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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério” LIDERANÇA CRISTÃ p.1 BACHARELADO EM TEOLOGIA Disciplina: Liderança Cristã Professor: Pr. Edilson Gonçalves Batista Rocha LIDERANÇA CRISTÃ 1 I. Liderança para um novo século: Introdução II. Nada é mais importante do que liderança III. Profetas do Antigo Testamento exemplo para os líderes de hoje IV. O Ministério de Jesus como modelo de liderança para os nossos dias V. Descubra a grandeza do serviço VI. O Poder de Jesus mediante o serviço VII. A linha do tempo da vida de um líder 1 Apostila compilada pelo Prof. Ivan Cordeiro da Silva Filho.

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Page 1: APOSTILA DE LIDERANÇA CRISTÃ - CFTBN

“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

LIDERANÇA CRISTÃ – p.1

BACHARELADO EM TEOLOGIA

Disciplina: Liderança Cristã

Professor: Pr. Edilson Gonçalves Batista Rocha

LIDERANÇA CRISTÃ1

I. Liderança para um novo século: Introdução

II. Nada é mais importante do que liderança

III. Profetas do Antigo Testamento – exemplo para os líderes de hoje

IV. O Ministério de Jesus como modelo de liderança para os nossos dias

V. Descubra a grandeza do serviço

VI. O Poder de Jesus mediante o serviço

VII. A linha do tempo da vida de um líder

1 Apostila compilada pelo Prof. Ivan Cordeiro da Silva Filho.

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LIDERANÇA CRISTÃ – p.2

I. Liderança para um novo século: Introdução2

O tema sobre a liderança ministerial é um dos que mais tem chamado a atenção no mundo evangélico nos dias de hoje. Nunca se falou ou se escreveu tanto sobre este tópico. Isto se dá também e principalmente com o advento do interesse da literatura secular que tem procurado pesquisar e enfatizar os aspectos de liderança nas grandes corporações. As igrejas, organizações para-eclesiásticas e seminários teológicos estão usando os modelos e os conceitos de liderança empresarial e aplicando-os para o ministério cristão. Vemos inclusive o surgimento de ministérios especializados em estudar e contribuir para com o avanço das teorias de liderança com o objetivo de ajudar pastores e líderes a comandarem melhor suas organizações. Certamente que esta aplicação é bem vinda e traz enormes contribuições para a vida e desenvolvimento da igreja e da sua missão.

Existe um vazio de liderança evangélica no Brasil e muitos estão querendo preencher estes espaços. Hoje é muito comum qualquer pessoa se levantar e começar uma igreja, denominar-se líder, ordenar-se pastor, bispo, evangelista, apóstolo e tantos outros títulos. Não existem parâmetros ou regras de condutas que norteiam a liderança cristã evangélica. O ditado brasileiro infelizmente se torna verdade: "Cada um para si, e Deus para todos".

Devemos reconhecer, todavia, que técnicas ou teorias de liderança não tornarão alguém um líder segundo os princípios e conceitos da Palavra de Deus. Pode-se ter um grande estilo de liderança, um enorme sucesso no alcance de objetivos e tudo isso ser destituído da graça de Deus. Hoje se pode ter uma igreja perfeita do ponto de vista organizacional, mas totalmente inutilizada para os objetivos de Deus na Terra, que é a implantação do seu reino neste mundo.

1 . Liderança como vocação

Uma das grandes discussões a respeito do líder é se alguém nasce com as qualidades para se tornar um líder ou se estas qualidades podem ser adquiridas. Nos parece que as opiniões caminham nas duas direções. Claudiney Fullmann afirma: "Alguns receberam dons, outros são ungidos, mas a maioria se forma". Nos parece que o mais importante é reconhecer que independentemente de alguém ter nascido ou não com as qualidades para a liderança, a arte de liderar pode ser aperfeiçoada através dos estudos e da prática da liderança.

A palavra vocação vem do latim vocatione (substantivo) que significa escolha, tendência, talento, aptidão, pendor, disposição. O verbo vocare, significa chamar. Jacques Guillet afirma que: "Todas as vocações no AT têm por objeto missões: se Deus chama, é para enviar. A vocação é o chamado que Deus dirige ao homem [mulher] a quem ele escolheu para si e que destina a uma obra especial no seu plano da salvação e no destino do seu povo".

No plano bíblico e na história da implantação do reino de Deus entendemos que ele levanta homens e mulheres que são vocacionados para o desempenho da liderança no meio do seu povo. Tem sido assim desde o princípio da história bíblica, pois todas as vezes que algo precisava ser feito ou uma situação necessitava de uma intervenção de Deus, ele chamou alguém para tomar a dianteira e conduzir o seu povo na Terra. Ser vocacionado líder, missionário, pastor, educador cristão, portanto, deve ser entendido dentro dos propósitos últimos de Deus na história. Ao dizer isto queremos enfatizar que qualquer liderança isolada dos propósitos divinos ainda que seja bem sucedida aos olhos humanos será prejudicial para o avanço do evangelho entre os povos da terra.

Quando pensamos na comunidade de Deus como sendo o agrupamento de pessoas que aceitam e seguem os seus valores e princípios, seguramente podemos afirmar que nem todas as pessoas são chamadas para o exercício da liderança, todavia, todas estas pessoas devem estar a serviço da obra de Deus e precisam colocar seus dons e talentos na construção do reino de Deus. Para que isto aconteça e para que o povo caminhe em direção aos objetivos divinos, é necessário que alguém dentre o povo exerça o papel de liderança. Paul Taffinder, da empresa de consultoria Accenture descobriu que são cinco as áreas críticas na liderança. Segundo ele, "como líder você deve: impor ou estabelecer o contexto (deixando claro o que é importante); criar e assumir riscos; ser imprevisível; ter uma convicção profunda e produzir massa crítica (fazer as coisas acontecerem em escalas)". Cremos que todas estas áreas podem ser aplicadas ao líder cristão.

Se pensarmos, porém, que todo o povo de Deus é vocacionado, então qualquer pessoa pode fazer um curso de teologia, de Bíblia, de missões e assim preparar-se melhor para servir a Deus no mundo. Isto não significa que necessariamente esta pessoa será um líder, mas significa que ela estará mais apta para desempenhar a sua função em prol da causa de Cristo e sua igreja.

2 BARRO, Antonio Carlos. Introdução. IN: KOHL, Manfred Waldemar; BARRO, Antonio Carlos (org.). Liderança para um novo século. Londrina,

Ed. Descoberta, 2003. p. 11-26.

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LIDERANÇA CRISTÃ – p.3

2. Liderança e seus estilos

Jack Welch, líder bem sucedido à frente de uma das maiores empresas do mundo, General Electric, classifica os líderes em quatro tipos:

1. É o que se baseia em compromissos – financeiros e outros – e compartilha os valores de nossa empresa. Seu futuro é garantido. Em frente e para cima.

2. É o que não atende compromissos e não compartilha nossos valores. Um futuro não tão agradável, mas igualmente previsível.

3. É o que não atende os compromissos, mas compartilha os valores. Normalmente, consegue uma segunda chance, de preferência em um ambiente diferente.

4. O mais difícil de tratar para muitos de nós. Esse líder cumpre os compromissos, alcança todos os números, mas não compartilha os valores que precisamos ter. Esse é o indivíduo que em geral obriga as pessoas a um desempenho, ao invés de inspirá-las – o autocrata, o chefão, o tirano. Com muita freqüência todos nós fingimos que não vemos – tolerando esses gerentes "tipo 4" porque "eles sempre cumprem as metas" – pelo menos a curto prazo.

Talvez pudéssemos aplicar esta conceituação na classificação dos líderes cristãos e isto nos ajudaria a entender melhor a nossa tarefa dentro dos planos de Deus e também das organizações ou igrejas onde estamos exercitando a liderança. Ao meu modo de ver, uma das principais tarefas do líder não é somente a de liderar, mas principalmente a de inspirar os seus liderados. Neste particular, nós os cristãos, temos uma grande vantagem a nosso favor – o amor de Cristo e o amor a Cristo. O amor de Cristo morrendo por nós na cruz para nos conduzir a Deus e o amor a Cristo na proclamação da sua causa nos leva a inspirar aquelas pessoas que Deus colocou debaixo da nossa liderança.

Esta liderança, portanto, não deve ser jamais opressiva. Não existe espaço para tal tipo de liderança dentro da família de Deus. Não existe espaço primeiro porque o próprio Deus não é assim. Deus nos lidera e nos conduz tendo como fundamento a lei do amor. Em segundo lugar não existe espaço para a opressão porque à semelhança de Deus nós devemos amar o próximo. Tendo dito isto, podemos também afirmar que o amor cristão não deve ser usado para desculpas para falta de responsabilidade, zelo, eficiência, eficácia e principalmente o alcance dos objetivos. Uma liderança amorosa não é sinônima de falta de profissionalismo, não é sinônima de fraqueza.

3. Liderança e seus desafios

O verbo usado para ministrar no NT é diakonein. O diácono nos tempos bíblicos era aquela pessoa que trabalhava como doméstico ministrando aos outros nas suas necessidades. Uma das funções desta pessoa era servir às mesas oferecendo alimento e bebidas aos convidados. Cristo aplica-se este título a ele sendo o diácono por excelência quando afirma que não veio para ser servido, mas para servir. Mais tarde, quando a igreja começa o seu desenvolvimento em Jerusalém surge um problema na distribuição dos bens. Os discípulos reuniram-se e "convocando a multidão dos discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas" (Atos 6.1). Neste contexto de servir aos outros é que alguns homens foram escolhidos para auxiliarem os discípulos. Convencionou-se chamar estes servidores de diáconos.

Portanto, ser chamado para o ministério é ser chamado para servir. O servo de Cristo não pode ter outra atitude senão a de nutrir em seu coração um desejo sincero de ser um servo de todos. Aqui neste sentido, ministrar e atender aos interesses do outro suprindo suas necessidades.

Uma outra forma para designar o servo no NT é o doulos. Esta forma foi assumida por Cristo no chamado hino cristológico de Filipenses 2.5-11 quando o Apóstolo Paulo afirma que Cristo "tomou a forma de servo". A palavra traduzida para o Português é a mesma usada para diakonos, ou seja, servo. Todavia, o sentido deste termo não é mesmo usado para servir às mesas. Doulos é um escravo e não um atendente doméstico. É um homem numa condição servil. Alguém que vive em função da vontade do outro, que vive pela causa do outro e totalmente devotado ao seu senhor a ponto de não considerar a sua própria vida ou seus próprios interesses. Assim, fica entendido que os seguidores de Cristo também podem ser chamados de servos ou escravos (Rm 1.1; Gl 1.10; Cl 4.12; Tt 1.1; Tg 1.1 e2Pe 1.1).

Os desafios para o desempenho da liderança são muitos, principalmente se tomarmos em consideração que esta função é desenvolvida debaixo destes dois conceitos de diakonos e doulos. A seguir temos por objetivo enumerar alguns desafios partindo da nossa própria experiência no ministério nas mais diversas áreas da igreja.

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4. Desafios de ordem pessoal

Certeza do chamado de Deus. Como eu sei que Deus realmente chamou-me para o ministério? Como eu sei que eu devo ser o líder que Deus está buscando para esta tarefa? Pensando na figura pastoral eu creio que ele ou ela terá esta dúvida antes, durante e depois do seminário. Talvez seja algo que acompanhe o líder o tempo todo. Isto será mais forte especialmente nos momentos de crises, desânimo, incertezas. Nos momentos de fracassos e também nos momentos de tomar decisões mais elevadas e de ordem mais grave. Eu diria que isto faz parte do ministério. Continue tocando em frente! Como diz Fullmann, o líder "está sempre preparado para motivar sua gente, mesmo nos momentos mais difíceis. Enfrenta a realidade como ela é, não como ela foi ou gostaria que fosse."

A certeza de ter sido chamado vai sedimentando na medida em que participamos ativamente no plano de Deus de implantar o seu reino na Terra. Estar ocupado nos projetos de Deus traz um senso de completude e de satisfação. Não nos esqueçamos que durante a nossa caminhada Deus vai produzindo através de nós frutos que confirmam a nossa vocação e chamado. Por isso, o líder não somente olha para frente, para as coisas que têm a realizar, mas olha também para traz e vê os marcos da presença de Deus em sua vida.

Certeza de que Deus vai suprir as suas necessidades. O missionário ou o pastor que ainda não pensou na suficiência das provisões divinas um dia ou outro em sua vida ainda está para ser encontrado. Quando se é jovem, casado sem filhos ou solteiro talvez este dilema não seja tão presente. Aventurar-se pelas trilhas do mundo realizando o ministério é algo desafiador e não se conta muito os riscos e perigos. Todavia, com o crescimento da família este será um dos desafios do ministério. Agora existem outras pessoas pelas quais a pessoa se torna responsável. Outros fatores contam bastante na escolha deste ou daquele ministério.

Para amenizar este dilema é necessário o auxílio da história bíblica e de como Deus protegeu e proveu para os seus líderes tanto no Antigo como no Novo Testamento. A constelação de homens e mulheres que Deus escolheu para o papel da liderança também na história do cristianismo contemporâneo serve para todos nós de encorajamento e incentivo para a nossa tarefa hoje. Mais uma vez é necessário não somente olhar para frente, mas também olhar para trás. Se Deus conduziu o povo até o Mar Vermelho, não os auxiliará a atravessá-lo? Se Deus conduziu o povo até o Rio Jordão, não os auxiliará a passá-lo? Se Deus levou Paulo e seus amigos a evangelizar a Europa, não os livrará da cadeia em Filipos? Sem esta consciência do agir de Deus na história a vida de qualquer homem ou mulher de Deus em posição de liderança é complicada e transmite insegurança aos seus liderados.

Onde Deus quer que eu ministre? Está é outra das agonias dos líderes de Deus. Um convite aqui, outro ali. Uma situação complicada aqui, uma aparente porta aberta em outro lugar. Devo sair ou permanecer? Ficar ou começar de novo em uma circunstância diferente? Não existe uma formula mágica para determinar o local correto. Existe um processo de oração em que finalmente se chega a um momento de paz quanto à direção de Deus. Nem toda porta aberta é um convite para que se entre. Nem toda porta fechada é um desafio para que se abra. "Portas que se fecham são iguais as que se abrem se abertas ou fechadas por Deus", afirma o poeta sacro Josué Rodrigues.

5. Desafios de ordem não pessoal

O mundo de hoje é urbano. O mundo hoje é urbano e se tornará cada mais cosmopolitano. Esta é uma realidade e o líder cristão precisa saber quais são os aspectos que compõem este mosaico que é a cidade grande. Manuel Castells e Jordi Borja afirmam que: "Em todas as cidades o projeto de transformação urbana é a somatória de três fatores: a) a sensação de crise aguda pela conscientização da globalização da economia; b) a negociação entre os atores urbanos, públicos e privados, e a geração de liderança local (política e cívica); c) a vontade conjunta e o consenso público para que a cidade dê um salto adiante, tanto do ponto de vista físico como econômico, social e cultural".

O mundo de hoje é informatizado. O líder de hoje deve ser uma pessoa extremamente bem informada. Tarefa que não é das mais difíceis tendo em vista a facilidade que a tecnologia nos oferece. Deve ter em mente que as gerações jovens são formadas em frente a um monitor seja de televisão ou de computador. É um mundo rápido onde as notícias ficam velhas de um dia para outro. O líder precisa ter um pouco de noção de como a mídia manipula as informações que chegam nos ouvidos das pessoas.

O mundo de hoje é pobre. Enquanto o mundo caminha para uma forma quase total de urbanidade, esta urbanidade é pobre. Estima-se que 80% da população mundial é pobre, com poucos recursos. O pobre tem pouco acesso ao mundo moderno. Engana-se pensar que por ter um aparelho de TV em casa isso significa muito na condição socioeconômica de qualquer pessoa. Começa a surgir nos grandes fóruns mundiais uma preocupação mais latente com o mundo pobre, pois os ricos sabem que eventualmente estes pobres estarão batendo às suas portas uma hora ou outra seja por meio legítimo ou não.

O mundo de hoje é étnico. Nos últimos anos a geopolítica do mundo foi totalmente modificada. Os povos migraram e imigraram. As fronteiras não foram e não são suficientes para deter este processo de mudança. A fome, a guerra, o desemprego têm empurrado as pessoas ao limite do desespero em busca da sobrevivência. Para se ter

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uma idéia o Daguestão, uma das ex-repúblicas da União Soviética, é um dos lugares com maior diversidade étnica no mundo. Seus dois milhões de habitantes são de 36 nacionalidades e idiomas diferentes. Os conflitos encontrados nos países que "exportam" pessoas para os países ricos eventualmente começarão a surgir nos países hospedeiros com a diferença que eles estarão apenas localizados em contextos geográficos diferentes, mas são essencialmente os mesmos encontrados em "casa". Adicione a isso os conflitos dos imigrantes com os antigos habitantes do lugar. As tensões que estão surgindo não são apenas raciais. Elas envolvem questões de poder (eleição para cargos importantes na cidade); econômicas (contratos do governo e grandes indústrias). Um povo pode empurrar o outro para um espaço marginal. Ilustração disso são as tensões encontradas em Miami entre os latinos e os negros e em Los Angeles entre os coreanos e os negros. Estes últimos estão perdendo seus espaços que ninguém nunca imaginou que eles viessem a perder, mas que hoje já é uma realidade.

O mundo de hoje é pluralístico nas formas religiosas. Nunca foi tão fácil e ao mesmo tão difícil situar-se no mundo das religiões como nos dias atuais. Qualquer passagem pelo setor religioso de uma grande livraria irá mostrar a diversidade das religiões ali representada. Todas as religiões têm em comum a procura da felicidade e o bem estar do ser humano em sintonia com alguma força interna ou externa. O mundo de hoje tenta passar a idéia de que todas estas religiões podem conviver pacificamente umas com as outras. Enquanto escrevia este artigo vi uma chamada para um programa de entrevistas na televisão. A entrevistadora apresentava seus convidados. Uma mulher, católica, convicta e fervorosa quanto a sua fé. O outro convidado era um budista também convicto de sua crença. Ao final da entrevista chega-se à conclusão que ambos estavam certos quanto aos caminhos que escolheram para a felicidade. Nada mais é absoluto nas questões religiosas.

O líder cristão precisa entender que é neste mundo que nós vivemos. De nada adiante fugir desta realidade com jargões depreciativos ou alienando-se deste contexto religioso pluralístico. É preciso conhecer os anseios, os desejos e as necessidades do ser humano moderno e entender que de uma forma ou de outra as pessoas querem um contato, um relacionamento com algo que seja divino, que produza alguma transformação. Pode ser Cristo, mas pode ser outra coisa qualquer. Como responder a este desafio? Este é a tarefa que o líder cristão precisa fazer e fazer bem feita.

Estes desafios que mostramos de forma resumida apontam para um mundo pós-moderno e globalizado. Um mundo que exige da liderança cristã um preparo cada vez melhor e mais atualizado com as questões que afligem a humanidade hoje. A nossa liderança é de maneira geral ainda muito ingênua, primária. Nós trabalhamos debaixo de um conceito que basta ser bíblico ou falar sobre Deus que as coisas se resolvem. Isto não é tão fácil assim. As pessoas de hoje têm problemas concretos e necessitam de respostas que apontem direção, que apontem para soluções. O tipo de evangelismo "aceite a Cristo e sua vida vai mudar" já está defasado. Mudanças devem ocorrer não somente na superfície, mas principalmente nos valores e na cosmovisão das pessoas. Mudanças que transformem a cultura da pessoa, a sua maneira de ser. Para que isto aconteça a igreja não pode contentar-se apenas com a "salvação" das pessoas e sim almejar a sua transformação total.

6. Liderança frutífera e autêntica

Ter um ministério cheio de frutos é o sonho de todos os líderes. Sonha-se com a possibilidade de ver frutos e mais frutos, de ver alcançado os objetivos, ver projetos concluídos. Que esta motivação seja genuína e tenha por objetivo a glória de Deus.

Todavia, devemos pensar que nem todo ministério frutífero é autêntico. Frutífero é muitas vezes sinônimo de grandeza, quantidade. Precisamos de um parâmetro ou uma régua de medir mais precisa do que tão somente números ou grande quantidade. Os números hoje passaram a ser um alvo a ser alcançado e para que isto aconteça não se medem esforços. Isto não é necessariamente ruim ou negativo, mas pode se tornar ruim e negativo na medida que o fim passa a ser tão obsessivo a ponto de usar meios questionáveis, não legitimados pelos valores e princípios bíblicos. Tanto o fim como os meios precisam do crivo da palavra de Deus. Deus não santifica e nem aprova meios desonestos ainda que o fim seja alcançado. Vejamos alguns textos bíblicos que nos auxiliam nesta compreensão:

A. O apóstolo Paulo em 2 Timóteo 4.1-5 orienta o seu discípulo Timóteo a que não se desvie ou não seja tentado a pregar uma mensagem adaptada ao gosto dos seus ouvintes. Paulo está dizendo que há pregadores que sabem o que o povo quer ouvir e há um povo que sabe quais pregadores devem ouvir. Uma perfeita negociata que pode muito bem ser camuflada por uma capa de religiosidade, por isso difícil de ser apontada como falsa. Todavia, o pregador não pode se render ao mercado religioso da venda e compra de mensagens agradáveis aos ouvidos e assim adverte ao seu amigo: "Tu, porém, sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério". Neste caso o ministério frutífero de Timóteo não é avaliado pela quantidade de freqüentadores do seu culto e sim pela fidelidade ao chamado de Deus.

B. O apóstolo Pedro faz a mesma advertência (2 Pe 2.1-3). Estas pessoas envergonham o evangelho de Cristo, mas conseguem frutos. A preocupação desta liderança é o negócio e o interesse próprio e se for possível usa o povo como moeda corrente: "também, movidos pela ganância, e com palavras fingidas, eles farão de vós negócio".

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C. Jesus oferece no Sermão do Monte a idéia de que é justamente pelos frutos que nós conheceremos os resultados de qualquer ministério. Tanto os verdadeiros ministros de Deus, bem como os falsos apresentarão frutos (Mt 7.15-23). O problema está no resultado final do fruto. Lobos disfarçados em ovelhas não têm condições de produzir obras dignas para Jesus. A dedução de Jesus é lógica: Árvore boa produz bons frutos e árvore má produz maus frutos. Qualquer ministério religioso mesmo que aparentemente tenha sido realizado em nome de Cristo pode não ser reconhecido por ele como verdadeiro. Ele cita três exemplos: profecias, exorcismo, operação de milagres. Ministério espetacular e de grande visibilidade, todavia sem o selo da credibilidade. O cristianismo sem o verdadeiro Cristo é irônico e trágico.

D. Jesus oferece também a perspectiva escatológica como fator de avaliação do ministério. "Muitos virão em seu nome e enganarão a muitos" (Mt 24.5). "Levantar-se-ão muitos falsos profetas e enganarão a muitos" (Mt 24.11). "Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos" (Mt 24.24). Note que nestes textos Jesus coloca que a possibilidade de alguém ter um belo ministério numérico é bem real. Todavia, ele não se deixa enganar e nem fica impressionado com a quantidade de adeptos a este falso ministério.

A pergunta que devemos fazer é simples: frutífero para quem? Jesus afirma que o Pai é glorificado na produção dos frutos (Jo 15.8). A nós compete apenas servir o Mestre e quando isto acontecer Deus mesmo honrará o nosso ministério (Jo 12.26). Saibamos, portanto, que nem toda liderança frutífera é autêntica.

7. Liderança autêntica e frutífera

Podemos afirmar que nem todo ministério frutífero é autêntico, todavia, o inverso desta afirmação será sempre verdadeiro: todo ministério autêntico é frutífero. Neste caso, a confiança do líder está primeiramente em Deus. Seu foco é Deus e a implantação do seu reino na Terra. A partir desta perspectiva tudo o que realiza é frutífero, porque a conceituação de frutífero não está vinculada aos processos e valores deste mundo. A régua de medir o sucesso do líder transcende os padrões estabelecidos pelos princípios do marketing moderno. Vejamos algumas características de um ministério autêntico:

A. Fiel a Deus

A obediência à visão celestial a que se refere a Paulo em Atos 26.19 encontra-se dentro do contexto da lembrança do seu chamado em Atos nove. Passados aproximadamente uns 25 anos daquele evento ele afirma com absoluta certeza que foi fiel ao que Deus lhe deu. A fidelidade de Paulo ao chamado de Deus se deu em meio a muitas tribulações e ao mais variados contextos geográficos, culturais e sociológicos. É interessante notar que em muitos lugares os frutos do seu ministério não foram rápidos ou até mesmo visíveis. Em algumas ocasiões o que ele fazia era colocado em dúvidas e havia inclusive acusações de que ele era um falso apóstolo. Ao final do seu ministério ele se sente em segurança, pois fez o seu melhor para Deus: "E o Senhor me livrará de toda má obra, e me levará salvo para o seu reino celestial; a quem seja glória para todo o sempre. Amém" (2Tm 4.18).

B. Inegociável porque pertence a Deus

Muitos líderes confundem a vocação com a função. A vocação é celestial, pois o chamado é divino. O chamado que não tem o selo de autenticação de Deus sofrerá prejuízos constantes. A função, como o nome já diz, é algo feito por delegação ou atribuição. A função pode ser tirada e dada a outra pessoa. A função é temporal.

C. Grato a Deus

Reconhecer que foi Deus quem nos deu o ministério e viver em gratidão a ele é uma dádiva que devemos experimentar (l Tm 1.12). O ministério não pode nunca ser apenas uma profissão, pois pode incorrer no risco de desempenhá-lo apenas como função. O ministério não é um negócio, um comércio. O líder que não desenvolver um coração grato a Deus tem a tendência à auto-suficiência e também ao cinismo.

D. Dependente da graça de Deus

É impossível desenvolver qualquer ministério sem a graça de Deus. Esta graça que nos sustenta nas horas mais difíceis, nas horas mais amargas. Esta graça que nos traz consolo e alento (l Tm 6, Fp 4, I Re 19-Elias). Poderíamos dizer que o ministério sem graça é uma desgraça. Para o próprio líder e para os seus lideres. Um cego liderando cegos: "se um cego guiar outro cego, ambos cairão no barranco" (Mt 15.14).

E. Obediente ao comando central de Jesus Cristo

Ao líder cristão não compete e não convém desobedecer ao mandato do Mestre: "sobre tua palavra, lançarei as redes" (Mt 5.5). A outra alternativa para não lançar as redes é a incredulidade. A morosidade em muitas vezes não seguir os conselhos do Mestre é chamada de prudência. Veja o que J. Urteaga disse sobre esta virtude: "De todas as

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virtudes, ficamos com uma, e falsamente lhe chamamos de prudência; uma virtude cômoda que, em todas as ocasiões, nos anima a ficar no meio do caminho".

Podemos afirmar então que todo ministério autêntico é frutífero, mesmo que ele não seja grandioso aos olhos humanos, mesmo que não tenha os holofotes da mídia sobre ele e não receba as glórias deste mundo religioso. Devemos ter em mente que há coisas que somente Deus sabe avaliar e com certeza o padrão de avaliação de Deus não é o mesmo usado pelo povo (I Sm 16). Qualquer ministério realizado para Deus e em nome de Deus não é vão (1 Co 15-58). Esta certeza deve acompanhar o servo(a) de Deus.

Conclusão

Neste mundo tão relativo em que vivemos temos um grande desafio pela frente. Um desafio de um ministério autêntico e frutífero no meio de uma geração totalmente descompromissada com os valores do reino de Deus. Quando o cristianismo não passa de uma caricatura do evangelho revelado por Cristo, faz-se necessário o surgimento de pessoas dispostas a olhar para Cristo e modelar seus ministérios no ministério daquele que transformou este mundo. Vale a pena experimentar esta bênção!

II. Nada é mais importante do que liderança3

Passei os últimos quinze anos pesquisando todas as facetas da vida americana. Usando levantamentos nacionais dentro de uma amostragem representativa de grande número de americanos, estudei os valores, crenças, estilo de vida, atitudes, opiniões, relacionamentos, aspirações e aspectos demográficos. Examinei as expectativas, objetivos, estratégias, pontos fortes e fracos de negócios abrangendo desde grandes corporações até iniciativas individuais de consultoria. Devotei milhares de horas para penetrar no mundo das igrejas cristãs e ministérios para-eclesiásticos, explorando seus sistemas de crença, métodos de treinamento, procedimentos educacionais, experiências de culto, empreendimentos para levantamento de fundos, projetos de construção, estrutura organizacional e normas de procedimento de pessoal destas entidades.

Para estabelecer um contexto, estive várias semanas em outros países, expondo-me a várias culturas, perspectivas e estilos de atividade. Passei muitas horas orando por sabedoria, discernimento e percepção. Procurei o conselho de outros mais velhos, mais sábios, mais experientes, mais brilhantes e com mais bagagem do que eu.

Alguns disseram que sou obcecado por adquirir informação antes de fazer um julgamento. Concordo que gosto de fazer minha lição de casa antes de tirar conclusões. Quanto mais importante a conclusão, mais convencido preciso estar de que cobri todas as bases e que analisei diligentemente e interpretei os dados. Agora, depois de quinze anos de pesquisar o mundo ao meu redor, cheguei a várias conclusões sobre o futuro da Igreja cristã nos Estados Unidos.

A conclusão central é que a Igreja americana está morrendo devido à falta de uma liderança forte. Nestes tempos de oportunidades sem precedentes, e de recursos abundantes, a Igreja está efetivamente perdendo influência. A razão principal é a falta de liderança.

Bem, os teologicamente propensos, atacarão imediatamente esta afirmação dizendo que a coisa mais importante é "santidade" ou "retidão" ou "compromisso com Cristo" ou "obediência radical a Deus".

Dentro de uma perspectiva teológica, concordo de todo coração. Infelizmente, a maioria dos americanos não vive dentro de uma perspectiva teológica. A realidade é que, para qualquer um de nós tornar-se santo, justo, comprometido com Cristo, ou radicalmente obediente a Deus, temos necessidade de líderes que farão tudo o que é necessário para facilitar o crescimento de tais qualidades em nós, pecadores, egoístas e mortais mal orientados.

Ano após ano, Deus nos tem providenciado líderes para tentar dirigir seu povo visando a um crescimento espiritual. Se os líderes não fossem necessários para o nosso progresso num aprofundamento espiritual e formação cristã, Deus não os teria mandado. Ele não continuaria a mandá-los. Não servimos a um Deus que manipula de

3 BARNA, George. IN: Líderes em ação: sabedoria e encorajamento na arte de liderar o povo de Deus. Campinas, Ed. United

Press, 1999. p.17-30.

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qualquer jeito ou brinca com a nossa vida por pura curiosidade ou frivolidade. Ele poderia, sem dúvida, fazê-lo. Mas não o faz. Portanto, os líderes devem ser necessários.

Se os líderes não fossem necessários, Ele não teria incluído a liderança entre os dons espirituais; a Bíblia não forneceria tantos princípios incríveis de liderança e o Espírito Santo não teria inspirado os autores da Bíblia para reunirem tantos exemplos de liderança forte. Por exemplo, Jetro não teria resgatado Moisés do peso da ad-ministração. Jesus não teria treinado os apóstolos. Paulo não teria sido o tutor de Timóteo, e assim por diante.

As Igrejas Devem Ser Dirigidas por Líderes

Já fui testemunha de vários pastores que, embora profundamente treinados em exegese das Escrituras, e aptos para comunicar a verdade de Deus, falharam irremediavelmente quando se tratava de guiar o corpo de crentes. Eles têm falhado na mobilização do povo para a ação, em responsabilizá-los por seu comportamento, em motivá-los a sustentar uma revolução espiritual e em atrair os recursos necessários para fazer o trabalho delineado por Cristo.

