio e Antnio Luiz Maya; juntamente com oito deputados federais e vinte e quatro deputados estaduais. Ato contnuo, o Governador assinou decretos criando as Secretarias de Estado e viabilizando o funcionamento dos Poderes Legislativo e Judicirio e dos Tribunais de Justia e de Contas. Foram nomeados o primeiro Secretariado e os primeiros Desembargadores. Tambm foi assinado decreto mudando o nome das cidades do novo estado que tinham a identificao "do Norte" e passaram para "do Tocantins". Foram alterados, por exemplo, os nomes de Miracema do Norte, Paraso do Norte e Aurora do Norte para Miracema do Tocantins, Paraso do Tocantins e Aurora do Tocantins. No dia 5 de outubro de 1989, foi promulgada a primeira Constituio do estado, feita nos moldes da Constituio Federal. Foram criados mais 44 municpios alm dos 79 j existentes. Atualmente o estado possui 139 municpios. Foi construda, no centro geogrfico do estado, numa rea de 1.024 Km2 desmembrada do municpio de Porto Nacional, a cidade de Palmas, para ser a sede do Governo estadual. Em 1 de janeiro de 1990, foi instalada a capital.

O desbravamento da regioA colonizao do Brasil se deu dentro do contexto da poltica mercantilista do sculo XVI que via no comrcio a principal forma de acumulao de capital, garantido, principalmente, atravs da posse de colnias e de metais preciosos. Alm de desbravar, explorar e povoar novas terras os colonizadores tinham tambm uma justificativa ideolgica: a expanso da f crist. "Explorava-se em nome de Deus e do lucro, como disse um mercador italiano" (AMADO, GARCIA, 1989, p.09). A preocupao em catequizar as

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populaes encontradas foi constante. A colnia brasileira, administrada poltica e economicamente pela metrpole, tinha como funo fornecer produtos tropicais e/ou metais preciosos e consumir produtos metropolitanos. Portugal, ento, iniciou a colonizao pela costa privilegiando a cana de acar como principal produto de exportao. Enquanto os colonizadores portugueses se concentravam no litoral, no sculo XVII ingleses, franceses e holandeses conquistavam a regio norte brasileira estabelecendo colnias que servissem de base para posterior explorao do interior do Brasil. Os franceses, depois de devidamente instalados no forte de So Lus na costa maranhense, iniciam a explorao dos sertes do Tocantins. Coube a eles a descoberta do Rio Tocantins pela foz no ano de 1610 (RODRIGUES, 2001). O rio Tocantins foi um dos caminhos para o conhecimento e explorao da regio onde hoje se localiza o Estado do Tocantins. Nasce no Planalto Central de Gois e corta, no sentido sul-norte, todo o territrio do atual Estado do Tocantins. S mais de quinze anos depois dos franceses foi que os portugueses iniciaram a colonizao da regio pela "decidida ao dos jesutas". E ainda no sculo XVII os padres da Companhia de Jesus fundaram as aldeias missionrias da Palma (Paran) e do Duro (Dianpolis) (SECOM, 1998).

