apostila direito do consumidor

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DIREITO DO CONSUMIDOR Teoria – Exame da OAB Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas 1 1 Professora da PUC Minas e das Faculdades Del Rey Uniesp. Doutoranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora de Direito do Consumidor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidora Pública Federal do TRT/MG: Assistente do Desembargador Sércio da Silva Peçanha. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Publico e Ciências Criminais pela Universidade Professor Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC. E-mail: [email protected].

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Apostila Direito Do Consumidor

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  • DIREITO DO CONSUMIDOR

    Teoria Exame da OAB

    Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas1

    1 Professora da PUC Minas e das Faculdades Del Rey Uniesp. Doutoranda em Direito Privado pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Mestre em Direito Privado pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Tutora de Direito do Consumidor da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Servidora Pblica Federal do TRT/MG: Assistente do Desembargador Srcio da Silva Peanha. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educao distncia pela PUC Minas. Especialista em Direito Publico e Cincias Criminais pela Universidade Professor Damsio de Jesus. Bacharel em Administrao de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC. E-mail: [email protected].

  • DIREITO DO CONSUMIDOR

    Material elaborado pela professora Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas

    Edio 2014

    (envie seus comentrios, sugestes e crticas para [email protected])

  • DIREITO DO CONSUMIDOR

    Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas

    SUMRIO

    CAPTULO I .................................................................................................................. 5

    HISTRICO DO DIREITO DO CONSUMIDOR ........................................................... 5

    1. A EVOLUO DA PROTEO DO CONSUMIDOR ........................................... 5 CAPTULO II ............................................................................................................... 10

    CARACTERSTICAS DO CDC .................................................................................. 10

    1. O CDC COMO NORMA PRINCIPIOLGICA DE ORDEM PBLICA E INTERESSE SOCIAL MICROSSISTEMA JURDICO .......................................... 10 2. A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL E PRINCPIO DA ORDEM ECONMICA .................................................................. 11 3. A POSSIBILIDADE DE UM DILOGO DAS FONTES ENTRE O CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CDIGO CIVIL ................................................. 15

    CAPTULO III ............................................................................................................. 17

    RELAO JURDICA DE CONSUMO ....................................................................... 17

    1. CONCEITO DE RELAO JURDICA DE CONSUMO ...................................... 17 2. ELEMENTOS DA RELAO DE CONSUMO .................................................... 17 3. CONCEITO DE CONSUMIDOR .......................................................................... 18

    CAPTULO IV ............................................................................................................. 24

    PRINCPIOS INFORMADORES DO DIREITO DO CONSUMIDOR ......................... 24

    1. CONCEITO DE PRINCPIOS .............................................................................. 24 2. PRINCPIOS QUE INFORMAM O DIREITO DO CONSUMIDOR, PREVISTOS NA CONSTITUIO FEDERAL .............................................................................. 24 3. PRINCPIOS ESPECFICOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR PREVISTOS NA LEI N. 8.078/90 ....................................................................................................... 25

    CAPTULO V .............................................................................................................. 35

    RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAES DE CONSUMO .............................. 35

    1. INTRODUO ..................................................................................................... 35 2. A TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE ............................................................... 37 3. RESPONSABILIDADE CIVIL POR FATO DO PRODUTO OU DO SERVIO ... 38 4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR VCIO DO PRODUTO OU DO SERVIO ... 41 5. GARANTIAS ........................................................................................................ 46 6. A PRESCRIO E DECADNCIA NO CC ......................................................... 48 7. PRESCRIO E DECADNCIA NO CDC .......................................................... 49 8. DA DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA .......................... 49

    CAPTULO VI ............................................................................................................. 51

    PROTEO CONTRATUAL E PRTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS .................... 51

    1. PRTICAS COMERCIAIS ................................................................................... 51 2. PRTICAS ABUSIVAS ........................................................................................ 53 3. DA COBRANA DE DVIDAS ............................................................................. 55

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    Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas

    CAPTULO VII ............................................................................................................ 57

    DA PROTEO CONTRATUAL ................................................................................ 57

    CAPTULO VIII ........................................................................................................... 60

    DAS SANES ADMINISTRATIVAS ........................................................................ 60

    CAPTULO IX ............................................................................................................ 63

    DAS INFRAES PENAIS ....................................................................................... 63

    CAPTULO X .............................................................................................................. 65

    DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUZO .................................................................. 65

    1. DIREITOS PROTEGIDOS POR AES COLETIVAS: DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGNEOS ...................................................... 65 2. LEGITIMIDADE PARA A DEFESA DE DIREITOS E INTERESSES COLETIVOS ................................................................................................................................. 66 3. DAS AES COLETIVAS PARA A DEFESA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGNEOS ...................................................................................................... 69 4. EFEITOS DAS DECISES NAS AES COLETIVAS ...................................... 70

    BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 71

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    Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas

    CAPTULO I

    HISTRICO DO DIREITO DO CONSUMIDOR

    1. A EVOLUO DA PROTEO DO CONSUMIDOR

    1.1 A Evoluo do Direito do Consumidor no Mundo

    A origem do consumidor atribuda aos EUA, pois foi o pas que primeiro dominou o capitalismo, sofrendo a conseqncia do marketing agressivo da produo, da comercializao e do consumo em massa. Encontra-se na doutrina, que os primeiros movimentos consumeristas de que se tem notcia ocorreram no sc. XIX.

    H autores que identificam 03 fases relativas evoluo da proteo ao consumidor no mundo. Newton de Lucca assim nos ensina:

    Na primeira delas, ocorrida aps a 2 Grande Guerra, de carter incipiente, na qual ainda no se distinguiam os interesses dos fornecedores e consumidores, havendo apenas uma preocupao com o preo, a informao e a rotulao adequada dos produtos.Na segunda fase, j se questionava com firmeza a atitude de menoscabo que as grandes empresas e as multinacionais tinham em relao aos consumidores, sobressaindo-se, na poca a figura do advogado americano Ralph Nader.Finalmente, na terceira fase, correspondente aos dias atuais, de mais amplo espectro filosfico - marcada por conscincia tica mais clara da ecologia e da cidadania interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo torvelinho de uma tecnologia absolutamente triunfante e pelo consumismo exagerado, desastrado e trfego, que pe em risco a prpria morada do homem. (LUCCA, 2008, p. 47)

    Em 1872 foi editada a Lei Sherman Anti Trust nos Estados Unidos da Amrica, com a finalidade de reprimir as fraudes praticadas no comrcio, alm de proibir prticas desleais, tais como: combinao de preo e o monoplio. Todavia, esta lei no foi aplicada e, em 1914, criou-se a Federal Trade Comission, com o forte propsito de efetivar a lei antitruste e proteger realmente os interesses dos consumidores.

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    Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas

    As duas grandes guerras contriburam para o surgimento da sociedade de consumo, haja vista que o desenvolvimento industrial flua a todo vapor, necessitando de consumidores para despejar seus mais diversos produtos. Era o capitalismo que chegava para ficar, liderada pela mais nova grande potncia, os Estados Unidos. Nisso, os fundamentos liberais do direito privado foi abalado com o surgimento desta sociedade de consumo, o que influenciou sensivelmente as caractersticas contratuais.

    Os contratos paritrios, frutos de acordos de vontade, discutidos clusula a clusula, tornaram-se menos freqentes, e chegavam com toda fora na sociedade massificada, os contratos por adeso, formulados pelas empresas e impostos aos consumidores, continham contedo padro, no dando alternativas, se no em comungar com o que lhe foi imposto.

    Diante dessa realidade, o direito contratual enfrentou mudanas em seus paradigmas clssicos, que j no serviam para responder s questes resultantes da massificao da sociedade de consumo e os Estados passaram a intervir nas relaes privadas, a fim de evitar as desigualdades, delineando, assim, o intervencionismo e o dirigismo estatal.

    Um marco histrico importante para o reconhecimento do consumidor como sujeito de direitos ocorreu em 1962, quando o presidente norte-americano John Kennedy, em um discurso, enumerou os direitos do consumidor e os considerou como um desafio necessrio para o mercado. O Presidente mencionou que em algum momento de nossas vidas todos somos consumidores. Kennedy localizou os aspectos mais importantes na questo da proteo ao consumidor, afirmando que os bens e servios deviam ser seguros para uso e vendidos a preos justos.

    Neste contexto, no dia 15 de maro de 1962, Kennedy citou quatro direitos fundamentais ao consumidor, que tiveram repercusso no mundo todo. Inclusive, a importncia deste fato, fez com que o Congresso Americano definisse este dia como Dia Mundial dos Direitos Consumidor.

    De maneira geral, costuma ser apontado, como marco inicial da tendencia proteo aos consumidores no mundo, a famosa mensagem do ento Presidente da Repblica norte americana, John Fitzgerald Kennedy, em 15 de maro de 1962, dirigida ao Parlamento, consagrando determinados direitos fundamentais do consumidor, quais sejam: o direito segurana, informao, escolha e a ser ouvido, seguindo-se, a partir da, um amplo movimento mundial em favor da defesa do consumidor. (LUCCA, 2008, p. 48).

    Explicando melhor foram citados: 1. DIREITO SADE E SEGURANA, relacionado comercializao de produtos perigosos sade e vida; 2. DIREITO INFORMAAO, compreendido propaganda e necessidade de o consumidor ter informaes sobre o produto para garantir uma boa compra; 3. DIREITO ESCOLHA, referindo-se aos monoplios e s leis antitrustes, incentivando a concorrncia e a competitividade entre os fornecedores; 4. DIREITO A SER OUVIDO, visando que o interesse dos consumidores fosse considerado no momento de elaborao das polticas governamentais.

