apostila de portugues direito minas

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Faculdade de Direito do Sul de Minas Disciplina: Estudos de linguagem I Professoras: Ana Carolina de Faria Silvestre e Mírian dos Santos Unidade I – Concepções de linguagem A INCOMPLETUDE DA LINGUAGEM Os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento. (Wittgenstein) Concebendo a linguagem como forma de ação interindividual, orientada por uma finalidade específica, temos esse fenômeno, notadamente humano, como processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais. À linguagem cabem muitas coisas tais como dar sentido às coisas, carregar valores e ideias, manifestar conflitos e confrontos, expressar relações de mando e submissão, estabelecer de relações interpessoais anteriormente inexistentes, constituir identidades. Como afirma Orlandi, “A linguagem é transformadora. Ação sobre a natureza e a ação concertada com o homem” 1 . Situada no seio de uma comunidade, a linguagem permite fazer muito mais coisas do que designar o mundo ou ser simplesmente um amontoado de regras que delimitam o certo e o errado na língua. A linguagem é uma prática social; ela é faz parte da própria constituição da espécie. Por prática social entendemos “Um conjunto de regras anônimas, históricas, determinadas no tempo e no espaço que definem numa época e para uma área social, econômica e geográfica ou linguística as condições do exercício da função enunciativa” com quer Foucault em Arqueologia do saber. A linguagem não é um instrumento de comunicação, expressão do pensamento, nem é transparente. Pelo contrário, ela carrega opacidade e espessura e isto se dá 1 Orlandi, Eni P. Discurso e leitura. São Paulo Editora Cortez; Campinas:, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999.

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Page 1: Apostila de portugues direito minas

Faculdade de Direito do Sul de MinasDisciplina: Estudos de linguagem IProfessoras: Ana Carolina de Faria Silvestre e Mírian dos SantosUnidade I – Concepções de linguagem

A INCOMPLETUDE DA LINGUAGEM

Os limites da minha linguagem são também os

limites do meu pensamento. (Wittgenstein)

Concebendo a linguagem como forma de ação interindividual, orientada por uma finalidade específica, temos esse fenômeno, notadamente humano, como processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais.

À linguagem cabem muitas coisas tais como dar sentido às coisas, carregar valores e ideias, manifestar conflitos e confrontos, expressar relações de mando e submissão, estabelecer de relações interpessoais anteriormente inexistentes, constituir identidades. Como afirma Orlandi, “A linguagem é transformadora. Ação sobre a natureza e a ação concertada com o homem”1.

Situada no seio de uma comunidade, a linguagem permite fazer muito mais coisas do que designar o mundo ou ser simplesmente um amontoado de regras que delimitam o certo e o errado na língua. A linguagem é uma prática social; ela é faz parte da própria constituição da espécie.

Por prática social entendemos “Um conjunto de regras anônimas, históricas, determinadas no tempo e no espaço que definem numa época e para uma área social, econômica e geográfica ou linguística as condições do exercício da função enunciativa” com quer Foucault em Arqueologia do saber.

A linguagem não é um instrumento de comunicação, expressão do pensamento, nem é transparente. Pelo contrário, ela carrega opacidade e espessura e isto se dá pela estreita relação entre linguagem e ideologia, noções estreitamente vinculadas e mutuamente necessárias: a primeira é uma das instâncias mais significativas em que a segunda se materializa. A ideologia é algo inerente à linguagem. A linguagem é a materialidade em que se encontra a ideologia.

Na verdade, a linguagem uma mediação necessária entre homem e realidade natural ou social. É elemento que liga um homem a outro ou a outros homens, dada a impossibilidade humana de entrarmos em contato com alguém sem mediação.

É, pois, essa capacidade de linguagem que faz de nós, os seres humanos, seres simbólicos, ou seja, seres que necessitam de elementos simbólicos, representantes das coisas, para entrar em contato com o outro homem. Só podemos nos aproximar dos objetos através da linguagem; só fazendo representações podemos apreender, em parte, a realidade.

Esses elementos simbólicos que nos propiciam a aproximação com o outro são elementos que agem como duplos. Eles não são as coisas, mas estão no lugar das coisas. São sempre fragmentos incompletos que representam algo que não são eles e representam o real de uma certa maneira, dentro de certos limites, sendo, portanto sempre parciais.1 Orlandi, Eni P. Discurso e leitura. São Paulo Editora Cortez; Campinas:, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999.

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Lúcia Santaella2, analisando esse aspecto na linguagem e usando como sinônimo de linguagem a palavra signo, adverte-nos que há

a impossibilidade de se subverter o caráter do signo como duplo, visto que se este, o signo, fosse capaz de atingir a mais absoluta identidade e completude em relação ao objeto que representa, então não seria mais o signo, seria o próprio objeto e este objeto estaria fadado ao desaparecimento. É devido à fenda da diferença que a realidade, na sua completude complexa, resiste como realidade. É devido a esta fenda entre o querer ser o objeto, sem, no entanto, poder sê-lo que o signo insiste na sua parcialidade e incompletude de signo.

Segundo a autora, o inelutável caráter duplo da linguagem assinala que entre o “real” e a linguagem, abre-se uma brecha. Isto significa que a linguagem jamais esgotará todas as potencialidades da realidade. Por mais que se fale e se escreva a respeito de um simples objeto, nunca esgotaremos todas as possibilidades significativas. Isto se dá porque em cada atribuição de significado dado a um objeto interferem, entre outros elementos, as condições de produção e as formações discursivas, a memória.

Dessa forma, entre o real e a linguagem, existe um estado pulsante, prenhe de possibilidades, aberto as mais variadas interferências. Ignorar este aspecto é agir como Narciso, no mito.