Descobri, através de nossas pesquisas, que até mesmo em evangelismo colocamos nossa ênfase na pregação, quando, de fato, o maior resultado evangelístico vem do relacionamento entre crentes e não-crentes. Isto é uma questão de estratégia — um problema de liderança.

Mais recentemente descobri que o êxodo corrente nas igrejas é atribuível parcialmente à saída de leigos que possuem habilidades, dons e experiência de liderança. Estas pessoas, de quem a Igreja precisa tão desesperadamente, estão deixando a igreja porque não conseguem mais suportar fazer parte de um pretenso movimento que não apresenta uma liderança forte e de visão. Estas são pessoas de capacidade que podem fazer as coisas acontecerem. Tenho observado com tristeza quando tais pessoas tentam penetrar na cultura da Igreja e oferecer o benefício de seus dons. Eles têm sido incapazes de contribuir porque suas igrejas não são dirigidas por líderes nem por pessoas que entendem de liderança.

Sim, milhares de ministérios e serviços possuem boa liderança, mas na visão mais ampla dos ministérios nos Estados Unidos, as igrejas e ministérios paraeclesiásticos são uma exceção à regra.

Estudei história moderna para compreender a dinâmica das revoluções, dos movimentos populacionais, dos sistemas sociais e das fortunas nacionais. O resultado é a convicção de que não houve — e não é provável que haja — qualquer movimento significativo e bem-sucedido, revoluções ou outros sistemas, que não tivessem à sua frente líderes fortes e de visão, liderando o caminho da mudança em pensamento, palavra e ação.

Creio na pregação da Palavra de Deus, em cultuar nosso Senhor, em confessar nossos pecados uns aos outros, em celebrar a obra maravilhosa do Espírito Santo, em entregar pelo menos o dízimo de nossos recursos à obra de Deus, no poder da oração, na salvação pela graça somente, por meio do sangue remidor de Cristo: creio em tudo isto e muito mais. Creio também que nos Estados Unidos hoje, cada vez menos pessoas abraçarão estas convicções, a não ser que a Igreja consiga levantar servos-líderes fortes que comprometam suas vidas para usar suas habilidades naturais, experiência de mercado, educação, treinamento e dons espirituais a fim de maximizar seu chamado para liderar o povo de Deus.

Não estou dizendo que liderança é mais importante, em nível espiritual ou eterno, que nossa teologia e compromissos espirituais.

Estou dizendo sim que, sem uma liderança eficiente, piedosa, que honre a Cristo, a maioria das pessoas na América parece destinada a viver de uma forma em que as palavras de Jesus Cristo são pouco mais que uma expressão usada em momentos de frustração, ou um professor antigo e pessoalmente irrelevante de princípios amáveis e práticas religiosas antiquadas.

Esta convicção fere o meu espírito profundamente. Desejo que meus vizinhos não-cristãos e os membros de minha família que rejeitam a Cristo conheçam-no, amem-no, e sirvam-no como eu faço. Descobri, entretanto, que a não ser que consigamos desenvolver uma liderança eficiente dentro da Igreja, não estaremos fazendo tudo o que somos chamados por Deus a fazer para servi-lo obediente e eficientemente.

Por isso creio que nada é mais importante para o futuro da Igreja cristã nos Estados Unidos do que liderança.

Olhando no Coração dos Líderes

[...] O mais importante, esteja convicto do seguinte: se Deus o chamou para liderar, não permita que nada se interponha no caminho do privilégio que você tem de servi-lo e de servir ao seu povo por meio da aplicação do dom, dos recursos e da oportunidade que Ele preparou para você. Você é parte de um grupo especial de pessoas identificadas por Ele para uma tarefa desafiadora, mas compensadora: liderar seu povo para a vitória. Aos olhos de Deus você não é melhor do que qualquer outra pessoa por causa deste chamado, mas você é sem dúvida especial à medida que prossegue neste chamado. Mantenha as palavras de Paulo gravadas em sua mente: faça a corrida de

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forma a ser santo e agradável a Deus de maneira que um dia você possa ouvir as preciosas palavras — "bem está servo bom e fiel" (Mt 25.21).

Definindo Liderança

Sobre o que exatamente estamos falando quando lançamos esta palavra "liderança"? [...] Sejamos claros a respeito de nosso propósito central.

Infelizmente não há nenhuma definição de liderança universalmente aceita. Peça a dez analistas de liderança que definam sua matéria e eles provavelmente fornecerão uma dúzia ou mais de definições diferentes. Como isso é possível? Pelo fato da liderança não ser uma ciência, mas, sim, uma arte. Por sua própria natureza a arte virtualmente se opõe à definição. Mesmo o grupo mais brilhante de pessoas veria elementos e nuanças diferentes em um Picasso ou em um Rembrandt — assim como acontece quando pedimos que especifiquem qual a essência da liderança.

Entretanto, algumas pessoas muito capazes e experientes apresentaram algumas descrições de liderança que merecem nossa consideração. Restringi uma lista de mais de 20 definições fascinantes para a meia dúzia que se segue. Creio que estas, em sua maior parte, representam o coração da variedade que existe na literatura popular recente sobre liderança. Leia-as. Pense criticamente sobre elas. Então acrescentarei minha contribuição.

Warren Bennis e Burt Nanus – Liderança é... fazer as coisas certas.

James McGregor Burns – Liderança é o que acontece quando pessoas com certos motivos e propósitos mobilizam, em competição ou conflito com outros, recursos institucionais, políticos, psicológicos e outros no sentido de provocar, engajar e satisfazer os motivos dos seguidores.

Vance Packard – Liderança é conseguir que outros desejem fazer algo que você está convencido de que deve ser feito.

Tom Peters – Liderança é aprender a lidar com paradoxos e aquilo que eles representam.

J. Oswald Sanders – Liderança é influência.

Garry Wills – Liderança é mobilizar outros em direção a um objetivo partilhado pelo líder e seus seguidores.

Cada uma destas definições acrescenta um toque especial para nossa compreensão de liderança. Creio, entretanto, que nenhuma delas é completamente adequada. Bennis e Nanus, por exemplo, apresentam uma bela frase, mas sua definição é muito ampla. No curso de nossa atividade diária fazemos muitas coisas que estão "certas", mas nenhuma se destina a conseguir seguidores — por isso não são atos de liderança. Por exemplo, quando coloco minhas filhas na cama à noite e apago as luzes do quarto para que elas possam dormir melhor, eu fiz a coisa certa, mas este não é um ato de liderança. Concordo que os líderes fazem a coisa certa, mas fazem muito mais do que isto.

A propósito, apesar de tão atraente, a definição de Tom Peters sofre do mesmo mal: simplesmente muito ampla. A definição de Sanders não passa no teste pela mesma razão. Suas palavras sugerem que em qualquer ocasião que você exercer influência sobre alguém, você estará exercendo liderança. Novamente, considere um exemplo para demonstrar meu ponto de vista. Freqüento um curso de sociologia no qual o professor me persuadiu que o orçamento doméstico está intimamente relacionado com conquista educacional. Seu ensino influenciou de forma definitiva o meu pensamento. Entretanto, não sou seu seguidor. Ele influenciou meu pensamento, mas o simples fato de informar-me ou mesmo de mudar meu pensamento sobre economia doméstica não deve ser confundido com exercer liderança.

A definição de Burns falha em que é perfeitamente possível "provocar, engajar e satisfazer" meus motivos, mas eu ainda posso não ser um seguidor de quem provocou tal resposta pessoal. A música de Billy Joel compõe o trio de verbos mencionados, mas não sou um seguidor de Joel. Quando termino de ler um romance escrito por John Grisham, sinto que fui provocado, engajado e satisfeito, mas ele não exerceu liderança sobre mim, apenas diversão.

A definição de Packard fala mais de manipulação do que de verdadeira liderança. Creio que as pessoas podem ser lideradas sem serem ludibriadas para fazer algo que normalmente desprezariam.

Sinto-me muito mais à vontade com a definição apresentada por Garry Wills. Embora deixe de lado muitos atributos específicos que devem ser envolvidos na liderança, é uma definição simples que não exclui os elementos que eu incorporaria (por exemplo, comunicar uma visão, inspirar, dirigir e habilitar as pessoas), mas exclui os tipos de comportamento diário e rotineiro que definições menos cuidadosas deixam de filtrar.

Assim, a definição preferida — aquela que nos acompanhará [...] inclui cinco atributos-chave. Um líder é uma pessoa que mobiliza; alguém cujo propósito central é influenciar pessoas; uma pessoa orientada para um objetivo;

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alguém que tem um objetivo em comum com aqueles que dependem dele para orientá-los; e alguém a quem as pessoas estão dispostas a seguir.

A Semelhança de Cristo no Caráter de um Líder

• coração de servo • equilibrado • amável

• honestidade • alegre • sábio

• lealdade • bondoso • perspicaz

• perseverança • coerente • incentivador

• confiabilidade • profundidade espiritual • apaixonado

• coragem • perdoador • justo

• humildade • compassivo • paciente

• sensibilidade • ativo • bom

• fiel • otimista • confiável

• misericordioso • dirigido para valores • autocontrolado

• habilidade para ensinar

As Aptidões de um Líder Cristão

• comunicação eficiente

• identificar, articular, lançar a visão

• motivar pessoas

• treinar e desenvolver pessoas

• resumir informação

• persuadir pessoas

• iniciar atividade estratégica

• envolver-se em pensamento estratégico

• resolver conflito

• desenvolver recursos

• delegar autoridade e responsabilidade

• reforçar o compromisso

• celebrar os sucessos

• tomar decisões

• formar equipes

• instigar a avaliação

• criar uma cultura grupal viável

• manter o foco central e as prioridades

• preservar a responsabilização

• identificar oportunidades para influenciar

• relacionar tudo com os planos e princípios de Deus

• modelar as disciplinas espirituais

• dirigir outros líderes-chave.

O Que Faz um Líder Ser um Líder

[...] Permita-me um momento para identificar o que torna um líder alguém que podemos identificar como tal.

Todos os líderes cristãos que estudei — nas Escrituras, pessoalmente, ou em livros de história — possuem três qualidades distintas, mas inter-relacionadas. A combinação destas qualidades é que os capacita a fazer o que os líderes fazem. Retire qualquer uma destas qualidades e a pessoa será um membro valioso do grupo, mas não um líder.

Primeiro, o líder cristão é chamado por Deus. É chamado para o serviço, mas um ramo especial de serviço. É alguém que serve liderando. A vasta maioria da criação humana de Deus é de seguidores. Aqueles que foram ungidos por Ele para liderar têm mais valor para o corpo de crentes — em termos funcionais — por sua disposição de atender ao seu chamado e fazer aquilo que os seguidores necessitam tão desesperadamente.

Segundo, o líder cristão é uma pessoa com um caráter semelhante ao de Cristo. Porque a função principal do líder é capacitar as pessoas a conhecer, amar e servir a Deus com todo coração, mente, alma e forças, o líder deve possuir em si mesmo o tipo de atributos pessoais — características do coração manifestadas por meio da fala e das atitudes — que reflitam a natureza do nosso Deus.

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Terceiro, o líder cristão possui aptidões funcionais que permitem a ele desempenhar tarefas e guiar pessoas no sentido de cumprir os objetivos dos servos de Deus. Estas são as habilidades que recebem especial atenção: inspirar pessoas, dirigir sua energia e recursos, lançar a visão, formar equipes, celebrar vitórias, delegar autoridade, tomar decisões, desenvolver estratégias, aceitar responsabilidade pelos resultados etc.

No meio cristão sempre pensamos neste pacote de elementos como "o dom espiritual da liderança". O dom envolve receber de Deus todo o "material" necessário para ser um grande líder dentro dos propósitos de Deus. (Um crente pode, eventualmente, receber este dom e resolver não usá-lo — o que representa uma perda tanto para a igreja quanto para o líder pessoalmente.)

A literatura sobre liderança centraliza-se quase exclusivamente nas aptidões funcionais. Tais aptidões são importantes, sem dúvida, mas um líder que tem grandes habilidades e capacidades técnicas, mas não tem o chamado de Deus, está meramente seguindo suas inclinações pessoais. Aquele que não tem os atributos pessoais, e que modelam princípios cristãos, será um líder ineficiente, incapaz de manter os seguidores. Sem dúvida, alguém que deseje liderar pessoas, mas que não possua competência para fazer o trabalho, nunca conseguirá construir as credenciais (ou currículo pessoal) necessárias para atrair seguidores.

Um líder cristão é alguém chamado por Deus para liderar; que lidera com um caráter plenamente semelhante ao de Cristo; e revela as aptidões funcionais

que permitem uma liderança concretizar-se.

Verifique que o primeiro elemento necessário é o chamado de Deus para liderar. Se você não foi escolhido por Ele para liderar seu povo, não importa quão maravilhoso seu caráter é, ou quão bem habilitado você está para a tarefa, você nunca se tornará um grande líder cristão. Você poderá liderar sem dúvida — nosso sistema político, instituições educacionais e corporações estão cheios de pessoas que estão liderando, apesar de não terem sido chamadas por Deus para serem líderes espirituais. A diferença é que não estamos falando em liderar o povo de Deus para uma lucratividade mais alta ou maior eficiência, mas para uma santidade superior e para a verdade espiritual. Além disto, não estamos falando sobre interferir em negócios humanos para aumentar os ganhos para propósitos mundanos, mas sobre investir em pessoas de tal forma que elas reconheçam e aprofundem as maneiras pelas quais Deus as chamou, dotou, e procura aperfeiçoá-las.

Chamado para Liderar

Como você sabe se foi chamado por Deus para ser um líder espiritual do povo? Este é outro daqueles assuntos que, como a definição de liderança, gera uma controvérsia substancial. Permita-me colocar lenha na fogueira sugerindo alguns elementos para serem procurados à medida que você tenta discernir se recebeu ou não este chamado.

Os oito sinais seguintes indicam que você, provavelmente, foi chamado para ser um líder cristão. Em minha experiência, aqueles a quem Deus suscita para liderar possuem todas estas oito características.

Sentir o chamado. Se você realmente foi chamado terá um senso de escolha divina para a tarefa. Haverá uma convicção interna de que, por mais espantoso que possa parecer, Deus deseja que você lidere o povo por Ele e para Ele. Você terá um senso real do Espírito de Deus confirmando em seu interior o fato de que você está entre o seleto punhado de pessoas que Ele deseja usar para influenciar seguidores a viver para um propósito diferente e de uma forma diferente. Josias, o rei-menino de Judá, revolucionou o reino de seu pai baseado na certeza interna de que ele havia sido levantado por Deus para aquela hora, naquele lugar e para aquele propósito. Algumas vezes, ocasionalmente, um líder lutará contra ou negará seu chamado. Entretanto, o Espírito Santo é persistente e, à medida que a evidência se acumula, não podemos resistir — a não ser que fiquemos confortáveis adotando uma atitude de desobediência intencional.

Inclinação inegável. Líderes verdadeiros são naturalmente inclinados a liderar. Algumas vezes assumem a posição de liderança relutantemente, como no caso de Timóteo ou Neemias. Outros, como Bill Hybels, Pat Robertson ou o apóstolo Paulo, estão ansiosos para liderar porque simplesmente não podem segurar este dom guardado dentro de si, é assim que eles são. Uma pessoa pode ser arrastada para a liderança ou ter um entusiasmo e alegria naturais em liderar. Em última análise, entretanto, a urgência ou o sentimento de necessidade de servir como líder é inegável.

Mente de líder. O líder percebe e pensa diferentemente dos outros. Sendo pessoas de visão, os líderes, por definição, focalizam o futuro. Pensam nas implicações a longo prazo, nas oportunidades e escolhas que são feitas hoje. Estão interessados na figura completa, não ficam satisfeitos em focalizar apenas os eventos menores do cotidiano. Eles abrigam uma veia de idealismo que, às vezes, se expressa numa forma revolucionária de pensar. Ficam excitados com mudanças e desejam moldá-las. Trabalham duro, porém mais importante do que isto, trabalham de maneira inteligente: são pensadores estratégicos.

Influência discernível. Um líder verdadeiro é aquele cuja vida dá os frutos da liderança verdadeira. Se você foi chamado por Deus, Ele mesmo manifestará este chamado dando-lhe a evidência tangível do dom especial para

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liderar. A evidência cumulativa de que você tem habilidade para mudar a maneira como indivíduos ou grupos pensam, falam e vivem, é um dos meios usados por Deus para convencê-lo do chamado e estimulá-lo a persistir, apesar das dificuldades.

A companhia de líderes. As pessoas ficam mais à vontade ao lado daqueles que lhes são mais semelhantes. Descobri que a maioria dos líderes gosta de estar ao redor de outros líderes. Há uma camaradagem natural entre eles. Falam a mesma língua. Discutem os mesmos assuntos e dificuldades. Estar ao lado de outros líderes define a área de conforto daqueles que são chamados para liderar.

Incentivo externo. Uma maneira de saber se você foi chamado para liderar o povo de Deus é verificar se você recebe a ratificação de outras pessoas. Esta confirmação é mais importante quando vem de outros líderes verdadeiros. Os líderes conhecem sua espécie: sabem o que é necessário e o que significa. Se eles sentem o chamado em você, ouça as suas palavras. Timóteo recebeu estas exortações de seu mentor, Paulo.

Força interna. Curiosamente, poucas pessoas têm a força interna para manter a posição por aquilo que é direito. Chamamos isto de coragem. Se você se sente à vontade assumindo riscos razoáveis, percorrendo territórios não mapeados, e não recua diante da perspectiva de assumir a pressão pelas decisões que tomou, você bem pode ter a força interior que Deus provê para aqueles que são chamados para liderar o seu povo. Não existe exemplo melhor destas qualidades do que o próprio Jesus.

Gostar do que faz. Liderar pessoas raramente é uma diversão. Os líderes de Deus — sim, mesmo aqueles chamados por Ele — suportam quantidades incríveis de preocupação, controvérsias e animosidade. O produto final — o resultado da liderança — é que a faz valer a pena para os líderes. Se você sentiu aquela sensação vibrante e cálida de vitória, a sensação de que todas as dificuldades valeram o resultado, você sabe o que um líder vocacionado experimenta nas trincheiras da batalha espiritual.

Identificação Verdadeira

[...] Vamos esclarecer mais um ponto. Liderar é diferente de gerenciar, ensinar, aconselhar e ajudar. Tenho visto muitos ministérios destruídos pouco a pouco por pessoas que servem em posições de liderança, mas são incapazes de liderar.

O padrão mais comum é que a igreja espere liderança do pastor efetivo. Ele tenta fornecer tal liderança, mas a maioria dos pastores, por sua própria avaliação, é treinada para e tem o dom de ensinar. Eles tentam liderar usando suas habilidades e seus talentos para ensinar. O ensino pode influenciar pessoas, mas, como observei com referência à definição de Sanders, liderar é mais do que apenas influenciar.

Ocasionalmente — quase inevitavelmente — o pastor-professor falha como líder, a igreja se torna descontente e destrói os resultados. O mesmo acontece quando pessoas que têm dom de administrar (isto é, gerentes) ou aconselhar, ou de ajudar, tentam proporcionar uma liderança básica. Elas ficam frustradas, o grupo sob sua responsabilidade fica frustrado e o ministério é prejudicado. Porque estas pessoas não são líderes — e porque se recusam a formar uma equipe com pessoas que podem complementar sua contribuição, fornecendo o grau necessário de liderança — eles não atraem seguidores, e todo o empreendimento ministerial é prejudicado.

Novamente, não tomem isto fora do contexto. Creio que as pessoas que têm o dom de ensinar são extremamente necessárias na Igreja hoje. Elas necessitam usar este dom para desafiar, instruir, inspirar e iluminar o povo de Deus. Ensinar, entretanto, não é sinônimo de liderar. Sim, algumas pessoas que ensinam bem são líderes talentosos também. Entretanto, não podemos assumir que uma pessoa que tenha uma pós-graduação e almeje o pastorado efetivo de uma igreja (ou uma posição semelhante em qualquer ministério para-eclesiástico) seja um líder.

A Bíblia é bem clara ao demonstrar que liderança acontece melhor quando ocorre no contexto de uma equipe de pessoas talentosas que apoia um líder que foi chamado e dotado por Deus para o propósito de liderar. Moisés teve Josué, Arão e Hur. Jesus teve Pedro, Tiago e João. Paulo teve Timóteo, Tíquico, Lucas e Tito. Como Paulo escreveu em 1 Coríntios 12.7, a cada crente é dado um dom para ser usado "para o bem comum". Portanto, estes dons não têm a intenção de ser exaustivos, mas complementares. (Nenhum dom, ou indivíduo que possua um dom, é melhor do que qualquer outro.)

Como líder, preciso de grandes professores, administradores, conselheiros e pessoas com outros dons que me ajudem a liderar. Como professor, eu desejaria grandes líderes, administradores e outros auxiliares que ajudassem a puxar o peso comigo. Deus nos criou para viver em comunidade; precisamos uns dos outros para que o corpo funcione propriamente. Criar uma estrutura na qual esta sinergia possa ocorrer é um dos grandes desafios de um líder.

Não se engane: administração não é liderança. Ensino não é liderança. Aconselhamento não é liderança. Estas outras disciplinas não são menos valiosas do que a liderança, mas não podem ser confundidas nem podem substituir liderança.

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Deixe-o Orgulhoso

A Igreja nos Estados Unidos está num período de crise. Temos uma crise de fé. Dezenas de milhares de americanos estão procurando por algo em que crer. Temos uma crise de profundidade espiritual. Milhares de crentes convertidos têm pouca ou nenhuma profundidade espiritual.

São servos ineficientes de Deus porque não sabem em que crêem, nem como usar sua fé para mudar suas vidas, muito menos mudar o mundo. Temos também uma crise de inovação: as igrejas parecem temerosas de investir em novos modos de ser igreja, libertando-se de modelos antiquados e tradições irrelevantes, para viver o evangelho num contexto do século 21.

Sobretudo temos uma crise de liderança cristã. Eu sustento que todas estas crises não seriam crises de forma nenhuma, mas simplesmente oportunidades para uma transformação radical — se tivéssemos líderes verdadeiros liderando a Igreja. Líderes inspirariam um interesse vasto e genuíno no Cristianismo, por meio de estratégias e estruturas e facilitariam o processo pelo qual a fé se tornaria real na vida das pessoas. Tais pessoas se tornariam profundamente cristãs, comprometidas em conhecer, viver e partilhar sua fé, se tivessem líderes que demonstrassem esta fé em ação e as capacitassem a fazer o mesmo. A Igreja se infiltraria na sociedade americana até o âmago, se tivéssemos líderes ousados, pessoas que experimentam, assumem riscos e criam novas possibilidades lançando a visão de Deus. Os líderes são o elo perdido da saúde da Igreja.

Se Ele o chamou para liderar, lidere. É seu privilégio, sua responsabilidade e sua alegria. Louve-o pela oportunidade de experimentar em toda a plenitude a vida que Ele lhe deu por meio do exercício de seu chamado, seus dons e habilidades. Lidere o povo de Deus de tal maneira que você o deixe orgulhoso.

III. Profetas do Antigo Testamento exemplo para os líderes de hoje4

Introdução

Estudar os profetas de Israel é sempre recompensador. Impressiona-nos a atualidade de mensagens pregadas há mais de dois milênios. Mas, mais do que causarem boa impressão, tais mensagens nos oferecem um número imenso de lições para nossas vidas. E não apenas as mensagens, mas também o ministério e a vida dos profetas oferecem-nos exemplo. Por alguma razão, contudo, a maioria dos estudos sobre os profetas não trata da vida desses homens de Deus, limitando-se à mensagem que proclamaram e eventualmente ao ministério que exerceram. O fato é que não existe em português nenhuma análise sistemática da vida dos profetas, isto é, não há nenhuma pesquisa que apresente um perfil dos profetas.

Os profetas foram líderes no seu tempo. Ao estabelecermos um perfil dessas pessoas, esperamos encontrar características que tragam tanto estímulo quanto encorajamento aos líderes de hoje. Isso segue o espírito das palavras do apóstolo Paulo: "Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo" (1 Co 11.1). Ou seja, naquilo em que representam o ideal divino, os profetas podem e devem ser imitados. É nesse mesmo espírito que o escritor da carta aos Hebreus apresenta os profetas do Antigo Testamento como exemplo de fé para os cristãos (Hb 11.1,6, 32).

Alguém poderá perguntar: mas qual a vantagem de estudar a vida dos profetas? Não seria suficiente estudar as mensagens que anunciaram? À guisa de resposta, precisamos lembrar que, embora seja a mensagem que torne os profetas relevantes nos dias de hoje, não se pode fazer separação entre a vida que tiveram e o ministério que desenvolveram, pois, afinal, apresentavam-se como pessoas éticas, que denunciavam toda forma de erro. É inconcebível que sua vida contradissesse sua pregação. Uma falta de coerência entre a vida e a obra de um profeta abalaria sua credibilidade. A vantagem reside, então, em entender como chegaram a ter tal credibilidade.

4

Márcio Loureiro Redondo. IN: IN: KOHL, Manfred Waldemar; BARRO, Antonio Carlos (org.). Liderança para um novo século. Londrina, Ed. Descoberta, 2003. p.58-86.

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Cabe ainda uma palavra de esclarecimento. Esta análise tem suas limitações: o perfil que pretendemos traçar será resultado do estudo de várias características que foram comuns a alguns ou mesmo a muitos profetas. Contudo há características que não se pode nem se deve generalizar. Por exemplo, abaixo mencionar-se-á o único caso contado na Bíblia de um profeta com dificuldades financeiras. Não se pode afirmar que todos os profetas passaram por tais problemas. Mas, sem dúvida alguma, pode ficar a lição de que mesmo aquele que foi chamado por Deus não está imune a problemas financeiros.

Também é necessário lembrar que na sua soberania Deus chamou igualmente homens e mulheres. Caso contrário não teriam existido profetisas, como foi o caso de Miriã (Ex 15:20), Débora (Jz 4:4) e Hulda (2 Rs 22:14). Por esse motivo, ao empregarmos a palavra "profeta" estaremos indicando igualmente homens e mulheres que, nessa função, serviram a Deus.

Examinar as vidas dos profetas de Israel e descobrir como elas são exemplo para os líderes de hoje — é isso o que este capítulo se propõe a fazer.

1. Quem eram os profetas?

Em todo o antigo oriente médio houve profetas. Textos antigos, com três ou quatro mil anos de idade e que foram recuperados pela arqueologia, mostram isso. Egípcios, assírios, babilônios, hititas, arameus, fenícios, enfim, todos ou quase todos os povos da região tinham seus profetas. Todos esses povos eram profundamente religiosos e, embora tivessem deuses diferentes, preocupavam-se em saber o que os seus deuses tinham para lhes revelar. É nesse ambiente extremamente religioso que encontramos os profetas primeiramente de Israel e mais tarde também de Judá.

No Antigo Testamento algumas palavras designam o profeta. A palavra hebraica mais usada é nābî. O vocábulo aponta para a pessoa que fala e age a mando divino e muito provavelmente indica que a pessoa foi "chamada" a fazê-lo. Isso mostra que a iniciativa era sempre divina. O profeta não podia nem devia se atrever a agir sem um chamado divino. No mundo do antigo oriente médio o profeta era, portanto, alguém que falava ou fazia algo porque recebera orientação divina para isso.

Embora alguns profetas tenham ficado famosos pelo fato de suas histórias aparecerem na Bíblia, houve também profetas anônimos. Pelo menos em certos momentos da história de Israel foi muito grande o número deles, tanto falsos quanto verdadeiros. No relato do confronto entre Elias e os profetas pagãos, mencionam-se nada menos que "quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal e [...] quatrocentos profetas de Aserá" (l Rs 18.19). Quanto aos que serviram ao Senhor, pode-se afirmar que aqueles cujos nomes aparecem na Bíblia foram em número pequeno quando comparados com as centenas daqueles anônimos que atuaram durante o período do Antigo Testamento. Na mesma época em que Elias enfrentou os profetas pagãos existiam pelo menos cem profetas do Senhor em Israel, os quais foram escondidos por Obadias, um alto funcionário do rei Acabe, para que não fossem mortos (lRs 18.4).

2. Quem eram os profetas falsos?

Pode parecer sem sentido, mas saber um pouco dos profetas falsos ajuda a entender melhor a vida dos profetas verdadeiros. Do ponto de vista bíblico, profeta falso era tanto aquele que falava em nome do Senhor sem este ter dado urna mensagem quanto aquele que falava em nome de deuses falsos (Dt 18.20). Profetas falsos tinham "falsas visões, adivinhações inúteis e ilusões de suas próprias mentes" (Jr 14.14); ofereciam "falsas esperanças" (Jr 23.16); cometiam "adultério" e viviam uma "mentira", ou seja, uma vida dupla (Jr 23.14); persuadiam outros a que "cressem numa mentira" (Jr 29.31); escravizavam o povo ao usarem o poder de que dispunham para manipular as pessoas (Ez 13.21); embriagavam-se a ponto de não conseguirem ficar de pé (Is 28.7); buscavam intimidar o povo e seus líderes (Ne 6.14); profetizavam em troco de vantagem material (Ez 13.19); eram "irresponsáveis [e] ... traiçoeiros" (Sf 3.4); eram homens e mulheres que se apresentavam como profetas e profetisas (Ne 6.14; Ez 13.17), sem terem, no entanto, recebido um chamado de Deus.

Aliás, falsos profetas existiam porque, de acordo com Isaías, as pessoas não queriam ouvir o que era certo, mas o que lhes agradava. Muita gente preferia ouvir mensagens falsas (Is 30.10). É essa também a constatação feita por Jeremias: "Os profetas profetizam mentiras, os sacerdotes governam por sua própria autoridade, e o meu povo gosta dessas coisas" (Jr 5.31). Era uma tentação muito grande, de um lado, não repreender o povo e, de outro, falar coisas agradáveis aos seus ouvidos.

Além dessas observações sobre como procediam os profetas falsos, há duas passagens pertinentes no livro de Deuteronômio. Ambas trazem orientações de como identificar e tratar tais pessoas. A primeira trata daquela situação em que um profeta prevê coisas incomuns, tais predições então acontecem e o profeta, em seguida, chama as pessoas a adorarem um outro deus (Dt 13.1-2). Segundo o escritor bíblico tal profeta "terá que ser morto, pois pregou rebelião [sarâ] contra o SENHOR" (Dt 13.5). A palavra hebraica usada, sarâ, tem os sentidos de "rebeldia, crime, revolta, falsidade". Neste caso específico, a palavra aponta para aquele que, rejeitando a soberania de Deus,

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quer levar outros pelo mesmo caminho. A relação entre "falsidade" e "rebeldia" está no fato de o profeta ensinar a existência de outros deuses, o que é mentira, e conclamar as pessoas a buscarem esses deuses, o que é rebeldia. Deve-se destacar que, de acordo com esse texto, um profeta falso pode fazer predições que mais tarde se cumprirão.

Deuteronômio 18 prevê o mesmo tipo de castigo para quem anunciar algo, mas isso não se cumprir. E o caso tanto de quem fala em nome do Senhor algo que o próprio Senhor não falou ou então de quem fala em nome de outros deuses (Dt 18.20). Em seguida o escritor bíblico acrescenta: "Mas talvez vocês se perguntem a si mesmos: 'Como saberemos se uma mensagem não vem do SENHOR?' Se o que o profeta proclamar em nome do SENHOR não acontecer nem se cumprir, essa mensagem não vem do SENHOR. Aquele profeta falou com presunção [zadôn]. Não tenham medo dele" (Dt 18.21-22). O vocábulo zadôn significa basicamente "arrogância, orgulho", tendo as conotações de "fala exagerada, fala arrogante, atos feitos com presunção, insolência". Em outras palavras, na palavra zadôn existe uma idéia de auto-suficiência, de rebeldia e de usurpação de autoridade ou direitos. "Isso pode envolver uma atitude ou comportamento que ignora ou rejeita a autoridade divina de controlar os israelitas por meio de suas leis".