Diversas expedies "entradas", "descidas" e "bandeiras" percorreram a regio. Estas expedies eram de carter oficial destinadas a explorar o interior e buscar riquezas minerais ou de particulares organizadas para a captura de ndios. De Belm partiam expedies de exploradores e jesutas pelo rio Amazonas chegando at os rios Tocantins e Araguaia. Dos sertes da Bahia, Pernambuco e Piau, seguindo os cursos dos rios, se expandiam para a regio as fazendas de gado. De So Paulo saam as bandeiras em canoas pelos rios Paranaba-Tocantins-Araguaia at voltarem pelo Tiet a So Paulo. "Naquele tempo, uma dessas viagens podia demorar-se dois ou trs anos" (PALACIN, 1989, p.06). Mais tarde depois de 1630 introduziu-se o uso de mulas e as bandeiras preferiram a viagem por terra. Jesutas, criadores de gado e bandeirantes, foram os desbravadores da regio ainda no sculo XVII. Poucos contriburam, na poca, para o seu povoamento, muito para a sua posterior explorao. At o incio do sculo XVIII, a fora motivadora para a explorao da regio foi predominantemente o ndio. Os bandeirantes aproveitando a extino destes nos grandes centros colonizadores da costa - Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro - e a dificuldade de importao, em certos perodos, de negros da frica, transformaram a sua captura num lucrativo negcio para atender a demanda de mo-de-obra na lavoura. Como subproduto destas expedies os bandeirantes retornavam, algumas vezes, com pequenas quantidades de ouro de aluvio dos rios, principalmente do Araguaia, contribuindo para despertar lendas sobre o metal. Como os bandeirantes, os jesutas tambm iam busca de ndios. Como eles, tampouco se fixaram no territrio. Procuraram to s "descer" as tribos para suas aldeias no Par (PALACIN, 1979, pp. 15-16). Destes desbravadores, somente os criadores de gado vieram com a inteno de se fixar na regio. A criao de gado antecedeu a minerao. "Quando na terceira dcada do sculo XVIII acontecia a descoberta de ouro no Sul do Tocantins, a regio j detinha um extenso corredor de picadas para os caminhos de gado entre Piau, Maranho e as ribeiras do rio So Francisco" (SILVA, 1997, p. 25). Os currais de gado deram origem aos primeiros ncleos coloniais "quando a regio sacudida com a febre do ouro de aluvio", completa Silva. S no final do sculo XVII e incio do sculo XVIII que bandeirantes com objetivo de descobrir metais nobres tiveram a preocupao em fixar ncleos estveis no interior do Brasil. Mas a ocupao econmica e o povoamento efetivo s se dariam a partir da segunda dcada do sculo XVIII com base na explorao do ouro dentro do contexto da 16 / 49

poltica mercantilista. Com a explorao e ocupao da regio se deu simultaneamente a destruio dos povos indgenas, seus primeiros habitantes. Fugindo da ao depredadora da colonizao do litoral muitos grupos indgenas migraram para o interior do Brasil. Nos sculos XVII e XVIII o avano da colonizao foi marcado por trs fases: "Na primeira, na poca dos bandeirantes os ndios foram atrados amistosamente e contriburam bastante para a localizao das minas. Na segunda fase, como os brancos j no dependiam dos nativos para chegarem s minas houve conflitos armados, pois era inteno do branco limpar as reas a serem exploradas. Posteriormente , a partir da segunda metade do sculo XVIII tiveram vez os aldeamentos como uma tentativa de os brancos de resolver o problema da mo-de- obra e do povoamento daquelas regies com baixa densidade populacional" (PARENTE, 1999, p.69). E este avano imps, quase sempre, aos ndios um destino trgico: a fuga, a migrao, o aldeamento, a escravido ou o extermnio por doenas, guerras, desapropriao, tristeza, suicdio, etc. Poucos sobreviveram. Vivem atualmente no Estado do Tocantins os Xerente (Povo Akwen), os Karaj, Java, Xambio (Povo Iny), os Apinaj (Povo Panhi) e os Krah (Povo Meri). Os Apinaj esto localizados nos municpios de Tocantinpolis, Maurilndia e Cachoeirinha; os Krah nos municpios de Itacaj e Goiatins; os Xerente prximos ao municpio de Tocantnia; e os Karaj e Java na Ilha do Bananal e os Xambio no municpio de mesmo nome (BARROSO, 1999).

Manifestaes culturaisA Cultura do Tocantins O Tocantins revela-se rico em manifestaes culturais graas a grande miscigenao de culturas, oriundas de todos os Estados brasileiros. Festas como a do Senhor do Bonfim (em Natividade e Araguacema) e as Cavalhadas (Taguatinga no sul do Estado) preservam o legado cultural de nosso povo. Saiba mais sobre estes festejos nos links abaixo.