Segundo Santaella, Narciso, ao se olhar nas águas do rio, se encantou com a própria imagem. Mas a imagem não era ele, era seu duplo e ao tentar se apossar da imagem, apossar-se da linguagem que a ele se referia, mas que não era ele, Narciso se destruiu. Considerou a imagem de si mesmo como se fosse o real e se esvai. Para Santaella, Narciso se perdeu porque não considerou que entre a linguagem (imagem de si mesmo) e o real (ele mesmo) havia uma fenda, que assinala a incompletude da linguagem. Querer transformar a linguagem em objeto tem consequências sérias: aniquila o objeto e a linguagem; destrói tanto o objeto quanto a linguagem. A linguagem acaba por engolir a vida e a vida por engolir a linguagem.

Para Santaella, Narciso perde-se por não perceber a imagem – linguagem – como fragmento parcial e incompleto que, como toda linguagem só pode estar no lugar de, sem que, no entanto, possa ser o objeto a que se refere. Ainda nas próprias palavras da autora:

O signo não é nem pode ser aquilo que ele representa. O objeto da representação, o real, só é parcialmente capturado pelo signo. O real na sua verdade, portanto, é sempre algo inatingível, mas, em menor ou maior medida, sempre aproximável pela mediação do signo. É nessa aproximação como meta que reside nossa responsabilidade ética para com a linguagem3.

Nesse sentido, a linguagem não é um fenômeno natural, mas algo historicamente adquirido. A linguagem é um jogo. E num jogo as pessoas interagem consoante regras que elas mesmas estabeleceram, mas ninguém joga do mesmo modo. Os sentidos da linguagem sempre serão abertos a novas experiências de interação social. Sobre essa postura, Oliveira afirma4:

Jogada a linguagem dentro da situação, Wittgenstein percebe que a diferente linguagem faz parte da totalidade dessa situação de vida humana, que ela é parte da atividade humana, ou, em sua expressão, uma “forma de vida” do

2 SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996.3 SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento, 1996, p. 64.4 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

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homem (IF23). É por essa razão que a significação das palavras só pode ser esclarecida por meio do exame das formas de vida, dos contextos em que estas palavras ocorrem, pois é o uso que decide sobre a significação das expressões linguísticas (IF 432). “A significação de uma palavra”, diz Wittgenstein no número 43 de suas Investigações Filosóficas, “é seu uso de linguagem”. Só se pode entender a linguagem humana a partir do contexto em que os homens se comunicam entre si

Vivemos num mundo de linguagem. Somos seres de linguagem. Essas são afirmações sérias que implicam aceitar que nossos pensamentos, nossa apreensão das coisas do mundo, o mundo de nossa imaginação, nossas comunicações e nossa rica cultura são tecidos nos teares da linguagem. A linguagem é o nosso meio. Não há humanidade sem mediação. Não há vivido em estado puro, pois todo vivido é inelutavelmente interpretado no mesmo ato de ser vivido. Não há meios e linguagens completos em si mesmo. Entre o real e a linguagem, entre o vivido e a memória, entre a memória e seus registros, há sempre disparidade, desencontros, desavenças, omissões e inserções que são inevitáveis.

O silêncio é constitutivo, o sentido é múltiplo. O silêncio se instala e os sentidos tornam-se possíveis. Além do mais,

a relação dito/não dito pode ser contextualizada sócio-historicamente, em particular em relação ao que chamamos o ‘poder dizer’. Pensando essa contextualização em relação ao silêncio fundador, podemos compreender a historicidade discursiva da construção do poder dizer, atestado pelo discurso5”.

Sendo a linguagem um elemento de mediação e interação, não há como fugir da sociabilidade e só pode ser pensada contextualmente. Em cada contextualização e levando em conta as condições de produção, desenha-se a sociedade dos homens que utilizam da linguagem, descortina-se a determinação histórica, anuncia-se a formação ideológica que rege tal enunciado, enfim surgem os valores ideológicos daqueles que se manifestam verbalmente. Valores que são mutáveis; valores que advém da memória e do assujeitamento.

Devido à incompletude do sentido e do sujeito, visto que sujeito e sentido se constituem ao mesmo tempo; devido à inelutável heterogeneidade constitutiva que caracteriza a linguagem, Orlandi6 nos adverte que se não houver essa incompletude, haverá a asfixia desse mesmo sujeito e a rarefação dos sentidos. “O sujeito não poderia atravessar e ser atravessado, pelos diferentes discursos já que não poderia percorrer os deslocamentos (os limites) das diferentes formações discursivas”. Neste ponto, a autora retoma também o mito de narciso para nos mostrar que “Narciso fixa o seu sentido: ele não deixa atravessar (e não atravessa) ‘outros’ discursos. Ele preenche o seu lugar de sujeito sozinho. Não há nele movimento, não há apagamento possível: um só discurso”.

Unidade II. ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS

5 ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 4ª Ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997, p. 75.6 ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 4ª Ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997, pp. 81-82.

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1. Linguagem: é a capacidade comunicativa dos seres. A linguagem articulada é aquela em que se constrói um sistema organizado de signos.

2. Signo: é uma unidade de representação. O signo representa, no ato da enunciação, um elemento que está ausente e é evocado quando da substituição pelo signo.

3. Signo linguístico: signo arbitrário que une um conceito a uma imagem acústica, ou seja, faz a ligação entre o significado e o significante.

4. Denotação: uso do signo linguístico em seu sentido comum, corrente, arbitrário.

5. Conotação: uso do signo linguístico em sentido figurado, criativo, não relacionado à arbitrariedade de sua significação, mas ao que suscita o conceito por ele evocado.6. Língua: conjunto de sinais organizados convencionalmente para servir à comunicação. A língua é uma das formas de linguagem, o código que melhor atende às necessidades de expressão humana.7. Fala: uso que cada indivíduo faz das combinações possibilitadas pela língua. Enquanto a língua constitui um depositório de signos, a fala pressupõe uma postura ativa sobre a língua.

