apostila ditadura militar

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PUBLICADO PELO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS, UFPB - © PRIMA FACIE, 2009 Estado versus Sociedade Civil: o processo de transição para a democracia na Paraíba (1975-1979) 1 State versus Civil Society: the process of transition to democracy in Paraíba, Brazil (1975-1979) Paulo Giovani Antonino Nunes Professor do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba. Na mesma universidade, é docente do Programa de Pós-Graduação em História. 1. Introdução A transição brasileira para a democracia foi bastante longa. Começou no final de 1973, com a decisão do presidente militar, general Ernesto Geisel 2 , e outros militares que se identificavam com o antigo Presidente Castelo Branco, entre eles, o general Golbery do Couto e Silva, de dar início à 1 Uma versão parcial dos resultados desta pesquisa foi comunicada no XIII Encontro Estadual da Anpuh-PB, intitulado História e Historiografia: entre o nacional e o regional, realizado no ano de 2008 na cidade de Guarabira, Paraíba, Brasil, tendo figurado nos anais do referido Encontro sob o tîtulo: "Estado e Sociedade Civil na Paraíba na época da transição para a democracia (1974-1979)". Ali, contudo, se incluíra outras contribuições advindas de um projeto de iniciação científica registrado no CNPq/UFPB, feitas pelas orientandas Talita H. C. Nascimento e Suelly Cinthia C. Santos. 2 A tese, inicialmente levantada pelo brasilianista Stepan (1988, p.10), de que a liberalização começou dentro do aparelho de Estado e foi estimulada imediatamente por algumas das instituições da própria situação política autoritária, é hoje aceita pela maioria dos analistas da transição brasileira para a democracia iniciada no início do governo Geisel. Lamounier (1988, p. RESUMO: No Estado da Paraíba, devido algumas de suas características, tais como: atraso econômico, cultura política oligárquica e autoritária, a sociedade é considerada frágil. No entanto, isto não impede que em determinadas conjunturas ela possa ter uma atuação contestadora da ordem vigente. Este artigo pretende analisar a atuação política, social e cultural da sociedade civil brasileira e em especial na paraibana – Igreja, partidos políticos, sindicatos, associações de classe, movimentos sociais, etc. – na época da transição para a democracia no Brasil, com objetivo de verificar a importância da mesma para a redemocratização do país. Também iremos observar a forma como o Estado, a nível federal, estadual e municipal reage ao desempenho da sociedade civil no território brasileiro e especificamente no paraibano. Palavras-chaves: Estado; Sociedade Civil; Democracia.

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  • PUBLICADO PELO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS JURDICAS, UFPB - PRIMA FACIE, 2009

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    Estado versus Sociedade Civil: o processo de transio para a democracia na Paraba (1975-1979)1 State versus Civil Society: the process of transition to democracy in Paraba, Brazil (1975-1979)

    Paulo Giovani Antonino Nunes Professor do Departamento de Histria da Universidade

    Federal da Paraba. Na mesma universidade, docente do Programa de Ps-Graduao em Histria.

    1. Introduo

    A transio brasileira para a democracia

    foi bastante longa. Comeou no final de 1973,

    com a deciso do presidente militar, general

    Ernesto Geisel2, e outros militares que se identificavam com o antigo Presidente

    Castelo Branco, entre eles, o general Golbery do Couto e Silva, de dar incio

    1 Uma verso parcial dos resultados desta pesquisa foi comunicada no XIII Encontro Estadual da Anpuh-PB, intitulado Histria e Historiografia: entre o nacional e o regional, realizado no ano de 2008 na cidade de Guarabira, Paraba, Brasil, tendo figurado nos anais do referido Encontro sob o ttulo: "Estado e Sociedade Civil na Paraba na poca da transio para a democracia (1974-1979)". Ali, contudo, se inclura outras contribuies advindas de um projeto de iniciao cientfica registrado no CNPq/UFPB, feitas pelas orientandas Talita H. C. Nascimento e Suelly Cinthia C. Santos. 2 A tese, inicialmente levantada pelo brasilianista Stepan (1988, p.10), de que a liberalizao comeou dentro do aparelho de Estado e foi estimulada imediatamente por algumas das instituies da prpria situao poltica autoritria, hoje aceita pela maioria dos analistas da transio brasileira para a democracia iniciada no incio do governo Geisel. Lamounier (1988, p.

    RESUMO: No Estado da Paraba, devido algumas de suas caractersticas, tais como: atraso econmico, cultura poltica oligrquica e autoritria, a sociedade considerada frgil. No entanto, isto no impede que em determinadas conjunturas ela possa ter uma atuao contestadora da ordem vigente. Este artigo pretende analisar a atuao poltica, social e cultural da sociedade civil brasileira e em especial na paraibana Igreja, partidos polticos, sindicatos, associaes de classe, movimentos sociais, etc. na poca da transio para a democracia no Brasil, com objetivo de verificar a importncia da mesma para a redemocratizao do pas. Tambm iremos observar a forma como o Estado, a nvel federal, estadual e municipal reage ao desempenho da sociedade civil no territrio brasileiro e especificamente no paraibano. Palavras-chaves: Estado; Sociedade Civil; Democracia.

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    liberalizao gradual do regime, e s terminou definitivamente, apesar do governo

    civil do Presidente Jos Sarney (1985-1989), em 19893, com a realizao da primeira

    eleio presidencial direta, depois de trs dcadas. Segundo Keck:

    [...] to notvel quanto a durao da transio foi a tentativa de os militares manterem o controle sobre a situao durante grande parte do processo, bem como o desejo demonstrado pelas foras polticas mais importantes no campo democrtico de no precipitar uma ruptura decisiva com o regime autoritrio (KECK, 1991, p. 11).

    A poltica de distenso, promovida pelo governo Geisel, foi um programa

    de medidas liberalizantes, cuidadosamente controladas, e definido no contexto do

    slogan oficial de continuidade sem imobilidade. A continuidade era vista no

    sentido de que se deveria manter fiel s linhas mestras do modelo econmico de

    131) tambm afirma que no faltam evidncias de que os passos iniciais da abertura foram deliberados. Ele destaca os seguintes fatos que apontavam nesta direo: a presena de Armando Falco no Ministrio da Justia; indicaes de que seria suspensa a censura prvia; o apelo de Geisel imaginao criadora, durante seu discurso de posse, manifestando a esperana de que fossem encontradas solues que tornassem gradualmente desnecessrias as intervenes revolucionrias, baseadas em Atos Institucionais; e, no campo da legislao eleitoral, a chamada Lei Etelvino Lins, de 1974, um dos poucos projetos de iniciativa parlamentar estimulados pelo Executivo, que garantia o acesso igual e gratuito dos partidos polticos ao rdio e televiso, durante as futuras campanhas. Seguindo a mesma linha de raciocnio, Cava (1988, p. 238) afirma: Hoje em dia, quase todos concordam que a poltica de distenso teve origem nos prprios meios militares, visando primeiramente, se no de modo exclusivo, controlar uma ao minoritria da linha dura dentro das Foras Armadas. [...] Em nenhum momento essa poltica, ou as modificaes subseqentes que sofreu, pretendeu de fato devolver o poder Executivo do governo ao controle civil antes de meados da dcada de 90. Numa palavra, a distenso (que, depois de 1978, passou a ser chamada de abertura [...] era na verdade uma poltica estimulada pelo faccionalismo interno dos militares e que visava assegurar de maneira mais habilidosa o controle militar a longo prazo. 3 A transio, como veremos, ter vrias fases, uma primeira, denominada de distenso, durante o governo do General Geisel, onde praticamente toda a iniciativa parte do governo que tem um controle parcial do processo. Durante o governo do General Figueiredo, foi denominada de abertura. Nesta fase, pela prpria dinmica do processo, o governo comeou a perder o controle da situao, com o surgimento dos novos movimentos sociais, principalmente, o movimento sindical. Contudo, o governo s perde a iniciativa do processo com o advento das eleies diretas para governadores de Estado em 1982. Com a eleio indireta, via Colgio Eleitoral, do civil oposicionista, Tancredo Neves, para Presidente da Repblica, em 1984, pode-se dizer que a ditadura acabou, pois houve alternncia de poder e no governo de Jos Sarney, substituto de Tancredo Neves, que morreu, antes mesmo de assumir o cargo, foi convocada uma Assemblia Nacional Constituinte. Todavia, mesmo com o fim da ditadura militar e o incio do governo civil, o processo de redemocratizao s se completou definitivamente com a promulgao da nova Constituio, em 1988, e a realizao das eleies diretas para Presidente da Repblica, em 1989.

