apostila de direito civil iv - wilson

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Ponto nº 1. MATÉRIA – DIREITO DAS COISAS INTRODUÇÃO Conceito: Direito das Coisas vem a ser um conjunto de normas que regem as relações jurídicas concernentes aos bens materiais ou imateriais suscetíveis de apropriação pelo homem. Desse conceito percebe- se: Primeiro que nem todos os bens interessam ao direito das coisas, pois o homem só se apropria de bens úteis à satisfação de suas necessidades; Segundo se a coisa não for suscetível de apropriação exclusiva pelo homem, por ser inesgotável a sua utilização, não interessa ao direito das coisas. Ex. a luz solar, o oceano... O direito das coisas compreende tanto os bens materiais (móveis ou imóveis), como os imateriais, ou seja, os direitos autorais, uma vez que o legislador pátrio preferiu considerá-los, como modalidade de direito especial, isto é, como propriedade imaterial ou intelectual, embora não desconheça o aspecto moral desse direito, decorrente da própria personalidade do autor, fruto do seu engenho e inteligência. S.S.V. faz uma distinção entre as expressões coisa e bem, afirmando que: “a palavra coisa tem sentido mais extenso, compreendendo tanto os bens que podem ser apropriados, como aqueles objetos que não o podem. (...), existem bens juridicamente considerados que não podem ser denominados coisas, porque sua apropriação pelo homem segue regime de ordem mais moral e filosófica do que jurídica, como ocorre, por exemplo, com a honra, a liberdade, o nome da pessoa natural”. Evolução:

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Page 1: Apostila de Direito Civil IV - Wilson

Ponto nº 1.

MATÉRIA – DIREITO DAS COISAS

INTRODUÇÃO

Conceito:

Direito das Coisas vem a ser um conjunto de normas que regem as relações jurídicas concernentes aos bens materiais ou imateriais suscetíveis de apropriação pelo homem.

Desse conceito percebe- se:

Primeiro que nem todos os bens interessam ao direito das coisas, pois o homem só se apropria de bens úteis à satisfação de suas necessidades;

Segundo se a coisa não for suscetível de apropriação exclusiva pelo homem, por ser inesgotável a sua utilização, não interessa ao direito das coisas. Ex. a luz solar, o oceano...

O direito das coisas compreende tanto os bens materiais (móveis ou imóveis), como os imateriais, ou seja, os direitos autorais, uma vez que o legislador pátrio preferiu considerá-los, como modalidade de direito especial, isto é, como propriedade imaterial ou intelectual, embora não desconheça o aspecto moral desse direito, decorrente da própria personalidade do autor, fruto do seu engenho e inteligência.

S.S.V. faz uma distinção entre as expressões coisa e bem, afirmando que: “a palavra coisa tem sentido mais extenso, compreendendo tanto os bens que podem ser apropriados, como aqueles objetos que não o podem. (...), existem bens juridicamente considerados que não podem ser denominados coisas, porque sua apropriação pelo homem segue regime de ordem mais moral e filosófica do que jurídica, como ocorre, por exemplo, com a honra, a liberdade, o nome da pessoa natural”.

Evolução:

O direito das coisas é a parte do direito civil que por mais longo tempo se manteve fiel à tradição romana e aos princípios individualistas.

No entanto, é fato incontestável que o direito das coisas gradualmente vem sofrendo profundas modificações. Vários fatores vêm contribuindo para essas mudanças, podemos citar, por ex., a preponderância cada vez maior do interesse público sobre o particular.

Antigamente, diversa era a situação. A propriedade, eixo em torno do qual girava todo o direito das coisas, caracterizava-se pelo feitio nitidamente

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individualista; tratava-se, então, de relação puramente privada e individual, de caráter sagrado e absoluto.

O homem podia usar, gozar e dispor da coisa que lhe pertencesse como melhor lhe aprouvesse, sem que fosse lícito opor qualquer restrição ao livre exercício desse direito.

O Direito Civil relutou em aceitar a mudança do absolutismo do direito de propriedade, mas o Dir. Constitucional e Administrativo, aos poucos, modificaram essa visão egoística e individualista.

Para se ter uma idéia, outrora, a propriedade do solo compreendia, além da superfície, com os seus acessórios e adjacências, o espaço aéreo e o subsolo (C.C 43, nº I, e art. 526).

Código de Mineração (Dec. Lei nº 227, 28/02/67), Código das Águas (Dec. Lei nº 24.643, de 10/7/34, Lei nº 9.433, de 8/01/97 – Política Nacional de Recursos Hídricos, - ver art. 526 do C.C.)

A evolução também ocorreu no sentido de expandir o direito das coisas conquistando novas relações jurídicas. Por ex., o compromisso de compra e venda de bens imóveis.

Classificação - O direito das coisas tem sido estudado sob três aspectos diferentes: direito das coisas clássico, direito das coisas científico e direito das coisas legal.

a) O direito das coisas clássico é o que herdamos do direito romano, compreendendo o estudo do domínio, das servidões, da superfície, de enfiteuse, do penhor e da hipoteca. Hoje, o âmbito do direito das coisas é bem mais amplo, estando desatualizado esse modo de classificação.

b) Direito das coisas científico é o mesmo do direito clássico, porém, com âmbito bem mais amplo, graças ao trabalho da doutrina;

c) Direito das coisas legal é aquele regulado pela legislação, que se preocupa com a situação jurídica da propriedade numa dada época e lugar. É o direito das coisas que será objeto do nosso estudo, e, na medida do possível, acrescentado da doutrina e das decisões dos tribunais.

Conteúdo

O direito das coisas, tal como vem regulado pela legislação civil, compreende o estudo da propriedade e respectivos direitos derivados.

Faz parte, ainda, do conteúdo do direito das coisas a propriedade literária, científica e artística; boa parte da doutrina afirma que o legislador foi contraditório consigo mesmo, porquanto é clássica a sistematização do referido direito, não sendo possível sair do estudo das coisas corpóreas quando aqueles direitos, também, chamados autorais, são de natureza imaterial, do fundo moral, decorrentes da própria personalidade humana.

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Direitos reais e pessoais

Para o nosso direito há distinções entre direitos reais e pessoais, isto é, direitos sobre as coisas e contra as pessoas.

O direito pessoal é uma relação jurídica na qual ao sujeito ativo (credor) assiste o poder de exigir do sujeito passivo (devedor) determinada prestação, positiva ou negativa.

Já o direito real é a relação jurídica material da qual o titular pode retirar da coisa, de modo exclusivo e contra todos, as utilidades que ela é capaz de produzir.

O direito real “afeta a coisa direta e imediatamente, sob todos ou sob certos aspectos e a segue em poder de quem quer que a detenha” (Lafayette).

É o direito que se prende à coisa, prevalecendo com a exclusão da concorrência de quem quer que seja, independendo para o seu exercício da colaboração de outrem e conferindo ao seu titular a possibilidade de ir buscar a coisa onde quer que se encontre, para sobre ela exercer o seu direito.

Contudo, há teses unitárias que afirmam existir apenas um instituto. Essas teses bipartem-se em duas teorias opostas, a personalista e a impersonalista.

PERSONALISTA = afirma de que não é exato que o direito real consista na relação entre a pessoa e a uma coisa determinada. Semelhante relação não passa de simples fato, que é a posse. A relação jurídica material não pode existir entre pessoa e coisa, o que representaria um contra-senso; ela só pode estabelecer-se entre pessoas. Por outras palavras, como os demais direitos, pressupõe sujeito ativo, sujeito passivo e objeto. Assim, no direito de propriedade, por exemplo, o sujeito ativo é o proprietário, o sujeito passivo, é a coletividade em geral, exceto o titular do direito, e o objeto, é a coisa sobre que recai o mesmo direito. (...). Essa relação é de natureza pessoal, como as demais obrigações, mas de conteúdo negativo. Os demais indivíduos acham-se obrigados a respeitar o direito do titular e devem abster-se da prática de qualquer ato tendente a lesá-lo.Na concepção personalista, o direito das obrigações constitui o centro de todo direito civil. Em seu conteúdo, ele abrange todas as relações jurídicas civis, inclusive o direito real. Em todas elas, o elemento pessoal vem a ser o denominador comum, o traço característico da relação jurídica; só que o direito real prima pelo seu conteúdo forte (oponível erga omnes), ao passo que o direito pessoal se caracteriza por um conteúdo fraco (oponível apenas contra uma ou determinadas pessoas).

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IMPERSONALISTA = É também unitária, em contraste com a personalista, esta propõe a fazer com que os direitos pessoais sejam absorvidos pelos reais. Pretende ela, assim, despersonalizar a obrigação, a fim de patrimonializá-la. Parte ela da idéia de que toda obrigação possui um fundo patrimonial, um valor econômico, independente da pessoa do devedor. Pretendem os seus adeptos, objetivando a obrigação, transformá-la num direito sobre a respectiva prestação, numa espécie, portanto, de direito real, com abstração da pessoa do devedor.

No entanto, o nosso ordenamento jurídico não adota tais teorias, para ele há diferenças. O nosso sistema legal, filiado à teoria clássica, caracteriza o direito real pela imediação ou inflexão do homem sobre a coisa.

Esse poder direto do indivíduo sobre a coisa é o critério fundamental que configura e distingue o direito real, que se constitui, portanto, de três elementos essenciais:

a) – o sujeito ativo da relação jurídica;

b) a coisa, objeto, do direito;

c) a inflexão imediata do sujeito ativo sobre a coisa.

Os objetos do direito real e pessoal são especificamente diversos e irredutíveis. Apresentamos de forma parcial, algumas distinções:

O direito real traduz apropriação de riqueza, e o direito pessoal, prestação de serviços; o primeiro tem por objeto uma coisa material, o segundo, um ato ou uma abstenção; aquele é oponível erga omnes, ao passo que este vincula duas pessoas determinadas, sujeito ativo e passivo.

O direito real para o seu exercício independe da colaboração de terceiros, o direito pessoal depende da colaboração do devedor, espontânea ou forçada, é indispensável para o gozo do direito.

O direito real segue seu objeto onde quer que se encontre. Esse fenômeno é denominado de SEQÜELA, que CONSISTE NA PRERROGATIVA CONCEDIDA AO TITULAR DO DIREITO real de seguir a coisa nas mãos de quem quer que a detenha, de apreendê-la para sobre a mesma exercer o seu direito real. Ex. se o proprietário dá seu imóvel em garantia hipotecária e depois o aliena, o credor hipotecário pode apreender a coisa nas mãos do adquirente, ou dos eventuais subadquirentes, para sobre a mesma fazer recair a penhora, levando-a à praça, a fim de se pagar com o produto da arrematação.

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EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. HIPOTECA ANTERIOR A LAVRATURA DE CONTRATO. CIÊNCIA DO CONTRATANTE. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO.  1. A ausência das condições da ação e dos pressupostos processuais, além de outras questões de ordem pública devem ser aferidas em momento posterior ao juízo de admissibilidade, motivo pelo qual a violação ao devido processo legal, deverá ser devidamente apreciada como prejudicial do mérito. 2. As provas acostadas aos autos foram suficientes para embasar o convencimento do magistrado, restando, portanto, correto o julgamento antecipado da lide, proferido com base no livre convencimento motivado do órgão judicante. Ademais, a réplica não é imprescindível para o deslinde da lide, motivo pelo qual inexiste qualquer afronta ao princípio do devido processo legal, não havendo que se falar em nulidade da sentença. 3. A boa-fé do embargante não restou demonstrada, na medida em que tinha ciência, ao adquirir o imóvel, de que pendia hipoteca em favor da Texaco do Brasil S⁄A, decorrente de débito relativo a contrato de concessão comercial. Direito real de garantia que foi registrado anteriormente à lavratura do contrato entre as partes. 4. O embargante assumiu expressamente a dívida da executada com a exeqüente, sendo que a alegação de posse não tem o condão de sustentar o pleito apelatório. 5. A sequela que é inerente ao direito real de hipoteca permite que o credor venha a requerer o adimplemento de sua dívida, independentemente de quem estiver com o bem, ou seja, a coisa irá permanecer gravada com hipoteca. O direito de sequela se prende ao bem e o persegue nas mãos de quem quer que o detenha. 6. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já decidiu que não é cabível a desconstituição da hipoteca em demanda semelhante a presente, ao afirmar que: ¿Não cabe, ao terceiro possuidor, em embargos de terceiro, tentar a desconstituição da própria hipoteca do imóvel penhorado em execução hipotecária, regular em sua origem, que contou com a ciência e concordância expressa dos adquirentes das unidades, em contrato isento de qualquer vício de consentimento, hipoteca que pode ser eventualmente desconstituída em ação própria, como pré-requisito para a desconstituição da penhora.¿ (TJMG, Rel. Des. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, DJ 14.02.2004) 7. Precedentes do TJSC no sentido de que a hipoteca registrada e anterior ao contrato pode ser imponível ao terceiro adquirente. 8. A decisão proferida há mais de 4 anos em ação possessória não inviabiliza a penhora e os posteriores atos de alienação do bem imóvel onerado por hipoteca. A sentença somente faz coisa julgada nos limites das questões aduzidas em juízo, não tendo o condão de impedir que sejam prolatadas novas decisões judiciais envolvendo certo imóvel, desde que em virtude de outras circunstâncias. 9. Desta forma, o não pagamento e a ciência a respeito da hipoteca tornaram a posse do embargante⁄recorrente injusta, autorizando a expropriação do bem hipotecado para fins de quitação da dívida, como devidamente aduzido pelo Juiz "a quo". 10. Recurso desprovido. Ì(TJES, Classe: Apelação Civel, 30030001645, Relator : MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 04/03/2008, Data da Publicação no Diário: 03/04/2008)

Retornando ao estado das características do direito real, detecta-se a possibilidade de ocorrer o abandono, ou seja, pode o titular de tal direito abandonar a coisa.

Os direitos reais conservam-se até que se constitua nova situação contrária, e em proveito de outro titular, ou seja, não ocorre tal direito não é extinto de forma imediata, já os direitos pessoais extinguem-se pela inércia do sujeito.

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As diferenças apontadas não esgotam o assunto.

Caracteres dos direitos reais

Sinteticamente os caracteres jurídicos do direito real são:

a) oponibilidade erga omnes;

b) seu titular possui o direito de seqüela e de preferência;

c) adere imediatamente ao bem corpóreo ou incorpóreo, sujeitando-o, de modo direto, ao titular;

d) obedece ao numerus clausus, pois é estabelecido pelo C.C. e leis posteriores, não podendo ser criados por livre pactuação; - há divergência doutrinária – existe jurista que admite que as partes poderão criar outros direitos reais – pois, não há proibição da lei para isto.

e) é passível de abandono;

f) é suscetível de posse;

g) a usucapião é um de seus meios aquisitivos;

São direitos reais, além da propriedade, enumera o art. 1.225 do C.C. – a enfiteuse, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, as rendas expressamente constituídas sobre imóveis, o penhor, a anticrese e a hipoteca.

Mas, a enumeração do art. 1.225 não é taxativa, e não exclui, portanto, outras modalidades de direito real, porém, a doutrina majoritária sustenta que somente a lei pode criar direitos reais.

A Lei de Locação – Lei nº 8.245 – 18/10/1991(alterada pela Lei nº 12.112, de 9 de dezembro de 2009), – art. 33 – dir. real. – 27 – pessoal.

Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar - lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca.

Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.

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Registro do contrato. O registro do contrato de locação não condiciona o próprio direito de preferência conferido ao inquilino, influindo apenas na natureza do direito, que será real ou pessoal conforme exista ou não prévio registro (2ª TACIVSP, Ap 291343, rel. Juiz Aldo Magalhães, j. 6.8.91, BolAASP 1737/7, supl.). (Fonte: Nelson Nery Júnior – CPC comentado).

O direito real é distinto de privilégio não é possível fazer confusão entre ambos. O privilégio não é um direito, mas uma qualidade do direito. O privilégio é um direito de prelação, que a lei confere, em atenção à causa do crédito e não existe senão em virtude de expressa disposição de lei.

O art. 958, do Código Civil, preceitua que “Os títulos legais de preferência são os privilégios e os direitos reais”, contudo, não são idênticos – nos direitos reais a coisa é dada em garantia, acha-se vinculada ao cumprimento da obrigação, ao passo que nos privilégios – a preferência decorre do próprio conteúdo do direito.

Outra diferença, nos direitos reais – a preferência é determinada pelo tempo. no privilégio – o direito mais recente pode prevalecer sobre o mais antigo – considera-se a causa.

ANALOGIA ENTRE ÔNUS REAL E DIREITOS FISCAIS SOBRE PRÉDIOS – Ambos aderem ao respectivo objeto, a fim de garantir à Fazenda Pública a percepção dos tributos. Quem adquire uma propriedade a recebe com os impostos que sobre ela recaem.O adquirente só não responde pelos débitos fiscais em atraso, se do ato da translação constar certidão negativa de impostos.

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PONTO 2.

POSSE.

A palavra posse, ou vocábulo posse é, muitas vezes, empregado em sentido impróprio.

Por ex. no dito popular: nós falamos: “Antônio possui uma casa”. – Nesta frase pode não se está dizendo que Antônio é possuidor, mas sim proprietário, ou seja, a expressão “possui” não está sendo utilizada em seu aspecto jurídico.Não é só o leigo que comete essa impropriedade. A Constituição de 1891, em seu art. 69, parágrafo 5º, prescrevia: “São cidadãos brasileiros os estrangeiros que POSSUÍREM BENS IMÓVEIS NO BRASIL”. Isto acontece porque a posse pretende exprimir o conteúdo da propriedade.Mas, deixando de lado essas impropriedades e buscando o sentido técnico da posse, ou seja, o conceito do que seja posse, surgiram inúmeras teorias, que, entretanto, se reduzem a dois grupos: as teorias subjetivas e as teorias objetivas.

O grande mestre da teoria subjetiva foi SAVIGNY = subjetiva.

E da teoria objetiva = IHERING

Estes dois são os grandes gênios realizadores de toda doutrina possessória.

Para a teoria Subjetiva.

POSSE é o poder que tem uma pessoa de dispor fisicamente de uma coisa, com intenção de considerá-la como sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. São dois, portanto, os elementos constitutivos da posse: UM ELEMENTO MATERIAL = o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; eUM ELEMENTO INTELECTUAL = o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua.O primeiro elemento – corpus – é fato exterior; o segundo elemento – animus – é fato interior. Para teoria subjetivista não basta a simples detenção. Torna-se necessária que ela seja intencional. Para ser possuidor não basta deter a coisa, requer-se ainda a vontade de detê-la, isto é, como proprietário ou com a vontade de possuí-la para si.Desse modo, a posse só estará caracterizada com a presença desses dois elementos. Se não existe o poder físico – o corpus- mas, apenas a intenção, claro é que se tem, tão-somente, fenômeno de natureza psíquica, sem nenhuma repercussão no mundo do direito.Se existe o – corpus -, porém falta o – animus – tem-se mera detenção, que é posse natural e não jurídica.

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A teoria objetiva

Ihering – afirmou que nenhuma das idéias de Savigny estava de livres de ataques, e que no futuro, nada restaria de sua obra, que teria exclusivamente mero valor histórico.

Ao contrário do que disse Ihering, ainda, atualmente, no ordenamento jurídico brasileiro, detecta-se a utilização da teoria subjetiva de Savigny, in verbis:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua , por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Retornando ao estudo do entendimento de Ihering, sustenta os objetivistas de que para se constituir a posse basta o corpus, dispensando o animus, elemento de escasso valor, longe de ser essencial. Segundo, Ihering animus já se encontra no corpus, ou seja, está implícito no poder de fato exercido sobre a coisa.

Posse não significa apenas a detenção da coisa; ela se revela na maneira como age o proprietário em face da coisa.

Vê Ihering estreita correlação entre propriedade e posse; onde a primeira é possível, a segunda também o é. A posse será exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o poder de dispor da coisa.

Chamar a posse de exterioridade ou visibilidade do domínio é resumir, numa frase, toda teoria possessória. Ter tudo feito como real proprietário, é a formula que, no seu entender, traduz a conservação da posse.

O Professor Silvio Rodrigues comentando sobre a teoria objetiva afirma que a posse se revela na maneira como o proprietário age em face da coisa, tendo em vista sua função econômica, pois o animus nada mais é do que o propósito de servir-se da coisa como proprietário.

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Art. 1.196 – CONSIDERA-SE POSSUIDOR TODO AQUELE QUE TEM DE FATO O EXERCÍCIO, PLENO OU NÃO, DE ALGUM DOS PODERES INERENTES AO À PROPRIEDADE.

Nota-se pela leitura do dispositivo legal, de que a posse, em nosso Código, é o exercício de fato dos poderes constitutivos da propriedade, ou de alguns deles somente, como no caso de direito real sobre a propriedade alheia.

O Professor César Fiuza diz que por dedução é fácil concluir de que o animus está contido no corpus. Resumindo pode-se afirmar que é possuidor quem procede com aparência de dono, ainda que não seja, nem deseja sê-lo.

Os ensinamentos do Prof. César Fiuza – ele afirma que o raciocínio é bastante simples.

Se vemos uma pessoa guiando um veículo imaginarmos logo ser ela a dona do carro. Afinal, quem usa é dono. Mas, essa pessoa pode ter tomado o carro emprestado; ou alugado o carro. Enfim, esse indivíduo pode não ser o dono do carro, embora, em princípio, pareça ser. Assim, não podemos assegurar de que quem está dirigindo o carro é o seu dono. O máximo que podemos dizer é que essa pessoa parece ser a dona do automóvel, porque está exercendo um dos direitos de proprietário, qual seja, O USO.

Da mesma forma, se virmos alguém colhendo frutos no quintal de uma casa, somos levados à impressão de ser ele dono do imóvel, por estar exercendo o direito de FRUIR, característico do domínio.

Se virmos um indivíduo jogando fora uma carteira, logo pensamos se ele está jogando fora está dispondo, ou seja, está exercendo um direito característico da propriedade, o de DISPOR. Daí concluirmos que o sujeito é o dono da carteira, ou quando nada, seu aparente dono. Aparente porque ele pode ter furtado a carteira, esvaziado seu conteúdo, para em seguida jogá-la no lixo.

Outra hipótese bem exemplificativa, é de um policial que vê o indivíduo andando na rua com uma pasta. Em seguida, vê outro indivíduo que se aproxima e arrebata a pasta do primeiro e em seguida sai correndo. Que fará esse policial? Perseguirá o segundo tomando-lhe a pasta, para entregá-la ao primeiro. Por que agirá dessa forma? Porque está convicto de que o primeiro é o dono da pasta. Mas, de onde ele tirou essa convicção? Do fato de estar ele carregando a pasta; USANDO-A. Como o dono usa, aquela pessoa deve ser a dona. Ocorre que o policial agiu pelas aparências, pois, na realidade, só de ver alguém carregando uma pasta, ele não poderia afirmar ser aquele indivíduo o dono. O máximo que poderia dizer é que aquela pessoa parecia dona, por está usando.

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E foi com base nesta aparência que o policial agiu. Contudo, o policial poderia estar errado. O segundo poderia ser o dono da pasta, recuperando-a do ladrão. Acontece que o policial, a julgar pelas aparências não poderia adivinhar.

Os exemplos do Prof. Fiúza são ótimos. Contudo, em todos os exemplos a posse é caracterizada pelo contato físico:

é a pessoa que está dirigindo o carro, está colhendo os frutos, carregando a pasta, jogando a carteira fora, e nesse pormenor, suas hipóteses deixam a desejar.

E, por isso, necessitamos retornar aos nossos velhos civilistas, pois caso contrário deixaria em vocês a impressão de que para se ter posse de uma coisa seria imprescindível o contato físico com a mesma.

Silvio Rodrigues diz que a posse é revelada na maneira como age o proprietário em face da coisa. A posse é propósito de servir-se da coisa como proprietário.

Exemplificando ele ensina:

O lavrador que deixa sua colheita no campo, não a tem fisicamente; entretanto, conserva sua posse, pois que age, em relação ao produto colhido, como proprietário ordinariamente o faz.

Mas, se deixa no local (no campo) uma jóia, evidentemente não mais conserva a posse sobre ela, pois não é assim que o proprietário age em relação a um bem dessa natureza.

Arrematando o Professor Silvio Rodrigues não é preciso um conhecimento mais profundo para saber se alguém é ou não possuidor. Tal ciência decorre do bom senso.

O camponês, que encontra um animal capturado por armadilha, sabe que o mesmo pertence ao dono desta; desse modo, se o tirar dali, não ignora que pratica furto, posto que o está subtraindo da posse de seu dono;

Veja bem, que nas hipóteses de Silvio Rodrigues não há o contato físico entre a pessoa e a coisa, contudo pelo modo que age em face da coisa é que se chega a conclusão se há ou não posse.

o madeireiro, que lança à correnteza os troncos cortados na montanha para que o rio os conduza à serraria, não tem o poder físico sobre os madeiros, mas conserva a posse, pois assim age o proprietário;

o transeunte, que vê materiais ao pé da obra, sabe que eles pertencem ao dono desta, embora, não se encontre sob a sua detenção física.

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Conclusão: A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário; explorando-a, dando-lhe o destino para que economicamente foi feita.

DA NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

natureza jurídica (significa: essência, a substância ou a compleição das coisas. revela pelos requisitos ou atributos essenciais e que deve vir com a própria coisa)1.

Antes de mais nada, faz-se necessário demonstrar a importância prática de se saber a natureza jurídica da posse. Qual a sua utilidade? Em que momento ela se fará imprescindível no seu dia a dia como advogado?

Vamos criar um caso hipotético para dar vida ao nosso aprendizado:

- Um escritório de advocacia situado em Cachoeiro – um cliente, também morador de Cachoeiro- vai ao seu escritório para contratar o seu serviço e narra o seguinte para vocês:

- Que tem um lote em Marataízes e que este fora invadido pelo Senhor Afrônio. E que ele deseja retirar aquele individuo de lá.

- Vocês diante do caso concreto terão que analisar. PRIMEIRO – Se ela tinha posse do referido lote? Caso afirmativo – pode-se utilizar como fundamento jurídico da ação judicial a posse.

SEGUNDO – Qual o foro competente para tal ação? – Marataízes ou Cachoeiro.

Admitamos que o cliente tenha posse – então – vamos agora buscar a solução do foro.

Art. 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro de domicílio do réu ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direitos de propriedade, vizinhança,

servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova. (CPC)

A leitura isolada do art. 95 do CPC nos levar a concluir que a natureza jurídica da posse é de direito real. Há inclusive, decisões nesse sentido.

1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 20ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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CAIO MÁRIO, com a autoridade que lhe é peculiar, aduz que o tema é controvertido, porém, em seu sentir a natureza de posse é de um direito real2.

Ainda servindo-se do CPC, o art. 10, caput, preceitua:

Art. 10 – O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários.

Combinando os artigos citados (arts.95 e 10, caput, do CPC) nos conduz em afirmar que a posse é direito real e, portanto, para o ajuizamento será necessário consentimento do outro cônjuge.

Contudo, o §2º, do artigo 10, do CPC, reza:

§2º. Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de atos praticados por ambos.

Após a leitura do parágrafo 2º, a nossa segurança de que posse tem natureza jurídica de direito real, cai por terra. E, nesse momento surge, a dúvida.

O Professor NELSON NERY JÚNIOR inclui em sua obra decisões que aduzem posse é direito real e posse não é direito real3.

CONCLUSÃO: A NATUREZA JURÍDICA DA POSSE É CONTROVERTIDA.

SAVINGNY = sustenta que a posse é um fato, SUA EXISTÊNCIA INDEPENDE DE TODAS REGRAS DE DIREITO. Mas, apesar de constituir um fato, PRODUZ CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS. Afirma, ele, portanto, simultaneamente, é fato e direito, incluindo-se pela sua natureza entre os direitos PESSOAIS.

IHERING = afirma que posse É UM DIREITO, vale dizer, UM INTERESSE JURIDICAMENTE PROTEGIDO. A posse constitui condição da econômica utilização da propriedade e, por isso, o direito a protege. É relação jurídica,

2 “Sendo frequente a controvérsia em torno da posse, não poderiam faltar as disputas a respeito de sua natureza jurídica. […]. Se é certo que ainda subsistem dúvidas e objeções, certo é, também, que a tendência da doutrina como dos modernos códigos é considerá-la um direito. Na verdade perdeu hoje a importância o debate, resolvendo-se com dizer que, nascendo a posse de um relação de fato, converte-se de pronto em uma relação jurídica. Caracterizada como direito, vem depois a discordância quanto à tipificação deste. Sem embargos de opiniões em contrário, é um direito real, com todas as suas características; oponibilidade erga omnes , indeterminação do sujeito passivo, incidência em objeto obrigatoriamente determinado, etc. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 25 e 27. (gn).3 NERY JÚNIOR, Nelson et al. Código de processo civil comentado e legislação extravagante em vigor : atualizado até 01.08.1997, 3ª ed., rev. ampl., São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1997, p. 276/2777

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tendo como causa determinante a proteção do direito de propriedade. Portanto, para Ihering o lugar da posse é no direito das coisas, entre os direitos REAIS.

PARA CLÓVIS BEVILACQUA = Posse é um direito ESPECIAL, a manifestação de um direito real, a propriedade ou alguns de seus desmembramentos. Segundo ainda sua lição, posse é estado de fato. A lei a protege em atenção à propriedade, de que constitui manifestação exterior. Assume o fato, assim, a posição de um direito, não propriamente a categoria de um direito, imposta essa anomalia pela necessidade de manter a paz na vida econômico-jurídica.

Cunha Gonçalves conceitua como direito real provisório.

PARA SILVIO RODRIGUES – POSSE é MERO ESTADO DE FATO, que a lei protege em atenção à PROPRIEDADE, de que ela é manifestação exterior. Não se pode considerar como direito real porque não figura na enumeração do art. 1.225 do CC, sendo aquela regra taxativa, e não exemplificativa, tratando-se ali numerus clausus.

Para MARIA HELENA DINIZ – POSSE é DIREITO REAL, porque se não há propriedade sem posse, proteger esta indiretamente é proteger aquela. Assim, se a propriedade é direito real, a posse também o é. Se a posse for ofendida, ofende-se também o domínio.

ORIGEM

Abordaremos o tema de forma rápida, por ser tal questão apenas acadêmica.

Para Savigny o surgimento do instituto possessório deu-se da seguinte forma: O Império Romano, através de seu exército, conquistava cada vez mais terras, ficando muitas dessas terras conquistadas sem aproveitamento, ou seja, improdutivas. Assim, os romanos dotados de extraordinário espírito prático, resolveram lotear essas áreas em pequenas propriedades, denominadas POSSESSIONES, atribuídas aos cidadãos, a título precário.

Os concessionários, ou seja, os cidadãos que recebiam essas terras não podiam invocar a REIVINDICAÇÃO PARA DEFENDER TAIS TERRAS, por não serem titulares da propriedade. Contudo, não poderia deixar tais cidadãos sem defesa, desse modo, criou-se um processo especial e próprio para as terras assim concedidas. Esse processo veio a ser o interdito possessório. Nessa concepção, a posse nasce antes dos interditos.