Observe-se que a existência de profetas enganadores do povo exigiu que vários profetas do Senhor tomassem atitude enérgica contra esse tipo de erro. É pesada a palavra com que Isaías e Jeremias descrevem a mensagem desses pseudo-profetas: "mentira" (Is 9.15; Jr 14.14). É, aliás, a mentira a marca registrada desses homens. Zacarias, por exemplo, previu uma época quando os profetas, sem exceção, seriam identificados com a mentira (Zc 13.1-6). Sem dúvida, foi preciso muita coragem para enfrentar esses usurpadores. Dentre os profetas do Senhor é Jeremias quem mais combate os profetas falsos (e.g., Jr 2.8; 5.13, 31; 6.13; 8.10; 14.14-15, 18; 23.9-40; 27.9-10, 14-15; 28.1-17; 29.8-9; 32.32). Na análise perspicaz desse homem de Deus, os profetas falsos proclamam não o que o Senhor revelou, mas aquilo que suas próprias mentes imaginam (Jr 23-26). De modo semelhante, Ezequiel chama tais profetas de tolos ou ímpios e afirma que "seguem o seu próprio espírito e não viram nada" (Ez 13.3). Ainda de acordo com Ezequiel, havia profetisas com o mesmo problema: falavam da parte não do Senhor, mas "pela sua própria imaginação" (Ez 13.17).

3. Quem eram os profetas do Senhor?

É difícil, senão impossível, encontrar na Bíblia uma definição ou mesmo uma descrição lógica e sistemática de quem eram os profetas do Senhor. Contudo, a partir da crítica feita aos profetas falsos e da sua descrição em Deuteronômio podemos identificar várias características dos profetas verdadeiros.

A. Eram honestos. Quando tinham uma visão, anunciavam a visão. Quando não tinham, ficavam quietos.

B. Suas palavras não eram vazias nem inúteis. Pelo contrário, a mensagem que anunciavam era apropriada.

C. Falavam a verdade, mesmo que doesse. Não ficavam criando esperanças sem base. Isso também significa que não ficavam adulando os demais.

D. Tinham uma vida moral íntegra, sem qualquer duplicidade.

E. Não escravizavam emocionalmente as pessoas.

F. Não tentavam manipular os outros pelo medo.

G. Não agiam com objetivo de ganho material.

H. Viviam responsavelmente.

I. Reconheciam o senhorio de Deus em suas vidas e, desse modo, aceitavam a direção divina, não se revoltando nem levando outros a se revoltarem contra Deus.

J. Viviam em dependência de Deus.

K. Havia humildade em suas palavras e atos.

L. Não se entregavam à bebida. Isso revela que eram pessoas de domínio próprio e equilíbrio.

M. Eram leais. Sua preocupação era a fidelidade ao Senhor, mesmo que isso significasse condenar o que outros diziam e faziam. E, por serem leais a Deus, eram leais também com seus semelhantes.

Pode-se, portanto, concluir que os profetas do Senhor eram homens e mulheres que se caracterizavam por seu temor a Deus, por sua integridade pessoal e por seu respeito ao próximo. Conforme veremos mais adiante, não eram perfeitos. Não eram super-homens nem super-mulheres, mas suas vidas espelhavam o Deus que proclamavam, um Deus ético.

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4. Eram chamados por Deus

A característica mais importante de um profeta era ter sido chamado pelo próprio Deus. Samuel, Amos, Eliseu, Jonas, Isaías, Jeremias e Ezequiel são apenas alguns cujos chamados estão descritos nas Escrituras. É instrutiva a história de como Deus chamou cada um para ser profeta. Samuel, por exemplo, foi consagrado ao serviço do Senhor antes mesmo de Ana, sua mãe, ficar grávida. Ana, que era estéril, queria muito ter um filho. Por isso, prometeu a Deus que lhe daria o filho caso engravidasse (I Sm 1.1-2, 5, 11). Deus atendeu sua oração, e o resultado foi um menino, Samuel (I Sm 1.20). Mas, apesar de ter sido consagrado por sua mãe, Samuel, ainda menino, experimentou de noite um chamado do próprio Deus (I Sm 3.1-14). A decisão da mãe não substituiu a decisão do filho.

O chamado de Eliseu foi diferente. Estava trabalhando na lavoura, quando Elias apareceu e lançou sua capa sobre o lavrador. Isto foi o suficiente para Eliseu entender que Deus o estava chamando para seguir Elias e ser um profeta do Senhor (l Rs 21.19-21). Por outro lado, não sabemos as circunstâncias de quando e como Jonas recebeu a ordem do Senhor para anunciar a palavra divina na cidade de Nínive. Estava trabalhando? Tomando uma refeição? Viajando? Descansando? Dormindo? Não sabemos. O certo é que recebeu a convocação (Jn 1.1). Mas, ao contrário de Samuel e Eliseu, Jonas recusou. Fugiu ou, melhor dizendo, tentou fugir (Jn 1.3-4), porque de Deus ninguém consegue fugir. Pegou um navio que ia à direção oposta de Nínive. Mas não deu certo. Deus o alcançou (Jn 2). O chamado veio uma segunda vez, e agora Jonas obedeceu (Jn 3.1-2).

A descrição do chamado de Isaías informa até a data aproximada desse acontecimento: "o ano da morte do rei Uzias" (Is 6.1). Talvez Isaías não se lembrasse do dia e do mês, mas com certeza se lembrava do ano. Também se lembrava de como foi seu chamado. Foi numa visão. Ao ver o Senhor e sua santidade, percebeu seu pecado, sua incapacidade (Is 6.5). Deus, porém, mostrou a Isaías que a solução não vinha dele, Isaías, mas do próprio Deus. Após dispor-se a servir ao Senhor, Isaías recebeu a mensagem que deveria pregar (Is 6.8-9).

Jeremias era de família sacerdotal. À semelhança de Samuel, foi chamado bem jovem (Jr 1.4-6). À semelhança de Jonas, bem que tentou fugir ao chamado. Mas, ao invés de fugir para longe, Jeremias tentou resistir ao chamado divino argumentando com Deus. Disse que era muito jovem e que não sabia falar (Jr 1.6). Mas isso não era nenhum problema para Deus. Deus garantiu a Jeremias que poria suas palavras na boca do jovem (Jr 1.9). A resposta divina calou Jeremias, o qual tornou-se um grande profeta.

Amós foi outro lavrador chamado para ser profeta. Quase que por acaso ficamos sabendo do chamado desse homem. O sacerdote Amazias estava incomodado com a pregação de Amós e quis proibi-lo de pregar (Am 7.12). A resposta do profeta foi que ele pregava porque o Senhor o havia chamado a isso (Am 7.15). Amós nem mesmo se considerava profeta (Am 7.14), mas tinha um claro chamado do Senhor, e isso era suficiente para levá-lo a anunciar a mensagem de Deus.

Ezequiel é outro que recebeu a convocação divina numa visão, aliás, uma visão bem diferente (Ez 1.1-3.1). O profeta informa a data exata dessa visão e o local onde estava (Ez 1.1-2).

O chamado é claro: "Filho do homem, vou enviá-lo aos israelitas... Você lhes falará as minhas palavras" (Ez 2.3, 7). E no chamado já existe um prenúncio de dias difíceis que viriam para o futuro profeta: "Não tenha medo.... Não tenha medo.... Não tenha medo..." (Ez 2.6). Por que três vezes a instrução para Ezequiel não ter medo? Certamente haveria circunstâncias difíceis em dias posteriores. Ezequiel sabia que não estava sendo chamado para uma tarefa fácil.

Esse rápido olhar para o chamado desses seis profetas do Senhor permite-nos tirar algumas lições.

A. O chamado pode vir em tenra idade (casos de Samuel e Jeremias).

B. A disposição dos pais em entregar o filho ao serviço do Senhor não é suficiente, pois a própria pessoa precisa dizer "sim" para Deus (Samuel).

C. O trabalho profético não é fácil. Jonas e Jeremias tentaram escapar ao chamado. Ezequiel foi advertido de que enfrentaria dificuldades. Grande número de profetas enfrentou oposição e até mesmo perseguição.

D. Deus chama seus servos de inúmeras maneiras: mediante visão (Ezequiel e Isaías), mediante uma voz (Samuel), mediante convite de uma outra pessoa (Eliseu) etc. Deus é livre para chamar alguém pela maneira como achar melhor. Simplesmente não se pode limitar a maneira como Deus convoca alguém para servi-lo.

E. O chamado pode acontecer a qualquer hora do dia ou da noite, estando a pessoa ocupada ou não. Eliseu foi chamado durante o dia enquanto trabalhava; Samuel, à noite, enquanto descansava.

F. O Deus que chama é o Deus que capacita e supre as necessidades. Isaías percebeu que era pecador, mas Deus purificou-o; Jeremias achava que não sabia falar, mas o Senhor prometeu colocar suas palavras na boca do profeta; Ezequiel foi encorajado pelo Senhor a não ter medo.

G. Deus chama pessoas de diferentes contextos sociais. Jeremias era sacerdote; Amós e Eliseu foram lavradores; Isaías era homem da capital, Jerusalém; a família de Samuel era do interior.

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H. Deus chama igualmente homens e mulheres. Caso contrário não teria havido profetisas do Senhor, conforme já vimos acima.

5. Eram pessoas de caráter

O caráter diz respeito à atitude da pessoa com Deus, com seu semelhante, com o dever, com o dinheiro, com o sofrimento do outro, com a própria fraqueza, com a autoridade etc. Alguém de caráter é quem tem a atitude correta nessas várias dimensões da vida. Pois os profetas foram pessoas de caráter. Senão vejamos: obedeceram ao Senhor mesmo em situações desagradáveis (I Sm 8.7); sentiam-se responsáveis pelas pessoas aquém ministravam (Ez 3.18-21); opuseram-se à injustiça social (Hc 2.9), à violência (Hc 1.2; 2.12, 17), ao enriquecimento ilícito (Hc 2.9).

Tinham uma atitude positiva frente aos bens materiais. Reconheciam que a "riqueza é ilusória" (Hc 2.5). E por isso que o coração de Eliseu não estava no dinheiro (2 Rs 5.15-16). Teve oportunidade de se enriquecer quando Naamã quis lhe retribuir o bem que o profeta lhe fizera. Não aceitou. Samuel igualmente teve oportunidade de se aproveitar de sua posição de líder e tirar vantagem material, mas não o fez (I Sm 12.4). Se de um lado não eram gananciosos, de outro não eram orgulhosos nem auto-suficientes, pois aceitaram ajuda quando precisaram. Elias foi alimentado por uma senhora viúva que morava em Sarepta (l Rs 17.7-16). Por algum tempo Eliseu foi sustentado por uma família de Suném (2 Rs 4.8), a qual até construiu-lhe um quartinho onde podia pousar quando passasse pela cidade (2 Rs 4.8-10).

Em face do erro alheio, repreenderam com coração amoroso e sincero. Natã, por exemplo, usou de tato ao censurar Davi por causa do adultério com Bate-Seba e do assassinato de Urias (2 Sm 11.1—2.9). Possivelmente devido à maneira como Natã abordou o problema, o rei não o considerou inimigo ou adversário, e, quando Bate-Seba deu à luz Salomão, Davi colocou o filhinho recém-nascido nos braços do profeta. Este, por sua vez, deu à criança o nome de Jedidias, "amado do SENHOR" (2 Sm 12.24-25).

Servir ao próximo também revela algo do caráter de uma pessoa. Quem age dessa maneira mostra que considera importante o seu próximo. Eliseu passou anos servindo Elias (2 Rs 3.11). Ageu e Zacarias ajudaram na reconstrução do templo do Senhor, em Jerusalém (Ed 5.2).

A grandeza do coração de alguém também pode ser vista na sua atitude diante do sofrimento ou aflição alheio. Eliseu teve compaixão de Naamã, alguém que professava uma outra religião, e deu-lhe orientação para ser curado (2 Rs 5-3, 10, 14); foi misericordioso, poupando ávida de soldados inimigos (2 Rs 6.21-22); preocupou-se com o bem-estar até de uma pessoa de recursos (2 Rs 4.13); percebeu a angústia da mulher sunamita e reagiu compassivamente (2 Rs 4.27); ajudou um homem a recuperar o machado que havia caído no rio (2 Rs 6.1-7). Em suma, o profeta preocupou-se com problemas que as pessoas enfrentavam no dia a dia.

Persistência também é marca de um bom caráter. Lembramo-nos aqui desse mesmo Eliseu, a quem Elias, num mesmo dia havia dito três vezes que não precisava segui-lo. Eliseu, no entanto, insistiu em acompanhar Elias (2Rs 2.1-6).

6. Eram pessoas de oração

Não é de surpreender que os profetas tenham sido pessoas de oração. Foram chamados por Deus para falar em seu nome, por isso é natural que buscassem direção da parte do Senhor para os mais variados assuntos.

Samuel, ao ver o povo diante de uma dificuldade específica, comprometeu-se a orar em seu favor (I Sm 7.5, 9). Para ele, deixar de fazê-lo equivalia a pecar contra o Senhor (I Sm 12.23).

Jeremias também foi solicitado a interceder pelo povo e prometeu fazê-lo (Jr 42.1-4). O profeta orou, o Senhor respondeu, mas aqueles que pediram oração recusaram-se a aceitar a resposta do Senhor (Jr 42.19; 43.1-2). Teria Jeremias perdido seu tempo orando por pessoas que não iriam aceitar a resposta divina? Não. Ele não sabia que as pessoas iriam reagir negativamente à resposta de Deus. Além do mais, mesmo que soubesse, ele tinha a responsabilidade de orar pelo povo. Se o povo não aceitasse a resposta do Senhor, isso seria problema do povo e não do profeta.

Num momento de crise nacional, quando a existência de Judá estava ameaçada, Isaías e o rei Ezequias uniram-se em oração ao Senhor (2Cr 32.20). Num momento de crise familiar, quando o filho da mulher de Suném faleceu (2Rs 4.32), Eliseu fechou a porta e orou (2Rs 4.33).

18 E em momentos de crise pessoal os profetas também

buscaram a presença de Deus. Samuel orou mesmo contrariado. O povo havia pedido que Samuel escolhesse um rei. Samuel, que era o líder do povo, sentiu-se rejeitado e ficou triste com isso (I Sm 8.6-7). Mas, ao invés de revoltar-se contra seus liderados, em oração buscou a direção do Senhor (I Sm 8.6). E existem os casos de Eliseu e Jonas, que ficaram tão deprimidos a ponto de pedirem a Deus para morrer (l Rs 19.4; Jn 4.8). Quando caiu em si e percebeu que o Senhor tinha sido misericordioso com ele, mesmo estando longe da vontade divina, Jonas reaproximou-se de Deus mediante a oração (Jn 2.7). Quando se viu ameaçado de prisão pelo rei Jeroboão, um profeta de Deus, cujo

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nome desconhecemos, não deixou o ressentimento tomar conta de seu coração. Pelo contrário, intercedeu junto a Deus em favor do rei (l Rs 13.4, 6).

7. Conheciam as Escrituras

Durante o período que estamos tratando, ou seja, monarquia, exílio e pós-exílio (c. 1050 até c. 300 a.C), as pessoas não dispunham do Antigo Testamento. Na verdade, foi demorado o processo de redação da Bíblia Hebraica (como também é conhecido o Antigo Testamento). Isso não quer dizer que não existia nada da Bíblia durante a vida desses profetas. Tudo indica que a Torá, isto é, os cinco primeiros livros da Bíblia, já eram conhecidos. Pois bem, são essas Escrituras que os profetas demonstraram conhecer tão bem.

Isaías relembra a destruição do faraó e seu exército no Mar Vermelho ou Mar de Juncos, história narrada em Êxodo 14.23-28 (Is 43.16-17). Jeremias, ao condenar o roubo, o homicídio, o adultério, o juramento falso e a adoração de outros deuses (Jr 7.9), revela conhecer o decálogo, que foi dado por Deus ao seu povo por intermédio de Moisés. De igual maneira Oséias conhece essas instruções (Os 4.2). Mas o conhecimento que os profetas tinham das Escrituras não se limitava à saída dos israelitas do Egito ou ao decálogo. Jeremias, por exemplo, condena seus contemporâneos por não levarem a sério a lei que determinava que ninguém poderia ser escravo por mais de seis anos, devendo ficar livre no sétimo ano (Jr 34.13-14; Ex 21.2). O mesmo Jeremias conhecia a aliança que fora estabelecida no passado entre Deus e seu povo (Jr 31.32; Ex 34.28). É certamente em Êxodo 34.6 que Jonas baseia sua afirmação de que Deus é "misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor" (Jn 4.2). Amós revela o padrão de santidade expresso no livro de Levítico (Am 2.7; Lv 18.7).

Os profetas tinham particular preocupação com a justiça. E nisso refletiam uma preocupação que remonta à Torá: "Não cometam injustiça num julgamento; não favoreçam os pobres, nem procurem agradar os grandes, mas julguem o seu próximo com justiça" (Lv 19.15). Os profetas conheciam profundamente as Escrituras disponíveis em seu tempo. Nesse aspecto puseram em prática aquilo que Deus orientou Josué a fazer: "Não deixe de falar as palavras deste Livro da Lei e de meditar nelas de dia e de noite, para que você cumpra fielmente tudo o que nele está escrito" (Js 1.8).

Profeta que se prezava conhecia as Escrituras.

8. Eram excelentes comunicadores

Para os profetas a tarefa de proclamarem a mensagem do Senhor era da mais alta importância. Isso possivelmente explica por que foram tão criativos na sua comunicação. Natã teve o difícil dever de repreender Davi quando este adulterou com Bate-Seba e, ainda por cima, mandou matar o marido dela. O profeta se desincumbiu dessa tarefa, contando ao rei a história fictícia de um homem rico que teria roubado e matado a única ovelha de alguém pobre (2 Sm 12.1-4). Davi pensou que a história era verdadeira e ficou indignadíssimo. Disse que tal pessoa devia morrer (2 Sm 12.5-6). Nesse momento Natã disse ao rei "Você é esse homem" e em seguida declarou a palavra condenatória do Senhor (2 Sm 12.7). Davi caiu em si e reconheceu o pecado (2 Sm 12.13). Foi essa a maneira que Natã achou para confrontar o erro do rei. Natã foi um comunicador criativo.

O jeito que Aías encontrou de dizer para Jeroboão que Deus havia decidido dividir o reino de Israel e entregar-lhe dez tribos foi rasgar a própria capa nova em doze pedaços e entregar dez a Jeroboão (l Rs 11.29-32). Pode parecer radical. Rasgar uma capa novinha em folha só para comunicar uma mensagem? O poder comunicativo da mensagem residia precisamente aí. Se fosse uma capa velha, o impacto certamente teria sido menor.

Na história do rei Acabe aparece um profeta anônimo que foi ainda mais radical no seu jeito de se comunicar. Acabe, que era rei de Israel, tinha guerreado com o rei Ben-Hadade, da Síria, e saíra vencedor. Mas, em desobediência ao Senhor, havia libertado o rei inimigo. O profeta tinha a incumbência de repreender Acabe, que era conhecido por desprezar a Deus. Como chegar até o rei e falar com ele? A solução foi disfarçar-se de soldado ferido e contar uma historinha para o rei, quando este passasse por ali. Dito e feito. Ao passar o rei, o profeta disfarçado de soldado disse que tinha sido encarregado de guardar um prisioneiro inimigo, que seria morto caso o inimigo escapasse e que assim mesmo o inimigo havia fugido. O rei disse que o soldado havia se condenado pelas próprias palavras (l Rs 20.37-40). Foi aí que o profeta tirou o disfarce, e o rei percebeu que o soldado na verdade era um profeta. O profeta pôde então anunciar a condenação determinada pelo Senhor (l Rs 20.41-42).

Jeremias adotou uma estratégia comunicativa diferente. Ele estava no Egito junto com muitos judeus. Na frente de todo mundo, pegou umas pedras grandes e enterrou-as no barro, na entrada do palácio real egípcio. O que será que as pessoas estavam pensando enquanto viam Jeremias enterrar aqueles blocos de pedra ali na entrada do palácio do faraó? Só depois de apresentar a mensagem visual é que o profeta foi explicá-la: o rei babilônico colocaria o trono sobre aquelas pedras, ou seja, ele viria, atacaria o Egito e conquistaria o país (Jr 43.8-13).

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Ezequiel deve ter sido um mestre no uso desse tipo de recurso de comunicação. Tem a história do Ezequiel "maqueteiro", onde, com um tijolo, ele faz uma maquete de Jerusalém e então coloca um exército em miniatura ao redor da cidade, assim simbolizando o cerco de Jerusalém pelo exército inimigo (Ez 4). Tem também a história do Ezequiel "mochileiro", que arruma sua bagagem como quem estava indo para o exílio e até mesmo faz um buraco na parede de casa, como se o muro da cidade tivesse sido destruído (Ez 12). Depois de cada um desses teatrinhos Ezequiel devia explicar o significado que isso tinha.

Além dessa capacidade de se comunicar oral e verbalmente, alguns profetas eram bons também para escrever. As mensagens proféticas ficaram, via de regra, registradas em forma de poesia! Tome-se o livro de Jeremias como exemplo. Os trechos que contam incidentes na vida do profeta estão em prosa (e.g., Jr 3.6-10), e as mensagens proféticas, em poesia (e.g., Jr 3.11-13). Além disso, os profetas deixaram por escrito muitas informações de natureza histórica. Os livros de Crônicas são explícitos quanto a isso. Mencionam os "registros históricos" de Samuel, de Natã e de Gade (l Cr 29.29) e também os de Aías e os de Ido (2 Cr 9.29), os de Semaías (2 Cr 12.15) e os de Isaías (2 Cr 26.22; 32.32). Foram nesses registros históricos que, mais tarde, se basearam os redatores não apenas dos livros de Crônicas, mas também os de Reis. Alguns profetas também transmitiram suas mensagens por meio de cartas. Jeremias estava em Jerusalém e precisava anunciar a mensagem do Senhor a exilados que estavam na Babilônia, a centenas de quilômetros de distância. Mas não tinha como ir até lá. O que fez? Escreveu uma carta (Jr 29.1, 4). Outro a escrever carta com anúncio da parte do Senhor foi o profeta Eliseu (2 Cr 21.12).

Como se pode ver, os profetas foram comunicadores por excelência. De forma visual, oral ou escrita transmitiram eficazmente suas mensagens. Mas houve hora em que se calaram. Foi assim com Ezequiel. Houve um tempo em que Deus quis que o seu servo não falasse nada (Ez 3.26). O profeta devia discernir o momento de se manifestar e o momento de estar quieto (Ec 3.7). Ficar em silêncio também comunicava algo.

Vale ainda frisar que não existiu um estilo profético de comunicação. Cada um tinha o seu estilo: Ezequiel, por

exemplo, algumas vezes fez uso de mensagens dramatizadas; Isaías, por sua vez, pregou com grande retórica. Cada um se comunicou ao seu jeito, mas todos procuraram fazê-lo eficazmente.

Como comunicadores, os profetas não eram showmen, não buscavam a publicidade. Devido à natureza do seu ministério eram conhecidos, embora não buscassem projeção pessoal. Ser reconhecido era conseqüência e não motivação do ministério profético.

9. Experimentaram oposição

Todos os profetas tiveram seus problemas. Alguns, no entanto, parecem ter enfrentado uma dose maior de dificuldades do que outros. Tome-se Jeremias como exemplo. A mensagem que o profeta escreveu foi censurada, sendo que o próprio rei a queimou (Jr 36.27); por apresentar mensagem da parte do Senhor, foi espancado e preso (Jr 20.2); noutra ocasião ficou preso no pátio da guarda, junto ao palácio real (Jr 32.3); também foi falsamente acusado, sendo espancado e ficando preso durante muitos dias na terra de Benjamim (Jr 37.11-16); foi então transferido para Jerusalém, mas mantido sob prisão no pátio da guarda (Jr 37.17a, 21); também foi mantido preso numa cisterna, com boa parte do corpo dentro da lama (Jr 38.6); uma vez mais foi mantido preso no pátio da guarda (Jr 38.13a); e foi levado contra sua vontade para o Egito (Jr 42.19; 43-5-6).

Jeremias, contudo, não foi o primeiro nem seria o último a enfrentar oposição ou perseguição. Micaías era odiado pelo rei (I Sm 22.8) e pelos seus "colegas" profetas. Ele chegou a ser esbofeteado por alguém que também se apresentava como profeta do Senhor. O motivo para tal agressão foi simples: Micaías havia tido a ousadia de anunciar uma mensagem diferente daquela proclamada por outros "profetas" do Senhor. Além de levar soco no queixo, Micaías ainda foi preso, tendo como comida apenas pão e água (l Rs 22.6, 11-14, 24, 27). Elias teve melhor sorte no que diz respeito à alimentação: foi perseguido, teve de se esconder, mas alimentou-se de pão e carne enviados por Deus (l Rs 17.5). O mesmo Elias foi perseguido por todos os lugares por ordem de Acabe (I Rs 18.10). Amós foi proibido de anunciar a palavra de Deus: "Vá embora, vidente! Vá profetizar em Judá; vá ganhar lá o seu pão. Não profetize mais em Betel, porque este é o santuário do rei e o templo do reino" (Am 7.12-13).

Uma forma mais sutil de oposição aos profetas foi ridicularizá-los. Israelitas e judaítas "expuseram ao ridículo os seus profetas" (2 Cr 36.16). Repare-se que nenhum profeta é mencionado especificamente. Por isso, essa atitude de zombar dos profetas parece ter sido um tanto ou quanto generalizada. É a impressão que o texto bíblico dá, pois lemos que o "SENHOR advertiu [os israelitas] várias vezes... Mas eles zombaram dos mensageiros de Deus" (2 Cr 36.15-16). Não foi um ato isolado, mas antes uma prática costumeira. Além da zombaria, existiu outra forma sutil de oposição: o desprezo. Fosse desprezar a pessoa do profeta, fosse desprezar suas palavras — houve nisso uma atitude intencional de ignorar a mensagem do próprio Deus. É isso o que diz o cronista: "desprezaram as palavras [de Deus]" (2 Cr 36.16). Zombaria e desprezo são irmãs gêmeas. Ambas revelam intolerância e oposição.

Em diferentes graus, os profetas do Senhor enfrentaram oposição. Alguns foram ignorados, outros criticados, outros ainda perseguidos. Houve aqueles que foram torturados, e alguns até foram mortos (Lc 13.34). Ninguém se iluda: ser profeta implicava experimentar oposição.

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10. Eram humanos

Às vezes percebe-se uma tendência de pintar os profetas como super-homens, esquecendo-nos de que eram humanos como todos nós somos. O fato é que experimentaram limitações como qualquer outro mortal. O fato de vários deles terem tido auxiliares mostra que não eram auto-suficientes. Elias foi ajudado por Eliseu (l Rs 19.21); Eliseu, por Geazi (2 Rs 4.12); Jeremias, por Baruque (Jr 36.17-18). Os profetas tinham suas limitações.

Mais do que isso, os profetas também experimentaram aflições. É isso que Neemias deixa entender quando fala da "aflição que veio sobre nós,... sobre os nossos profetas,... sobre todo o povo" (Ne 9.32). Ninguém escapou. Até os profetas passaram por dificuldades.

Veja-se, por exemplo, a questão financeira. De acordo com a prática em Israel, as pessoas podiam tomar empréstimo, mas, se não pagassem a dívida, o credor poderia vir e tomar os bens. É esse o contexto da história narrada em 2 Rs 4, a qual fala de um profeta que havia tomado dinheiro emprestado. Hoje se vive numa sociedade de consumo onde tudo é motivo para comprar, e, quando não se tem dinheiro, sempre há lojas ou bancos prontos para emprestar. Não era assim naquela época. Não se tomava dinheiro emprestado à toa. Muito provavelmente esse profeta passou por dificuldades que o levaram a recorrer a um empréstimo. Todavia, antes de poder saldar a dívida, faleceu. A obrigação financeira recaiu então sobre a viúva. Os filhos, que não eram crescidos, eram o bem mais precioso da mulher. Como ela não conseguiu pagar a dívida, o credor veio e exigiu que os filhos lhe fossem entregues para serem escravos (2 Rs4.1). Era uma situação de extrema penúria. Na sua bondade Deus interveio por intermédio de Eliseu. Este, ao invés de recriminar a mulher ou seu falecido marido por causa do empréstimo, agiu com bondade e encontrou uma solução para a situação angustiante em que ela se encontrava (2 Rs 4.2-7).

Além de problemas financeiros, os profetas enfrentaram todo tipo de privação, até mesmo de comida. Eles não estavam acima das dificuldades experimentadas pelas demais pessoas. Numa comunidade de profetas houve fome. Para piorar a história, houve um problema de quase intoxicação alimentar. A falta de mantimento havia levado um profeta a ir ao campo para apanhar alguma coisa que servisse de ingrediente para a refeição comunitária. Sem o saber, apanhou uma planta venenosa. A comida foi preparada e servida. Felizmente os profetas perceberam o problema a tempo (2 Rs 4.38-40). E novamente, na sua bondade, Deus interveio e supriu aquela necessidade. Deve-se, contudo, lembrar que aquele foi não um instante, mas um período de fome. Por isso, a fome continuou. É o que se depreende da história seguinte, que fala da multiplicação de vinte pães de cevada (2 Rs 4.42-44). O fato é que Deus cuidou das necessidades dos seus profetas. Caso contrário, não teriam sobrevivido para contar a história.

Na sua humanidade tiveram medo e experimentaram solidão. Samuel, por exemplo, receou contar a Eli o que Deus havia revelado (I Sm 3.15). Também lhe foi difícil obedecer à palavra do Senhor por medo de ser morto por Saul (I Sm 16.2). Elias, por sua vez, teve medo de ser morto por Jezabel e fugiu (l Rs 19.3). Parece que o medo gerou depressão, e esta, por sua vez, foi tão grande que Elias pediu para morrer (l Rs 19-4). E, por estar fugindo sozinho, isso o levou a experimentar outro sentimento típico do ser humano: a solidão. Deve ter sido uma sensação muito forte de solidão, pois duas vezes na mesma ocasião ele diz: "sou o único que sobrou" (1 Rs 19.10, 14).

Apesar do chamado divino, os profetas eram pessoas comuns. Por isso cometeram erros como todos os demais. O erro de Samuel foi precipitar-se e concluir que Eliabe, por sua aparência, era o escolhido para substituir Saul (I Sm 16.6-7). Natã enganou-se quando disse ao rei Davi que Deus o apoiava em seu desejo de construir um templo (2 Sm 7.2-3), mas, advertido por Deus, corrigiu sua informação no dia seguinte, esclarecendo que seria o filho que reinaria em seu lugar quem iria construir um templo para Deus (2 Sm 7.12-13).

Quanto à vida familiar dos profetas, alguns profetas tiveram suas dores de cabeça. Oséias sofreu com a infidelidade da esposa (Os 1.2-2.4); os filhos de Samuel foram gananciosos, aceitavam propina e atrapalhavam a justiça (I Sm 8.2-3); Ezequiel perdeu a mulher por um aparente capricho de Deus (24.15-18).