A Folia de ReisA Folia de Reis comemora o nascimento de Jesus Cristo encenando a visita dos trs Reis Magos gruta de Belm para adorar o menino-Deus. Dados a respeito desta festa afirmam que a sua origem portuguesa e que em Portugal tinha um carter de diverso, era a comemorao do nascimento de Cristo. Em Portugal, de 24 de dezembro a 6 de janeiro, dia de Santos Reis, grupos de instrumentistas e cantadores com viola, violo, sanfona, reco-reco, tringulo e cavaquinho, saem s ruas entoando versos relativos visita dos Reis Magos ao menino Jesus. O grupo composto por um mestre que comanda os folies, pelos msicos e por um palhao que, com seu jeito dissimulado, deve proteger o menino Jesus confundindo os soldados de Herodes. Esse grupo passa de porta em porta recolhendo as oferendas. Os folies carregam a bandeira - um estandarte de madeira enfeitado com motivos religiosos. O ponto alto da festa acontece quando dois grupos se encontram e juntos caminham para o prespio, ponto final da caminhada. No Brasil, a Folia de Reis chega no sculo XVIII, com carter mais religioso do que de diverso. No Tocantins, os folies de Reis tm o Alferes como responsvel pela conduo da bandeira, que sai pelo serto "tirando a folia", ou seja, cantando e colhendo donativos para a reza de Santos Reis, realizada sempre no dia 06 de janeiro. A Folia de Reis, diferentemente do giro do Divino Esprito Santo, acontece em funo de pagamento de promessa pelos devotos e somente noite. O compromisso pode ser para realizar a folia apenas uma vez ou todos os anos. A folia visita as famlias de amigos e parentes. Os folies chegam localidade, se apresentam tocando, cantando e danando. A famlia recebe a bandeira, o anfitrio percorre com ela toda a casa, guardando-a em seguida, enquanto aos folies so servidos bolos, biscoitos e bebidas que os mantm nas suas andanas pela noite. Ao se retirarem, o proprietrio da casa devolve a bandeira e os folies agradecem a acolhida,

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repetindo o gesto da entrada. Quando o dia amanhece, os folies retornam s suas casas para descansar e, ao anoitecer, retomam as andanas. Quando termina o roteiro da folia, realiza-se a festa de encerramento na residncia da pessoa que fez a promessa. Neste momento reza-se o tero, com a presena dos folies e dos convidados, em frente ao altar ornamentado com flores, toalhas bordadas e a bandeira dos Santos Reis. Em seguida, servido um jantar com uma mesa especial para os folies. Alguns pagadores de promessa aps as oraes realizam um baile danante. A tradio muito forte: os mais velhos acreditam serem os Santos Reis, os protetores contra a peste, a praga na lavoura e, principalmente, os responsveis pela prosperidade, fartura e muito dinheiro. Cntico dedicado aos Santos Reis Oi de casa, oi de fora Se tiver gente doente Me diga que vou embora Senhora dona de casa Com essa so duas vezes (bis) Saia na porta da rua E receba Santos Reis Senhora dona de casa Est no seu sono primeiro(bis) Sua filha mais velha Est com a mo no travesseiro Eu cheguei na vossa porta Pus a mo na fechadura (bis) Levante quem est dormindo Me perdoe as confianas.