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    De toda sorte, em 1973, a Comisso de Direitos Humanos da ONU, reconheceu os direitos fundamentais do consumidor e consolidou a noo de que o direito do consumidor seria um direito humano de nova gerao, um direito social econmico, de igualdade material do mais fraco, do cidado civil nas suas relaes privadas frente aos fornecedores de produtos e servios.

    Finalmente em 1985, a Assemblia Geral da ONU editou a resoluo n. 39/248 de 10/04/1985 sobre a proteo ao consumidor, positivando o princpio da vulnerabilidade no plano internacional. As diretrizes constituam um modelo abrangente, descrevendo oito reas de atuao para os Estados, a fim de prover proteo ao consumidor. Entre elas: a) proteo dos consumidores diante dos riscos para sua sade e segurana; b) promoo e proteo dos seus interesses econmicos; c) acesso dos consumidores informao adequada; d) educao do consumidor; e) possibilidade de compensao em caso de danos; f) liberdade de formar grupos e outras organizaes de consumidores e a oportunidade de apresentar suas vises nos processos decisrios que as afetem.

    Estas diretrizes forneceram importante conjunto de objetivos internacionalmente reconhecidos, destinados aos pases em desenvolvimento, a fim de ajud-los a estruturar e fortalecer suas polticas de proteo ao consumidor.

    A partir da, vrios pases passaram a abordar a questo da proteo do consumidor em sua jurisdio interna, adaptando ou elaborando legislao prpria e, o processo de tutela do consumidor desenvolveu-se paralelamente abertura de mercados.

    1.2 Evoluo do Direito do Consumidor no Brasil

    Com relao ao Brasil, desde os tempos do Imprio, j se observava uma proteo discreta do consumidor e, para esboar um breve histrico da civilstica brasileira, parece-nos impossvel dissoci-lo da histria do Direito Portugus em um primeiro momento, e do Direito Europeu como um todo, em um segundo momento. Neste sentido, Giordano Bruno Soares Roberto expe:

    No possvel compreender o momento atual do Direito Privado brasileiro sem olhar para sua histria. Para tanto, no ser suficiente comear com o desembarque das caravelas portuguesas em 1500. A histria mais antiga. O Direito brasileiro filho do Direito Portugus que, a seu turno, participa de um contexto mais amplo. (ROBERTO, 2003, p. 5)

    Sabe-se que o direito brasileiro se resumia ao que era posto pelas Ordenaes do Reino de Portugal, durante todo o perodo de colonizao. Em outras palavras, nossos direitos civis no passavam de simples extenso dos direitos de nossos colonizadores, cuja influncia em nosso ordenamento jurdico no pode ser relegada ao desentendimento.

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    As Ordenaes Filipinas, publicadas no ano de 1603, vigeram desde o incio do sculo XVII at a proclamao da independncia brasileira em 1822, regendo o ordenamento jurdico privado no Brasil por mais de 300 anos. Tratava-se de uma compilao jurdica marcada pelas influncias do Direito Romano, Cannico e Germnico, que juntos constituam os elementos fundantes do Direito Portugus e como no poderia deixar de ser, influenciaram a legislao brasileira com o seu tom patriarcalista e patrimonialista.

    Somente em 1917, surgiu o primeiro Cdigo Civil Brasileiro e as Ordenaes do Reino deixaram de ser aplicadas na doutrina civilista. De autoria do jovem Clvis Bevilcqua, o Cdigo Civil foi fundado dentro de uma filosofia marcada pelo liberalismo poltico e econmico, apresentando caracterstica nitidamente patrimonialista.

    Todavia, a preocupao com as relaes de consumo surgiu no Brasil a partir das dcadas de 40 e 60, quando foram criadas diversas leis regulando aspectos de consumo. Dentre essas leis pode-se citar a Lei n. 1221/51, lei de economia popular, a Lei Delegada n. 4/62, a Constituio de 1967, com a emenda n. 1 de 1969 que citam a defesa do consumidor.

    A partir do seu surgimento nos Estados Unidos, o direito do consumidor ainda levou algum tempo para chegar ao Brasil. Este direito tutelar, introduzido com a Constituio Federal de 1988, reconheceu um novo sujeito de direitos, o consumidor, individual e coletivo, assegurando sua proteo tanto como direito fundamental, no art. 5, XXXII2, como princpio da ordem econmica nacional no art. 170, V, da Constituio da Repblica Federativa do Brasil (CF/88)3.

    Finalmente, em 1990, o Congresso Nacional conforme orientao de nossa Carta Magna, elaborou a Lei 8.078 de 11/09/1990 de proteo ao consumidor, criando o Cdigo de Defesa do Consumidor. Por tratar-se de verdadeiro microssistema jurdico, j que, nele, encontram-se normas de direito penal, civil, constitucional, processuais penais, civis e administrativas, com carter de ordem pblica, e por constituir legislao extremamente avanada, o Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor influenciou as legislaes dos outros pases do MERCOSUL.

    Contudo, ocorreram percalos na aplicao desta lei, que sofreu uma difusa desqualificao, a partir do argumento que existiam indefinies de alguns dos seus institutos, como resultado da novidade e da falta de tempo para a elaborao intelectual e a sistematizao de seus enunciados.

    Tudo isso se explica, pelo embarao que a edio de uma nova lei causou no cenrio nacional, ao apregoar que seria necessrio atender boa-f objetiva, isto , que a regulao

    2 Art. 5, CF/88: Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: [...]XXXII - o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor; [...](BRASIL, 2011a, p.11)

    3 Art. 170, CF/88: A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios: V - defesa do consumidor [...]; (BRASIL, 2011a, p. 66)

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    jurdica das obrigaes deveria estar fundada em princpios ticos de lealdade e probidade. Tambm, que os contratos bilaterais deveriam prever prestaes equivalentes, atendendo o princpio da justia contratual, bem como que as clusulas abusivas seriam nulas. Portanto, para muitos, eram mudanas de paradigma que impediam o lucro e boa ordem do mercado.

    Sem falar que a partir do sculo XIX observou-se um movimento constitucionalista dos direitos econmicos e sociais, pois o exagerado liberalismo passou a ser contornado pelo sistema que trouxe o modelo social democrata.

    J o sculo XX, foi marcado pelo surgimento dos novos direitos tais como ambiental, biodireito, informtica, direito espacial, direito da comunicao, direitos humanos, e dos direitos do consumidor, dentre muitos outros. Decorreram do desenvolvimento tecnolgico e cientfico que acabou por abarcar reas de conhecimento nunca antes imaginadas.

    Mas, apesar das dificuldades, o Cdigo de Defesa do Consumidor se consolidou no cenrio nacional, como uma lei inovadora que tratava, pela primeira vez, da efetiva desigualdade existente entre os contratantes, quando de um lado estava quem organiza a produo de bens e servios e, de outro, quem deles necessita para a satisfao de carncia pessoal.

    Ento, a proteo do consumidor se firmou como um direito fundamental j declarado pela ONU, positivado em nossa Constituio e reconhecido pelos pases-membros do MERCOSUL.

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    CAPTULO II

    CARACTERSTICAS DO CDC

    1. O CDC COMO NORMA PRINCIPIOLGICA DE ORDEM PBLICA E INTERESSE SOCIAL MICROSSISTEMA JURDICO

    A origem da codificao protetiva no Brasil se deu atravs da efetivao do mandamento constitucional previsto no art. 48 do Ato das Disposies transitrias4, para que o legislador ordinrio estabelesse um Cdigo de Defesa e Proteo do Consumidor, o que aconteceu em 1990, pela Lei 8.078/90.

    Tal norma especial, lei ordinria, nasceu da constatao da desigualdade de posio e de direitos entre o consumidor e o fornecedor, fundamentado na proteo da dignidade humana. Trata-se de uma lei de carter inter e multidisplinar, possuindo natureza jurdica de um verdadeiro microssistema jurdico, ou seja, ao lado de princpios que lhe so prprios, o CDC, seguindo uma tendncia moderna, relaciona-se com os outros ramos do direito, atualizando e dando nova roupagem a institutos jurdicos ultrapassados pela evoluo da sociedade.

    O microssistema do consumidor reveste-se de carter multidisplinar, eis que cuida de questes voltadas aos Direitos Constitucional, Civil, Penal, Administrativo, Processual Civil, Processual Penal, mas sempre tendo como pedra de toque a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, assim como a sua condio de destinatrio final de produtos e servios.

    Cludia Lima Marques declara que:

    [...] o direito do consumidor visa cumprir um Triplo Mandamento constitucional: 1. promover a defesa dos consumidores; 2. de observar e assegurar como princpio geral e imperativo da atividade econmica, a necessria defesa do sujeito de direitos , o consumidor; 3. de sistematizar a tutela especial infraconstitucional atravs de uma microcodificao. (MARQUES, 2009, p.21)

    Importa dizer que, no Brasil hoje, a Constituio Federal de 1988 serve de centro valorativo e normativo de todo o sistema jurdico, tambm do direito privado, transformando 4 Art. 48, ADCT. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgao da Constituio, elaborar cdigo de defesa do consumidor. (BRASIL, 2011b, p.90)www.claudiamara.com.br 10

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    o direito privado brasileiro em constitucional, limitado e consubstanciado pelos direitos fundamentais. Quer se dizer que o Direito Privado atual deve ser interpretado conforme a Constituio e seus valores.