Que mais se pode dizer da condição humana dos profetas? Bem, experimentaram contrariedades (Samuel não queria que os israelitas tivessem rei, I Sm 8.6), sentiram-se constrangidos (Eliseu sentiu-se assim quando os discípulos dos profetas insistiram em procurar o corpo de Elias, que havia sido arrebatado aos céus, 2 Rs 2.15-18), ficaram tristes (Samuel se entristeceu por causa de Saul, I Sm 16.1), foram tomados de indignação (Eliseu ficou irado com a desobediência do rei de Israel, 2 Rs 13.19), foram irônicos (Elias zombou dos profetas de Baal, l Rs 18.27), foram incompreendidos (a viúva de Sarepta achou que seu filho morrera por causa do profeta Elias, l Rs 17.12-18), pressentiram a morte se aproximar (Samuel reconheceu que a vida estava chegando ao fim, I Sm 12.2).

Justamente por serem humanos, viviam em dependência de Deus. Alguns exemplos serão suficientes: Elias, quando perseguido por Acabe, foi alimentado por corvos enviados por Deus (l Rs 17.2-6); Elias foi sustentado por um anjo de Deus (l Rs 19.5-8); Jeremias foi escondido pelo Senhor (Jr 36.26); Habacuque esperou pela resposta do Senhor (Hc 2.1).

Em último lugar, mas não menos importante, é preciso lembrar de uma outra característica humana, a qual, às vezes, as pessoas preferem não enxergar. Os profetas não eram superiores a seus semelhantes. Não eram melhores. Eram tão frágeis quanto os demais. Ou, usando o jargão bíblico, eram pecadores. Sim, eles cometiam aqueles erros mais sérios, daquele tipo que as Escrituras chamam de pecado. Veja-se o caso daquele homem de

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Deus que profetizou contra o rei Jeroboão I e cuja profecia imediatamente se cumpriu (l Rs 13.1-31). Pois bem, ele foi claramente instruído por Deus a voltar imediatamente à sua terra. Num primeiro momento obedeceu. Recusou o convite do rei e não se deteve (I Rs 13.8-10). Mas fraquejou e desobedeceu, quando alguém enganou o homem de Deus, dizendo que Deus lhe havia dado instrução diferente (I Sm 13.18). O homem de Deus pecou por desobedecer à orientação que Deus havia lhe dado.

11. Eram pessoas do seu tempo

Os profetas conheciam a época em que viviam. Só assim conseguiram exercer sua função de criticar o erro existente nas variadas dimensões da vida: criticaram o comportamento político (ex. Jr 22.3-4), religioso (ex. l Rs 14.7-9; Ml 1.6-8), militar (ex. l Rs 19.13-34, 42), econômico (ex. Mq 6.11; Hc 2.9), pessoal (ex. 2 Sm 11.1-12.7; Zc 7.9). Com isso tomavam posição, participavam ativamente da vida nacional. Pode-se afirmar com toda certeza que não eram omissos. Tome-se como exemplo a disputa pela sucessão de Davi. O texto bíblico diz que, quando o rei já estava perto do fim da vida e seu filho Adonias havia se proclamado rei, Natã se opôs a Adonias e apoiou Salomão (1 Rs 1.8), chegando a fazer articulações junto com Bate-Seba para levar Davi a assumir publicamente que queria Salomão no trono (1 Rs 1.11-31).

Amós não teve papas na língua. Mas, para poder manifestar-se contra a situação injusta que prevalecia em Israel, precisou conhecer a realidade social e econômica do seu país. E Amós até mesmo percebe a relação existente entre a violência e a exploração econômica. O profeta condena a vida opulenta que a liderança de Israel levava (Am 6.4-7), enquanto o povo vivia em penúria (Am 6.6). Amós enxergou o problema porque conhecia a sociedade em que vivia. Outro que percebeu a injustiça de seu tempo foi Miquéias, que condenou energicamente a desonestidade, a violência e a falsidade que prevaleciam (Mq 6.12-14)

Por conhecerem seu tempo, profetas como Natã, Gade e Isaías atuaram na corte do rei, servindo de conselheiros quando solicitados e mesmo quando não solicitados (2 Sm 12.1-7; l Rs 1.24-27; I Sm 22.5; 2 Sm 24.11-13, 18; 2 Rs 19).

Conclusão

Por fim, o que vamos fazer com todas estas informações que acabamos de examinar? Algumas lições cabem aqui. Seis palavras, todas iniciadas com a letra c, resumem o que vimos a respeito dos profetas do Senhor: chamado, comunhão, caráter, crise, comunicação e conhecimento.

Chamado: todos os profetas tiveram um chamado claro. Hoje, na Igreja de Jesus, também deve ser assim. O líder que não foi chamado é um líder falso. Só deve se apresentar para liderar o povo de Deus quem recebeu um chamado divino. O chamado é fundamental.

Comunhão: os profetas relacionavam-se com Deus. Conheciam as Escrituras e oravam. Não era um conhecimento superficial, pois procuravam encarnar aquilo que conheciam. Sem dúvida, isso foi primordial no ministério deles, tivessem ou não o reconhecimento público, tivessem ou não sido bem sucedidos de acordo com os padrões da época. E, porque tinham comunhão com Deus, buscavam comunhão também com o povo de Deus. No que diz respeito à comunhão, os profetas do passado podem servir de modelo para os líderes de hoje: devem orar e precisam mais do que conhecer a Palavra de Deus. Precisam vivê-la no dia a dia. Só assim haverá comunhão com Deus e com o próximo.

Caráter, os profetas foram homens e mulheres de caráter. O temor a Deus, a integridade pessoal e o respeito ao próximo caracterizaram as vidas dos profetas. Isso os distinguiu dos falsos profetas. Revelavam atitude correta frente a variadas questões. Por isso eram obedientes à direção divina, tinham uma postura adequada frente aos bens materiais, eram amorosos no trato de outras pessoas, procuravam servir ao próximo, tinham compaixão do sofrimento dos outros e eram persistentes. Liderança de verdade requeria e ainda requer essas qualidades.

Crise: os profetas experimentaram crises. Esses momentos difíceis de suas vidas foram fruto tanto da sua humanidade quanto de oposição externa. É verdade que não podemos generalizar. Possivelmente nem todos os profetas passaram por necessidades materiais, nem todos experimentaram violência física, nem todos enfrentaram problemas familiares, nem todos tiveram dúvidas, nem todos foram ridicularizados. Mas o fato é que, entre os profetas, ter problemas era a regra e não a exceção, se é que houve alguma exceção. Hoje, como no passado, o líder precisa ter os pés no chão: deve reconhecer suas limitações e humanidade e aceitar a existência de oposição. Ele pode estar de certo que aparecerão dificuldades de todo tipo.

Comunicação: os profetas foram competentes ao comunicarem às pessoas a mensagem divina. Era fundamental transmitirem a mensagem, por isso usaram e abusaram da criatividade comunicativa. Por outro lado foram fiéis à mensagem recebida da parte de Deus. Os líderes de nosso tempo têm de ser criativos, encontrando

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métodos adequados de comunicar a Palavra de Deus, e ao mesmo tempo permanecer firmes nos ensinamentos bíblicos.

Conhecimento: os profetas conheciam os tempos em que viviam. Por isso, podiam discernir a exata vontade de Deus para sua época e, em seguida, anunciá-la. Os homens e as mulheres que Deus tem chamado a estarem à frente da sua Igreja também necessitam desse conhecimento. O líder não pode estar alienado. "Para aplicar adequadamente a mensagem bíblica para a vida do povo de Deus, é preciso conhecer mais do que apenas a Palavra, é preciso conhecer também os tempos em que vivemos.

IV. O MINISTÉRIO DE JESUS COMO MODELO DE LIDERANÇA

PARA OS NOSSOS DIAS5

Introdução

Jesus viveu e desenvolveu o seu ministério em um tempo e um lugar marcados por diferentes expressões de liderança. Em termos políticos, os romanos – que haviam tomado a Palestina no ano 64 a.C, tornando-a colônia –exerciam um tipo de liderança centrada no poder absoluto da figura do imperador, que era considerado um ser divino, recebendo por isso o título de "Augusto". Da cidade de Roma, onde vivia, o imperador nomeou como rei da Palestina, um judeu, Herodes, o qual, mais tarde, dividiu seu governo entre seus três filhos, também chamados por este nome. Jesus nasceu e viveu durante a dinastia herodiana. Estes governantes faziam uso da força e da intimidação, usando como principal ameaça a sentença de morte de cruz aos que ousavam se opor àquela dominação estrangeira na Terra Santa. Em contrapartida, a eles se apresentava a liderança exercida por zelotes e sicários, que formavam movimentos reacionários com o propósito de libertar a Palestina do controle romano, utilizando para isto a mobilização coletiva, o treinamento de grupos armados e a promoção de constantes rebeliões e combates.

Em termos mais propriamente religiosos, destacavam-se naqueles dias os fariseus e os saduceus. Os fariseus formavam um grupo religioso extremamente conservador, que pregava o isolamento de qualquer pessoa que não fosse fiel à Lei mosaica e às tradições. Eram, portanto, extremamente legalistas, considerando-se os "santos", os separados, o remanescente fiel de Israel. Baseavam seus ensinos no dualismo da recompensa e do castigo: Deus amava e recompensava os que cumpriam a lei, mas detestava e castigava os que não a cumpriam. Isto também servia para legitimar a "prosperidade" que ostentavam. O grupo dos saduceus também se caracterizava pela preservação das mais antigas tradições judaicas e, principalmente, pela colaboração que prestavam ao Império Romano, procurando manter o status quo em troca de cargos e favores concedidos pelos romanos. Apoiados na concepção de que não haveria vida após a morte, procuravam obter toda a felicidade possível aqui neste mundo. Também eram, na ocasião, responsáveis pela organização e administração das atividades religiosas do templo em Jerusalém, constituindo-se na classe sacerdotal dominante.

Outras expressões de liderança religiosa se apresentavam através de pregadores carismáticos autônomos. Valendo-se da forte expectativa mantida pelos judeus quanto à chegada de um messias libertador, muitos se apresentavam ao povo como sendo o respectivo líder escolhido para esta missão. Surgiam quase sempre na Galiléia e conseguiam atrair normalmente considerável número de seguidores e cumpriam um roteiro mais ou menos comum: acompanhados de uma pequena multidão, se dirigiam para a cidade de Jerusalém com o propósito de tomar o poder lá estabelecido e instaurar um governo divino de paz e de justiça com supremacia de Israel sobre os demais povos. O destino destes messias também era quase sempre o mesmo: serem presos pelos romanos e executados pelo ato de crucificação, deixando assim órfãos e frustrados os seus seguidores. Episódios desta natureza ocorriam com grande freqüência na Palestina daqueles dias.

Mas, de todos estes movimentos, nenhum outro chamou especial atenção de Jesus como o que fora liderado por João Batista. O próprio Cristo chegou a afirmar que "entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista" (Mt 11.11). O movimento de João, muito provavelmente, teve a sua origem junto à comunidade dos

5 Wander de Lara Proença. IN: KOHL, Manfred Waldemar; BARRO, Antonio Carlos (org.). Liderança cristã

transformadora. Londrina: Descoberta, 2006. p.11-40.

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essênios, os quais formavam um movimento religioso no deserto do Mar Morto, onde mantinham, inclusive, uma escola para a formação de novos profetas. Pais costumavam levar seus filhos ainda crianças ou adolescentes para serem educados pelos mestres daquela escola, sendo que, os que demonstravam vocação religiosa, após longo período de estudos e preparação, passavam a exercer a função de profetas, como certamente ocorrera com João. A liderança exercida por este profeta teve algumas características marcantes: forte apelo ao arrependimento e à conversão; proposta de partilha e ajuda mútua (os essênios doavam todos os seus bens à comunidade e tinham tudo em comum); denúncia profética das injustiças, o que levou até às últimas conseqüências, como a perda da própria vida.

Nesse contexto e ambiente, o ministério de Jesus se desenvolveu com singularidade e estilo próprio, vindo a se constituir em modelo de uma liderança verdadeiramente transformadora e, por isso, parâmetro para a ação da igreja em nossos dias. Passaremos a descrever e analisar, a seguir, alguns destes fundamentais aspectos.

1. Liderança exercida com legitimidade e ética

Jesus, ao cumprir o seu ministério, não buscou o credenciamento ou autorização oficial disponibilizada pelo templo religioso de Jerusalém. Não que o templo, em si mesmo, representasse algo proibido ou pecaminoso — até porque era considerado "casa de oração" – mas, sim, pelo fato do mesmo ter-se tornado naqueles dias lugar que concentrava um poder comprometido com interesses corrompidos e alheios à vontade de Deus. O templo de Jerusalém, segundo pesquisas históricas, empregava cerca de vinte mil funcionários, por constituir-se num centro religioso, administrativo, educacional e jurídico, estendendo suas funções administrativas por toda a Palestina e fora dela através das muitas sinagogas construídas para agregar judeus dispersos em diferentes lugares do mundo antigo.

Entretanto, o próprio Jesus disse que viera para cumprir toda a Lei e, por isso mesmo, não quis exercer um ministério sem a legitimidade legal para atuação pública. Por esta razão esperou até aos trinta anos para iniciar o seu ministério, uma vez que esta era a idade mínima prevista na Lei mosaica para o desempenho de atividades sagradas sacerdotais ou proféticas. Cumprindo este preceito, buscou o devido credenciamento ministerial no batismo de João, o qual, por sua vez, estava filiado à comunidade dos essênios. Há, inclusive, especulações históricas de que em seu período de vida terrena, entre os 12 e 30 anos, o próprio Jesus também tenha convivido por algum tempo com aquela comunidade do deserto. Ao ser batizado por João, portanto, recebeu por esse rito a credencial de legitimidade para o exercício de um ministério profético e sacerdotal, o que lhe assegurou até mesmo o reconhecimento dos mais exigentes líderes do templo de Jerusalém (Mt 21.23,27). Assim, percebe-se que o próprio Cristo se preocupou em seguir os trâmites legais do exercício da vocação, não usurpando nada que não lhe tenha sido conferido por direito.

É importante notar que Jesus não quis se filiar a nenhum dos partidos religiosos atuantes no templo, como o dos fariseus e saduceus, por entender que isto se tornaria um obstáculo para o exercício de um ministério profético, pois muito provavelmente teria de se calar diante de abusos de poder, de interesses escusos e egoístas que inviabilizavam a mensagem do Reino de Deus, uma vez que aquelas estruturas religiosas haviam se tornado como que "odres velhos" que não conseguiam abrigar "o vinho novo" do evangelho por Ele anunciado. Desta forma, portanto, revestido pelo poder do Espírito Santo, teve liberdade de escolher lugares para exercer um ministério que lhe permitisse se aproximar de pessoas que eram excluídas da sociedade e mal vistas pela religião da época.

A presença permanente do Espírito em Jesus é o verdadeiro começo do reino de Deus e da nova criação na história. Por isso Jesus expulsa demônios nesse poder, cura doentes e restabelece a criação destruída. Essa presença do Espírito é a autoridade de sua pregação e liderança.

2. Liderança que supera o dualismo do sagrado e do profano

Jesus, no exercício de sua liderança, literalmente pisou em terreno proibido. Ao contrário dos líderes religiosos do templo ignorou as distinções entre sagrado e profano, indo viver e atuar em lugares considerados impróprios para um líder religioso de seus dias. Foi assim, por exemplo, em relação a Galiléia, lugar onde não apenas viveu, como também dedicou 90% do seu tempo de ministério público. Após jejuar por quarenta dias no deserto, sob o poder e a autoridade do Espírito Santo, Jesus se dirigiu para aquela região a fim de exercer de forma pública a sua liderança (Mc 1.14-15; Mt 4.12). A Galiléia se caracterizava como lugar de pobreza, de miséria, possuindo grande concentração de não judeus, sendo por isso considerada pela religião judaica como lugar de maldição. Lá também existia um grande número de analfabetos, sendo por isso tidos como ignorantes da Lei e, logo, também, amaldiçoados (Jo 7.50-52). Por tais razões, a religião do templo considerava aquele lugar como sendo "região da sombra da morte".

Jesus, entretanto, já no início de seu ministério na Galiléia, faz uma paráfrase do texto de Isaías e declara: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano

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aceitável do Senhor" (Lc 4.18). A essas pessoas Jesus leva a mensagem de um novo tempo, o tempo do perdão e da reconciliação com Deus. E, mais, ao assim proceder restitui tais pessoas ao convívio normal da sociedade, na qual passariam a agir também, difundindo o Reino de Deus. Por isso o autor bíblico registra que "resplandeceu luz ao povo que jazia em trevas... e vida àqueles que viviam na região e sombra da morte" (Lc 4.16).

Também não foi diferente a atitude de Jesus em relação a outros lugares. Visitou a terra dos gerasenos, por exemplo, lugar considerado impuro pelos judeus por lá existir uma economia centralizada na criação de porcos (Mc 5). Esteve ainda em Samaria, lugar considerado impuro pelo fato de concentrar uma população racialmente miscigenada, devido ao casamento de judeus com outros povos, desde que o reino do Norte de Israel, em séculos anteriores, sofrerá uma invasão por povos estrangeiros. Naqueles dias, todo judeu piedoso, em viagem, preferia percorrer uma dezena de quilômetros a mais, para evitar a passagem por aquela região. Entretanto, em Samaria Jesus transformou a vida de uma mulher (Jo 4) fazendo dela uma missionária no meio do seu povo. Também destacou um samaritano como exemplo de amor ao próximo e cumpridor da Lei (Lc 10). Outro episódio igualmente importante se deu no Monte Tabor, considerado impuro pelos religiosos pelo fato de lá ainda existirem reminiscências de cultos cananeus, tidos como profanos. No entanto, Jesus, ao experimentar a glória da visitação divina, na transfiguração, fez questão que isto ocorresse naquela montanha, provavelmente para significar que a presença e a difusão do reino de Deus devem perpassar todos os lugares, indistintamente.

Paulo, apóstolo, seguindo também o exemplo de Jesus, quando desenvolveu o seu ministério na cidade de Corinto, foi viver nas regiões do porto de Cencréia, onde se concentravam inúmeros trabalhadores escravos e comerciantes estrangeiros em passagem pela cidade. Lá, o apóstolo também trabalhou como comerciante artesão, vendedor de tendas, tendo nisto uma estratégia para contato direto com aquela população. Como resultado deste plano, nasceu naquele lugar uma importante igreja que passou a atrair freqüentadores de diferentes nacionalidades, lugar este no qual o dom da glossolalia (capacidade de falar em outras línguas) se tornou estratégico, pois permitiu que muitos estrangeiros ouvissem o evangelho em sua própria língua (como já havia acontecido no pentecostes de Jerusalém) e se convertessem, tornando-se a partir dali também difusores do evangelho em seus respectivos países de origem.

3. Liderança que promove transformação social

Jesus, no exercício de sua liderança, tornou-se uma pessoa do povo, vivendo no meio deste. Não fez acepção de pessoas. Conviveu com pobres, doentes, analfabetos, pecadores, gentios, publicanos, prostitutas e escravos. O seu ministério teve como meta devolver a dignidade e o convívio em sociedade daqueles que eram socialmente desclassificados. Chamou dentre eles, inclusive, os que se tornaram seus discípulos mais próximos. Daí ter sido duramente criticado pelos religiosos da época, pois uma das acusações que lhe fizeram, por ocasião do seu julgamento, foi a de "viver com pecadores".

Como já afirmamos, o sistema religioso judaico, centralizado no templo, estava profundamente corrompido naqueles dias e usava o critério da pureza racial ou cerimonial para aceitar o indivíduo em sua membresia. Enquadravam-se no critério de impureza todas as pessoas que exercessem profissões que lhes exigissem trabalho no sábado (pastor de ovelhas, por exemplo); ou ter contato com sangue (açougueiros); e também os que possuíssem determinadas doenças, como por exemplo a cegueira (João 9), que era tida como maldição divina. A condição financeira da pessoa também acabava determinando sua "pureza" diante de Deus. Geralmente uma pessoa pobre, que desejasse se arrepender dos seus pecados, teria sérias dificuldades para obter o perdão divino, ou mesmo para se manter pura, uma vez que não teria condições financeiras para pagar os sacrifícios e holocaustos expiatórios, ou ainda as taxas de tributação cobradas pelo templo para manter as elites sacerdotais e funcionários que nele trabalhavam. Por isso, os ricos consumiam quase que de forma exclusiva os benefícios da religião, tais como o perdão e a garantia da "bênção" de Deus, que geralmente eram medidos pela "prosperidade" econômico-social obtida.

A liderança de Jesus, portanto, ocorre de maneira transformadora pelo fato de se dirigir ao oprimido, aqui entendido não apenas como um indivíduo isoladamente na miséria, que necessita de justiça, mas sim, um indivíduo que é historicamente miserável enquanto desclassificado. Assim, enquanto vai a este excluído, Jesus está também superando as barreiras de classe que faziam dele um leproso, pecador ou endemoninhado, não só um miserável individual, mas um desclassificado social. Esta transformação se concretiza, então, à medida que desemboca em uma nova forma de convivência humana na qual, em princípio, são abolidas as diferenças sociais. Sua atitude é solidária e seus gestos libertadores, alcançando os pobres, carentes e humilhados, e as diversas categorias de aflitos e marginalizados da sociedade de seu tempo. Dirige-se a estes a sua missão pública. Ele vive, age e fala ao lado destas pessoas e a favor delas, enfrentando o escândalo daí decorrente. Isto não significa que Jesus exclua de sua missão os ricos e os sábios de seu mundo. Procura chegar a eles, contudo, partindo dos pobres, como testemunha do Deus que liberta os oprimidos e se revela ao simples.

Para a comunidade que se formou mais tarde, após a morte e a ressurreição de Jesus, a própria vida de Jesus se constituiu em referência de esperança, pois viveu seqüencialmente diferentes realidades para a obtenção e o

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exercício de sua liderança: Ele é o Senhor que se tornou escravo, e o escravo que se tornou novamente Senhor dos senhores; é o réu condenado e executado que passou a ser juiz divino; é o bode ou cordeiro expiatório que assumiu a condição de sumo-sacerdote. Isto abriu caminho para que o cristão também pudesse participar agora dessa nova realidade em Cristo. A ligação a Cristo criou possibilidades de ascensão mesmo para o menor dos menores, pois nEle foram abolidas as diferenças, não havendo mais distinção entre judeus e gregos, entre escravos e libertos (Gl 3.28). Esta mobilidade social fez com que membros da comunidade cristã criassem uma identidade de resistência, cujo encorajamento impulsionou para a esperança de que era possível reverter os processos históricos de opressão e dominação, substituindo-os por uma realidade construtora de justiça e de liberdade.

4. Liderança que valoriza o treinamento e o preparo de outros líderes

Jesus não atuou sozinho e nem quis exercer liderança isoladamente. Por isso, chamou discípulos, dividindo com eles a tarefa de propagar o reino de Deus. Nesse sentido, vale destacar a sua estratégia de constituir também uma escola para a formação teológica e ministerial dos seus discípulos, seus primeiros pastores e missionários. Quis Ele mesmo exercer o papel de educador e mestre de doze alunos, por aproximadamente três anos, tendo a preocupação de bem treiná-los antes que fossem enviados ao campo. Ali aprenderam a desenvolver uma espiritualidade cristocêntrica e solidária; a elaborar uma teologia prática voltada para o contexto em que viviam, tendo como fundamento a Palavra que lhes era transmitida no dia-a-dia; e a conhecer a importância e necessidade premente de um ministério desenvolvido sob o poder e a capacitação do Espírito Santo (Lc 4.16-21).

Seguindo este mesmo propósito, vale de igual modo destacar a experiência de Paulo, que se tornou apóstolo mesmo sem pertencer ao grupo dos doze. Ainda assim, passou também por um período de treinamento e preparo. Logo após a sua conversão, percebendo os grandes desafios ministeriais que teria pela frente, dirigiu-se para o deserto da Arábia (Gl 1.17,18), onde permaneceu por três anos revendo toda sua formação judaica e desenvolvendo sua teologia à luz da nova revelação que se deu em Jesus Cristo. Pesquisadores há que afirmam ter existido nestas regiões da Arábia comunidades cristãs de origem essênica, no interior das quais teria também sido organizada uma escola de preparação teológica e ministerial. Convertidos à fé cristã, os essênios teriam então redefinido sua mensagem, conservando, porém, o princípio de treinamento de novos líderes para servirem ao Reino de Deus que já era chegado a partir do advento de Jesus Cristo.

Mais tarde, já constituído e reconhecido como apóstolo, ao fixar residência na cidade de Éfeso, Paulo fez daquela cidade um centro de treinamento de missionários para abertura de novas igrejas em diferentes regiões do mundo antigo. Para isto, criou uma escola teológica de treinamento de pastores e missionários, utilizando-se para isto um antigo espaço ocupado pela filosofia, a "escola de Tirano" (At 19.9,10). Ali certamente, dentre outros, estudaram e se formaram importantes líderes como Timóteo, Tito, Epafras. Após a morte de Paulo, aquela escola continuou desempenhando importante papel na formação de obreiros que dariam continuidade à visão ministerial daquele apóstolo bem como na preservação de seus escritos. Aliás, deve-se a esta escola o mérito de ter constituído o primeiro "cânone" do Novo Testamento, chamado de "corpus paulinum", que reuniu as cartas do apóstolo além de outras produções teológicas por ele elaboradas durante o seu ministério. Em Éfeso, portanto, este centro de treinamento desempenhou importante papel na formação de inúmeros líderes que mantiveram a visão teológica que ajudou a melhor definir a identidade da igreja em sua tarefa missionária junto aos povos considerados gentílicos.

5. Liderança que proporciona à mulher oportunidade de liderança ministerial

Na cultura religiosa da Palestina, nos dias de Jesus, a mulher não podia participar livremente da religião judaica. Esta distinção podia ser observada, por exemplo, durante as cerimônias religiosas, nas quais havia espaços próprios para a sua restrita participação, sendo obrigada, inclusive, a permanecer em silencio durante o evento. Tais restrições impostas à mulher acabavam gerando alguns comportamentos no mínimo curiosos: estudos mostram que todo judeu piedoso costumava repetir três vezes ao dia a oração "graças te dou, oh Deus, por que não nasci samaritano, nem escravo e nem mulher".

Durante a realização do ministério de Jesus, entretanto, mulheres passaram a segui-lo e a servi-lo, como atestam os relatos dos evangelhos (Mt 27.55-56). Um antigo manuscrito, que se constatou ser um evangelho escrito pelo apóstolo Tome, foi encontrado por arqueólogos no Egito, em 1945, o qual não apenas registra referências da valorização dada por Jesus à mulher, como também destaca a participação de liderança feminina no movimento comandado pelo Filho de Deus. Esta participação ativa pode ser observada nos evangelhos, de forma explícita ou não: Jesus valorizou a mulher viúva no momento do ofertório (Mc 12.41-44); beneficiou-as com milagres e curas (Mt 9.19-22, 15.21-28); citou-as em seus ensinos (Mt 13.33; 25.1-13); delas recebeu presentes (Mt 26.6-13); no momento em que celebrou a última páscoa, no cenáculo, lá certamente estavam as mulheres não apenas servindo na preparação dos elementos, mas também desfrutando daquele momento de comunhão; o primeiro anúncio que se fez da ressurreição acontecida, foi confiado a uma mulher, Maria Madalena, essa nobre tarefa; também quando ocorreu o envio do Espírito Santo em pentecostes, mulheres estavam lá presentes, em oração.

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Cabe observar que quando nasceram inúmeras comunidades cristãs pelo trabalho apostólico, mulheres também participaram ativamente do estabelecimento daquela tarefa, constituindo-se também em membros da liderança que se formava. São exemplos disto: Febe, diaconisa e líder da igreja existente no porto de Cencréia, na cidade de Corinto; Priscila, que juntamente com seu marido, Áquila, realizou importante trabalho missionário em Roma e, depois, em Corinto como colaboradores de Paulo (há, inclusive, hipóteses de ter participado da redação da carta aos Hebreus); Maria, mãe de Jesus que, segundo tradições da igreja antiga, teve um importante papel de liderança nas igrejas da Ásia Menor, desempenhando funções de pregadora e missionária em toda aquela região, especialmente na cidade de Éfeso, onde também morou até o final da sua vida junto à família de João apóstolo. Nessa cidade, inclusive, teve participação no trabalho de treinamento e preparo de novos missionários que estudavam na escola teológica fundada por Paulo, como observado anteriormente.

Como marcas desta presença e atuação, após sua morte, escritos acabaram sendo produzidos por líderes daquela escola, nos quais foram preservadas informações importantes de sua vida ministerial e testemunho cristão.

6. Liderança que transforma a relação entre ser humano e natureza

Nos dias de Jesus, uma das correntes filosóficas muito influente era a do gnosticismo, segundo a qual o pecado residia na matéria. E para que o ser humano pudesse alcançar a salvação ou obter a verdadeira felicidade, acreditava-se ser necessário libertar-se dos elementos materiais. Esse conceito contribuiu diretamente para que a natureza passasse a ser vista como algo negativo ou ruim. Com isso, muitos movimentos religiosos da época chegaram a anunciar o fim da criação, mediante uma destruição pelo fogo, para que o pecado pudesse ser definitivamente banido.

Outras concepções helênicas sobre o "cosmos" eram apresentadas pelas chamadas religiões de mistério, segundo as quais os ser humano era visto como submetido e dominado por forças ou potências do universo. Esses poderes espirituais do cosmos exerciam controle sobre o mundo dos homens, regendo o destino das pessoas. Nesse contexto, pessoas se sentiam solitárias e presas ao mundo, acossadas e assustadas pelo mesmo, perdidas e indefesas ante uma regência que lhes fugia ao controle. Por isso mesmo, muitas se refugiavam na astrologia, no misticismo e na magia.

Outra corrente bastante difundida era a de que o ser humano deveria dominar e subjugar a natureza, como se a ela não pertencesse. Este conceito fazia parte da antiga tradição hebraica, baseada numa interpretação do texto bíblico do Gênesis 2.28 que diz: "(...) enchei a terra e sujeitai-a; dominai (...)". A partir da leitura desta passagem, colocou-se o ser humano na condição de alguém superior à natureza e não pertencente a ela, dando-lhe por isso o direito de explorá-la para os seus interesses pessoais e egoístas.

Entretanto, ao vir ao mundo Jesus inverteu estes valores de relacionamento do ser humano com a natureza. Sua liderança transformadora em favor da criação já teve início quando quis assumir plenamente a matéria ao se fazer corpo pelo ato da encarnação. Com esse gesto mostrou que não veio libertar o ser humano da matéria, mas veio libertar a própria matéria. Dessa forma, a natureza também passou a fazer parte da sua obra salvífica. Isto pode ser observado na participação interativa da natureza no desenvolvimento da sua vida e ministério em várias situações e momentos: ela esteve presente no seu batismo ministerial, representada pela água do Rio Jordão; nele se plenificou o poder do Espírito advindo em forma de pomba; nos momentos de oração no deserto, nas horas de contemplação nas madrugadas, ou na transfiguração sobre o monte, a criação se lhe torna presença materializada de Deus; na companhia amparadora e testemunhai do Getsêmani no momento mais agonizante da sua vida, a natureza oferece-lhe abrigo e tabernáculo da visitação divina; o mesmo pode-se dizer quando uma árvore é solidariamente com Ele sacrificada para acompanhá-lo no violento ato de execução do Calvário, sendo ali também encharcada pelo sangue reconciliador; ou ainda quando ressuscitou ao terceiro dia, demonstrando que a criação com ele morreu para que com ele também pudesse ser transfigurada pelo ato da ressurreição; e é também no topo de uma montanha, antes de ascender aos céus, que encarrega os seus discípulos de darem continuidade à obra que iniciara.

Portanto, para proporcionar salvação, Cristo foi enviado ao mundo pelo Pai, identificando-se com a condição humana, tornando-se também sujeito ao tempo e ao cosmos. Ao consumar a sua obra, desfez de forma plena a temeridade quanto aos rudimentos do cosmos (Gl 4.3).