CaretasOS MASCARADOS EM PORTUGAL H dados histricos a respeito de uma festa, ainda hoje realizada em Portugal, chamada entrudo, onde s participavam homens usando mscaras, os caretos. Acontecia no Domingo gordo e na tera-feira de carnaval. Nestes dias de festa os caretos s paravam para matar a sede ou para combinar novas investidas praa central onde a populao local e os forasteiros se juntavam para assistir ao ritual. Nesse perodo o que prevalecia era a agitao e a indisciplina. Na festa do entrudo, a mscara conferia todo poder aos membros do grupo. Eles saam s ruas e ditavam as regras dos acontecimentos. Ningum conseguia se opor ira dos caretos. Apenas mulheres vestidas de homens, ou vice-versa, eram poupadas da investida dos caretos. Estes se lanavam de assalto s moas, encostando-se a elas, desenvolvendo uma dana ertica, agitando a cintura e fazendo embater os chocalhos, que trazem pendurados. Nesse momento, o que se tinha a fazer era no resistir e deixar o corpo ser levado no balano do ritual. Os caretos invadiam casas e adegas fazendo ecoar por toda aldeia o alarido de seus chocalhos. No Tocantins, percebe-se que houve uma transposio do uso das mscaras para diversas festas, como o entrudo, a cavalhada, a festa de nossa senhora do Rosrio, em Monte do Carmo e a festa dos caretas em Lizarda e Angico. Os mascarados ou caretas como so chamados no Brasil, aparecem nessas festas com o mesmo intuito, ou seja, o de definir as regras das manifestaes. Seja como um ponto de partida para o incio das festividades, como acontece nas cavalhadas e na festa de Nossa Senhora do Rosrio; no entrudo em Arraias definindo o ritmo da algazarra ou em Lizarda na proteo da quinta. O ENTRUDO Existem vrias explicaes para a origem do carnaval. Uma dessas verses diz que o carnaval tem origem no mundo cristo medieval, quando tinha um perodo de festas profanas que se estendia desde o dia de Reis at a quarta-feira de cinzas, quando inicia os jejuns da quaresma. Essa festa foi introduzida no Brasil pelos imigrantes das ilhas portuguesas da Madeira, Aores e Cabo Verde. Arraias, no sul do Estado do Tocantins, ainda, realiza esse folguedo carnavalesco que consiste em lanar uns nos outros gua, farinha, tinta, etc.

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O entrudo de Arraias fazia-se com laranjinhas de parafina, espcie de bolinhas feitas de cera de abelha, com um orifcio para ench-las de gua perfumada e depois atirar de surpresa nas pessoas. Com o tempo esse costume foi sendo transformado: a gua perfumada foi substituda pela gua pura e, s vezes, gelada, passando a ser jogada em pessoas do sexo oposto, numa verdadeira guerra dos sexos. Grupos de folies saem s ruas ao som das sanfonas e outros grupos acompanhados pela banda da polcia militar. Os folies batem de porta em porta procura de pessoas para serem molhadas, aumentando o cordo carnavalesco do entrudo. A FESTA DOS CARETAS Os caretas so homens que usam mscaras confeccionadas em couro, papel ou cabaa com o objetivo de provocar medo nas pessoas. Participam, em Lizarda, da festa que acontece, tradicionalmente, durante a semana santa, na Sexta-Feira da Paixo. Monta-se um cenrio, um semicrculo com ps de bananeira, chamado pelos caretas de quinta atrativa, onde se coloca pedaos de cana de acar. Neste se desenrola um verdadeiro espetculo teatral. Os caretas perseguem com pinholas, uma espcie de chicote feito de sola ou tranados de palha de buriti, as pessoas que tentam invadir a quinta para roubar a cana. A proteo da cana pelos caretas pode ter relao com a crena da populao de que no calvrio de Jesus Cristo ele foi aoitado com pedaos de cana. Na encenao os caretas tentam impedir esse sofrimento. Faz parte dos caretas personagens como a catita e a gua. Catita um homem trajando roupas femininas, a mulher dos caretas, uma mulher vadia, que fica se oferecendo para os homens que esto assistindo a encenao e, enquanto estes ficam envolvidos, os caretas chegam e aoitam com seus chicotes os distrados. A gua usa a roupa de um bicho muito feio. Este personagem pega a caveira de um animal que j morreu h algum tempo, prende a sua cabea a um pau e amarra uma corda de maneira que puxando se abre e fecha a boca do animal. Com isso ameaa morder as pernas dos espectadores, assustando-os. Os caretas ficam observando quando morre um animal para escolher a caveira. O que mais diverte os presentes a passagem da gua, devido ao mal cheiro e as mordidas do animal. D. Isolda, moradora de Lizarda, diz que todo mundo assombra, mas se diverte. A diverso e o medo esto presentes no decorrer de todo o evento. Isso aparece tambm quando algum tenta roubar a cana. S os bons corredores escapam. E continuam as tentativas de roubar a quinta e as surras de pinhola at a madrugada de Sbado da Aleluia.