    Neste contexto, pode-se afirmar que as normas que compem o direito do consumidor so de direito privado, porm no so disponveis, haja vista que so de ordem pblica e interesse social, conforme dita o art. 1 do CDC, consideradas normas cogentes, imperativas que no toleram renncia por convenes, nem mesmo afastamento por disposio particular.

    Alm disso, as normas da lei consumerista so principiolgicas, no sentido de veicular valores e fins a serem alcanados, ultrapassando a tcnica tradicional do binmio hiptese/sano.

    O Superior Tribunal de Justia (STJ), recentemente, frisou:

    As normas de proteo e defesa do consumidor tm ndole de ordem pblica e interesse social. So, portanto, indisponveis e inafastveis, pois resguardam valores bsicos e fundamentais da ordem jurdica do Estado Social, da a impossibilidade de o consumidor delas abrir mo. (BRASIL, 2010)

    Mesmo o CDC apresentando uma interdisciplinariedade da funo tutelar do direito do consumidor, j que renem em seu corpo, normas de direito pblico (direito administrativo, penal, processual civil) e de direito privado, conclui-se que as normas de proteo ao consumidor so classificadas de direito privado, no porque suas normas sejam todas de direito privado ao contrrio mas, sim, porque o seu objeto de tutela o sujeito de direito privado, o consumidor, agente privado diferenciado, vulnervel e complexo.

    2. A DEFESA DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL E PRINCPIO DA ORDEM ECONMICA

    Difcil tarefa compatibilizar a proteo do consumidor como direito fundamental com os princpios da ordem econmica, isso porque a defesa do consumidor tem origem constitucional nos arts. 5, XXXII e 170 da Constituio Brasileira.

    Em relao ao direito do consumidor como princpio fundamental, Claudia Lima Marques (2008) afirma ser um direito humano de terceira gerao, um direito positivo de atuao do Estado na sua projeo, que atinge a todos os cidados brasileiros e estrangeiros aqui residentes.

    Direito do Consumidor como princpio fundamental:

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    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes:XXXII - o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor;

    Atualmente, a doutrina os classifica em direitos humanos fundamentais em primeira, segunda, terceira e quarta dimenses5 cujos contedos ensejariam os princpios: liberdade, igualdade e fraternidade.

    Direitos de primeira dimenso ou de liberdade: direitos e as garantias individuais e polticos clssicos ou as chamadas liberdades pblicas. Visam inibir a interferncia indevida do Estado na vida do cidado. Direitos de segunda dimenso ou de igualdade: direitos sociais, econmicos e culturais, surgidos no incio do sculo XX. Eram os direitos de carter social. Neste caso, a interferncia do Estado era desejada para garantir a igualdade material dos indivduos. Direitos de terceira dimenso ou de solidariedade ou fraternidade: direitos da coletividade, de titularidade coletiva ou difusa. Entre eles, encontra-se o direito paz, ao meio ambiente equilibrado, comunicao e proteo do consumidor. Direitos de quarta dimenso: direitos originrios do mundo globalizado: Bonavides (2000) cita os direitos democracia, informao, ao pluralismo. Seriam estes direitos que possibilitariam a legtima globalizao poltica.

    Alguns autores defendem que a defesa do consumidor seria coligada Clusula Geral da Personalidade, ou seja, a Constituio, ao prever o respeito dignidade humana como seu fundamento mais importante, e ainda, considerar como objetivo da Repblica a erradicao da pobreza e a marginalizao, para reduzir as desigualdades, mostram-se com a inteno de proteger os consumidores.

    Neste contexto, Gustavo Tepedino assevera:

    [...] o coligamento destes preceitos com os princpios fundamentais da Constituio, que incluem entre os fundamentos da Repblica a dignidade da pessoa humana (art. 1, III), e entre os objetivos da Repblica erradicar a pobreza e a marginalizao, e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3, III), demonstra a clara inteno do legislador constituinte no sentido de romper a tica produtivista e patrimonialista que muitas vezes prevalece no exame dos interesses dos consumidores. O constituinte, assim procedendo, no somente inseriu a tutela dos consumidores entre os direitos e garantias individuais, mas afirma que sua proteo deve ser feita do ponto de vista instrumental, ou seja,

    5 Importa esclarecer que a terminologia direitos de primeira, segunda e terceira geraes duramente criticada por diversos autores j que estes direitos se completam, expandem-se, acumulam-se no se substituem ou se sucedem.www.claudiamara.com.br 12

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    com a instrumentalizao dos seus interesses patrimoniais tutela de sua dignidade e aos valores existenciais. Trata-se, portanto, do ponto de vista normativo, de proteger a pessoa humana nas relaes de consumo, no j o consumidor como categoria de per se considerada.A proteo jurdica do consumidor, nesta perspectiva, deve ser estudada como momento particular e essencial de uma tutela mais ampla: aquela da personalidade humana; seja do ponto de vista de seus interesses individuais indisponveis, seja do ponto de vista dos interesses coletivos e difusos. (TEPEDINO, 1998, p. 249-250)

    J a proteo do consumidor como Princpio da Ordem Econmica deve-se analisar o artigo, 170, V, da CF/88, que visa garantir a melhoria da qualidade de vida dos cidados atravs da implementao de uma poltica de nacional de consumo.

    Direito do Consumidor como princpio da ordem econmica:Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social, observados os seguintes princpios:I - soberania nacional;II - propriedade privada;III - funo social da propriedade;IV - livre concorrncia; V - defesa do consumidor; [...] grifo nosso

    Dessa forma, a defesa do consumidor como princpio geral da atividade econmica est emparelhado e atua lado a lado, com outros princpios basilares do modelo poltico-econmico brasileiro, como o da soberania nacional, da livre concorrncia, dentre outros. Como principio, tem o condo de controlar as normas que procuram afastar a tutela protetiva.

    Observa-se aqui, que podem ocorrer conflitos nas situaes prticas de proteo ao consumidor e a poltica nacional da ordem econmica. Em nossa opinio, caso acontea coliso entre os princpios que protegem o consumidor com os princpios gerais da ordem econmica entre si, no h outra soluo seno resolv-los utilizando o recurso da ponderao de interesses em matria constitucional.

    O interessante notar que para Ruy Rosado de Aguiar Jr6., o princpio da boa-f seria o critrio auxiliar e indispensvel para a viabilizao dos princpios constitucionais sobre a ordem econmica. O Ministro defende que utilizando a ponderao de interesses luz da

    6 Nas palavras do ministro: [...] a boa-f no serve to-s para a defesa do dbil, mas tambm atua como fundamento para orientar interpretao garantidora da ordem econmica, compatibilizando interesses contraditrios, onde eventualmente poder prevalecer o interesse contrrio ao consumidor, ainda que a sacrifcio deste, se o interesse social prevalente assim o determinar. Considerando dois parmetros de avaliao: a natureza da operao econmica pretendida e o custo social decorrente desta operao, a soluo recomendada pela boa-f poder no ser favorvel ao consumidor. (AGUIAR, 1995, P. 21)www.claudiamara.com.br 13

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    Cludia Mara de Almeida Rabelo Viegas

    boa-f, da natureza da operao econmica envolvida e do custo social desta operao, a soluo poderia no ser necessariamente a mais favorvel ao consumidor.

    a circunstncia do caso que deve determinar a aplicao do principio, buscando garantir iguais direitos fundamentais aos afetados. Da, a soluo de um caso difcil est na construo terica feita nesta situao concreta. No h contradio de princpios, mas concorrncia, no h hierarquia, j que eles esto no mesmo plano de aplicao.

    Neste sentido, pode-se afirmar que o principio geral da atividade econmica de defesa do consumidor impe a realizao de uma poltica pblica com dupla eficcia: a positiva determina que os poderes pblicos tenham o dever de desenvolver o programa constitucional, por meio de ao coordenada que estimule a ordem econmica brasileira; a negativa quer impedir que o legislador ou a Administrao Pblica edite normas conflitantes com o objetivo do programa constitucional de proteo do consumidor.

    A propsito, o STJ (BRASIL, 2007) j reconheceu que:

    STJ: A interveno do Estado na ordem econmica, fundada na livre iniciativa deve observar os princpios do direito do consumidor como seu limitador, j que este se trata de objeto de tutela constitucional especial.

    CANOTILHO (2000) chama a defesa do consumidor de princpio constitucional impositivo que apresenta duas funes: a primeira como instrumento para assegurar a todos existncia digna e a segunda, instrumento para assegurar a conquista o objetivo particular a ser alcanado, justificando a reivindicao pela realizao de polticas pblicas.

    Vislumbra-se ento que a defesa do consumidor princpio que deve ser seguido pelo Estado e pela sociedade para atingir a finalidade de existncia digna e justia social, imbricado com o princpio da dignidade da pessoa humana. Isso porque, nosso pas adota o modelo de economia capitalista de produo, a livre iniciativa como um princpio basilar da economia de mercado. No entanto, a Constituio Federal confere proteo ao consumidor contra os eventuais abusos ocorridos no mercado de consumo.