7. Liderança que valoriza o serviço ao invés do senhorio

O texto de Filipenses 2.6 afirma que, ao se encarnar, Jesus "não se apegou à sua igualdade com Deus" e que "não julgou como usurpação o ser igual a Deus". Cristo, que traz em si a imagem perfeita de Deus (2 Co 4.4), renunciou ao que normalmente deveria decorrer deste fato, a fim de aparecer sob os traços de um homem como todos os outros. Para assumir totalmente a forma humana, o Filho teve de controlar – sem que houvesse aniquilamento – todas as suas qualidades divinas (onipotência, onisciência e onipresença) para participar da

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experiência de ser limitado no tempo, no espaço, no conhecimento e na consciência, coisas estas essenciais à verdadeira vida humana, ou seja, a natureza divina estava em Jesus, mas a mesma não se manifestou no cumprimento do seu ministério terreno. Seu esvaziamento, portanto, consiste no fato de ter deixado de lado a glória, no retraimento voluntário do poder, aceitando dificuldades, o isolamento, os maus tratos, a agonia e, finalmente, a morte, que é o destino de todo ser humano.

Ainda no texto de Filipenses 2.7 se lê que Cristo assumiu a "forma de servo", essa expressão se refere à encarnação de Cristo, à radical troca de posição feita por Ele: deixar de ser senhor para se tornar servo (ou escravo). É uma mudança antagônica quanto à sua maneira de existir, identificando-se plenamente com a condição das pessoas mais miseráveis que compunham a sociedade da época. Os escravos eram aqueles que pertenciam a outros, não possuindo liberdade pessoal ou autonomia, estando sujeitos à vontade do senhor que os dominava. Na cena da lavagem dos pés dos discípulos, relatada pelo evangelho (Jo 13ss.), Jesus ilustrou bem a sua atitude ao realizar o serviço reservado ao último escalão da hierarquia social judaica - o escravo pagão. Neste gesto, identifica-se com o escravo pagão e, por extensão, com os desqualificados de todos os tempos.

Vale destacar que Jesus mesmo – que normalmente rejeitou os títulos honoríficos que lhes eram atribuídos – se auto-intitulou como servo: "o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10.45). E fez questão de exortar a seus discípulos: "quem quiser ser o primeiro entre vós, seja escravo de todos" (Mc 10.44). Assim, a liderança por Ele demonstrada dignifica o serviço prestado em benefício dos outros.

Cabe ainda considerar que há uma conexão entre escravidão e cruz na pessoa de Jesus. A crucificação era chamada dentro do Império Romano de servile supplicium, ou seja, o suplício infligido ao escravo; era o castigo reservado aos associais, aos que incomodavam o império, aos criminosos e gente de classe baixa. A crucificação foi o preço pago por Jesus ao assumir a função de escravo, de servidor da coletividade. Assim, ao tomar Ele a condição de escravo, entrou em completa solidariedade com a humanidade submetida ao pecado, à Lei e à morte.

Finalizando este item, é importante ainda ressaltar o fato de que o maior líder que a história já conheceu, e que maiores transformações promoveu, não tenha possuído nenhum bem material, fato que pode ser observado em alguns momentos marcantes da sua vida: ao nascer, a manjedoura que lhe serviu de berço foi emprestada; ao entrar em Jerusalém para cumprir o ato final de sua missão, utilizou-se como meio de transporte de um jumentinho emprestado; na última ceia realizada com seus discípulos, em que anunciou o estabelecimento de uma nova aliança, o cenáculo utilizado também era emprestado; no momento em que foi levado à morte, a própria cruz também não lhe pertencia, pois era de Barrabás e, por extensão, de toda a humanidade...; para ser sepultado, o túmulo também teve de ser emprestado junto a José de Arimatéia; na verdade, a própria vida terrena não lhe pertencera, pertencia ao Pai, o qual, por um ato de amor, doou-a como presente a toda a criação que necessitava ser redimida. Toda a sua vida, portanto, foi um serviço ao próximo e à criação.

8. Liderança que valoriza a cruz ao invés de coroa

Na época em que Jesus viveu e atuou, os gregos acreditavam que os deuses por eles adorados não estavam separados dos homens por uma fronteira bem definida. Segundo as mitologias, homens importantes podiam ser promovidos da condição humana à divina, sendo colocados como líderes na comunhão divina. Envolvidos por este ambiente, imperadores romanos passaram então a buscar a própria veneração. Recebiam como um dos títulos Deus et Dominus (Deus e Senhor), recebendo, por isso, a designação de "Augusto" (divino). Além do que, acreditava-se serem também responsáveis por mediar ao povo as bênçãos dos deuses existentes.

Neste contexto em que homens desejavam ser deuses, Jesus sendo Deus quis ser homem e, com este gesto, venceu a tentação da chamada "síndrome de Lúcifer", que significa a sedução que embala as criaturas de pretensamente serem iguais ao Criador – erro este, aliás, no qual incorreram Adão e Eva sob o argumento persuasivo que lhes foi apresentado pela serpente: "sereis como Deus" (Gn 3).

Alguns títulos de magnificação atribuídos a Jesus, com os quais estamos familiarizados, como Filho eterno de Deus, Senhor do universo, Salvador do mundo, primogênito de toda a criação e o primeiro ressuscitado entre muitos irmãos, podem muitas vezes ocultar as origens humildes e a trajetória histórica do verdadeiro Jesus que andou entre o povo, perambulando pelos vilarejos da Galiléia e que morreu de maneira violenta e miserável fora da cidade de Jerusalém. Na verdade, Jesus percorreu o caminho da cruz ao longo de toda a sua vida. Já no seu nascimento, surpreendeu aos que aguardavam pelo Messias: os magos, por exemplo, que procuraram pelo recém-nascido, dirigiram-se inicialmente a Jerusalém, pensando encontrá-lo nos palácios de Herodes, lugar mais provável para o nascimento de um rei... Qual surpresa descobri-lo amparado em um berço improvisado, numa simples manjedoura emprestada, nas regiões da pequena Belém!

Durante o seu ministério, Jesus resistiu às tentações de fugir da cruz. Isto ocorreu, por exemplo, durante o período em que esteve em jejum no deserto, quando o tentador lhe ofereceu reinos e glórias do mundo para que deixasse aquela missão (Mt 4). Ou também quando lhe foi proposto não morrer cruz para que pudesse instituir um

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governo político na cidade de Jerusalém (Mt 16.22-23). E ainda quando os expectadores do martírio pedem para que desça da cruz (Mt 27.40).

No caminho ministerial da cruz Jesus experimentou todos os conflitos e contradições da existência humana: ser isolado, perseguido, mal compreendido, difamado. Percebe-se nele: ira, alegria, bondade, tristeza, tentação, pobreza, fome, sede, compaixão, .saudade. O caminho da cruz é o caminho do serviço, da auto-doação, do amor, do perdão, da conversão. Por isso Jesus não manipula os homens, mas desafia-os a tomar o caminho do Reino, a assumirem responsabilidades, a serem participantes ativos do processo libertador. Não faz uso da violência para concretizar seus ideais. Apela e fala às consciências. Não despreza ninguém: "aquele que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora" (Jo 6.37). Dirigiu sua mensagem primeiramente aos pobres, entendendo por pobres não apenas os economicamente necessitados, mas sim, os oprimidos em sentido amplíssimo, como os que sofrem a opressão não podem se defender, os desesperançados, os que padecem necessidades, os famintos, os sedentos, os desnudos, os forasteiros, os enfermos, os encarcerados, os últimos, os simples, os perdidos e os pecadores.

No propósito de combater a "síndrome de Lúcifer", quando cristãos começaram a ser seduzidos a venerar alguns dos seus líderes, por volta do ano 70, Mateus redigiu o seu evangelho e nele incluiu o acontecimento da transfiguração (Mt 17) com o propósito de lembrar que nenhum ser humano deveria usurpar a glória exclusivamente pertencente a Deus. Naquele episódio, no alto do Monte Tabor, os discípulos Pedro e Tiago, envolvidos pela visitação da glória de Deus naquele lugar, sugeriram a construção de duas tendas que pudessem celebrar os nomes de Moisés e Elias, considerados pelos judeus os maiores representantes da Lei e dos profetas, respectivamente. Entretanto, o próprio texto faz uma exortação à igreja ao apontar para o que deve ser o centro da fé cristã: "então eles [os discípulos], levantando os olhos, a ninguém viram senão só a Jesus' (Mt 17.8). O desaparecimento das imagens de Moisés e Elias representa que ambos saem de cena para dar lugar a Cristo. De igual modo, não há mais lugar para a invocação de nenhuma outra divindade naquele lugar, como o faziam os cananeus. A mesma advertência se aplicaria em relação a qualquer outro nome importante da liderança da igreja primitiva: apóstolo Pedro, apóstolo Paulo, Maria, mãe de Jesus etc. Assim, exclusivamente em Cristo deveria estar posta toda a atenção da fé cristã.

Considerações finais

Diante do modelo de liderança exercida por Jesus no cumprimento de seu ministério, conforme apresentado nos itens anteriores, cabe levantar algumas questões e fazer alguns apontamentos práticos quanto ao desempenho de uma liderança transformadora em nossos dias.

É possível se falar hoje em dia de uma liderança transformadora quando parece haver por parte dos líderes maior valorização: de coroas ao invés de cruz? De senhorios ao invés de serviço? De banalização da função pastoral ao invés de preparo e credenciamento? De espíritos gnósticos ao invés de materialização da graça ecológica de Cristo? De discriminações e preconceitos ao invés de reconhecimento da legitimidade de ministérios femininos? De preconceitos profanizadores ao invés da sacralidade geográfica do Reino de Deus? De conformismos ao invés de transformação social? De usurpação ao invés de legitimidade ministerial?

Inegavelmente, há uma atração estética e um grande fascínio exercido por líderes religiosos em relação aos membros de muitas igrejas no atual contexto brasileiro. Normalmente, aos nomes destes líderes se acrescentam títulos proeminentes que lhes garante legitimidade e maior performance representativa perante os fiéis: bispos, profetas, apóstolos e, até mesmo, arcanjos, são exemplos dessa preferência cada vez mais comum. Tais títulos acabam se tornando um eficiente mecanismo semiótico de iconização pessoal, conferindo-lhes uma projeção que os aproxima mais eficazmente do sagrado, pois carregam um apelo de intimidade com o divino que o termo "pastor" normalmente não consegue alcançar.

Isto tem feito com que, não obstante haver participação bastante interativa dos fiéis nos ritos dos cultos, continue a ocorrer grande centralidade na figura destes personagens carismáticos. A oração destes, com dia e hora marcados, é que tem o "poder" de promover a cura e o milagre. Com esta total dependência do pastor, acaba-se negando o princípio neotestamentário do sacerdócio universal de todos os cristãos, impedindo a transformação da igreja num organismo vivo, com diversidade de dons e ministérios. Tal prática acaba reeditando no meio evangélico um costume muito comum entre os católicos: reconhecimento e necessidade de vários outros mediadores além de Cristo. Assim, não são poucos os que têm encontrado na liderança religiosa um caminho curto para o alcance de glória e sucesso pessoais, daí a preferência, muitas vezes, de se atuar em cidades que possibilitem maior projeção e visibilidade ou mesmo em grandes igrejas. Ao contrário de Jesus, muitos líderes estão hoje também preocupados em transformar as denominações que comandam em verdadeiros impérios financeiros ou empresas da fé, às vezes às custas da miséria e do sofrimento humano. "Torres de Babel" religiosas têm sido construídas, dignificando os nomes de quem as constrói, ao ponto de serem identificadas pelos nomes de seus próprios fundadores.

Hoje também, infelizmente, tem-se observado que vários líderes chegam a ensinar aos seus fiéis a "determinar" a bênção desejada. Com tal pretensão, os crentes têm sido treinados a reivindicar e a exigir que Deus atenda e prontamente satisfaça aos seus desejos egoístas e consumistas; passa-se a dar ordens a Deus em nome

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da fé. Tal prática faz com que ocorra uma inversão de papéis: o indivíduo assume a função de "senhor", Deus é colocado na condição de "servo". Agindo assim, a igreja acaba reeditando práticas comuns na sociedade, sem exercer sobre ela a transformação, pois incita a realização de "magia", segundo a qual a fé tenta manipular o sagrado em busca de interesses pessoais.

Outro aspecto a se considerar é que o exercício de uma liderança transformadora requer a superação, hoje existente, dos limites criados pelo sagrado e o profano. Nesse sentido, uma prática que vem se tornando cada vez mais comum entre os evangélicos é o que se pode chamar de "confraria de ajuda mútua". Isso significa a atitude que evangélicos têm tido por se relacionar e conviver em sociedade, preferencialmente com aqueles que professam a mesma fé. Exemplifiquemos tal comportamento de maneira mais prática: é cada vez mais freqüente o costume dos membros de uma determinada igreja comprar preferencialmente no estabelecimento comercial do "irmão" ou "irmã" que também pertence à mesma comunidade de fé; ou então, solicitar os serviços profissionais daquele que também é evangélico. O mesmo também se aplica em relação a empresários ou empreendedores que têm algum emprego a oferecer: costumam normalmente dar preferência aos membros da mesma igreja para a ocupação desses cargos e funções. Dessa maneira, converter-se numa igreja local é inserir-se numa rede corporativista e ampliar significativamente possibilidades de se ter novos clientes, manter novas portas de.emprego abertas etc. Com isso, o comerciante passa a vender mais, o taxista a ter mais passageiros, o médico a ter mais pacientes, o trabalhador autônomo obter mais opções de emprego, a escola particular ter mais alunos...

Obviamente que num primeiro momento isso pode significar algo positivo, pois como se fosse numa grande família, os membros se ajudam mutuamente. Entretanto, esse comportamento começa a se tornar preocupante na medida em que pende para extremos, pois, em algumas cidades de porte médio e grande, já está havendo a construção de condomínios fechados destinados à moradia exclusiva de evangélicos. Numa das propagandas de tal empreendimento, anunciam-se, inclusive, as vantagens de se morar sem a presença incômoda de incrédulos ou de pessoas que não professam a mesma fé evangélica. Ainda segundo tais anúncios, a educação dos filhos seria "muito melhor", pois iriam conviver somente com evangélicos, diminuindo-se os riscos de se corromperem pelo contato com as "coisas do mundo". Essa prática acaba se tornando, na verdade, uma reedição moderna da espiritualidade dos monges medievais, que buscavam na clausura e no isolamento da sociedade a manutenção de uma fé pura. Assim, evangélicos buscam, hoje, igualmente meios de não se contaminarem com aquilo que consideram profano. Há de se perguntar, entretanto: não estariam tais evangélicos sendo sal apenas dentro do saleiro? Não estariam deixando de ser luz justamente onde há necessidade de brilho? Como este modelo de fé pode eficazmente se inserir na sociedade para transformá-la? Como tal proposta se enquadraria nas palavras ditas por Jesus "não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal"? (Jo 17).

Também hoje, mais do que nunca, é chegado o momento dos líderes cristãos somarem esforços junto a outras formas de lideranças ambientalistas na busca de construção de uma sociedade em que haja o equilíbrio entre desenvolvimento e preservação dos recursos naturais, para que se garanta o funcionamento natural do ecossistema, e com isto se evite a destruição dos seres vivos em toda a sua biodiversidade. Tendo a questão ecológica como parte da tarefa da missão integral da igreja e como parte da doutrina da criação, líderes cristãos precisam propor caminhos que reavaliem por completo tanto o modo de produção como aquilo que se produz, visando não somente o lucro e o consumismo, mas, sim, a conciliação do desenvolvimento social com o ecologismo. Vale observar as palavras do escritor brasileiro Caio Fábio:

A defesa ecológica tem de se impor como necessidade profética da nossa própria espiritualidade cristã, que crê que a redenção será total, como diz Romanos 8, de 19 a 25. Não só para homens, mas para urtigas, pés de mandacaru, carvalhais, mangueiras, jabuticabeiras e parreiras (...) Se a redenção de Deus não resgatar as diferentes formas de vida, se não resgatar tudo, o diabo terá vencido. Porque a teologia cristã diz que a queda contaminou isso tudo, logo, a redenção tem de ser redenção para tudo isso. E enquanto essa redenção não chega, uma das participações redentivas nossas no processo é gritar, profeticamente, a favor da preservação, afirmando que 'tudo o que Deus criou é bom'.

6

A construção dessa nova cultura deverá estar calcada em valores, sobretudo, éticos, o que significa respeito às futuras gerações, preocupação com os grupos sociais mais fracos que, sem usufruir das vantagens econômicas do consumismo, sofrem danos sobre a saúde, advindos da poluição e da contaminação do meio ambiente. Pois, no sistema atual, privatizam-se o lucro e o consumismo e socializam-se os danos e misérias. É necessário, portanto, repensar propostas teológicas, muito evidentes em nossos dias, que apresentam um discurso sutilmente comprometido com a ávida exploração do meio ambiente que visa tão somente satisfazer desejos consumistas do ser humano. Tais ensinamentos egoístas propõem aos crentes a acumulação de bens materiais no nome de Deus, mascarando a égide de exploração predatória sobre a natureza e seus recursos. Ao ajustar a experiência cristã aos valores do consumo, este modelo de pregação trabalha com a pressa e o instantâneo, com o imediatismo que não respeita o ciclo natural de que todo o ecossistema necessita para gerar e manter a vida em toda a sua biodiversidade. Neste aspecto, a tal "prosperidade" proposta se torna uma aliada da morte e uma afronta à obra ecológica que Cristo também veio realizar. Diante disso vale observar a advertência do profeta:

6 D'ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Um projeto de espiritualidade integral. Rio de Janeiro: Vinde, 1992, p.46.

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Muitos pastores destruíram a minha vinha, pisaram o meu quinhão; a porção que era o meu prazer tornaram-na em deserto. Em assolação a tornaram, e a mim clama no seu abandono; toda a terra está devastada, porque ninguém há que tome isso a peito" (Jr 12.10,11).

Um outro texto bíblico aponta para algum tipo de juízo escatológico sobre os que destroem a terra: "(...) chegou o tempo determinado (...) para destruíres os que destroem a terra." (Ap 11.18).

De maneira prática, portanto, cabe aos líderes evangélicos de nossos dias: enfatizar em seu ensino que a contemplação da natureza é um dos elementos importantes da espiritualidade cristã; aproveitar do momento histórico, atualmente favorável, para um redescobrimento da doutrina da criação; estudar mais profundamente com a igreja os textos bíblicos sobre a criação e a ecologia, incluindo nos programas educativos da comunidade local temas sobre ecologia; proclamar dos púlpitos sermões e promover palestras e eventos tematizando a questão ecológica; utilizar-se de jornais, rádio e TV para fazer ouvir a voz da igreja sobre questões ambientais; participar de projetos ambientalistas, apoiando e unindo forças com outras organizações governamentais e não-governamentais, fora do âmbito eclesiástico, que estão militando nesta mesma causa; educar a igreja a desenvolver uma espiritualidade que dê exemplo de uma vida sem ambições ou ganância, vivenciando uma ética cristã baseada no consumo do que é essencialmente necessário, libertando-se, desta forma, da égide de um consumismo sem limites e predatório; denunciar profeticamente a agressão ao meio ambiente feita por determinadas indústrias e fábricas; redescobrir o sentido ecológico do sábado, mediante o qual se dá à natureza o descanso santificador, entendendo isso como respeito ao ritmo natural usado pela criação para gerar e manter a vida.

Finalizando, ainda em tom de reflexão e análise, ficam algumas questões que envolvem a todos os que exercem liderança religiosa: Por que, em nossos dias, tanta obsessão por títulos eclesiásticos se todos os cristãos foram feitos sacerdotes? Por que tanto clericalismo se o maior de todos os mestres ensinou que ser servos uns dos outros significa um dos elementos de grandeza do reino de Deus? Por que a preocupação com ministérios megalômanos e um crescimento a qualquer custo, se Jesus valorizou a comunhão dos pequenos grupos? Por que a preocupação exacerbada com mega-templos e catedrais suntuosas se um dos momentos de maior impacto e transformação da sociedade promovidos pela atuação da igreja se deu quando esta se reunia em lares muito simples e até mesmo nas catacumbas? Por que uma presença numérica tão expressiva hoje da igreja brasileira não tem sido capaz de promover maiores transformações na sociedade? Por que na década de 1970, quando existiam pouco mais de 5% de evangélicos no país, acreditava-se que quando houvesse o dobro daquele número o Brasil seria impactado pela fé cristã e, hoje, no entanto, quando 16/% da população se declara evangélica, totalizando perto de 30 milhões de pessoas, não se pode observar mudanças significativas de âmbito político ou cultural promovida por este crescimento? Com os modelos de liderança hoje existentes, não estaria a igreja evangélica correndo riscos de que, mesmo vindo todo o país a se tornar evangélico, continuarem, ainda assim, existindo as mesmas injustiças e desigualdades sociais, corrupção política e uma sociedade não transformada pelos valores do reino de Deus? Por que líderes evangélicos se mantêm tão omissos e indiferentes diante das questões ecológicas, quando tantos outros movimentos ambientalistas saem em defesa do maior de todos os elementos da criação divina: a vida?

Nossa oração é para que o modelo de liderança adotado por Jesus se torne parâmetro para respostas e novas perspectivas frente às questões aqui apresentadas.

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V. DESCUBRA A GRANDEZA DO SERVIÇO7

A tarefa de Jesus como líder não terminou depois de ele corrigir as idéias de Tiago e João. O trabalho da liderança não se completa até que a missão seja cumprida. Quando os outros dez discípulos souberam do pedido dos dois irmãos, travou-se uma guerra entre eles. Os dez não queriam que Tiago e João se colocassem à frente deles, em destaque, quando se formasse o reino de Jesus. O debate sobre quem era o maior dentre eles trans-formou-se em uma discussão sobre quem iria ocupar os melhores lugares.

Quando Jesus ouviu a discussão, chamou sua equipe de liderança para estabelecer novamente as regras básicas. Estas foram as suas palavras:

Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos. Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. (Marcos 10:42-45)

Essas palavras são os mais claros e, no entanto, os mais evitados ensinamentos de Jesus sobre liderança. Quase não se faz menção de suas palavras quando a discussão se refere à liderança. Poucas conferências convidam líderes em potencial ou atuantes a fazerem tal descrição de um líder quando desejam apresentar um estilo pessoal de liderança. Nossa tendência é apenas passar os olhos sobre essa mensagem esquisita ou, na melhor das hipóteses, usá-la como material ilustrativo de um chamado para o serviço.

Jesus redefiniu o vocabulário da liderança entre o povo de Deus quando falou aos discípulos naquele dia. Vamos tomar suas palavras literalmente e ver se podemos inseri-las em nosso cotidiano.

1. Jesus demonstra grandeza

O incidente em Marcos 10 é o cenário para o nosso terceiro princípio de liderança servil. Ele ocorreu imediatamente após o pedido de Tiago e João para se sentarem junto de Jesus quando ele entrasse no seu reino. A lição que se segue resultou da reação dos outros dez discípulos ao pedido dos companheiros. Muitas vezes, a melhor oportunidade que o líder tem para liderar é quando surge um conflito entre os seus seguidores.

a) A reação dos dez a Tiago e João

Os outros dez discípulos não apreciaram o pedido que Tiago e João fizeram a Jesus. Mateus e Marcos dizem que eles ficaram 'indignados" com os Filhos do Trovão. Creio que parte da ira deles deve-se ao fato de que os outros teriam feito o mesmo pedido – se tivessem tido oportunidade! Os demais discípulos ficaram agitados porque compartilhavam das idéias erradas de Tiago e João sobre a liderança. Caso contrário, não desaprovariam o pedido dos amigos. Se os outros dez discípulos tivessem compreendido que liderança não é uma questão de posição, o pedido de Tiago e João não se teria constituído numa ameaça para eles.

A ambição disfarçada de piedade é uma combinação pouco saudável. Os dez reagiram ao pedido dos amigos como irmãos invejosos, em vez de seguidores do humilde Messias. Uma vez que seguir Jesus é um pré-requisito para reinar com ele [...], os dez deveriam estar atentos aos preparativos para sofrer, em vez de se fixarem no pedido mal orientado dos irmãos.

b) Resposta de Jesus aos dez

Quando os dez começaram a atacar Tiago e João, Jesus deve ter-se sentido mais como um pai do que como líder de um movimento messiânico. Ele estava finalizando o seu ministério terreno. Deve ter-se perguntado se aqueles indivíduos conseguiriam viver juntos um dia, a fim de cumprir a sua missão depois da sua morte vitoriosa. Jesus passou grande parte do tempo disciplinando e corrigindo sua família de seguidores. Essas são res-ponsabilidades que cabem a cada líder-servo.

Jesus chamou seus discípulos de filhinhos (Jo 13:33) não com a intenção de depreciá-los, mas como um termo carinhoso. Os filhos são preciosos para os pais que os amam. Jesus deu aos que o seguiam um mandamento: amai-vos uns aos outros (Jo 13:34). Os pais ensinam continuamente os filhos a se amarem.

Ken Hemphill, presidente do Seminário Teológico Batista do Sudoeste, nos Estados Unidos, observou que liderar uma igreja como pastor é quase o mesmo que ser o pai de uma família. Hemphill notou que Paulo fez uma

7 WILKES, C.Gene. O último degrau da liderança. São Paulo, Mundo Cristão, 1999. p.97-130.

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comparação entre o seu ministério em Corinto e o papel do pai, ao encorajar os coríntios a imitarem suas atitudes (I Co 4:14-21). O conceito da igreja como uma família permeia o Novo Testamento. Hemphill aconselha os pastores:

Mantenham o contexto bíblico da família constantemente diante da igreja, por meio de sua pregação e de seu ensino. Porém, vocês devem começar o processo de adequação da família antes que ele se torne uma realidade. Comecem com alguns líderes-chave e os acompanhem como pais até a maturidade... A medida que amadurecem, ensinem a eles a discipular outros como um pai. Coloquem líderes maduros, como pais, para liderarem grupos pequenos a fim de que o processo de paternidade possa estender-se por toda a igreja.

Modelar a figura do pai é um exemplo de liderança pastoral. Liderar inclui tanto a educação quanto a disciplina que os pais devem usar equilibradamente com os filhos.

Os pais e os pastores. O pai-líder se ajusta ao modelo bíblico do pastor-líder. O pastor é o modelo bíblico da relação de Deus com o seu povo (SI 23:1). Essa foi também a designação do Antigo Testamento para o papel do rei entre seu povo (2 Sm 7:7; Zc 11:4-17). Jesus adotou o pastor como seu modelo de liderança quando disse: "Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida pelas ovelhas" (Jo 10:11).

Quero destacar o modelo de liderança do pastor entre o povo de Deus. Em minha jornada pessoal para descobrir como devia liderar, tentei praticar todo estilo de liderança que aprendi, quer em conferências, quer em livros. Cheguei a considerar meu papel como o de um "fazendeiro" ou de chefe de uma empresa. Há vários anos iniciei o ano-novo anunciando que estava na hora de avançar. Precisávamos de mais espaço para crescer.

Pensei que pelo fato de ser líder os outros me seguiriam automaticamente. A necessidade era real. Eu me sentia motivado. Os objetivos pareciam claros. O projeto, no entanto, não decolou! Há muitas razões para isso, mas uma delas é que eu tentei liderar de um modo que não era natural para mim nem apropriado para a situação. Tentei forçar o projeto em vez de guiar o povo. Agi mais como um executivo acenando com a alavancagem dos salários e opções acionárias do que como um pastor que conhecia cada ovelha pelo nome e entregava a sua vida por elas.

Esse fracasso deu início à minha descoberta destes princípios de liderança servil e à volta a um modelo bíblico de liderança na igreja. Desisti dos esforços de liderar como alguém me dissera que deveria fazê-lo e comecei a liderar como Deus queria que eu fizesse. Os modelos bíblicos começaram a tomar precedência sobre os seculares. Estou convencido de que o pastor como pai e o pastor como guia espiritual continuam sendo os modelos corretos e vitais de liderança na igreja. Os princípios inerentes aos dois modelos podem ser aplicados a qualquer ambiente de liderança.

Aprecio a obra de Lynn Anderson intitulada, They Smell Like Sheep (Eles cheiram como ovelhas). O livro avalia muitos modelos de liderança da igreja que levam o povo de Deus a adotar estilos baseados em padrões não-bíblicos. O dr.Anderson retomou o modelo bíblico do líder como pastor. Ele nos lembra de que não temos de temer a aparente dicotomia entre o líder e o seguidor que este modelo pode apresentar. Ele se reporta aos nossos temores quando escreve:

Embora alguns talvez não se sintam à vontade ao pensar em certas pessoas como ovelhas e em outras como pastores, nosso desconforto irá provavelmente desaparecer quando compreendermos que o modelo pastoral gira em torno do relacionamento entre o pastor e o seu rebanho. Não é a figura de um forte dominando fracos, ou do "senhor" subjugando servos. Pelo contrário. A figura do pastor representa amor, serviço e sinceridade.

O relacionamento é o conceito chave na idéia do pastor como líder. Amor, serviço e sinceridade são as características do estilo pastoral. Da mesma forma, uma relação construída com base nessas características opera no modelo pai-filho. Os filhos se rebelam contra aqueles com quem não mantêm relacionamento. Membros de igreja recusam a liderança daqueles que sentem que não se importam com eles.

Depois de ter corrigido as idéias de Tiago e João, Jesus reuniu seus seguidores como um pai que interrompe uma briga entre irmãos e um pastor que recolhe seu rebanho em perigo. Jesus sabia que a união do grupo e a conformidade de rumo eram necessárias ao cumprimento de sua missão. Jesus deve ter suspirado enquanto reunia o seu pessoal para corrigir idéias e relacionamentos.

c) O paradoxo de liderar como Jesus: ser grande é servir

Os líderes definem as ações e atitudes que serão recompensadas e reconhecidas entre os seguidores. Quando estes tentam definir novos valores, a responsabilidade do líder é restabelecer os valores fundamentais do grupo. As empresas, organizações e famílias se beneficiam ao conhecer e viver segundo esses valores essenciais.

Nos negócios, tais valores são "os princípios essenciais e permanentes da organização - um pequeno grupo de princípios de orientação, que não devem ser confundidos com práticas culturais ou operacionais específicas, nem devem ser adaptados por causa de lucro financeiro ou por conveniência de curto prazo".

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James Collins observa que todas as empresas bem-sucedidas e com visão possuem um conjunto de valores essenciais que determina o comportamento do grupo.

Reconhecer e viver de acordo com valores fundamentais sólidos pode estabelecer unidade e eficiência na igreja. Quando começamos o processo para especificar nosso conjunto de valores fundamentais, um membro da equipe disse: "Não entendo. Por que precisamos de valores essenciais? Já temos a Bíblia". Boa observação. Concordei que a Bíblia era o guia supremo dos nossos pensamentos e para nosso comportamento. Afirmei, porém, que o que estávamos procurando eram os valores imutáveis que tornavam a nossa igreja única no campo missionário e no reino de Deus.

A Willow Creek Community Church ajudou igrejas a compreenderem o que são valores fundamentais e o impacto que eles podem causar sobre a maneira de a igreja cumprir a sua missão.

Jesus definiu um valor essencial para os seus líderes (então e agora) quando chamou os discípulos de lado e os ensinou a liderar no reino de Deus. Ele agiu assim em resposta à interpretação errônea de Tiago e João sobre posição e liderança e à reação indignada dos outros dez discípulos que compartilhavam da idéia falsa de seus companheiros de discipulado.

Jesus ensinou o terceiro princípio de liderança servil quando reuniu os discípulos à sua volta:

Os líderes-servos abdicam de seus direitos pessoais para encontrar grandeza no serviço prestado a outros.