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    desenvolvimento adotado e aos preceitos tericos da Doutrina de Segurana

    Nacional4, preservando, assim, os principais aspectos do aparato repressivo.

    Quanto tese da sem imobilidade referia-se ao plano governamental de

    reformas que pretendia ser um passo frente na liberalizao progressiva, para

    uma volta democracia.

    De acordo com Alves, o governo pretendia fazer a distenso em estgios

    bem planejados, e na seguinte ordem: suspenso parcial da censura prvia;

    negociaes com a oposio para o estabelecimento dos parmetros de tratamento

    dos direitos humanos; reformas eleitorais, para elevar o nvel de representao

    poltica; revogao das medidas mais coercitivas, inclusive o Ato Institucional no 5.

    Para ela: A meta global da poltica de distenso era concluir a institucionalizao

    do Estado de Segurana Nacional e criar uma representao poltica mais flexvel,

    de modo a baixar os nveis de dissenso e tenso que haviam tornado muito forte

    as presses (ALVES, 1989, p. 186).

    O sistema poltico que se pretendia desenvolver foi definido pelo Presidente

    Geisel como democracia relativa ou democracia forte. Nele, o Estado disporia,

    pela Constituio, de salvaguardas e poderes repressivos de emergncia para

    suspender os direitos individuais e governar por decreto sempre que surgisse

    alguma ameaa direta de contestao organizada ao regime. Todavia, as

    instituies polticas de representao seriam dotadas de flexibilidade para

    permitir uma participao restrita no processo decisrio. Enfim, diz Alves:

    Era um programa atento advertncia do General Golbery de que a represso ilimitada, na busca de uma segurana absoluta, levaria em ltima anlise debilitao da segurana nacional pretendida. A teoria da distenso e as polticas derivadas dessa anlise

    4 Sobre as origens, desenvolvimento e conceitos bsicos da Doutrina de Segurana Nacional e Desenvolvimento formulada pelas Foras Armadas brasileiras e a tentativa de sua institucionalizao aps o golpe militar de 1964. (Ver ALVES, 1989).

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    constituam uma derradeira busca de legitimao do Estado. Tentava-se negociar e incorporar algumas das principais exigncias da oposio de elite, num esforo de ampliao da base de sustentao do Estado. Simultaneamente, garantia-se o controle da sociedade civil pela aplicao seletiva do poder coercitivo (ALVES, 1989, p. 186).

    Dando prosseguimento poltica de distenso iniciada no governo Geisel,

    o seu substituto Joo Batista de Figueiredo adotou a poltica de abertura. O seu

    governo ampliou a poltica de liberalizao, porm permaneceu dentro dos

    parmetros da democracia forte estabelecida por Geisel. Tanto a poltica de

    distenso com a de abertura compreendia uma srie de fases de liberalizao,

    planejadas e controladas pelos estrategistas polticos do Regime Militar. Foi aberto

    um espao poltico suficiente para conter a oposio de elite, na esperana de se

    obter maior estabilidade e apoio ao Regime, ao mesmo tempo, que era limitada a

    participao de setores da populao que pudessem fazer uma oposio de carter

    classista ao regime. Dessa forma, grupos ligados aos movimentos sociais de

    trabalhadores e camponeses enfrentaram represso, enquanto grupos que no

    eram considerados suficientemente organizados para configurar antagonismo ou

    presso puderam reorganizar-se e participar das decises governamentais (ALVES,

    1989, p. 225).

    Este trabalho pretende analisar a atuao poltica, social e cultural da

    sociedade civil paraibana Igreja, partidos polticos, sindicatos, associaes de

    classe, movimentos sociais, etc. na poca da transio para a democracia no

    Brasil, com o objetivo de verificar a importncia da mesma para a

    redemocratizao do pas. Tambm iremos observar a forma como o Estado, a

    nvel federal, estadual e municipal reage ao desempenho da sociedade civil no

    territrio paraibano.

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    1. O Estado e a sociedade civil no processo de transio no Brasil

    At o final dos anos de 1960, a Igreja Catlica no Brasil no se ops ao

    regime militar implantado em 1964, pelo contrrio, chegou at a apoi-lo. Segundo

    Cava, dois fatos marcaram a mudana dessa poltica: primeiro, quando em 1970, a

    Pontifcia Comisso de Justia e Paz do Vaticano e, posteriormente, o prprio Papa

    Paulo VI denunciaram a tortura no Brasil. No ano seguinte, Dom Paulo Evaristo

    Arns, recm nomeado Arcebispo de So Paulo, condenou publicamente a tortura

    de funcionrios da Igreja nas prises do Segundo Exrcito, em So Paulo. Assim,

    no incio dos anos de 1970, a Igreja Catlica brasileira viu-se liderando uma

    campanha mundial contra a tortura no Brasil. O segundo fato aconteceu no final de

    1979, na data do vigsimo quinto aniversrio da Declarao Universal dos Direitos

    Humanos das Naes Unidas, quando as Igrejas crists do Brasil ( exceo das

    pentecostais) lanaram por todo o pas uma campanha pelos direitos humanos.

    Dessa forma, segundo Ralph Della Cava:

    Fora dado o primeiro passo coletivo no sentido de negar legitimidade ao regime. Mais ainda, na ausncia de associaes voluntrias viveis e de partidos polticos, as Igrejas de um modo geral e, em particular, a Igreja Catlica, j ento se haviam transformado na mais proeminente fora de oposio ao domnio militar. No caso da Igreja Catlica, excetuando-se os prprios militares, nenhuma outra instituio dispunha, como ela, de uma rede de quadros espalhados por toda nao, de um sistema de comunicaes (ainda que somente de porta em porta) que funcionasse apesar da censura e, ao contrrio dos militares, de uma organizao em escala mundial com a qual pudesse contar em termos de apoio e na qual pudesse confiar para dispor de uma audincia internacional (DELLA CAVA, 1988, p. 237).

    Aps o culto ecumnico realizado na Catedral de So Paulo, por ocasio da

    morte, sob tortura, nas dependncias do Segundo Exrcito, do jornalista Vladimir

    Herzog, a Igreja se viu moralmente autorizada a agir por delegao em nome da

    sociedade civil. A Comisso de Justia e Paz da Arquidiocese de So Paulo passou

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    a dividir com a OAB a tarefa da campanha contra a tortura, convertendo-se numa

    fora da sociedade civil de mbito nacional (DELLA CAVA, 1988, p. 240).