Campo etimológico e Campo semântico:Construir um campo etimológico significa reunir vocábulos que tenham a mesma raiz ou o mesmo radical. O campo semântico reúne palavras cognatas, ou seja, palavras “parentes”.

Exemplo:Campo etimológico do vocábulo chuva: chover – pluvial – chuveiro – chuvadachuvarada – chuvisco – chuvosochovedouro – chove-não-molha

Construa um campo etimológico (15 palavras, no mínimo) para cada um dos vocábulos abaixo.

a) leib) pãoc) luzd) livree) juiz

Construir um campo semântico significa reunir vocábulos por associação de significados, construindo um universo em que, a partir de uma palavra-chave, todas se remetam a ela por diversos critérios de aproximação.

ExemploCampo semântico do vocábulo chuva:aguaceiro – temporal – garoa guarda-chuva – poça – galocharesfriado – nuvem – enchente

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Exercício:1 – Construa um campo semântico (15 palavras, no mínimo) para cada um dos vocábulos abaixo.

a) boca b) péc) justiçad) prisãoe) drogas

Unidade III

FUNÇÕES SOCIAIS DA LINGUAGEM

Em qualquer situação de comunicação, utilizamos a linguagem como prática social, uma vez que a fala (discurso) aponta traços distintivos quanto à intencionalidade, à sua construção e ao que se deseja no momento de sua produção e recepção. Assim, todo discurso traz aspectos construtivos: de identidades sociais, de relações interpessoais e de sistemas de valores e crenças.

Como nosso objetivo aqui não é desenvolver um estudo aprofundado da análise do discurso, e sim utilizar alguns dos conceitos desenvolvidos por Halliday para aprimorar a competência textual e discursiva, devemos entender que o uso de tais conceitos se apoia na necessidade de conceber os discursos como passíveis de espelhar relações sociais, ideologias e efeitos sobre as estruturas sociais. Desse modo, a linguagem “constrói” a realidade, pois reflete as hierarquias e identidades sociais.

São três as funções sociais da linguagem: ideacional ou de representação, interpessoal ou de troca, e textual ou de mensagem.

Função ideacional:Na função ideacional, o discurso carrega uma representação. Ao representar o

mundo, por meio da linguagem, o emissor contribui para a construção de um sistema ideológico (crenças, conhecimentos). Todo discurso carrega em si valores assimilados pela vida em sociedade e traços culturais constituintes da ética do grupo social.

A função ideacional aponta experiências de processos representadas na fala. Dessa forma, os seres humanos são capazes de entender a realidade que os cerca. A mera comunicação “O juiz acabou de chegar ao tribunal” representa o processo “acabou de chegar”, com o participante “o juiz” e a circunstância “ao tribunal”.

Vejamos um exemplo simples em que a função ideacional vem carregada de juízo de valor, além da pura representação. Se um homem afirma: “Ela pintou o cabelo, mas não ficou vulgar”, em seu discurso está embutida a opinião – e de certa forma um pensamento social – de que mulheres que pintam o cabelo podem ter aparência vulgar. Cotidianamente, ainda é comum vermos falas marcadas com traços de preconceito e discriminação.

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Função interpessoal:Na função interpessoal, o discurso colabora com a construção das identidades (individuais e coleti-vas) e das relações sociais. Funciona como uma troca. Ao observar um diálogo entre pessoas de níveis hierárquicos diferentes, há marcas linguísticas que apontam essa relação de subordinação. Frases como “Sim, senhor”, “Pois não, Excelência” denotam a subordinação hierárquica.

Há possibilidades metafóricas na função interpessoal, e muitas vezes elas servem para diminuir o possível constrangimento do diálogo com forte marca de hierarquia social ou profissional. Assim, embora um chefe possa dizer ao seu funcionário “Feche a porta”, talvez seja mais fácil, para estreitar a relação interpessoal, utilizar uma metáfora do comando: “É possível fechar a porta?”

Função textual:Relaciona-se com a forma como as informações são organizadas e estruturadas

no texto. O discurso é uma mensagem, tem um significado próprio em função da forma como foi organizado. A função textual possibilita que os textos sejam construídos de maneira apropriada à situação a que se destinam, além de capacitar o leitor/receptor a diferenciar um conjunto de frases soltas de um texto ordenado e com sentido coerente.

Ao lado da coerência, da precisão e riqueza vocabular, a coesão desempenha importante papel na composição textual. Essas qualidades serão estudadas nas unidades seguintes.

Leia o texto a seguir para realizar os exercícios 1 e 2.

A moça tecelã

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.

Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

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Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e

pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca

conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

– Uma casa melhor é necessária – disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.– Para que ter casa, se podemos ter palácio? – perguntou. Sem querer resposta,

imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e

escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

– É para que ninguém saiba do tapete – ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu:

– Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de

luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

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Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte. (Marina Colasanti)

Exercício 1:Divida o texto em 4 partes, observando marcas textuais (tempos verbais, expressões equivalentes) para sua escolha. Dê um subtítulo de uma palavra para cada parte.

Exercício 2:No texto da Marina Colasanti, destaque duas frases para analisar a função ideacional, duas para a função interpessoal e duas para a função textual.

Unidade IV

(analisar na tela interativa tirinhas da Mafalda e telas de Picasso e Munch - ver outras leituras

de Munch)

LINGUAGEM VERBAL E NÃO VERBAL

-- É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? - Sei dizer não senhor: não tomo café. - Você é dono do café, não sabe dizer? - Ninguém tem reclamado dele não senhor. - Então me dá café com leite, pão e manteiga. - Café com leite só se for sem leite. - Não tem leite? - Hoje, não senhor. - Por que hoje não? - Porque o leiteiro não veio. - Ontem ele veio? - Ontem não. - Quando é que ele vem? - Tem dia certo não, senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que deveria vir em geral não vem. - Mas ai i fora está escrito "Leiteria"! - Ah, isto está sim senhor.