Para Ihering – Na sua visão, a posse tornou-se entidade própria e autônoma, em virtude dos acidentes preliminares do processo reivindicatório. Realmente, numa 1ª fase, antes que a ação reivindicação assumisse a forma contenciosa regular em juízo, podia o pretor, a seu arbítrio, conferir a posse da coisa litigiosa a qualquer um dos contendores. Mas o contemplado pelo pretor não desfrutava de qualquer vantagem ou regalia. Instaurada a lide, estava adstrito,

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como a parte adversa, a ministrar provas dos direitos que alegava. Sem dúvida do ponto de vista material, quem recebia a posse das mãos do pretor se situava numa posição mais vantajosa, em virtude dos benefícios auferidos com a fruição da coisa.Mas do ponto de vista processual, a posição era exatamente a mesma. Tanto o que recebia a posse como o adversário se obrigavam a produzir prova de seus direitos, a situação dos litigantes caracterizava-se por um rigoroso equilíbrio, razão porque o juízo reivindicatório era havido caráter dúplice. Com o passar do tempo, o juízo dúplice transformou-se em juízo simples, recaindo exclusivamente sobre o autor o ônus probatório. Só aquele que reclamava a posse tinha de suportar a carga probatória, porque, o réu, isto é, aquele que estava de posse da coisa, nada tinha que provar consistindo sua atuação, tão somente, em contrariar a pretensão do autor.Como se tornasse, processualmente falando, mais vantajosa a posição do réu, era natural cessasse o primitivo arbítrio do pretor na outorga de liminar da posse. Passou esta então a ser atribuída a um dos litigantes, de acordo com um processo preliminar, que antecedia o reivindicatório.Sucedeu que as partes contendoras, depois de pleiteada a posse no processo preliminar, obtendo-a uma e perdendo-a a outra, desinteressavam freqüentemente do processo principal, qual seja, reivindicatório, a primeira por ter obtido a posse, e a outra por sentir-se sem meio de ministrar novas provas capazes de modificar a decisão anterior. Nessas condições, paulatinamente, o processo de atribuição da posse, de preliminar que era da ação reivindicatória, se constituiu com o tempo em processo independente, com fisionomia própria, o remédio possessório, as várias espécies de interditos.

OBJETO JURÍDICO DA POSSE

Discute-se se o CC só reconhece a posse dos direitos reais ou se a estende aos direitos pessoais.

No Brasil, antes do CC, Rui Barbosa escreveu uma monografia a esse respeito, POSSE DOS DIREITOS PESSOAIS, por ocasião da demissão pelo governo de vários professores da Faculdade de Engenharia do Rio, afastando-os de suas cátedras.

A defesa de tais professores era bastante difícil, pois ainda não havia mandado de segurança.

O Rui Barbosa, então, defendeu a tese de que cabia AÇÃO POSSESSÓRIA, porque havia direito de posse ligado à coisa, uma vez que o professor não poderia exercer o seu direito senão numa escola. Assim, um direito a um cargo só poderia ser exercido apenas em determinado lugar.

Essa idéia contagiou nossos doutrinadores que ampliaram a todos os direitos. A posse, que era exteriorização de um direito real, passou a sê-lo dos direitos em geral.

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Esses juristas que acompanharam a visão de Rui Barbosa, a justificavam afirmando que o artigo 485 que corresponde parcialmente o 1.196 do CC, intencionalmente, incluía o vocábulo propriedade na conceituação de possuidor.

Ora, se a propriedade, no sentido estritamente técnico, vai além dos direitos reais sobre coisas corpóreas, torna-se, evidente, de que o legislador teve a intenção de ampliar a posse aos direitos pessoais.

Porque, se assim não fosse, teria dito simplesmente: considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício pleno, ou não, de algum dos poderes do domínio. Então sim, sendo este direito de propriedade restrito às coisas corpóreas, teria o legislador externado de forma clara e inconfundível seu propósito de restringir a posse exclusivamente aos direitos reais.

Os partidários dessa visão, citavam, ainda, para fortalecer seu ponto de vista os arts do CC de 1916 (art. 488 – no gozo do mesmo direito (correspondência parcial ao art. 1.199); 490 – ou do direito possuído (art. 1.201, parcialmente) - ; 493, inc. I- exercício do direito (art. 1.204, parcialmente);

Ora, se a própria lei admitia de que a posse poderia ter direitos como OBJETO, SEM DISITINGUIR ENTRE REAIS E PESSOAIS, AO INTERPRETE NÃO É LÍCITO FAZÊ-LO.

Afirmam, ainda, de que o nosso direito positivo, em diversos textos, liga a idéia de posse aos de direitos pessoais, como sucedia no artigo 206 do CC de 1916 Art. 206 – na posse de casado;Art. 1579 – na posse da herança;Assim, provado está, segundo essa corrente, de que o intuito do legislador fora alargar a posse muito além dos direitos reais.

Entretanto, sustentando de que o cabimento da defesa possessória só é possível em questão de direitos reais, encontram-se os seguintes juristas:Clóvis Beviláqua, Serpa Lopes, Carvalho Santos, Tito Fulgêncio, Astolfo Rezende Washington de Barros Monteiro.

Clóvis aduz: a) o vocábulo propriedade figurava também no projeto primitivo de sua autoria e nem por isso teve ele a intenção de filiá-lo ao sistema dos que ampliam a posse aos direitos pessoais;b) nenhum dispositivo se depara no Código, do qual se infira que a posse se estenda àqueles direitos. Os arts. 488, 490 e 493, inc. I, refere-se apenas a direitos reais;c) a propriedade e seus desmembramentos são direitos reais. Os direitos pessoais jamais foram desmembramentos de domínio. Aliás, tais direitos não podem ser objetos de turbação material, só compreensível no tocante aos direitos reais. Não pode haver posse de coisas incorpóreas.

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PONTO 3.

CLASSIFICAÇÃO DA POSSE.

Embora a posse seja, por sua natureza, exclusiva, sendo inconcebível mais de uma posse sobre a mesma coisa, admite o legislador possa ela se desdobrar. Esse desdobramento da posse pode ocorrer no CAMPO DE SEU EXERCÍCIO. Quando ocorre nesse campo o legislador admite a distinção entre posse direta e indireta;

1) POSSE DIRETA E INDIRETA O art. 1.196 do CC preceitua de que se “considera possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.

A propriedade compõe-se de numerosos poderes ou faculdades, que, normalmente, se acham reunidos na pessoa de um só titular, mas podem também se achar esparsos e distribuídos entre várias pessoas.

Por exemplo, NO USUFRUTO = repartem-se os elementos entre o nu-proprietário e o usufrutuário. O usufrutuário tem a posse, uso e gozo da coisa FRUTUÁRIA, mas, a NUA-PROPRIEDADE, a substância da coisa, pertence ao nu-proprietário.

Pois bem, em caso de USUFRUTO, no tocante à posse, o USUFRUTUÁRIO tem a posse direta da coisa, e o NU-PROPRIETÁRIO a posse indireta. Uma não anula a outra, ambas coexistem.

Portanto, todas as vezes que o direito ou obrigação de possuir caiba a outra pessoa que não o proprietário, a posse se desdobra e se apresenta sob duas faces, sendo direta para quem detém materialmente a coisa, e indireta, para o proprietário, que concedeu ao primeiro o direito de possuir.

É o que também ocorre no caso de LOCAÇÃO; por força do contrato, atribui-se ao locatário o direito de possuir a coisa locada. Assim, com o locatário permanece a posse direta, enquanto, o locador apenas conserva a posse indireta.

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO DO RECURSO

POR DESCUMPRIMENTO DO CAPUT DO ART. 526. REJEITADA. AÇÃO POSSESSÓRIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. LOCADOR QUE ANTES DE EXPIRADO O PRAZO FIXADO PARA A DESOCUPAÇÃO IMPEDE A ENTRADA DO INQUILINO NO IMÓVEL. ESBULHO CONFIGURADO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.197 DO CCB. ADEQUAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA. RECURSO IMPROVIDO.   I. As informações do magistrado de primeiro grau não suprem a exigência de cumprimento, pela parte, dos 02 (dois) requisitos elencados no parágrafo único do art. 526 do CPC, quais sejam, a alegação e a comprovação do descumprimento da regra

do caput do dispositivo em comento. Preliminar que se rejeita. II. Com a locação, o locatário assume a posse direta do imóvel, estando o locador impedido de tolher o uso do bem pelo inquilino. III. O art. 1.197 do CCB⁄02 deixa claro que o locatário, como possuidor direto, pode defender a sua posse até mesmo frente ao

locador, possuidor indireto. IV. Ainda que o locatário acumulasse algumas

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dívidas, não se justificaria a autotutela praticada pelo locador, mormente quando se sabe que nosso ordenamento repudia o exercício arbitrário das próprias razões. V. Recurso improvido.  (TJES, Classe: Agravo de Instrumento, 11059001161, Relator : CATHARINA MARIA NOVAES BARCELLOS, Órgão julgador: QUARTA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 07/02/2006, Data da Publicação no Diário: 28/03/2006)

E há, ainda, outras hipóteses como a do CREDOR PIGNORATÍCIO (art. 1.431); do COMODATÁRIO (art. 579); e do DEPOSITÁRIO (art. 627), pois a posse deles não elimina a do devedor, do comodante e do depositante.

O artigo 1.197 reza: “A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender sua posse contra o indireto”.

Depreende-se da leitura do dispositivo legal:

1) de que é traço característico da posse direta é o seu caráter temporário, porque ela se baseia numa relação transitória de direito.

2) Há duas posses paralelas e reais: - a do possuidor indireto que cede o uso do bem e a do POSSUIDOR DIRETO que o recebe;

3) Existe uma relação jurídica entre os possuidores;

4) As posses direta e indireta coexistem.

CONCLUSÃO

1. Tendo a posse o possuidor direto, pode defendê-la pelas ações possessórias, se molestado.

2. Pode inclusive ajuizar ação possessória contra o possuidor indireto.

Ex. Se o proprietário, em virtude de um contrato de parceria agrícola, entrega ao parceiro sua propriedade, tentando depois, abusivamente, dela reapossar-se e assim perturbar a posse cedida ao parceiro, cabe a este opor-se à violência por meio do remédio possessório adequado. Do mesmo modo, o LOCATÁRIO...

3. Tendo a posse, por força de lei, o possuidor indireto ele também goza da proteção possessória para defesa da posse direta. EX. O locador pode defender-se pelos interditos contra turbações de terceiros, mas não contra o próprio locatário.

2) COMPOSSE.

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Quem mora em apartamento são compossuidores DA PARTE INDIVISA, PARTE COMUM DO EDIFÍCIO. Os edifícios são modalidades de propriedades reguladas pelo novo CC nos arts. 1.331 a 1.358. Anteriormente tal matéria era disciplinada pela Lei 4.591/64 alterada pela Lei 4.864/65, ou seja, não estava regulada no CC.

Nesse tipo de propriedade há áreas que pertencem a todos os moradores, como por ex. o elevador; o hall de entrada; a escada, os corredores etc, essa posse comum de todos os condôminos é a composse.

Agora fica fácil conceituar o que seja composse, também designada compossessão ou posse comum.

A composse ocorre quando duas ou mais pessoas possuem a mesma coisa, com vontade comum, ao mesmo tempo, ou seja, há simultaneidade no exercício da posse. O art. 1.199 reza: - “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”.

Grifem as palavras: duas ou mais pessoas e coisa indivisa. Para haver composse é necessário, portanto, pluralidade de sujeitos e coisa indivisa em estado de indivisão.

Assim, a coisa indivisa pode ser possuída em comum, no entanto, o exercício do direito de posse de um não pode prejudicar o igual direito do outro. Nesse sentido, o art. 1.314, caput, preceitua: exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão.

Condomínio e comunhão. Determinado direito poderá pertencer a vários indivíduos ao mesmo tempo, hipótese em que se tem a comunhão. Se a comunhão recair sobre um direito de propriedade, ter-se-á condomínio ou compropriedade.

Lafayette, citado por Maria Helena Diniz, aponta os seguintes casos de composse:

a) entre os cônjuges, consorciados pelo regime da comunhão universal de bens;

b) entre os herdeiros, antes da partilha do acervo; (art. 1791, parágrafo unico CC);

c) entre os consórcios, nas coisas comuns.

Caio Mário da Silva Pereira observa que “é por força de convenção ou a título hereditário que duas ou mais pessoas se tornam possuidoras do mesmo bem, embora, por quota ideal, exercendo cada uma sua posse sem embaraçar

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a da outra. Logo, se uma perturbar o desenvolvimento da composse, a outra poderá lançar mão dos interditos possessórios contra a primeira”.

Cumpre destacar, ainda, de que qualquer um dos compossuidores perante terceiros representa a posse dos seus consortes. Ou seja, nas relações externas os compossuidores agem como se fossem um único sujeito, uma vez que não interessa a estranhos a indagação da causa do estado de condomínio nem a apuração do valor da quota de cada um.

APELAÇÕES CÍVEIS. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BENS DE HERANÇA. COMPOSSE. ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DAS VIAS POSSESSÓRIAS. CONDIÇÕES DA AÇÃO PRESENTES. INEXISTÊNCIA DE CONDOMÍNIO COM RELAÇÃO AOS DEMAIS BENS DESCRITOS NA INICIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA CARACTERIZADA. Na composse cada possuidor detém uma parte abstrata (ideal) da coisa. Isso é suficiente para que possa invocar isoladamente a proteção possessória contra terceiros - ou contra outro compossuidor - para o resguardo da posse sobre a área comum. Preenchidos os requisitos do artigo 927 do Código de Processo Civil, o titular do domínio, e conseqüentemente da posse indireta, pode valer-se de ação possessória para reaver o bem esbulhado. Não há que se falar em condomínio com relação aos demais bens descritos na exordial, pois o apelante não tem qualquer participação em tais propriedades. Ocorrendo a sucumbência recíproca, impõem-se a distribuição e compensação das custas e honorários, de forma recíproca e proporcional, a teor do disposto no art. 21, caput, do Código de Processo Civil. 4. Recurso conhecido e provido em parte. RECURSOS CONHECIDOS E IMPROVIDOS PARA MANTER INALTERADA A SENTENÇA OBJURGADA.(TJES, Classe: Apelação Civel, 34060005625, Relator : RONALDO GONÇALVES DE SOUSA, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 19/08/2008, Data da Publicação no Diário: 15/09/2008)

A composse em regra é temporária, porém, no caso de prédios, em virtude de sua destinação econômica, este condomínio não pode cessar; conseqüentemente, a composse sobre essas partes de uso de todos do edifício é perpétua, no sentido de que não se extingue enquanto existir o referido edifício.

Salvo este caso, termina a composse:

a) pela divisão de direito, amigável ou judicial, da coisa em comum; com isso cessa a compossessão, mas a posse continua, cada pessoa passando a possuir a parte certa;

b) pela posse exclusiva de um dos sócios que exclua, sem oposição dos demais, uma parte dela.

CONCLUSÃO

Composse não se confunde com a dualidade da posse: posse direta e indireta, pois nessa modalidade o possuidor indireto fica privado da utilização da coisa e na COMPOSSE todos podem utilizá-la, desde que uns não excluam os outros.

3) POSSE JUSTA e POSSE INJUSTA

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Buscando sempre fazer a subsunção da teoria com a vida prática, analisemos os atos do M.S.T., porém, antes de mais nada, vamos deixar de lado o cunho social da questão e refletir sob o ato em si.O ato é violento?

Para os que acham que o ato é violento nós podemos afirmar de que a posse adquirida, desse modo, é injusta, pois a violência é um vício que macula a posse.

Veja bem, partimos do ato e concluímos que a posse era injusta, ou seja, fomos diretos, objetivos.

Para verificamos essa classificação de posse justa ou injusta, nós a encaramos de forma objetiva.

Preceitua o art. 1.200: “é justa posse que não for violenta, clandestina, ou precária”.

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL   ACÓRDÃO   REMESSA EX OFFICIO E APELAÇÃO VOLUNTÁRIA Nº 69980010636 APTE: MUNICÍPIO DE MARATAÍZES APDO: FUNDAÇÃO ATENEU CACHOEIRENSE RELATOR: DES. ELPÍDIO JOSÉ DUQUE   EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - DOAÇÃO ANTERIOR - POSSE JUSTA DA APELADA - RECURSO IMPROVIDO. - A área sob litígio pertence a autora⁄apelada, assim como a posse é justa, conforme já decidido por este e. Tribunal quando do julgamento da ação reivindicatória (fls. 41⁄49). - "Não existe, nos autos, prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da autora, como por exemplo a revogação da Doação. Assim, uma vez que tal ato foi realizado legalmente, e atingido sua finalidade, como se observa no Parecer Ministerial lançado nos autos da Ação Reivindicatória, visto por cópia às fls. 38⁄40, qualquer ato praticado pelo Município apelante, que se caracterize como violência ao direito de posse da apelada, deve ser coibido através de ação possessória, no caso, a Reintegração de Posse". - Recurso improvido.                            VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, na conformidade da ata e notas taquigráficas,  à unanimidade, conhecer do recurso voluntário para negar-lhe provimento e da remessa, para manter a sentença.   Vitória,  19 de setembro de 2006.   Presidente   Relator Procurador de Justiça¿(TJES, Classe: Remessa Ex-officio, 69980010636, Relator : ELPÍDIO JOSÉ DUQUE, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 19/09/2006, Data da Publicação no Diário: 19/10/2006)

Inversamente, posse injusta será aquele que se revestir de algum dos vícios apontados, por isso, a posse do MST é injusta, por estar presente a violência.

Passamos agora a definir o que é posse violenta, clandestina ou precária.

POSSE VIOLENTA é aquela adquirida pela força. O vício caracteriza-se pela violência inicial. A posse isenta de violência é denominada na linguagem jurídica de posse mansa, pacífica e tranqüila.

Cumpre ainda destacar, que em matéria possessória não se pode confundir violência com má-fé, pois pode ocorrer a violência sem existir a má-fé.

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Ex. eu adquiro de uma Imobiliária um lote e o corretor, erroneamente, mostra como meu o lote 10, contudo, na realidade eu comprei o lote 11, ou seja, o lote ao lado. Passados alguns dias eu retorno ao loteamento e deparo com pedreiros iniciando a construção de um muro no lote que imagino ser o meu. Eu obstruo a construção de forma violenta, veja bem, no meu intimo eu estou defendendo o que é meu não há, portanto, nesse ato má-fé, contudo, existe a violência.

A caracterização da boa-fé ou má-fé exigem um exame subjetivo, ou seja, exame da vontade do agente, e na posse justa e injusta, não se busca saber animus do agente.

Mas retornando à classificação da posse justa e injusta. Vamos analisar o que vem a ser clandestinidade.

POSSE CLANDESTINA é a que se estabelece às escondidas, sub-repticiamente, às ocultas daquele que tem interesse em conhecê-la. A qualidade contrária a esse vício é a publicidade, a posse desfrutada na presença de todos.

POSSE PRECÁRIA é aquela que se origina no abuso de confiança por parte de quem recebeu a coisa com a obrigação de restituí-la, e depois, recusa-se a fazê-lo.Ex. Comodatário, usufrutuário etc.

Definimos, assim, o que é vem a ser posse justa e injusta, contudo, faz-se necessário, ainda, tratando desse tema comentar o art. 1.208, que diz:

“Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência, ou a clandestinadade.

Primeiro lugar, com relação aos atos de mera permissão ou tolerância nós abordaremos depois. Então, esquecendo essa primeira parte do artigo trabalharemos com a segunda parte, qual seja,

Não autorizam a aquisição da posse os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

Interpretando o dispositivo legal chega-se a conclusão de que o legislador permite que a posse se convalesça dos vícios da violência ou da clandestinidade, ou seja, pode acontecer a depuração de tais vícios. Para tanto, basta cessar a violência ou a clandestinidade.

Ex. Se a pessoa utiliza-se de violência para invadir um terreno e, após tal violência, o esbulhado (a pessoa que perdeu a posse) se conforma, deixando de reagir, a posse da pessoa que se utilizou de violência vai, paulatinamente,

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sendo consolidada e passa a ser protegida. Adquire ele (esbulhador) gradativamente a condição de possuidor pela cessação da violência.

Do mesmo modo, a posse que nasceu clandestina, mas depois tornou-se pública, através de atos ostensivos do “possuidor”, que, além de ocupar terra alheia, ali constrói, planta e vive; se após a cessação da clandestinidade o proprietário, ou antigo possuidor, se acomoda, deixando de reagir então aquela posse que de início era clandestina, deixa de o ser, ganha de forma gradual juridicidade, possibilitando ao seu titular a invocação da proteção possessória.

O legislador no art. 1.208 foi omisso com relação a posse precária, cabendo, assim, uma pergunta é possível o convalescimento da posse precária?

Silvio Rodrigues e Maria Helena Diniz dizem que não. E justificando tal posicionamento, o mencionado professor afirma:

A posse precária não convalesce jamais porque a precariedade não cessa nunca. O dever do comodatário, do depositário etc., de devolverem a coisa recebida, não se extingue jamais, de modo que o fato de a reterem, de resistirem na sua entrega, não ganha jamais foros juridicidade, não gerando, em tempo algum. posse jurídica.

Obs.: A posse injusta não se acha inteiramente desamparada, ainda, que se ressinta dos vícios apontados, a posse pode ser defendida pelos interditos, não contra aquele, evidentemente, de quem foi tirada pela violência, pela clandestinidade, ou pelo abuso de confiança, mas contra terceiros, que eventualmente desejem arrebatar a posse para si. Para proteção possessória não importa seja ela justa ou injusta no sentido absoluto. Basta que seja justa em relação ao adversário. A tutela é dispensada em atenção à paz social.

4) POSSE DE BOA FÉ e de MÁ-FÉ.

A posse de boa ou má-fé é pesquisada tendo em vista elementos subjetivos. Aliás, nesse sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça. Sílvio de Salvo Venosa, pág. 72

“A justiça ou injustiça da posse determina-se com base em critérios objetivos, diversamente do que ocorre com a posse de boa ou de má-fé que tem em vista elementos subjetivos, pois decorre da convicção do possuidor. O reconhecimento de injustiça da posse, levando à procedência da reivindicatória, não obsta, por si, tenha-se presente a boa-fé” (STJ, RE nº 9.095/SP, Rel. Min. Cláudio dos Santos).

A boa-fé é princípio importantíssimo para o direito. No CC, por ex., em vários arts. encontramos A PROTEÇÃO AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ. Basta olhar o índice alfabético remissivo do cód.

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Desse modo, nós não temos dúvida de que a boa-fé para o direito tem relevância. E não é diferente, para o instituto da posse, que é nosso assunto, a distinção entre posse de boa-fé e posse de má-fé é de suma importância, pois variados são os efeitos, conforme se trate de uma ou de outra dessas espécies de posse.

Por ex. art. 1.214, caput, do CC preceitua:

“O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”. O art. 1.216 do CC adverte: “ O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, ...”.

O primeiro objetivo, como sempre, é conseguir despertar a importância do assunto, por isso, fomos logo demonstrando os efeitos que acarretam a boa-fé e a má-fé, respectivamente, para a posse.

Entretanto, antes de comentar aqueles efeitos, é necessário que nós saibamos classificar se estamos diante de espécie de posse de boa-fé ou de má-fé.

O art. 1.201 – “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa.

Veja bem, a análise nossa agora se encontra no terreno subjetivo, pois temos que examinar a posição psicológica do possuidor, em face da relação jurídica.

Assim, o que distingue uma posse da outra é a posição psicológica do possuidor. Se sabe da existência do vício, sua posse é de má-fé. Se ignora o vício que a macula, sua posse é de boa-fé.

Washington de Barros Monteiro comentando o referido art. diz:

“De boa-fé será, portanto, a posse em que o possuidor se encontre na convicção inabalável de que a coisa realmente lhe pertence”.

“A posse de má-fé é precisamente inversa. A posse acha-se eivada de algum dos vícios já mencionados (violência, clandestina ou precariedade) e o possuidor tem ciência do vício obstativo da aquisição da posse”.

No parágrafo único do art. 1.201, o Código estabelece PRESUNÇÃO de boa-fé em favor de quem tenha justo título. Com a seguinte redação:

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Grifem a palavra presunção. Conforme se depreende da leitura do dispositivo legal, essa presunção admite prova em contrário, entretanto, ela transfere o

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ônus da prova, pois, exibindo o possuidor justo título, compete a parte contrária provar, que a despeito dele, está o litigante ciente de não ser justa a sua posse.

Temos que definir nesse momento o que seja JUSTO TÍTULO.

Para o Washington de Barros Monteiro: JUSTO TÍTULO é o título hábil a transferir o domínio e que realmente o transferiria, se emanado do verdadeiro proprietário.

Para Clóvis Beviláqua, citado por Silvio Rodrigues: JUSTO TÍTULO é o título hábil para conferir ou transmitir direito à posse, como a convenção, a sucessão ou a ocupação” (nota de rodapé, pág. 32).

O Washington de Barros Monteiro, cita dois ex. tratando-se de prova realizada contrária ao título apresentado.

ex. o título, supostamente justo, promana de um menor, não devidamente assistido ou representado. Provado de que o possuidor tinha conhecimento dessa incapacidade, a posse não pode ser tachada de boa-fé.Outro ex. não ocorre a questionada presunção em favor do possuidor, cujo título notoriamente, não foi outorgado pelo verdadeiro proprietário, tendo o adquirente ciência dessa circunstância.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO ORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE JUSTO TÍTULO, BEM COMO DE POSSE MANSA, PACÍFICA E ININTERRUPTA. SENTENÇA MANTIDA. INEXISTÊNCIA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. 1. O justo título conforme precedentes do STJ é aquele hábil à transferir o domínio. Não se coaduna com esta finalidade o instrumento particular de compra e venda feito por pessoa que não consta no RGI como proprietário do imóvel ou seu procurador, inexistindo prova nos autos de qualquer tipo de cessão que legitime terceiro a prometer vender bem que não é de sua propriedade. Ainda, o aludido documento faz menção a bem diverso daquele que se pretende usucapir. 2. Igualmente, não logrou provar a apelante ⁄ autora, por outros meios, sua posse ad usucapionem do imóvel. Destarte, ao contrário do que sustenta a apelante, a ela caberia o ônus de provar que exerce, de fato, algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade (art. 1.196 do CC) e ainda que a mesma se deu de forma mansa, pacífica e ininterrupta durante o tempo necessário para a prescrição aquisitiva (art. 1.242 do CC), nos termos do artigo 333, inciso II do CPC. Entretanto, a apelante não se desincumbiu de tal ônus. 3. Inexistindo quaisquer das hipóteses elencadas no art. 17 do CPC, não cabe condenação da parte em litigância de má-fé.  RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

(TJES, Classe: Apelação Civel, 48030082803, Relator : RONALDO GONÇALVES DE SOUSA, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 05/06/2009, Data da Publicação no Diário: 10/07/2009)

A MÁ-FÉ vem inserida no art.1.202 do CC, que reza:

Art. 1.202. A posse de boa-fé só perde este caráter no caso e desde o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui indevidamente. (gn)

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Grifem, por favor, a palavra circunstâncias. Ensina Clovis Bevilaqua, citado por Maria Helena Diniz e Washington de Barros Monteiro, de que são as circunstâncias que fazem presumir a má-fé:

a) a confissão do próprio possuidor de que não tem e nunca teve título;

b) ao fato de ter o possuidor, em seu poder, instrumento repugnante à legitimidade de sua posse, como a venda de pai para filho, compra pelo testamenteiro de bens da testamentária; e

c) violência no esbulho ou a outros atos proibidos por lei;

d) nulidade manifesta do título;

Com relação à nulidade do título M.H.D recorda um caso resolvido pela Relação de Minas Pág. 50 (obra antiga).

Desse modo, não se pode ter uma posição inflexível sobre o assunto, pois no caso citado o título era nulo, porém, fora reconhecida a boa-fé do possuidor.

5) PRINCÍPIO DE CONTINUIDADE DO CARÁTER DA POSSE ou PRESUNÇÃO DE MANTER A POSSE O CARÁTER COM QUE FOI ADQUIRIDA

Esse princípio significa que a posse guarda o caráter de sua aquisição. Isto quer dizer que se a posse começou violenta, clandestina ou precária presume-se ficar com os mesmos vícios que irão acompanhá-la nas mãos dos sucessores do adquirente.

A minha vontade não tem capacidade de mudar a natureza da posse.

Usucapião – Inocorrência – Inteligência do art. 492 do Código Civil – A posse deve manter o mesmo caráter com que foi adquirida o que in casu se reveste de precariedade – Hipótese em que a posse não poderá ser exercida com animus domini pela filha – Recurso não provido (TJSP – Ap. Cível 60.945-4, 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Guimarães e Souza)4

O princípio da continuidade do caráter da posse encontra-se previsto no art. 1.203 – SALVO PROVA EM CONTRÁRIO, entende-se manter a posse o mesmo caráter o que foi adquirida.

Grifem por favor SALVO PROVA EM CONTRÁRIO. Trata-se, portanto, de uma presunção relativa - juris tantum – ou seja, admite prova em contrário.

4 apud, VENOSA, Sílvio de Sálvio. Direito civil : direitos reais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.88

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O objetivo dessa norma é evitar que se mude sem mais e sem menos o título ou a causa da posse; assim, o locatário não pode, arbitrariamente, que possui a posse para invocar os interditos, transformá-la a seu bel prazer em posse qualificada para o usucapião.

Reivindicatória – Prescrição aquisitiva – Inocorrência – Hipótese de locação com posterior apropriação do bem por falta de cobrança – Irrelevância – Posse que mantém o mesmo caráter com que foi adquirida – Art. 492 Código Civil – Hipótese em que a morte do locador não dissolve o vínculo locatício – Recurso provido (TJSP – Rel. Walter Moraes – Apelação Cível 208247-1 – São Paulo – 9-8-94)5.

O Prof. S.R. (pág. 29) faz uma advertência no sentido de que pode parecer que este art.1.203 choca-se com o art. 1.208, pois neste contém que cessada a violência ou clandestinidade, a posse se convalesce, ou seja, é purgada, paulatinamente, de seus defeitos.

Contudo, o art. 1.203, ora estudado por nós, entretanto, presume que a posse mantém o mesmo caráter com que foi adquirida: como conciliar as duas regras?

A resposta é simples: este art. traz uma presunção juris tantum, ou seja, admite prova em contrário.

Portanto, se o adquirente provar de que a violência, ou clandestinidade cessaram, sua situação de possuidor será, gradativamente, reconhecida.

Porém, segundo o Prof. Silvio Rodrigues, se o vício que macula a posse for o da precariedade, o mesmo se apegará à posse, enquanto, ela durar, perseguindo-a perpetuamente.

6) POSSE JURÍDICA E DETENÇÃO

Prevê o art. 1.198 que:

“Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”.

Nós já sabemos que posse é o exercício, de fato, de alguns dos poderes peculiares da propriedade.

5 op. cit. p.87

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Desse modo, o art. 1.198 complementa a idéia do que seja possuidor negando essa condição a quem conserva a posse em nome de terceiros, sob cuja dependência se encontra e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

É o ex. do caseiro que em nome do proprietário zela por sua residência de verão, do motorista que dirige o automóvel do empregador.

Essas pessoas, realmente, não têm posse, por conseguinte, não lhes assiste o direito de invocar em seu nome a proteção possessória. São servidores ou fâmulos da posse, que a exercem em nome de terceiros.

Possessória – Reintegração de Posse – Admissão pelo réu de sua condição de fâmulo da posse, exercendo-a em nome de terceiros – Posse do autor comprovada somando-a com a de seus antecessores – Impossibilidade de indenização por benfeitorias porque não configura a boa-fé dos réus – Inexistência, outrossim, dos requisitos para a concessão da justiça gratuita dos apelantes – Reintegratória procedente – Recurso improvido (1º TACSP – Ap. Cível 0648755-6, 22-9-97, 1ª Câmara de Férias de Julho – Rel. Elliot Akel)6.

O parágrafo único, do art. 1.198, reza que: Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.

O direito é dinâmico. No decurso do tempo, pode acontecer que o detentor passe agir em nome próprio, logo, rompa o liame de subordinação que havia, neste caso a prova de tal mudança lhe compete, consoante dicção do parágrafo único, do art. 1.198, do CC.

7) OUTRAS CLASSIFICAÇÕES

A posse, no sentido técnico é posse ad interdicta, isto é, que pode amparar-se nos interditos, na hipótese de ser molestada. O possuidor, que sinta ameaçada, turbada ou perdida sua posse, tem a faculdade de defendê-la ou de recuperá-la, através da ação possessória adequada e a posse, assim protegível, denomina-se ad interdicta.