    Assim, o art. 5, LXXII da CF determinou ao Estado a promoo da defesa do consumidor, no sentido de adotar uma poltica de consumo e um modelo jurdico com a tutela protetiva especial ao consumidor, o que se completou quando da promulgao do Cdigo de Defesa do Consumidor, em 11 de setembro de 1990.

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    IMPORTANTE:

    Caractersticas do CDC:

    Lei ordinria que disciplina a proteo do consumidor Microssistema legislativo: lei que inclui, em um nico diploma, vrias disciplinas

    jurdicas civil, penal, administrativo, processo civil, entre outras. Norma de Ordem Pblica e Interesse Social: normas cogentes e inafastveis. Lei de funo social: lei que concretiza, no plano na legislao comum, a vontade da CR/88.

    Fundamento Constitucional do CDC:

    Princpio fundamental (art. 5, XXXII, CR/88); Princpio da Ordem Econmica (art. 170, V, CR/88).

    3. A POSSIBILIDADE DE UM DILOGO DAS FONTES ENTRE O CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CDIGO CIVIL

    Cludia Lima Marques (2009, p.89) que, tomando por base seus estudos na Alemanha, importou para o Brasil a Teoria do Dilogo das Fontes, tal como idealizada pelo jurista germano Erik Jayme.

    Observa-se que a Teoria do Dilogo das Fontes tem sido bastante aplicada em situaes que se sujeitam, concomitantemente, a disposies contidas tanto no Cdigo Civil, quanto no Cdigo de Defesa do Consumidor.

    Dilogo das fontes uma tentativa de expressar a necessidade de aplicao coerente das leis de direito privado, co-existentes no sistema. Ou seja, o Cdigo Civil e o CDC coexistem, assim, a regra geral seria que: sendo a relao entre sujeitos paritrios (em situao de igualdade) aplica-se o Cdigo Civil. J nas relaes jurdicas em que as partes so o consumidor e o fornecedor ser regulamentado pelo CDC.

    Entretanto, quando houver antinomias, normas em conflito no Cdigo Civil e no CDC, aplica-se a norma mais favorvel ao consumidor, sujeito de direito hipossuficiente e merecedor de proteo do ordenamento jurdico.

    Cumpre registrar que o Dilogo das Fontes, no caso de relaes de consumo, encontra previso expressa para sua aplicao, no art. 7, do CDC7.7 Art. 7, CDC: Os direitos previstos neste cdigo no excluem outros decorrentes de tratados ou convenes internacionais de que o Brasil seja signatrio, da legislao interna ordinria, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princpios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.www.claudiamara.com.br 15

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    Assim, a Teoria do Dilogo das Fontes emerge como mais um instrumento a servio da boa interpretao e aplicao do Direito, com o escopo de concretizar os Direitos Fundamentais, presentes na Carta Magna, bem como fins sociais a que ela se dirige.

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    CAPTULO III

    RELAO JURDICA DE CONSUMO

    1. CONCEITO DE RELAO JURDICA DE CONSUMO

    A expresso relao jurdica comporta mais de uma acepo. Newton de Lucca afirma ser a relao jurdica de consumo uma espcie do gnero relao jurdica. Apresenta certas caractersticas prprias que determinam um cuidado especial quanto interpretao e alcance. Por isso, apresenta o conceito de relao de consumo utilizando-se do recurso da dicotomia.

    Lucca define:

    [...] relao jurdica de consumo em sentido estrito como aquela que se estabelece entre um fornecedor e o consumidor-padro de que trata o art. 2, caput do CDC e relao jurdica em sentido lato como aquela que se estabelece entre um fornecedor e o consumidor por equiparao (LUCCA, 2008, p.210)

    RELAO JURDICA DE CONSUMO

    o negcio jurdico no qual o vnculo entre as partes se estabelece pela aquisio ou utilizao de um produto ou servio, sendo o consumidor como adquirente na qualidade de destinatrio final e o fornecedor na qualidade de vendedor.

    2. ELEMENTOS DA RELAO DE CONSUMO

    A Relao jurdica de Consumo possui trs elementos:

    elementos subjetivos: fornecedor e consumidor; elementos objetivos: produtos e servios, objetos da relao de consumo. elemento finalstico ou teleolgico: traduz a idia de que o consumidor deve adquirir ou utilizar o produto ou servio como destinatrio final.

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    3. CONCEITO DE CONSUMIDOR

    a) Consumidor em sentido estrito (art. 2, caput do CDC)

    CONCEITO DE CONSUMIDOR DO CDC

    Art. 2, CDC: Consumidor toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final.

    Neste contexto, vislumbram-se trs elementos, quais sejam: um elemento subjetivo, um elemento objetivo e um elemento teleolgico:

    O elemento subjetivo do conceito de consumidor trazido pelo CDC elenca como consumidor a pessoa fsica ou jurdica. Ressalta-se que no poder haver qualquer distino entre essas pessoas, seja em razo de sua natureza, seja em razo de sua nacionalidade. Isso se explica pela garantia expressa no artigo 5 da CR/88, no qual, todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade. O elemento objetivo refere-se aos produtos e servios. O CDC trs o conceito de produto ou servio nos 1 e 2 do artigo 3 do CDC:

    Produto: qualquer bem mvel ou imvel, material ou imaterial.

    Servio: qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria, financeira, de crdito e securitria, salvo as decorrentes de carter trabalhista.

    O elemento teleolgico diz respeito ao fim, ao objetivo daquela relao jurdica, ou seja, se a aquisio de servios ou produtos para uso prprio ou para reempregar no mercado de consumo. no elemento teleolgico que surgem as maiores divergncias doutrinrias. Existem trs teorias contrrias que tentam explicar o que vem a ser destinatrio final. So as teorias maximalista, a teoria finalista e a teoria finalista moderada. consenso entre as teorias que o consumidor

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    deve ser aquele que retira o produto ou servio do mercado, mas discutem se aquele que adquire produto ou servio para utiliz-lo em sua profisso, como profissional, com o intuito de lucro8, pode ser considerado consumidor.

    b) Teorias que explicam a expresso destinatrio final

    A teoria finalista restritiva e se baseia no princpio da vulnerabilidade. O consumidor deve ser aquele que requer maior proteo do Estado, chamando para si a aplicao de regras protetivas. Para essa teoria, portanto, o consumidor deve ser aquele que, alm de retirar o produto do mercado (destinatrio final ftico), no o insira em sua cadeia produtiva (destinatrio final econmico).

    Desse modo, o profissional no poder ser considerado consumidor, pois, de uma forma ou outra, utilizar o bem ou servio adquirido em sua atividade repassando o custo destes para produto decorrente de sua atividade. O conceito finalista de consumidor restringe-se em princpio s pessoas fsicas ou jurdicas no profissionais e que no visem lucro.

    Para a teoria maximalista o CDC um meio regulador do mercado preceituando princpios e regras bsicas para a relao de consumo, ou seja, os maximalistas defendem em ltima anlise, que o CDC seria um Cdigo geral de consumo, para toda a sociedade de consumo, uma lei que estabelece regras para todos consumidores e fornecedores. Para essa teoria, portanto, o conceito estabelecido pelo artigo 2 do CDC deve ser entendido de forma ampla. Consumidor ser aquele que retira a mercadoria do mercado de consumo (destinatrio ftico) no importando se ir utilizado para o desenvolvimento de uma atividade lucrativa.

    Contudo, o STJ reconheceu mais adequada a teoria finalista moderada, admitindo que o poder judicirio reconhea a vulnerabilidade de um profissional que adquire um produto ou servio fora de sua especialidade. Tambm admite que seja considerado como consumidor a pequena empresa. Para essa teoria, o consumidor pode ser o no-profissional comportando as seguintes excees: o profissional de pequeno porte; regimes de monoplio, j que nesse o profissional se submete as regras de quem detm o monoplio; e o profissional que est agindo fora de sua atividade, como exemplo, uma montadora de carros que adquire fraldas para presentear seus empregados.

    Observao: Para o STJ a teoria que prevalece a Finalista, porm atenuada ou mitigada ou moderada. Significa que a pessoa fsica tem a sua vulnerabilidade presumida, j a pessoa jurdica tambm pode ser considerada consumidora, mas desde que comprove a sua vulnerabilidade. Ou seja, as empresas ou profissionais que so considerados consumidores para o STJ (as Micro-Empresas e Pequenas Empresas, os Profissionais Liberais e os Autnomos) devem demonstrar a vulnerabilidade. (STJ Resp. 476428/SC).

    8 MARQUES, Claudia Lima. Comentrios ao Cdigo de defesa do Consumidor. So Paulo: Revista dos tribunais, 2004. p. 141.www.claudiamara.com.br 19

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    c) Consumidor por equiparao

    Existe, ainda, a figura do consumidor por equiparao positivada nos artigos 2, 17 e 29 do CDC. A coletividade de pessoas que hajam intervindo nas relaes de consumo pode ser considerada consumidor, assim como, as vtimas de um produto ou servio defeituoso, bem como, as pessoas expostas a prticas comerciais (incluindo-se questes sobre oferta de produtos ou servios, publicidade, prticas abusivas, cobrana de dvidas, Bancos de Dados e Cadastro de Consumidores e proteo contratual).

    consumidor no s aquele que adquire como aquele que utiliza o produto ou servio, ainda que no o tenha adquirido. Ex: pessoa que compra salgados para servir em festa, todos os que comeram os salgados, ainda que no a tenham adquirido, so consumidores.