Como chegamos a esse princípio? Ele está incluído na definição de grandeza feita por Jesus. Veremos como este conceito de grandeza e liderança era estranho aos seguidores de Jesus, como o é para nós hoje. Veremos também que essas verdades são essenciais para compreender o propósito e a missão de Jesus.

O paradoxo faz parte da vida e não devia ser temido pelos que seguem a Jesus. A vida não é — como alguns querem que seja -simplesmente branca e preta, para cima e para baixo, para a frente e para trás. Os hologramas substituíram os desenhos de uma só dimensão como modelos da realidade. O universo é tão pequeno quanto grande. Observamos a morte dar lugar à vida, e a riqueza instantânea gerar pobreza. Encontramos satisfação no sofrimento e vazio no prazer irrestrito. Os filhos trazem alegria e dor aos pais. O casamento é felicidade e exige trabalho árduo. Jesus disse que os líderes são servos. Os que lideram estão quase sempre presos aos objetivos e valores daqueles a quem guiam.

O paradoxo faz parte freqüentemente do estilo do líder. Donald T. Phillips registrou alguns dos paradoxos identificáveis no estilo de liderança do presidente Lincoln:

Carismático e despretensioso.

Firme, mas flexível.

Vítima de muitas calúnias e maldades, mas também muito popular entre o povo.

Confiante e compassivo, embora pudesse ser também exigente e duro.

Aceitava riscos e era inovador, todavia paciente e perspicaz. Parecia ter "estoque" de generais os quais removia e substituía com freqüência; contudo, na realidade, dava-lhes bastante tempo e apoio para produzirem resultados.

Afirmava não controlar os acontecimentos e que sua política era não ter uma política; quando, na verdade, controlava os acontecimentos ao máximo, mostrando-se agressivo, tomando as rédeas e sendo extraordinariamente decidido.

Lincoln dirigia conforme a situação exigisse. Embora às vezes parecesse incoerente, modelou um estilo que satisfazia a necessidade do momento. O paradoxo fazia parte do seu estilo de liderança.

Jesus demonstrou estilos paradoxais de liderança. Ele adaptou o seu estilo de acordo com as pessoas a quem se dirigia e com o contexto da situação:

Manso como um cordeiro, mas corajoso como um leão.

Cordato, mas agressivo quando encurralado pela injustiça.

Gregário, mas passava muito tempo sozinho.

Dócil, mas sempre no controle.

Não teve educação formal, todavia ensinou com grande autoridade.

Conformista, porém iconoclasta.

Amigo dos rejeitados, mas jantava com os socialmente bem-posicionados.

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O caráter de Jesus nunca mudou. Ele permaneceu comprometido com o chamado do Pai para sua vida. De acordo com esse chamado e caráter, porém, ele adaptou um estilo de liderança que correspondesse ao momento. O estilo de liderança de Jesus muitas vezes pareceu um paradoxo para os que tentaram segui-lo e para os que o observavam.

Jesus também fez uso do paradoxo em seus ensinos. Ele ensinou: "Quem acha a sua vida perdê-la-á; quem, todavia, perde a vida por minha causa achá-la-á" (Mt 10:39). "Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos" (Mt 20:16). "O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda" (Mt 13:31). "Quem a si mesmo se humilhar será exaltado" (Mt 23:12). Jesus teceu eficazmente imagens contrastantes para apresentar sua mensagem às várias pessoas que o procuravam.

O paradoxo dá ao líder o poder de transmitir as complexidades de uma visão. Imagens aparentemente opostas criam a tensão necessária para descobrirmos a verdade. Os grandes líderes usam o paradoxo para estabelecer os valores da nova realidade. Jesus definiu a grandeza e a liderança por meio de um paradoxo. As imagens confundiram os discípulos, como confundem alguns de nós hoje. Qual era o seu quadro? Jesus pintou a grandeza como obra do servo. Ele definiu a liderança como o lugar do escravo. Ambas as telas pareciam distorcidas para os que as viam pelas lentes da sua cultura.

d) Jesus começou do ponto onde os discípulos estavam

Jesus sabia que os seus seguidores viam as coisas sob a perspectiva do mundo. Parte do seu serviço para com eles era guiá-los de modo que formassem uma nova visão do reino de Deus. Jesus começou sua lição sobre liderança mencionando as atitudes predominantes em relação à grandeza e à competição. Os discípulos não tiveram de ir muito longe para encontrar os modelos negativos e positivos de liderança que Jesus usou para ensiná-los. Parte do poder de liderança de Jesus é que ele compreendia e expunha a cultura à sua volta. Ele escolheu exemplos da cultura de seus seguidores para ajudá-los a compreender.

O poder das histórias. As histórias muitas vezes ajudam o líder a pintar um quadro do futuro. Elas ajudam os líderes a tocar nas questões de mudança. Doug Murren, autor do livro Leadershift, conclama os pastores a serem líderes da mudança dentro da igreja. Murren fala de suas experiências pessoais ao liderar uma igreja pelos vários es-tágios de mudança. Ele explica que os líderes competentes "ajudam as pessoas a experimentarem seu futuro antes de vivê-lo. Os líderes que conseguem administrar modelos de mudança devem aprender a fazer com que os outros se sintam confortáveis com uma visão do futuro".

Murren dá a entender que "anedotas, folclore e metáforas" ajudam os pastores a levar seus liderados por novos caminhos. Ele acredita que "contar histórias personaliza a nossa missão e estabelece padrões importantes para o futuro". Max Depree chama essa prática de "narrativas tribais". Tom Peters nos lembra que "as pessoas, mesmo os gerentes, não vivem só de gráficos... As pessoas vivem, raciocinam e são movidas por símbolos e histórias".

Jesus demonstrou ser um contador de histórias magistral ao mostrar como o futuro seria em seu reino. Mateus, o primeiro cronista de Jesus, escreveu: "Todas estas coisas disse Jesus às multidões por parábolas e sem parábolas nada lhes dizia" (Mt 13:34). Jesus escolheu histórias de moedas e filhos perdidos, senhores e servos, comemorações e terror, esperança e perda, para pintar quadros do seu reino.

Ele partiu da realidade de cada um. Escolheu descrições que as pessoas compreendiam e contou histórias sobre indivíduos reais. Fez isso por uma única razão: apresentar às pessoas a realidade de como as coisas serão quando o Filho de Deus reinar no coração do povo.

Certo dia um líder religioso perguntou a Jesus o que deveria fazer para ganhar a vida eterna. Jesus lhe perguntou se ele sabia o que a lei dizia a esse respeito. Ele sabia e disse: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Lc 10:27).

Jesus afirmou que o homem respondera corretamente. Mas o líder religioso queria que os outros soubessem que ele era especialista na lei e perguntou: "Quem é o meu próximo?" Jesus não se perturbou e, tendo sempre uma história para contar, respondeu com a parábola do Bom Samaritano (Lc 10:30-37). Quando terminou de contá-la e o líder religioso respondeu à pergunta do professor, todos se retiraram com uma nova definição de próximo.

Jesus usou também metáforas e analogias para ilustrar seu reino presente e futuro. Por exemplo, ele sabia que os verdadeiros agentes da mudança criam recipientes novos para conter o futuro e ensinou que os resultados da mudança não podem ser contidos nos velhos métodos. "O que fazer com esta nova realidade?", o povo perguntou a Jesus. "Forçamos sua adequação à maneira atual de fazer as coisas? Constrói-se um recipiente inteiramente novo?"

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Para responder a essas perguntas, Jesus usou uma analogia da época, a fim de ilustrar esse ponto. Ele disse que não é possível remendar roupas velhas com tecido novo; nem se pode colocar vinho novo em odres velhos (Mt 9:16-17). Tentar remendar roupa velha com tecido novo só piora a situação quando o tecido novo encolhe. Colocar vinho novo em recipientes gastos, distendidos, os faz explodir. Os sucos novos envelhecem e exalam gases que criam pressão nos velhos recipientes. Os resultados da mudança não cabem nesses recipientes. Se você tentar satisfazer velhos hábitos com novos valores, ambos se perderão – sem beneficiar ninguém.

Qualquer pessoa que tenha tentado fazer mudanças numa igreja ou num negócio conhece a explosão que pode ocorrer quando um novo plano é derramado nos velhos moldes de fazer as coisas. Jesus sabia que a mudança exigia novas formas assim como novo conteúdo. Em sua descrição, ele fez uma analogia com o cotidiano para ajudar seus seguidores a compreender os perigos de se apegarem aos velhos métodos quando tivessem de enfrentar novas realidades.

Quando comecei a dirigir nossa igreja para um novo modelo, contei uma história usando a ilustração de um empresário que queria oferecer um novo produto. Foi mais ou menos assim:

"O Produto – Do Depósito para a Fábrica: Levando igreja a cumprir sua tarefa"

Um rico empresário, que ganhava dinheiro correndo riscos, queria fabricar um produto. Ele fez uma pesquisa de mercado, estudou as tendências de fabricação e descobriu que as fibras óticas eram a indústria do futuro.Já que ninguém queria comprar cabos e centrais telefônicas, ele concebeu uma caixa postal na qual era possível enviar e receber informações e imagens digitais. Se pudesse ser fabricada a um preço razoável, cada lar nos Estados Unidos teria uma caixa postal de vídeo e voz até o ano 2000.

O empresário reuniu seus investidores americanos. Eles concordaram com o projeto e conseguiram sessenta milhões de dólares em menos de um mês. O empresário contratou um gerente de projetos para dar início à fabricação do produto.

— Quero construir uma caixa postal vídeo/voz. Você pode fazer isso?

— Claro! - Respondeu o gerente.

E começou a construir o melhor e mais arrojado depósito.

Depois de prover os recursos e a autorização para o projeto, o empresário viajou para começar outro empreendimento.

O gerente de projetos contratou uma equipe para planejar um depósito onde todas as peças necessárias para o produto pudessem ser armazenadas. Ele viajou pelo país, participando de seminários e visitando outros armazéns construídos com a melhor tecnologia da época, assim teria condições de erguer o melhor depósito.

Todo mês contratava mais empregados para codificar, colocar nas prateleiras e inventariar o conteúdo do depósito. Chegou a viajar ao Japão para estudar a administração de depósitos e voltou com milhões de planos para adquirir, sistematizar e estocar materiais.

Na metade do terceiro ano, quando o depósito tinha mais de 30.480 m2, 200 empregados e um estoque de 20

milhões de dólares, o gerente de projetos realizou um piquenique para os funcionários da empresa. Todos os empregados, desde os operários até os gerentes de turnos compareceram com suas famílias para comemorar a construção do depósito.

De repente, um helicóptero apareceu. Era o empresário. O helicóptero pousou bem no meio do piquenique e ele desceu com um sorriso.

— Senhores — proclamou ele —, vejo que estão comemorando. Soube desta celebração e vim o mais depressa possível. Eu queria ver a primeira caixa vídeo/voz que produziram. Onde está ela?

Os empregados se entreolharam.

— Quem é esse sujeito? Que caixa postal vídeo/voz é essa? Um dos gerentes de equipe se aproximou do empresário.

— O senhor deve estar enganado. Este é um piquenique para celebrar a última palavra em modernidade e eficiência de depósitos.

— Um depósito? Dei a seu gerente de projetos dinheiro para produzir um produto e não para construir um armazém! Onde está esse homem? - Perguntou o empresário em voz alta.

O gerente de projetos deixou seu lugar na mesa principal e foi até o empresário.

— Estou aqui. - Disse ele em voz baixa.

— Que história é essa de construir um depósito? Os depósitos não produzem produtos, eles os estocam.

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— Olhe, senhor, achei que devíamos adquirir as mercadorias e organizá-las antes de construir a fábrica e produzir o produto. - Afirmou o bem-intencionado gerente de projetos.

— Pensou errado. Está demitido e vou processá-lo por quebra de contrato. Quero um produto e não um armazém. - Disse o empresário.

Depois de demitir o gerente de projetos e todos os empregados, o empresário foi a um grupo de investidores coreanos.

— Quero construir uma caixa postal vídeo/voz. Vocês podem fazer isso? — Perguntou o empresário.

— Claro. - Responderam.

E começaram a construir a fábrica mais moderna e eficiente, a última palavra no gênero.

Jesus incumbiu seu povo de fazer discípulos, não cristãos-depósito. Mateus 28:19 torna isso bem claro: "Ide, portanto, fazei discípulos". Muitas igrejas não passam de depósitos de programas bem-planejados, bem-administrados, para estocar e distribuir crentes. Jesus, no entanto, incumbiu sua igreja de produzir um produto, não de construir depósitos.

Por que enfatizo essas parábolas e histórias? Porque autoridade não vai conseguir muito até que os seguidores entendam o que o líder está falando. Jesus tinha a suprema autoridade, e as pessoas estavam aprendendo a segui-lo. Mas vezes sem conta Jesus teve de contrariar as expectativas nelas prevalecentes e guiá-las à visão do reino vindouro.

Da mesma forma, histórias, metáforas, analogias e exemplos das experiências de seus seguidores podem construir uma ponte do presente deles para o seu futuro.

e) O que eles aprenderam na escola de administração de empresas

Jesus começou sua lição sobre liderança com dois exemplos das experiências comuns aos seus discípulos: (1) "Mantenha todos sob seu domínio" e (2) "Exerça autoridade". É interessante ver que ambos os modelos continuam sendo os estilos naturais e predominantes de liderança no mundo.

Jesus contrariou a idéia de liderança presente em sua cultura ao definir seus exemplos como "os que são considerados governadores dos povos (gentios)" (Mc 10:42, grifo do autor). Jesus tornou claro que os governantes autênticos não fazem uso desse tipo de liderança. Vamos examinar melhor dois exemplos negativos de liderança apresentados por Jesus.

"Mantenha todos sob seu domínio". Os discípulos já conheciam esse tipo de liderança. Eles o observavam todos os dias nos seus governantes, os romanos. Esse estilo significa simplesmente que "o poder faz o direito" — quem tem o exército maior, comanda o espetáculo. Penso que isso se chama "participação de mercado" no mundo dos negócios. Conhecemos muito bem esse estilo. Sonhamos com oportunidades para dizer às pessoas o que elas devem fazer – sem receber respostas atrevidas ou comportamento passivo-agressivo. Se você escolheu esse tipo de liderança, a primeira tarefa na sua lista de coisas para fazer é: arranje um exército maior.

Dominar alguém significa sujeitá-lo a seu poder. Implica que um é senhor e o outro, súdito. Esse é um estilo muito eficaz de liderança – pergunte a Hitler ou Pol Pot.

8 O conceito de senhor implica poder absoluto sobre o outro.

Você não precisa lidar com perguntas ou divergências. Basta reunir as pessoas e dizer-lhes o que fazer. Se discordarem, você as elimina.

Esse estilo de liderança era também comum nos dias de Jesus. Os romanos sabiam como dominar seus súditos. Essa é uma das razões de terem governado o mundo naquela época. As pessoas tendem a obedecer quando percorrem um caminho ladeado por seus parentes crucificados. Até hoje governos e organizações sabem como sujeitar os indivíduos a seu poder. Pouco mudou no coração dos homens desde que Jesus andou pela terra.

Jesus sabia que domínio sem compaixão gera abuso. A arrogância e o poder resultam em tirania. Jesus podia usar o título de Senhor em vista de quem era como Filho de Deus e porque nenhum outro título descreveria sua relação com os que o seguiam.

Jesus advertiu contra dominar outros; todavia, como Senhor, Jesus usou o seu poder para exigir absoluta fidelidade dos seus seguidores. Mateus 10 é um manual de discipulado. Jesus deixou bem claro o que significava ser um de seus seguidores. Ele ordenou: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem

8 Pol Pot pseudônimo de Saloth Sar – foi líder político e comandante de guerrilha no Cambodja. Atuou como primeiro-ministro de 1975 a janeiro

de 1979, quando foi deposto. Durante os três anos de seu governo, estima-se que entre dois e quatro milhões de pessoas tenham morrido vítimas de execução, enfermidades, fome e trabalho excessivo.

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ama seu filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim; e quem não toma a sua cruz e vem após mim não é digno de mim" (Mt 10:37-38).

Devemos nos lembrar de que, como Senhor verdadeiro, Jesus podia fazer essas exigências de seus discípulos. O problema com os líderes humanos é que não somos Jesus; por isso, qualquer tentativa de sermos senhores resultaria em nossa destruição e na ruína dos outros.

Jesus mostrou um modelo popular de liderança para seus discípulos. Ele queria que eles soubessem que esse modelo era uma escolha que poderiam fazer ao liderar os outros. A natureza egoísta dos discípulos e a aceitação cultural desse modelo tornaram-no uma opção potencial de liderança.

Jesus, entretanto, desejava que seus discípulos liderassem de outro jeito.

"Exerça autoridade". Outro modelo negativo de liderança apontado por Jesus era o usado por aqueles que ele chamou de "altos oficiais". O nosso prefixo mega provém da palavra grega que Jesus empregou para descrever esses líderes. Esse estilo de liderança implica usar a autoridade da posição do líder para fazer as coisas acontecerem. Esse conceito se adapta àquilo que Tiago e João queriam de Jesus. Eles pensavam que, se obtivessem aquela posição, poderiam exercer autoridade sobre os outros. Eles queriam ser mega-discípulos!

Autoridade é um veículo de poder do líder. Ela lhe dá a capacidade de mobilizar outros para ação. Se você escolher esse tipo de liderança, o primeiro item de sua lista de coisas para fazer é: conseguir uma sala ou um escritório maior. James MacGregor Burns observa, entretanto: "Todos os líderes são detentores reais ou potenciais de poder, mas nem todos os detentores de poder são líderes".

Você pode estar numa posição de liderança, mas não pode fazer que as pessoas o sigam. Pode haver um dos dois problemas. Ou não freqüentou nenhum curso sobre "como usar a autoridade de sua posição para fazer as pessoas trabalharem para você", ou você não estudou a fonte de autoridade de Jesus. Richard Foster conclui que "a autoridade espiritual de Jesus é uma autoridade que não se encontra numa posição ou num título, mas numa toalha".

Jesus entendia de autoridade. Ele sabia que os líderes podiam abusar da autoridade que possuíam para forçar pessoas inocentes a fazerem o que eles queriam. Durante a última semana de seu ministério terreno, Jesus criticou o abuso de autoridade por parte dos líderes religiosos da época. Ele disse às pessoas que fizessem o que seus líderes ensinavam porque a posição de autoridade lhes fora concedida por Deus. Por outro lado, Jesus disse ao povo que não agissem como seus líderes porque "dizem e não fazem" (Mt 23:3). Jesus reconheceu a autoridade dos líderes religiosos (embora eles não reconhecessem a autoridade dele) enquanto indicava o mau uso que faziam dela.[...]

Jesus usou sua autoridade para ensinar seu esquema de discipulado. Mateus 5-7 é a essência do ensinamento de Jesus sobre como a vida seria se ele reinasse no coração das pessoas. Ele elevou as leis da Antiga Aliança a patamares acima de qualquer expectativa. Mesmo assim ofereceu a bem-aventurança de um espírito humilde. Quando Jesus concluiu seu ensino, escreve Mateus, "estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas" (Mt 7:28-29).

Jesus usou a autoridade de sua posição de líder para realizar sua missão. Ele aplicou esses aspectos da liderança para guiar seus discípulos na direção de sua visão do reino de Deus. Assim, num certo sentido, Jesus pôde ser Senhor de uma forma que os líderes terrenos nem sequer imaginavam ser. Jesus alertou contra esses dois métodos naturais de liderança porque conhecia o coração das pessoas e sabia quão facilmente essa autoridade po-deria tornar-se abusiva.

2. Qual o estilo de grandeza que você procura?

Podemos estudar a grandeza conforme definida por Jesus, mas é difícil aplicá-la num ambiente de competição secular. Como atingir a grandeza que Jesus ensina?

a) Distanciando-se desses estilos negativos de liderança

Existe atualmente uma tendência de afastamento dos dois estilos negativos de liderança que Jesus descreveu aos discípulos. A tendência hoje é que as organizações se voltem para o serviço. Não se trata de serviço ao cliente do tipo self-service para assegurar maiores resultados, mas um chamado do interesse próprio para o serviço. Peter Block, convoca os chefes de organizações e empresas para se considerarem mordomos. Block pede aos líderes que tenham a mordomia, e não a liderança, como alvo.

A mordomia requer que sirvamos nossas organizações e lhe prestemos contas sem preocupações nem restrições. Ao deixarmos as preocupações e as restrições, nos apegamos ao significado espiritual da mordomia: honrar o que nos foi dado, usar o poder com um sentido de graça e buscar propósitos que transcendam o interesse próprio de curto prazo.

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Segundo Block, mordomia trata do governo de uma organização. Significa administrar o que não é nosso. É "dar ordem para a dispersão do poder". Os mordomos preferem a parceria ao patriarcado, a capacitação à dependência e o serviço ao egoísmo. O serviço, argumenta Block, surge quando o indivíduo se dedica a algo além de si mesmo. Block considerou o senso de serviço como um ingrediente essencial no processo de liderança.

Max DePree nos pede para considerar a liderança como serviço e o líder como mordomo:

Conforme o texto de Lucas, escritor do Evangelho, tente pensar no líder como "alguém que serve". Liderança é o conceito de dever certas coisas à instituição. É um meio de pensar sobre os herdeiros institucionais, um meio de refletir sobre mordomia em contraste com posse... A arte da liderança requer que pensemos no líder-mordomo em termos de relacionamentos: de bens e herança, de força e eficiência, de civilidade e valores.

DePree ensina que o líder deve certos bens à instituição, tais como saúde financeira e um legado de pessoas capacitadas. Os líderes são obrigados a gerar impulso mediante uma visão clara. A eficiência é resultado da "capacitação de outros para alcançarem o seu potencial – tanto o individual como o corporativo". Os líderes devem aos seguidores a cortesia de "identificar valores" que dêem significado ao trabalho deles. Liderar, escreve DePree, é "a oportunidade de mudar significativamente a situação na vida daqueles que permitem que os líderes os dirijam".

Essas tendências atuais, afastadas do "domínio" e do "exercício de autoridade", são saudáveis. Elas oferecem um ponto de partida para as pessoas considerarem os ensinamentos de Jesus sobre a liderança. A aceitação de livros como Jesus, CEO é sinal de que Jesus ainda é uma fonte de sabedoria no mundo dos negócios. Como seguidor de Jesus, você tem a oportunidade de construir uma ponte entre as situações contemporâneas de liderança e os ensinos do Mestre. O emprego de histórias, metáforas e analogias de Jesus é um meio excelente para introduzir a verdade de Deus numa conversa ou reunião de diretoria.

b) "Entre vós não é assim"

Em seus ensinamentos, Jesus voltou-se subitamente do pensamento contemporâneo para as prioridades do reino ao dizer: "Entre vós não é assim" (Mc 10:43). Essa declaração é um sinal da presença de Deus. Seguir Jesus significa que as regras mudaram. O cenário é diferente. A estrada termina em outro horizonte. Os que seguem Jesus devem reconhecer que os métodos convencionais de sabedoria e poder não são a melhor maneira de guiar o povo de Deus.

Ao exclamar "entre vós não é assim", Jesus fez uma distinção entre o método de liderança secular e o de seus seguidores. Por favor, lembre-se de que o ensino de Jesus sobre a grandeza e a liderança não pode ser esperado de líderes que não o aceitem como suprema autoridade. Como é natural, sem a presença do Espírito de Jesus e dos valores do seu reino em nossa vida, não podemos aceitar as definições nem os atos que suas palavras implicam. Sem o Espírito de Jesus em nosso coração e em nossa mente, tenderemos aos meios naturais de nos tornar grandes e chegar à frente da fila. Os que não têm um relacionamento com Cristo talvez apreciem a sabedoria de Jesus, mas não podem aplicar plenamente os seus ensinamentos. Uma relação verdadeira com o Professor é condição necessária para que você possa conhecer o significado da grandeza e da liderança no reino de Deus.

c) Você sabe que é um servo quando...

Jesus exemplificou a grandeza mediante o serviço a outros ao não ter procurado um cargo público, um diploma, a chefia de um exército ou a descoberta de alguma verdade científica. Todo o ministério de Jesus se concentrou no serviço ao Pai celestial, no serviço à sua missão, a seus seguidores e, finalmente, no serviço àqueles que veio salvar. Jesus foi um grande homem por ter sido um servo. Nós o reconhecemos como grande por ter-se mantido fora do turbilhão da vida e vivido deliberadamente para aproximar as pessoas do seu Criador.

Como Senhor de tudo, ele poderia ter-se mostrado superior a nós e exigido obediência cega. Em vez disso, serviu-nos, ensinando-nos a verdade e como viver de acordo com ela. Ele nos serviu em nossa incompreensão, em nosso egoísmo e em nossa fraqueza. Viu de que precisávamos e nos ajudou. Sabia onde precisávamos estar e nos levou para lá — com grande amor e respeito por nós.

Perdemos esse modelo básico de grandeza em nossa cultura centrada na personalidade. A grandeza parece pertencer aos construtores e aos influentes. A grandeza é equiparada ao reconhecimento do nome do indivíduo e de sua posição social.

As igrejas e organizações não-lucrativas se tornaram muito parecidas com o mundo nesse aspecto. Entregamos certificados de grandeza aos que constroem a maior organização ou aos que reúnem o maior número de pessoas num fim de semana. Damos honra aos que se sentam em lugares de poder. Esquecemos que a grandeza entre o povo de Deus começa com serviço, e serviço implica trabalho, sem esperar elogios.

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Dirigi uma conferência da igreja há um ou dois anos num estado do sul dos Estados Unidos. Quando cheguei ao lugar em que era servida a refeição, notei duas mesas onde havia um cartão: "Reservadas para os Servidores". As duas estavam vazias, enquanto todas as outras se achavam lotadas. As pessoas até procuravam lugar para sentar-se, porque tudo estava cheio.

Quando me levantei para falar, fiquei imaginando se era o seu respeito pelo cartão "reservado" ou o medo de serem conhecidas como "servidores" que impedia as pessoas de sentarem-se àquelas mesas! É comum nos esquecermos de equiparar a grandeza com o serviço. Eu disse ao grupo que, de acordo com o modelo de liderança de Jesus, um daqueles cartões "Reservado para os Servidores" deveria estar em cada uma das mesas.

Ser servo não é um de nossos objetivos naturais. Depois da morte da princesa Diana e de madre Teresa de Calcutá, um amigo me perguntou: "Qual delas você gostaria de ter sido?" Ele sabia que eu teria de escolher entre o que pensava que deveria dizer e o que queria dizer.

Se tivesse escolha, a maioria de nós gostaria de ser o príncipe ou a princesa de Gales, não uma serva dos órfãos da índia. Eu disse que preferia ter sido madre Teresa e expliquei que a vida dela se parecia mais com a de Jesus do que a de Diana. Devo admitir que me perguntei como seria receber tratamento real. Meu desejo humano de ser reconhecido como grande algumas vezes supera meu chamado para ser um servo nas ruas da minha cidade.

O teste para ver se você aceitou ou não o ensino de Jesus sobre a grandeza é verificar a sua reação quando outros o tratam como servo. Um dos membros da minha equipe foi a um seminário de Bill Gothard há vários anos. Quando a pessoa comparece a uma das reuniões dele, passa a receber um cartão de aniversário pelo resto da vida. Penso que ela pode mudar-se sete vezes sem deixar endereço e, mesmo assim, vai receber um cartão de aniversário de Bill!

Certo dia, meu auxiliar entrou no escritório e mostrou-me o cartão que recebera da organização Gothard. No cartão estava escrito: "O verdadeiro teste do servo é ver se ajo como servo quando sou tratado como um deles". Ele havia brincado antes, dizendo que todos gostamos de ser mencionados como servos de Deus até sermos tratados como servos. A realidade é que se você procura encontrar grandeza no serviço a seus semelhantes, deve esperar ser tratado como um servo.

d) O primeiro da fila

Jesus disse então: "Quem quiser ser o primeiro..." Essa frase sugere liderança. Primeiro – do grego protos – significa ser o primeiro numa linha ou série. Os líderes são os primeiros da fila. Eles ficam na frente, definindo a realidade, pintando o futuro e mostrando o caminho. Os líderes são os primeiros da fila para um novo tipo de realidade.

Robert Greenleaf identificou dois conceitos de liderança. Um deles é o chefe solitário no alto de uma estrutura hierárquica.

O outro, o líder principal como primus inter pares – "o primeiro entre os seus iguais". Greenleaf observa

que nesse último modelo continua havendo um "primeiro", mas esse líder não é o chefe. Ele conclui: "A diferença pode parecer sutil, mas é importante que o primeiro teste constantemente e prove essa liderança entre um grupo de iguais capazes".

"O primeiro entre os seus iguais" de Greenleaf é outro meio de ser o primeiro, como Jesus ensinou aos seguidores. O teste constante e a prova de ser o primeiro, conforme a definição de Jesus, é a maneira como você serve a outros.

Jesus criou um aparente absurdo quando declarou: "Quem quiser ser o primeiro entre vós, será servo de todos". Os discípulos cocaram a cabeça ante a idéia de se tornarem escravos. Escravo ou servo nesse versículo era um escravo doulos. No século primeiro, este ser humano ocupava o degrau mais baixo da escala social. Era comprado e vendido como propriedade. O escravo doulos não tinha direitos nem privilégios, vontades nem desejos, só as ordens do dono.

Por serem judeus, os discípulos se recusavam a ser escravos de quem quer que fosse. Foi essa a razão do Êxodo. Eles rejeitaram inicialmente a descrição de Jesus, porque era estranha demais para seu entendimento. Como poderia alguém ser o primeiro, descendo ao último degrau da escada?

Ser escravo implica várias coisas: perda da propriedade, separação das raízes, abuso por parte de senhores cruéis, perda da individualidade e, é claro, não ter liberdade de escolha. Ser escravo significa desistir dos direitos pessoais. Esse é o primeiro passo para ser o primeiro entre o povo de Deus. Por quê? Porque você não pode ser servo enquanto não renuncia aos seus direitos pessoais de ser servido. A grandeza no serviço a outros não pode ocorrer enquanto você insistir em que é seu direito ser servido por outros.

Que vantagem há em renunciar ao seu direito de ser servido? Como isso aumenta a sua capacidade de ser um líder-servo? Richard Foster nos mostra que desistir do nosso direito de ser servido leva realmente à liberdade.

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Quando escolhemos ser servos, renunciamos ao direito de controlar. Há grande liberdade nisso. Se escolhemos voluntariamente deixar que se aproveitem de nós, não podemos ser então manipulados. Quando escolhemos ser servos, desistimos do direito de decidir quem e quando vamos servir. Tornamo-nos disponíveis e vulneráveis.

Renunciar ao direito de ser servido nos liberta para servir a outros. Escolher o lugar e o trabalho de um escravo remove qualquer barreira de separação entre as pessoas.

Vivemos numa cultura em que o indivíduo foi colocado no centro do universo. Quando isso acontece, os direitos do indivíduo predominam sobre as necessidades de outros. Até que haja renúncia aos direitos, há menos probabilidade de o serviço acontecer. O serviço talvez ocorra, mas será auto-serviço, e não orientado para outros. Aprender a servir começa quando seguimos o Mestre. Tornar-se escravo de Deus é a forma como nos tornarmos "primeiros" entre nossos companheiros. Ser escravo não faz parte de nossos sentimentos naturais. Como compreender esse princípio?