Mas, sendo prolongada, a posse pode dar origem ao usucapião, desde que ocorram os requisitos previstos em lei. A posse, que contêm todos esses requisitos, constitui o que na técnica jurídica chama-se posse ad usucapionem que produz o importantíssimo efeito de gerar o direito de propriedade.

Distingue-se, ainda, a posse nova da posse velha.

6 Op cit. 57.

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A posse nova é a de menos ano e dia, a posse velha de mais de ano e dia. Essa distinção é de grande importância no tema da proteção possessória, que estudaremos mais adiante.

Por fim, cabe ainda aludir ao jus possidendi e ao jus possessionis.

O primeiro é o direito de posse decorrente do direito de propriedade. O segundo é direito de posse, resultante da posse exclusivamente.

Em outras palavras o jus possidendi é atributo do domínio e o jus possessionis deriva do próprio fato posse. O primeiro é o direito do titular do poder jurídico de possuir o que é seu, o segundo, é o complexo dos direitos que a posse, por si só, gera para o possuidor, principalmente à tutela possessória.

Essa diferenciação tem grande importância prática, pois a finalidade das ações possessórias, em regra, é o jus possessionis

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Ponto nº 4

DA AQUISIÇÃO DA POSSE

O art. 1.204 do CC traz: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”.

O dispositivo legal reforça o posicionamento de que a detenção da coisa não gera posse.

A aquisição da posse, segundo a doutrina, pode ser classificada, da seguinte forma:

Pela apreensão consistente num ato que coloque o possuidor em condições de dispor livremente da coisa. Essa apreensão pode ser UNILATERAL (a que se exercita sobre a coisa sem possuidor atual) ou CONVENCIONAL (a transmitida pelo contrato).

Porém, nem sempre a apreensão caracteriza a posse. É necessário que se entenda o termo apreensão em função do conceito da posse e assim ela só se configura com o concurso de vontade de se apropriar da coisa.

Com relação aos bens móveis, a apreensão opera-se não apenas pelo contato físico, mas com a deslocação, que é geralmente o modo pelo qual se exterioriza a vontade de se apossar da coisa.

No tocante aos imóveis, a vontade de apropriar-se é traduzida pelo fato de seu uso. Só com esse uso o autor da apreensão investe-se no papel de possuidor.

Vamos trabalhar com a seguinte situação para facilitar o nosso entendimento.O caçador persegue a caça, conseguindo alvejá-la e feri-la. Terá ele, com esse ato, adquirido a posse? Não.Só quando apanha a caça, sujeitando-a ao seu poder físico terá o caçador adquirido a posse.Outra hipótese: Cai a caça na armadilha, achando-se ausente o caçador. Terá ele, nesse caso, adquirido a posse? Sim, pois, embora inexistente o contato material, o caçador adquire a posse, porque sua vontade se exterioriza de modo claro, enérgico e positivo. Adquire-se, também, a posse pelo exercício do direito. Faz-se necessário distinguir exercício de direito e gozo de direito. O gozo de um direito é ter a aptidão necessária para dele tornar-se titular; Ter exercício é poder de usar desse direito, ter-lhe a respectiva utilização, ter o gozo das vantagens que oferece.

O locatário, por exemplo, adquire a posse da coisa locada quando assume o exercício desse direito. O mesmo acontecerá com o depositário, o credor pignoratício, o comodatário, enfim, com todos aqueles que sejam titulares de direitos exercidos sobre coisas corpóreas, exclusivamente, pois, como se acentuou, a posse não se amplia a direitos pessoais.

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SILVIO RODRIGUES prefere classificar os modos de aquisição da posse considerando: a) a vontade do agente e b) a origem da posse.

Com relação a vontade do agente sua classificação não difere muito do que nós acabamos de estudar. Em sua obra ele cita dois exemplos de exercício do direito que vale a pena mencionar:

1) Se alguém constrói aqueduto em terreno alheio e o utiliza ostensivamente sem oposição do proprietário, está exercendo a posse de uma servidão. Transcorrido o prazo legal, há aquisição de referida posse, pelo exercício do direito, podendo o possuidor invocar interdito possessório, em defesa de sua situação;

2) Se alguém dá em comodato coisa de outrem, tal fato revela que esta pessoa se encontra no exercício de um dos poderes do domínio. Portanto, pode-se inferir que adquiriu a posse da coisa, visto que a desfrutava.

A doutrina faz, também, a distinção dos modos de aquisição da posse considerando sua origem. Nessa ótica, ela pode ser originária ou derivada.

Diz-se que se adquiriu a posse de MANEIRA ORIGINÁRIA quando não há relação de causalidade entre a posse atual e a posse anterior, visto não ter a aquisição decorrido de anuência do antigo possuidor.

Na aquisição originária, a posse se apresenta despida dos vícios que a maculavam em mãos do antecessor, pois trata-se de uma nova posse, de uma situação de fato que acabou de nascer, possivelmente com defeitos novos, mas sem os vícios anteriores.

Ex. O antigo possuidor era titular de uma posse de má-fé, pois ela nasceu clandestinamente. Tal vício desaparece ao ser ele esbulhado, pois o esbulhador se constitui em titular de uma nova situação de fato, que não se encontra ligada a situação anterior.

A posse derivada é aquela que existe relação de causalidade entre a posse anterior e a atual, havendo esta emanado da anuência do antigo possuidor. Assim, o atual possuidor recebe a posse com todos os vícios que a inquinavam nas mãos do alienante. Ex. pela compra e venda, pelo comodato, etc.

Qualquer que seja a natureza do ato, haverá transferência da posse do titular antigo ao novo titular, tão eficaz, tão positiva e tão categórica como na simples apreensão. A posse pode ser adquirida a título universal ou singular. O herdeiro é sucessor a título universal porque sucede o autor da herança em sua totalidade ou em porção de seu patrimônio, é o que reza o artigo 1.207. Geralmente, a sucessão inter vivos se opera a título singular.

Page 32: Apostila de Direito Civil IV - Wilson

Preceitua o artigo 1.205 que:

“A posse pode ser adquirida:

“I- pela própria que a pretende ou por seu representante;“II- por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação”.

S.R. afirma que o artigo é de pequena ou nenhuma utilidade; porque é evidente que a posse pode ser adquirida pela própria pessoa que a pretende. Ele, ainda, faz uma remissão ao artigo 494, inc.II, do CC de 1.916, que previu duas possibilidades de constituição de posse: a) pelo representante; b) pelo procurador do adquirente. Afirmando que no primeiro caso, o legislador quis se referir ao representante do incapaz; e, no segundo, ao representante convencional de pessoa capaz.

Ato contínuo, o Prof. reitera sua posição, já exposta nas edições anteriores de sua obra, de que “o incapaz pode adquirir a posse através de seu próprio comportamento, pois é possível ultimar a aquisição da posse por outros meios que não atos jurídicos, como, por exemplo pela apreensão. E o incapaz só não tem legitimação para praticar atos jurídicos. Sendo a posse mera situação de fato, para que esta se estabeleça não se faz mister o requisito capacidade . (págs. 43/44).

Prosseguindo, o ilustre civilista, afirma que a disposição mais importante do artigo 1.205, encontra-se no inciso II, que possibilita a aquisição sem mandato, dependendo, contudo, que o beneficiário ratifique o ato. Ler p. 44.

OUTROS PRINCÍPIOS RELATIVOS À AQUISIÇÃO DA POSSE

O art.1.206 reza: “A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”.

Esse artigo completa o pensamento do art. 1.203. Por ex., a transmissão da herança é operada sem solução de continuidade (art. 1784), processa-se, porém, com os mesmos caracteres, vícios e qualidades. Assim se há uma posse de má-fé, originariamente, essa continuará sendo de má-fé para o sucessor; se violenta, conservará o mesmo estigma, até que venha a ser eliminado.

Diz o art. 1.207 = “O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para efeitos legais”.

É necessário definir primeiro o que seja sucessor universal. SUCESSOR a título UNIVERSAL é aquele que substitui o titular primitivo na totalidade dos bens, ou numa quota ideal deles, como no caso os herdeiros.

Desse modo, como continuador da posse, recebe-a com os mesmos caracteres de que anteriormente se impregnava, não podendo desligar seu direito do direito do predecessor.

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Já com relação ao sucessor a título singular, difere a regra legal. SUCESSOR A TÍTULO SINGULAR é o que substitui o antecessor em direitos ou coisas determinadas, como comprador e o legatário.

De acordo com o art. 1.207, é facultado a ele unir sua posse à do antecessor ACESSIO POSSESSIONIS NÃO E OBRIGATÓRIA. Existe mera faculdade, que exercitará, ou não, como melhor lhe convenha.

Se o fizer, sua posse sofrerá as vicissitudes da anterior, de modo que se esta era viciosa, viciosa continuará a ser com o sucessor singular;

Se não o fizer, se desligar a sua posse da do antecessor, como lhe é permitido, tê-la-á purgada dos vícios que a maculavam, iniciando com a nova posse o usucapião.

Melhor explicando: meu antecessor era possuidor de má-fé. Adquirindo-lhe a posse, a titular singular, reserva-me o direito a seguinte alternativa, uno ou não a minha posse à anterior, para efeito de usucapião.

1) Se fizer essa união (justaposição), como me é facultado, a posse atual revestir-se-á do vício anterior que a contaminava; contando, porém, o lapso de tempo da primeira posse, precisarei de menor prazo para que se consume a prescrição aquisitiva.

2) Se não fizer a junção das posses, a atual ficará expurgada do vício originário de que se ressentia, mas, em compensação, o prazo do usucapião terá de ser maior, pela inutilização do lapso de tempo vencido pelo meu antecessor.

OBSTÁCULOS À AQUISIÇÃO DA POSSE:

O art. 1.208 reza que:

“Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, SENÃO DEPOIS DE CESSAR A VIOLÊNCIA OU A CLANDESTINIDADE”.

Por favor façam barra após a palavra tolerância. Nós temos então o art. divido em duas partes. Na primeira parte, ocupou-se o legislador da POSSE PRECÁRIA, QUE APENAS SUBSISTE EM FAVOR DO DETENTOR, ENQUANTO CONVENHA AO PROPRIETÁRIO. A tolerância e a permissão deste não induzem posse.

Ele transige com a prática dos atos, reservando-se, todavia, o direito de revogar a ordem, quando julgue conveniente. Por sua vez, a pessoa recolhe a vantagem a título precário, SABENDO DE ANTEMÃO QUE PODERÁ PERDÊ-LA A QUALQUER MOMENTO.

Ex. eu tolero, por gentileza ou amizade, que um vizinho passe pelo meu terreno. Tal passagem, embora reiterada, não induz posse, por se tratar de mero favor, a todo tempo revogável. Se apesar de revogada a autorização, persistir o vizinho na travessia, estará praticando turbação.

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DIFERENÇA ENTRE PERMISSÃO E TOLERÂNCIA = Na prática as duas se equivalem. A única diferença está em que a CONCESSÃO, no caso da primeira é expressa e, na segunda, virtual ou tácita.

DARCY BESSONE, pág. 284, ensina:Ex. Se se pede licença ao proprietário do imóvel rural para se retirarem animais que nele penetraram, a concessão constituirá ato PERMISSÃO. Se o dono dos animais, sem pedir licença, entre no imóvel, à vista do proprietário, para o mesmo fim de retira-los, a não oposição do último constituirá TOLERÂNCIA.

É importante saber de quem é ônus probatório. Segundo Washington de Barros Monteiro, QUEM ALEGA permissão ou tolerância DEVE COMPROVÁ-LA REGULARMENTE. Não o fazendo, prevalece o direito do possuidor em sua plenitude. CONCLUSÃO: Caso seja questionado sob o tema. – Oriente ao seu cliente de que faça a concessão por escrito, pois este documento será a prova de que se trata de uma MERA PERMISSÃO.

Tais concessões por não induzirem posse não são protegíveis pelos interditos.

Com relação parte do art. 1.208, que adverte cessada a violência ou clandestinidade começa a firmar-se de modo útil e eficaz a posse, pois tais vícios são temporários.

ART. 1.209 “A posse do imóvel faz presumir, até prova contrária, a das coisas móveis que nele estiverem”.

Trata-se aplicação de regra geral de que o acessório acompanha o principal. O preceito vigoraria ainda que ausente um texto expresso, ocorrendo, como diz OROZIMBO NONATO, o fenômeno da extensão da posse.

Mas a referida presunção é juris tantum, elidindo-se, de tal arte, por prova contrária.

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Ponto nº 5

DOS EFEITOS DA POSSE

É inquestionável que da posse decorrem importantes efeitos. Divergem os autores, tão-somente a respeito de sua discriminação. SAVIGNY faz alusão a antigo escritor que enumerou nada menos setenta e dois efeitos, a maioria dos quais, entretanto, provindos de causas estranhas à posse.

SAVIGNY reduziu a dois apenas os efeitos específicos e próprios da posse, O USUCAPIÃO e a faculdade de invocar os INTERDITOS.

EDMUNDO LINS e VICENTE RÁO, por sua vez, sustentam que, verdadeiramente, o único efeito decorrente da posse é a faculdade de invocar os INTERDITOS.

No entender de ambos, até mesmo o USUCAPIÃO deveria ser arredado, porque não é efeito exclusivo da posse, mas desta CONJUGADA COM OUTROS ELEMENTOS.

Sustentam, ainda, que tal ponto vista vem amparado pelo Código Civil, tanto que nos quinze artigos, reunidos sob a epígrafe dos efeitos da posse, o Código ocupa-se, exclusivamente, dos interditos possessórios.

Aduz, também, que em dispositivo algum se encontra qualquer referência, ainda que indireta, ao usucapião como efeito da posse.

Para CLÓVIS BEVILÁQUA os efeitos da posse são SETE: I) o direito de uso dos interditos; II) a percepção dos frutos; III) o direito de retenção por benfeitorias; IV) a responsabilidade pela deteriorações; V) a posse conduz ao usucapião; VI) se o direito do possuidor é contestado, o ônus da prova compete ao adversário, pois que a posse se estabelece pelo fato; VII) o possuidor goza de posição mais favorável em atenção à propriedade, cuja defesa se completa pela posse.

Acompanham o posicionamento do Clóvis: WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, MARIA HELENA DINIZ, SILVIO DE SALVO VENOSA e outros.

Nós vamos considerar para o nosso estudo esta posição.

DOS INTERDITOS

Dos efeitos elencados da posse, o de maior realce são os meios de defesa, ou seja, os interditos. No que toca à proteção possessória, o Código Civil deixou-se penetrar por princípios e regras de direito processual civil.

Desse modo, o estudo da proteção possessória deve ser realizado em conjunto, isto é, CC e CPC.

O PORQUÊ DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA

Porém, antes de adentrar propriamente no estudo devemos analisar o motivo que a posse é protegida. Também, nesse ponto, existe divergência das teorias subjetivas e objetivas.

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Para SAVIGNY, A POSSE É TUTELADA COMO REPRESSÃO À VIOLÊNCIA. O motivo da proteção possessória encontra-se na relação existente entre o próprio fato da posse e a pessoa que possui. A inviolabilidade desta, resguarda a posse contra toda turbação, que teria por efeito atingir ao mesmo tempo a própria pessoa. É esta última, como individualidade, que deve estar ao abrigo de toda violência, porque, a seu respeito, essa violência é sempre contrária ao direito.

Já para IHERING, A PROTEÇÃO CONCEDIDA À POSSE REPRESENTA INDISPENSÁVEL COMPLEMENTO DA PROPRIEDADE. Em atenção a esta é que se introduziu a proteção possessória. Efetivamente, esclarece Ihering, a utilização econômica da propriedade tem por condição a posse. A primeira sem a segunda seria um tesouro sem a chave para abri-lo, uma árvore frutífera, sem a escada necessária para colher os frutos. O proprietário, privado da posse, acha-se paralisado quanto à utilização econômica da propriedade; protege-se aquela para assegurar o gozo desta. A propriedade não pode existir sem essa proteção.

Para MARTIN WOLFF, O FUNDAMENTO DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA RESIDE NO INTERESSE DA SOCIEDADE EM QUE AS SITUAÇÕES DE FATO PRÉ-EXISTENTES NÃO SEJAM DESTRUÍDAS ex própria auctoritate. A proteção possessória é assim a defesa da paz geral, repulsa contra a realização da justiça pelas próprias mãos, fato que qualquer sociedade, medianamente organizada, não pode admitir nem tolerar.

Em que pese as divergências, a realidade é que a posse é protegida pelo ordenamento jurídico. O legislador colocou à disposição da sociedade várias modalidades de ações para protegê-la.

DAS MODALIDADES DOS INTERDITOS

O Prof. Washington de Barros afirma que são seis modalidades de ações, sendo as principais ações possessórias: o interdito proibitório, a manutenção de posse e a reintegração de posse. Adverte, ainda, que além destas há outras modalidades de ações para a defesa da posse, quais sejam: AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE; EMBARGOS DE TERCEIRO SENHOR E POSSUIDOR e a AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA.

MARIA HELENA DINIZ considera que são sete modalidades acrescentando também a AÇÃO DE DANO INFECTO.

Iremos, oportunamente, estudar cada modalidade, contudo, faremos uma analise conjunto das possessórias principais, também, denominadas ações possessórias típicas ou ações possessórias em sentido estrito.

DA LOCALIZAÇÃO DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS NO CPC.

Saber a localização da ação é de suma importância, pois, esse conhecimento nos levará a tomar os cuidados necessários para adotar as medidas corretas. As ações possessórias em sua maioria encontra-se localizada nos Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa.

Tal fato, por si só, nos leva a concluir que elas são distintas, pelo menos em parte, das ações previstas no procedimento ordinário ou sumário.

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Embora, não seja o processo civil o tema de nosso estudo, por motivo de melhor entendimento, irei fazer uma resumida comparação entre tais procedimentos.

Ex. Diz o art. 938 do CPC que na ação de Nunciação de Obra Nova o proprietário será citado para contestar em 05 dias a ação.

Vejam bem, no rito ordinário o prazo para apresentar defesa é de 15 dias (art. 297). Já no procedimento sumário a defesa será apresentada na audiência de conciliação, e para isto, o réu deverá ser citado com a antecedência mínima de 10 dias, ou seja, tal prazo lhe é dado para preparar sua defesa (art. 277)

Portanto, estudar qual o procedimento que será adotado para aquela ação especifica é muito importante.

DAS AÇÕES POSSESSÓRIAS TÍPICAS

O Prof. SILVIO DE SALVO VENOSA (p. 123) afirma que as três tradicionais modalidades de possessória correspondem a três diferentes graus de ofensa da posse.

A mais grave das ofensas é o ESBULHO, QUE OCORRE COM A PERDA DA POSSE. O possuidor se vê privado de sua posse, violenta ou clandestinamente, ou por abuso de confiança.Ex. Estranho que invada casa deixada por inquilino. O comodatário que não entrega a coisa findo o prazo, ou, se não há prazo, quando reclamado pelo proprietário. O locador de serviços, dispensado pelo patrão, não restituiu a casa que recebeu para sua moradia.A regra, portanto, é que se caracteriza o esbulho não só por atos de violência, como também, por toda e qualquer moléstia aos direitos do possuidor, como quando ocorra a recusa de restituir a coisa que deva ser restituída.A medida judicial cabível contra o esbulhador é a AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.

A turbação situa-se em menor grau. Os atos turbativos molestam e dificultam a posse, porém, sem suprimi-la do possuidor. Ou seja, o possuidor continua na posse, mas tem o seu exercício cerceado. M.H.D define turbação como “todo ato que embaraça o livre exercício da posse, haja ou não, dano, tenha ou não, o turbador melhor direito sobre a coisa”.

A turbação pode ser de FATO ou de DIREITO. A de fato consiste na agressão material dirigida contra a posse. Ex. rompimento de cerca, abertura de picadas.A de direito é a que opera judicialmente, quando o réu contesta a posse do autor, ou por via administrativa, quando, p. ex., houver decisão das autoridades, fixando largura de uma estrada, em detrimento da utilização da coisa.Distingue-se, ainda, a turbação em direta e indireta.

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A direta é aquela que se exerce diretamente sobre o bem que é objeto da posse, como por ex., se o turbador abrir caminho no terreno do possuidor. A indireta, por sua vez, é praticada fora da coisa, mas recai sobre ela, produzindo efeitos nocivos à sua posse. ex. em virtude de atos ou palavras do turbador, o possuidor deixa de arranjar inquilino para o prédio. Os atos turbativos podem ser positivos, se resultarem de prática de atos materiais equivalentes ao exercício da posse sobre a coisa por parte do esbulhador, como corte de árvores e implantação de marcos, ou negativos, se impedirem o possuidor de praticar certos ato, dificultando sua posse.O remédio judicial contra o turbador é a AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE.

Por último, protege-se a posse da simples ameaça. Sentindo-se ameaçado pode o possuidor ajuizar o INTERDITO PROIBITÓRIO, com intuito de evitar violação de sua posse. Trata-se, portanto, de uma proteção preventiva da posse, que se encontra na iminência ou sob ameaça de ser molestada. Essa ação é de natureza premonitória, visa impedir que se concretize a turbação ou o esbulho.

O artigo 1.210, caput, reza: “O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

O CPC, também, inseriu a proteção possessória em seus artigos que rezam:

“Art. 926. O possuidor tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho”.

“Art. 932. “O possuidor direito ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou do esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito”. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS POSSESSÓRIAS DO CPC (art. 920/925).

1. Fungibilidade das Ações Possessórias.

A posse por ser uma situação fática sofre no decurso do tempo alterações. Vamos imaginar a seguinte situação.

O possuidor recebe ameaças de invasão, ou seja, o seu imóvel encontra-se na iminência de ser invadido. Inclusive, as pessoas que o ameaçam estão providenciando um cerco ao seu imóvel.

Desse modo, rapidamente o possuidor ingressa com uma Ação de Interdito Proibitório = visando impedir que haja violação de seu imóvel. Contudo, antes do juiz decidir sobre o deferimento ou não da medida preventiva a invasão se consuma.

Desse modo, o deferimento do juiz ao pedido especifico do possuidor já não terá eficácia, haja vista que o seu imóvel já fora invadido. Em face dessa

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possibilidade de mutabilidade do estado de fato, o legislador previu, no art. 920 do CPC, o principio da fungibilidade.

“Art. 920. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados”.

Assim, no exemplo suscitado o juiz está autorizado, por lei, a decidir o pleito possessório, dentro da tríplice divisão, proferindo o comando necessário à proteção possessória.

Obs. A fungibilidade só é permitida aos três procedimentos típicos, ou seja, manutenção, reintegração e o interdito.

2. Aplicação das Ações Possessórias às Coisas Móveis.

Os arts. 920 e ss do CPC não distinguem entre móveis e imóveis. Os interditos, portanto, são utilizáveis para móveis e imóveis.

3. Cumulação de Pedidos (921 do CPC)

Desse modo, por determinação legal, mesmo que haja cumulação de pedidos a possessória tramitará pelo rito especial. Se não houvesse autorização expressa, o autor que quisesse acumular pedido só poderia no procedimento ordinário.

4. Natureza Dúplice da Ação Possessória (art. 922 do CPC).

A ação dúplice se caracteriza quando a posição de autor e réu no processo se confundem, sendo que, por esta razão, não poderá o réu deduzir reconvenção. Isto porque, em sua contestação, deduzida na ação possessória, poderá ele pedir a proteção possessória e indenização por perdas e danos. Normalmente não poderia fazer isso, pois o réu não deduz pedido, mas apenas contesta o pedido do autor.

“Art. 922. É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”.

Considerando o preceito contido no dispositivo legal, a demanda possessória pode ser decidida tanto a favor do autor como do réu. Inclusive, com relação à indenização.

Contudo, se o réu limita-se a contestar o pedido do autor, sem pedir a proteção possessória para si, o juiz não pode deferir a tutela.

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5. Exceção da Propriedade ( art. 1.210, § 2º CC e 923 CPC).

É comum em sede de ação possessória alegar o domínio da coisa. Porém, a realidade é que a posse é protegida por si mesma, independente da propriedade. Não se pode confundir proteção da posse com a proteção da propriedade.O possessório e o petitório não se misturam.

Via de conseqüência, se de natureza possessória, o pleito judicial, cumpre apenas indagar quem é o possuidor, para a este outorgar a proteção possessória.

Por isso, nos interditos proibitórios a análise de a quem pertence o domínio a princípio é excluída.

“Art. 1.210....................................................

“§2º Não obsta à manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou outro direito sobre a coisa”.

A regra, portanto, é da inadssimibilidade do domínio nas ações possessórias. Entretanto, essa regra não é absoluta e comporta a exceção “quando o fato da posse no processo surgir conturbado, confuso, na dúvida, não deve o juiz conceder a posse em favor de quem evidentemente não possuir o domínio. O domínio nunca será o substrato da ação possessória. Examina-se o domínio como subsídio, quando da prova não PUDER RESSALTAR A BOA OU MELHOR POSSE” (S.S.V. p. 131).

O STF, através da súmula 487, determina: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste ela for disputada”.

S.S.V. p. 132 decisão do STJ.

5. Ações de Força Nova e de Força Velha.

Trata-se de se examinar a idade da posse. Menos de ano e dia posse nova, mais de ano e dia posse velha. O tempo da posse tem importância para o deferimento de liminar.

O CPC reza:

“Art. 924. Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da seção seguinte, quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho...”.

“Art. 928. Estando a petição devidamente instruída, O JUIZ DEFERIRÁ SEM OUVIR O RÉU, a expedição de mandado liminar de manutenção ou de reintegração;no caso contrário, determinará que o autor JUSTIFIQUE PREVIAMENTE O ALEGADO, citando-se o réu para comparecer a audiência que for designada.

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O juiz recebeu a petição inicial, mas não se convenceu com os argumentos apresentados pelo autor = assim, designará AUDIÊNCIA de JUSTIFICAÇÃO da POSSE. Essa audiência tem a única finalidade de dar elementos de cognição ao juiz, absolutamente sumário, a fim de que examine a possibilidade de conceder ou não a liminar. A prova, portanto, é exclusiva do autor.

O réu, comparecendo a audiência, poderá reperguntar (art. 864). A ele não é lícito, contudo, arrolar testemunhas nem requerer o depoimento pessoal do autor. Ler S.S.V. pp13 e 135.

A segunda parte do art. 924 trata da posse velha :. preceituando: “passado esse prazo, será ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório”.

O dispositivo determina que se a ação for ajuizada após ano e dia o procedimento a ser empregado será o ordinário, todavia, deve-se entender como procedimento comum (ordinário ou sumário).

Cumpre ainda, destacar, que mesmo na posse velha, a partir de 1994, o possuidor pode conseguir uma liminar como ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA DE MÉRITO, desde que preencha os requisitos do art. 273 do CPC.

Obs.: PARA CONCESSÃO DE LIMINAR contra pessoas jurídicas de direito público a lei determina a realização de audiência de justificação. Tal determinação, encontra-se no parágrafo único do artigo 928 do CPC que diz:

“Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais”.

5.1. Contagem do Prazo

A contagem do prazo no caso de esbulho é fácil, pois o mesmo se inicia com a perda da posse, contudo, a mesma facilidade não se tem quando ocorre a turbação, já que nessa modalidade de ofensa a posse, pode haver vários atos turbativos.

Ex. um vizinho penetra na minha fazenda uma, duas, cinco vezes, a fim de extrair lenha. Cada um desses atos, isoladamente, ofende minha posse e contra cada um deles posso pedir manutenção. Suposto haja decorrido o prazo de ano e dia a contar do primeiro ato turbativo, para esse ato especificamente, não poderei utilizar-me do procedimento especial.

Ex. Tenho um terreno cercado, que, de há muito, se acha em minha posse. Um vizinho, condômino no mesmo imóvel, se julga com direito de edificar no terreno. Com esse objetivo, procede primeiro a limpeza e o preparo do chão, reunindo materiais necessários ao início da construção. Deixo, entretanto, passar mais de ano e dia, para só depois atacar a edificação. Pois bem, qual desses atos deve ser tomado por base no cômputo do prazo de ano e dia, útil a propositura da ação possessória? Existe desacordo: Para

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uns, o prazo começa a fluir do primeiro ato. Para outros, o lapso de tempo conta-se do segundo, que não passa de mera seqüência do primeiro. Para Washington de Barros Monteiro, esse último ponto de vista é o que melhor se afeiçoa à nossa lei, que concede manutenção se a moléstia à posse é de menos de ano e dia, sem cogitar de qualquer distinção (p. 45, 36ª ed., 2.000).

6. Ônus da Prova nas Possessórias.

Cabe ao autor o ônus probatório, conforme dicção do artigo 927 do CPC.

“Art. 927. Incumbe ao autor provar:I- a sua posse;II- a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;III- a data da turbação ou do esbulho;IV- a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

Ler SILVO DE SALVO VENOSA pág. 139, nota de rodapé.

7. Carência de Idoneidade Financeira do Autor

A medida liminar nas ações possessórias tem caráter exclusivamente temporário, sendo seu objetivo proteger a situação de fato sumariamente conhecida. O CPC enseja possibilidade ao réu, que tem contra si deferida a medida, resguardar-se de possíveis prejuízos, na hipótese de não ser mantido o estado na decisão final.

O art. 925 do CPC adverte:

“Art. 925. Se o réu provar, em qualquer tempo, que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de decair da ação, responder por perdas e danos, o juiz assinar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução sob pena de ser depositada a coisa litigiosa”.

CAUÇÃO ART. 826 a 830 do CPC. Pode ser real ou fidejussória;

OBS.: Cabe ao réu provar a idoneidade do autor pág. 135 e 136. SILVIO DE SALVO VENOSA.

Pode Caracterizar idoneidade: ausência de outros bens, excesso de dívidas e número excessivo de ações ajuizadas contra o autor.

OBS.: A coisa não volta para o réu. (ler comentário da pág. 136, parágrafo 1º do SILVO SALVO VENOSA).

8. DA LEGITIMA DEFESA DA POSSE e do DESFORÇO IMEDIATO

A proteção possessória consiste na outorga de meios de defesa da situação de fato. Ela se processa de duas maneiras: pelos interditos ou através da defesa direta permitida em lei.

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A regra é que a defesa do direito violado ou ameaçado se faz através de recurso ao Poder Judiciário. Todavia, o legislador, temendo que a proteção judiciária por sua menor celeridade não possa, por vezes, atingir sua finalidade, excepcionalmente, faculta a vítima a possibilidade de defender-se diretamente, com os seus próprios meios, contanto que obedeça aos requisitos legais.

O art. 188 em seu inciso I, 1ª parte, do CC, admite a defesa legítima, genericamente.

Tal regra genérica é repetida pelo legislador, no caso específico da posse, no § 1º, do artigo 1.210.

“Art. 1.210. .............................

“§ 1º. O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”.

Portanto, para que a defesa direta seja considerada legítima, é preciso a presença de alguns requisitos:

a) Que ela se faça logo, isto é, a reação deve ser imediata à agressão. A existência de um intervalo conduz à presunção de que a vítima poderia recorrer ao poder competente, para solicitar socorro ou remédio; ademais, a reação tardia mais se assemelha a uma vingança, mais parece uma nova agressão do que um ato de defesa;

b) A reação deve se limitar ao indispensável para o alcance do objetivo pretendido; ou melhor, os meios empregados devem ser proporcionais à agressão, pois, caso contrário, haverá excesso culposo.

WAHINGTON DE BARROS MONTEIRO – Afirma que o § 1º do art. 1.210 prevê duas situações diferentes a legítima defesa da posse, no caso de turbação, e o desforço imediato no caso de esbulho.

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Ponto 6 – Das outras ações possessórias.

1. Imissão de Posse

O CPC de 1939, dentro do próprio título das “Ações Possessórias”, trazia a ação de imissão de posse. O estatuto processual vigente, não incluiu essa modalidade de ação no procedimento especial, porém, a mesma pode ser exercida através do procedimento comum (ordinário ou sumário).