    O CDC ao admitir a figura do Consumidor por equiparao rompe com a idia de que os contratos s produzem efeitos para as partes que dele participam. Em alguns casos, como explicitado acima, mesmo que no haja relao jurdica direta entre o fornecedor e uma coletividade, est ltima poder ser considerada como consumidor para garantir a sua proteo.

    CONSUMIDOR POR EQUIPARAO:

    Acepo 1: Art. 2, pargrafo nico, CDC: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indeterminveis, que haja intervindo nas relaes de consumo. Este dispositivo fundamenta a tutela coletiva do Consumidor. H, neste caso, alguma espcie de interveno na relao de consumo, que no precisa, necessariamente, ser direta. O exemplo mais evidente o caso do fornecedor que veicula publicidade enganosa.

    Acepo 2: Art. 17, CDC: Para os efeitos desta Seo, equiparam-se aos consumidores todas as vtimas do evento. aquele que sofreu algum prejuzo em razo de um acidente de consumo. a figura do Bystander do direito ou da doutrina Americana. Aqui, a vtima do evento danoso no quem adquiriu diretamente o produto, ou no precisa ser.

    Acepo 3: Art. 29 Para os fins deste Captulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determinveis ou no, expostas s prticas nele previstas.

    d) Conceito de Fornecedor

    O art. 3 do CDC conceitua fornecedor como sendo toda pessoa fsica ou jurdica nacional ou estrangeira de direito pblico ou privado, que atua na cadeia produtiva, exercendo

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    atividade de produo, montagem, criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de produtos ou prestao de servios.

    Fornecedor seria qualquer pessoa fsica a ttulo singular e tambm uma pessoa jurdica. Sem dvida, os requisitos fundamentais para a caracterizao do fornecedor na relao jurdica de consumo so o da habitualidade e do profissionalismo na atividade fim, ou seja, o exerccio contnuo e profissional de determinado servio ou fornecimento de produto.

    CONCEITO DE FORNECEDOR CDC

    Art. 3, CDC: Fornecedor toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produo, montagem, criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de produtos ou prestao de servios.

    e) Sociedade sem fins lucrativos

    No que tange a sociedades civis sem fins lucrativos de carter beneficente e filantrpico, estas tambm podem ser consideradas fornecedoras quando, por exemplo, prestam servios mdicos, hospitalares, odontolgicos e jurdicos a seus associados.

    certo que, para o fim de aplicao do CDC, o enquadramento do fornecedor de servios atende a critrios objetivos, sendo irrelevantes a sua natureza jurdica, a espcie dos servios que presta e at mesmo o fato de se tratar de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, de carter beneficente e filantrpico, bastando que desempenhe determinada atividade no mercado de consumo mediante remunerao.

    O Poder Pblico poder ser enquadrado como fornecedor de servio toda vez que, por si ou por seus concessionrios, atuar no mercado de consumo, prestando servio mediante a cobrana de preo. Do mesmo modo, os concessionrios de servios pblicos de telefonia, que atuam no mercado de consumo atravs de contratos administrativos de concesso de servios pblicos, so fornecedores de servios nas relaes com os usurios e, conseqentemente, devem observar os preceitos estabelecidos pelo CDC.

    Pode os entes despersonalizados serem fornecedores de produtos e servios bem como a pessoa jurdica de fato, ou seja, as no regularizadas na forma da lei.

    f) Produto

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    Corresponde ao elemento objetivo da relao de consumo, isto , o objeto sobre o qual recai a relao jurdica consumerista. Pode ser bem mvel ou imvel, material ou imaterial, novo ou usado, fungvel ou infungvel, principal ou acessrio, corpreo ou incorpreo, suscetvel de apropriao e que tenha valor econmico, destinado a satisfazer uma necessidade do consumidor.

    CONCEITO DE PRODUTO:

    Artigo 3, 1 do CDC: 1 Produto qualquer bem, mvel ou imvel, material ou imaterial.

    Observao: O produto gratuito est protegido pelo CDC, porm servio gratuito no, somente o remunerado. A amostra grtis submete-se s regras dos demais produtos, quanto aos vcios, defeitos, prazos de garantia, etc.

    g) Servio

    CONCEITO DE SERVIO

    Art. 3, 2, CDC: Servio qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remunerao, inclusive as de natureza bancria, financeira, de crdito e securitria, salvo as decorrentes das relaes de carter trabalhista.

    Servio remunerado: aquele em que h alguma contraprestao em troca do servio. suficiente a remunerao indireta para caracterizar o servio remunerado. Ex.: estacionamento gratuito do shopping, em que h uma remunerao indireta. Isso porque no valor dos produtos esto embutidos essa despesa do shopping. Servio gratuito: aquele em que no h nenhuma contraprestao, seja direta ou indireta.

    A jurisprudncia majoritria tem o entendimento de que o CDC aplica-se aos contratos bancrios, vez que as instituies financeiras esto inseridas na definio de prestadoras de servios, contempladas no art. 3, e segundo pargrafo, do CDC. Como a matria era controversa foi objeto de smula:

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    Smula 297 do STJ: O Cdigo de Defesa do Consumidor aplicvel s instituies financeiras.

    Observao: Muito se discute a aplicao consumerista nas relaes de locao imobiliria. Entretanto, a jurisprudncia majoritria defende que no se aplica o CDC nas relaes locatcias, vez que existe norma especfica que regulamenta a relao locatcia a Lei 8.245/91.

    Aplica-se ao CDC:

    Profissionais liberais e seus clientes (STJ, REsp 80.276) Entidades de previdncia privada (STJ, Smula 321) Contratos de arrendamento mercantil (STJ, REsp 664.351) Na relao entre condomnio e concessionria de servio pblico (STJ, REsp

    650.791) Contratos do sistema financeiro de habitao (STJ, AgRg no REsp 107.33.11)

    No se aplica o CDC:

    atividade notarial (STJ, 625.144) s relaes entre condomnio e condminos (STJ, REsp 650.791) Entre autarquia previdenciria e seus beneficirios (STJ, REsp 369.822) s relaes de locao (STJ, AgRg no REsp 510.689) Contratos de crdito educativo (STJ, REsp 600.677)

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    CAPTULO IV

    PRINCPIOS INFORMADORES DO DIREITO DO CONSUMIDOR

    1. CONCEITO DE PRINCPIOS

    Princpios so preceitos fundamentais. De fato, os princpios so as fontes basilares para qualquer ramo do direito, tendo influncia na formao da norma e na sua aplicao, o que no poderia ser diferente em relao ao Direito do Consumidor.

    Celso Antnio Bandeira de Mello apresenta a definio clssica sobre princpios:

    [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico (Mello, 2005, p.902).

    Partindo dessa definio percebe-se que o princpio a estrutura sobre a qual se constri o sistema jurdico. So normas gerais que delimitam a parmetro de partida na soluo de conflitos jurdicos, atravs deles podem-se extrair regras e normas de procedimento. A estrutura do Direito resultado dos princpios jurdicos.

    Os princpios que informam o direito do consumidor esto previstos tanto na Constituio Federal quanto no CDC.

    2. PRINCPIOS QUE INFORMAM O DIREITO DO CONSUMIDOR, PREVISTOS NA CONSTITUIO FEDERAL

    2.1 Princpio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III da CR/88)

    O princpio da Dignidade Pessoa Humana configura a garantia mais importante inserida na Constituio Federal, por constituir o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional. A partir da dignidade da pessoa humana que devero ser interpretadas todas as demais garantias constitucionais.www.claudiamara.com.br 24

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    A defesa do consumidor princpio que deve ser seguido pelo Estado e pela sociedade para atingir a finalidade de existncia digna e justia social, imbricado com o princpio da dignidade da pessoa humana.

    Vale salientar que o princpio da dignidade da pessoa humana esculpido no art. 1, III da Carta Magna coerente em afirmar que a defesa do consumidor busca em verdade a proteo e resguardo da pessoa humana, que deve ser sobreposta aos interesses produtivos e patrimoniais.

    2.2 Princpio da Isonomia (art. 5, caput da Constituio Federal)

    Aristteles e Ruy Barbosa insistiam na necessidade de aplicao da isonomia real, entendendo por esta a atitude de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

    Nem toda discriminao fere o princpio da isonomia, na medida em que discriminaes existem, por vezes, para restabelecer a igualdade entre as pessoas. justamente o que ocorre com os direitos do consumidor.

    Esse princpio constitucional penetra no direito do consumidor na forma de princpio da vulnerabilidade do consumidor.

    3. PRINCPIOS ESPECFICOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR PREVISTOS NA LEI N. 8.078/90

    O direito do consumidor tem como linha orientadora a proteo do consumo, sendo que h princpios bsicos que no podem ser afastados. So princpios que visam dar equilbrio e justia contratual s relaes de consumo, garantindo ao consumidor o atendimento de suas necessidades, o respeito, a segurana e a proteo econmica.

    3.1 Princpio da Vulnerabilidade do Consumidor (art. 4, I do CDC).

    O art. 5o, XXXII da Constituio Federal dispe que: o Estado promover, na forma da lei, a defesa do consumidor;. Como se percebe, a prpria Constituio Federal considera o consumidor o elo mais fraco da relao de consumo, interpretao que decorre tambm do seu art. 170, V, que coloca a defesa do consumidor como princpio da ordem econmica.www.claudiamara.com.br 25

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    De um lado a Constituio Federal consagra o regime capitalista e, de outro, tutela o consumidor, deixando clara a proibio do capitalismo selvagem (lucro a qualquer custo) e o sistema de pesos e contra pesos.