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- Quando é que tem leite? - Quando o leiteiro vem. - Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê? - O quê: coalhada? Então o senhor não sabe do que é feita a coalhada? - Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite [ ... ]

(In: Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1992)

O almocreve (Machado de Assis)

Vai então, empacou o jumento em que eu vinha montado; fustiguei-o, ele deu dois corcovos, depois mais três, enfim mais um, que me sacudiu fora da cela, com tal desastre que o pé esquerdo me ficou preso no estribo; tento agarrar-me ao ventre do animal, mas já então, espantando, disparou pela estrada a fora. Digo mal: tentou disparar, e efetivamente, deu dous saltos, mas um almocreve, que ali estava, acudiu a tempo de lhe pegar a rédea e detê-lo, não sem esforço nem perigo. Dominado o bruto, desvencilhei-lhe-me do estribo e pus-me de pé.

- Olhe do que vosmecê escapou, disse o almocreve.

E era verdade; se o jumento corre por ali fora, contundia-me deveras, e não sei se a morte não estria no fim do desastre; cabeça partida, uma congestão, qualquer transtorno cá dentro, lá se me ia a ciência em flor. O almocreve salvara-me a vida; era positivo; eu sentia-o no sangue que me agitava o coração. Bom almocreve! Enquanto eu tornava a consciência de mim mesmo, ele cuidava de consertar os arreios do jumento, com muito zelo e arte. Resolvi dar-lhe três moedas de ouro das cinco que trazia comigo; não por que tal fosse o preço da minha vida – essa era inestimável; mas porque era uma recompensa digna de dedicação com que ele me salvou. Está dito, dou-lhe três moedas.

- Pronto, disse ele, apresentando-me a rédea da cavalgadura.

- Daqui a nada, respondi; deixa-me que ainda não estou em mim...

- Ora qual!

- Por não é certo que ia morrendo?

- Se o jumento corre por aí a fora, é possível; mas, com a ajuda do Senhor, viu vosmecê que não aconteceu nada.

Fui aos alforges, tirei um colete velho, em cujo bolso trazia as cinco moedas de ouro, e durante esse tempo cogitei se não era excessiva a gratificação, se não bastavam duas moedas. Talvez uma. Com efeito, uma moeda era bastante para dar-lhe estremeções de alegria. Examinei-lhe a roupa; era um pobre diabo, que jamais vira uma moeda de ouro. Portanto, uma moeda. Tirei-a, vi-a reluzir à luz do sol; não a viu o almocreve, porque eu tinha lhe votado às costas; mas suspeitou-o talvez, entrou a falar ao jumento de modo significativo; dava-lhe conselhos, dizia-lhe que tomasse juízo, que o “senhor doutor” podia castigá-lo; um monólogo paternal. Valha-me Deus! até ouvi estar-lhe um beijo; era o almocreve que lhe beijava-lhe a testa.

- Olé, exclamei.

- Queira vosmecê perdoar, mas o diabo do bicho está a olhar para a gente com tanta graça...

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Ri-me, hesitei, meti-lhe na mão um cruzado em prata, cavalguei o jumento, e segui a trote largo, um pouco vexado, melhor direi um pouco incerto do efeito da pratinha. Mas a algumas braças de distância, olhei para trás, o almocreve fazia-me grandes cortesias, com evidentes mostras de contentamento. Adverti que deveria ser assim mesmo; eu pagara-lhe bem, pagara-lhe talvez demais. Meti os dedos no bolso do colete que trazia no corpo e senti umas moedas de cobre, eram vinténs que eu deveria ter dado ao almocreve, em lugar do cruzado de prata.

Desobjeto

O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que nem uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente. O chão teria comido logo um pouco de seus dentes. Camadas de areia e formigas roeram seu organismo. Se é que um pente tem organismo. O fato é que o pente estava sem costela. Não se poderia mais dizer se aquela coisa fora um pente ou um leque. As cores a chifre de que fora feito o pente deram lugar a um esverdeado a musgo. Acho que os bichos do lugar mijavam muito naquele desobjeto. O fato é que o pente perdera a sua personalidade. Estava encostado às raízes de uma árvore e não servia mais nem para pentear macaco. O menino que era esquerdo e tinha cacoete pra poeta, justamente ele enxergara o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam na solidão daquele pente. (BARROS, Manuel de. Memórias inventadas: as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2008, p. 25).

Ao chamar um pente em deterioração de desobjeto, o poeta enfatiza todos os itens colocados abaixo, exceto:

A. Os poetas são aquelas pessoas que se dedicam a observam as coisas insignificantes as quais facilmente passariam despercebidas a outras pessoas.

B. Desobjeto é uma palavra formada pelo prefixo des + objeto. O prefixo latino des indica negação do estado anterior e está presente também nas palavras desleal, desengano, desamor, entre outras.

C. Ao denominar um pente em estado terminal de desobjeto, o autor retira dele sua finalidade essencial e anuncia a inutilidade daquilo que um dia servira para pentear. Esta a firmação pode ser comprovada na seguinte afirmação do poeta: “O fato é que o pente perdera sua personalidade”.

D. Há um processo de antropomorfismo texto na medida em que o autor atribui ao pente atributos humanos.

E. Na frase “O fato é que o pente estava sem costela”, temos o autor usando uma metáfora, pois a alteração de sentido da palavra “costela” se dá pela intersecção com os resíduos daquilo que um dia fora um pente.

A loucura

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Em suma, numa sociedade que tem horror ao diferente, que submete a diversidade do real à uniformidade da ordem racional, que funciona pelo princípio da equivalência abstrata entre seres que não têm denominadores comuns, a loucura é uma ameaça sempre presente.