O CPC anterior, em seu 381, previa três hipóteses para se utilizar esse tipo de ação:

“I – Aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros que o detenham;

II – Aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega de bens pertencentes à pessoa representada;

III – Aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante.

Preceitua o inciso I de que cabe a imissão não só contra o alienante, mas também contra terceiros que detenham os bens alienados. Contra terceiro só é possível o manejo dessa ação se ele deter a coisa em nome ou conta do alienante.

Se a ação se funda no inciso II, que concede a imissão em favor dos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado contra os seus antecessores, cumpre-lhes, antes de tudo, ingressando em juízo, demonstrar que se acham legalmente investidos naquela qualidade, de acordo com o estatutos, ou contrato social. O mesmo ocorre no inciso III.

O artigo 382 do antigo CPC prescrevia que a inicial deveria ser instruída com o título de domínio ou com os documentos da nomeação, ou eleição do representante da pessoa jurídica, ou da constituição do novo mandatário.

Analisando os artigos acima, chega-se à conclusão de que na ação de imissão de posse discute-se o domínio e o requisito da posse inexiste.

Por tal razão, há juristas que sustentam que essa modalidade de ação não é possessória. O Professor SILVIO DE SALVO VENOSA sustenta, de que a imissão era reservada, na realidade, a quem nunca tivera a posse. Não é possessória.

2. Embargos de Terceiro (art. 1.046 e ss do CPC)

Vamos imaginar uma situação prática antes de estudar essa ação.

Ex. Adquire-se um terreno através de um Contrato de Compromisso de Compra e Venda, não se realizando o registro desse contrato, no Cartório de Registro de Imóveis. Contudo, toma-se posse do referido imóvel, pagando, pontualmente, as prestações do mesmo. Após a venda, o alienante envolve-se em um acidente de trânsito. João o proprietário do outro veículo ajuíza ação em face do vendedor para receber o

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seu prejuízo, que é de R$ 10.000,00, sendo o seu pedido julgado procedente. De posse da sentença que lhe é favorável, João A EXECUTA. Intimado o advogado do alienante para pagar em 15 (quinze) dias, o devedor permanece inerte. Assim, penhora-se o imóvel do promitente comprador.

Agora vamos ver se o exemplo acima formulado se subsume da norma jurídica que regula os embargos.

O art. 1046 do CPC diz: “Quem não sendo parte no processo, sofrer turbação ou esbulho na posse de seus bens por ato de apreensão judicial, em casos como o de penhora, depósito, arresto, seqüestro, alienação judicial, arrecadação,...”.

O CPC refere-se aos embargos de terceiro não no capítulo das ações possessórias, porém, é inquestionável que tal remédio, quando empregado para a defesa da posse, reveste-se indiscutivelmente de caráter possessório.

Nesse sentido, o Prof. Washington ensina: “os embargos de terceiro representam a própria ação de manutenção ou de reintegração de posse, que, por necessidade de ordem prática, adota forma processual diversa”.

Há de se registrar, que os embargos de terceiro também podem ser utilizados pelo proprietário.

Em razão de sua natureza os Embargos de Terceiro são sempre decorrentes de outro processo judicial. Tanto que a ação deve ser distribuída por dependência perante o mesmo juiz que determinou o ato constritivo (art. 1049 do CPC).

Pode também nessa ação ser designada AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO da posse (art. 1050, par. 1º do CPC), a fim de ser deferida medida liminar (art. 1051), também com possibilidade de caução.

obs.: embora a lei não o diga, designada a audiência de justificação, deve ser citado o embargado, não somente por analogia ao que sucede nas ações possessórias típicas, como também pelo princípio constitucional da ampla defesa consagrado pelo art. 5º, LV, da CF.

Quando os Embargos versarem sobre todos os bens atingidos no outro processo, este ficará suspenso, contudo, sendo parciais, dar-se-á continuidade ao processo com relação aos bens não embargados.

Há possibilidade da interposição de Embargos preventivos. NELSON NERY pág. 1014 CPC.

EMBARGOS de terceiro no CPP . N. N. J – pág. 1013

3. Nunciação de Obra Nova (art. 934 CPC)

O Embargo de obra nova pode ser requerido não só para defesa do domínio, como igualmente a posse. Sob esse último aspecto, a nunciação será, inquestionavelmente, de natureza possessória.

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Compete essa ação a quem considere prejudicial ao seu domínio, ou posse, obra nova em vias de conclusão no prédio vizinho. Seu objetivo é impedir-se à consumação com o término da obra.ex. proíbe a lei que na construção vizinha se abra janela a menos de metro e meio (art. 1.301, caput, CC). Ao proprietário ou possuidor, prejudicado com a obra nova em que se viola a referida proibição, ASSISTE O DIREITO DE EMBARGAR A CONSTRUÇÃO, através da ação de nunciação de obra nova. obs.: só caberá tal remédio, entretanto, se a obra ainda se acha em andamento; se já concluída, ou em vias de conclusão, como por exemplo, na fase de pintura ou dos arremates finais, inadmissível se torna o exercício da nunciação.

Não há prazo para sua propositura, que deve ser requerida antes de terminada a obra, pois não é possível pedir se suspenda obra já ultimada.

O conceito de obra de nova é amplo, abrangendo qualquer ato lesivo ao direito de proprietário ou do possuidor. Em tais condições, pode recorrer a nunciação, o proprietário de imóvel rural servido anos por um córrego, cujas águas são desviadas pelo dono do prédio superior.

Para Washington de Barros Monteiro, a nunciação pressupõe a existência de dois prédios contíguos, sendo primeiro afetado ou prejudicado por obra nova realizada no segundo.

Já para o SILVO DE SALVO VENOSA não é necessário de que os imóveis sejam contíguos.

obs. mas, se feita a obra, não no terreno do nunciado, porém no próprio terreno do nunciante, o meio processual de que o último dispõe será a ação possessória adequada, não a nunciação. Igualmente, inadmissível a ação se a obra nova vem a ser executada não no prédio do nunciado, mas na rua ou num logradouro público. Em tal hipótese, ao prejudicado cabe reclamar administrativamente contra o responsável.

Não cabe nunciação se se trata de único imóvel, objetivado pela disputa. Assim, já se decidiu que o embargo de obra não constitui meio idôneo para defesa do pretendido domínio sobre solo na posse de terceiro, que nele está construindo.

Possível se torna o exercício de nunciação contra o poder público, quando este age de modo privado. Todavia, se o poder público age, não como particular, porém no exercício de sua função normal, no interesse público, por ex., quando executa obras em plena rua, não se concebe que sua atividade possa ser tolhida pelo embargo de obra nova.

EMBARGO EXTRAJUDICIAL – art. 935 – pág. 145 Silvio de Salvo Venosa.

4. Ação de Dano Infecto (arts. 1.280 e 1.281 do CC).

M.H.D. (pág. 70) afirma trata-se de uma medida preventiva utilizada pelo possuidor, que tenha fundado receio de que a ruína ou demolição ou vício de construção de prédio vizinho ao seu venha causar-lhe prejuízos, para obter, por

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sentença, do dono do prédio vizinho caução que garanta a indenização de danos futuros.

Essa ação não é propriamente uma ação possessória, mas sim cominatória, ante sua finalidade puramente acautelatória.

“Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito de exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameaça ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

“Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito a fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual”.

S.S.V. sustenta que o “conteúdo possessório dessa ação mostra-se mais tênue. A medida, pode, no entanto, ser requerida por qualquer possuidor. O procedimento é dos arts. 826 e ss do CPC, se meramente preparatório ou acautelatório. Se já ocorreram danos, a caução pode ser pedida incidentalmente em pedido cominatório, tendo vista outros danos que possam ainda vir a ocorrer.

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Ponto 7 – OS DEMAIS EFEITOS DA POSSE.

1. Percepção dos Frutos

A defesa da posse, através dos interditos lato sensu e da autotela, foi por nós estudada como primeiro efeito da posse.

Como segundo efeito da posse, nós estudaremos a PERCEPÇÃO DOS FRUTOS. Antes de adentrar nos efeitos da posse com relação aos frutos, faz-se necessário relembrar o que, tecnicamente, entende-se como frutos para o direito.

FRUTOS SÃO AS UTILIDADES QUE A COISA PERIODICAMENTO PRODUZ.

O art. 95 do CC, reza:

“ Apesar de ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objetos de negócio jurídico”.

Os frutos, quanto à sua categoria, podem ser: naturais, industriais e civis.

Naturais – são aqueles que se renovam periodicamente, devido à força orgânica da própria natureza. Ex. cria dos animais; colheitas.Industriais – são devidos em virtude do engenho humano, como a produção industrial.Civis – são as rendas auferidas pela coisa, provenientes do capital, tais como juros, aluguéis e dividendos.

Produtos são bens extraídos da coisa, que diminuem sua substância porque não se reproduzem periodicamente como os frutos. Assim se coloca o carvão extraído da mina, o petróleo de poço.

Agora, nós já relembramos o que sejam frutos para o direito, vamos analisá-los sob outro aspecto. Quanto ao seu estado, eles podem ser: pendentes, percebidos, estantes, percipiendos e consumidos.

Pendentes – enquanto unidos à coisa que os produziu. Percebidos – depois de colhidos, ou seja, depois de separados da coisa.Estantes – se depois de separados ainda existem armazenados ou acondicionados para venda.Percipiendos – os que deveriam ser, mas ainda não foram colhidos ou percebidos.Consumidos – os que já não existem porque já utilizados.

Agora que já definimos frutos vamos analisar a destinação deles na posse.

Os arts. 1.214 e ss. pressupõem a existência de discussão sobre os frutos na posse e sua destinação, em espécie ou em valor equivalente. Essa discussão não depende do título da posse. É examinada apenas a boa ou má-fe daquele que se despoja da coisa. Se não existissem essas regras na lei, em tese todos

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os frutos deveriam ser restituídos, ocasionando enriquecimento injustificado. A reivindicação da coisa implicaria sua devolução com todos os acréscimos e proveitos.

O art. 1.214, caput, diz “O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos”.

Grifem a palavra percebidos. Nós estudamos que frutos percebidos são os colhidos, os separados da coisa. O caput do art. 1.214 nos traz a destinação dos frutos percebidos se o possuidor estiver de boa-fé.

Washington de Barros Monteiro comentando o dispositivo afirma que = “A boa-fé do possuidor equipara-se a do dono. É a alma das relações sociais”.

O artigo 1.214 fala, enquanto durar a boa-fé, nota-se, assim, que há um momento que a boa-fé cessa.

WASHINGTON fornece como ex. a citação do possuidor = porque nesse momento ele toma conhecimento dos vícios que maculam a sua posse e que lhe não assiste razão. Trata-se de um fato objetivo, contudo, pode qualquer circunstância anterior ao processo que faça presumir a consciência da ilicitude por parte do sujeito.

O parágrafo único do art. 1.214 complementa:

“Os frutos pendentes ao tempo que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

O parágrafo único do art. 1.214 = nos dá a destinação dos frutos pendentes, bem como, os colhidos com antecipação, DETERMINANDO que estes devem ser restituídos, porque o pressuposto, que conduziu o ordenamento jurídico a proteger aquele possuidor, cessou ao cessar a boa-fé. Contudo, tem o referido possuidor direito às despesas de produção e custeio, evitando, desse modo, que o requerente experimente um enriquecimento sem causa.

O art. 1.215. “Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia”.

Esse dispositivo estabelece o momento em que os frutos são considerados percebidos. Para os frutos naturais e industriais a percepção é efetiva, contudo, para o civis o possuidor tem direito até o dia em que cessa a boa-fé.

Conclusão: A lei mantém, em face do possuidor de boa-fé, uma atitude protetora, de inegável simpatia.

Má-fé: A lei com relação à má-fé adota outro posicionamento.

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O art. 1.216 = “O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio”.A posse de má-fé é ilegítima, e, por isso, a lei estabelece sanções severas. A intenção do legislador, com estabelecimento de tais penalidades, é desencorajar a violação da posse. Sem dúvida, orienta-se o direito no sentido de punir o dolo, a malícia a má-fé. Assim, o possuidor de má-fé deve devolver os frutos colhidos e percebidos, como responde, igualmente, pelos frutos que por sua culpa deixou de perceber.

Apenas, em respeito ao princípio que veda o enriquecimento indevido, concede-lhe a lei direito ao reembolso das despesas de produção e custeio.

2. Indenização das Benfeitorias e Direito de Retenção. (art. 96)

Outro efeito decorrente da posse é a indenização das benfeitorias realizadas na coisa pelo possuidor.

Antes de estudarmos o efeito, faz-se necessário saber o que sejam BENFEITORIAS e QUAIS AS MODALIDADES EXISTENTES.

Benfeitorias são obras ou despesas efetuadas, pelo homem, numa coisa para conservá-la, melhorá-la ou simplesmente embeleza-la.

Conforme seja objetivo e a finalidade alcançada, será de uma ou outra espécie a benfeitoria. Quando ela é realizada com o propósito de conservar a coisa, de evitar sua deterioração ou de poupar-lhe um estrago iminente, diz-se necessária. Ex. reforma de um telhado de um prédio para que este não se danifique.

Diz-se útil a benfeitoria quando tem por fim melhorar a utilização da coisa, como, por ex., a construção de uma nova entrada de um prédio, ou de uma garagem para uma casa.

Chama-se voluptuária a benfeitoria quando sua construção almeja tão-só proporcionar maior deleite, sem aumentar a utilidade da coisa, embora possa torná-la mais agradável ou aumentar-lhe o valor. Ex. A CONSTRUÇÃO DE UM JARDIM, a decoração de um quarto.

Definido o que seja Benfeitorias, podemos iniciar o estudo de seus efeitos em matéria de posse. Novamente, toma relevância saber se o possuidor é de boa ou má-fé.

O art. 1.219 = “O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe

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forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis,”.

A lei concede ao possuidor de boa-fé não apenas o direito de receber o valor das benfeitorias necessárias e úteis, como também pode reter a coisa enquanto não for paga.

O direito de retenção do possuidor de boa-fé é modalidade de garantia no cumprimento de obrigação. Com a retenção, o possuidor exerce coesão sobre o retomante para efetuar o pagamento.

O direito de retenção é oposto como modalidade de defesa do possuidor, que inibe a entrega do bem até que seja satisfeita a obrigação.Cuida-se de uma faculdade à disposição do possuidor de boa-fé de conservar a coisa alheia até o pagamento das benfeitorias mencionadas.

ÁLVARO – EMBARGOS DE RETENÇÃO POR BENFEITORIA = pág. 98 = pagamento de tributo é benfeitoria necessária.

Para Washington de Barros Monteiro – a retenção é direito negativo. Consiste na faculdade de sustar a entrega da coisa, até que indenize o retentor. Estes os seus pressupostos: a) a detenção da coisa; b) a existência de um crédito do retentor; c) relação de causalidade entre esse crédito e a coisa retida.

O inquilino, como possuidor direto, tem direito a retenção às benfeitorias necessárias; com relação às úteis só terá direito à retenção se a mesma for autorizada pelo locador ou constar do contrato.

MOMENTO DE ARGUIÇÃO DAS BENFEITORIAS PARA RETENÇÃO DA COISA = NA POSSESSÓRIA.

Álvaro = pág. 146 = deve ser feita na contestação, sob pena de preclusão. É que, nestas ações, inexistindo processo de execução autônomo que possibilite, por meios de embargos operacionalizar-se a solutio retentio, esta matéria deverá ser lançada na própria ação, por ocasião da resposta (contestação) e resolvida na sentença. E a inércia do réu ser-lhe-á fatal, acarretando a perda do direito de retenção por benfeitorias, por ausência de nova oportunidade para vê-lo apreciado.

Tal entendimento é majoritário.

EMBARGOS DE RETENÇÃO POR BENFEITORIA.

Por favor alguém pode ler o art. 744, par. 1º do CPC.

A petição inicial dos Embargos, além dos requisitos genéricos dos arts. 282 e 283, deverá conter os requisitos específicos do art. 744.

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DA COMPENSAÇÃO

O art. 1.221 do CC reza: “As benfeitorias compensam-se com os danos, e só obrigam ao ressarcimento, se ao tempo da evicção ainda existirem”.

O valor das benfeitorias pode ser compensado com o dos danos, inclusive dos frutos injustamente percebidos pelo possuidor.

Complementando o dispositivo o art. 1.222 do CC, com relação à indenização preceitua: “O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo, ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual”.

Cuida-se, evidentemente, de valores monetariamente atualizados. Optará o retomante pelo valor que lhe favor mais favorável no caso de má-fé. Porém, sendo o possuidor de boa-fé indenização será pelo valor atual das benfeitorias.

O legislador procurou conciliar tanto quanto possível o injusto enriquecimento nas situações em que por vezes ambas as partes sofrem prejuízos de fato.

MÁ-FÉ.

A situação do possuidor de má-fé vem regulada no artigo 1.220 do CC: “Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias”.

Assim, ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias, porque estas deviam ser efetuadas estivesse a coisa nas mãos de quem quer que fosse, sob pena deterioração ou destruição. E se retomante não as devesse indenizar, experimentaria um enriquecimento indevido.

Nota-se, novamente, que a lei penaliza esse possuidor, visto que ele perde as benfeitorias úteis e voluptuárias, não sendo indenizado e nem permitindo o levantamento delas. E, ainda, nega ao possuidor de má-fé o direito de retenção.

3. Responsabilidade pela deterioração e perda da coisa

Como no caso de indenização por benfeitorias, cumpre distinguir a situação de boa-fé e do de má-fé.

O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa. O possuidor que detém a coisa como sua, animus domini, não deve responder pelos estragos ou danificações que ela venha a sofrer, nem pela sua perda integral. Condenado a restituí-la, fá-lo-á no estado em que ela se encontre, não incorrendo em qualquer outra responsabilidade.

O art. 1.217. “O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa”.

Há na doutrina dissenso com relação a expressão (a que não der causa):

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Para Washington = tal expressão, equivale a dizer que a responsabilidade do possuidor não se caracteriza, a menos que tenha agido dolo ou culpa (pág. 66).

Já SILVIO RODRIGUES = o possuidor só será responsabilizado se agir com dolo ou culpa grave (p. 69).

A Má-fé é disciplinada no artigo 1.218. “O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante”.

Pela leitura do dispositivo chega-se à conclusão de que o possuidor de má-fé só deixará de indenizar caso prove que a perda ou deterioração da coisa ocorreria, mesmo estando de nas mãos do reivindicante.

Ou seja, mesmo em caso fortuito ou força maior o possuidor de má-fé não se exime de indenizar.

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PONTO 8

Da Perda da Posse.

O Código Civil de 1.916, ao tratar da perda da posse, fez de forma casuística, ou seja, inserindo várias hipóteses que configuraria a perda, sendo tal postura duramente criticada pela doutrina. SILVIO RODRIGUES = é dispensável a enumeração, feita pelo art. 520 do CC, dos meios pelos quais se perde a posse. Com efeito, se a posse é uma relação de fato que representa a exteriorização do domínio; se possuidor é aquele que exerce algum dos poderes inerentes ao proprietário, a posse se perde desde o momento em que o possuidor, de qualquer maneira se vê impedido de exercer aqueles poderes.Assim, a enumeração do art. 520 jamais será completa, cumprindo encará-la como meramente exemplificativa.

No mesmo sentido, S.S.V. diz “o legislador de 1.916 foi repreendido por ter sido casuístico nas hipóteses da perda da posse, uma vez que poderia ter adotado uma forma genérica. Em resumo, perde-se a posse sempre que o agente deixa ter possibilidade de exercer, por vontade própria ou não, poderes inerentes ao direito de propriedade sobre a coisa. Desse como, não há como ser exaustiva a enumeração legal”.

O art. 1.223 do novo CC, atendendo às críticas, não enumerou os casos de perda da posse, preceituando:

“Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196”.

Consoante dispõe o dispositivo legal, perde-se a posse quando desaparecem os poderes inerentes à propriedade com relação à coisa que eram exercidos pelo possuidor, qualquer que seja a causa.

Complementando o art. 1.223 o art. 1.224 reza:

“Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retomar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido”.

O esbulho é a perda dos poderes inerentes à posse, que pode dar-se de forma violenta ou não. O que está presente e deixa que terceiros tomem conta da coisa, perde a posse. Incumbe a ele, se desejar manter o poder de fato sobre a coisa, que se valha dos remédios possessórios para defender sua posse, até mesmo do desforço imediato que o ordenamento possibilita.

Do mesmo modo, perde-se a posse quando se toma conhecimento do esbulho e nada faz para impedi-lo.

S.S.V. crítica a utilização da expressão “violentamente”, sustentando que ela pode fomentar a violência. Segundo o prof., o que o legislador pretende dizer

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nesta hipótese é que sendo o esbulhado “prontamente” repelido, com os meios necessários”.

Assevera, ainda, que “a lei não pode, em qualquer hipótese, incentivar ou sufragar a violência”.

Resumindo pode-se afirmar que se perde a posse por iniciativa do próprio possuidor ou de terceiro, ou por fato relacionado à própria coisa. Perde-se a posse quando não mais se exerce, ou não se pode exercer, poder fático sobre a coisa. O ato de terceiro que se apossa violentamente da coisa é causa para extinção de uma posse e início de outra. Destarte, perde-se a posse com o desaparecimento do animus ou do corpus.

Casos em que há perda do animus e do corpus.

Isso ocorre nas hipóteses do abandono e da tradição.

O abandono se dá quando o possuidor afasta de si a coisa possuída, com o propósito de não mais detê-la ou de sobre ela exercer qualquer ato inerente ao domínio.Aqui, perde-se o corpus, isto é, a detenção material da coisa, igualmente, o animus, isto é, a deliberação de tê-la como sua.EX. PESSOA ATIRA NA RUA UM OBJETO QUE É SEU.

Obs. pág. 68 – Washington – mas, nem sempre o abandono da posse significa o abandono da propriedade. EX. PARA SALVAÇÃO DE NAVIO EM PERIGO DEITA-SE AO MAR DIVERSOS OBJETOS; arrojados à praia, ou recolhidos por outrem, assiste ao dono o direito de recuperá-los.Bens Imóveis – haverá abandono se o possuidor se ausenta indefinidamente, não se utilizando deles e não deixando quem o represente. A ausência prolongada e o desinteresse revelado pelo possuidor são circunstâncias indicativas do abandono, por falta de diligência de um interessado cuidadoso. Não haverá abandono, porém, se a desocupação do imóvel representa fenômeno natural de sua utilização, como, por exemplo, se se trata de uma casa de campo. Nessa hipótese, nada denota omissão por parte do possuidor, ou sugere haja este deixado de ser dono. Sua ausência é temporária e nada evidencia a resolução de abandonar a posse, sem embargo da falta de exercício dos respectivos poderes por lapso de tempo mais ou menos prolongado.

Ocorre a tradição quando o alienante, por força de negócio anteriormente concluído, transfere a coisa possuída ao adquirente. Ainda aqui se observa que o tradente afasta de si a detenção material da coisa – o corpus -, bem como se desfaz do propósito de tê-la como sua – animus. Há perda da posse pelo desaparecimento na pessoa do alienante, não só do corpus, como do animus.

Há também tradição quando o dono entrega a coisa a um doméstico, para que ele o administre, contudo nesse caso não há perda da posse.

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Casos em que há perda do corpus

Esta perda se caracteriza quando o objeto material, sobre o que recai a posse, se perde ou se destrói, ou ainda, é posto fora do comércio.

Com a perda da coisa possuída desaparece o elemento corpus, e o possuidor, ainda que conserve o animus, não mais pode ser considerado titular de uma situação de fato de caráter material, como é o caso da posse.ex. o dono do pássaro que escapou da gaiola, não mais possui esse bem, porque perdeu o elemento corpus, imprescindível para a constituição do vínculo possessório.

Obs.Mas, não se considera perdida a coisa móvel, se por ex., eu perco o meu relógio, mas sei que perdi dentro de casa. Embora, não saiba exatamente onde se encontra no momento, não posso considerá-lo perdido, juridicamente falando; não chego, por isso, a perder-lhe a posse, de modo que, ao achá-lo, não readquiro a posse, apenas continuo a ter a mesma posse, que nunca chegara a perder.Se a perda se verifica na rua, porém, a situação muda de figura; enquanto estou à procura do objeto perdido não chego a perder a posse, mas, quando, desisto da busca, dando por inúteis meus esforços, então perco a posse. Também se perde a posse pela sua destruição. Esta pode ocorrer por um acontecimento natural ou fortuito, de fato próprio do possuidor e de fato de terceiro. Ex. a morte de um animal pelo raio; o incêndio do prédio pelo próprio dono, ou então por terceiro, num atentado contra a propriedade.

Em qualquer desses casos o possuidor fica inibido de comportar-se como dono em face da coisa e por isso vem a perder a posse respectiva.

A lei equipara o fato da coisa ter sido colocada fora do comércio à perda ou destruição da coisa. (art. 69 do CC, de 1.916) “ são coisas fora do comércio as insuscetíveis de apropriação, e as legalmente inalienáveis”.

Segundo Clóvis Beviláqua, citado por SILVIO RODRIGUES, a palavra comércio é empregada, no dispositivo legal, em sua acepção técnica de circulação econômica, ou possibilidade de comprar e vender.

O legislador distingue duas espécies de coisas fora do comércio: a) a insuscetíveis de apropriação; b) as legalmente inalienáveis. As primeiras são inapropriáveis em virtude de sua própria natureza; as segundas tiram tal peculiaridade do fato de a lei impedir sua alienação.COISAS INSUSCETÍVEIS DE APROPRIAÇÃO: a) bens não econômicos ou inaproveitáveis por sua natureza; b) coisas da sociedade ou inalienáveis por força de lei.

bens não econômicos ou inaproveitáveis por sua natureza = ar atmosférico, água do mar, direito à honra, à vida, à liberdade, etc.

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coisas da sociedade ou inalienáveis por força de lei = são aqueles que poderiam ser alienados, mas a lei proíbe. Inserem-se nessa categoria os bens públicos, os bens de menores (art. 386), assim considerados em sua própria proteção.

b) Os inalienáveis pela vontade humana = são aqueles bens aos quais se apõe a cláusula de inalienabilidade, como ocorre nas doações ou testamentos (art. 1911).

Posse de outrem. Perda da posse do ausente.

Segundo o S.S.V. “o preço da posse para o titular é a permanente vigilância sobre o objeto de sua posse, sobre o bem. O ânimo de posse é um estado permanente. Desaparecendo ou ameaçado o corpus por atividade de terceiro, e tomando conhecimento o possuidor de turbação e esbulho na coisa possuída, deve incontinenti lançar mão dos meios postos a sua disposição pelo ordenamento para defender sua posse. Mantendo-se silente ou inerte, sujeitar-se-á a perda da posse”..., como aduz o artigo 1.224.

Casos em que há perda do animus Esta hipótese se apresenta no constituto possessório, em relação ao alienante. O constituto possessório ocorre quando o alienante de certo bem, em vez de entregá-lo ao adquirente, conserva-o, com a anuência deste, em seu poder, por um outro título, como o de locatário, depositário ou comodatário.Há, por parte do alienante, a perda da posse indireta da coisa, pois afasta de si o animus e passa a conservar a coisa em nome do novo proprietário.

O constituto possessório é assim, simultaneamente, modo de aquisição da posse, por parte do comprador, e modo de perda, em relação ao vendedor.

Reivindicações de coisas móveis ou título ao portador.

O CC de 1.916 no art. 521 rezava = “Aquele que tiver perdido, ou a quem houverem sido furtados, coisa móvel, ou título ao portador, pode reavê-los da pessoa que os detiver, salvo a esta o direito regressivo contra quem lhos transferiu”.

Essa disposição, segundo o Prof. SILVIO DE SALVO VENOSA, está deslocada, porque diz respeito à propriedade, não à posse. Refere-se à aquisição e perda da propriedade móvel.Cuida de aplicação de regra geral da ação reivindicatória. Trata de conseqüência da regra estabelecida no art. 622 = “Feita por quem não é proprietário, a tradição não alheia à propriedade”.

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Para o nosso CC, tratando-se de objeto perdido ou furtado, assiste ao dono o direito de reavê-los. O direito é exercitado contra o detentor, a quem se ressalva ação regressiva contra quem lhe transferiu.Destarte, a POSSE DA COISA MÓVEL, por si só, NÃO INDUZ O DOMÍNIO EM NOSSO ORDENAMENTO.

O Washington de Barros Monteiro adverte que o art. 521 só se refere à coisa furtada, não se aplicando, portanto, aos casos de apropriação indébita ou estelionato. Justificando, tal posicionamento, afirma que, nessas condições, o possuidor não terá direito à restituição, se foi ele próprio que transferiu a coisa (apropriação indébita), ou se foi vítima de embuste (estelionato), DESDE QUE DE BOA-FÉ O TERCEIRO ADQUIRENTE.

Para o Prof. SILVIO DE SALVO VENOSA a lei protege no caso a vítima de FURTO OU ROUBO.

No caso de estelionato, falsidade ou apropriação, o remédio jurídico será outro, possivelmente anulação do negócio contra o agente autor da conduta ou indenizatória de perdas e danos, se alienada a coisa de terceiros de boa-fé. NESSAS CONDUTAS, HOUVE VONTADE DO QUE DEIXOU DE TER A COISA, EMBORA VICIADA.

A regra de que a tradição feita por quem não seja proprietário não alheia a propriedade sofre restrição no artigo 1.268 do CC. “..., exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono”.

Na hipótese de a coisa ser adquirida em leilão público, feira ou mercado, o reivindicante deve pagar ao possuidor. Procura-se dar segurança aos negócios realizados nesses locais. Aqui o interesse protegido é menos do indivíduo que da sociedade, pois é preciso que não paire dúvida sobre a legitimidade ou segurança dos negócios realizados nos pregões públicos.

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PONTO 9

PROPRIEDADE

Passaremos agora a estudar a PROPRIEDADE.

O Prof. DARCY BESSONE, entre as obras que nos serve de pesquisa, é o autor que melhor retrata a história, a sociologia e o problema político da propriedade, com relação ao seu surgimento.

Em seu estudo, ele inicia citando SÃO TOMAS DE AQUINO que admitiu que o homem é a própria razão de ser do universo. E que esse ser, necessita de bens materiais para sua existência. Referiu-se ao alimento que passa a fazer parte da própria carne, do corpo; ao vinho, segundo expressão de SÃO TOMAS, se integra no próprio sangue; às roupas, que se adaptam ao corpo, tomando suas próprias formas. Em conseqüência, admitiu a apreensão de bens, fundada em necessidades da existência material, que o meio físico impõe.Assim, justificou a propriedade privada. (pág. 13).

Em que pese a riqueza do trabalho do Prof. Darcy, nós não iremos abordá-lo por uma questão didática. Adotaremos uma forma mais resumida no tocante ao assunto.

O conceito e a compreensão de propriedade privada, até atingir a concepção moderna, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários povos, desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência direta da organização política.

Antes da época romana, nas sociedades primitivas, somente existia propriedade para as coisas móveis, exclusivamente para objetos de uso pessoal, tais como peças de vestuário, utensílios de caça e pesca. O solo pertencia a toda coletividade, todos os membros da tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de poder a determinada pessoa.

Nessa época, os homens viviam exclusivamente da caça, da pesca e de frutos silvestres. Não existe a questão acerca da apropriação do solo. Não estava o homem preso ao solo; desaparecendo ou diminuindo os recursos naturais da caça, da pesca e da agricultura no território, o grupo social deslocava-se para outras terras. Destarte, não havia noção de utilização privativa do bem imóvel.