Catira ou SussiaOs movimentos dessa dana lembram, portanto, a retirada de formigas que invadem os corpos dos pares, num bailado sensual, leve e ao mesmo tempo frentico, uma vez que apenas insinua o toque. A dana a eterna busca da conquista do par. A sssia na Folia do Divino danada ao som da viola, do pandeiro e do roncador, instrumento artesanal feito de tronco de rvore, que tem a mesma marcao do surdo. Tambm danada ao som do tambor em outras manifestaes populares, como na festa de Nossa Senhora do Rosrio.

CavalhadasNa Idade Mdia, os rabes foram denominados genericamente de mouros. Estes povos invadiram a Europa por volta do sculo VIII e s foram banidos do continente europeu no sculo XV. As cavalhadas representam a luta entre o exrcito de Carlos Magno e os mouros. Carlos Magno foi coroado Imperador do Ocidente no ano 800 pelo Papa Leo III. Alguns autores acreditam que as cavalhadas tenham sido introduzidas no Brasil pelos padres jesutas como meio de facilitar a catequese atravs da juno entre o sagrado e o profano. Em Taguatinga, no sul do Estado do Tocantins, as Cavalhadas tiveram incio em 1937. Acontecem durante a festa de Nossa Senhora da Abadia, nos dia 12 e 13 de agosto. O ritual se inicia com a beno do sacerdote aos cavalheiros; a entrega ao imperador das lanas usadas nos treinamentos para a batalha simbolizando que estes esto preparados para se apresentar em louvor a Nossa Senhora da Abadia e em honra ao imperador. O ritual da luta entre mouros e cristos antecedido pelo desfile dos caretas, grupo de mascarados representando bruxas, caras de boi com chifres e outros animais. Os cavalos, usados pelos caretas, so enfeitados com flores e portam instrumentos que produzem um barulho que os identifica.

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Os cavalheiros que participam do ritual das Cavalhadas, ao contrrio dos mascarados, so quase sempre os mesmos. Nas Cavalhadas tem-se a figura do rei, do embaixador e dos guerreiros. Todos desfilam sobre cavalos paramentados com selas cobertas por mantas bordadas e, sobre os olhos dos animais h uma mscara toda trabalhada em cor prata enfeitada com penas vermelhas e amarelas. As Cavalhadas so formadas por vinte e quatro cavalheiros, distinguindo os mouros na cor vermelha e os cristos na cor azul. Doze cavalheiros representam os cristos e, os outros doze, os mouros. Os cristos trajam camisa azul de cetim com enfeites dourados; cala branca com botas azuis e enfeites dourados. Na cabea, um cocar cor prata ou ouro com penas coloridas. Os mouros usam camisa de cetim ou lam prata brocado, capa vermelha com bordados de ouro e cala vermelha com bordados e botas prateadas; na cabea um cocar cor prata ou ouro com penas coloridas. A espada e a lana usadas durante a encenao do combate complementam a indumentria dos cavalheiros.