    Segundo Cava, trs fatores ajudaram para essa nova postura da Igreja

    Catlica: primeiro, uma nova hegemonia que comeou a se formar dentro da

    referida instituio de setores progressistas, vinculados s causas populares;

    segundo, a legitimao, por parte da CNBB, desse processo que comeara a se

    desenvolver e, por ltimo, a emergncia dos novos movimentos sociais seculares

    no meio das classes populares, principalmente, nas periferias de So Paulo, a partir

    de 1973, onde a Igreja teve uma participao direta (DELLA CAVA, 1988, p. 243).

    Alves (1989, p. 201) considera que, em termos polticos, o aspecto mais

    marcante da atuao da Igreja Catlica, no perodo de transio, foi sua capacidade

    de articular a poltica formal e a poltica de base. No terreno da poltica

    formal, a atuao desta deu-se atravs da Conferncia Nacional dos Bispos

    (CNBB). Na poltica de base, atravs das vrias pastorais criadas pela Igreja, tais

    como: a da Terra, a do Mundo do Trabalho, a dos Direitos Humanos, etc. Esse tipo

    de organizao permitiu Igreja implantar uma ampla rede de grupos locais,

    arregimentando milhares de pessoas para trabalhar numa determinada rea.

    Assim, por exemplo, a Pastoral dos Direitos Humanos atuou em todas as

    comunidades de base criadas pela Arquidiocese de So Paulo e disseminadas pelos

    grupos locais em parquias, associaes de moradores e fbricas. Estas

    organizaes de base foram fonte de influncia social e poltica da Igreja e tinha

    um sistema de comunicao oral eficiente, comunicando rapidamente

    Arquidiocese a priso de militantes polticos para que a Igreja pudesse agir em sua

    defesa.

    Outra entidade que desempenhou importante papel na luta contra a

    ditadura foi a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo com Alves (1989,

    p. 209), as atividades da OAB na esfera judiciria foram importantes para ajudar a

    neutralizar elementos da cultura do medo: a defesa dos presos polticos combatia

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    tanto o isolamento quanto descrena; e as campanhas educativas de

    esclarecimentos promovidas pela entidade eram eficazes instrumentos contra o

    silncio at ento imposto. Para a referida autora, os advogados aderiram

    oposio ao Regime Militar por dois motivos: primeiro, este criou uma estrutura

    paralela de leis extraordinrias outorgadas e revogadas por decretos do Executivo,

    que coexistia com o corpo tradicional de leis legitimadas pela Constituio. Esta

    dupla estrutura dificultava o trabalho profissional dos advogados. Segundo, os

    advogados que defendiam presos polticos ou investigavam as atividades do

    aparato repressivo tornavam-se constantemente alvos da represso. Diante desta

    situao, os advogados utilizaram sua entidade profissional para pressionar o

    governo federal e for-lo a restabelecer o estado de direito e revogar a estrutura

    paralela.

    Alves considera que a atuao da OAB foi particularmente importante, no

    estabelecimento dos limites entre o quadro jurdico legtimo o das leis

    promulgadas pelo Congresso de acordo com a Constituio e o sistema jurdico

    paralelo e ilegtimo o das leis de exceo impostas pelo Executivo a partir de 1964

    sem a aprovao do Congresso; na defesa dos direitos humanos e na exigncia da

    revogao da legislao repressiva; e no esclarecimento da opinio pblica sobre

    questes legais e direitos pblicos e civis. Mas, para a referida autora, em termos

    polticos, a contribuio mais importante da OAB foi provavelmente:

    [...] o questionamento da legitimidade da estrutura legal do Estado de Segurana Nacional. A Ordem e alguns respeitados juristas estabeleceram uma distino entre o estado de Direito definido como sistema regido por legtimas estruturas legais e o estado de exceo caracterizado como de estruturas legais ilegtimas. As definies e a insistncia nessa distino negava ao Estado de Segurana Nacional a legitimao que buscara com sua constante preocupao em baixar decretos-leis, atos institucionais (ALVES, 1989, p. 211).

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    A Associao Brasileira de Imprensa (ABI) tambm teve um papel

    importante na luta contra a ditadura militar instalada em 1964 no Brasil,

    principalmente na luta contra a censura prvia aos rgos de imprensa. Nos

    primeiros anos do regime militar, quando a censura prvia imprensa ainda no

    havia sido instalada, o papel da ABI limitou-se coordenao das atividades dos

    jornalistas, defesa dos profissionais ameaados e promoo de debates

    educativos, conferncias e sesses de estudo. Contudo, aps a promulgao do AI-

    5, a imprensa passou a sofrer a censura prvia e outras formas de controle. Diante

    dessa nova conjuntura, a ABI alm de d prosseguimento a sua atuao educativa,

    deu cobertura organizao de comisses e grupos de combate censura

    imprensa e a outras atividades culturais de modo geral. Assim, a partir de 1969,

    tornou-se cada vez mais ativa como frum para manifestao de recusa aos

    controles impostos opinio e ao pensamento, coordenando atividades de grupos

    de oposio que defendiam a liberdade de expresso, canalizando-as para o

    terreno da poltica formal, de modo a exercer presso direta sobre o Estado.

    Alm das atividades desenvolvidas pela ABI, a prpria imprensa

    desenvolveu formas alternativas de resistncia censura prvia. Esta reao

    assumiu duas formas: o surgimento de semanrios ou tabloides alternativos de

    oposio, que criticavam mais livremente as polticas econmicas e repressivas do

    governo; e a articulao de campanhas simblicas de resistncia censura, que

    consistia na publicao indireta ou disfarada de informaes, para leitura nas

    entrelinhas, e, de forma direta, na veiculao de comprovaes da censura. Vrias

    tcnicas foram utilizadas pelos rgos de imprensa para mostrar a dureza da

    censura no pas: um espao era deixado em branco para ficar claro que houve veto,

    se estampava poemas, receitas culinrias, fotografias de animais enjaulados no

    lugar dos textos censurados, etc (ALVES, 1989, p. 215 e segs.). Segundo a referida

    autora, a fuso exercida pelas atividades da ABI e a campanha simblica dos

    principais jornais obrigaram o governo do Presidente Geisel a eliminar a censura

    prvia grande imprensa, em 1975, e, em 1978 imprensa alternativa.

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    Com a suspenso da censura prvia, a imprensa passou a exercer um papel

    importante no processo de liberalizao do regime, veiculando crticas ao modelo

    econmico adotado pelo Regime Militar, denunciando corrupo no governo,

    dando abertura s denncias de tortura a presos polticos e exigindo investigao e

    o fim da violncia. Para Alves:

    Os setores da elite da oposio (a CNBB, a OAB, a ABI e os grupos organizados no MDB) desempenharam papel decisivo em ambos os governos, de Geisel e de Figueiredo. Eles ampliaram o espao poltico, enfrentando o Estado a partir de suas posies de autoridade na sociedade civil e questionando a legitimidade que o Estado de Segurana Nacional tentava assumir. Estes setores tambm lograram bloquear as tentativas de reinstaurar medidas coercitivas (ALVES, 1989, p. 226).