    O princpio da vulnerabilidade tem como escopo a garantia do princpio da igualdade, consagrado no artigo 5 da CR/88. A igualdade dispensa tratamento igual, vedando as discriminaes. Apesar disso, a garantia da igualdade, na prtica, requer o tratamento desigual aos reconhecidamente desiguais na medida de suas desigualdades. Em outras palavras, o que se busca a garantia da igualdade substancial e no s da igualdade material.

    A Lei n 8.078/90 reconhece, no art. 4, I, a vulnerabilidade do consumidor. O diploma legal, a fim de estabelecer a isonomia real, estabeleceu mecanismos supressores desta condio de desvantagem.

    O princpio da vulnerabilidade est acobertado em todo o CDC, tal como a possibilidade de inverso do nus da prova, a possibilidade da interposio de aes no domiclio do consumidor, a proibio de veiculao de publicidade enganosa, entre outros. Todas so normas que tm o escopo de garantir a igualdade substancial entre o consumidor e o fornecedor.

    A vulnerabilidade do consumidor uma situao permanente ou provisria, individual ou coletiva que fragiliza e enfraquece o consumidor, gerando um desequilbrio da relao de consumo.

    Para Cludia Lima Marques (2009) o princpio da vulnerabilidade se apresenta em trs vertentes: vulnerabilidade tcnica, a vulnerabilidade jurdica e a vulnerabilidade ftica.

    Vulnerabilidade tcnica o desconhecimento das caractersticas tcnicas do produto ou servio. Nesse prisma o consumidor, sendo desconhecedor da tcnica, pode ser facilmente enganado pelo profissional o que requer maior proteo do CDC. Acrescenta que o consumidor profissional pode ser carecedor desse conhecimento tcnico chamando para si a aplicao do CDC. Assevera, ainda, que a vulnerabilidade tcnica no CDC presumida. Vulnerabilidade jurdica pode ser tambm cientfica. a falta de conhecimentos jurdicos, econmicos e contbeis. Para o consumidor no profissional essa vulnerabilidade presumida, mas para os profissionais e pessoas jurdicas a presuno de que devam ter tais conhecimentos. Vulnerabilidade ftica o mesmo que vulnerabilidade scio-econmica. O fornecedor, pela natureza do produto ou por seu grande poder econmico, impe aos seus consumidores as suas condies. A vulnerabilidade ftica presumida para o consumidor no-profissional, mas no para o consumidor profissional ou para a pessoa jurdica. Cludia Lima Marques, contudo, informa que o consumidor profissional ou pessoa jurdica podem provar essa vulnerabilidade.

    3.1.1 - Distino entre vulnerabilidade e hipossuficincia do consumidor:

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    O consumidor ope legis vulnervel, pelo quanto j exposto, fato que desencadeia uma srie de protees da Lei n 8.078/90. Existem situaes, porm, em que a fragilidade do consumidor ainda maior, nas quais ele, alm de vulnervel, hipossuficiente.

    H doutrinadores que consideram que o princpio da vulnerabilidade seria o gnero do qual o princpio da hipossuficincia a espcie. Sustentam que em casos de fragilidade fsico-psquica, tais como ocorre com crianas, idosos e doentes, o princpio aplicvel o da hipossuficincia, dada extrema vulnerabilidade.

    Cludia Lima Marquez (2009) diz que o princpio da vulnerabilidade aquele que se refere a questes de direito material. J no que tange aos aspectos processuais, o princpio garantidor seria o da tutela do hipossuficiente.

    O que determina a hipossuficincia do consumidor o aspecto tcnico. O desequilbrio econmico em desfavor do consumidor, quando existente, serve para acentuar ainda mais a hipossuficincia, que j deve estar caracterizada no aspecto tcnico.

    3.2 Princpio da Boa-F

    O princpio da boa-f possui dois sentidos diferentes: uma concepo subjetiva e outra objetiva. A concepo subjetiva corresponde ao estado psicolgico da pessoa, ou seja, sua inteno ou seu convencimento de estar agindo de forma a no prejudicar ningum. J a concepo objetiva significa uma regra de conduta de acordo com os ideais de honestidade, probidade e lealdade, ou seja, as partes contratuais devem agir sempre respeitando a confiana e os interesses do outro.

    a) Boa-F Subjetiva

    A boa-f subjetiva tambm conhecida como boa-f crena, isto porque, diz respeito a substncias psicolgicas internas do agente. Geralmente, o estado subjetivo, deriva da ignorncia do sujeito, a respeito de determinada situao, ocorre, por exemplo, na hiptese do possuidor da boa-f subjetiva, que desconhece o vcio que macula a sua posse. Normalmente, tem aplicabilidade no direito possessrio; nos casos de usucapio; na revogao de mandato; na cesso de crdito; no pagamento indevido; no direito de famlia, caso do casamento putativo; no direito sucessrio, caso do herdeiro aparente, dentre outros.

    b) Boa-f Objetiva

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    O Cdigo de Defesa do Consumidor props a revitalizao de um dos princpios gerais do direito, denominado princpio da boa-f objetiva, que representa o valor da tica, veracidade e correo dos contratantes, operando de diversas formas e em todos os momentos do contrato, desde a sua negociao at sua execuo.

    o princpio mximo orientador do Cdigo de Defesa do Consumidor e basilar de toda a conduta contratual que traz a idia de cooperao, respeito e fidelidade nas relaes contratuais. Refere-se aquela conduta que se espera das partes contratantes, com base na lealdade, de sorte que toda clusula que infringir esse princpio considerada, ex lege como abusiva. Isso porque o artigo 51, XV do Cdigo de Defesa do Consumidor diz serem abusivas as clusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteo do consumidor, dentro do qual se insere tal princpio por expressa disposio do artigo 4, caput e inciso III9.

    Nesse sentido, Cludia Lima Marques, define a boa-f objetiva da seguinte forma:

    [...] uma atuao refletida, uma atuao refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legtimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posio contratual, sem causar leso ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o patrimnio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigaes, isto , o cumprimento do objetivo contratual e a realizao dos interesses legtimos de ambos os parceiros. Trata-se de uma boa-f objetiva, um paradigma de conduta leal, e no apenas da boa-f subjetiva, conhecida regra de conduta subjetiva do artigo 1444 do CCB. Boa-f objetiva um standard de comportamento leal, com base na confiana, despertando na outra parte co-contratante, respeitando suas expectativas legtimas e contribuindo para a segurana das relaes negociais10.

    Ainda segundo Cludia Lima Marques: O princpio da boa-f objetiva na formao e na execuo das obrigaes possui muitas funes na nova teoria contratual: 1) como fonte de novos deveres especiais de conduta durante o vnculo contratual, os chamados deveres anexos, 2) como causa limitadora do exerccio, antes lcito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos e 3) na concreo e interpretao dos contratos.

    9 Art. 4 - A Poltica Nacional das Relaes de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito sua dignidade, sade e segurana, a proteo de seus interesses econmicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparncia e harmonia das relaes de consumo, atendidos os seguintes princpios: III - harmonizao dos interesses dos participantes das relaes de consumo e compatibilizao da proteo do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econmico e tecnolgico, de modo a viabilizar os princpios nos quais se funda a ordem econmica (art. 170, da Constituio Federal), sempre com base na boa-f e equilbrio nas relaes entre consumidores e fornecedores.

    10 MARQUES, Cludia Lima, Planos privados de assistncia sade. Desnecessidade de opo do consumidor pelo novo sistema. Opo a depender da convenincia do consumidor. Abusividade da clusula contratual que permite a resoluo do contrato coletivo por escolha do fornecedor. Revista de Direito do Consumidor, n. 31, jul./set./99, p. 145.www.claudiamara.com.br 28

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    A primeira funo criadora de novos deveres especiais de conduta anexos aos deveres de prestao contratual 11.

    A segunda funo limitadora do exerccio abusivo dos direitos subjetivos, que reduz a liberdade de atuao dos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e clusulas como abusivas, seja controlando a transferncia dos riscos profissionais, seja libertando o devedor em face da no razoabilidade da outra conduta.

    A terceira funo interpretativa que define o melhor caminho na interpretao de um contrato.

    No que diz respeito ao aspecto contratual das relaes de consumo, verifica-se que a boa-f na concluso do contrato requisito que se exige do fornecedor e do consumidor, de modo a fazer com que haja transparncia nas relaes de consumo, e seja mantido o equilbrio entre as partes. O Princpio da Transparncia, que ser tratado adiante, rege o momento pr-contratual, bem como a concluso do contrato, e tem como reflexo o dever de informar sobre o produto ou servio, que afeta a essncia do negcio, uma vez que integra o contedo do contrato.

    O Cdigo de Defesa do Consumidor prev, de modo expresso, o princpio da boa-f no o art. 4 inciso III e o art. 51 inciso IV.