A noção de propriedade imobiliária individual, segundo algumas fontes, data da Lei das XII Tábuas. Nesse período do Direito Romano, o indivíduo recebia uma porção de terra que devia cultivar, mas, uma vez terminada a colheita, a terra voltava ser coletiva. Paulatinamente, fixa-se o costume de conceder sempre a mesma porção de terra às mesmas pessoas ano após ano. Ali, a família instala-se, constrói sua moradia e vive com sua família e escravos. Nesse sentido, arraiga-se no espírito romano a propriedade individual e perpétua. Considera-se o domínio sobre a terra de forma absoluta.

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Apenas na época clássica o Direito Romano admite a EXISTÊNCIA DE USO ABUSIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SUA REPRIMENDA. Já se reconhece o direito de vizinhança, mas o elemento individual ainda é preponderante.

A propriedade grega e romana colocava-se ao lado de duas outras instituições: a religião doméstica e a família, ambas com íntima relação entre si.

A propriedade privada ligava-se à própria religião e esta, por sua vez, à família, com o culto dos antepassados, os deuses Lares. O lar da família, lugar de culto, tem íntima relação com a propriedade do solo onde se assenta e onde habitam também os deuses. Daí o sentido sagrado que se atribui ao lar, à casa, sentido que sempre permaneceu na civilização ocidental. Foi, portanto, a religião que garantiu primeiramente a propriedade. As divindades protegiam-na.

Na idade média, a propriedade perde o caráter unitário e exclusivista. O território passa a ser sinônimo de poder. A idéia de propriedade está ligada à de soberania nacional.

A partir do Séc. XVIII, a escola do direito natural passa a reclamar leis que definam a propriedade. A revolução francesa recepciona a idéia romana. O Código de Napoleão, como conseqüência, traça a conhecida concepção extremamente individualista do instituto no art. 544: “a propriedade é o direito de usar e dispor das coisas de modo absoluto, desde que não faça uso proibido pelas leis ou regulamentos”.

Esse exagerado individualismo perde força no séc. XIX com a revolução e o desenvolvimento industrial e com as doutrinas socializantes. Passa a ser buscado um sentido social na propriedade.

Aspectos da Finalidade Social da Propriedade

No séc. XX a grande questão é a propriedade imóvel. O Estado intervém cada vez mais nos meios de produção e na propriedade privada. A Encíclica do Papa João XXIII, de 1961, ensina que a propriedade é um direito natural, mas deve ser exercido de acordo com a função social, não só em proveito do titular, mas também em benefício da coletividade.

Bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação social. A má utilização da terra e do espaço urbano gera violência. A propósito Joaquim de Arruda Falcão afirma que a partir de 1970, nos grandes centros urbanos do país, “o modo dominante de aquisição da propriedade imobiliária não foi, como reza o Código, por escritura passada e registrada no Cartório. Muito menos por contrato de financiamento do Sistema Financeiro da Habitação. Quantitativamente falando, o modo dominante de propriedade imobiliária foi através de invasões urbanas. É o que os fatos demonstram”.

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Essas mudanças sociais refletem no conceito de propriedade. A sua concepção hoje não é a mesma do início do séc. XX.

A CF de 1988, nos mostra nitidamente tal fato. No art. 5º, caput e no inciso XXII garante o direito de propriedade, porém, ato contínuo, no inciso XXIII, adverte: “a propriedade atenderá sua função social”.

O Prof. José Afonso da Silva, em “Direito Ambiental Constitucional”, sustenta que a

“A proteção ambiental, (...), visa a tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade da vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana. (...), diante de uma nova projeção do direito à vida, pois neste há de incluir-se a manutenção daquelas condições ambientais que são suportes da própria vida, e o ordenamento jurídico, a que compete tutelar interesse público, há que dar resposta coerente e eficaz essa nova necessidade social”. (p. 58, 4ª ed., Malheiros Editores, 2.002). (destacou)

Analisando o ensinamento do ilustre professor nota-se: 1) que a vida depende da proteção ambiental, assim, em virtude desta vinculação surge “um novo direito fundamental”; 2) a função da propriedade é preservar esse direito fundamental, sob pena de não estar cumprindo sua função social.

A Carta Magna, em seu art. 170, caput, enumera alguns princípios a serem observados. No inciso III reza “função social da propriedade”.

Nesse direcionamento, ainda, na Lei Maior art. 182, parágrafo 2º preceitua: “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”.

A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2.001, denominada de “Política Urbana (N.N.J., p.1188 e ss.) ou Estatuto da Cidade (S.S.V. p.155 e ss.)”, regulamentou os arts. 182 e 183 da C.F., estabelecendo diretrizes gerais de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público Municipal, tendo em vista o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, a fim de garantir o bem-estar de seus habitantes.

Adverte S.S.V. que essa lei – 10.257 – “acabou sendo atropelada pelo novo CC, pois trata de matérias semelhantes no campo da propriedade. Mais uma vez estamos diante de microssistema jurídico que se interpenetrará com o CC.

Comentando o Estatuto da Cidade, o professor diz que o cunho desta lei é eminentemente social, pois visa, liminarmente, o melhor aproveitamento da propriedade urbana, com os mesmos propósitos programáticos do novo CC.

Toda fundamentação da Lei 10.257, de 10/07/2001, tem como objetivo colocar o cidadão em um local urbano e meio ambiente eficientes onde possa realizar os seus desígnios com sua família, no que se denominada desenvolvimento sustentável.

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O Estatuto da Cidade traça normas sobre o usucapião especial de imóvel urbano, regulamentando o art. 183 da CF. Também o direito de superfície, entre outros institutos absorvidos do direito civil, o que gerará dificuldades de interpretação, pois o instituto também está presente no novo CC, desde o projeto originário.

A C.F., também, cuidou da política agrícola e fundiária, dispondo em seu art. 186, regulamentando a reforma agrária foram editadas as Leis 8.174/91 e 8.629/93. Merece destacar, com o relação ao dispositivo constitucional o seu inciso II que reza:

“ Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, ...”

“II. utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

As vigas mestras para a utilização da propriedade estão na Lei Maior. Cabe ao legislador ordinário equacionar o justo equilíbrio entre o individual e social. Compete ao julgador, traduzir esse equilíbrio e aparar os excessos no caso concreto sempre que necessário. Equilíbrio não é conflito, mas harmonização.

A propriedade, portanto, tendo em vista sua função social, sofre limitações de várias naturezas, impostas no CC, pela ordem constitucional e administrativa.

A finalidade do usucapião é atribuir o bem a quem dele utilmente se serve. Cabe ao Estado regular sua intervenção sempre que as riquezas não forem bem utilizadas ou relegadas ao abandono, redistribuindo-as aos interessados e capazes de fazê-lo.

O fundamento jurídico da propriedade.

Para o Prof. SILVIO DE SALVO VENOSA, tal assunto não tem relevância, afirmando que “presente o fenômeno da propriedade na própria natureza do homem e orientada hoje a um sentido predominantemente social, torna-se secundária a análise de teorias que procuram fixar sua natureza jurídica” (pág. 157) Em que pese a opinião do professor, a realidade é que há teorias que procuram justificar a legitimidade da propriedade.

TEORIA DA OCUPAÇÃO = A ocupação da coisa realizada ao tempo em que ela não tinha dono.A propriedade ter-se-ia, então, estabelecido nas sucessivas transmissões através dos séculos ou mesmo dos milênios apenas produzindo a mudança do titular do direito, sem afetar, contudo, o direito, que seria aquele mesmo adquirido no momento da primeira ocupação. Essa teoria é duramente criticada, pois a ocupação é um dos modos de adquirir a propriedade, não bastando, assim, para justificar o direito de propriedade,

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porque os modos de adquirir um direito necessariamente pressupõem a preexistência desse direito.

Há de se registrar, ainda, que muitas das atuais propriedades não se originam de ocupações primitivas, sendo fruto, inúmeras vezes, da violência, que assim interrompe a série de transmissões regulares.ex. os europeus aniquilaram e expulsaram os indígenas, primitivo ocupante da terra.

TEORIA DA LEI = A propriedade, para essa teoria, existe porque a lei a criou e a garante. Os oposicionistas dessa teoria argumentam que se o direito de propriedade tiver como base a lei, ele estaria fundado, exclusivamente, na vontade humana, e, então, o legislador que o criou poderia, do mesmo modo, suprimi-lo.

TEORIA DO TRABALHO – Os bens da natureza, e, em particular, a terra, seriam livres, podendo ser utilizado por todos. Só o trabalho seria causa de valor.

Critica-se essa teoria afirmando que ela é falsa, porque o trabalho deve ter como recompensa o salário e não a própria coisa por ele produzida.

TEORIA DA ESPECIFICAÇÃO – Se traduz na idéia de que, transformados pelo trabalho os bens da natureza em outros, de espécie nova, opera-se uma forma de criação, bastante para justificar a propriedade do bem produzido.

Contrapondo-se a essa visão, alguns autores suscitam a seguinte situação: o trabalho de diversas pessoas, concentrando-se sobre o mesmo bem, como na fábrica ou usina, em que se verifica larga distribuição do trabalho, ocasionaria várias espoliações sucessivas, ou justaposição de múltiplas propriedades sobre o mesmo objeto.

TEORIA DA NATUREZA HUMANA – A propriedade é inerente a própria natureza humana; ela representa condição de existência e de liberdade de todo homem. Constitui expressão e garantia da individualidade humana, pressuposto e instrumento do nosso desenvolvimento intelectual e moral.

DA PROPRIEDADE EM GERAL

1. Importância

O direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa. É o direito real por excelência, é o eixo em torno do qual gravita o direito das coisas, pois, por ex., para se utilizar o direito real de hipoteca é necessário que a pessoa seja proprietária do bem oferecido em garantia.

Há de registrar, desde logo, as duas acepções do direito de propriedade. Num sentido amplo, este recai tanto nas coisas corpóreas como incorpóreas. Quando recai exclusivamente sobre coisas corpóreas tem a denominação de domínio. A noção de propriedade mostra-se, assim, mais ampla do que a de domínio. A propriedade, portanto, é gênero, e o domínio seria espécie.

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Apesar da distinção que há entre esses dois termos, emprega-se, comumente, tanto o vocábulo propriedade como domínio para designar a mesma coisa.

2. Conceito e Caracteres

Para melhor definir propriedade é necessário conhecer antes suas características. Boa parte da doutrina afirma que o direito da propriedade é absoluto, exclusivo e perpétuo.

Washington de Barros Monteiro sustenta que num certo sentido, o direito de propriedade é absoluto, não só porque oponível erga omnes, como também porque apresenta caráter de plenitude, sendo, incontestável, o mais extenso e o mais completo de todos os direitos reais . Ademais, ele pode existir independente de outro direito real em particular. (pág. 90)

No mesmo direcionamento, Silvio Rodrigues afirma que o direito de propriedade é absoluto no sentido de que o proprietário tem sobre aquilo que é seu o mais amplo poder jurídico, usando e desfrutando da coisa da maneira que lhe aprouver.

O absolutismo afirmado pelos civilistas acima, tem como base o fato do direito de propriedade ser mais amplo do que os outros direitos reais. Com efeito, se tomarmos a enumeração dos direitos reais feita pelo art. 1.225 do CC, apuramos logo que todos os que ali se encontram, exceto a propriedade, são direitos reais sobre coisas de outrem.

O Professor SILVIO DE SALVO VENOSA – não admite essa característica afirmando que o próprio CC traz limitações ao direito de propriedade, como ex. o direito de vizinhança.

Confrontado os dois posicionamentos, nota-se de que o absolutismo afirmado tem como base uma análise intrínseca dos direitos reais, ao passo que a ponderação de que o direito de propriedade não é absoluto tem como referência as limitações impostas por outros direitos; como por ex. as limitações do direito público.

Mas, a realidade é que o direito de propriedade sofre inúmeras restrições e, assim, o absolutismo de outrora não existe mais. Várias disposições constitucionais, administrativas, militares, penais e civis restringem o seu exercício. (pág. 90 de Washington de Barros Monteiro).

Diz-se EXCLUSIVO o direito de propriedade, porque a mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O direito de um sobre determinada coisa exclui o direito de outro sobre a mesma coisa. O proprietário pode excluir da coisa, objeto de seu direito, a ação de outrem.

O art. 1.231 – “A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”.

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Para SILVIO RODRIGUES nesse art. encontra-se presente a idéia de exclusividade e de absolutismo.

A noção de exclusividade da propriedade choca-se com a de condomínio. Todavia, a contradição é eliminada se se entender que o direito de propriedade é um só, que se subdivide entre vários consortes, no caso de comunhão.

obs; o atributo de exclusividade comporta modificações, pois é possível o desmembramento de certas parcelas da propriedade e sua constituição em direitos separados, a favor de terceiros.

Desses dois caracteres essenciais da propriedade, absoluto e exclusivo, decorre que ela é também PERPÉTUA OU IRREVOGÁVEL. No sentido, que subsiste independente de exercício, enquanto não sobrevier causa extintiva, ou seja, o direito de propriedade não se extingue pelo seu não-uso.

Ex. o usucapião traduz atitude ativa do usucapiente que adquire a propriedade, não se destacando a atitude passiva daquele que a perde.

Bem conhecidos os principais atributos do direito de propriedade, absoluto, exclusivo e irrevogável, cumpre defini-lo face à nossa legislação.

Preceitua o art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Nesse art. encontra-se previsto o conteúdo positivo do direito de propriedade (usar, gozar e dispor da coisa) e sua proteção específica (o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a detenha).

Elementos constitutivos – Examinaremos, em primeiro lugar, o conteúdo positivo do direito de propriedade, USAR, GOZAR E DISPOR dos bens.

O direito de usar compreende o de exigir da coisa todos os serviços que ela pode prestar, sem alterar-lhe a substância. Ex. usar de uma casa é habitá-la.

O direito de gozar consiste em fazer FRUTIFICAR a coisa e auferir-lhe os produtos. Ex. alugar a casa.

O direito de dispor consiste no poder de consumir a coisa, de aliená-la, de gravá-la de ônus e de submetê-la ao serviço de outrem. Ex. demolir ou vender a casa.

Usar de um quadro é empregá-lo na ornamentação da casa; dele gozar, é exibi-lo em exposição a troco de dinheiro; dele dispor, destruí-lo ou aliená-lo.

O 1.228, caput, do novo CC, corresponde, em quase sua totalidade, ao art. 524 do CC de 1.916, porém, o diploma em vigor acrescentou em seu dispositivo legal cinco (05) parágrafos que S.S.V. e S.R. não teceram qualquer

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comentário a respeito e, desse modo, nesse pormenor, ambos deixaram a desejar.

Preceitua o “§ 1º. O direito de propriedade DEVE SER EXERCIDO EM CONSONÂNCIA COM AS SUAS FINALIDADES ECONÔMICAS E SOCIAIS e de modo que sejam PRESERVADOS, de conformidade com o ESTABELECIDO EM LEI ESPECIAL, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como EVITADA A POLUIÇÃO DO AR E DAS ÁGUAS”.

N.N.J. p. 418 e ss. leciona:

3. Função social da propriedade. Natureza jurídica. É princípio de ordem pública, que não pode ser derrogado por vontade das partes. O CC 2035 par. ún. é expresso nesse sentido, ao dizer que nenhuma convenção pode prevalecer se contrariar preceitos de ordem pública, como é o caso da função social da propriedade e dos contratos (CC 421).

Os §§ 2º e 3º rezam:..............

O § 4º diz: “O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”.

O § 5º complementa o § 4º da seguinte forma: “No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para registro do imóvel em nome dos possuidores”.

N.N.J. comentando o assunto adverte:

“21 Desapropriação judicial. Posse-trabalho. A norma cria a desapropriação judicial, considerada uma inovação “do mais alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade, implicando não só novo conceito desta, mas também novo conceito de posse, que se poderia qualificar posse-trabalho” (Miguel Reale, Exposição de motivos ao Ministro de Justiça, Diário do Congresso Nacional, Seção I, Suplemento B ao n. 061, 13.6.1975n.27 c, p. 121), quer dizer o ponto alto do Código no que tange à tutela à posse....”.

“22. Constitucionalidade da desapropriação judicial. A norma é constitucional porque resolve a aparente antinomia entre o direito de o proprietário reivindicar a coisa de quem injustamente a possua e a função social da propriedade, com a manutenção do bem com aquele que lhe deu função social com a posse-trabalho (Teoria Albino Zavascki, A tutela da posse na Constituição e no Projeto do Novo Código Civil, .....). No mesmo sentido, entendendo que a garantia do direito de propriedade não pode estar acima do princípio constitucional da função social: Luiz Edson Fachin, O Projeto de

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Código Civil no Senado Federal, v. II, Senado Federal, Brasília, 1998, pp. 311 e 317”.

“23. Desapropriação judicial. Conceito. É o ato pelo qual o juiz, a requerimento dos que exercem a posse-trabalho, fixa na sentença a justa indenização que deve ser paga por eles ao proprietário, após o que valerá a sentença como título translativo da propriedade, com ingresso no registro de imóveis em nome dos possuidores, que serão os novos proprietários (CC 1228 §5º)”.

Classificação da propriedade – O CC anterior previa em seu art. 525 que era “... plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no proprietário; limitada, quando tem ônus real, ou é resolúvel.

obs. Embora o novo CC não repita o dispositivo mencionado, a existência de tal classificação ainda encontra-se em vigor, porque ela encontra-se presentes em várias modalidades de relações jurídicas: Usufruto – art. 1.390 e ss., Da propriedade resolúvel 1.359, etc.

Quando todos os elementos constitutivos da propriedade, ou seja, usar, gozar e dispor se acham reunidos em favor de um único titular – a propriedade é PLENA.

Quando, porém, se desmembra um dos atributos, conservando os demais o proprietário, a propriedade é LIMITADA.

É limitado o poder do nu proprietário – pois, ele não possui em suas mãos o direito de usar e gozar da coisa, os quais se encontram com o USUFRUTUÁRIO.

É ainda, limitada, a propriedade gravada com a cláusula de inalienabilidade, pois falta ao proprietário o direito de dispor da coisa. Ex. art. 1911 do CC.

A propriedade resolúvel é também limitada. Propriedade resolúvel é a que encontra, no próprio título que a constitui, uma razão de sua extinção. De modo que o direito de propriedade perece pelo advento da causa extintiva, e independente da vontade do título do domínio. (arts. 1.359 e 1.360).

Ex. Se da escritura de compra e venda de um imóvel consta o pacto de retrovenda, quem quer que examine esse documento verifica, imediatamente, que ao alienante compete o direito de readquirir a coisa que alienou, pelo mesmo preço por que a vendeu, contanto que exerça esse direito dentro de certo prazo (art. 505 CC).

A situação da propriedade é mais embaraçosa quando a causa de resolução é superveniente. A hipótese mais característica de resolução de domínio, por circunstância superveniente, é a revogação da doação, devido a ingratidão do donatário. Por favor alguém leia os arts. 557 e 563.Não pode prejudicar a terceiros, nesse caso, porque tratando-se de desfazimento de domínio por causa superveniente, os terceiros que adquiriram bens do donatário não poderiam antever a revogação da doação.

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No caso, aliás, o alienante no momento da alienação era dono da coisa, e o negócio jurídico levado a efeito não pode ser anulado.

A pessoa, em cujo favor se opera a resolução, terá apenas para haver o seu valor, se a coisa houver sido alienada.

Princípio da Elasticidade do Domínio – Há quem assegure que a propriedade não constitua uma soma de direitos separáveis, mas direito único, com a faculdade de comprimir-se ou reduzir-se a um mínimo de poderes, permanecendo, todavia, potencialmente unida, ante a possibilidade, que lhe é imanente, de volver à sua máxima e normal compreensão, logo que se eliminem ou se removam os pesos e restrições que a comprimiam.

Espaço aéreo e subsolo – A propriedade como fato econômico tem a extensão de seu espaço aéreo e do subsolo delimitado pela utilidade que ao proprietário pode proporcionar. Assim, não lhe assiste o direito de impugnar a realização de trabalhos que se efetuem a uma altura ou profundidade tais que não tenha interesse de impedi-los. Aqui intervém o interesse social a cercear a propriedade.Ex. No Rio de Janeiro, o proprietário não poderia opor-se à passagem dos cabos empregados na tração do bonde aéreo do Pão-de-Açucar, devido à sua grande altura. Igualmente, não assistira ao proprietário direito de contestar a perfuração do subsolo para instalação do metrô.

A matéria é tratada pelos artigo 1.229 e 1.230 que preceituam:

“Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.

“Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por LEIS ESPECIAIS.

A CF de 88 em seu art. 176 – “As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto de lavra”.

Desse modo, o novo CC adequou-se a nossa Lei Maior.

S.S.V. adverte que também são bens imóveis distintos da terra onde se encontram as quedas d`água e outras fontes de energia hidráulica, considerados pelo Código das Águas.

O Parágrafo único do artigo 1.230 reza:. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil,

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desde que não submetidos a transformação industrial, obedecido ao disposto em LEI ESPECIAL”.

Comentando o assunto S.S.V. adverte “o direito de propriedade mal utilizado ou utilizado sem finalidade ou com finalidade meramente emulativa constitui abuso do direito. Trata-se de exercício Irregular de direito e, portanto, eivado de ilicitude”.

Diz o art. 187 do CC: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes”.

N.N.J. leciona:

“7. Abuso de direito. Ilícito Objetivo. A norma comentada imputa ao ato abusivo a natureza de ilícito. Tendo em vista suas próprias peculiaridades, não se assemelha ao ato ilícito do CC 186, assim considerado pela lei para fins de reparação de dano por ele causado. O ato abusivo pode, até, não causar dano e nem por isso deixa de ser abusivo. A ilicitude do ato cometido com abuso de direito é de natureza objetiva, aferível independente de dolo ou culpa....”.

Proteção Específica da Propriedade – Essa proteção é assegurada através da ação de reivindicação, de natureza real, tendo por finalidade a retomada da coisa do poder de quem quer que injustamente a detenha.

Trata-se de ação puramente dominial e por isso cabe apenas a quem seja proprietário. Intentando-a deve o autor provar de modo cabal e completo:1. O RESPECTIVO DOMÍNIO; oferecendo não só a prova de transcrição (se imóvel o bem reivindicado), como também a filiação de seus títulos, de modo atingir tempo capaz de gerar usucapião. 2. Tratando-se, ainda, de bem imóvel, deve o autor mencionar todos os elementos que o tornem conhecido, que o individuem, que lhe permitam a exata localização, como extensão superficial, acidentes geográficos, limites e confrontações, a fim de estremá-lo de outras propriedades. SEM OBSERVÂNCIA DESSA FORMALIDADE NÃO PODE SER JULGADA PROCEDENTE UMA REIVINDICAÇÃO, pela impossibilidade de executar-se ulteriormente a sentença.

3. Cumpre ao autor provar que a coisa reivindicada se acha na posse do réu. Pouco importa que essa posse seja de boa ou de má-fé, em nome próprio ou de outrem. A ação pode ser intenta contra o mero detentor e também contra aquele que deixou de possuir a coisa, com a intenção de dificultar sua reivindicação.

obs. É admissível ação declaratória para dirimir dúvida sobre o domínio.

Frutos e produtos – O art. 1.232 reza “Os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por motivo jurídico, especial, houverem de caber a outrem”.

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Ex. No art. 1.214 do CC temos uma hipótese motivo jurídico especial = “o possuidor de boa-fé...; caso do usufruto é outro motivo.

Tribunal de Justiça do Espírito Santo

Proc: 062940005218 - Data da leitura: 23121997 Des. LUCIO VASCONCELLOS DE OLIVEIRA APELACAO CIVEL Comarca de origem: COMARCA DE PIUMA Autores: JOUBERT DE AZEVEDO MOULIN LANIR DUTRA MOULIN Reus: JOAQUIM FABIANO RIBEIRO GENILDA DA CONCEICAO RIBEIRO Acordao: APELACAO CIVEL REIVINDICATORIA - AREA OBJETO DO LITIGIO NAO ESTA BEM INDIVIDUALIZADA - NAO PREENCHIDOS OS REQUISITOS ESPECIFICOS DA ACAO, A EXATA INDIVIDUALIZACAO DO BEM E SUA LOCALIZACAO - RECURSO IMPROVIDO.A REIVINDICACAO, EM FACE DA NATUREZA MESMA DA PROPRIEDADE, FUNDA-SE NA EXCLUSIVIDADE DO DOMINIO A SER OPOSTO AO REU, QUE SO E POSSIVEL MEDIANTE EXATA INDIVIZUALIZACAO DO BEM REIVINDICANDO, SOB PENA DE TORNAR-SE INUTIL E INEXEQUIVEL A SENTENCA PROFERIDA EM FAVOR DO AUTOR.ASSIM, AO LADO DA CERTEZA DO DOMINIO, E NECESSARIO QUE HAJA A CERTEZA COMPLETA RELATIVAMENTE A COISA SOBRE QUE ELA RECAI.VISTOS, RELATADOS E DISCUTIDOS OS AUTOS DA APELACAO CIVEL NUMERO 062940005218, COMARCA DE PIUMA, ONDE E APELANTE JOUBERT DE AZEVEDO MOULIN E APELADOS JOAQUIM FABIANO RIBEIRO E OUTRA.

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Ponto 10

DA DESCOBERTA

A descoberta (antiga invenção) é o encontro de coisa de outrem, perdida por seu dono. (S.R. p. 191).

obs. Embora, o prof. Silvio de Salvo Venosa discorra sobre a “descoberta”, ele a denomina de invenção como era nomeada no CC de 1.916, outro fato que chama atenção é que o prof., equivocadamente, afirma que o novo Código suprimiu tal disposição (p. 214).Comprovando a incorreção do civilista, basta realizar uma leitura comparativa dos artigos 1.233 e ss. do novo CC com o arts. 603 e ss do CC de 1.916.

S.S.V. citando Orlando Gomes afirma que a “invenção” = (descoberta) “é a achada de coisas perdidas. Perdidas, mas não abandonada”. Prosseguindo, adverte que é nisto que a invenção difere da ocupação de coisas sem dono ou abandonas. O inventor (= descobridor) é aquele que encontra coisas perdidas, mas que têm dono. Sua obrigação é devolver para o titular.

Nesse sentido, determina o artigo 1.233: “Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor”.

“Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente”.

O descobridor devolvendo a coisa tem direito à recompensa, conforme dispõe o art. 1.234.:

“Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.

Complementando o artigo o parágrafo único diz:“Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos”.

O descobridor poderá, em caso de dolo, responder pelos prejuízos causados na coisa; é o que reza o artigo 1.235.“O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo”.

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O descobridor somente poderá adquirir a coisa achada, se o seu dono ou legítimo possuidor for encontrado e optar em abandoná-la, pois, caso este não seja encontrado ou não comprovando a propriedade, determina a lei que a coisa seja vendida em hasta pública. Tal conclusão, advém da interpretação dos artigos 1.236 e 1.237 que rezam:

“Art. 1.236. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar”.

“Art. 1.237. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido.

“Parágrafo único. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou”.

S.S.V. critica o sistema sustentando que ele efetivamente não incentiva ao descobridor devolver a coisa achada. Lançando a seguinte afirmação: preferirá ele – descobridor-, em vez de receber duvidosa recompensa, manter a coisa em sua posse com ânimo de dono, adquirindo a propriedade pelo usucapião.

Prosseguindo, o prof. adverte: ninguém está obrigado a recolher coisa perdida, mas se fizer deve submeter-se às regras do ordenamento.

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Ponto 11

DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE .

Do ponto de vista doutrinário, os modos de adquirir a propriedade dividem-se em originários e derivados.

A aquisição originária é direta e independe de interposição de outra pessoa, o adquirente faz seu o bem, que lhe não é transmitido por quem quer que seja. Ex. ocupação, acessão e a especificação.

Já a aquisição derivada tem como pressuposto um ato de transmissão por via do qual a propriedade transfere-se para o adquirente. Tais são a transcrição e a tradição.

Os modos derivados de adquirir a propriedade são regidos pela regra fundamental de que ninguém pode transferir a outrem mais direitos do que tem. Assim, por ex., se propriedade vendida era resolúvel, não pode o adquirente pretendê-la plena. Se sobre o imóvel recaía uma servidão, ou uma hipoteca, não pode o comprador desprezar esses direitos reais sobre a coisa adquirida.

Quanto a usucapião, existe controvérsia, se se trata de modo originário ou derivado de adquirir a propriedade.

A distinção entre os modos de aquisição de propriedade tem relevância, pois no modo de aquisição derivada o adquirente para provar o seu domínio deverá provar que seu antecessor também era dono da coisa e que esta sempre esteve no domínio de todos os proprietários que o precederam.

No tocante aos modos originários, ociosa se torna semelhante comprovação.

DA AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE IMÓVEL

O CC considerou destacadamente a propriedade imóvel e a propriedade móvel. No campo do direito das coisas, nota-se o relevo dado pelo legislador à riqueza imobiliária. Tal importância reflete, sem dúvida, preconceito correntio entre nós, em que os bens de raiz são vistos como mais estáveis e mais seguros, sendo mais disputados do que os bens móveis.

Entretanto, do ponto de vista puramente econômico, é bastante duvidoso o primado da propriedade imóvel sobre a móvel, pois é, inquestionável, modernamente, o alcance da função econômica desempenhada pelos valores mobiliários, a sobrepujar, na sua importância social, os próprios bens de raiz.

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USUCAPIÃO.

Introdução. Notícia Histórica.

Etimologicamente, usucapião quer dizer “aquisição pelo uso”. Em latim, usucapio é palavra composta, em que usu significa literalmente “pelo uso”, e capio significa captura, tomada, ou, em tradução mais livre, aquisição.

Pelo fato de a palavra, em latim, ser do gênero feminino, admite-se também em vernáculo poder dizer-se a usucapião. O Código Civil de 1916, porém, adota a palavra no gênero, masculino, e Prof. César Fiúza, comentando o CC 1916, dizia que o emprego na forma feminina era antigo e pedante.

O Prof. Darcy Bessone afirma que “o usucapião é fruto da posse, consiste no exercício de fato da propriedade, e, precisamente, por se exprimir no fato, independe, em principio, de título. Para que ela possa gerar a propriedade, é imprescindível que se conjugue com o tempo que a lei estabelecer.

Para justificar a aquisição da propriedade, através do usucapião, há duas teorias predominantes. Para primeira teoria, denominada SUBJETIVA, encontra-se no intuito de eliminar a incerteza em relações jurídicas fundamentais e tão relevantes, como a propriedade. O domínio das coisas não pode ser incerto. Para segunda teoria, chamada de OBJETIVA, o usucapião só se legitima se o analisarmos sob a ótica da função social da propriedade; dono é quem explora o imóvel; é quem o torna útil à sociedade. Ainda na opinião de terceiro grupo, o usucapião seria espécie de pena á negligência do verdadeiro dono, que abandona a coisa.

Emprega-se, com certa freqüência, o termo “prescrição aquisitiva” como sinônimo de usucapião.

O Prof. S.R, por ex. = pág. 108 = “61. Usucapião. Conceito. Fundamentos. – Aqui reencontramos o elemento tempo influindo na constituição das relações jurídicas. Já havíamos observado tal fenômeno ao cuidarmos da prescrição extintiva (v. nº 167, v. 1). Agora, com ele novamente esbarramos, ao analisarmos a prescrição aquisitiva, ou seja, usucapião”. Contudo, há na doutrina, juristas que afirmam ser impróprio o uso de tal termo, sustentando que se traduz de alguma má compreensão do direito romano.

O Prof. César Fiúza, que é contrário a utilização do termo prescrição aquisitiva ensina:

“A prescrição era para os romanos instituto totalmente diferente do usucapião. Enquanto este era meio de aquisição da propriedade, aquele era meio de defesa do réu na ação reivindicatória. Suponhamos que uma pessoa se encontrasse há muitos anos em determinado imóvel. Depois de todo esse tempo, o dono intenta contra ela ação reivindicatória, reclamando a propriedade do terreno para si. O possuidor, então, se defendia, alegando que o direito do dono reivindicar o imóvel já estava prescrito. Daí falavam os romanos, com muita propriedade, em prescrição.