    A partir de meados da dcada de 1970, com a liberalizao parcial do

    regime e a revogao do AI-5, abriu-se a possibilidade legal para o surgimento de

    um movimento popular configurado na aliana entre as comunidades de base

    ligadas Igreja, os grupos associativos seculares e um novo movimento sindical,

    do campo e das reas urbanas. A partir do governo Figueiredo, este movimento

    viria desempenhar um papel importante no processo poltico e na oposio ao

    regime militar. Segundo Mainwaring:

    Seria enganoso atribuir peso significativo aos movimentos populares no incio da abertura. Alis, a debilidade dos movimentos populares, e no sua fora, foi um fator importante na criao de confiana dentro do regime, para que ele pudesse se liberalizar sem temer efeitos adversos. E especialmente nas reas rurais, a abordagem do regime aos movimentos populares permaneceu repressiva at 1978.

    Entretanto, a abertura permitiu mais espao para os movimentos populares, os quais usaram esse espao para colocar novos itens na agenda poltica (MAINWARING, 1988, p. 306).

    Lamounier tambm concorda com a tese de Mainwaring. Para ele:

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    A importncia dos movimentos da chamada sociedade civil movimentos estudantis, religiosos, de associaes profissionais, finalmente sindicais no foi tanto a de forar o incio da abertura, mas sim a de ir aos poucos criando constrangimentos no formais, porm eficazes, ao exerccio ditatorial do poder (LAMOUNIER, 1988, p. 124).

    Estes movimentos de base eram de dois tipos: os movimentos seculares e os

    vinculados Igreja Catlica. As organizaes de base seculares eram associaes

    cvicas, independentes do Estado em financiamento e administrao. Estas

    organizaes tinham nomes variados: associaes de moradores de bairros,

    sociedades ou associaes de amigos de bairros, associaes de moradores de

    favela ou associaes comunitrias. Elas objetivavam mobilizar a populao para

    atividades de presso poltica, privilegiando a mobilizao da comunidade para

    obteno de melhorias no bairro (ALVES, 1989, p. 225-226). Segundo esta autora:

    Durante o perodo do Estado de Segurana Nacional, as associaes de moradores e favelados tm desempenhado papel decisivo na organizao dos pobres. A partir de suas organizaes locais, a populao aprendeu a coordenar campanhas mais amplas, de nvel estadual ou nacional, para pressionar o governo (ALVES, 1989, p. 229).

    Quanto aos movimentos de base vinculados Igreja Catlica, alm da parte

    canalizada institucionalmente pelas organizaes da CNBB e das diferentes

    pastorais, surgiram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)5. Elas so pequenos

    grupos de fiis organizados junto a uma parquia urbana ou rural e tm

    geralmente origem no trabalho de agentes pastorais, animadores de comunidades

    ou diconos, padres e membros de ordens religiosas. Segundo Alves:

    A importncia poltica e social das CEBs est em sua capacidade de despertar a conscincia crtica da condio de opresso e estimular o respeito prprio, a esperana e, em conseqncia, uma efetiva

    5 Sobre as origens e a histria das CEBS, ver Camargo (1982, p. 59-81) e Beto (1981).

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    ao pela mudana. O papel conscientizador das CEBs tem contribudo para o significativo fortalecimento dos movimentos populares de base. Elas desempenham duas importantes funes no movimento social global: estimulam a efetiva organizao e inspiram profundo compromisso com a participao democrtica interna, valorizando cada ser humano e ativando seu potencial como agente de mudana histrica. Desse modo, as comunidades de base tm sido verdadeiras escolas de semeadura da participao democrtica (ALVES, 1989, p. 235-236).

    Em meados de 1978, um novo personagem entra em cena, os trabalhadores

    urbanos - que estavam afastados da cena poltica desde a represso s greves de

    Osasco e Contagem em 1968 - com a greve da indstria automobilstica do ABC,

    cinturo industrial de So Paulo, liderada pelo presidente do Sindicato dos

    Metalrgicos de So Bernardo, Lus Incio Lula da Silva.

    O movimento sindical brasileiro parecia adormecido no incio dos anos

    70, aps toda represso que se abateu sobre ele, desde o golpe militar de 1964.

    Todavia, no interior das fbricas, havia pequenas mobilizaes por melhores

    condies de trabalho, reajustes salariais, etc., que levavam realizao de aes

    do tipo operao tartaruga, a greves de algumas horas, recusa de fazer horas-

    extras e atos de ativismo no visveis para a sociedade como um todo, mas que

    serviram para manter a identidade dos trabalhadores enquanto grupo social.

    A partir da distenso, lenta, gradual e segura, de Geisel, em 1974, a

    conjuntura tornou-se mais favorvel para o movimento sindical e, a partir da,

    foram surgindo fatos que levaram reorganizao do movimento sindical

    brasileiro, como a campanha de reposio salarial realizada pelo Sindicato dos

    Metalrgicos do ABC, a partir da descoberta da falsificao do ndice da inflao

    para o ano de 19736. Esta campanha, apesar de no ter sido vitoriosa, serviu para

    6 O DIEESE descobriu que o governo publicou um ndice inflacionrio menor do que o realmente havido, com o objetivo de conceder uma menor reposio salarial aos trabalhadores. Esta fraude foi depois confirmada pelo Banco Mundial e publicada na imprensa em 1977, o que desencadeou uma campanha pela reposio do que os trabalhadores tinham perdido na poca.

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    que os trabalhadores percebessem que o sindicato era alguma coisa alm de um

    servio de assistncia social. Serviu, tambm, para que o sindicato percebesse a

    importncia da mobilizao dos trabalhadores, j que as lutas anteriores tendiam a

    ser encaminhadas por meios jurdicos, sem a participao dos trabalhadores, e a

    luta pela reposio salarial ajudou a atrair amplos setores da sociedade para o

    movimento.

    Outro fato marcante foi realizao do V Congresso da Confederao

    Nacional dos Trabalhadores na Indstria (CNTI), no Rio de Janeiro, em 1978. Neste

    encontro, um grupo de sindicalistas dos sindicatos oficiais, entre os quais se

    encontrava Lula, na poca, presidente do Sindicato dos Metalrgicos do ABC,

    ops-se cpula da CNTI, considerada vinculada aos interesses dos patres e do

    governo, formando um grupo de oposio. Estes sindicalistas passaram a ser

    denominados desde ento, de sindicalistas autnticos (KECK, 1988, p. 325 e

    segs.). Segundo Rodrigues, deste grupo:

    [...] faziam parte, de um lado, a nova gerao de diretores de sindicatos

    [...] que nesse momento poderiam ser classificados tambm como

    independentes e, de outro lado, os sindicalistas com vinculao

    partidria, basicamente com o PCB [...]. Em funo da reunio da CNTI,

    quando os dois grupos se aproximaram na crtica aos dirigentes dessa

    entidade e na defesa de uma postura mais militante do sindicalismo surgiu

    um organismo de coordenao, a Intersindical7 de existncia efmera

    (RODRIGUES, 1991, p. 15-16).

    Outro fato considerado significativo foi a realizao do IX Congresso de

    Trabalhadores nas Indstrias Metalrgicas e de Material Eltrico do Estado de So

    Paulo, em janeiro de 1979. Nele se colocou a criao de uma Central nica dos

    7 A Intersindical, apesar das divergncias entre os sindicalistas combativos, liderados por Lula, e os reformistas, liderados pelos partidos comunistas, se manteve at os momentos que antecederam a criao da CUT, em 1983, quando no mais foi possvel manter a unidade entre estas correntes.

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    Trabalhadores como um dos objetivos a ser alcanado pelos trabalhadores e

    tambm se defendeu a criao de um Partido dos Trabalhadores8.

    A partir da segunda metade dos anos de 1970, o movimento estudantil, que

    foi duramente reprimido a partir de 1968 e teve suas organizaes representativas

    autnomas proibidas de funcionar, volta a ter uma atuao pblica e uma

    influncia importante na luta contra a ditadura devido sua visibilidade. Segundo

    Marcondes:

    Caberia ao movimento estudantil, o ME, a honra de ser o primeiro a botar a cara para bater. Literalmente.