Congo ou CongadasDe origem africana, porm, com influncia ibrica o Congo j era conhecido em Lisboa entre 1840 e 1850. Popular no Nordeste e Norte do Brasil, durante o Natal e nas festividades de Nossa Senhora do Rosrio e So Benedito. A Congada a representao da coroao do rei e da rainha, eleitos pelos escravos e da chegada da embaixada que motiva a luta entre o partido do rei e do embaixador; vence o rei, perdoa-se o embaixador. Termina com o batizado dos infiis. Os motivos dramticos da dana do Congo baseiam-se na histria da rainha Ginga Bandi que governou Angola no sculo XVII. Ela decidiu, certa vez, enviar uma representao atrevida ao rei D. Henrique de Portugal. Seu filho, o herico prncipe Suena morto durante essa investida. O Quimboto (feiticeiro) o ressuscita. Na dana do congo s os homens participam, cantando msicas que lembram fatos da histria de seu pas. A congada composta por doze danarinos. O vesturio usado pelos componentes do grupo bem colorido e cada cor tem o seu significado. Azul e branco so as cores de Nossa Senhora do Rosrio. O vermelho representa a fora divina. Os adornos na cabea representam a coroa. O xale sobre os ombros representa o manto real. Em Monte do Carmo o Congo acompanhado por mulheres, chamadas de taieiras. Essas danarinas usam trajes semelhantes aos usados pelas escravas que trabalhavam na corte. Trajam blusas quadriculadas em tom de azul e saias brancas rodadas, colares de vrias cores e na cabea turbante branco com uma rosa pendurada. Os dois grupos se apresentam juntos, nas ruas, durante o cortejo do Rei e da Rainha na festa de Nossa Senhora do Rosrio. Cantiga do Congo Baias, bainhas e conguinhos Baias com tanto fervor Baias que j est nascendo O Nosso Grande Salvador Baias, bainhas e conguinhos Neste claro e belo dia Nasceu Jesus, filho da Virgem Maria. O tatu canger que zoa no ar Trepe quizpes, tornou a requebrar A rainha do congo que veio do Par Trepe quizpes, tornou a requebrar O calango mutingo, calango no ar Trepe quizpes, tornou a requebrar

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Amanh eu vou embora beb Aru juncongela beb Eu vou embora, eu vou, eu vou beb Aru juncongela beb E olha o rei mais a rainha beb Aru juncongela beb Mas eu vou beb Aru juncongela beb So Benedito sabia sobiar Saia fora e venha ver E quem festeja neste ano o Divino Esprito Santo Al, al, l no cu E o Santo que est na igreja.

Festa do Divino Esprito SantoA celebrao do Divino Esprito Santo, como festa popular de cunho religioso, tem sua origem no catolicismo portugus. Relatos de Portugal contam que a rainha Isabel e seu marido D. Diniz teriam feito no sculo XIV uma promessa de alimentar os famintos e oferecer a sua coroa ao Divino Esprito Santo em troca de paz. Nessa poca Portugal e Espanha travavam uma guerra de quase cem anos. O objetivo foi alcanado e a promessa cumprida. Dessa forma teve incio a devoo ao Divino Esprito Santo que se difundiu em solo portugus, chegando ao Brasil no sculo XVI. A rigor, a festa do Divino deveria coincidir com o Domingo de Pentecostes no calendrio catlico, que ocorre aproximadamente 50 dias aps a Pscoa, ou seja, num prazo que compreenderia exatamente os 40 dias do giro da folia e o novenrio. No Brasil, no entanto, as folias tm datas variadas. No Estado do Tocantins vo de janeiro a julho, de acordo com as caractersticas de cada localidade. Essas festas so realizadas em vrias cidades, com destaque para Monte do Carmo e Natividade. Em Monte do Carmo a celebrao ao Divino Esprito Santo foi aproximada poca da festa da padroeira da cidade, passando a ter data fixa para a sua realizao, dia 16 de julho. Natividade mantm a tradio da data mvel. As folias do Divino anunciam a presena do Esprito Santo. As romarias conduzem a bandeira. O giro da folia representa as andanas de Jesus Cristo e seus doze apstolos durante 40 dias, levando a sua luz e a sua mensagem, convidando todos para a festa, a festa da hstia consagrada. Os folies que representam os apstolos andam em grupo de doze ou mais homens, conduzidos pelo alferes, em jornada pelo serto. Esse grupo percorre as casas dos lavradores, abenoando as famlias e unindo-as em torno da celebrao da festa que se aproxima. Saem a cavalo pelas trilhas e estradas, quando chegam s fazendas para o pouso, alinham os cavalos no terreiro e cantam a licena, pedindo ritualmente acolhida. Durante o giro os folies recolhem donativos para a festa. Canto do Agasalho, pedindo acolhida para o pouso. Oh! Que noite to serena Oh! Que hora to de prend Divino Esprito Santo Visite sua fazenda Deus vos salve fazendeiro Morador desse lugar E a vem o Divino Esprito Santo Somente pra visitar Deus nos salve felizmente Este nobre fazendeiro Divino Esprito Santo Que o nosso pai verdadeiro Inda agorinha cheguemos Na beira do seu terreiro Queremos brincar um pouco Licena peo primeiro Ah d licena meu Divino