O que a história da loucura nos revela, pondo em questão toda a cultura ocidental moderna, é que o louco é excluído porque insiste no direito à singularidade e, portanto, à interioridade. E, com efeito, se a loucura é, nesse mundo, patologia ou anormalidade é porque a coexistência de seres diferenciados se tornou uma impossibilidade.

Diante disto restam muitas questões. Entre elas: poderá o psiquiatra, enquanto profissional médico, promover o reencontro da loucura com a cultura que a excluiu? Pode o saber médico encontrar alternativas para a sua prática, no sentido da libertação radical da loucura, fora dos limites circunscritos pela sociedade que o permitiu? De qualquer modo, ainda que um dia nossa interioridade venha a ser resgatada, gostaria de lembrar aqui mais algumas palavras de Marcuse – “Nem mesmo o supremo advento da liberdade poderá redimir aqueles que morrem na dor”.(FRAYSE-PEREIRA, João. O que é loucura. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 102-104).

Quanto ao gênero em que se fixa o texto abaixo, podemos dizer que

A. É um texto dissertativo de caráter técnico-científico, pois cria um efeito de sentido de objetividade, dando destaque ao conteúdo das afirmações feitas e não à subjetividade de quem as proferiu.

B. É um texto descritivo em que predominam verbos de estado que portam características conceituais, físicas e/ou psicológicas do objeto da descrição.

C. É um texto dissertativo-argumentativo que expõe um assunto relevante na área científica.

D. É um texto narrativo em que se expõem acontecimentos mais ou menos sequenciados.

E. É um texto dissertativo em que o autor defende um ponto de vista, compondo um texto de opinião.

MÚSICA: Como uma onda de Lulu Santos

Nada do que foi seráDe novo do jeito que já foium diaTudo passa, tudo semprepassaráA vida vem em ondas,como um marNum indo e vindoinfinito

Tudo que se vê não éIgual ao que a gente viu háum segundo

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tudo muda o tempo todo nomundo

Não adianta fugirNem mentir pra si mesmoagoraHá tanta vida lá foraAqui dentro sempre

Como uma onda no marComo uma onda no marComo uma onda no mar

Linguagem digital: página do facebook

Unidade VLinguagem oral e linguagem escrita

A língua comporta, ainda, duas modalidades: a língua escrita (ou linguagem escrita, L.E.) e a língua oral (ou linguagem oral, L.O.). Em um mesmo nível, as duas não têm as mesmas formas, nem a mesma gramática, nem os mesmos “recursos expressivos”. Para a compreensão dos problemas da expressão e da comunicação verbais, é fundamental pôr em evidência esta distinção.

São inúmeras as pesquisas que vêm sendo realizadas, no sentido de estabelecer critérios para uma definição e particularização de cada uma dessas modalidades da linguagem. Os aspectos a partir dos quais é possível estabelecer comparações entre as duas modalidades são numerosos. Abordaremos alguns desses aspectos.

As duas modalidades da língua não marcam, do mesmo modo, certos traços gramaticais. A gramática do português falado apresenta características específicas, identificáveis através de estudos estatísticos. Com efeito, o exame de gravações de língua oral permite constatar que a frequência de emprego de certas formas ou construções gramaticais é bem maior na língua falada do que na escrita.

A linguagem oral pode ser caracterizada por apresentar os seguintes aspectos:

1) Características da modalidade oral da língua

1) É mais abrangente – mesmo pessoas não alfabetizadas, mas que conheçam o código, são capazes de se comunicar, fazendo uso dessa modalidade.

2) Faz uso de recursos da linguagem não-verbal – gestos, olhares, meneios de cabeça, etc.

3) Entonação e ritmo – ao mudar a entonação, pode-se mudar o significado de uma frase.

4) Maior interação – o receptor (o ouvinte) pode interromper o emissor (o falante).

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5) O emissor pode perceber a reação do receptor, pois estão face a face.6) A repetição de palavras é abundante.7) Não há possibilidade de apagamento, como acontece com a modalidade escrita.8) É grande a ocorrência de anacolutos (inversões) ou rupturas de construção: a

frase desvia-se de sua trajetória, o complemento esperado não aparece, a frase parte em outra direção.

9) A presença de pausas é constante, ora vazias, ora preenchidas por expressões como “hã”, “hum”, entre outras.

10) É constante o uso de marcadores conversacionais, isto é, expressões usadas para confirmar a atenção do ouvinte, tais como: “né?”, “viu?”, “certo?”, “tá?”, etc.

11) As palavras sofrem, muitas vezes, processo de redução, ou são omitidas no interior das frases.

12) Emprega pouco – ou não emprega – certos tempos verbais, como o pretérito mais-que-perfeito do indicativo.

13) Suprime, de modo geral, certas construções, por exemplo, o emprego de orações relativas com o pronome “cujo”.

14) Recorre mais às onomatopeias (zum-zum, brum-brum, etc.), às exclamações.15) Pode ocorrer o emprego de expressões populares e gírias.

2) Características da modalidade escrita da língua

1) É menos abrangente – só as pessoas alfabetizadas podem fazer uso dela.2) Não se aproveita dos recursos da linguagem não-verbal.3) É impossível ao emissor perceber a reação do leitor.4) Não há, normalmente, repetição de palavras.5) Existe a possibilidade de correção e de apagamento.6) Não faz uso de marcadores convencionais.7) Pouco uso de gírias e expressões populares.8) É mais permanente que a modalidade oral.9) É mais formal que a modalidade oral.10) Faz uso da pontuação para representar, de alguma forma, a entonação e o ritmo

da modalidade oral.11) É mais prestigiada socialmente.