    O artigo 4 do Cdigo de Defesa do Consumidor traz o princpio da boa-f como instrumento de controle das clusulas contratuais abusivas. O emprego do princpio da boa-f como meio de controle das clusulas contratuais abusivas pressupe a adoo de uma hermenutica finalstica que esteja em condies de avaliar, em cada caso concreto, o alcance dos princpios estabelecidos pelo Cdigo de Defesa do Consumidor12. Quer dizer que no caso concreto, alm de verificar o cumprimento dos requisitos formais necessrios validade do negcio jurdico, o interprete dever analisar o contedo da relao contratual e o equilbrio entre as prestaes e as contraprestaes resultantes do contrato.

    O artigo 51, inciso IV do Cdigo de Defesa do Consumidor trata da boa-f objetiva que se traduz na imposio de uma regra de conduta, cujo fim estabelecer o equilbrio nas relaes de consumo.

    Assim, h no sistema contratual do Cdigo de Defesa do Consumidor a obrigatoriedade de as partes contratantes respeitarem a clusula geral de boa-f, que se reputa

    11 Os deveres anexos no se restringem ao dever de informao, incluindo o dever de cuidado, de informao, de sigilo, de cooperao de colaborao, dentre outros. O dever de cuidado importante, pois se refere aos cuidados redobrados que os parceiros contratuais devem ter durante a execuo contratual para no causar dano outra parte, trata-se de um dever de segurana intrnseco prestao, com objetivo de preservar a integridade pessoal (moral e fsica) e a integridade do patrimnio do parceiro contratual, conforme artigo 6, inciso VI do Cdigo de Defesa do Consumidor. Esses deveres anexos se violados geram o dever de indenizar. Isso porque a boa-f determina que as partes ajam com lealdade umas com as outras, respeitando os objetivos da relao obrigacional.

    12 AMARAL JUNIOR, Alberto do. A boa-f e o Controle das Clusulas Contratuais abusivas nas relaes de consumo. Revista de Direito do Consumidor, n. 06, abril/junho-1993. p.27www.claudiamara.com.br 29

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    existente em todo e qualquer contrato que verse sobre relao de consumo, mesmo que no inserida expressamente nos instrumentos contratuais que regem a relao contratual.

    3.3 Princpio da Transparncia

    O princpio da transparncia corolrio do princpio da boa-f objetiva. Trata-se de um dever anexo imposto pela boa-f e que tem maior incidncia na formao dos contratos. Visa regular a propaganda, a oferta destinada ao consumidor, bem como o contedo do contrato de consumo.

    Por esse princpio as partes tm o dever de trazerem informaes claras e precisas sobre a relao de consumo a ser firmada.

    Aliado ao dever de transparncia est o dever de informar, que tambm decorre da boa-f objetiva. No dever de informar o fornecedor deve trazer ao consumidor todas as informaes sobre o produto, sobre o contrato, e sobre o negcio jurdico em geral.

    O direito informao reflexo direto do princpio da transferncia e est intimamente ligado ao princpio da vulnerabilidade. o direito informao que permite ao consumidor ter uma escolha consciente e, por fim, emitir, o consentimento informado, uma vontade qualificada ou, ainda um consentimento esclarecido.

    Outra peculiaridade do direito informao sua abrangncia, posto que presente em todas as reas de consumo e deve ser observado antes, durante e mesmo depois da relao consumerista. Desta forma, toda oferta e apresentao de produtos e servios devero assegurar corretas informaes de maneira clara e ostensiva e adequada promovendo os alertas quanto nocividade ou periculosidade.

    O art. 36 CDC nos informa: os contratos que regulam as relaes de consumo no obrigaro aos consumidores, se no lhes forem dada a oportunidade de tomar conhecimento prvio de seu contedo.

    O dever de informar deve preencher trs requisitos: adequao suficincia veracidade. O princpio da transparncia no CDC, portanto, cria regras para efetivar a adequao, a clareza e veracidade das informaes prestadas.

    3.4 Princpio da Equidade ou Equilbrio Contratual

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    O princpio da equidade tem incidncia na fase de execuo contratual. o princpio que visa garantir a justia contratual. Impede a imposio de clusulas que imponham desvantagens unilaterais ou exageradas para o consumidor, entre outros.

    princpio que atua junto com a boa-f objetiva garantindo a legtima expectativa das partes contratantes. Portanto, no basta assegurar a vontade livre, mas tambm se deve proteger as legtimas expectativas dos consumidores.

    O princpio do equilbrio material entre as prestaes, ou princpio da equivalncia um princpio no s das relaes de consumo, aplica-se a todas as relaes contratuais. Esse princpio preserva a equao e o justo contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigaes, seja para corrigir desequilbrios supervenientes.

    Estabelece o CDC no seu art. 51, IV: So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que: IV - estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatveis com a boa-f ou a eqidade.

    Desse modo, sero invlidas as disposies que ponham em desequilbrio a equivalncia entre as partes em um contrato de consumo.

    3.5 Princpio da Ao Governamental (art. 4, II da Lei n 8.078/90).

    O princpio da ao governamental impe ao Estado o rigoroso cumprimento dos objetivos estabelecidos pela Poltica Nacional das relaes de consumo. Determina a interveno do Estado na economia, a fim de proteger o consumidor e impedir o desenvolvimento do capitalismo selvagem (lucro a qualquer custo).

    Decorre da limitao constitucional ordem econmica, estabelecida pelo art. 170, V da Constituio Federal.

    Em decorrncia desse princpio, cabe ao Estado, exemplificativamente:

    instituir rgos pblicos de defesa do consumidor; incentivar a criao de associaes civis que tenham por finalidade a proteo do consumidor; regular o mercado, preservando a qualidade, segurana, durabilidade e desempenho dos produtos e servios oferecidos ao consumidor.

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    3.6 Princpio da Harmonizao dos Interesses dos Consumidores e Fornecedores

    No existe relao de consumo sem fornecedor. Sendo assim, uma proteo desmedida ao consumidor repercutiria de forma nociva nas relaes de consumo. A proteo do consumidor no pode, por exemplo, frear o progresso tecnolgico e econmico.

    De outra parte, a experincia do liberalismo econmico demonstrou que a interveno do Estado necessria, a fim de regular a busca imoderada do lucro pelos fornecedores.

    A tnica do direito do consumidor a harmonia entre as relaes de consumidores e fornecedores. O fornecedor tem direito ao lucro que, no entanto, no pode ser exagerado. J o consumidor tem direito de acesso ao mercado de consumo, sem qualquer discriminao.

    A harmonizao dos interesses de consumidores e fornecedores se d atravs de dois instrumentos:

    do marketing de defesa do consumidor (art. 4, V do CDC): caracterizado na criao de departamentos de atendimento ao consumidor, criados pelos prprios fornecedores, estabelecendo vrios caminhos de contato com o consumidor (telefone, internet, fax, caixa postal); da conveno coletiva de consumo (art. 107 do CDC): so pactos entre entidades civis de consumidores e associaes de fornecedores ou sindicatos, regulando as relaes de consumo, no tocante ao preo, qualidade, quantidade, garantia e caractersticas de produtos e servios, bem como s reclamaes e composies de conflito de consumo. A conveno coletiva de consumo tem por objetivo prevenir conflitos.

    3.7 Princpio da Reparao Integral

    um princpio relativo reparao de danos, caso o consumidor sofra um dano, a reparao que lhe devida deve ser a mais ampla possvel, abrangendo a todos os danos causados.

    Dentre os direitos bsicos do Consumidor, consagrados no art. 6, VI, do CDC encontra-se a efetiva preveno e reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, o que indica uma reparao de forma efetiva, real, e integral, sendo vedado ao fornecedor condicionar a reparao.

    No so aceitas nas relaes de consumo, clusulas de irresponsabilidade ou de no indenizao, nem mesmo as que meramente atenuem a responsabilidade do fornecedor.

    Entretanto, h uma exceo prevista no artigo 51, I, do CDC, quando o consumidor for pessoa jurdica, a indenizao poder ser limitada, em situaes justificveis: Art. 51, CDC: www.claudiamara.com.br 32

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    So nulas de pleno direito, entre outras, as clusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e servios que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vcios de qualquer natureza dos produtos e servios ou impliquem renncia ou disposio de direitos. Nas relaes de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurdica, a indenizao poder ser limitada, em situaes justificveis.

    3.8 Princpio da Solidariedade

    A solidariedade tambm est relacionada responsabilidade aos danos causados aos consumidores. Cabe ao fornecedor responder por quaisquer vcios ou fatos relativos ao produto ou servio.

    O artigo 7, pargrafo nico do CDC estatui: Tendo mais de um autor a ofensa, todos respondero solidariamente pela reparao dos danos previstos nas normas de consumo. Tambm art. 25 do CDC reza que: vedada a estipulao contratual de clusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigao de indenizar prevista nesta e nas sees anteriores. 1 Havendo mais de um responsvel pela causao do dano, todos respondero solidariamente pela reparao prevista nesta e nas sees anteriores

    A solidariedade aparece novamente nos artigos 18, 19 e 34, do CDC, comprovando, portanto, que o consumidor pode se valer do instituto para, efetivamente, ser indenizado pelos danos sofridos nas relaes jurdicas de consumo.

    3.9 Princpio da interpretao mais favorvel ao consumidor

    Trata-se de um princpio que proclama a interpretao contra a parte mais forte, aquela que estipulou o contedo do pacto contratual, como ocorre no contrato de adeso.

    Este princpio est expresso no CDC, no art. 47 As clusulas contratuais sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor.