Wellington Boone, orador popular da organização Promise Keepers deu um sentido peculiar à idéia de ser afro-americano e falar em tornar-se escravo de Cristo. Ele escreve que os negros nos Estados Unidos têm uma vantagem de duzentos anos sobre outros, no que se refere a aprender a ser escravos de Cristo e servos de outros! Em suas palavras: "Os negros tiveram mais de duzentos anos de treinamento na escravidão ao homem. Isso pode ser considerado uma qualificação a longo prazo, com o objetivo de prepará-los para serem ótimos escravos de Deus ou para reinar como um rei".

Concordo com o rev.Boone que ser "escravo de Deus" (Rm 6:19-23) é um modelo bíblico para um estilo de vida cristão. Eu acrescentaria que o modelo de escravidão como exemplo de discipulado para os brancos americanos poderia ser ainda mais difícil de entender. Por quê? Porque os brancos sempre foram os proprietários! Passar de proprietário e senhor a escravo pode ser mais difícil do que voltar a uma era histórica anterior, a fim de compreender os ensinamentos de Jesus. Esse modelo para seguir a Cristo é uma das principais razões por que as pessoas da era pós-moderna acham tão difícil correr o risco do verdadeiro discipulado.

Você começa a descobrir grandeza no serviço quando renuncia ao seu direito pessoal de ser servido. Esse princípio de liderança servil talvez seja o mais difícil de compreender hoje. Temos muito poucos modelos contemporâneos para observar e seguir. Séculos nos separam do contexto dos ensinamentos de Jesus. Como esse princípio pode tornar-se parte do seu estilo de liderança?

e) Como posso liderar desse modo?

Com que se parece esse tipo de liderança na vida real? Como servos e escravos podem liderar? A resposta constitui um verdadeiro dilema para o discípulo de Jesus. Como você concilia o que aprendeu no curso de administração de negócios com as palavras de Jesus? Isso é possível? Há outro meio?

Servos e escravos não são a definição de liderança no dicionário do mundo. Muitos consideram a idéia de ser servo e a de desistir dos direitos pessoais como uma espécie de auto-anulação. Lembro-me de quando minha mulher, que era professora pública na época, foi confrontada pela coordenadora da escola. Minha esposa havia confessado sua fé em Jesus. A coordenadora disse que não gostava de cristãos porque eles provocavam baixa auto-estima nas pessoas. Ela equiparou a confissão de ser pecador com baixa auto-estima. Essa mulher sem dúvida acharia que se considerar servo significava também não ter uma auto-imagem "saudável".

Jesus veio para mostrar como é a vida no reino de Deus, não para modificar a maneira de agir do mundo. Os caminhos de Deus só se estabelecem na humanidade quando Jesus reina no coração das pessoas. Qualquer seguidor de Cristo que procure liderar como Jesus deve estar disposto a ser tratado como ele o foi. Alguns seguirão. Outros atirarão pedras.

Pelo seu próprio exemplo. O modo como Jesus viveu é a resposta para a pergunta como liderar como servo. Ele concluiu sua lição sobre grandeza, dizendo: "Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10:45). Jesus declarou sua missão com essas palavras. Ele sabia que os discípulos não iriam compreender até que completasse a missão. Foi isso que ele disse em essência: "Observem o que faço. Vou mostrar-lhes como isso funciona. Não vim para ser servido por vocês, vim para servi-los. Darei também minha vida como pagamento, a fim de que muitos fiquem livres para manter um relacionamento com Deus". Jesus sabia que tinha de ser exemplo dessa lição antes que seus alunos tivessem qualquer possibilidade de vivê-la.

Jesus não era um professor que apenas definia seus termos; ele também dava exemplo daquilo que pedia que as pessoas fizessem. Tiago, João e os outros dez discípulos tiveram oportunidade de experimentar o que Jesus ensinou, enquanto o seguiam até sua morte, seu sepultamento e sua ressurreição. Eles logo perceberam que

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liderança servil significava em essência dar a sua vida para que outros pudessem ter a vida que Deus desejava para eles.

Esse tipo de serviço é a base para a liderança servil no lar. O casamento é de muitas formas a renúncia aos direitos pessoais para encontrar grandeza no serviço a outros. Os votos tradicionais do casamento, que continuam a ser aqueles escolhidos pela maioria dos casais, implicam serviço ao parceiro em quaisquer circunstâncias. O casamento funciona quando você chega ao ponto em que o bem-estar do outro é tão importante quanto o seu.

Compreendo que alguns conselheiros poderiam discutir que renunciar aos direitos pessoais pode ser perigoso para a auto-imagem do indivíduo e, portanto, pode resultar em um casamento pouco sadio. Admito também que já vi casamentos em que o marido considera a esposa uma serva e ela não sabe como proteger seus limites pessoais. Por outro lado, a natureza do amor é renunciar deliberadamente ao que é seu de direito a fim de servir às necessidades de outra pessoa. O casamento pode ser sadio quando ambos os parceiros encontram grandeza no serviço, em vez de serem servidos.

O serviço sacrificial é certamente parte da missão dos pais. Colaborei certa vez na direção de um grupo de liderança com a líder do nosso grupo ministerial feminino. O grupo era formado por mulheres que dirigiam diferentes áreas do ministério feminino em nossa igreja e comunidade. Quando chegamos ao princípio da renúncia aos direitos pessoais e de encontrar grandeza servindo a outros, comentei que esse era um conceito difícil para muitos homens e me perguntava como elas se sentiam a respeito. As mulheres presentes começaram a rir. Quando perguntei: "O que é tão engraçado?" Uma delas respondeu: "Quando se é mãe, desiste-se dos direitos pessoais para encontrar gran-deza no serviço a partir do dia em que se tem o primeiro filho!" Eu também ri. Ser pai ou mãe é renunciar aos direitos pessoais e encontrar grandeza no serviço a seus filhos. Acredito que a maioria das mães aprende esse princípio antes dos pais.

Da mesma forma, um pai pode praticar esse princípio quando decide modificar os objetivos de sua carreira a fim de servir à missão da sua família, colocando-a acima dos objetivos da empresa. Isso não significa viver por intermédio dos filhos. Não significa deixar de lado sua função de prover o melhor possível para a sua família. Significa, porém, que você serve à pessoinha que está crescendo sob os seus cuidados para que ela possa viver o plano de Deus para a própria vida. Dar exemplo de grandeza no serviço é uma forma de ensinar esse princípio a seus filhos.

O único e verdadeiro modelo. Jesus merece ser servido por aqueles a quem criou! Ele veio, entretanto, para servir. Veio para dar sua vida como pagamento pelos pecados de outros. Jesus veio para dar sua vida como resgate, a fim de que a criação ficasse livre da barreira que a separava do seu Criador. No mundo antigo, o resgate era um pagamento feito para libertar um escravo ou prisioneiro. Como Filho do Homem, Jesus considerou sua vida como um sacrifício em benefício de outros.

Creio que Jesus é o nosso único e verdadeiro modelo de liderança servil. Ele serviu a outros, dando a sua vida por eles. A missão de toda a sua vida foi libertar outros, não ganhar uma posição. Isso é um mistério para o mundo, mas é a essência da liderança servil segundo os ensinos de Jesus. Qualquer pessoa que busque liderar no corpo de Cristo deve submeter-se ao senhorio de Jesus. Só então é possível começar a compreender por que os servos são grandes e os escravos são os primeiros.

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VI. O PODER DE JESUS MEDIANTE O SERVIÇO9

Os líderes vivem a visão ao fazer com que todas as suas ações e seus comportamentos

estejam nela fundamentados e ainda ao criar um senso de urgência e paixão para atingi-la. Burt Nanus, Visionary Leadership

Ao lavar os pés dos discípulos, Cristo deu um exemplo de amor, pois esta é a natureza do amor — servir e sujeitar-se uns aos outros.

Martinho Lutero, Book of Jesus

Quando Jesus prendeu a toalha na cintura, derramou água na bacia de cobre e lavou os pés dos apóstolos, começou a revolução do lava-pés da quinta-feira,

e uma nova idéia de grandezano Reino de Deus emergiu. Brennan Manning, Signature of Jesus

Assim como a cruz é o sinal da submissão, a toalha é o sinal do serviço. Richard J. Foster, Celebração da Disciplina

Jesus realizou dois atos simbólicos para os seus seguidores na noite em que foi traído. Essa era a sua última oportunidade de verificar se a sua equipe de líderes compreendera a sua missão. A sua última oportunidade de ver se eles conseguiriam completar a missão após a sua partida.

Na noite em que foi traído, Jesus tomou o pão e o vinho da refeição pascal e revelou ser ele o supremo sacrifício para eliminar os pecados do mundo. Tomou também a toalha e a bacia usadas pelos servos e lavou os pés dos discípulos. A maioria dos cristãos conhece o poder e o significado do primeiro ato; mas qual a sua mensagem no segundo?

Lucas nos diz que depois da refeição da Páscoa, os seguidores de Jesus começaram a discutir quem era o maior do grupo (Lc 22:24). Esse era um tópico comum entre os seguidores. Penso, porém, que devemos dar a eles um desconto, pois na verdade não passavam de homens! Os homens parecem acabar sempre discutindo sobre quem pegou o maior peixe ou fechou o melhor negócio. Ao conversar com seus companheiros ministros, os pastores do sexo masculino são conhecidos por aumentar em pelo menos dez por cento o número de pessoas que realmente compareceu a um evento. Incentivamos esse comportamento quando oferecemos os melhores empregos aos su-jeitos com as maiores histórias.

Penso que os discípulos estavam simplesmente compartilhando histórias sobre como Deus operou por intermédio deles. Haviam esquecido, porém, que fora Deus, não eles, que executara a obra! A semana anterior em Jerusalém fora difícil, mas eles tinham visto Jesus atacar os líderes religiosos. Jesus também avançara muito na questão de convencer e atrair pessoas.

Esses indivíduos que buscavam o reino pensaram que os sinais de vitória eram positivos. Começaram, portanto, a discutir quem iria sentar-se ao lado de Jesus quando ele entrasse de novo no reino. Jesus surpreendeu os seguidores quando deixou a mesa principal (enquanto eles discutiam quem iria sentar-se ali) e dirigiu-se ao lugar onde os servos trabalhavam. Ele enrolou uma toalha na cintura, encheu uma bacia com água e começou a lavar os pés empoeirados dos amigos.

Nosso [...] princípio de liderança servil se baseia neste episódio em que Jesus lavou os pés dos discípulos.

Os Líderes-servos pegam a toalha de serviço de Jesus, a fim de suprir as necessidades de outros.

Entendemos por esse evento que a toalha de serviço de Jesus é o símbolo físico da liderança servil. Seu ato de satisfazer as necessidades físicas e espirituais dos seus seguidores nos mostra o que fazem os líderes-servos.

Lavar pés não era tarefa de Jesus. Ele era um professor e mestre. Ninguém criticaria o líder que delegasse esse trabalho servil a outro membro do grupo. Pensamos: "Os líderes tratam das grandes questões. Eles empregam outros para fazer os serviços inferiores". Enfrentamos mais uma vez um paradoxo da liderança servil. Se lhe for dada a tarefa de supervisionar a visão e a missão do grupo e tiver a responsabilidade de completar a missão, por que deixaria seu posto para fazer algo tão insignificante quanto lavar os pés de outros? Jesus, o líder, confundiu nossos pensamentos quando se tornou Jesus, o servo. Por que o Rei dos reis poria uma toalha na cintura para lavar os pés alheios?

Todavia, quando observamos Jesus tomar a toalha do serviço, notamos duas coisas. Primeira, ele demonstrou que os líderes-servos suprem as necessidades do grupo a fim de executar a missão. Os pés dos seguidores de Jesus estavam sujos e ninguém se dispusera a lavá-los. O grupo tinha uma necessidade, mas ninguém quis sair do seu lugar para satisfazê-la. Eles estavam ocupados demais comparando-se uns aos outros.

9 WILKES, C.Gene. O último degrau da liderança. São Paulo, Mundo Cristão, 1999. p.163-186.

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Essa mentalidade afeta a atuação das famílias e das organizações. "Não é minha responsabilidade" é uma atitude que impede a colaboração e o trabalho em equipe. Numa família, essa atitude geralmente escraviza um dos membros, levando-o a lavar roupas e limpar a casa, ou cuidar das crianças. Num negócio, a mesma atitude aniquila qualquer idéia de trabalho em equipe. Você já teve um membro da equipe que deixou muito claro o que era e o que não era sua função? Essa pessoa recusou-se a fazer qualquer coisa que não constasse da sua descrição de trabalho?

Quando a idéia "não é minha responsabilidade" penetra numa equipe, esta fica prejudicada. Os territórios são marcados e defendidos. Batalhas são travadas quanto a quem faz o que e quem faz mais do que os outros. Jesus, porém, mostrou-nos que os líderes com toalhas estão dispostos a satisfazer qualquer necessidade existente - sem levar em conta a quem cabe a tarefa.

A segunda lição dada por Jesus no lava-pés foi que os pés sujos não eram a necessidade real. A discussão dos discípulos sobre a grandeza revelou a sua verdadeira necessidade - saber quem Jesus era e por que ele fora enviado. A demonstração contínua da mentalidade da mesa principal revelou que eles ainda não haviam compreendido plenamente a razão da vinda de Jesus. Ele viera para servir. Todos os seus seguidores seriam servos. Na sua última noite com os discípulos, Jesus teve de enfatizar novamente de que tipo de reino eles faziam parte e o que seria necessário para que seguissem os seus passos.

1. O poder de Jesus mediante o serviço

―Onde está a liderança do líder-servo?" é uma pergunta feita com freqüência quando falo sobre liderar como servo. Enquanto recapitulava tudo o que aprendera ao observar Jesus, meus pensamentos voltaram para a noite em que ele lavou os pés dos discípulos. Jesus exemplificou ali como os líderes podem ser servos e ainda assim liderar.

Quando observamos os eventos daquela noite, em geral só vemos muito serviço e nenhuma liderança. Perguntamos então: "Se você serve todo o tempo, onde está o poder?" Serviço e liderança parecem ser conceitos opostos. Pensamos que não é possível ser um e fazer o outro. Encontramos as respostas a esta pergunta ao observarmos os atos de Jesus na noite em que foi traído.

Ele deu o exemplo da missão. Quando Jesus deixou a mesa para tomar a forma de servo e fazer o trabalho de um escravo, estava oferecendo uma visão real da sua missão. Eleja ensinara que a sua missão não era "ser servido, mas servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (Mc 10:45).

O ato de descer da posição de último cordeiro pascal para a de servo humilde equiparou-se à sua descida do céu para a cruz. Lembra-se do que ele ensinou sobre a humildade: "O que se humilha será exaltado" (Lc 14:11)? Está lembrado do hino de humilhação e da exaltação de Jesus pelo Pai? "A si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo" (Fp 2:7). Ao mudar da mesa principal para o mais ínfimo dos lugares no grupo, Jesus ofereceu uma ilustração visual da missão da sua vida.

A missão de Jesus era ser o Servo Sofredor de Deus. Os evangelhos contam como Jesus teve de corrigir repetidamente a percepção dos seus seguidores sobre quem ele era como Messias. As cinco mil pessoas que alimentou queriam que ele fosse um Messias popular que satisfizesse todos os seus desejos físicos. Outros, como Tiago e João, queriam que fosse um Messias político que estabelecesse um reino terreno. Simão, o Zelote, e seus amigos desejavam que Jesus fosse um Messias militar que esmagasse o jugo da opressão romana.

As pessoas continuam tendo esses tipos de desejos e expectativas ligados à sua fé em Jesus.

Continuamos querendo que Jesus seja o que desejamos que ele seja. Quando nos decidimos por Jesus, queremos que ele seja popular com os que nos conhecem e aceitam. Queremos que Jesus mitigue a nossa fome e satisfaça nossos desejos. Queremos que ele cure os nossos males e conserte nossos casamentos. Juntamo-nos aos cinco mil que pretendiam fazê-lo rei porque ele lhes deu de comer. Os que seguem um messias popular ficam logo decepcionados quando ele pede algo em troca da sua lealdade.

Outros ainda desejam que Jesus seja um messias político. Você não precisa ir muito longe para encontrar cristãos que querem estabelecer o reino de Deus elegendo cristãos para cargos políticos. Embora Jesus tivesse ensinado que somos sal e luz, ele rejeitou pessoalmente quaisquer idéias de tornar-se um líder político. Jesus nunca se candidatou a um cargo público. O seu reino era espiritual.

Aqueles a quem Deus chama para cargos públicos devem examinar constantemente sua opinião do governo, comparando-a com a daquele que os chamou. O problema com o desejo de que Jesus seja um messias político é que a sua fé desfalece quando Deus permite que outros sejam eleitos e não aqueles em quem votou.

Finalmente, alguns ainda querem que Jesus seja um messias militar. Embora essa tentação não predomine tanto hoje, sabemos que muitos cristãos seguem uma teologia que permite que Jesus faça uso de uma metralhadora e derrube governos pelas forças revolucionárias.

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Acho significativo que Jesus tenha escolhido Simão, o Zelote, para ser um dos Doze. Simão fazia parte do movimento revolucionário judeu que jurara expulsar Roma da sua terra. Creio que Jesus chamou Simão com o objetivo de desafiar sua fé na ação militar para cumprir a vontade de Deus. Esse discípulo com certeza teve de lutar com as idéias do Sermão do Monte.

Quando a sua esperança está na guerra, amar os seus inimigos e oferecer a outra face são "criancices". Simão não deve ter dormido bem na noite da morte do Salvador. Se ele esperava que exércitos de anjos (ou de homens) viessem resgatar Jesus da máquina de guerra romana, deve ter se decepcionado realmente. Gostaria de estar presente quando o Senhor ressurreto explicou o verdadeiro poder do seu reino a Simão, antes de subir aos céus.

Jesus era, porém, o Servo Sofredor, o Messias. Tinha como missão cumprir a profecia de Isaías sobre o tipo de Messias a ser enviado por Deus para libertar o seu povo. O profeta disse: "Ele verá o fruto do penoso trabalho de sua alma e ficará satisfeito; o meu Servo, o Justo, com o seu conhecimento, justificará a muitos, porque as iniqüidades deles levará sobre si" (Is 53:11).

A missão de Jesus não era satisfazer os desejos dos que o seguiram, mas cumprir a vontade do Pai. É grande o número de líderes que fracassam quando abandonam a missão para agradar os seguidores. Essa é a razão de Jesus corrigir constantemente os discípulos quando eles (em especial Pedro) tentavam impedir que ele sofresse e morresse para levar salvação a seu povo.

A missão de Jesus era entregar sua vida como sacrifício a fim de promover a reconciliação entre Deus e toda a criação. Seus seguidores tinham de compreender a sua missão antes de poderem entender a deles.

Quando Jesus se ajoelhou e lavou os pés dos discípulos, ele lhes deu uma idéia de sua missão na terra. Veio para servir. Veio para sofrer.

Jesus aperfeiçoou os seus ensinamentos. Jesus já ensinara os princípios da liderança servil aos seguidores e, agora, os estava aperfeiçoando. Ensinou os seguidores a ocupar o lugar mais humilde quando convidados a um banquete (Lc 14:10). Aperfeiçoou o conceito de humildade, usando a toalha de um servo.

Ele ensinara que a grandeza entre o povo de Deus era alcançada quando o indivíduo se tornava um servo (Mc 10:43-44). Ele determinou esse tipo de grandeza ao vestir-se como servo. Jesus ensinara que ser o primeiro da fila significava tornar-se escravo de outros. Deu exemplo disso, portanto, ao fazer o trabalho de um escravo. Nossos ensinamentos ganham extraordinário poder quando os apoiamos com as nossas ações.

Muitos pais falham ao ensinar aos filhos uma coisa e depois agem de outra forma. Em nossa casa, ensinamos nossos filhos a serem honestos em quaisquer circunstâncias. Certo dia uma senhora telefonou e pediu se uma de minhas filhas não poderia ficar com os filhos dela numa segunda-feira à noite. Eu não conhecia a mulher, e as noites durante a semana não são as melhores ocasiões para uma estudante ficar fora até tarde. Minha filha pôs a mão sobre o bocal do telefone e perguntou-me o que deveria dizer. Respondi: "Diga a ela que você tem educação física nessa noite". (Ela faz educação física duas vezes por semana.) Minha filha ficou hesitante, mas deu sua desculpa à senhora e desligou.

No dia seguinte, no carro com minha filha, lembrei-me da "mentirinha" que a aconselhara a contar. Disse então que cometera um erro e que ela não deveria permitir que eu fizesse isso novamente! Ela sorriu e perdoou-me. Independentemente de posição do líder, ele perderá credibilidade quando seus atos não corresponderem ao que ensina.

Vestido como um servo, agindo como um escravo – Jesus continuou liderando. Quando Jesus chegou aos pés sujos de Pedro, seu amigo íntimo recusou os seus serviços. Pedro disse: "Nunca me lavarás os pés" (Jo 13:8).

Era uma nobre resposta de um líder do grupo, mas por que ele disse essas palavras?

Em primeiro lugar, penso que Pedro pode ter sentido constrangimento por não haver pensado em fazer o serviço que o seu líder estava fazendo naquele momento. Ele foi o primeiro a sair do barco e andar por sobre as ondas revoltas. Foi o primeiro a declarar que Jesus era o Cristo. Pedro queria agradar Jesus naquela noite, enquanto ele se ajoelhava a seus pés. Sentia-se constrangido por ter decepcionado o líder. É bem provável que se censurasse por não ter notado a necessidade e feito algo a respeito.

Creio também que a reação de Pedro estava de acordo com a sua recusa em permitir que o Messias sofresse. O Messias de Pedro não faria trabalho escravo! O discípulo-líder recusou-se a aceitar qualquer coisa inferior à sua percepção pessoal da missão. Seu líder jamais lavaria os pés dele porque isso estava abaixo da dignidade e posição do Mestre. Pedro tinha a noção errada de que os líderes não fazem pequenas coisas.

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Ajoelhado diante dos pés malcheirosos de Pedro e usando a toalha de serviço, Jesus revelou a falta de entendimento do discípulo quanto à missão. Pedro ainda não compreendia a missão de Jesus na terra. A sua recusa revelou a sua confusão. Às vezes o líder precisa revelar uma necessidade antes de poder satisfazê-la.

A recusa da oferta de Jesus por parte de Pedro foi um obstáculo ao caminho do Salvador para a cruz. Pedro ofereceu um "atalho para o reino", o qual Jesus recusou. Essa não foi a primeira vez que Pedro revelou sua idéia de como seria o reino. Em Cesaréia de Filipos, Jesus chamou Pedro de "Satanás" porque o discípulo ofereceu a Jesus o reino sem passar pelo sofrimento (Mc 8:29-33).Jesus tinha de liderar diante da oposição.

"Os líderes aprendem liderando, e aprendem melhor liderando diante de obstáculos", adverte Warren Bennis. Os líderes também lideram diante das críticas. Jesus continuou liderando, ajoelhado aos pés de Pedro, embora enfrentasse oposição de um de seus seguidores mais próximos.

Esse encontro entre Jesus e Pedro na refeição da Páscoa ensina também que Jesus liderou sem ceder às preferências pessoais dos seguidores. Satisfazer necessidades de outros não significa ceder aos desejos deles. Jesus ajoelhou-se como um servo aos pés de Pedro, mas não permitiu que as preferências pessoais de Pedro sobre quem ele era como Messias o impedissem de cumprir a missão que lhe fora designada.

Pedro não conseguiu impor a sua vontade. Jesus disse: "Se eu não te lavar, não tens parte comigo" (Jo 13:8). Ele indicou que Pedro deveria aceitar sua missão de Messias como ele a definira, caso contrário o discípulo não faria mais parte do movimento. Não falta determinação à liderança servil. Os líderes-servos não vacilam com respeito à sua missão só porque um dos seguidores tem outro conceito sobre como as coisas devem ser feitas.

Quando alguém se torna servo da missão, essa missão transforma-se na determinação, que é a base da liderança forte nas ocasiões críticas. A resolução firme em face do desafio não é resultado apenas da personalidade. A decisão de liderar é diretamente proporcional ao serviço do indivíduo à missão. Os líderes vacilam em face do desafio quando não têm ou não compreendem plenamente a missão.

Já contei como o chamado de Deus para a missão em minha vida e em nossa igreja se tornou central para a minha motivação de liderar. Não fui um bom líder até entender esse chamado em minha vida. Quando cursava a faculdade, pertenci a uma organização de serviço. No fim do meu primeiro ano, pensei em candidatar-me a presidente do clube. Lembro-me de dois alunos mais adiantados e muito influentes dizerem que iriam apoiar um amigo meu porque eu não era um líder.

É fácil imaginar que golpe isso significou para o meu ego. A influência deles prevaleceu porque fui nomeado "porta-voz"! Aceitei a avaliação que fizeram e esperei que o tempo provasse a minha liderança.

Quando penso naqueles dias, tenho de concordar com meus amigos. Eu não era um líder. Vacilaria em face da oposição e esperaria para ver qual era a vontade do grupo antes de tomar a liderança. Sem missão não haveria determinação para liderar. Com o chamado de Deus em minha vida e a responsabilidade pelas pessoas que me foram confiadas, estou aprendendo a liderar.

Jesus foi um líder-servo resoluto porque se tornou servo absoluto do chamado de Deus para a sua vida. A opinião popular e a preferência pessoal não o desviaram do chamado. Foi por essa razão que, naquela noite, a bandeira do reino era uma toalha suja.

Ele passou no último teste de serviço. Li várias vezes a história de Jesus lavando os pés dos discípulos. Há cerca de dois anos, minha leitura projetou-se além do evento e dos ensinos de Jesus naquela noite. Impressionou-me como nunca o fato de Jesus ter lavado também os pés de Judas.

Jesus lavou os pés do discípulo que mais tarde,

naquela mesma noite, iria traí-lo com um beijo. Sabendo que Judas o entregaria aos líderes religiosos – cujo ato resultaria em sua morte – o Senhor ainda assim lavou os pés do discípulo. Ao fazer isso, Jesus foi aprovado no que acredito ter sido o maior teste de um líder-servo.

O fato de Jesus ter lavado os pés de Judas ainda me surpreende. Minhas tendências naturais diriam: "Se você sabia que o sujeito era um traidor, porque não tentou livrar-se dele?" Outros julgariam: "Se você fosse um bom líder, Jesus, saberia o que estava acontecendo e impediria que continuasse". Essas são, porém, declarações de pessoas que estão protegendo sua posição na mesa principal. Os servos que cumprem a vontade do Pai celestial não temem os estratagemas humanos. A sua confiança está nos propósitos divinos, não nos seus esforços para controlar as circunstâncias.

O quadro é impressionante. Ali estava o Rei dos reis, ajoelhado diante de alguém que já o vendera ao inimigo por trinta peças de prata. Ambos sabiam que o trato tinha sido fechado. Ambos sabiam qual o resultado final. Mesmo assim, Jesus não ignorou Judas quando chegou a sua vez de ser lavado. Judas tinha uma necessidade - como a tinham todos os demais. Ele também devia ver o Salvador ajoelhado aos seus pés antes de vê-lo pendurado numa cruz. Só o amor que ultrapassa a capacidade humana leva o líder a humilhar-se diante de alguém que pode entregá-lo aos inimigos.

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Como no caso de Pedro, Jesus não permitiu que Judas fosse embora sem cuidar da necessidade dele. Jesus não deixou que a sua missão desabasse por causa das artimanhas da oposição para destruí-lo. Quando Pedro aceitou o dom de serviço de Jesus, este lhe disse: "Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés; quanto ao mais, está todo limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos" (Jo 13:10). Jesus estava se referindo ajudas ao declarar: "mas não todos". Com esse comentário, vemos Jesus expor o pecado da traição, embora ainda servindo ao pecador. Jesus responsabilizou Judas pelo seu delito, mas lavou mesmo assim °s pés dele. Maravilhosa graça.

Creio que o seu maior teste como líder-servo talvez seja la-var os pés dos que provavelmente em breve

venham a traí-lo. Os líderes serão sempre provados por aqueles que buscam uma Posição ou querem impor seus próprios planos. Os líderes devem tratar continuamente com os que tentam desviar a atenção do grupo. Todo grupo tem um Judas que irá forçar a mão do líder para agir segundo os desejos do traidor. A determinação do líder-servo será ativada por esse desafio.

O maior teste de ser líder com o coração de Jesus não é se você vai ou não vencer as provocações de outros. Mas, sim, se irá ou não servir os que têm o poder de eliminá-lo. Honramos Jesus porque ele lavou os pés do homem que o traiu. Isso não foi nada. Jesus deve ser honrado porque no dia seguinte ele morreu no lugar do traidor. Se você estiver disposto a subir numa cruz por alguém porque o ama, lavar seus pés sujos é como dar um passeio pelo parque.

Aprendi essa lição quando Deus me fez ajoelhar para lavar os pés do presidente dos diáconos (na história que contei ao iniciar este livro). Não sou herói por ter lavado os pés de Ted. Se, meses antes, eu tivesse sido um líder-servo como Jesus, o lava-pés naquelas circunstâncias não seria necessário. Como aconteceu, aquele foi um momento de graça orquestrado por Deus. Esse ato e, mais ainda, o ato recíproco de Ted, que lavou os meus pés, revelou o coração de Jesus para mim.

Jesus veio para nos mostrar o coração de Deus. Toda a sua mensagem e ministério na terra foram para mostrar a pessoas egoístas, sedentas de poder, como você e eu, o que é realmente o amor. Ao se ajoelhar diante de Judas, Jesus nos mostrou um amor que nenhum ser humano pode conceber sozinho: um amor que é brutalmente sincero sobre o que está acontecendo, mas ainda se ajoelha diante de nós para entregar sua vida a fim de livrar-nos do pecado que nos contamina. Jesus ama você como amou Judas. Se não entender isso, não terá também entendido a vida eterna.

2. Como lideramos na condição de servos?

Como integramos o exemplo de Jesus à nossa vida? Tentarei dar algumas respostas. O líder-servo irá definir sua missão, aperfeiçoar o que ensina, liderar vestido como servo, agir como escravo, e ser capaz de passar no grande teste da liderança servil.

Descreva a sua missão. Suas atitudes serão a ferramenta mais valiosa para revelar a visão e manter o curso. Kouzes e Posner, autores do livro The Leadership Challenge [O desafio da liderança], escrevem:

Ao definir o caminho, os líderes tomam sua visão tangível. O tijolo e a argamassa, os pregos e a madeira, os tapetes e a mobília, as tomadas elétricas e a colocação das janelas, e todas as centenas de outros detalhes fazem parte do plano do arquiteto para uma nova casa.

Definir a missão é pôr em prática aquilo que você está convocando seus seguidores a fazer. Essa é a razão que me leva a lavar os pés dos diáconos e dar toalhas àqueles que ordenamos aos diversos ministérios. E claro que esses seriam símbolos inúteis se eu não estivesse disposto a levar o lixo para fora ou ajudar a mudar os móveis de lugar.

Tenho uma toalha manchada de graxa de sapato em meu escritório. Geralmente uso-a quando separamos membros da nossa igreja para diáconos. Cada vez que separamos alguém para o ministério, ajoelho-me e limpo o pó dos sapatos dos servos diante da igreja reunida. Faço isso por duas razões: (1) lembrar-me do meu papel como líder-servo da igreja; (2) quero que cada um dos que estamos separando se lembre do exemplo de liderança servil dado por Jesus, quando lavou os pés dos discípulos.

Viva o que você ensina. Joseph Stowell, presidente do Instituto Bíblico Moody, lembra aos líderes da igreja para usarem a sua visibilidade de líderes em proveito próprio. De seu livro, Shepherding the Church into the Twenty-First Century [Pastoreando a igreja do século XXI], gosto do título de um capítulo: "Uma Carreira como Modelo: Transformando o Aquário em Proveito de Cristo". Ele lembra os líderes de que "é a nossa visibilidade que viabiliza o trabalho... Se a nossa visibilidade projeta imagens positivas e atraentes, isso é vantajoso para nós, já que aumenta a nossa competência". Ser o exemplo do que você ensina valoriza as suas lições.