No decorrer de uma comunicação oral, os interlocutores estão em presença, num lugar e num tempo conhecidos por eles; trocam observações a respeito de determinado assunto; à medida que os elementos constitutivos da situação (identidade dos personagens, lugar, data, hora, assunto) são conhecidos, o vocabulário empregado refere-se a eles apenas por alusões (o receptor é designado por “você”, o lugar por “aqui”, o tempo “agora”, o assunto da comunicação por “isto”).

A comunicação escrita é menos econômica e força o emissor a fazer referências mais precisas sobre a situação. Por exemplo, num romance o leitor está fora da situação, e o autor se vê forçado a dar-lhe com precisão seus elementos (lugar, nome dos personagens, datas, etc.); trata-se, então, apenas da situação dos personagens, e raramente se fará alusão à situação do romancista no ato de escrever, ou do leitor no ato de ler, uma vez que estas duas operações estão distanciadas no tempo e no espaço.

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A linguagem escrita é, então, geralmente mais precisa, menos alusiva, que a oral. Isto decorre, em parte, da disponibilidade de tempo para a realização das atividades. O processo de produção da escrita é lento, permitindo a integração de uma sucessão de ideias em um todo linguístico coerente e unificado.

Já na linguagem oral, falante e ouvinte compartilham de uma mesma situação espaço-temporal. As manifestações da audiência fazem com que o falante direcione constantemente sua atividade, de maneira a garantir que o discurso se apresente de forma explícita. Na produção da linguagem oral, temos, ao mesmo tempo, a produção do “rascunho” e do texto final.

A linguagem oral possui, ainda, recursos expressivos específicos, acentuação, entonação, pausas, fluência. Como, por exemplo:

Seu irmão saiu muito cedo; Seu irmão saiu muito cedo;Seu irmão saiu muito cedo. (ênfase assinalada em negrito)Cabe acrescentar que na mensagem falada, por estarem os interlocutores em

presença, atuam também significações não-verbais suplementares: mímica, gestos e outros comportamentos.

Como traduzir uma mensagem oral em língua escrita?A língua escrita oferece alguns recursos para a representação aproximada do que

foi pronunciado – por exemplo, o emprego do discurso direito (o diálogo). A língua escrita dispõe, contudo, de outro recurso para transcrever certas características da língua falada: a pontuação.

A pontuação tem uma função lógica: ela recorta o discurso em grupos de palavras e evita, deste modo, os erros de interpretação. Neste sentido ela é essencial à boa compreensão das mensagens escritas, e nunca seria demais insistir sobre o cuidado que se deve ter em relação a ela, tanto no ato de escrever como na leitura.

A pontuação indica as pausas, a entonação, a melodia da frase, mas pode ter também uma função expressiva. (PETRI, Maria José Constantino. Manual de linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2008. p.13-17).

REGRAS DE EMPREGO DA VÍRGULAUsamos a vírgula para separar termos independentes entre si, tanto no período

quanto na oração. Se os termos mantiverem uma relação sintática de dependência entre si, não se

pode separá-los. Assim, constitui erro grave separar com vírgulas o sujeito do verbo, o verbo do seu complemento, o adjunto adnominal do substantivo.

Devem ser separados por vírgula:A) vocativos:Colegas, é fundamental a sua presença na reunião da próxima quarta-feira.

B) apostos explicativos:João, Marcos e Pedro, líderes de departamento, elaborarão as propostas.C) adjuntos adverbiais deslocados:

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Receberemos, no guichê de atendimento da secretaria, os formulários preenchidos.

Obs. Se o adjunto adverbial for curto ou prender-se estritamente a um termo do período, não se usará vírgula.

D) expressões e palavras correlativas, excusativas, explicativas, etc. pois naturalmente vêm intercaladas.

Aquele relatório, por exemplo, ficou excelente.Haverá expediente normal após a festa, isto é, ninguém está dispensado.

E) conjunções coordenativas (quando pospositivas): porém, contudo, pois, entretanto, portanto, etc.

Os funcionários, portanto, serão beneficiados.

F) termos de uma mesma categoria gramatical.Encomendamos ao fornecedor papéis, canetas, lápis e borracha.

G) termos pleonásticos em destaque.Os livros, dei-os aos funcionários que se destacaram.

H) orações intercaladas e adverbiais deslocadas.O processo de seleção, quando realizado com perícia, não precisa ser refeito.

I) orações adjetivas explicativas.Os produtos entregues, que estão armazenados em condições precárias, precisam

de um novo destino.Atenção para o uso das vírgulas com as orações adjetivas. Uma simples

distração pode provocar alteração de sentido.ObserveOs funcionários deste departamento que se empenharam serão promovidos.”No caso acima, somente os funcionários que se empenharam serão promovidos.

Entretanto, se a oração fosse separada por vírgulas, o sentido seria outro. Vejamos:“Os funcionários deste departamento, que se empenharam, serão promovidos.”Com a oração entre vírgula, todos os funcionários serão promovidos.

J) quando houver zeugma, ou seja, a omissão de um termo já enunciado no período.

Ela leu os relatórios; ela, os projetos.

VÍRGULA ANTES DO E:Emprega-se a vírgula antes do E em quatro situações:1) as orações têm sujeitos diferentesEle encontrou o pai, e a mãe já tinha saído.2) a segunda oração é pleonástica em relação à primeira

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Disse, e repito!

3) o e constitui polissíndetoEle raptou, e agrediu, e violentou, e matou.

4) o e tem valor não-aditivoEstudou muito, e foi reprovado.

PONTO-E-VÍRGULA:Não há regra que estabeleça, em alguns casos, a opção pelo ponto ou pelo ponto-

e-vírgula. Essa decisão é estilística e, muitas vezes, tem a ver com a intenção de comunicação e o público a que se destina o texto.