    Vale salientar que este princpio ser aplicvel no apenas s clusulas contratuais, mas tambm em relao s leis em geral, ou seja, havendo conflito, aplica-se a lei ou a clusula que melhor atenda aos interesses do consumidor.

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    CAPTULO V

    RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAES DE CONSUMO

    1. INTRODUO

    A origem da responsabilidade civil proveniente da vida prtica. H indcios que civilizaes anteriores mediterrnea j revelavam preocupao com a questo da responsabilidade. Geralmente, a pena imposta era a mesma do prejuzo causado ao terceiro, era aplicada a lei de talio lei que imperava no Velho Testamento, do olho por olho, dente por dente, mo por mo, p por p. Era um sistema baseado na vingana privada.

    Com a Lei das XII tbuas, a interveno do poder pblico tinha o fim de disciplinar a vingana privada. A vtima ao invs de submeter o agente a sofrimento igual ao causado era ressarcido com dinheiro ou com bens a ttulo de poena (castigo). Nesta poca, no havia a noo de culpa, portanto, a responsabilidade era objetiva.

    Na Lex Aquilia, introduzida no direito romano, a noo de culpa passa a ser indispensvel para a reparao do dano. A outra novidade foi que ao invs de multas fixas criou-se a idia de quantum proporcional ao prejuzo causado. A idia do direito romano perpetuou o conceito de responsabilidade civil at a Idade Mdia e o Direito Moderno.

    Os Cdigos Modernos buscaram inspirao no Cdigo Napolenico de 1804, assim como o Cdigo Civil Brasileiro de 1916, baseando a responsabilidade na teoria da culpa.

    A responsabilidade de fato uma obrigao que ocorre por um dever contratual ou extracontratual, assim como, por uma violao de norma que vincula o agente a uma reparao pelo prejuzo causado.

    A partir da Lex Aquilia que se fez necessria a culpa para caracterizar a responsabilidade.

    Atualmente, a responsabilidade civil pode advir tanto de atos lcitos quanto dos lcitos que importam riscos. A regra geral prevista no Cdigo Civil a responsabilidade subjetiva, aquela que depende da comprovao da culpa do agente.

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    Para caracterizar a responsabilidade subjetiva so imprescindveis alguns elementos:

    a) conduta humana antijurdica ou conduta ilcita: ocorre quando h ofensa a um principio geral de direito neminem laedere ningum pode lesar ningum, ou seja, h necessidade de ato realizado pelo prprio agente contrrio ao direito.

    Observao: A culpa est presente na conduta antijurdica. A culpa lato sensu (dolo e culpa) o elemento essencial e caracterizador da responsabilidade subjetiva.

    A culpa dividida em lato sensu e strito sensu. A culpa lato sensu representa o dolo e a culpa strito sensu. O dolo seria a inteno de provocar o dano, enquanto, a culpa no sentido strito seria a no inteno de causar dano, mas que ocorre em razo de impercia, negligncia ou imprudncia.

    b) Dano: a leso a um bem jurdico ou o prejuzo sofrido pela vtima que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial.

    c) Nexo de causualidade: a relao de causa e efeito entre a conduta e o resultado ou a ligao entre a conduta do agente e o dano.

    IMPORTANTE

    O CDC adotou como regra geral a responsabilidade objetiva, aquela que independe prova de culpa do agente.

    Elementos essenciais da responsabilidade objetiva:

    a) Atividade de riscob) Nexo Causalc) Dano

    A teoria que fundamenta a responsabilidade objetiva do CDC a Teoria do Risco da Atividade.

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    2. A TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE

    Para o CDC, o desempenho de atividade econmica, por si s, cria o risco de dano ao consumidor, de forma que, se concretizado, surge o dever de repar-lo, independentemente da comprovao de dolo ou culpa do fornecedor. Portanto, no CDC a regra a responsabilidade objetiva.

    A responsabilidade objetiva entende que a reparao do dano se baseia no dano causado e sua relao com a atividade desenvolvida pelo agente. Incide sobre atividades que potencialmente ofeream risco coletividade. A atividade pode ser lcita, mas sua existncia faz com que provoque danos e as vtimas devem ser protegidas. A obrigao de reparar surge da existncia de um dano e da relao de causalidade com determinada atividade.

    Vale ressaltar que a responsabilidade objetiva no se confunde com a culpa presumida. Na culpa presumida ocorre uma inverso do nus de prova. Presume-se a culpa por um comportamento do causador do dano, cabendo a este demonstrar ausncia de culpa, para se eximir de indenizar. Rui Stoco afirma que Trata-se de uma espcie de soluo transacional ou escala intermediria, em que se considera no perder a culpa a condio de suporte da responsabilidade civil, embora a j se deparem indcios de sua degradao13.

    J na responsabilidade objetiva, o agente responder mesmo se tiver agido sem culpa e os elementos a serem provados pela vtima em uma eventual ao de indenizao so o dano e o nexo de causalidade. Em caso de culpa presumida deve-se provar a conduta antijurdica, a culpabilidade, o dano e o nexo de causalidade; Contudo, o elemento culpa presume-se provado. Dessa forma, a culpa presumida espcie de responsabilidade civil subjetiva que s ocorre em casos previstos em lei.

    CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR:

    Regra geral: Responsabilidade ObjetivaExceo: Profissional Liberal Responsabilidade Subjetiva

    13 STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretao jurisprudencial: doutrina e jurisprudncia. 3. ed. rev. e ampl. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.64.www.claudiamara.com.br 37

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    3. RESPONSABILIDADE CIVIL POR FATO DO PRODUTO OU DO SERVIO

    O fato do produto e o fato do servio esto referidos nos artigos 12 e 14 do CDC, respectivamente, e tambm so chamados de ACIDENTE DE CONSUMO. Os produtos que, por seus defeitos, causarem danos, fazem surgir responsabilidade civil do fornecedor, independentemente de culpa. O mesmo ocorre em caso acidente de consumo por fato de servio, que pressupe a existncia de defeitos, verificados na prestao de um servio, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre a sua fruio e riscos.

    Trata-se de responsabilidade solidria, que atribui ao consumidor o direito de escolher de quem pleitear os danos, se do comerciante partcipe mais prximo, ou se do fabricante ou figura correlata mais distante. O consumidor tem a faculdade de escolher qualquer um deles, separada ou conjuntamente, pelo total dos danos, no podendo o fornecedor acionado denunciar a lide, por expressa vedao do CDC.

    Assim, aplica-se a responsabilidade objetiva e solidria, em caso de acidente de consumo, isto , o fornecedor responde independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricao, construo, montagem, frmulas, manipulao, apresentao ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua utilizao e riscos.

    FATO DO PRODUTO E DO SERVIO = ACIDENTE DE CONSUMO

    Art. 12, CDC: O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricao, construo, montagem, frmulas, manipulao, apresentao ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua utilizao e riscos.[...]

    Art. 14, CDC: O fornecedor de servios responde, independentemente da existncia de culpa, pela reparao dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos prestao dos servios, bem como por informaes insuficientes ou inadequadas sobre sua fruio e riscos."

    Embora tanto no fato quanto no vcio haja responsabilidade civil do fornecedor, ambos no se confundem no direito brasileiro. No fato h um dano ao consumidor, atingindo-o em sua integridade fsica ou moral (elemento intrnseco). J no vcio, h um descompasso entre o produto ou servio oferecido e as legtimas expectativas do consumidor (elemento extrnseco).

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    VCIO DEFEITO

    Vcio: a mera inadequao do produto ou do servio para os fins a que se destina. Ex.: o consumidor comprou uma televiso que no funciona.

    Defeito: diz respeito insegurana do produto ou do servio. Ex.: a televiso comprada explode e causa danos integridade do consumidor.

    Espcies de defeitos: de fabricao, de concepo e de comercializao.

    Dessa forma, o produto defeituoso aquele que no oferece a segurana que dele legitimamente se espera. Observam-se a informao do produto, a sua apresentao, os riscos que ele pode causar, levando-se em considerao a poca em que foi colocado em circulao. Trata-se da teoria do risco do desenvolvimento.

    3.1. Responsabilidade do Comerciante:

    Em regra, a responsabilidade do comerciante subsidiria. A responsabilidade subsidiria advm do fato de o fabricante e o produtor serem os verdadeiros introdutores do risco no

    mercado ao inserirem produtos defeituosos em circulao, cabendo ao comerciante apenas

    avaliar a qualidade dos bens que coloca venda em seu estabelecimento.

    O comerciante responde solidariamente, ou ser igualmente responsvel, nas hipteses do art. 13 do CDC, quando:I quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador no puderem ser identificados;

    II quando no houver no produto identificao clara do fabricante, produtor, construtor ou importador;

    III quando o comerciante no conservar adequadamente os produtos perecveis.

    Tratando-se de responsabilidade solidria, aquele que pagar integralmente a indenizao poder propor ao de regresso contra os demais.

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    J se adianta, entretanto, que a denunciao lide impossvel, nos termos do art. 88 do CDC. O comerciante poder exercer o direito de regresso contra o produtor, fabricante ou importador em ao autnoma ou na mesma ao, desde que j tenha reparado os danos ao consumidor.

    A impossibilidade da denunciao da lide na ao de reparao de dano por fato do produto se justifica por dois motivos: retardaria a reparao do consumidor; a incluso de nova argumentao jurdica na lide, j que entre os fornecedores a responsabilidade subjetiva e deveria se