“(...)

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E prosseguindo, aduz o citado doutrinador: “no Brasil, a sistemática é analógica. A ação reivindicatória prescreve em dez anos, entre presentes, e em quinze, entre ausentes. Se decorrido este prazo, o dono reivindicar o imóvel, o possuidor poderá defender-se, suscitando em seu favor a prescrição do direito do autor. Aí pode falar-se realmente em prescrição, não aquisitiva, mas prescrição normal do direito de ação. Mesmo por quê, ao alegar a prescrição, o réu apenas se protege contra o autor, mas não se torna dono do imóvel. É preciso o usucapião”.

“(...). Só este transforma o possuidor em proprietário”.

Discute-se, também, se o usucapião é modo originário ou derivado de se adquirir a propriedade. Para uns, é originário, porque falta um elo na sucessão de proprietário (como o contrato, ou a morte do autor da herança). Para outros, é derivado, porque, a despeito da ausência de tal elo, opera-se a sucessão de domínio. LER CÉSAR FIUSA – pág. 487 .

Fundamentos do Usucapião

A possibilidade da posse continuada gerar a propriedade justifica-se pelo sentido social e axiológico das coisas. Premia-se aquele que se utiliza utilmente do bem, em detrimento daquele que deixa escoar o tempo, sem dele utilizar-se ou não se insurgindo que outro o faça, como se dono fosse. Destarte, não haveria justiça em suprimir-se o uso e gozo do imóvel (ou móvel) de quem dele cuidou, produziu ou residiu por longo tempo, sem oposição.

“O novo Código Civil assume uma nova perspectiva com relação à propriedade, ou seja, seu sentido social. Como o usucapião é o instrumento originário mais eficaz para atribuir moradia ou dinamizar a utilização da terra, há um novo enfoque do instituto. Alie-se a isso a orientação da Constituição de 1988, que realça o instituto e alberga modalidade mais singelas do instituto. Desse modo, a idéia básica no novo diploma é no sentido de que as modalidades de usucapião situam-se no tempo do período aquisitivo, mais ou menos longo”. S.S.V. p. 196.

Usucapião Extraordinária.

Preceitua o “Art. 1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para a transcrição no Registro de Imóveis.

Para se adquirir a propriedade, através da usucapião extraordinária, os requisitos são: POSSE, O DECURSO DE TEMPO, A SENTENÇA DO JUIZ e a sua TRANSCRIÇÃO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO.

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Da Posse e do decurso de tempo – A posse ad usucapionem deve ser ININTERRUPTA e SEM OPOSIÇÃO, além de exercida com ÂNIMO DE DONO. Tais requisitos são indispensáveis, cumprindo assim ao autor, que pretenda reconhecimento do usucapião, demonstrar que sua posse sobre o imóvel, exercida animus domini, durante prazo legal, nunca foi interrompida, nem sofreu oposição ou contestação de quem quer que seja.LER DECISÃO NA OBRA DE S.S.V = pág. 191 - pág. 193 rodapé..

È importante ressaltar, que a posse exigida na usucapião extraordinária de quinze anos, deve ter atravessado todo esse lapso de tempo de modo contínuo, não interrompido e sem impugnação. Tal assentimento ou aquiescência dos vizinhos, bem como a diuturnidade da posse, faz presumir que não existe direito contrário ao manifestado pelo possuidor.

A usucapião repousa em duas situações bem definidas: a atividade singular do possuidor e a passividade geral de terceiros, diante daquela situação individual. Se essas duas situações perduram contínua e pacificamente por quinze anos ininterruptos, consuma-se o usucapião. Qualquer oposição subseqüente se mostrará inoperante, porque esbarrará ante o fato consumado.

“Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.

A redução prevista no parágrafo único do artigo 1.238, não existia no Código de 1.916. O Prof. N.N.J. p. 425, 1ª coluna ensina:

“Par. ún.: 4. Acréscimo do prazo. Regra Transitória. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, isto é, 11.1.2.005, o prazo estabelecido na norma sob comentário será acrescido de 2 (dois) anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do CC/1916 (CC 2029). V. LC 95 e CC 132 § 3º.

S.S.V. comentando o art. 1238 e seu parágrafo único diz que há agora duas modalidades de usucapião ordinária, com dois prazos diversos.

Reconhecimento por Sentença – O autor, com posse contínua e ininterrupta por quinze anos, requererá ao juiz que declare por sentença tal situação. Observe-se, porém, que não é a decisão judicial que lhe confere o domínio. Resulta este da posse sem oposição e do decurso de tempo, isto é, da convergência dos elementos que conduzem ao usucapião. A sentença corresponde apenas à solene declaração de um direito preexistente.

S.S.V.- comentando o assunto leciona: A sentença declara o usucapião como está dito no art. 1.238. Aplica-se a qualquer modalidade de usucapião. O direito é obtido pelos requisitos de tempo e posse (...). Independe da sentença.O juiz limita-se a declarar situação jurídica preexistente. Fosse a sentença necessária para completar o direito, teria efeito constitutivo...”.

O Prof. S. R. pensa diferente, para ele a sentença do usucapião tem caráter constitutivo = pág. 113 – SENTENÇA JUDICIAL.

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Transcrição da Sentença no Registro Imobiliário – Com a decisão da autoridade judiciária, possível se torna o registro do imóvel na circunscrição imobiliária competente, permitindo, destarte, de então por diante, sua livre disposição. A sentença é título para a transcrição, idêntico aos demais títulos de aquisição em geral.

Obs.: O usucapião extraordinário prescinde do título e da boa-fé, tais elementos presume-se, sendo essa presunção juris et de jure.

Usucapião Ordinária.

Reza o “Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

O prazo estabelecido neste dispositivo legal é dez anos, sendo o mesmo previsto no parágrafo único do art. 1.238. No entanto, lá dispensa o justo título e a boa-fé, mas exige como o requisito da moradia ou a realização de serviços de caráter produtivo no local. No caso concreto, pode ocorrer que o usucapiente, ao requerer a aquisição da propriedade, o faça com fundamento no art. 1.242, mas, subsidiariamente, por preencher os requisitos do art. 1.238, peça que o juiz reconheça a usucapião extraordinária, se forem discutíveis a boa-fé ou o justo título. S.S.V. p. 197

Os pressupostos da usucapião ordinária são: POSSE, DECURSO DE TEMPO, JUSTO TÍTULO e BOA-FÉ.

1º requisito. POSSE. É preciso que a posse seja contínua e incontestada. Se o usucapiente veio a perdê-la por qualquer motivo, não mais será possível seu reconhecimento judicial, por uma espécie de retroatividade, ainda que no passado tivesse possuído por tempo suficiente para prescrever. Perdida a posse, inutiliza-se o tempo anteriormente vencido, principalmente se o usucapiente não logrou em recuperá-la.

2º requisito. DECURSO DO TEMPO. O prazo de tempo é de 10 anos.

3º requisito. JUSTO TÍTULO.

Segundo o Prof. César Fiúza, pode-se dizer que o usucapião ordinário visa proteger aqueles que supostamente hajam adquirido o imóvel, mas possuem título aquisitivo defeituoso, não se tornando, assim, proprietários.

W.B.M. afirma que o usucapiente, para invocar o usucapião ordinário, deve ter título, mais que título, título justo, hábil à aquisição do domínio, como uma escritura de compra e venda, um formal de partilha ou uma carta de arrematação, com aparência de legítimo e válido. Ainda, que qualquer desses títulos se ressinta de vício ou irregularidade, O DECURSO DO TEMPO, dez entre presentes e quinze entre ausentes, tem a virtude de escoimá-lo de seus defeitos, desde que concorram os demais requisitos para o usucapião.

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S.S.V. Justo título referido pela lei não é, evidentemente, documento perfeito e hábil para a transcrição. Se fosse, não haveria necessidade de usucapir.

Ex. a pessoa compra de quem não é dono, contudo, recebe a escritura, perfeitamente formalizada. Só mais tarde, apura-se que o transmitente não era dono da coisa que alienou. O título é justo em sua aparência.pág. 483 – César Fiuza- exs. de justo título.

A doutrina e na jurisprudência, se dividem, em relação ao registro desses títulos. pág. 484 – César Fiúza.

4º requisito. BOA-FÉ. Segundo, W.B.M., o mais importante requisito, porque valoriza e moralmente dignifica o usucapiente, é a boa-fé, vale dizer, a crença que realmente lhe pertença a coisa possuída. É a certeza de seu direito, a confiança inabalável no próprio título, sem vacilações, sem possibilidade de temperamentos ou de meio-termo. A boa-fé ou é integral, ou não existe. Ela há de verificar-se ao ter início da posse do usucapiente e subsistir por todo o tempo dela. LER S.R. pág. 111 – rodapé 126.

“Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico”.

A redução prevista no parágrafo único do artigo 1.242, não existia no Código de 1.916. O Prof. N.N.J. p. 429, 2ª coluna explica:

“Par. ún.: 2. Acréscimo do prazo. Regra Transitória. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, isto é, 11.1.2.005, o prazo estabelecido na norma sob comentário será acrescido de 2 (dois) anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do CC/1916 (CC 2029). V. LC 95 e CC 132 § 3º.

OBS.:Na ação em que se reivindica a coisa, o demandado pode alegar usucapião como matéria de defesa, devendo então no processo ser analisados os requisitos do instituto: S.S.V. pág. 195 – “Basta a parte alegar na contestação a aquisição originária do domínio, com a demonstração do preenchimento dos requisitos do usucapião do imóvel reivindicado, para que o julgador aprecie o fato e examine as provas produzidas acerca daquela defesa indireta de mérito” (STJ, RE nº 8.324/SP, Rel. Min. Cláudio Santos).

No entanto, o usucapião, nesse caso, é bastante para paralisar a reivindicatória, mas não pode ser transcrito. O prescribente deve recorrer à ação própria. Exceção a esta regra foi estabelecida pelo usucapião especial. O art. 7º da Lei nº 6.969/81 estabeleceu expressamente:

“A usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no Registro de Imóveis”.

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Trata-se de expressa exceção que visou facilitar o procedimento nessa modalidade de aquisição da propriedade destinada a premiar quem se utiliza validamente de único e pequeno imóvel urbano ou rural, como analisaremos a seguir.

Usucapião Especial –

Os arts. 183 e 191, da Constituição Federal, encontram-se previstos o usucapião especial para imóvel urbano e rural.

“ Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

“Art. 191 – Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

O novo Código Civil repetiu nos artigos 1.240 e 1.239, respectivamente, a previsão constitucional.

“Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”.

“Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Como se vê, os requisitos do usucapião especial urbano e rural são praticamente os mesmos. No tratamento do que se deve entender por família, esclarece o constituinte que o título de domínio, será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independente do estado civil (art. 183, § 1º da C.F., art. 1.240, §1º do CC), e, abrange a família constituída pelo casamento, a união estável correspondente a entidade familiar, e a entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descentes.

Obs.: 1.A Lei Magna e o novo CC referem-se a moradia. Essencial que exista, portanto, edificação no imóvel que sirva de moradia do usucapiente ou de sua família.

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2. Não existe exigência de justo título ou de boa-fé nesse modalidade de usucapião. 3. Impossibilidade a acessão de posse, ou seja, a soma da posse.4. Esse tipo de usucapião só será reconhecido uma vez.

Usucapião – Estatuto da Cidade – Lei nº 10.257, de 10/07/01.

O Estatuto da Cidade regulamenta a possibilidade da ocorrência de usucapião coletivo, bem como, o individual.

O Estatuto da Cidade (Política Urbana) regulamenta a usucapião individual em seu art. 9º que reza:

“Art. 9º. Aquele que possuir como sua área ou EDIFICAÇÃO urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados...

A disposição constitucional – art. 183, caput – não fala em “edificação urbana”, sendo, portanto, uma inovação do Estatuto.

Antes do advento desta lei, o texto do art. 183, caput, da C.F. suscitava discussão, pois havia quem defendia que área de 250 metros quadrados dizia a metragem do terreno (Benedito Ribeiro e José Carlos de Moraes Salles, apud Liliane dos Santos Vieira, L&C nº 47 – maio de 2002); e, outros, que afirmavam que o imóvel não poderia ter mais de 250 metros quadrados, seja de terreno, seja de área construída (Celso Ribeiro Bastos, apud Liliane dos Santos Vieira, L&C nº 47 – maio de 2002).

A jurisprudência já vinha decidindo nesse sentido, de modo a preservar o caráter social do instituto e, agora, com a inclusão do termo “ou edificação”, a discussão encontra-se superada.

Destarte, a lei impede, por ex., a aquisição de grandes construções, como prédios de apartamentos construídos sobre terreno de 250 m2.

O artigo 9º, em seu § 3º prevê: “Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Os §§ 1º e 2º do dispositivo legal tratam de repetir o previsto nos §§ 1º e 2º do 183 da C.F.

Da Usucapião Coletiva

Preceitua o artigo 10, da Lei de Política Urbana:

“Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de

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serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.

A lei cria a usucapião coletiva atendendo a pressão social das ocupações urbanas. Na prática, até que os terrenos podem ser identificados; ocorre que esse identificação mostra-se geralmente confusa ou inconveniente nesse emaranhado habitacional. Obs. a área deve ser particular, pois a C.F. veda expressamente a usucapião de terras públicas, vide §3º do art. 183.

No texto, já mencionado, da prof. Liliane dos Santos Vieira, ela traz o entendimento de Francisco Damasceno Ferreira Neto, que sustenta a inconstitucionalidade do art. 10 do Estatuto. Ao argumento que:

“Note-se que a Constituição Federal não outorgou ao legislador ordinário competência para disciplinar o chamado usucapião especial coletivo (art. 10 da Lei nº 10.257/01). É verdade que o caráter social da medida inequívoco, mas a Constituição é norma hierarquicamente superior a todas as demais normas do ordenamento jurídico e se constitui no fundamento de validade de todas elas. Daí porque entendo estar o supracitado art. 10 contaminado pelo vício insanável da inconstitucionalidade”.

A professora Liliane, ato contínuo, traz o seu posicionamento. Expondo-o da seguinte forma:

“Entendemos, todavia, contrariamente ao entendimento do nobre mestre, que não se trata de criação de nova modalidade de usucapião: o legislador do Estatuto da Cidade, ao regulamentar o artigo 183 da Carta Magna apenas corrigiu uma injustiça que decorria do texto pouco didático do dispositivo. O direito ao usucapião é o mesmo, apenas é exercido por uma coletividade, sendo, portanto, perfeitamente enquadrável na hipótese do art. 183 da Constituição”.

O disposto no art. 10 e seus §§ deve ser visto como medida de economia processual onde se vislumbra a facilidade na aquisição dos títulos de propriedade pela população de baixa renda quando ocupa espaços pertencentes a particulares por mais de cinco anos, como conseqüência da Reforma do Judiciário.

O §1º do citado art. prevê a possibilidade para preenchimento do tempo exigido em lei para usucapir de haver união das posses.

Reza o §1º que “O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contando que ambas sejam contínuas”.

“§2º. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

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“§3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo estabelecido entre os condôminos, estabelecendo frações idéias diferenciadas.

Ao condomínio instituído pela decisão judicial aplicar-se-á, inicialmente, o previsto nos arts. 1.314 e ss. do CC, que tratam do condomínio voluntário, salvo a hipótese do art. 1.320, que prevê a possibilidade de a todo tempo qualquer condômino exigir a divisão da coisa e outras que com ele sejam incompatíveis.

De acordo com a regra instituída no §4º do art. 10 do Estatuto citadino, o condomínio decorrente da usucapião coletiva urbana é indivisível, somente podendo ser extinto para execução de urbanização. Não existe nesta hipótese de condomínio áreas comuns a todos os condôminos.

Diz o “§4º. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio”.

Comentando o citado §, a Prof. Liliane, afirma que o legislador agiu bem quando apenas previu essa possibilidade após prévia constituição do condomínio, pois, do contrário, estaria eivando de inconstitucionalidade o dispositivo, visto que o art. 183 exige que área usucapida tenha sido utilizada para a moradia, e certamente não é essa finalidade da área comum.

Havendo necessidade de um administrador, não se elegerá síndico, pois inexiste no condomínio voluntário essa figura. Haverá mero administrador, que poderá ser escolhido pela maioria dos membros, conf. art. 1.323 do CC, poderá haver um mandatário comum, que ficará caracterizado por tomar a frente na administração sem oposição dos demais condôminos, na forma do art. 1.324 do mesmo diploma.

Reza o “§5º. As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes”.

O artigo 11 do Estatuto reza que tanto para o usucapião individual, como para o coletivo, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo. A lei reporta-se a ações futuras (“que venham a ser propostas”); estas ficarão sobrestadas. Não se sobrestarão, portanto, as ações já propostas, as quais podem ou devem, é evidente, receber julgamento conjunto.

O artigo 12 do Estatuto da Cidade dispõe sobre a legitimidade para propositura da ação de usucapião especial urbana, referindo-se tanto à usucapião individual (art. 9º) bem à usucapião coletiva (art. 10). Nessas premissas, atribui-se legitimidade:

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I - ao possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;

II – aos possuidores, em estado de composse; e

III- à associação de moradores da comunidade regularmente constituída, como substituto processual, desde que evidentemente autorizado pelos associados.

O mesmo artigo dispõe sobre a participação obrigatória do MP nesses processos e concede assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

O dispositivo do 13 desse Estatuto menciona que a usucapião especial de imóvel urbano pode ser alegado como matéria de defesa. Quanto a isso não há novidade, pois qualquer modalidade de prescrição aquisitiva pode ser invocada como matéria de defesa a fim de paralisar ação reivindicatória. O art. 13 acrescenta, porém, que a sentença que reconhecer essa aquisição por usucapião valerá como título para Registro no cartório imobiliário. Desse modo, sob tal premissa, não haverá necessidade de ação própria.

obs. S.S.V. adverte que “essa solução poderia ser estendida a todas as formas de usucapião, com pequenas alterações em seu procedimento.

O art. 14 estabelece que o rito para a usucapião é o sumário.

S.S.V. não vê vantagem na adoção do procedimento sumário, porque, segundo ele, no usucapião há necessidade de perícia e, assim, sua celeridade cai por terra.

Outras disposições da usucapião –

Preceitua o art. 1.243 do CC. “O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a do seu antecessor (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos caos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé”.

Esse dispositivo admite a união das posses, ou seja, permite que o usucapiente some a sua posse com a de seus antecessores, desde que elas sejam contínuas e pacíficas. Denomina-se esse fenômeno de acessão da posse. LER César Fiuza – pág. 486.

O art. 1.244 – “Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca das causas que obstam, suspendem, ou interrompem a prescrição, também se aplicam à usucapião”.

O Prof. S.R. afirma que o CC enumera em três artigos as hipóteses de suspensão da prescrição. No primeiro artigo 197, tem em vista pessoas ligadas entre si por determinado vínculo jurídico, o qual dificultaria ou impediria a uma delas a defesa de seu direito; por isso ordena a lei que, durante a vigência de tal estado de coisas, o prazo de prescrição não transcorra.

O art. 197 reza: – “Não corre a prescrição:

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I. entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;A propositura de uma ação judicial por um cônjuge contra o outro seria fonte de invencível desarmonia conjugal. Além disso, é provável que a influência do cônjuge impedisse seu consorte de ajuizar a ação, a qual, por conseguinte, se extinguiria inexoravelmente pela prescrição. Por isso, determina a lei que durante o casamento não corre a prescrição.

II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; Durante o poder familiar o filho sofre marcada influência dos pais, que o representa quando absolutamente incapaz e o assiste enquanto relativamente capaz. Seria inconveniente se permitir que, para preservação de seus direitos, fossem os filhos obrigados a recorrer à ação judicial, sob pena de prescrição. Portanto, a lei impede o curso do prazo prescricional entre eles.

III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela; Tutor e curador devem, por definição, zelar pelos interesses de seus representados, de sorte que, descuidem desses interesses, quando conflitarem com os próprios, a lei suspende o curso da prescrição das ações que porventura uns tenham contra os outros. Se tutor fosse devedor do pupilo, poderia, caso não houvesse a norma em comento, alforriar-se da obrigação apenas deixando transcorrer o prazo da prescrição sem cobrar-se a si mesmo.

A segunda hipótese encontra-se inserida no art. 198 do CC, ordena que não corra a prescrição contra certas pessoas que, em virtude de uma circunstância a elas peculiar, não poderiam, zelosa e diligentemente, defender seus interesses.

Determina o art. 198 – “Também não corre a prescrição:

I- contra os incapazes de que trata o artigo 3º;Refere-se primeiramente aos absolutamente incapazes. É uma outra maneira de os proteger. Se são titulares de um direito, ainda que o não defendam através de ação judicial, esta não prescreve, pois o prazo, que a final se consumiria, só começa a fluir depois que ultrapassarem a incapacidade absoluta. II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; e III- contra os que se acharem servindo na Forças Armadas, em tempo de guerra. Tais pessoas decerto têm sua atenção de tal modo ocupada nos negócios do País, que não encontram tempo para cuidar dos próprios negócios. Assim, apenas justo que não vejam perecer seus interesses, em virtude do curso da prescrição.

O art. 199 do CC, como bem aponta Beviláqua, é supérfluo. Nas hipóteses ali consagradas, a prescrição não corre, como de fato não poderia correr, porque não existe ação para exigir cumprimento de obrigação.

Diz o art. 199 – “Não corre igualmente: I –pendendo condição suspensiva; II – não estando vencido o prazo; III – pendendo condição de evicção.

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No caso do direito condicional (art. 121 CC), o efeito do negócio jurídico se subordina a um evento futuro e incerto, não sendo ele exigido, enquanto aquele evento não ocorrer. E, finalmente, se ainda pende ação de evicção, não se confere ao eventual evicto a ação contra o vendedor, para pleitear a restituição do preço. Nesse sentido é a lição de Câmara Leal:

“Enquanto pende a ação de evicção, não havendo ainda uma sentença definitiva que determine ao evicto a perda da coisa, este não poderia exigir ao alienante a restituição do preço por perdas e danos”.

Obs.: A suspensão da prescrição independe de um comportamento ativo das partes, pois é a lei que determina, de maneira que opera automaticamente.

Causas que interrompem a prescrição, TAMBÉM SE APLICAM AO USUCAPIÃO – art. 202 do CC.

Disposições processuais –

O usucapião pode ser argüido como meio de defesa nas ações possessórias e petitórias. Desse modo, o usucapião pode ser alegado passivamente, em contestação, como também ativamente, assumindo então o prescribente o papel de autor da demanda.

Assumindo a iniciativa, o usucapiente recorre à ação especial, de natureza declaratória, chamada de ação de usucapião e regulada pelos artigos 941 e 945, do CPC.

O usucapião somente pode ser declarado por SENTENÇA, não havendo procedimento administrativo em nosso direito que o permita.

Estabelece o artigo 941 que a ação de usucapião compete ao possuidor para que se lhe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial.

O foro competente para a sua propositura é o da situação do imóvel. Cumpre ao autor na inicial individuar claramente o imóvel usucapiendo. Deve assim descrevê-lo de modo tão minucioso e preciso, como se estivesse a reivindicá-lo. Verdadeiramente, falando, com a ação de usucapião, o autor está a reivindicar o domínio sobre determinado imóvel, que deve, assim, ser perfeitamente caracterizado. De resto, determina o art. 942 do CPC que o autor, expondo na inicial o fundamento do pedido, junte planta do imóvel, que com ela se harmonize.

A Constituição de 1946, no art. 156, § 3º, bem como, a Constituição de 1937 (art. 148) e, também a de 1934 (art. 125), instituiu outra modalidade de usucapião, o pro labore, em benefício daquele que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupasse, por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, trecho de terra não superior a 25 hectares, tornando-o produtivo pelo seu trabalho e tendo nele sua moradia. Reunindo tais

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requisitos, o ocupante adquiria a propriedade, mediante sentença declaratória, devidamente transcrita no registro imobiliário.

O Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30.11.64, art. 98) igualmente contemplou esse USUCAPIÃO ESPECIAL, tornando claro que o mesmo só poderia concernir a imóvel rural, destinado à pecuária e à agricultura, ou outra atividade produtiva, não se estendendo a terreno urbano ou citadinos.

CONCLUSÃO: O USUCAPIÃO ESPECIAL teve por objetivo, portanto, a fixação do homem no campo, requerendo ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente.

Posteriormente, a Lei nº 6.969, de 10 de dezembro de 1981, disciplinou o usucapião especial, reduzindo seu prazo, no art. 1º:”Todo aquele que, não sendo proprietário rural ou urbano, possuir como sua, por 5 (cinco) anos ininterruptos, sem oposição área rural contínua, não excedente de 25 (vinte e cinco) hectares, e a houver tornado produtiva com o seu trabalho e nela tiver sua morada, adquirir-lhe-á o domínio, independente de justo título ou boa-fé, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis.

Em seu art. 3º, determina a lei de que o usucapião especial não ocorrerá nas áreas indispensáveis à segurança nacional, nas terras habitadas por silvícolas, nem na área de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurando aos atuais ocupantes a preferência para o assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.

Nos arts. imediatos cuida a Lei do procedimento a observar-se para o reconhecimento do usucapião especial, preceituando o art. 9º que o juiz da causa, a requerimento do autor, determinará que a autoridade policial garanta a permanência no imóvel e a integridade física de seus ocupantes, sempre que necessário.

obs. a usucapião alegada em matéria de defesa, ou seja, em contestação não pode ser registrada. Desse modo, para ocorrer o registro no Cartório Imobiliário há necessidade da propositura da ação de Usucapião, exceção a esse regra é a prevista no art. 7º da Lei 6969/81 e no Estatuto da Cidade como já estudarmos.

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PONTO 12

Da aquisição pelo registro do título

Primeiro faz-se necessário conceituar juridicamente a palavra registro.

Segundo, Afrânio Carvalho, citado por N.N.J. “... ter o termo registro extensa generalidade que encobre diversos termos específicos – inscrição, averbação e transcrição. ..”. (Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados: at. 15.03.02. São Paulo : Revistas dos Tribunais, 2002, p. 432).

No mesmo sentido, S.S.V. adverte que “Registro é visto pela lei vigente como denominação genérica, denominação que foi adotada pelo novo CC, que engloba transcrição e inscrição referidas pelas leis civis, na verdade pelo ordenamento em geral (art. 168, da Lei dos Registro Públicos). (...). O rol de registro ou de averbações dever ser buscado no elenco do art. 167. Assim, ao examinar determinada matrícula, reconhecida pelo número em que deverá estar descrito o imóvel, uma primeira alienação será registrada sob o número R-1, a segunda sob R-2, e assim sucessivamente. Se for caso de uma averbação, de uma convenção antenupcial, por exemplo, receberá a denominação AV-1, e assim por diante. Dessa maneira, será estampada a certidão atual do imóvel, dela fazendo-se constar a continuidade e cadeia de registros e averbações sobre a matrícula.(...). A matrícula é o núcleo do registro imobiliário e cada imóvel deve ter matrícula própria”.

Pelo nosso sistema o contrato é veículo, é instrumento (embora não o único) para aquisição das coisas, mas por si só não transfere a propriedade. O domínio das coisas imóveis só se transfere pela transcrição do título aquisitivo no Cartório de Registro Imobiliário.

Com o contrato existe apenas direito pessoal. Nesse sentido, o CC é expresso no Art. 1.245 ao estatuir “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”.

O §1º acrescenta “Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”.

O §2º aduz que “Enquanto, não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel”.

Essas disposições demonstram claramente que:

1) só adquire a propriedade imóvel com o registro do título no Cartório de Registro Imobiliário; e

2) que o registro imobiliário estabelece uma presunção relativa, porém, sua alteração somente pode ocorrer por outro registro ou por decisão judicial.

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Da aquisição pelo Registro do Título.

O registro de imóveis é regulado pela LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS, LEI 6.015/73. Contudo, só a usaremos subsidiariamente em nosso estudo.

Para a aquisição da propriedade imóvel não basta simples acordo de vontades entre o adquirente e o transmitente. O contrato de compra e venda, por ex., não basta, por si só, para transferir o domínio. Essa transferência só se opera com o registro do título no registro imobiliário.

Dois são, portanto, os requisitos para a aquisição do bem imóvel:

I) acordo de vontades entre o adquirente e transmitente, o qual deve constar obrigatoriamente de escritura pública, se de valor superior ao legal transmitido (art. 108 do CC);

II) registro do título translativo na circunscrição imobiliária competente (Lei nº 6.015/73).

A transcrição é a entrega do bem solenemente, que gera direito real para o adquirente, transferindo-lhe o domínio. Há de se salientar, todavia, que a transcrição, no nosso sistema legal, confere apenas presunção juris tantum de domínio.

Atributos da transcrição – Os atributos da transcrição são:

I) publicidade conferida pelo Estado, através de seu órgão competente, o registro imobiliário. No sistema do nosso Código, duas são as significações da transcrição: é modo de adquirir a propriedade e meio de publicidade. Não é possível se mantenham em sigilo as mutações havidas no direito de propriedade. Exige o interesse público sejam elas divulgadas e essa divulgação se obtém por meio do registro imobiliário.

II) força probante, fundada na fé pública inerente ao registro, pois presume pertencer o direito real à pessoa em cujo nome foi ele transcrito;

III) legalidade, decorrente do exame feito pelo oficial do registro de todos os documentos apresentados para transcrição, opondo as dúvidas que acaso ocorram;

IV) obrigatoriedade, efetuando-se no cartório de situação do imóvel. Em se tratando de bens situados em comarcas diversas, o registro deverá ser feito em todas elas.

V) continuidade, a transcrição deve ser contínua, prendendo-se necessariamente à anterior, numa seqüência ininterrupta de atos. Não pode haver transcrição isolada, independentemente de qualquer outro registro. Se o imóvel não se acha transcrito em nome do alienante, não pode ser desde logo

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registrado em nome do adquirente. Cumpre, nessa conjuntura, providenciar primeiro o registro em nome daquele, para, em seguida, efetuar o deste.

Do momento do registro

Preceitua o art. 1.246 – “O registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este prenotar no protocolo”.

O título translativo, conforme já dito, cria apenas direitos pessoais entre as partes contratantes. Só a transcrição opera a transferência do domínio; portanto, o registro, e não o título, determina a transmissão. Por isso mesmo, adquirente que não transcreva seu título não é dominus, não podendo, propor ação de reivindicação.

Demonstrando a aplicação prática desse artigo, o Tribunais assim decidiram - SILVIO DE SALVO VENOSA – pág. 168 – 176

A escrituração do registro de imóveis realiza-se por intermédio de vários livros, entre os quais avulta o protocolo, que constitui a chave do registro geral, conforme se depreende pela leitura do art. 174 da Lei 6.015/73.

“Art. 174 – O Livro n. 1 – Protocolo – servirá para apontamento de todos os títulos apresentados diariamente, ...”.

PÁG. 331 – 437. Protocolização como direito do apresentante. WALTER CENEVIVA.

O apontamento mencionado no artigo 174 são os requisitos da escrituração mencionado no art. 175.

obs. pág. 333 – Se a parte pedir prenotação do título, este é lançado imediatamente no protocolo, com todos os requisitos exigidos. Nenhuma protelação é admissível nesse caso, ainda que seja para melhor exame do título. Trata-se de direito do interessado insuscetível de sacrifício pela conveniência do registrador.

Após a prenotação, far-se-á a conferência do título e estando devidamente formalizado procederá o oficial ao respectivo registro no Livro 2 – REGISTRO GERAL -. Pois, de acordo com o art. 1.246, embora esse registro se faça dias depois, contar-se-á a respectiva data da prenotação inicial do serventuário no protocolo.

A importância da prenotação é ressaltada pelo artigo 52, inciso VII da Lei de FALÊNCIAS . LER PÁG. 276, LETRA E, FÁBIO ULHOA COELHO.