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Nan é a líder de nossa equipe de missões. Seu grupo é responsável pela liderança da igreja nas missões locais e no mundo inteiro. Nan veio ver-me certo dia e disse que não queria mais fazer parte da equipe. Estava cansada das reuniões e de tomar decisões. Queria fazer missões, não decidir sobre missões. Aborrecera-se de apenas ensinar sobre missões; ela queria aprender sobre missões. Falamos longamente a respeito das suas preocu-pações e concordamos que, se ela e a equipe fizessem realmente missões, outros desejariam praticar a grande comissão de Cristo que consiste em fazer discípulos de todos os grupos étnicos.

No verão seguinte, Nan, outro membro, e uma família da nossa igreja investiram seu tempo durante o feriado de quatro de julho numa visita à região do Rio Grande, no Texas. Eles levaram um trailer cheio de itens que a igreja havia coletado durante a Escola Bíblica de Férias naquele verão e realizaram a sua própria EBF numa pequena cidade da fronteira.

Nan decidiu permanecer como líder da equipe missionária naquele ano. Ela começou a praticar o que tinha aprendido sobre missões. Quando outros viram o seu exemplo, começaram a desejar fazer parte de um grupo que enviasse pessoas por todo o mundo para suprir as necessidades de outros.

Você irá liderar outros à medida que praticar o que ensina. Se tudo o que tiver para oferecer forem palavras, poucas pessoas irão segui-lo. O seu exemplo dará a elas uma idéia do que você está falando.

Reconheça a necessidade — e pegue a toalha. Os líderes-servos deixam de boa vontade seu lugar à mesa principal para satisfazer as necessidades de outros. Não vemos muito isso hoje em dia. Tendemos a dar regalias em vez de tarefas humildes aos que se encontram nas mesas principais em nossa cultura. Mas os verdadeiros líderes-servos lideram com toalhas encardidas e joelhos sujos.

O presidente Jimmy Carter é um dos meus heróis. Ele é um herói por ser um homem de caráter que não permitiu que o cargo de presidente dos Estados Unidos da América o desviasse do seu compromisso de seguir Jesus. Não entendo suficientemente de política interna e externa, ou de economia, para avaliar o sr. Carter nessas áreas.

Acredito que se o presidente Clinton pode receber crédito pela explosão da economia durante o seu governo, o presidente Carter foi derrotado pela alta dos juros durante a sua administração. Se o presidente Bush pode ser elogiado pela sua liderança durante a Guerra do Golfo, o presidente Carter talvez tenha uma boa dose de culpa pelo esforço malogrado em livrar os reféns no Irã. Os líderes recebem às vezes crédito ou culpa por coisas fora do seu controle.

Apesar de não ser um estudioso perspicaz de política, compreendo o poder de pegar a toalha de serviço. Depois da sua derrota para Ronald Reagan em 1980, observei como o presidente e a sra. Carter começaram a trabalhar com a organização Hábitat para a Humanidade. Fiquei surpreso ao ver como um dignitário de posição tão elevada pôde aparentemente rebaixar-se a ponto de participar da construção de casas para os que não podiam comprá-las. Sabia, no entanto, que tal comportamento fazia parte do caráter cristão que o motivara a dar aulas na escola dominical mesmo enquanto era presidente.

Em seu livro, Living Faith [Vivendo a fé], o presidente Carter conta como o exemplo de Jesus nos leva a uma vida de serviço a outros. Refletindo sobre o fato de Jesus ter lavado os pés dos discípulos, ele escreveu:

Este tipo de imagem [Jesus lavando os pés dos discípulos] é profundamente importante para mim enquanto tento, a meu modo, seguir os passos de Jesus: por exemplo, quando vou com um grupo da Hábitat construir uma casa em Los Angeles ou Chicago, num bairro onde vivem os americanos mais pobres, cercados por viciados em drogas e criminosos, ouvindo às vezes tiros nas ruas próximas... a percepção de que o meu Deus também fez isso antes de mim torna possível continuar esse esforço.

O presidente Carter confessou que a sua motivação e modelo para participar do trabalho da Hábitat foi o exemplo de Jesus lavando os pés dos discípulos. O trabalho do presidente e da sra. Carter, construir casas para os pobres, me diz que eles são líderes-servos seguindo os ensinamentos e o exemplo daquele que chamam Senhor. Ambos tomam de boa vontade a toalha para suprir as necessidades de outros.

Liderar sem ceder às preferências pessoais de outros. Liderança servil significa ser servo da missão e evitar a tentação de favorecer os outros. Minha personalidade natural quer que os outros gostem de mim. Isso motiva-me a ser gentil e agradável. Essa mesma tendência também me faz tomar decisões baseadas no que as pessoas pensam de mim. Somente depois que Deus abraçou o meu coração com a visão para a sua Igreja me tornei capaz de liderar além das preferências pessoais de outros.

Em 1992 acrescentamos um terceiro culto na manhã de domingo. Esse trabalho era uma expressão contemporânea da nossa fé. Nós o oferecemos por estarmos convictos da necessidade de prover uma experiência de adoração para os que não se sentiam à vontade num culto tradicional da igreja. Baseamos essa decisão em nossa missão de fazer discípulos, o que significava começar com pessoas perdidas em vez de cristãos.

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Fizemos muitas mudanças na aparência, estilo e conteúdo dos nossos cultos de adoração. Alguns aceitaram abertamente as modificações. Outros não gostaram nada delas. Aprendi que as pessoas quase sempre equiparam o estilo da adoração com a ortodoxia do seu conteúdo. A missão é posta de lado em favor do que é familiar.

Enquanto liderava naqueles dias de transição, enfrentei críticas e resistência dos que preferiam render culto de uma certa maneira. Recebi igualmente agradecimentos da parte daqueles que voltaram à igreja e dos que ansiavam por uma experiência de adoração.

Ao me sentar com os que preferiam o status quo, senti que, por causa da missão, eu não podia ceder às preferências de outros. Nossa missão era alcançar os que não compreendiam os meios tradicionais do funcionamento como igreja. Mudar o estilo de adoração significava abrir espaço para os que tentávamos atingir. Manter o curso significava contar pacientemente aos membros a nossa visão de nos tornarmos uma "comunidade vi-sível de relacionamentos à semelhança de Cristo, construindo um legado espiritual de encorajamento e esperança" para as pessoas que se encontravam a nossa volta. Servi-las enquanto púnhamos em prática a missão da nossa igreja permitia que enxergassem o nosso objetivo.

Minha jornada pessoal ensinou-me que liderar significa manter-se fiel à missão e não necessariamente aos desejos das pessoas — mesmo que seja a maioria delas. Vivo agora conforme este axioma: "Não é possível liderar por consenso, mas é preciso consenso para liderar". O consenso é um subproduto e não um método da boa liderança. Uma votação de 51 por cento não determina a vontade de Deus. O líder-servo, porém, consegue o apoio desses 51 por cento para completar a missão confiada ao grupo inteiro. As preferências pessoais são secundárias aos propósitos divinos.

Esteja preparado para lavar os pés daqueles que podem traí-lo prontamente. Liderança servil é a disposição para servir até os que possam tirá-lo de sua posição. Jesus lavou também os pés de Judas. Os diáconos da minha igreja tinham o poder de demitir-me. Deus usou essa experiência para dirigir o meu coração para o serviço, em lugar do poder, como estilo de liderança. Meu encontro com os diáconos foi um momento muito difícil em minha vida. Se tivesse escolha, jamais teria optado por essa estrada. Deus fez uso dela, no entanto, para mostrar-me a profundidade do seu amor e até que ponto ele se curvaria para servir às necessidades dos pecadores – pessoas que queriam fazer um Deus à sua própria imagem.

Quando o tempo permite, conto a cada grupo a que falo a história de como Deus me humilhou. Já conversei com pastores e membros de diretoria que me contaram histórias tristes de como as igrejas os trataram. Não sei se lavar os pés dos que estão tentando afastá-lo vai terminar do modo como aconteceu comigo. Mas sei que se você e eu quisermos liderar da mesma forma que Jesus, devemos estar dispostos a arriscar quaisquer conseqüências para praticar a liderança servil.

Não podemos esquecer que Jesus lavou os pés de Judas e mesmo assim foi traído por ele e morreu na cruz. Você não lava pés para conseguir impor a sua vontade. Você lava porque o seu Líder mandou que faça isso.

Líderes de joelhos. Jesus disse: "Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também" (Jo 13:15). Os que lideram no reino de Deus devem verificar onde se sentam e o que vestem. Se você não estiver ajoelhado aos pés de outros, usando a toalha de servo, então está no lugar errado.

Esse exemplo de Jesus não se ajusta à idéia cultural de liderança. Jesus não veio, porém, para mostrar-nos um meio melhor de fazer as coisas. Ele veio mostrar-nos como viver como cidadãos do reino. Brennan Manning captou o poder do exemplo de Jesus:

Que inversão chocante das prioridades e dos valores da nossa cultura! Preferir ser o servo e não o senhor da casa, zombar alegremente dos deuses do poder, prestígio, honra e reconhecimento, recusar-se a levar-se a si mesmo a sério, viver sem tristeza como lacaio; essas são as atitudes e atos que levam o selo do discipulado autêntico.Jesus disse com efeito: Bem-aventurados sois se amardes para serdes desconhecidos e considerados como nada. Em iguais circunstâncias, preferir o desprezo à honra, o ridículo ao louvor, a humilhação à glória - essas são as fórmulas da grandeza no novo Israel de Deus.

Os que lideram no reino de Deus fazem-no ajoelhados, vestidos como servos. Antes de Jesus levar o grupo ao jardim para orar naquela noite, ele prometeu que se os discípulos obedecessem aos seus mandamentos seriam abençoados (Jo 13-17).

Bem-aventurados os que tomam a toalha em nome de Jesus.

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VII. A linha do tempo da vida de um líder10

Introdução

Qual é a base fundamental do estudo da teoria de desenvolvimento da liderança? Essencialmente, é o estudo de uma linha imaginária chamada de linha do tempo. Estudiosos dessa teoria analisaram a vida de personagens bíblicos (homens e mulheres de Deus na história, tanto do passado como do presente, vivos ou mortos, aposentados ou ainda exercendo atividades de liderança) e descobriram que, de uma maneira geral, a vida de uma pessoa pode ser dividida em fases, cujo detalhamento darei a seguir. Na fundamentação teórica desta abordagem, o número de indivíduos estudados já passa atualmente de 1.200 pessoas, em quatro continentes.

Fase 1 Fase 2 Fase 3 Fase 4 • Fase 5 Fase 6

Fundamentos Crescimento

Interior 16 a 26 anos

Maturidade no Ministério

5 a 12 anos

Maturidade na Vida 8 a 14 anos

Convergência 12 ou + anos

Celebração ?

Fase 1 – Fundamentos soberanos

Os livros tratam dessa fase como um período que gira em torno dos dezesseis aos vinte e seis anos de idade, tomando por base uma vida de setenta anos.

Fundamentos soberanos são aqueles acontecimentos acerca dos quais só tomamos consciência da ação de Deus em um determinado momento posterior, quando temos oportunidade de olhar para trás e ver que Deus estava, de fato, trabalhando em nossas vidas através deles. A partir daí, poderemos olhar para frente e almejar alcançar as coisas que Deus, progressivamente, tem-nos revelado.

Como podemos ver na figura acima, esta fase dura, em média, de dezesseis a vinte e seis anos. Normalmente, a passagem de uma fase para outra é uma experiência espiritual dramática, que pode tratar-se da conversão ou de uma profunda experiência com Deus. Os elementos que Deus usa nesta fase variam muito. Ele pode usar a família de cada um ou pode agir independentemente, de acordo com a sua vontade, como no caso de Jeremias, quando o profeta reconheceu que Deus o havia chamado antes mesmo dele nascer. Ou veja ainda o caso de Paulo em Gaiatas, em que ele reconhece os fundamentos soberanos de Deus em seu nascimento em Tarso, fato que lhe conferiu cidadania romana; em seu treinamento debaixo da mentoria de Gamaliel; e em sua participação na perseguição aos cristãos. Todos esses ingredientes fizeram parte dos atos soberanos de Deus. Através deles, Deus trabalhou na vida do apóstolo.

Essa perspectiva deve levar-nos a olhar para trás e perceber, através dos acontecimentos, a mão de Deus trabalhando em nós e nas vidas de nossos liderados, mesmo quando ainda não tínhamos consciência disso. Esses são os nossos fundamentos soberanos. Deus trabalha das maneiras mais inexplicáveis, sempre com o propósito de nos preparar para o crescimento nessa linha do tempo. Portanto, os fundamentos soberanos são os atos soberanos de Deus, quando a pessoa ainda não consegue discernir este agir.

Fase 2 - Crescimento interior

Este estágio envolve o desenvolvimento de um relacionamento fundamental com Deus, a partir do qual um caráter maturo e cristão se desenvolve. Esta fase começa com o nosso comprometimento inicial com Cristo, como nosso Salvador e Senhor, e continua com o início do processo de relacionamento com Ele. Neste processo, Ele começa a nos transformar. As características do crescimento interior, envolvem a prática das disciplinas espirituais e a aplicação de alguns testes:

DISCIPLINAS

TESTE DE CRESCIMENTO

Integridade Obediência

Palavra

Interiores

Estudo Meditação

Oração Jejum

Exteriores

Simplicidade Submissão

Serviço

Corporativas

Confissão Instrução Adoração

Culto

10 DANTAS FILHO, Elias. IN: KOHL, Manfred Waldemar; BARRO, Antonio Carlos (org.). Liderança cristã transformadora. Londrina: Descoberta,

2006. p.247-263.

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Além do conceito das disciplinas espirituais, esta fase também envolve algum tipo de treinamento. Em geral, os líderes são treinados de três maneiras: a formal, a não-formal e a informal. Formal é o treinamento dado de modo sistemático, com o objetivo de conferir um diploma ou as credenciais de ministério de uma denominação à pessoa. Sem este treinamento formal, o líder não recebe as credenciais ou o diploma. A percentagem de líderes que recebem o treinamento formal é muito pequena. A cada cem, somente três submetem-se a este tipo de treinamento.

O treinamento não-formal é também sistemático, seguindo um programa pré-estabelecido, mas não tem por objetivo o conferir um diploma ou credencial à pessoa treinada. Pode ser comparado à educação continuada. Vinte e sete por cento do treinamento, no mundo cristão, é dado nesta área não-formal. Exemplos de treinamento não-formal são o evangelismo explosivo, o curso básico de discipulado etc.

Os outros setenta por cento de líderes cristãos e não cristãos em todo o mundo são treinados de maneira informal. Este tipo de treinamento consiste basicamente no desempenho de tarefas e na observação de pessoas que ministram aos outros ou estão elas mesmas em treinamento. Isto ocorre, por exemplo, entre as testemunhas de Jeová, cujos líderes são formados através de um processo de treinamento informal, via observação e tarefa.

No treinamento informal o padrão básico é a mentoria. Um líder em treinamento acompanha um líder já formado, e dele ou dela aprende, por observação ou cumprimento de tarefas, as demandas da liderança. Neste tipo de treinamento não existe um programa sistematizado.

E importante, nesta fase de crescimento interior, que os valores de liderança e as respostas dos testes ministeriais sejam analisados.

Eu ainda reconheço a grande importância e significado que uma experiência deste tipo representou para o meu desenvolvimento como líder. Após apenas três meses de conversão, eu fui convidado por um pastor batista para fazer uma pregação no culto dominical daquela igreja. O culto era de Santa Ceia. A igreja tinha um bom número de pessoas, e eu me preparei muito para falar. Aquele foi um dos maiores desafios de toda a minha vida. Apesar de ter preparado um sermão para vinte e cinco minutos, quando a hora chegou para eu ministrar, não consegui pregar mais do que cinco minutos. O que me sobrava de entusiasmo, faltava em experiência, sendo esperado que não conseguisse fazer uma pregação mais elaborada ou pregar com maior desenvoltura. Contudo, para mim, que estava passando pela fase de crescimento interior, a confiança que havia sido depositada em mim para desempenhar aquela tarefa, o fato de alguém ter acreditado na minha pessoa e me ter dado algum tipo de treinamento e responsabilidade foi como o acender de um fogo que nunca mais se extinguiu.

George Barna afirma que a média de tempo que nós, protestantes, demoramos para delegar algum tipo de tarefa de liderança a um novo convertido é de dois anos. Nós só confiamos quando o potencial de evangelização da pessoa e do seu entusiasmo nivela-se com o nosso próprio, acomodando-se. Isto deve ser questionado porque é na fase de crescimento interior, pelo sistema de teste e de resposta, que acontece a chamada ministerial.

Normalmente, a chamada ministerial acontece no contexto em que a pessoa está sendo testada e respondendo a este teste, desenvolvendo, assim, o seu potencial. A chamada para qualquer ministério, sendo este entendido de forma abrangente e não apenas como chamado pastoral, representa a passagem da fase de crescimento interior para a fase seguinte.

Em geral, a fase de crescimento interior dura de cinco a doze anos, sendo que um período de cinco anos aproxima-se mais da nossa realidade.

Fase 3 – Maturidade no ministério

A terceira fase dura, em média, de oito a quatorze anos e representa o desenvolvimento e maturação no ministério, através da identificação e aplicação das ferramentas ministeriais e do bloco de habilidades de uma pessoa. Ferramentas ministeriais referem-se àquelas habilidades específicas que a pessoa adquire em situações ministeriais, que a ajudam a desenvolver algumas tarefas mais efetivamente. Como exemplos, podemos mencionar o aconselhamento bíblico, a administração eclesiástica e as técnicas de ensino. O bloco de habilidades é formado pela combinação dos dons espirituais, habilidades naturais e habilidades adquiridas. Nessa fase, o líder emergente tem no ministério o seu foco principal de vida. Ele ou ela se envolverá em mais treinamento, tanto informal, através de projetos autônomos de estudos e crescimento, quanto formal, através de conferências, workshops etc. O ministério parece ser o que realmente importa! A maioria das pessoas fica ansiosa por apressar a fase 2. No entanto, o que impressiona é que durante as fases 1, 2 e 3, Deus está primariamente trabalhando no líder (e não através dele ou dela). Apesar de que pode haver frutos no ministério, o foco central é o que Deus está fazendo no líder. A maioria não reconhece isso. Eles avaliam a produtividade, apenas. Mas Deus está, quietamente, de maneiras inusitadas, tentando levar o líder a entender que o que ministra, faz na base daquilo que ele é. O que dá poder para o nosso ministério é a formação de Cristo em nós.

Na verdade, estas três primeiras fases, em que Deus está trabalhando com o interior do líder, geram, em muitos casos, conflitos interiores na pessoa em treinamento. Isto acontece porque as instituições às quais ele

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pertence freqüentemente estão preocupadas com resultado. A cobrança por resultados faz com que o líder em formação, durante esta fase, já comece a sentir-se tenso e excessivamente pressionado para apresentar os resultados esperados. Isso só confirma uma grande verdade: instituições (inclusive a igreja) trabalham por resultado, enquanto Deus trabalha no caráter.

No mundo, podemos encontrar dois tipos de pessoas: aquelas que constroem impérios e as que servem. Aqueles que, no passado, construíram seus impérios, tornaram-se figuras de destaque em livros de história, porque sua influência foi sempre limitada e temporal. Na verdade, o mundo é .mantido por aqueles que servem. Os servos sustentam o mundo. Algumas dos grandes servos religiosos e éticos do mundo, que já morreram há muitos anos atrás, ainda hoje estão influenciando muitas pessoas.

Madre Teresa de Calcutá, um modelo maravilhoso de serva fiel, foi um exemplo perfeito desse fato. Essa mulher impressionante, a despeito de sua constituição física frágil e delicada e de não possuir nenhum dote acadêmico extraordinário tornou-se mundialmente reconhecida por sua grande influência no que concerne ao serviço e o amor ao próximo. Essa mulher, que viveu num país hindu, com forte presença muçulmana, onde o cristianismo representava somente três por cento da população, fez uma grande diferença. Ela plantou uma ordem de freiras indianas, com centenas de membros, que ainda hoje continuam a dar assistência aos pobres enfermos das castas hindus mais desprezados, para que possam morrer com dignidade. Seu exemplo tem influenciado outras pessoas a continuar sua obra, lutando para resgatar a dignidade humana, num lugar em que 95% da população mora em barracos ou nas ruas e onde, pela manhã, caminhões de lixo passam recolhendo pessoas mortas.

Portanto, o mundo permanece sendo mantido pelo trabalho dos servos e não pelos que somente estão em busca de resultados. E muito importante resgatarmos esta noção, pois, durante a terceira fase, instituições impõem uma pujante pressão sobre seus integrantes na busca por resultados. Tal pressão gera uma grande tensão no líder. Ele ou ela deve aprender a conviver com esta tensão e a administrá-la.

Nessa fase, Deus está observando a maneira como ele ou ela responde aos testes de integridade, porque o líder cristão exerce sua função conforme sua personalidade.

Nesse estágio o líder ainda não localizou plenamente as suas áreas de competência e, por isso, faz de tudo um pouco. Somente na segunda metade da maturidade na vida, o líder será capaz de reconhecer as áreas em que é mais forte (ou mais fraco) e sonhar com o momento em que poderá convergir suas áreas fortes com o ministério em que se encaixam.

No que se refere ao papel dos líderes mais experientes em relação aos novatos no ministério, o ideal seria que as instituições adotassem uma postura mais equilibrada, que não pressionasse excessivamente esses líderes em formação, mas que, por outro lado, não incentivasse a inoperância. Tanto a pressão excessiva quanto uma atitude condescendente e paternalista atrapalham igualmente o desenvolvimento do líder. Há de se considerar que a instituição trabalha com uma dinâmica própria, buscando sobreviver e crescer. Portanto, a tensão e a cobrança por resultados, de uma certa forma, são inerentes à sua natureza e sempre existirão.

Deve-se ter cuidado, contudo, para que não haja uma pressão exagerada nesta busca por resultados. Nesse aspecto, é relevante que as instituições considerem a necessidade de começar a questionar, por exemplo, qual é o padrão de espiritualidade que adotam. O padrão de espiritualidade ocidental é, na maioria das vezes, baseado em uma agenda cheia de atividades. Tal critério influencia o conceito ministerial denominacional, que se volta para uma hiperatividade, e só gera canseira, desestímulo e estafa física, mental e espiritual no novo líder, prejudicando seu desenvolvimento.

Um missionário cristão em Bangladesh, treinado para entender consagração e dedicação como significando uma agenda cheia de compromissos, trabalhou exaustivamente nos dois anos iniciais do seu ministério naquele país. O nível frenético de atividades realizadas quase o levou a um esgotamento total, tendo, porém, alcançado resultados insignificantes. Isso provocou uma crise em sua vida ministerial, durante a qual, ele começou a observar que havia um senhor idoso, muçulmano, que se sentava à porta de sua casa, desde o amanhecer até o pôr-do-sol, com o Corâo aberto, e sempre havia pessoas querendo conversar com ele.

O missionário resolveu tentar uma estratégia semelhante. Comprou um Corão, sentou-se à porta de sua casa e lá permaneceu, dia após dia, do amanhecer ao entardecer, simplesmente lendo e orando. Após duas semanas, uma mulher parou e lhe perguntou: "Homem de Deus, você pode me ajudar?". Ele a aconselhou e Deus, então, abençoou a sua orientação. Mais pessoas começaram a vir e ele sempre as abençoava em nome de Issa (Jesus, para os muçulmanos). Aos poucos as pessoas começaram a se interessar em conhecer mais sobre este Issa. Alguém lhe perguntou se existia algum outro livro que falasse dele, e o missionário introduziu o Novo Testamento. Como resultado, a igreja cristã naquela área experimentou um grande aumento no índice de crescimento.

Essa experiência demonstra a necessidade de aprendermos como equacionar produção com devoção, contemplação ou espiritualidade. O processo de institucionalização com o qual o líder deve aprender a conviver, representa a principal fonte de tensão nessa fase. Para que aprenda a lidar com esse processo é preciso que o líder

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possa compreendê-lo melhor. Normalmente, a vida de uma instituição começa com uma visão. Com o passar do tempo, a visão vai cedendo espaço para a manutenção.

Se o líder quiser saber se uma comunidade está sendo dirigida pela visão ou pela manutenção, basta observar de que forma seu orçamento é elaborado. Em geral, se oitenta por cento ou mais do orçamento está comprometido com a manutenção do que já existe, a comunidade perdeu a capacidade de andar pela visão.

Portanto, nessa fase o obreiro, tem que aprender a conviver com esse tipo de realidade, decorrente do processo de institucionalização, entendendo, por um lado, o valor de se dedicar à manutenção da instituição, porém, ao mesmo tempo, reconhecendo a necessidade de se manter a visão, de lutar constantemente pela renovação da visão da instituição. Os fundadores das instituições quase sempre caminhavam pela visão, com muita ênfase na espiritualidade, o que vem demonstrar a importância da visão para a vida da instituição.

Fase 4 – Maturidade na Vida

Este estágio envolve o desenvolvimento de uma filosofia de ministério madura e pessoal. Tal desenvolvimento é fundamental para levar o líder ao estágio de convergência, em que a preparação na vida interior, o bloco de habilidades de uma pessoa, a experiência ministerial e a filosofia de ministério se juntam e cumprem, de uma forma efetiva e frutífera, o sentido de destino do líder.

A filosofia de ministério refere-se às idéias, valores e princípios que um cristão usa para tomar decisões, exercer sua influência e avaliar a si mesmo, seus relacionamentos e eficiência ministerial.

Durante a fase quatro, o líder identifica e usa suas habilidades com poder. Há um frutificar amadurecido. Deus está trabalhando através do líder, usando o modelo de imitação (Hb 13.7-8). Ou seja, Deus usa a vida de uma pessoa, bem como as suas habilidades para influenciar outros.

Este é um período no qual as habilidades se destacam juntamente com as prioridades. A pessoa reconhece que o direcionamento de Deus para o ministério vem através do estabelecimento das prioridades ministeriais baseadas nas habilidades discernidas. E nele que se evidencia se a pessoa será um líder da instituição, em um sentido político, ou se ela será um líder voltado para o ministério, no sentido de desenvolver um trabalho junto ao povo. É também a fase maior do entendimento que a pessoa tem a respeito de quais são as suas áreas fortes. No início de sua carreira, o líder desempenha várias funções ao mesmo tempo, pois ainda não tem a consciência de quais são as suas áreas de competência. No início do ministério, o desempenho de um papel multifuncional faz parte da expectativa da comunidade, pois esta ainda não acredita no líder, apenas o respeita e segue em razão da posição que ele ocupa.

Contudo, se o líder continuar caminhando com integridade e dedicação, é provável que, progressivamente, se sinta liberado da responsabilidade de fazer de tudo, e possa começar a se concentrar naquilo que faz melhor, na sua área de competência.

Em relação às áreas de competência é necessário que se entenda que, na verdade, cada um de nós tem maior habilidade e aptidão para determinadas áreas, sendo que o segredo do sucesso está em otimizar nosso desempenho nestas áreas em que somos mais fortes.

Em média, o período em que se torna possível para o próprio líder, assim como para outras pessoas que com ele convivam, definir suas áreas de competência, gira em torno de oito a quatorze anos de ministério.

Muitos líderes não conseguem passar das fases anteriores para esta, por uma série de razões. Muitos deles não chegam nem mesmo a um final abreviado. Portanto, são poucos os líderes que conseguem atingir a fase da maturidade na vida, porque, na verdade, ocorre um processo de afundamento na passagem de uma fase para outra. Vejamos como isso se dá: a primeira fase começa com cem por cento dos líderes em treinamento; porém, na fase seguinte, apenas sessenta por cento deles, em geral, conseguem um desempenho que lhes permita passar para a convergência; na convergência só chegam quarenta por cento e apenas vinte por cento dos líderes alcançam a fase da celebração.

Como vemos, a grande maioria continua até o final da vida ainda tendo que se encaixar dentro das expectativas de posição, desempenhando múltiplas funções, apenas em razão da posição que ocupam na comunidade, como, por exemplo, presidir o conselho, ministrar a santa ceia e outras.

Há apenas duas maneiras de se passar de uma fase para outra: a primeira é interior: a formação de Cristo em nós, quando Deus se encarrega de expandir nossos ministérios, à medida que obtivermos êxito nos vários testes pelos quais passamos, como os testes da palavra, da obediência, da integridade, da fé e da consciência. A segunda é diretamente ligada à nossa disposição para aprender e à adoção de uma postura de aprendizes, abertos à aprendizagem contínua, durante toda nossa vida.

A marca do líder que chega ao gozo da convergência consiste na formação interior de caráter, para que ele possa ser um modelo e na habilidade, para continuar aprendendo por toda a vida. Tamanha é a importância da

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“Habilitando os santos para o desempenho do ministério”

LIDERANÇA CRISTÃ – p.53

aprendizagem contínua que no manual há um capítulo, a taxonomia da liderança, que trata especificamente sobre leitura e aprendizado.

Fase 5 – Convergência

Nesta fase, o líder é levado por Deus para uma função que conjugue suas habilidades, experiências, temperamento etc. A função não somente libera o líder de ministrar naquilo que ele não tem habilidade, mas também aproveita e usa o melhor que ele tem para oferecer. Não são muitos os líderes que experimentam esta fase. Freqüentemente eles são promovidos para posições que escondem suas habilidades. Além do mais, não são muitos os líderes que ministram a partir de seu ser. Sua autoridade, normalmente, vem muito mais da função que ocupam. Nessa fase de convergência, o ser e a autoridade espiritual formam a verdadeira base de poder para um ministério maduro. Os frutos do Espírito (maturidade cristã) unem-se aos dons do Espírito (marca de um líder sendo usado por Deus), produzindo o balanço que Deus deseja. A maneira que Ele escolhe trabalhar é em nós, primeiramente; e então, através de nós.

CONVERGÊNCIA CELEBRAÇÃO

Somente 40% dos líderes alcançam um nível de convergência em seus

ministérios.

Somente 20% dos líderes alcançam a fase da Celebração em seus

ministérios.

Fonte: Finishing Well, 1994:13

Fase 6 – Celebração

Nos anos finais de vida e ministério, o líder bem sucedido experimenta o privilégio de ser usado como referência e consulta por parte dos líderes mais jovens. A autoridade do ensino e da influência vem pelo reconhecimento de uma vida que ensinou a partir do que ela é em seu interior.

Relacionamentos construídos no decorrer da vida são as áreas naturais de influência, bem como a constante presença nas estruturas organizacionais.

Apenas dois, em cada dez líderes, ao final de sua carreira conseguem chegar nessa fase. Os líderes que a alcançam são aqueles que, mesmo tendo chegado ao final da vida, não caem jamais no esquecimento, pois deixam um legado às gerações posteriores.

Todo líder deve fazer a si mesmo uma pergunta muito importante: Qual é o legado que gostaria de deixar para a geração futura? Como você quer chegar à sua velhice?

Celebração é resultado de integridade interior e habilidade para estar continuamente aprendendo ao longo da vida. Essas duas coisas juntas cativam, abençoam e influenciam as pessoas. O princípio que pode ser extraído daqui é o de que o mais importante não é como você começa, mas como você termina. A maneira como cada um de nós termina será a imagem que deixaremos para as gerações futuras.

Se a celebração é resultado direto de uma vida de integridade, serviço e aprendizado, devemos sempre nos questionar se ao término de um relacionamento ou de uma fase de nossas carreiras, fomos capazes de construir uma reputação de integridade para o benefício dos outros, abençoando e enriquecendo suas vidas.

Celebração é para aqueles que querem e lutam por terminar bem.