Entretanto, deve-se utilizar dois-pontos para:A) separar elementos que já apresentem internamente vírgulas:Recomendamos, para o nosso café-da-manhã, várias frutas: laranja, que contém

vitamina C; banana, que contém potássio; e maçã.

B) separar itens numa enumeração:As funções do departamento são, primordialmente:– planejar eventos;– organizar palestras;– promover campanhas; e– realizar pesquisas de satisfação.

TRAVESSÃO E PARÊNTESES:Para separar elementos mais curtos, usa-se comumente a vírgula. Para elementos

mais longos, ou para dar-lhes destaque, travessão e parênteses podem ser usados, observando-se sua adequação a cada caso.

Os travessões permitem que se faça uma “suspensão” no fluxo do texto, introduza-se uma ideia e retome-se o fluxo após o segundo travessão sem perda ou dificuldade na compreensão do texto.

Os parênteses devem ser usados para introduzir um elemento que constitua uma explicação óbvia e, portanto, dispensável, ou para introduzir uma observação de caráter pessoal, que não se deseja manter no nível do discurso elaborado.

Observe:O fenômeno da globalização – signo da nova ordem mundial – atinge a todas as

partes do ecúmeno (parte habitada do planeta).Haverá concurso para a Advocacia-Geral da União (AGU). No último exemplo, pode-se marcar a sigla acompanhando diretamente o nome

a que se refere; nesse caso, basta usar um travessão.Haverá concurso para a Advocacia-Geral da União – AGU.

A VÍRGULA É UMA QUESTÃO DE INFORMAÇÃO

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É muito bem feita a campanha dos 100 anos da Associação Brasileira de Imprensa – ABI. E serve para nos lembrar que a vírgula não é um problema de gramática, mas de

informação.

 A vírgula pode ser uma pausa... ou não.Não, espere.Não espere.Ela pode sumir com seu dinheiro.23,4.2,34.Pode ser autoritária.Aceito, obrigado.Aceito obrigado.Pode criar heróis.Isso só, ele resolve.Isso, só ele resolve.E vilões.Esse, juiz, é corrupto.Esse juiz é corrupto.Ela pode ser a solução.Vamos perder, nada foi resolvido.Vamos perder nada, foi resolvido.A vírgula muda uma opinião.Não queremos saber.Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo. Para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.

EXERCÍCIO 1Pontue o trecho a seguir, extraído do Decreto 3.048, de 6/05/99.CAPÍTULO ÚNICO - DOS ÓRGÃOS COLEGIADOS Seção I - Do Conselho Nacional de Previdência Social Art. 295. O Conselho Nacional de Previdência Social órgão superior de deliberação colegiada terá como membros I- seis representantes do Governo Federal eII- nove representantes da sociedade civil sendoa) três representantes dos aposentados e pensionistasb) três representantes dos trabalhadores em atividade ec) três representantes dos empregadores

EXERCÍCIO 2

As questões a seguir foram utilizadas em concursos públicos.

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I. Assinale a alternativa em que a alteração de pontuação do trecho abaixo não constitui erro.

“Ou o Brasil decide tornar a educação uma prioridade real, e não apenas retórica, ou a falta de educação continuará causando grandes danos ao Brasil.”

(A) Ou o Brasil decide tornar a educação uma prioridade real – e não apenas retórica –, ou a falta de educação continuará causando grandes danos ao Brasil.(B) Ou o Brasil decide tornar a educação uma prioridade real, e não apenas retórica – ou a falta, de educação, continuará causando grandes danos ao Brasil.(C) Ou o Brasil decide tornar a educação, uma prioridade real, e não apenas retórica ou a falta de educação continuará causando grandes danos ao Brasil.(D) Ou o Brasil decide tornar a educação uma prioridade real – e não apenas retórica, ou a falta de educação continuará causando grandes danos, ao Brasil.(E) Ou o Brasil decide tornar a educação, uma prioridade real – e não apenas retórica – ou a falta de educação continuará causando grandes danos ao BrasilI) “Ou o Brasil decide tornar a educação uma prioridade real, e não apenas retórica, ou a falta de educação continuará causando grandes danos ao Brasil.”

II) “Contudo, em todas as declarações percebo a presença de duas palavras, ética e transparência, esgarçadas nos seus significados e utilizadas como alegorias para atrair solidariedade.”

Assinale a alternativa em que haja pontuação igualmente possível para o trecho acima. (A) Contudo – em todas as declarações – percebo a presença de duas palavras, ética e transparência; esgarçadas nos seus significados e utilizadas como alegorias – para atrair solidariedade.(B) Contudo, em todas as declarações percebo, a presença de duas palavras, ética e transparência esgarçadas nos seus significados e utilizadas como alegorias, para atrair solidariedade.(C) Contudo, em todas as declarações, percebo a presença de duas palavras – ética e transparência, esgarçadas nos seus significados, e utilizadas, como alegorias, para atrair solidariedade.(D) Contudo em todas as declarações, percebo a presença de duas palavras, ética e transparência, esgarçadas nos seus significados, e utilizadas como alegorias para atrair solidariedade.(E) Contudo, em todas as declarações, percebo a presença de duas palavras – ética e transparência –, esgarçadas nos seus significados e utilizadas como alegorias para atrair solidariedade.

III) “Sabe-se, por exemplo, que o brasileiro adquire em média 2,5 livros por ano, aí incluídos os didáticos, enquanto o francês compra mais de sete livros por ano.” Assinale a alternativa em que, alterando-se a pontuação do período acima, não se cometeu erro.(A) Sabe-se, por exemplo, que o brasileiro, adquire em média 2,5 livros por ano, aí incluídos os didáticos, enquanto o francês, compra mais de sete livros por ano.(B) Sabe-se, por exemplo, que o brasileiro adquire em média 2,5 livros por ano – aí incluídos os didáticos –, enquanto o francês compra mais de sete livros por ano.