    Primeiro, foram as manifestaes dentro do campus. Contra diretores de faculdades autoritrios, contra a poltica educacional do governo, por melhorias nos restaurantes universitrios [...]. At chegar as reivindicaes mais politizadas, como passeatas pela libertao dos presos polticos. Eram chamadas cada vez mais frequente assembleias gerais universitrias, que uniam estudantes das diversas faculdades, tornando palpvel a reconstruo do Diretrio Central (MARCONDES, 1997, p. 7).

    Em 1977, um protesto sobre questes acadmicas prolonga-se para

    manifestaes antigovernamentais. Apesar da represso, na maioria das

    manifestaes tentativa de greve na UNB e priso de 850 estudantes, que pediam

    o restabelecimento da democracia num encontro nacional de estudantes em Belo

    Horizonte a polcia mostrava hesitao. Segundo Skidmore, Pela primeira vez

    desde 1968, os ativistas sentiram que poderiam enfrentar o aparelho de segurana (1988,

    p.43).

    8 A proposta de criao do Partido dos Trabalhadores foi levada ao referido Congresso pelo ento deputado federal do MDB paulista, Benedito Marclio, presidente do Sindicato dos Metalrgicos de Santo Andr, que mantinha relaes com a organizao trotskista, Convergncia Socialista, apesar de no fazer parte da mesma. A referida proposta foi aprovada e passou a constar nas resolues do mesmo.

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    No mesmo ano, os estudantes comearam a reorganizao da UNE, com

    uma srie de manifestaes e passeatas, inicialmente em So Paulo, posteriormente

    em todo pas. No dia 22 de setembro de 1977, os estudantes realizaram na USP um

    Encontro Nacional para eleger uma comisso de representantes que se

    encarregaria da reorganizao clandestina da UNE. Ao mesmo tempo, na PUC se

    realizava uma assemblia universitria programada para encobrir o Encontro

    secreto. Ao fim da assemblia, foi comunicada a realizao do referido Encontro, e

    os estudantes decidiram realizar, noite, uma comemorao aberta no auditrio da

    Universidade, mas foram duramente reprimidos pela Policia Militar de So Paulo,

    comandada pelo coronel Erasmo Dias. Bombas feriram dezesseis estudantes,

    centenas foram presos e sete enquadrados na Lei de Segurana Nacional.

    Durante esse perodo de reorganizao do movimento estudantil que se

    iniciou na USP e se espalhou por todo Brasil, as principais tendncias que

    disputavam a liderana do movimento eram as seguintes: Refazendo, originada de

    militantes da Ao Popular (AP); Liberdade e Luta (Libelu), vinculada

    Organizao Socialista Internacionalista (OSI); Caminhando, ligada ao PC do B;

    Alternativa, ligada Organizao Revolucionria Marxista Poltica Operria

    (Polop) e Organizar a Luta, ligada ao MEP.

    2. A transio no Estado da Paraba

    A candidatura do deputado federal Antnio Mariz, ao governo do Estado

    da Paraba em 1978, pela ARENA, foi um desafio ao sistema implantado em 1964,

    com o golpe poltico-militar, no Estado, e chegou a ter certa repercusso a nvel

    nacional. Esta candidatura foi fruto dos desentendimentos ocorridos a partir do

    chamado Acordo de Braslia. Este acordo celebrava a reconciliao poltica entre

    os ex-governadores do Estado, Joo Agripino e Ernani Styro, que estavam

    rompidos dentro da ARENA desde 1974, e procedia-se uma diviso dos cargos em

    disputa. Pelo acordo, o ento governador Ivan Bichara seria lanado ao senado,

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    pela via direta, Ernani Styro seria o senador binico e o deputado federal Antnio

    Mariz, o governador. Mas este acordo no foi aceito de forma unnime pelos

    diversos lderes polticos do Partido. Ele deixou de fora figuras do Partido como os

    senadores Domcio Gondim e Milton Cabral e o deputado federal Wilson Braga.

    Quanto aos primeiros, alegava-se que no tinham densidade eleitoral. Com relao

    a Braga, pairava contra ele a acusao de ter-se aliado, juntamente com os

    deputados federais da Paraba, Teotnio Neto e Maurcio Leite, ao grupo de

    parlamentares articulador da candidatura do General Silvio Frota Presidncia da

    Repblica.

    O governador Ivan Bichara no aceitou o acordo e comeou a trabalhar pela

    candidatura do senador Milton Cabral para governador do Estado, ao mesmo

    tempo procurava inviabilizar a candidatura de Mariz. Um relatrio tentando

    relacionar o deputado Antnio Mariz com os polticos cassados pelo regime militar

    de 1964 foi enviado para o Presidente da Repblica, Joo Batista de Figueiredo,

    pela ARENA da Paraba. Conforme reproduziu Jrio Machado, o documento traz

    sobre Mariz o seguinte:

    Fora de dvida que o deputado federal Antnio Mariz, pelo seu passado de ativista e pela sua formao marxista (foi secretrio geral da UNE) no tem condies para ajustar-se aos ideais revolucionrio de 1964, como tem demonstrado nas suas manifestaes pblicas, na sua atuao no Congresso Nacional, nas suas amizades e nos atos praticados nos cargos que chegou a ocupar.

    No obstante ter sido poupado pela revoluo, at hoje, tem mantido perfeita coerncia com o seu passado, jamais tendo qualquer palavra de apoio ao movimento de 1964 ou simpatia causa revolucionria (MACHADO, 1978, p. 45).

    Bichara no conseguiu emplacar a candidatura do senador Milton Cabral

    para governador, junto aos militares, todavia conseguiu vetar a candidatura do

    deputado federal Antnio Mariz e indicar o seu Secretrio de Educao, Tarcsio

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    de Miranda Burity para o cargo de governador, ficando Milton Cabral com a vaga

    de candidato a senador binico. Porm, Mariz no aceitou passivamente a sua

    preterio como candidato da Arena ao governo do Estado, e, ao retornar a

    Paraba, fez um discurso na Praa Joo Pessoa, para um grande contingente de

    pessoas, criticando todo o processo de escolha e o prprio regime.

    Mariz, ao no aceitar a deciso tomada em Braslia, decidiu registrar sua

    candidatura a governador. Tinha-se dessa forma, duas candidaturas ao governo do

    Estado da Paraba, dentro da Arena. Ainda conforme Jrio Machado, assim se

    referiu um reprter da revista Isto sobre a eleio da Paraba: a Paraba est

    preparada para assistir [...] mais agitada de todas as convenes arenistas do pas, j que

    uma vitria de Mariz ter o impacto de um p-de-cabra forando a porta do sistema. E

    talvez disparando o alarme do AI-5 (Cf. MACHADO, 1978, p. 120).

    Na conveno, dos 286 convencionais aptos para votar, compareceram e

    votaram 281. Tarcsio Burity teve 152 votos e Antnio Mariz 124. Trs votaram em

    branco e dois nulos. Para senador binico, Milton Cabral derrotou o ex-

    Governador Ernani Styro por 162 votos a 111. Cinco votaram em branco e trs

    nulos.