DÚVIDA JULGADA IMPROCEDENTE – Bem nós falamos que o título é conferido e estando devidamente formalizado é registrado. Contudo, na verificação pode o registrador detectar irregularidade e recusar o título.

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Ler pág. 303 – WALTER CENEVIVA – letra b

E se o alienante vier falecer antes da transcrição, poderá o adquirente, malgrado esse evento, transcrever o título aquisitivo? Impõe-se a afirmativa. Registro é ato unilateral, sem prazo certo para sua realização. Por força do próprio contrato, o adquirente fica implicitamente autorizado pelo vendedor a praticar o ato final, a transcrição. Assim, nada impede que esta se faça após a morte do vendedor. O mesmo acontecerá no caso de óbito do adquirente, hipótese em que aos herdeiros compete promover o registro.

O art. 1247 prevê: “Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar que se retifique ou anule.

“Parágrafo único. Cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente”.

Todo registro público, imobiliário ou não, deve espelhar a verdade. O processo de retificação ou anulação do registro imobiliário é disciplinado nos arts. 212 e ss da Lei de Registros Públicos.

Reza o artigo 212, da Lei 6.015/73, que: “Se o teor do registro não exprimir a verdade, poderá o interessado reclamar sua retificação, por meio de processo próprio”.

A possibilidade de retificação do registro é um dos elementos que distinguem o nosso sistema do alemão, cujo registro goza de presunção absoluta.

Explicando o porquê da diferenciação dos dois sistemas, Walter Ceneviva afirma: “Ao admitir retificação, porém, a lei adota o meio termo compatível com a realidade brasileira, de imensa extensão física, com aparelhamento humano e material insuficiente nos cartórios, grandes áreas de duvidosa confiabilidade dominial e mesmo possessória. Não é viável entre nós um sistema de presunção de validade absoluta do assentamento imobiliário”. (Lei dos Registros Públicos Comentada, 12ª ed., atual. até 15 de julho de 1997. – São Paulo : Saraiva, 1997, p. 391).

A expressão “verdade” que aparece tanto do CC como na Lei de Registros Públicos, arts. 1.247 e 212, respectivamente, segundo Walter Ceneviva, ela deve ser interpretada da seguinte maneira:

“A verdade e o registro imobiliário – O conceito de verdade, ao qual o artigo se refere, não é jurídico. Trata-se de palavra equívoca, do ponto de vista do direito. É razoável entendê-la como a perfeita consonância entre o negócio jurídico e o imóvel a que seja pertinente, de um lado, e os assentamentos imobiliários a eles referentes, de outro. Quando for imperfeito esse ajuste, cabe retificação que atinge o “erro constante do registro”, de que cuida, de modo mais apropriado o art. 213.

“É titular do pedido de retificação aquele que possa alegar prejuízo objetivo aferível. Ao interessado se aplica, também, o art. 213.

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“O uso de reclamar pareceria indicar que a retificação se faria através de reclamação. Esta, porém, é queixa administrativa endereçada ao juiz corregedor, quanto ao ato funcional do serventuário. Reclamar é interpretado como ingressar em juízo, postular do juiz competente prestação corregedora. A simples reclamação administrativa não é meio processual próprio para decidir controvérsia entre prejudicado e o titular do registro”. (idem, p. 391).

O disposto no artigo 213 da mencionada lei prevê: a participação do MP como fiscal da lei; no caso de erro evidente, a retificação desde logo; se a retificação for de divisas ou da área do imóvel, a citação de todos confrontantes e o alienante ou seus sucessores; se o pedido for impugnado, fundamentadamente, o juiz remeterá o interessado para vias ordinárias; e da sentença cabe o recurso de apelação.Buscando o aprimoramento do registro imobiliário, o dispositivo legal prevê a possibilidade de retificação por via administrativa imprópria.

Adota-se um processo misto, com alguma forma de contenciosidade: na retificação de área, para mais ou para menos, ou na alteração de divisas, alienantes e confrontantes são citados; da decisão cabe apelação.

obs. mesmo no caso de erro evidente, o oficial não tem autorização legal para corrigi-lo por iniciativa própria. Pode, todavia, no cumprimento de seu dever funcional, denunciar a falha, mediante promoção ao juiz corregedor, ao qual incumbirá determinar a ciência do interessado.

O art. 214 regulamenta as hipóteses de nulidades de pleno direito do registro; e, no artigo 216 consta a previsão da anulação do registro.

A preferência para alteração do registro é pela via contenciosa, porém, a lei abriu ensejo à retificação administrativa.

obs. o cartório de imobiliário não é parte legítima para responder a ação que pretenda anular ou modificar, em processo contencioso, algum registro. O oficial, como delegado do Poder Público, ou o cartório, como entidade pública, não têm interesse no resultado da ação e não podem opor-se à execução do que for decidido.

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PONTO 13

DA AQUISIÇÃO POR ACESSÃO

Conceito

Segundo SILVIO DE SALVO VENOSA – o vocábulo acessão tem a noção de acessório. A questão jurídica igualmente tem em mira uma coisa principal. Pelo princípio, passa a pertencer ao dono da coisa principal o que se adere a ela. Obedece-se a regra geral a qual o acessório segue o principal.

Clóvis Beviláqua conceitua a acessão como “o modo originário de adquirir a propriedade, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem”. ORLANDO GOMES, entende que a acessão é uma alteração quantitativa ou qualificativa da coisa, ou melhor, é o aumento do volume ou valor do objeto da propriedade devido forças externas.

CONCLUSÃO: Para a ocorrência de acessão depende da existência de dois requisitos: a) a conjunção entre duas coisas, até então separadas; b) o caráter acessório de uma dessas coisas, em confronto com a outra.

Diz o art. “1.248: A acessão pode dar-se: I – por formação de ilha; II – por aluvião; III – por avulsão; IV – por abandono de álveo; V – por construção de obras ou plantações”.

Assim, são cinco formas de acessão. Divididas em três modalidades: NATURAL, INDUSTRIAL E MISTA.

É natural, a acessão produzida espontaneamente, por obra da natureza, independentemente de qualquer intervenção humana. ex. (ALUVIÃO, AVULSÃO, ÁLVEO ABANDONADO E FORMAÇÃO DE ILHAS);

É industrial, quando resulta do trabalho do homem. (ex. CONSTRUÇÃO DE OBRAS).

É mista, a resultante da conjugação dos meios naturais e industriais (semeadura, plantação).

obs.: essa divisão não tem nenhum interesse prático.

FORMAÇÃO DE ILHAS

Vamos iniciar nosso estudo cada forma de acessão iniciando pela ILHAS. Segundo S.R. “... o legislador civil focaliza o problema da atribuição do domínio das ilhas surgidas em rios particulares, ou seja, em rios não navegáveis. Isso porque, sendo públicos os rios navegáveis, as ilhas que neles afloram passam a pertencer à pessoa de direito público a quem tais correntes pertencem”. (ler nota de rodapé – p. 99 – 111).

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Desse modo, NÃO FAZ PARTE DO NOSSO ESTUDO OS RIOS NAVEGÁVEIS OU QUE BANHEM MAIS DE UM ESTADO, porque tais correntes pertencem a UNIÃO (CF, art. 20 inc. III). LER RODAPÉ da pág. 108 – WASHINGTON.

Bem agora já definido que tipo de rio pertence ao nosso estudo de direito civil, passaremos a analisar quais os critérios adotados pelo legislador para decidir a quem pertence o domínio da ilha, formado em rios particulares.

O art. 1.249 preceitua: “As ilhas que se formarem em correntes comuns ou particulares pertencem aos proprietários ribeirinhos fronteiros, observadas as regras seguintes:

O inciso I do art. 1.249 reza: “as que se formarem no meio do rio consideram-se acréscimos sobrevindos aos terrenos ribeirinhos fronteiros de ambas as margens, na proporção de suas testadas, até a linha que dividir o álveo em duas partes iguais”;

A Prof. Maria Helena Diniz utilizou-se de um desenho para melhor explicar o que preceitua o inciso I, o qual nós copiamos.

Propriedade de Propriedade de “A” “B”

______________________________________________

ÁlveoLinha Testada Testada de Meridiana de “A” “B”

---------------Ilha formada------------------ do

do Testada de “C”Álveo

___________________________________________________________ Rio

Propriedade de “C”

Álveo = é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto.

O inciso II: “as que se formarem entre a referida linha e uma das margens consideram-se acréscimos aos terrenos ribeirinhos fronteiros desse mesmo lado”;

Margem Propriedade de Propriedade deEsquerda “A” “B”

______________________________________________

ÁlveoLinha ILHA FORMADA

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Meridiana

----------------------------------------- do Álveo _________________________________________________________ RioMargem Propriedade de “C”direitaA acessão da ilha formada, neste caso, pertencerá exclusivamente ao proprietário “B”, da margem esquerda.

O inc. III do art. 1.249 – “as que se formarem pelo desdobramento de um novo braço do rio continuam a pertencer aos proprietários dos terrenos à custa dos quais se constituíram”.

Margem Propriedade de Propriedade deEsquerda “A” “B”

______________________________________________

Álveo do Proprietário “C” da Ilha Formada __________________---------------------------------------------------_________ Rio NOVO CURSO OU BRAÇO

____________________________________

Propriedade de “C”

Neste caso, a ilha é de propriedade exclusiva de “C” porque o rio ao criar novo braço na margem direita invadiu o terreno de “C”, formando uma ilha, diminuindo o seu domínio.

CONCLUSÃO: Se um braço do rio abrir a terra, a ilha que resultar desse desdobramento continua a pertencer aos proprietários a custa de cujos terrenos se constituiu.

Se o rio for público, a ilha formada pelo desdobramento do novo braço poderá entrar para o domínio público mediante prévia indenização ao proprietário que sofreu o desfalque (Cód. das Águas, art. 24, parágrafo único).

OS MESMOS DISPOSITIVOS SÃO APLICÁVEIS NO CASO DE ILHAS OU ILHOTAS, formadas em canais, lagos e lagoas de domínio particular.

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DA ALUVIÃO (art. 1.250)

M. H. D ensina que dá-se a acessão por aluvião, quando há acréscimo paulatino de terras às margens do rio, mediante lentos e imperceptíveis depósitos ou aterros naturais ou desvios de águas, acréscimo este que importa em aquisição da propriedade por parte do dono do imóvel a que se adere essas terras.

W.B. M = sustenta que aluvião é o acrescentamento marginal, que o rio anexa tão vagarosamente às margens, que seria impossível, num dado momento, apreciar a quantidade acrescida.A quem pertence esse acrescentamento marginal, produzido pela natureza, lenta e imperceptivelmente, através do tempo?

O art. 1.250 nos dá a resposta: “Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais”.

Parte da doutrina distingue a aluvião própria, decorrente de acréscimo à porção de terra, da aluvião imprópria, decorrente do afastamento das águas (S.S.V.)

Para M.H.D. “É imprópria quando tal acréscimo se forma em razão do afastamento de águas que descobrem parte do álveo.

O Parágrafo único do artigo 1.250 diz: “O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem”.

DA AVULSÃO

A avulsão é a desagregação repentina de um trecho de terra por força natural violenta. Não se confunde, portanto, com aluvião, acréscimo vagaroso e imperceptível.

Pela avulsão, desprende-se porção considerável e reconhecível de determinada propriedade imóvel. O proprietário do imóvel desfalcado não perderá a parte deslocada; poderá pedir sua devolução desde que reconhecível, mas não será lícito exigir indenização. Ao proprietário que fora contemplado com a porção de terra acrescida é que tem direito, ou de concordar com a remoção, ou de pagar o valor respectivo ao proprietário reclamante.

É o que diz expressamente o art. 1.251 = “Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado”.

“Parágrafo único: Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida”.

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obs.: pode ocorrer a avulsão quando a porção de terra adere à margem ou quando sobrepõem-se ao solo.

O prazo da reclamação é de 01 ano. Decorrido esse lapso de tempo, que é de decadência, considera-se consumada a incorporação, perdendo o proprietário prejudicado não só o direito de reivindicar, como o de receber a indenização. O CC anterior previa no art. 543 que “Quando a avulsão for de coisa não suscetível de aderência natural, aplicar-se-á o disposto quanto às coisas perdidas”.

Se por ex., um furacão arremessa de um imóvel para outro madeiras cortadas, cercas de arame e mais objetos, não existe acessão. Tais bens devem ser restituídos ao legítimo dono, uma vez que não ocorre a consolidação de duas coisas em uma, conservando cada qual sua própria individualidade.

DO ÁLVEO ABANDONADO

Tem acessão natural por abandono de álveo = por um rio que seca ou que se desvia em virtude de fenômeno natural.

O art. 10 do Código das Águas disciplina o regime jurídico do álveo quando ainda coberto pelas águas, não sendo, portanto, aplicado à acessão porque esse modo aquisitivo da propriedade caracteriza-se quando surge a questão de atribuição da propriedade da área descoberta em razão do abandono do leito do rio.

Reza o art. “1.252. O álveo abandonado de corrente pertence aos proprietários ribeirinhos das duas margens, sem que tenham indenização os donos dos terrenos por onde as águas abrirem novo curso, entendendo-se que os prédios marginais se estendem até o meio do álveo”.

Nós já sabemos que álveo é a superfície que as águas cobrem sem transbordar para o solo natural e ordinariamente enxuto (art. 9º do C. das Águas).

Esse álveo abandonado é divido da seguinte forma: traça-se uma linha mediana do álveo abandonado, pertencendo a cada um na extensão de sua testada. Portanto, efetua-se a divisão do mesmo modo que a repartição da ilha.

O art. determina de que os donos dos terrenos por onde a água natural e acidentalmente abrirem novo curso não terão nenhum direito de ser indenizado, por ser tratar de força maior que não pode ser evitada.

OBS.: Se, porém, o desvio foi determinado por obras públicas, úteis à coletividade, o dono do imóvel atravessado pelo novo álveo tem direito a ser indenizado, mediante desapropriação. Mas, nesse caso o antigo álveo passa a pertencer ao poder público expropriante, para compensá-lo das despesas feitas (art. 27 C. de Águas). Neste caso, não há acessão porque o abandono do álveo foi artificial.

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Embora o conceito de álveo abandonado, como forma de acessão, requeira o abandono permanente do antigo leito do rio é possível que o rio volva ao seu antigo curso, conseqüências de fatos naturais, casos em que ocorrem duas situações:

1ª) quando o desvio se der naturalmente, o retorno do rio ao álveo antigo recompõe a situação dominial anterior, ou seja, aqueles que eram os proprietários dos terrenos invadidos pelo novo curso do rio voltam a sê-lo com o retorno (Cód. das Águas, art. 26, parágrafo único);

2ª) quando o abandono resulta de ação humana, retornando o rio ao leito antigo, continuará a pertencer ao expropriante (Cód. de Águas, art. 26, parágrafo único), a não ser que os antigos donos, preferindo obter de volta suas propriedades, resolvam indenizar o Estado.

DAS CONSTRUÇÕES E PLANTAÇÕES

As construções e plantações são acessões decorrentes da conduta humana. Nessas hipóteses, a acessão é de móvel a imóvel.

A primeira observação é que tecnicamente acessões diferem de benfeitorias.

M.H.D. = As acessões são construções ou plantações novas, não abrangendo melhoramentos, reparações ou reconstruções que caracterizam benfeitorias. A autora traz em sua obra o ensinamento de CLÓVIS PAULO DA ROCHA que sustenta – “as benfeitorias são as despesas feitas com a coisa, com o fito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la, e acessões artificiais são obras que criam uma coisa nova e que se aderem à propriedade anteriormente existente”.

“Ela afirma de que não constitui acessão a conservação de plantações já existentes, pela substituição de algumas plantas mortas. Esse caso é uma benfeitoria, por não haver nenhuma alteração na substância e na destinação da coisa.

“Se fizermos um pomar em terreno alheio, onde nada havia anteriormente, teremos uma acessão por plantação, que se caracteriza pela circunstância de produzir uma mudança, ainda que vantajosa, no destino econômico do imóvel, alterando sua substância”.

Além disso, na acessão, a boa-fé é elemento imprescindível para que haja indenização na benfeitoria, ela é irrelevante, quando se tratar de benfeitoria necessária.

Não há no nosso ordenamento jurídico a permissão do direito de retenção por acessão, como ocorre nos casos de benfeitorias necessárias ou úteis, por fundamento a posse jurídica (art. 1.219 CC).

O art. 1.253 preceitua: “Toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e à sua custa, até que se prove o contrário”.

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Nessas condições, o dono de determinado imóvel adquire, pela acessão, as coisas móveis que a este se incorporem.

Trata-se da aplicação da regra jurídica de que o acessório segue o principal. Se o solo, que é principal, pertence a determinada pessoa, a esta pertencerão, igualmente, por presunção legal, plantações e construções acaso existentes, como seus acessórios.

Contudo, em virtude de ser uma presunção juris tantum, ou seja, que admite prova em contrário, é preciso verificar os casos em que as plantações e construções não pertencem, comprovadamente, ao dono do solo a que se incorporam.

Três são essas hipóteses:

1ª hipótese é prevista no art. 1.254 – “Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno próprio com sementes, plantas ou materiais alheios, adquire a propriedade destes; mas fica obrigado a pagar-lhes o valor, além de responde por perdas e danos, se agiu de má-fé”.

Conforme preceitua o art., o proprietário do solo adquire automaticamente a propriedade das sementes, plantas ou materiais alheios, beneficiado que é pela respectiva ACESSÃO. Não haveria interesse social em que se arrancassem plantas e sementes, ou se destruíssem edifícios.O proprietário do solo torna-se dono dessas acessões, mas terá que ressarcir-lhes o valor. O elemento moral de indenizar é “a injustiça do enriquecimento, ou enriquecimento contrário ao direito”. Por determinação legal, o dono dos materiais não pode reivindicá-los nem levantá-los. Igualmente, não pode o proprietário do imóvel liberar-se, oferecendo os materiais em restituição.

Se de boa-fé o proprietário do solo por acreditar, por ex., que próprio fosse o material empregado, responderá exclusivamente pelo valor das acessões; se de má-fé, porém, responderá não só pelo valor, calculado segundo o tempo em que os móveis se imobilizaram, como também pela composição de perdas e danos.

2ª hipótese – Art .1.255 = “Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé terá direito de indenização.

Talvez, vocês estejam imaginando de que seja impossível alguém construir em imóvel alheio e, caso isso aconteça, jamais ocorrerá de boa-fé. Todavia, há um julgado do Tribunal de São Paulo, que demonstra que tal fato pode se dar. SIVLIO RODRIGUES – pág. 104 – nota de rodapé.

Vale dizer, se um construtor, por ex., edifica em terreno que supõe que é seu, age de boa-fé e tem direito ao ressarcimento das acessões, embora as perca de modo automático.

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Entretanto, nem sempre a solução de indenizar será a mais justa no caso concreto, daí o porquê do Parágrafo único do artigo 1.255, fazer uma ressalva na seguinte hipótese: “Se a construção ou plantação exceder consideravelmente o valor do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo, mediante pagamento da indenização fixada judicialmente, se não houver acordo”.

A jurisprudência já se colocava nessa linha. No caso concreto há dois aspectos que devem ser examinados, 1) a boa-fé do plantador ou construtor e 2) o que se entende por valor considerável, que dependerá do critério do juiz.

No entanto, se bilateral a má-fé, a regra aplicável é a do artigo 1.256 que determina: “Se de ambas as partes houve má-fé, adquirirá o proprietário as sementes, plantas e construções, devendo ressarcir o valor das acessões”.

“Parágrafo único. Presume-se má-fé no proprietário, quando o trabalho de construção, ou lavoura, se fez em sua presença e sem impugnação sua”.

No caso do parágrafo único, presume-se boa-fé no edificador, ou no plantador, dado o implícito consentimento do proprietário do terreno. Era dever do proprietário impugnar o trabalho.

S.S.V. Diz que nessa hipótese o “semeador, plantador ou edificador em terreno alheio, com boa-fé, terá direito de retenção, se detém o imóvel, pois se aplicam os princípios das benfeitorias”.

3ª hipótese. Art. 1.257 = “O disposto no artigo antecedente aplica-se ao caso de não pertencerem as sementes, plantas, ou materiais a quem de boa-fé os empregou em solo alheio”.

Parágrafo único = “O proprietário das sementes, plantas ou materiais poderá cobrar do proprietário do solo a indenização devida, quando não puder havê-la do plantador ou construtor”.

W. B. M. – pág. 116 - De acordo com esse art., tem-se sustentado algumas vezes que o fornecedor pode cobrar do dono da obra os materiais fornecidos ao empreiteiro.

Porém, não parece ser acertado esse ponto de vista. Se o dono da obra pagou ao empreiteiro o preço convencionado na empreitada, deste e não daquele há de ser reclamado valor dos materiais. De outra forma, o dono da obra pagaria duas vezes, ao empreiteiro e ao fornecedor, o que não seria justo.

O artigo 1.258 do CC é uma inovação. O dispositivo legal vem em socorro para as situações em que, embora edificando em terreno próprio, invada pequena porção de terreno alheio.

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Preceitua o “Art. 1.258. Se a construção, feita parcialmente em solo próprio, invade solo alheio em proporção não superior à vigésima parte deste, adquire o construtor de boa-fé a propriedade do solo invadido, se o valor da construção exceder o dessa parte, e responde por indenização que represente, também, o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente”.

“Parágrafo único. Pagando em décuplo as perdas e danos previstos neste artigo, o construtor de má-fé adquire a propriedade do solo que invadiu, se em proporção à vigésima parte deste e o valor da construção exceder consideravelmente o dessa parte e não se puder demolir a porção invasora sem grave prejuízo para a construção”.

Esse dispositivo em conjunto com o seguinte (art. 1.259) procurou estabelecer tanto quanto possível um critério objetivo para a construção em terreno alheio. Trata-se de uma importante instrumento de solução para os magistrados e para as partes envolvidas.

Na prática em várias oportunidades nos deparamos com construção de boa-fé ou de má-fé, com alguns ou muitos metros invadindo terreno do vizinho. A situação é mais comum em loteamentos antigos e irregulares, quando os marcos divisórios não estão aviventados ou simplesmente não existem. Mais uma vez, a boa ou má-fé será um grande divisor de águas a ser aferido pelo magistrado. Por outro lado, a perícia informará o juiz sobre a proporção da referida vigésima parte e seu respectivo valor, bem como a conveniência da demolição, que será a última solução, principalmente quando esta afeta o todo construído. A porcentagem não será um critério inflexível: dependendo da situação fática enfrentada, nada impede que o magistrado decida na forma apontada pelqa lei se a porcentagem for pouco maior ou menor.

A lei estabelece, por outro lado, uma multa vultosa para o invasor de má-fé, quando conveniente que este mantenha como sua a parte invadida. Sempre deverá ser levado em conta se o valor da construção excede consideravelmente o valor do terreno, tomando-se por base a vigésima parte deste. Aqui, mais uma vez, o bom critério do juiz prepondera. De qualquer forma, a PUNIÇÃO com décuplo do valor das perdas e danos ao possuidor NÃO PODERÁ SER DISPENSADA na decisão judicial.

Inúmeras questões fáticas e de direito podem surgir numa demanda desse tipo. Por, ex., poderá a Sentença determinar o pagamento do décuplo das perdas e danos, como apontado na lei, se não houve pedido do réu para adquirir a porção do imóvel? A questão transfere-se para o plano processual.

Diz S.S.V. que “... é necessário que haja pedido expresso nesse sentido, em reconvenção, se o procedimento o permitir, ou em ação autônoma.

Ato contínuo, o prof. faz um outro questionamento: “E se o invasor não tiver condições para suportar essa indenização? Pode o deslinde do pagamento ser deferido para uma problemática execução do julgado? O interessado poderia pedir uma caução para essa garantia. A solução, nessa circunstancia, apontaria, inexoravelmente, para a demolição. As soluções não são fáceis. A

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jurisprudência e os novos estudos sobre o tema devem apontar os rumos dessa inovação legal”.

O Art. 1.259 regulamenta a edificação que invade mais do que a vigésima parte do imóvel alheio, ou seja, trata-se de um complemento do dispositivo anterior.

“Art. 1.259. Se o construtor tiver de boa-fé, e a invasão do solo alheio exceder a vigésima parte deste, adquire a propriedade da parte do solo invadido, e responde por perdas e danos que abranjam o valor que a invasão acrescer à construção, mais o da área perdida e o da desvalorização da área remanescente; se de má-fé, é obrigado a demolir o que nele construiu, pagando as perdas e danos apurados, que serão devidos em dobro”.

Segundo S.S.V. “os critérios objetivos em matéria de indenização nem sempre dão a solução mais justa. É o que sucede nesses dois artigos. Neste último, quando a invasão é de monta, fixando a lei em superior a vigésima parte do solo alheio, o possuidor de boa-fé é aparentemente tratado de forma mais benéfica, adquirindo o terreno invadido, mas pagando indenização na forma descrita. Essas verbas serão evidentemente objeto de perícia complexa., tendo vista os tópicos descritos na lei: valor da área invadida, valor da área perdida e desvalorização da área remanescente. Em sede de trabalho pericial, o trabalho terá analogia com as desapropriações, pois a situação é muito semelhante. Quanto o invasor de má-fé, a lei determina que seja ele obrigado a demolir o que construiu em terreno alheio, pagando ainda o dobro das perdas e danos. Sob esse último aspecto, pode ocorrer que a demolição seja mais prejudicial do que a manutenção da construção. Note que este último artigo abrange a construção parcial, superior à vigésima parte, ou total em terreno alheio. O art. 1.258 reporta-se unicamente à construção parcial em terreno alheio, a qual, como regra, ocorre em terreno contíguo ou do invasor”.

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PONTO 14

AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

A definição e a compreensão de bens móveis pertencem ao estudo da parte geral do direito civil.

Os bens móveis nos tempos atuais tiveram nova dimensão em virtude da industrialização e o consumismo. Agiganta-se a evidência dos chamados bens de consumo, cada vez mais transitórios e descartáveis, mas vitais para a subsistência do homem atual. Entretanto, ainda reside no imóvel a vitalidade da economia privada e a soberania dos povos.

Aos bens móveis pela sua própria natureza está reservado o importante papel de circulação das riquezas. a dinâmica da sociedade.

S.S.V. afirma que a maioria das modalidades de aquisição da propriedade móvel descrita no Código perde importância em virtude de ser antiqüíssima. Comparando, o Código Civil em vigor com o novo CC nota-se que as modalidades foram repetidas, assim, não são de muita importância.

A primeira modalidade regulada pelo novo CC é o USUCAPIÃO preceitua o artigo 1260: “Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade”.

Nota-se que os requisitos exigidos para ocorrência do usucapião móvel são idênticos ao do usucapião imóvel. Senão vejamos: animus domini, posse mansa e pacífica, lapso temporal (3 anos) e justo título e boa-fé. Trata-se do usucapião ordinário de coisa móvel.

Embora com a tradição haja transferência de domínio, por vezes, terá o possuidor de coisa móvel necessidade de comprovar e regularizar a propriedade. Suponhamos a hipótese de veículo. Como toda coisa móvel, sua propriedade transfere-se pela tradição. O registro na repartição administrativa não interfere no princípio não interfere no princípio de direito material. No entanto, a ausência ou defeito no registro administrativo poderá trazer entraves ao proprietário, bem como sanções administrativas. Trata-se de caso típico que, não logrando o titular regularizar a documentação administrativa do veículo, irregular por qualquer motivo, pode obter a declaração de propriedade por meio de usucapião.

Às vezes pode haver necessidade de regularização e comprovação de propriedade de semoventes, pois muito animais de alto valor, como cavalos, cães, gado de alta linhagem possuem registro administrativo ou privado.

O art. 1261 do CC regulamentar o usucapião extraordinário, preceitua o dispositivo legal: “Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independente de título ou boa-fé”.

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Estabelece o artigo um prazo maior (5 anos), porém, dispensa o justo título, presumindo-se a boa-fé.O artigo 1.262 determina que se aplique ao usucapião das coisas móveis o disposto nos artigos 1.243 e 1.244.

“Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), CONTANTO QUE TODAS SEJAM CONTÍNUAS, PACÍFICAS...”.

Assim, a lei admite a acessão das posses ( ler usucapião. Sucessão. N.N.J p. 430.)

O artigo 1.244 do CC diz:”.....

Prevê que no usucapião ordinário e extraordinário das coisas móveis, há causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva da prescrição. (ler S.S.V. p. 193).

O proprietário pode valer-se da ação reivindicatória para haver sua coisa. Contudo, o usucapião pode eficazmente ser alegado como matéria defesa, como ocorre com os imóveis. Aliás, é muito mais comum que o usucapião nessas hipóteses seja alegada como defesa na contestação do que em ação específica.

Constituem coisas hábeis para o usucapião dos móveis tudo que puder ser objeto de posse. Pode também ser usucapidas coisas roubadas ou adquiridas de forma violenta, já que o usucapião extraordinário ignora o justo título e a boa-fé.

S.S.V. ensina que, “a maior dificuldade processual no usucapião de coisas móveis reside em saber contra quem promover o pedido, uma vez que a pretensão, em tese, é dirigida contra todos. Nessa hipótese de réu indeterminado, a sentença limita-se a declarar o domínio, homologando a pretensão. Cabe ao juiz, porém, exigir, a prova necessária, como por exemplo, certidão de inexistência de ações possessórias relativas ao bem descrito.

Sendo desconhecido o proprietário atual, emerge a dúvida sobre quem colocar no pólo passivo. A solução será, sem dúvida, a citação edilícia de réus desconhecidos, incertos e ausentes, hipótese em que determinará a presença do MP. Doutro lado, dirigida a ação exclusivamente contra anterior proprietário, pois outro interessado na coisa não existe, não há necessidade de intervenção do MP (JTACSP 120/125).

Geralmente a prova testemunhal será suficiente para a prova do usucapião. Todavia, não se dispensa até mesmo a possibilidade de prova pericial, se as circunstâncias da posse da coisa o exigirem.

OCUPAÇÃO

A ocupação é modo originário de adquirir e pelo qual alguém se apropria de coisa sem dono. Do ponto de vista histórico, o direito de ocupação foi o primeiro e o mais importante dos modos de adquirir o domínio. Atualmente,

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porém, mostra-se bastante restrita sua aplicação, porque extraordinariamente limitado o número de coisa sem dono.

O CC de 1916 regulava a ocupação nos arts. 592 e parágrafo único e 593 e seus incisos I, II, III e IV, contudo, o novo CC, em virtude da quase inexistência de coisa sem dono, disciplinou em único artigo o instituto da ocupação.

Preceitua o artigo 1.263. “Quem se assenhorear de coisa SEM DONO para logo lhe adquirir a propriedade, não sendo essa ocupação defesa em lei”.

O pressuposto da ocupação é que coisa não tenha dono. Nas sociedades primitivas, a princípio, as coisas não tinham dono. Delas apropriava-se o primeiro ocupante. O direito romano cristalizou a idéia de que res nullius pertence ao primeiro tomador. A coisa é sem dono porque nunca o teve ou porque houve abandono por parte do titular (res derelictae).Efetiva-se a propriedade pela apreensão da coisa, com a intenção do agente de tê-la como própria.

Em virtude de sua pouca aplicação prática, não passaremos para o estudo de outro instituto, porém, há discussão doutrinária por exemplo com relação ao momento da consumação da ocupação.

Discute-se, também, acerca sobre a possibilidade de estender-se a ocupação a bens imóveis (W.B.M. p. 176).

DO ACHADO DO TESOURO

A seguir o Código regulamenta o tesouro. Trata-se de coisa de valor encontrada em bem móvel ou imóvel, onde se encontrava oculta, sem relação jurídica com o titular, que não mais se sabe quem é, de cujo dono não haja memória.

“Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente”.

Embora o dispositivo refira-se à descoberta de coisas em imóvel, nada impede que o tesouro seja encontrado em bem móvel.