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Pra seus folies brincar Toda casa tem grande gosto E seus coraes alegrar Alegrai o cu e a terra Recebei com alegria Divino Esprito Santo Filho da Virgem Maria Divino chegou do giro Com ele trouxe a folia Ele vem a pedindo um pouso De uma noite para um dia... Os folies cantam tambm em agradecimento ao pouso, acolhida e s refeies. Canto Bendito da Refeio: Pela primeira palavra Que os anjos me disseram Na cabeceira da mesa Faz a vnia meus alferes Com sua bandeira na mo Benoai o pessoal Os alferes com os folies Me d licena meu povo Que agora vamos rezar Contrito no corao Pra nossas almas se salvar Peo licena de novo A maior e mais pequena Quero agradecer a mesa Que nela ns j jantemos Quando for noutro mundo (... agradece) Deus vos pague a bela janta Dada de bom corao Que nos deu pra meus alferes Com todos seus folies Deus vos pague a bela janta Deus vos pague mais outra vez Deus lhe d vida e sade...

Festa de Nossa Senhora da NatividadeAs manifestaes culturais no Estado do Tocantins esto quase sempre atreladas s festas em comemorao aos santos da igreja catlica. A festa de Nossa Senhora da Natividade uma celebrao eminentemente religiosa. A devoo a Nossa Senhora e a histria da sua imagem existente em Natividade, onde festejada h quase trs sculos, no dia 8 de setembro, motivaram a eleio desta como Padroeira do Tocantins. Como a palavra Natal, Natividade significa nascimento e em Portugal ficou reservada para indicar o nascimento da Virgem Maria. A igreja catlica celebra o nascimento da me de Jesus, desde o ano 33 da era crist. "Esta festa de Nossa Senhora teve origem no Oriente. A documentao escrita a respeito no muito clara. provvel que ela remonte comemorao feita inaugurao da igreja de Santa Ana, em Jerusalm, erguida no sculo V, no lugar que a tradio indicava ter sido ali a casa de Santa Ana e, portanto, seria o local do nascimento da Virgem Maria". (BRAGA, 1994, p.17). A Virgem Maria passa a ser comemorada no Ocidente no sculo VII, quando o Papa Srgio I, de origem oriental, compe uma ladainha para a festa e introduz procisso no dia dedicada santa. A comemorao a Nossa Senhora da Natividade est relacionada festa da Imaculada Conceio de Maria, celebrada em 8 de dezembro. Nove meses depois, comemora-se Nossa Senhora da Natividade. Esse intervalo diz respeito ao perodo de gestao de Maria no ventre de Santa Ana. Os devotos acreditam que Maria, como me de Jesus, preservada do pecado original, merece ser