    Aps sua derrota, para o governo do Estado, Mariz e outros dissidentes da

    ARENA, apoiaram Humberto Lucena, do MDB, na eleio direta para o Senado,

    que derrotou o candidato da ARENA, o ex-governador Ivan Bichara. Assim,

    segundo Rolim:

    As causas da derrota da Arena, na Paraba, no esto enquadradas no cenrio geral que caracterizou as vitrias do MDB em So Paulo, Rio de Janeiro, Paran, Rio Grande do Sul ou Minas Gerais. Acham-se aqui mesmo, como decorrncia do desfecho da escolha do Governador (ROLIM, 1979, p. 121).

    Apesar dos dissidentes da ARENA terem contribudo para a derrota do

    Partido nas eleies para o senado, Mello destaca que os membros da mesma no

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    tinham o perfil de contestadores do regime e aderiram dissidncia por questes

    pessoais e de disputas por espao na poltica local. Buscando comprovar esta

    afirmao, afirma que:

    [...] mesmo com a radicalizao avanando, esses deputados e os prefeitos que o acompanhavam continuaram, com raras excees, a frequentar as Secretarias de Estado do Governo tanto antes quanto depois do afastamento do Governador Bichara em busca de benesses, como bolsa de estudos, subvenes, auxlios e at nomeaes, no festim de despedida do bicharismo (MELO, 1978, p. 294).

    A responsabilidade de imprimir contedo programtico dissidncia

    caber ao deputado Antnio Mariz. Este, alm de fazer crticas ao regime no seu

    discurso em praa pblica, ao ter seu nome rejeitado pela ARENA, em outra

    oportunidade, num discurso na Cmara dos Deputados, teceu crticas mais

    profundas ao regime militar. Na ocasio, ele atacou a ausncia, no processo

    poltico nacional, de liberdade e participao, a institucionalizao dos senadores

    binicos, o abandono do Nordeste, a m distribuio da renda nacional, a funo

    draconiana da lei de greve, os crditos educativos, por os mesmos comprometerem

    a gratuidade da educao, e concluiu sua interveno, defendendo um reforma

    constitucional que restitusse a democracia, como expresso da liberdade em todas as

    suas formas (MELO, 1978, p. 295).

    Alm do apoio dos dissidentes da ARENA, outros fatores que contriburam

    para a vitria do MDB, na eleio para o Senado na Paraba, foram: o recurso da

    sublegenda e a estrutura partidria do MDB, pois a Paraba era um dos poucos

    estados do Nordeste onde o MDB detinha um significativo nmero de prefeituras

    e diretrios municipais na maioria das cidades (ROLIM, 1979, p. 121). O autor

    citado conclui sua anlise das eleies de 1978, na Paraba, nico estado do

    Nordeste onde a oposio fez um senador, da seguinte forma: ... o que se infere

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    que a nica vitria da oposio nesta parte do Brasil foi alcanada de braos cruzados. O

    esforo maior - e decisivo ocorre nos arraias arenistas (ROLIM, 1979, p. 121).

    Quanto s eleies para a Cmara Federal e a Assemblia Legislativa, a

    ARENA e o MDB mantiveram o mesmo nmero de cadeiras, houve apenas

    algumas mudanas de nomes, sem nenhuma significao do ponto de vista poltico

    e ideolgico.

    Contudo, se as eleies de 1978, quanto estrutura de poder local, no

    apontaram para uma real transformao, em relao estrutura poltico-partidria,

    representaram um esgotamento do regime poltico militar, institudo com o Golpe

    de 1964. Pois:

    De um lado, a ciso no interior da ARENA um indicativo de que as foras polticas, mesmo aquelas vinculadas ao bloco de poder, j no podiam permanecer presas a um espao poltico restrito e limitado. Suas divergncias internas j extrapolavam os limites da convivncia no interior de uma mesma legenda e exigiam a abertura de novos espaos de atuao poltica. Por outro lado, a macia presena popular que acompanhou a campanha de Mariz, dando a essa eleio ares de disputa democrtica pelo voto do povo, tambm ilustrativa da impossibilidade de ainda manter-se a populao afastada da vida poltica nacional (CITTADINO, 1999, p. 127).

    No campo social, neste perodo de abertura poltica, h retorno de alguns

    movimentos, principalmente de conflitos pela terra. Entre os principais, esto os

    das fazendas de Alagamar, Retirada, Mucat, Coqueirinho, Cachorrinho,

    Mumbaba e Camucim9, e um incipiente movimento sindical combativo,

    influenciado pelos acontecimentos do ABC e pelo trabalho de base da Igreja

    Catlica.

    O Estado da Paraba, como outros estados brasileiros, sofreu um processo

    concentracionista da terra, que se deu de forma brutal e violenta, com a expulso

    9 Para um levantamento minucioso dos conflitos de terra da Paraba, do final da dcada de 1970 a segunda metade da dcada de 1990, ver Emlia Moreira (1997). Aqui iremos apresentar apenas alguns conflitos acontecidos no perodo analisado.

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    de suas terras dos pequenos proprietrios e arrendatrios. Este processo foi

    garantido com o golpe militar de 1964, com a desmobilizao dos trabalhadores

    rurais e camponeses aps o massacre das Ligas Camponesas. dentro deste

    processo acelerado de concentrao de terra e do processo de distenso poltica do

    regime militar que se d a luta dos camponeses por sua permanncia na terra.

    Os camponeses da Grande Alagamar (Salomo, Urna, Mombuca, Saco, Serra

    de So Jos, Sapocaia, Cavalo Morto, Furna dos Caboclos, Teju, Piacas, Maria de

    Mulo, Caipora) ocupavam esta terra h mais de 40 anos como arrendatrios, e

    gozavam de uma certa liberdade. Segundo o Arcebispo da Paraba, na poca,

    Dom Jos Maria Pires.

    Enquanto vivia, o Senhor Arnaldo Maroja dava liberdade aos moradores de cultivarem a terra plantando lavouras de subsistncia e criando alguns animais. O proprietrio contentava-se com o foro que lhe era pago em dia [...].

    At a morte do Senhor Maroja, essas famlias tinham uma situao calma e tranqila, visto que podiam trabalhar, produzir e morar na Fazenda de Alagamar sem sofrer presso. Eram respeitados seus direitos. Agora a coisa mudou. Toda aquela tranqilidade ruiu ante a radical mudana do sistema (ROLIM, 1979, p. 43).

    Com a morte do antigo latifundirio as terras passaram para os herdeiros

    que venderam a usineiros pernambucanos, que passaram a tentar explor-la

    segundo uma nova lgica do capital. Isto transformaria os arrendatrios em

    trabalhadores assalariados, com sua resistncia iniciou-se o conflito. Os

    trabalhadores tiveram total apoio da igreja atravs do Centro de Defesa dos

    Direitos Humanos da Arquidiocese, onde o advogado deste rgo, Wanderley

    Caixe - futuro candidato a prefeito de Joo Pessoa pelo PT - foi pea fundamental

    no desenrolar do conflito, os trabalhadores tambm procuraram o apoio do

    sindicato da categoria, FETAG, CONTAG, que se incorporaram luta, dentro de

    suas condies.

  • PAULO GIOVANI ANTONINO NUNES

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    O ano de 1977 foi todo de grande tenso, inclusive com alguns

    enfrentamentos diretos entre jagunos e trabalhadores. J em 1978, a luta teve

    outro encaminhamento, com a tentativa de mobilizar a opinio pblica no sentido

    de pressionar os organismos estatais, tanto a nvel federal como estadual para

    resolver o problema, mas nada de concreto foi obtido.

    Segundo Rolim, em outubro de 1978, um agrupamento de camponeses veio

    at Joo Pessoa com o intuito de relatar ao Governador do Estado, fatos violentos

    ocorridos naquela zona, pedir proteo policial e insistir na tese da desapropriao.