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(C) Sabe-se, por exemplo, que o brasileiro adquire em média, 2,5 livros por ano aí incluídos os didáticos, enquanto o francês compra mais de sete livros por ano.(D) Sabe-se, por exemplo, que o brasileiro, adquire em média 2,5 livros por ano – aí incluídos os didáticos – enquanto o francês compra mais de sete livros por ano.(E) Sabe-se, por exemplo, que o brasileiro adquire, em média 2,5 livros por ano, aí incluídos os didáticos enquanto o francês compra mais de sete livros por ano.

Unidade VIUsos e níveis de linguagem

Unidade VIIGramática, norma padrão e desvio linguísitico

Unidade VIIIVariações linguísticas

Unidade VIII

A Argumentação

O QUE É ARGUMENTAR?– argumentar é expor e convencer;– argumentar é persuadir;– argumentar é defender pontos de vista;– argumentar é...

Aspectos da argumentação: contextualizar/apresentar o tema; criar um contra-argumento para o “enquadramento” do leitor; expor argumentos e relações lógicas e críticas entre eles. Até aqui a tese vai se delineando; em seguida, a conclusão afirma a tese.

O “enquadramento”:Suponha que seu leitor seja um ativista pelos direitos humanos e você deseje

defender no seu texto a implantação da pena de morte. A melhor forma de começar seu texto é explicitar desde o início sua tese?

O “enquadramento” funciona como uma delimitação e relativização das crenças do seu leitor para que se construa nele a disposição para ouvir/ler e, possivelmente, ser convencido.

O “enquadramento” funciona por meio de uma contra-argumentação inicial, tentando destituir de autoridade e valor o argumento mais forte contrário à sua tese.Se o argumento contrário à sua tese for irrefutável, incorpore-o ao seu discurso, relativizando-o.

Cuidados com o discursoAo se construir o texto argumentativo, deve-se ter cuidado com os índices do

metadiscurso que são apropriados à estratégia argumentativa. Por exemplo, o abuso dos marcadores de atitude pode levar a discussão das ideias para o campo do “impressionismo”.

Para não invalidar sua argumentação, é fundamental ter cuidado na escolha dos argumentos. Argumentos falaciosos inviabilizam toda a estratégia de persuasão.

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No processo da argumentação, as posições ideológicas não podem constituir argumentos de autoridade, pois sua validade só é reconhecida pelo locutor, mas não obrigatoriamente pelos receptores. Isso é semelhante à falácia de raciocínio circular.

Por exemplo: muitas pessoas condenariam a legalização do aborto com o argumento “de que só Deus tem o direito de tirar a vida de alguém”. Tal argumento se torna falacioso por não respeitar a possível condição de cético de uma parte dos leitores.

Antes de tratarmos dos tipos de argumento propriamente ditos, vale lembrar casos em que a argumentação se dá pela via da falácia:1) Argumento ad hominem:Ataca-se o interlocutor, sem se discutir o assunto em questão.Exemplo:O que o colega está dizendo sobre as estratégias a serem adotadas na empresa não pode ter o menor fundamento, uma vez que ele não é um pai responsável.

2) Argumento ad baculum:Quando não há argumentos, fazem-se ameaças.Exemplo:É melhor você votar a favor da nossa proposta, senão será demitido.

3) Argumento ad terrorem:Apela-se para as consequências negativas que podem advir da não-aceitação da tese.Exemplo:Ou você aceita nossa condição ou será o fim da empresa.

4) Argumento ad populum:Apela-se à emoção do interlocutor por meio de uma retórica que o desvia do foco do assunto.Exemplo:Você quer ser feliz? Então entre para o nosso clube de vantagens.

5) Argumento ad verecundiam:Quando se apresenta como força da argumentação a referência ou citação de autoridades no assunto ou pessoas respeitáveis, sem que de fato tenham a ver com o tema tratado. Utilizar-se de tais referências sem fundamento pode confundir o leitor/ouvinte, que acabará acreditando antes de realizar qualquer julgamento.Exemplo:Quando digo que tenho razão, penso em Aristóteles, que dizia: “É lícito afirmar que são prósperos os povos cuja legislação se deve aos filósofos”.

6) Perguntas variadas:Confunde-se o interlocutor com muitas perguntas vazias, retóricas, de modo de que não seja possível uma resposta.Exemplo:O que será do futuro das nossas criancinhas? O que ocorrerá com a humanidade? Quando chegaremos plenamente a um mundo de paz?

Vejamos alguns tipos de argumento:

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1) Argumento de autoridade (ab auctoritate):Quando se utiliza um pensador, estudioso ou teórico renomado como embasamento para a tese. Deve-se ter o cuidado de não transformar a argumentação em coerção, uma vez que nem sempre o estudioso está correto em seus posicionamentos.

2) Argumento de causalidade:Estabelece-se uma relação de causalidade ou não para a comprovação da tese. É um argumento pragmático, muito fácil de ser utilizado.

3) Argumento de consequência:Estabelece-se uma relação de consequência entre a hipótese e o que dela pode advir. Não é um argumento muito comum, pois nem sempre se consegue comprovar.

4) Argumento por exclusão (per exclusionem):A partir da proposição de várias hipóteses, procede-se à eliminação de uma de cada vez.

5) Argumento pelo absurdo (ab absurdo):Consiste em refutar um posicionamento ou ideia apresentando a sua impropriedade ou falta de cabimento.

EXERCÍCIO 1Desconstrua, por meio da argumentação pelo absurdo, o seguinte pensamento: “O povo não vai a museus porque não gosta”.Tipos de raciocínio:– Indutivo - Dedutivo

Ver os textos: O avanço da causa homossexualUniões homoafetivasA busca pelo reconhecimento social e jurídico

Unidade IXCondições de produção do discurso