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cultuada. "Por isso a festa da Natividade de Maria se espalhou por todo Ocidente, chegando a Portugal. De Portugal passou para o Brasil, onde ficou sendo dia santo de guarda at o advento da Repblica" (BRAGA, 1994, p. 18). A imagem de Nossa Senhora da Natividade foi trazida, pelos jesutas, para o norte da provncia de Gois, em 1735. Foi a primeira a entrar nessa regio, em embarcaes pelo rio Tocantins, depois nos ombros dos escravos at ao p da serra onde se erguia o povoado denominado de Vila de Nossa Senhora da Natividade, Me de Deus. Mais tarde So Luiz e, depois, Natividade. Essa imagem a mesma, venerada, ainda hoje, na Igreja Matriz. Com a criao do Estado do Tocantins, a populao de Natividade junto com o clero tocantinense e o recm-criado Conselho de Cultura, desenvolveram campanha para tornar a j venerada Nossa Senhora da Natividade em padroeira do Estado. D. Celso Pereira de Almeida, Bispo Diocesano de Porto Nacional envia, em maro de 1992, solicitao ao Papa Joo Paulo II, expressando o desejo dos devotos de Nossa Senhora, de v-la consagrada padroeira do seu novo Estado. Diz D. Celso "sendo nosso povo catlico, na grande maioria, e devoto de Nossa Senhora, temos, ns Bispos, recebidos freqentes apelos, a fim de pedirmos a Vossa Santidade se digne declarar Nossa Senhora, sob a invocao de Nossa Senhora da Natividade, Padroeira principal deste Estado". Acrescenta ainda D. Celso na sua justificativa , que os habitantes do sul do Estado "veneram com muito afeto, a imagem de Nossa Senhora da Natividade, trazida para a nossa regio pelos missionrios Jesutas. Esta devoo sempre viva no nosso povo". (BRAGA, 1994, p. 14). A solicitao foi aceita pelo Vaticano e em 15 de agosto de 1992 D. Celso oficializa, durante a Romaria do Bonfim, em Natividade, Nossa Senhora da Natividade Padroeira Principal do Tocantins. A festa Padroeira Nossa Senhora da Natividade acontece de 30 de agosto a 8 de setembro. Durante os festejos acontece o novenrio e so montadas barracas onde se faz leiles. celebrada missa solene no dia dedicado a santa. As comemoraes acontecem na igreja matriz de Natividade, uma das mais antigas do Estado datada de 1759. A imagem de Nossa Senhora da Natividade foi trazida, pelos jesutas, para o norte da provncia de Gois, em 1735. Foi a primeira a entrar nessa regio, em embarcaes pelo rio Tocantins, depois nos ombros dos escravos at ao p da serra onde se erguia o povoado denominado de Vila de Nossa Senhora da Natividade, Me de Deus. Mais tarde So Luiz e, depois, Natividade. Essa imagem a mesma, venerada, ainda hoje, na Igreja Matriz. Com a criao do Estado do Tocantins, a populao de Natividade junto com o clero tocantinense e o recm-criado Conselho de Cultura, desenvolveram campanha para tornar a j venerada Nossa Senhora da Natividade em padroeira do Estado. D. Celso Pereira de Almeida, Bispo Diocesano de Porto Nacional envia, em maro de 1992, solicitao ao Papa Joo Paulo II, expressando o desejo dos devotos de Nossa Senhora, de v-la consagrada padroeira do seu novo Estado. Diz D. Celso "sendo nosso povo catlico, na grande maioria, e devoto de Nossa Senhora, temos, ns Bispos, recebidos freqentes apelos, a fim de pedirmos a Vossa Santidade se digne declarar Nossa Senhora, sob a invocao de Nossa Senhora da Natividade, Padroeira principal deste Estado". Acrescenta ainda D. Celso na sua justificativa , que os habitantes do sul do Estado "veneram com muito