    Segundo o referido autor, o governo do Estado tomou algumas providncias, sem,

    no entanto, melhorar muito a situao, j que a resoluo do problema dependia

    do Governo Federal. Quanto aos proprietrios, havia uma certa preocupao,

    devido, sobretudo, ao receio de que uma deciso favorvel aos camponeses viesse

    a funcionar como estimulo a reivindicaes semelhantes em outras partes do

    Estado, onde j existiam sinais de crise. Alm disso, acusavam os setores da Igreja,

    entre eles, o Arcebispo Dom Jos Maria Pires, de serem coniventes e estimuladores

    da subverso. Como se pode observar nesse depoimento de Carlos Pessoa,

    Presidente da Federao da Agricultura do Estado da Paraba, na CPI da

    Assemblia Legislativa da Paraba.

    Minha denncia de que se o problema hoje est existindo aqui nessas propriedades, esses problemas tm sido criados por elementos comprometidos com a situao reinante no Pas; elementos que j estiveram envolvidos em atos de agitao, pelos quais foram condenados, que o caso, entre outros, do advogado Wanderley Caixe. A situao existente, esse clima de desentendimento que ns estamos observando nessas propriedades tm sido urdidos, ardilosamente, por estes cidades (sic) (ROLIM, 1979, p. 44).

    Na mesma linha de argumentao foi o depoimento na referida CPI de

    Waldomiro Coutinho, proprietrio na zona conflituosa:

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    Existe uma liderana fora da liderana sindical dos trabalhadores rurais, comandada pela Igreja na nossa terra e que o povo paraibano hoje j sabe, porque as palavras so pblicas, so em recinto aberto e no tem nada escondido. uma pregao totalmente contrria ao regime do Pas. O direito de propriedade, existiu, existe, e eles entendem de tirar esse direito que garantido para ns proprietrios (ROLIM, 1979, p. 45).

    Segundo Rolim, este era o quadro quando da visita do Presidente da

    Repblica, Ernesto Geisel a Paraba, no dia 7 de novembro de 1978, com o intuito

    de ajudar seus candidatos na eleio que se aproximava. Enquanto ele se reunia

    com lideranas arenistas no Palcio da Redeno, um grupo de camponeses se

    colocou em frente ao Palcio, na esperana de falar com o presidente e entregar-lhe

    um documento reivindicatrio. No foram recebidos por Geisel, mas este

    observando a movimentao, foi informado do fato pelo Governador Dorgival

    Terceiro Neto, e recomendou que o Memorial fosse recebido por um membro de

    seus auxiliares. Garantiu, ainda, que examinaria o assunto logo que chegasse a

    Braslia. Assim, s vsperas das eleies de 1978, Geisel assinou o Decreto no

    82.614, desapropriando 2.000 hectares de terras nas Fazendas Alagamar e Piacas,

    tentando como isso angariar votos para a ARENA, que estava bastante desgastada

    a nvel nacional. Tanto que, o governador Dorgival Terceiro Neto mandou

    divulgar a notcia de desapropriao, acompanhado de histrico de sua

    participao no caso, em continuidade s negociaes processadas, por Ivan

    Bichara Sobreira, antes de sair do Governo para pleitear mandato de Senador, pela

    via direta.

    Em 1979 novos fatos foram incorporados: a desapropriao decretada por

    Geisel no aconteceu de fato. Foi descoberta uma jazida de calcrio na rea, que

    veio valoriza-la, alm disso, as medidas do governo Burity, instalando um Posto

    Policial na rea, com a inteno de pacificar Alagamar s fizeram prejudicar os

  • PAULO GIOVANI ANTONINO NUNES

    PRIMA FACIE, V. 8, 14, JAN-JUN, 2009

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    trabalhadores. Maria Cndida Gonalves reproduz a seguinte matria do Jornal O

    Norte:

    Os trabalhadores rurais da fazenda Alagamar, na zona do Brejo Paraibano, disseram ontem que o clima de intranqilidade na regio em face da atitude suspeita dos policiais colocados na regio pela Secretaria de Segurana para manter a ordem, os quais so vistos freqentemente em conversas prolongadas com os chamados pistoleiros a servio dos proprietrios (GONALVES, 1981, p. 63).

    Tambm foi conseguido neste ano um maior apoio da populao urbana,

    atravs do Comit de Apoio aos Agricultores de Alagamar, composto por

    representantes do MDB-Jovem de Campina Grande, Movimento Pr-Partido dos

    Trabalhadores, Associao dos Docentes da UFPB-JP, Diretrio Central dos

    Estudantes, Igreja, Movimentos de Bairros, Pastoral Operria, Secundaristas,

    Associao do Magistrio Pblico do Estado da Paraba e algumas pessoas

    individualmente que elaboraram manifestaes de apoio e alguns documentos

    sobre o problema de Alagamar. O Presidente da Repblica, Joo Batista Figueiredo

    assinou no dia 31.10.79 um novo decreto de desapropriao, que invalidava o

    anterior assinado por seu antecessor.

    Quanto questo sindical, quando, no final da dcada de 1970, comearam

    a surgir as primeiras oposies sindicais em Joo Pessoa, todos os

    sindicatos/associaes da cidade se caracterizavam por prticas assistencialistas e

    pouco mobilizadoras da categoria com exceo da ADUF/JP, fundada em

    outubro de 1978 e que j nasceu dentro do campo do sindicalismo combativo

    como podemos constatar nesta entrevista de Edvan Silva dirigente sindical,

    representante da corrente dos combativos, a Secretaria de Formao da CUT/PB:

    ...ento no geral, a maioria dos sindicatos aqui eram tudo ligado ao movimento de direita

    [...] justamente tudo ligado e a trabalho (NUNES, 2000, p. 295).

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    PRIMA FACIE, V. 8, 14, JAN-JUN, 2009

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    Na conjuntura de 1979, comeam a surgir de forma mais concreta as

    oposies sindicais, que iro combater este sindicalismo. O trabalho de base

    iniciou-se desde 1975, por iniciativa de militantes da Igreja Catlica, e intensificou-

    se com a criao da Pastoral Operria, no ano seguinte. As primeiras entidades

    onde as oposies ligadas ao novo sindicalismo ganharam as direes, foram a

    AMPEP e do Sindicato dos Txteis.

    Na Paraba, apenas estas duas organizaes sindicais urbanas participaram

    do processo de criao do PT no Estado da Paraba, no ano de 1980, e,

    posteriormente da Central nica dos Trabalhadores (CUT), em julho de 1984, alm

    de alguns sindicatos de trabalhadores rurais e membros de oposies sindicais. O

    Congresso de Fundao da CUT/Pb foi realizado no Centro de Vivncia da

    Universidade Federal da Paraba, com a participao de 123 delegados,

    representando entidades urbanas e rurais.

    A Igreja Catlica vai ter uma participao importante nestes movimentos,

    tanto nos conflitos rurais como na organizao das oposies sindicais. Ela atua

    atravs de vrios organismos criados com esta finalidade, como o Centro de Defesa

    dos Direitos Humanos da Arquidiocese, que foi um dos primeiros do gnero no pas,

    coordenado pelo militante poltico ligado luta de resistncia ao regime militar, o

    advogado Wanderley Caixe, que posteriormente, em 1985, vai ser candidato a

    prefeito de Joo Pessoa pelo PT. E atravs de organismos de base que objetivavam

    a reorganizao dos movimentos populares, tais como: Ao Catlica Rural (ACR),

    Movimento de Evangelizao Rural (MER), no campo; e Pastoral da Juventude, Pastoral

    Operaria, Comunidades Eclesiais de Base, Ao Catlica Operria, etc., na zona urbana.

    A Pastoral Operria foi a principal responsvel pela organizao das primeiras

    comemoraes do 1o de maio em Joo Pessoa, durante o regime militar.

    Inicialmente, de 1976 a 1978, tais comemoraes se faziam em ambientes fechados

    e contando, sobretudo, com participantes dos grupos de trabalhadores

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    PRIMA FACIE, V. 8, 14, JAN-JUN, 2009

    80

    organizados pela referida Pastoral em alguns bairros da cidade. A partir de 1979, a

    Pastoral Operria se articula com oposies, sindicatos mais combativos e

    movimentos populares para fazer comemoraes pblicas.

    Mas outras entidades, sem vnculo com a Igreja, tambm se faro presentes

    na luta pela reorganizao dos movimentos sindical e popular, nesta conjuntura de

    transio do regime militar. Na rea universitria, foram sendo reorganizadas as

    entidades estudantis, o que culminou com a recriao da Unio Nacional dos

    Estudantes (UNE), em 1979, em Salvador. Na Paraba as comemoraes dos 10 anos

    da morte do estudante Edson Luis consistiram num impulso importante. No setor

    docente, foi criada em 1978 a Associao Docente.

    Tambm surgir neste perodo o Movimento Feminista pela Anistia (MFA) da

    Paraba, como parte de uma articulao nacional em defesa dos presos e exilados

    polticos. O referido Movimento, juntamente com a seo paraibana do jornal O

    Trabalho, se destacar pela luta de libertao dos presos de Itamarac, onde se

    encontravam alguns paraibanos. Em seguida, esse papel ser desempenhado pelo

    Comit Brasileiro de Anistia, que ser criado na Paraba no incio de 1979. Ainda

    em 1979, na esfera da luta pelos direitos da mulher, foi criado o Centro da Mulher

    de Joo Pessoa, que, em 1980 passa a se chamar Grupo Feminista Maria Mulher.

    A primeira manifestao poltica pblica, do campo da esquerda, no Estado

    da Paraba foi uma procisso organizada com o apoio da Arquidiocese da Paraba,

    em 1978, pela libertao do preso poltico Caj10, que contou inclusive com a

    participao do Arcebispo Dom Jos Maria Pires.

    10 Edvaldo Nunes da Silva, conhecido como Caj, era um dos coordenadores das Pastorais no Recife e de forma clandestina, um dos dirigentes do Partido Comunista Revolucionrio (PCR). Foi preso no Recife e na priso passou uns bilhetes dando orientaes a militncia de seu Partido, esse material foi apreendido pela polcia, expondo assim sua vinculao com o Partido clandestino.

  • ESTADO VERSUS SOCIEDADE CIVIL: O PROCESSO DE TRANSIO PARA A DEMOCRACIA NA PARABA (1975-1979)

    PRIMA FACIE, V. 8, 14, JAN-JUN, 2009

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    Concluso

    De acordo com Mello no Estado da Paraba a sociedade civil no reuniu

    consistncia e autonomia para fazer face ao aparelho do Estado. Assim, o referido

    autor, partindo do reconhecimento desta situao, afirma que na Paraba, o

    processo eleitoral no transita da sociedade para o Estado, mas sim deste para aquele, o que

    significa posicionar-lhe o aparelho estatal no centro dessa sistemtica (MELO, 2001, p.

    120). Para ele, a sistemtica poltico-eleitoral paraibana tornou-se mais agente de

    estadania11do que cidadania, no sentido de que seus atores aparecero mais como expresso

    da mquina estatal que intrpretes da sociedade (MELO, 2001, p. 121).

    Porm, mesmo que a supremacia do Estado sobre a sociedade civil seja uma

    das principais caractersticas da estrutura de poder na Paraba, no significa que

    esta seja algo amorfa, em todas as fases da histria paraibana. Pois, apesar da

    represso do aparato estatal, ela manifestou-se e chegou a contestar de forma

    veemente o sistema, como nos momentos que antecederam o golpe militar de 1964.

    Neste momento, no mbito da sociedade civil, se destacaram na luta por

    transformaes sociais no Estado da Paraba, entre outros, a Associao Paraibana

    de Imprensa (API), o movimento sindical, o movimento estudantil e,

    principalmente, o movimento campons, atravs das Ligas Camponesas.

    No perodo ps 1964, estes setores da sociedade civil foram literalmente

    colocados fora de embate, com a represso que se abateu sobre eles. Mas, a partir

    de meados da dcada de 1970, estes movimentos ressurgem, ainda que de forma

    dbil, incentivados pela Igreja Catlica, que tinha adotado uma nova postura

    diante do social, aps a realizao do Conclio Vaticano II, entre os anos de 1962-

    65, e a Segunda Conferncia dos Bispos da Amrica Latina, em Medelln, na

    Colmbia, em 1968, que procurou traduzir os ensinamentos do referido Concilio

    11 Carvalho define estadania como participao no atravs da organizao de interesses, mas a partir da mquina governamental ou contato direto com ela (apud MELLO, 1989, p. 121).

  • PAULO GIOVANI ANTONINO NUNES

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    para a realidade latino-americana. Na ocasio a Igreja fez a opo preferencial

    pelos pobres.

    Na Paraba, a Igreja, a partir da posse do Arcebispo Dom Jos Maria Pires,

    em 1975, passa a ser a grande incentivadora para o ressurgimento dos movimentos

    sociais, principalmente, o movimento sindical e campons, que iro se fortalecer,

    relativamente ao perodo anterior, a partir da dcada de 1980. Tambm voltou

    cena, nesta conjuntura de abertura o movimento estudantil e surgiu um

    incipiente movimento feminista de classe mdia. Alm de que, a Ordem dos

    Advogados do Brasil, seo da Paraba (OAB-PB), que historicamente sempre teve

    uma atuao imobilista, e a Associao Paraibana de Imprensa, que anteriormente

    a 1964, j se destacara por uma postura combativa, procuraram imprimir uma

    atuao mais progressista, em defesa da restaurao do Estado de Direito.

    Estes arroubos da sociedade civil, no invalidam a tese de que no Estado

    da Paraba, ela seja frgil, principalmente, diante de um estado controlado por uma

    elite tradicional, que hegemoniza a poltica a partir do uso dos recursos pblicos,

    com prticas clientelsticas e autoritrias.

    State versus Civil Society: the process of transition to democracy in Paraba, Brazil (1975-1979) ABSTRACT: At the State of Paraba, due to its characteristics, such as: economic delay, oligarchic and authoritarian political culture, the society is considered as fragile. Nevertheless, this does not keep it from, in a certain conjuncture, having pleading action in the established order. This article intends to analyze the political, social and cultural action of the Brazilian civil society, especially in the part of it from Paraba Church, political parties, syndicates, class association, social movements, etc. at the time of the transition to democracy in Brazil, whichs aim is to verify the importance of it to the redemocratization of the country. It will also

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    observe how the State, on federal, state and municipal level reacts to the performance of civil society in Brazilian territory, more specifically in Paraba. Keywords: State; Civil Society; Democracy.

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    Nota do Editor:

    Submetido em 02 abr. 2010. Aprovado em 15 set. 2010.

    Prima Facie, 2009, jan-jun, edio vinda a lume em novembro de 2010.

    http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/primafacie/index

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