Fazendo uma interpretação sistemática, nota-se entre os artigos 1.265 e 1264, nota-se que este trata da descoberta em prédio alheio e, assim, o tesouro será dividido. Do mesmo modo, a regra não sofre exceção se o tesouro é achado em bem público. Se a coisa é achada em prédio sob condomínio, a metade do proprietário é dividida entre os condôminos. Se for condômino que achou, tem ele direito à metade que lhe cabe como descobridor. Se em condomínio em edifícios ou assemelhado, pertence ao condomínio a metade da coisa achada nas áreas comuns e ao condômino se achada em sua unidade autônoma. Se o tesouro é achado por inquilino, comodatário, depositário, etc., os quais detêm a posse imediata em razão do contrato, o mecanismo funciona como se estranhos fossem, não se alterando o artigo 1.264.

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Para o usufrutuário, existe regra específica §3º, artigo 1.392. Se o usufruto recai sobre universalidade ou quota-parte de bens, o usufrutuário TEM DIREITO À PARTE DO TESOURO ACHADO POR OUTREM, ...”.

S.S.V. afirma é difícil justificar a regra que determina a divisão do achado entre o descobridor e o dono do prédio. O tesouro é evidentemente coisa distinta do prédio, sem qualquer relação jurídica com seu proprietário, não havendo razão para beneficiá-lo pela atividade alheia. (p. 188, S.S.V. ler Guillermo Borda).

obs. para caracterização do tesouro, devem estar presentes, de acordo com a lei, os seguintes requisitos: ser o depósito de coisas móveis de certo valor; 2. a coisa encontrada deve estar enterrada ou oculta; 3. deve ser tão antigo de molde a não existir notícia de sua origem ou propriedade. É necessário que se trate de coisa sem dono.

O art. 1.265 prevê: “O tesouro pertence por INTEIRO ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado”.

S.S.V. sustenta que ocorre neste caso acessão. Adquire a propriedade da coisa achada porque está em seu domínio.

“Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor”.

“Enfiteuse é direito real de posse, uso e gozo pleno do imóvel, que o titular (enfiteuta) pode alienar, e transmite, hereditariamente, porém com a obrigação de pagar uma pensão anual (foro) ao senhorio direto” (N.N.J. p. 440).

S.S.V. sustenta que a enfiteuse é “o direito real limitado mais amplo existente, a enfiteuse contém em seu bojo a possibilidade de alienação do direito enfitêutico, sua transmissibilidade causa mortis, constituindo-se verdadeiramente em um quase-domínio”.

“A enfiteuse foi constituída para ocupação das terras, desempenhando importante função social, quando havia grandes espaços a serem ocupados e explorados. Os que não possuíam terras viam-se estimulados a essa modalidade de arrendamento perpétuo”.

DA TRADIÇÃO

Tradição é a entrega da coisa móvel ao adquirente, sendo tal ato caracterizador da transferência do domínio. Para o nosso ordenamento jurídico o contrato, por si só, não transfere a propriedade da coisa móvel.

Desse modo, não ocorrendo a tradição do móvel, o adquirente tem apenas ação pessoal, obrigação de dar ou entregar contra o alienante para haver a coisa, decorrente do contrato. Não a reivindica, porque ainda não é dono.

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Somente com a tradição, ou seja, com a entrega da coisa é que surge para o adquirente o direito real sobre a coisa.Adverte S.S.V. que “a tradição é ato ambíguo. Não somente serve para transmitir a propriedade, como também para transmitir unicamente a posse ou detenção. Importa analisar o caso concreto e intenção dos sujeitos”.

Assim, faz-se necessário buscar a intenção dos contratantes, para saber em que modalidade ocorreu a tradição.

O novo Código Civil regulamentou o tema nos arts. 1267 e 1.268 e §§.

Preceitua o “Art. 1.267 – A propriedade das coisas NÃO SE TRANSFERE PELOS NEGÓCIOS JURÍDICOS antes da tradição”.

Desse modo, é inquestionável que o contrato, isoladamente, não transfere a propriedade sendo imprescindível a tradição.

Diz o parágrafo único: “Subentende-se A TRADIÇÃO quando .....”.

O constituto possessório já foi por nós estudado, por ocasião do estudo da posse, trata-se de ato pelo qual aquele que possuía em seu nome passa a possuir em nome de outrem. Por ex., o proprietário aliena seu carro, mas permanece com ele a título de empréstimo. A cláusula constituti não se presume deve constar expressamente do ato, ou resultar de estipulação que a pressuponha.

Ler S.R. sobre as coisas quando estão na mão de terceiro, p. 189.

O artigo 1.268 reza: “Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade,...”.

A regra geral é a de que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. W.B.M. sustenta que “a alienação realizada por quem não é dono caracteriza crime de estelionato...”.

O artigo faz algumas ressalvas: “... exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, FOR TRANSFERIDA EM CIRCUSNTÂNCIAS TAIS QUE, o adquirente de boa-fé, como qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono”

Essa parte do artigo não tem correspondência com o CC 1.916. A obra de S.R. “atualizada” com o novo CC não fez qualquer interpretação desta parte do citado dispositivo. Do mesmo modo, N.N.J não nenhum comentário.

Embora, os doutrinadores citados tenham sido omissos, considerando a redação do artigo a situação de aparência de que seja aquele alienante dono da coisa deve sobressaltar, ou seja, qualquer um acreditaria que ele fosse o proprietário da coisa.

“§ 1º. Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante....”

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Segundo W.B.M. “por imposição da eqüidade, se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante vier a adquirir posteriormente o domínio, revalidar-se-á a transferência e essa revalidação processar-se-á ex tunc, desde o instante em que o ato se realiza”. Trata-se da “revalidação da tradição pelo domínio superveniente”.

A boa-fé deve ser examinada no momento da tradição.

“§ 2º Não transfere a propriedade a tradição, ...”.

Segundo W.B.M. a transmissão requer, simultaneamente, vontade e ato, a primeira, expressa na convenção, o segundo, na tradição. Se inexiste vontade, o ato perde também a sua significação, reduz-se a simples fato material, inapto para transferir o domínio.

S.S.V. adverte que “o que é nulo não pode produzir efeito. A questão atinente aos móveis é enfatizada, porque a tradição transmite a posse, e essa é exteriorização de propriedade na espécie mais notória do que nos imóveis, em que existe o crivo do registro imobiliário para a aquisição da propriedade”.

Há entre nós, a transmissão de propriedade móvel independente da tradição. Ex. no casamento realizado sob o regime de comunhão universal de bens. Na alienação fiduciária em garantia, instrumento utilizado para financiamento de bens, o domínio transfere-se ao adquirente fiduciário (instituição financeira), sem tradição real.

A doutrina afirma que existem três modalidades de tradição:

1. real que consiste na entrega material da coisa feita pelo alienante ao adquirente, ainda que por procuradores.

2. simbólica é tão-somente representativa não ocorre materialmente. Ex. A entrega das chaves de um veículo.

3. ficta quando decorrente do constituto possessório.

DA ESPECIFICAÇÃO

“Especificação é o modo de adquirir a propriedade, mediante transformação de coisa móvel em espécie nova, em virtude do trabalho ou da industria do especificador, desde que não seja possível reduzi-la à sua forma primitiva” (W.B.M.). S.S.V. que a especificação “... é muito importante, tendo em vista a criatividade humana. O artífice transforma o couro em calçados, a pedra em instrumentos, o ferro em utensílios, o barro em escultura etc”.

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Para ocorrer essa modalidade de aquisição da propriedade é necessário que aconteça o trabalho sobre a coisa móvel e a impossibilidade de seu retorno à espécie anterior. A relevância jurídica surge do fato de a matéria-prima ser alheia, total ou parcialmente.

Preceitua o artigo “1.269 Aquele que, trabalhando em matéria-prima em parte alheia, obtiver espécie nova, desta será proprietário, se não se puder restituir à forma anterior”.

W.B.M. afirma que “... é a união da matéria com o trabalho, como ocorre comumente na indústria e nas atividades manuais. O escultor, por exemplo, é especificador porquanto da pedra informe ele cria a estátua”.

Prosseguindo, W.B.M. afirma “coisa considerada como nova no trato mercantil em relação à matéria, nova será também no sentido jurídico. A novidade que o legislador tem em conta, no artigo 1.269, É A NOVIDADE NO SENTIDO ECONÔMICO,...”.

S.S.V. adverte que “Se a mão-de-obra for de valor consideravelmente superior ao material, a espécie nova deverá pertencer ao especificador, ainda que ele tenha agido de má-fé”. O artigo 1.270 regulamenta o caso que toda a matéria for alheia diz o dispositivo legal “Se toda a matéria for alheia, ...”.

O caput do artigo exige a presença de boa-fé para que a espécie nova pertença ao especificador.

O §§ 1º e 2º trata da má-fé advertindo:

“§ 1º Sendo praticável a redução, ou quando impraticável, se a espécie nova se obteve de MÁ-FÉ, pertencerá ao dono da matéria-prima.

“§ 2º Em qualquer caso, inclusive o da pintura em relação à tela, da escultura, (...), a m ateria prima será do especificador, SE O SEU VALOR EXCEDER consideravelmente o da matéria-prima”.

Sendo praticável, ou possível à redução à forma originária, ou quando, impraticável, o especificador que agiu de má-fé, o objeto novo pertencerá ao dono da matéria-prima.

Contudo, em qualquer caso, se o preço da mão-de-obra exceder, consideravelmente, o valor da matéria-prima, o objeto novo será do especificador. Cuida-se das hipóteses de acessoriedade da pintura em relação à tela; da escultura em relação à matéria-prima e da escritura e outro qualquer trabalho gráfico em relação à matéria-prima que os recebe.

S.S.V. ensina que o código se reporta ao preço de mão-de-obra, ou seja, atividade do artífice, e não o preço da coisa nova. No entanto, é evidente, que

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em se tratando de obra de arte, o preço da mão-de-obra confunde-se com o da própria obra. O artigo 1.271 diz “Aos prejudicados nas hipóteses dos arts. 1.269 e 1.270, se ressarcirá o dano que sofrerem, menos o especificador de má-fé,...”.

Em qualquer caso, indeniza-se pelo valor da matéria-prima perdida. No caso de má-fé, o especificador responde por perdas e danos.

DA CONFUSÃO, DA COMISTÃO E DA ADJUNÇÃO

Podem as coisas mesclar-se ou interpenetrar-se de tal maneira que não mais seja possível separá-las, desmembrá-las ou distingui-las. As coisas misturadas devem pertence a proprietários diferentes.

Haverá confusão se a mistura ocorrer entre coisas líquidas.

Existe a comistão entre coisas sólidas ou secas.

E a adjunção dar-se-á quando apenas ocorre a justaposição de uma coisa a outra, impossível de serem destacadas.

Em qualquer dos casos o fenômeno, em regra, haverá de ser involuntário ou fortuito, pois se foi estabelecido por vontade das partes, incumbe-lhes disciplinar o regime jurídico ou partilha, pelos princípios contratuais.

A doutrina entende essas três modalidades como formas de acessão de coisa móvel a coisa móvel. W.B.M. diz que, na realidade, só existe acessão na confusão (mistura de coisas líquidas), na comistão ou adjunção ocorre união sem acessão.

Do ponto de vista legal, entretanto, a mistura de coisas liquidas e sólidas, bem como a justaposição de uma coisa a outra, submete-se ao mesmo tratamento jurídico.

S.S.V., exemplifica, as seguintes situações de fato: da junção de vinhos de duas espécies (confusão); café de duas qualidades (comistão); da solda de uma peça a um motor (adjunção).

O artigo 1.272 reza: “As coisas pertencentes a diversos donos, CONFUNDIDAS, MISTURADAS OU ADJUNTADAS sem o consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possível separá-las sem deterioração”.

A regra geral consoante dispõe o dispositivo legal é o estabelecimento de condomínio entre os vários titulares. Se for possível a separação, líquidos de densidades diferentes, como óleo e vinagre, por exemplo, as coisas voltam aos respectivos donos. O condomínio estabelecido extingue-se.

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Quando a separação for IMPOSSÍVEL, ou MUITO DISPENDIOSA, manter-se-á o condomínio pro indiviso, condomínio forçado, mantendo cada titular seu quinhão proporcional sobre o todo. Conforme reza o § 1º, do artigo 1.272: “não sendo possível a separação das coisas,ou exigindo dispêndio excessivo, ...”.

S.S.V. afirma que se uma das partes insiste na separação das coisas ainda que muito dispendiosa, deve o juiz decidir no caso concreto, impondo à parte insistente as despesas pela separação, pois a lei não autoriza, na hipótese, a proporcionalidade dos custos.

“Quando uma das coisas puder ser considerada principal em relação à outra, como a incrustação de pedras preciosas em metal, por ex., o bem pertencerá ao dono do principal que indenizará pelo acessório, ex vi § 2º, art. 1.272. “Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono ....”.

obs.: a adjunção somente permite a propriedade exclusiva se um dos objetos puder ser considerado principal em relação ao outro; caso contrário, subsiste a regra do condomínio forçado.

Como regra geral de direito evitar-se-á a ocorrência do injusto enriquecimento. Para tanto, preceitua o artigo 1.273 “Se a confusão, comissão ou adjunção se operou de MÁ-FÉ,...”.

Assim, a parte que agiu de boa-fé, perante outra de má-fé, pode escolher entre guardar o todo, pagando a parte que lhe for estranha, ou então optará em renunciar ao todo, recebendo o valor do que perdeu mais perdas e danos.

W.B.M. ensina: “se o ato se acha, porém, inquinado de má-fé, assiste então à outra parte, isto é, àquela que não concorre para o novo estado de coisa, opção (p. 188).

Se com a mesclagem resultar espécie nova, aplicar-se-ão os princípios da especificação (art. 1.274).

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PONTO 15

PERDA DA PROPRIEDADE

O artigo 1.275 disciplina a perda de propriedade dizendo:

“Além das causas consideradas neste código, também se perde a propriedade:

I – por alienação;II – pela renúncia;III – por abandono;IV – por perecimento da coisa;V- por desapropriação”.

Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis”.

Nota-se pela leitura do artigo que o não-uso da propriedade não acarreta a sua perda.

Nessa direção, o professor SILVIO DE SALVO VENOSA ensina: “O não-uso por si só não gera a perda da propriedade pela própria natureza do direito real. Não é a prescrição extintiva que faz perder a propriedade. Não importa o tempo no qual o proprietário não se utiliza da coisa, isto não lhe subtrai o título dominial. O fato positivo do usucapião, a prescrição aquisitiva, esta, sim, gera a propriedade em favor de outrem”7.

No mesmo sentido, Washington de Barros Monteiro adverte: “Até que se opere o usucapião, o domínio pertence ao proprietário desapossado. Aliás, em regra, direito algum se perde pelo não-uso, que se não confunde com prescrição”.

A redação do caput demonstra que existem outras causas de perda da propriedade imobiliária, além das expressamente indicadas. O usucapião e a acessão, por ex., são meio de adquirir o domínio para o usucapiente e para aquele em favor que se efetua a acessão, e modos de perder a propriedade para o antigo dono do imóvel e para o que sofre os efeitos desse último fato jurídico.

Há ainda outras causas. Por ex., o casamento sob o regime da comunhão universal de bens, adquire-se a propriedade. De conseguinte, a dissolução da sociedade conjugal será modo de perdê-la, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.

Logo, portanto, o art. 1.275 do CC é exemplificativo.

Analisaremos as quatro hipóteses previstas no referido artigo.

7 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito Reais. v. 4., São Paulo : Atlas, 2.002, p. 232.

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Perda por ALIENAÇÃO: é o ato pelo qual o titular transfere a outra pessoa sua propriedade. Ela pode consumar-se a título gratuito, como a doação, e a título oneroso, como a compra e venda, dação em pagamento etc.

Para Washington de Barros Monteiro e SILVIO DE SALVO VENOSA pode ainda ocorrer a perda pela alienação de forma compulsória, por ex., pela arrematação em hasta pública.

Discordando de tal posicionamento SILVIO RODRIGUES E MARIA HELENA DINIZ que alienação é ato voluntário de disposição do bem, logo, a arrematação não se encaixa como espécie do gênero alienação.

Há de se destacar que a alienação, por si só, não basta para transferir a propriedade necessitando que a ela se adicione a formalidade da transcrição do título aquisitivo no Registro Imobiliário, conforme expressamente preceitua o parágrafo único do art. 1.275 do CC.

RENÚNCIA.

W. B. M. e S.R. definem como um ato unilateral pelo qual o titular, de modo expresso, abre mão de seus direitos.

Já M.H.D. citando Orlando Gomes acrescenta no conceito que abdicação deve ocorrer em favor de terceira pessoa que não precisa manifestar sua aceitação.

S.S.V. afirma que “renunciar implica abdicar, abrir mão de direitos. Em sentido estrito, renúncia é o ato jurídico pelo qual alguém abandona um direito, sem transferi-lo a outrem . É ato unilateral. Independe, portanto de aceitação. Além, de unilateral, é irrevogável e não se presume, dado o seu caráter, devendo ser expressa”.

Prosseguindo o civilista sustenta “a renúncia em favor de outrem refoge ao sentido do instituto porque traduz alienação”.

A definição de S.S.V. é a mais adequada, porque quando nós indicamos um terceiro, como sustenta a professora Maria Helena Diniz, nós não estamos rejeitando (significado do termo renúncia segundo o dicionário) o bem e, sim, transferindo-o a outrem, ou seja, configurando uma alienação.

O CC dispõe no artigo 108 que a escritura pública é essencial também para renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Comentando o tema, S.S.V. diz que não será usual “que isso venha ocorrer, salvo quando o proprietário tiver uma razão especial. Quem não mais pretende manter como seu um imóvel, na prática, o abandona. Não formaliza escritura de renúncia. No entanto, nada impede que o faça.

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Imagine-se a hipótese de imóvel invadido constantemente, sujeitando seu proprietário a permanentes transtornos. Pode ele renunciar expressamente à propriedade por escritura pública, registrando-a. Nesse sentido, é a opinião de Sílvio Rodrigues (1984, v. 5:171), entendendo que a escritura pública de renúncia de imóvel pode ser exigida em casos particulares”.

S.R. aduz que a forma mais freqüente de renúncia ocorre no caso sucessão aberta (art. 80, II, 1784 e 1806 do CC). Nota-se pela leitura do artigo 1806 que o aperfeiçoamento do ato depende do termo nos autos ou da escritura pública.. Imaginemos a seguinte situação: João pretendendo não pagar seus credores renuncia sua cota hereditária. Este ato é válido? Justifique sua posição. art. 1.813.

Abandono.

Ensina S.S.V. que “no abandono ou derrelição , o proprietário desfaz-se do que lhe pertence sem manifestar expressamente sua vontade . Derrelição é ato de disposição. O abandono é percebido pelo comportamento do titular. É preciso, no entanto, avaliar se existe voluntariedade. O fato de o proprietário não cuidar do que é seu por período mais ou menos longo não traduz de per si abandono. (...). Importante investigar a intenção de despojar-se da propriedade. Como também se trata de ato de disposição de direitos, na dúvida o abandono não se presume”.

A doutrina faz a distinção entre o abandono e a renúncia, advertindo que nesta, o sujeito do direito manifesta expressamente sua vontade, naquele, o titular apenas larga o que é seu, com a intenção de não o ter mais em seu patrimônio.

Analisando a inserção nos incisos II e III do artigo 1.275 de tais institutos, conclui-se que o CC também os tratou de forma distinta. Porém, há previsão legal em que a diferença parece inexistir.

S.S.V. adverte que para ocorrência do ato de abandonar “é necessário o poder de dispor. Quem não possui poder de dispor, quem não é dono ou não possui capacidade de atuar pessoalmente na vida civil não pode abandonar. Prossegue o professor citando Pontes de Miranda,“o relógio que o louco joga na rua, ou a caneta que o menor de dezesseis anos deixou ficar no banco do jardim, propositadamente, não é ‘res nullius’”. “Nada impede, contudo, que se outorgue a outrem poderes de abandonar. Trata-se igualmente de ato unilateral”.

Em virtude do cuidado que se deve ter com as coisas abandonadas, o CC determina que os bens imóveis abandonados sejam arrecadados como

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bens vagos (art. 1.276). Porém, qualquer pessoa pode apropriar-se da coisa abandonada é dela iniciar sua posse jurídica.

Diz o art. 1.276. “O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecado, como bem vago , e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

“§ 1º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, poderá ser arrecado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade da União, onde quer que ele se localize.

“§2º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus ficais”.O imóvel abandonado pode ser ocupado por qualquer pessoa e, nesse caso, torna-se inviável a arrecadação pelo Estado. O ocupante toma-lhe a posse e não a propriedade, a qual requererá o lapso temporal do usucapião.

obs. mesmo que iniciado o processo de arrecadação, durante o prazo fixado em lei (3 anos), pode o proprietário reivindicá-lo.

Perecimento da coisa

A propriedade, em última análise, é o poder da pessoa humana sobre a coisa. Se esta perece, ou desaparece, se extingue o direito por falta de objeto.

S.S.V. leciona “desaparecendo o objeto da propriedade, por força natural ou intervenção humana, não existe mais direito, por lhe faltar objeto. Trata-se de modalidade involuntária da perda da propriedade. O campo tomado definitivamente pelas águas ou o móvel destruído pelo incêndio desaparecem para a realidade e para vida negocial”.

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Ponto 16

DESAPROPRIAÇÃO

Afirma S.S.V. que “a matéria sobre desapropriação pertence tanto ao direito civil, como ao direito administrativo. Obedece a princípios constitucionais e possui importante disciplina processual. Como verificamos, é assunto que exige estudo de quatro disciplinas jurídicas”.

Já W.B.M. sustenta que “a desapropriação é instituto de direito público, fundado no direito constitucional, responsável pela sua existência, mas que no direito administrativo encontra desenvolvimento e justaposição com a vida social. Interessa, contudo, igualmente, ao direito civil, cuja teoria sobre a perda da propriedade incompleta ficaria, se não prevista a desapropriação”.

S.R. afirma que “é um ato unilateral, mais de direito público que de direito privado, por meio do qual o proprietário é obrigado a entregar aquilo que lhe pertence, mediante prévia e justa indenização em dinheiro”, ou em títulos da dívida pública. (lê posição de Serpa Lopes, p. 178).

O novo CC também prevê a perda da propriedade pela desapropriação (art. 1.275).

A CF 88, garante o direito de propriedade (art. 5º, XXII), contudo, no mesmo dispositivo cuida do procedimento expropriatório (inc. XXIV).

O fundamento da desapropriação está relacionado à utilização social da propriedade. Esta deve passar ao domínio do Estado em razão de interesse social que supera o interesse individual.

A iniciativa da desapropriação pode emanar da União, dos Estados e dos Municípios, como, também, mediante autorização legal, dos concessionários de serviços públicos. Trata-se de uma limitação ao direito de propriedade, assegurando ao Estado extingui-lo ou restringi-lo. Sua maior importância é dedicada aos imóveis. Possível, contudo, que sejam desapropriados bens móveis corpóreos e incorpóreos.

Possui natureza jurídica especialíssima. Não representa confisco, já que não existe em nosso direito positivo esse modo de perder a propriedade, salvo a hipótese do art. 243 e parágrafo único da CF, que, além do mais, independe do pagamento de qualquer indenização; não constitui compra e venda, porquanto, esta é voluntária, ao passo que a desapropriação implica alienação compulsória, por ato unilateral da Administração.

S.S.V. sustenta que ângulo civilístico a natureza jurídica da desapropriação é modalidade de perda da propriedade; do ponto de vista publicístico, caracteriza-se por um processo administrativo pelo qual o Estado, ou poder delegado, adquire a propriedade, mediante indenização. Trata-se de uma aquisição coativa da propriedade pelo Estado. (p. 238 S.S.V. cita Hely Lopes Meirelles).

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Trata-se, segundo S.S.V. de modo originário da propriedade, porque é desprezado o título anterior. O título gerado no procedimento administrativo ou no processo expropriatório é registrável por força própria. É dispensada a existência de registro anterior. Inexistindo matrícula, esta será aberta por ocasião do registro do título expropriatório.

Como decorrência de ser meio originário de aquisição da propriedade, o processo pode ter curso independente de a Administração conhecer quem seja o proprietário do bem expropriado. No processo expropriatório, não questionamos o domínio. Apenas discutimos o preço e eventuais nulidades processuais. Ainda que a indenização tenha sido paga a terceiro, que não o verus dominus, não é inválido o ato. O artigo 35 do Decreto-lei nº 3.365/41 dispõe:

“Os bens expropriados, uma vez incorporado à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.

Se o poder público desapropria com desvio de finalidade ou abuso de poder, afastando-se dos princípios constitucionais, de utilidade ou necessidade pública, ou do interesse social, cabe ao prejudicado acionar o Estado em ação autônoma, pois a questão não pode ser trazida ao bojo do processo expropriatório. Presentes os pressupostos, viável mostra-se o mandado de segurança. Caso contrário, havendo necessidade de produção de provas, cabe ao expropriado recorrer às vias ordinárias.

Modalidades de Desapropriação

Preceitua a Constituição Federal:

“Art. 5º - ..................................

“XXIV- a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por NECESSIDADE ou UTILIDADE pública, ou por INTERESSE SOCIAL, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

“Art. 184. Compete à UNIÃO desapropriar por INTERESSE SOCIAL, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em TÍTULOS DA DÍVIDA AGRÁRIA, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

No inciso XXIV e no artigo 184 estão os pressupostos para desapropriação “a necessidade pública, a utilidade pública e o interesse social”. Nos dois primeiros casos, resguarda-se a “justa e prévia indenização em dinheiro”. No último, o pagamento será em títulos da dívida pública.

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Segundo a doutrina as três modalidades de expropriação podem ser resumidas no conceito de utilidade pública. Todavia, o legislador preferiu tripartir as modalidades.

S.S.V. define:

A desapropriação por necessidade pública denota urgência em obras ou atividade do Estado que determinam a pronta transferência do bem privado à administração.

A utilidade pública demonstra a conveniência de apropriação do bem, sem que seja urgente ou imprescindível.

O interesse social é aquele que efetivamente permite ao Estado buscar o sentido social da propriedade. Decorre de circunstâncias para melhorar a distribuição e fruição da propriedade privada. Os bens desapropriados por interesse social não se destinam a órgãos da Administração, mas à coletividade.

A desapropriação para fins de reforma agrária somente a UNIÃO TEM COMPETÊNCIA.

O art. 186 da Const. Federal descreve o que se deve entender por função social da propriedade rural, estabelecendo critérios ao legislador ordinário. O art. 185, no entanto, exclui a possibilidade para fins de reforma agrária a pequena e média propriedades rurais. (ler os arts.). A Constituição Federal também prevê política de desenvolvimento urbano executada pelo poder público municipal podendo ser exigido do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova o seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, a) de parcelamento ou edificação compulsórios; b) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, progressivo no tempo, e c) desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais (art. 182, § 4º e incisos).

Poder Expropriante – Entre nós, a desapropriação pode ser decretada pela União, pelos Estados, pelos Municípios, e pelos Territórios (Dec.-Lei nº 3.365/41, art. 2º).

Há de se destacar, todavia, que o legislativo também está autorizado, pelo Dec.-Lei 3.365/41 a tomar iniciativa de desapropriar, cumprindo ao executivo, nesse caso, praticar atos necessário à sua efetivação (art. 8º).

Além do poder público propriamente dito, podem também desapropriar os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público, ou que exercem funções delegadas, de interesse geral. Nesse caso, porém, dependem de autorização expressa, constante de lei ou contrato (art. 3º). Não

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basta, contudo, disponham em tese da faculdade de desapropriar. Tornar-se indispensável ainda que, em caso concreto, exista decreto da autoridade pública competente, declarando a utilidade pública dos bens expropriados. (ler W.B.M. p. 166)

O art. 5º do Decreto-lei nº 3.3.65/41 elenca as hipóteses consideradas de utilidade pública: (ler S.S.V. 205).

O que pode ser desapropriados – Geralmente a desapropriação versa a respeito de bens imóveis. Todavia, os móveis também estão sujeitos a ser objetos de desapropriação. Assim, não só as coisas corpóreas, tais como aviões e navios, como também os bens incorpóreos, como os títulos de créditos, como as ações das sociedades anônimas.

Os bens públicos também podem ser desapropriados pelos entes públicos superiores em relação aos inferiores: a União pode desapropriar bens dos Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios; os Estados podem desapropriar bens dos municípios (art. 2º, § 2º, do Decreto-lei nº 3.365/41).

atenção: a propriedade rural produtiva não pode ser expropriada. O art. 182, § 4º, da CF somente permite a desapropriação de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.

“Declaração Expropriatória – A declaração de utilidade pública ou de interesse social deve emanar de lei ou decreto identificador do bem e de sua destinação. Tratando-se na maioria das vezes de ato tipicamente administrativo, geralmente é emanado de decreto do Poder Executivo. Observa Hely Lopes Meirelles (1988:153) que a possibilidade de desapropriação pelo Legislativo (art. 8º da lei expropriatória) é anomalia em nossa legislação por ser tal ato caracteristicamente de administração.

“A declaração expropriatória gera efeitos que não se confundem com a expropriação em si mesma. Trata-se apenas de ato-condição, autorizador do procedimento material que culmina com a aquisição do bem pelo ente estatal. Essa aquisição pode decorrer de acordo administrativo ou de processo judicial. Enquanto não iniciado o processo administrativo ou o processo judicial, o decreto expropriatório não produz efeito jurídico, mantendo a propriedade sua perfeita higidez, porque ainda pode ser revogado e pode não ser levada a cabo a desapropriação. A caducidade da declaração de desapropriação ocorre em cinco anos para as hipóteses de necessidade ou utilidade pública (art. 10 do Decreto-lei nº 3.365/41) ou em dois anos para as de interesse social (art. 3º da Lei nº 4.132), somente sendo renovadas em ambas as hipóteses após um ano do decurso do prazo decadencial”.

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Processo de desapropriação.

A desapropriação pode realizar-se amigavelmente, por acordo entre expropriante e expropriado, e objetivado numa escritura pública para o subseqüente registro imobiliário, se se tratar de imóvel. Caso não haja acordo entre os interessados, haverá, então, processo judicial, que segue o rito procedimental estabelecido pelo Decreto-lei nº 3.365/41, aplicando-se subsidiariamente os princípios do CPC.

A lei expropriatória, no art. 9º, veda ao Poder Judiciário examinar e decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública. (S.S.V. 242 – ler decisão).

W.B.M. afirma que só mediante ação direta do expropriado poderá o juiz analisar a legalidade do ato declaratório da necessidade ou utilidade pública. Não cabe tal exame em mandado de segurança.

Posição mais maleável adota S.S.V. que diz “há situações de extremo abuso de poder e desvio de finalidade que não podem desamparar o jurisdicionado. Nem sempre o mandado de segurança ou a via ordinária conseguirá a reparar o dano em tempo oportuno. Há julgados que admitiram a discussão da higidez do ato administrativo no bojo do processo (RSTJ 13/172). Isso, no entanto, não ser tomado como regra. As questões atinentes a desvio de finalidade do ato expropriatório pertencem ao estudo do direito administrativo, porém nada mais são do que abuso de direito praticado pela autoridade pública.

A regra geral no processo de desapropriação é o julgador limitar-se ao exame extrínseco e formal do ato administrativo, discutindo-se o justo preço”.

A desapropriação, quando necessita da intervenção do Estado-Juiz, constitui processo judicial de natureza peculiar, com o fim específico, a incorporação do bem ao patrimônio do expropriante e a fixação do quantum da indenização.

W.B.M. sustenta que embora o artigo 39 do Decreto-lei fale em ação de desapropriação, na verdade o processo expropriatório não é uma ação propriamente dita, pois nele não se reclama a condenação do expropriado. Igualmente, não é ato de jurisdição voluntária, pois se instaura em virtude do desacordo havido entre os interessados. Desse modo, trata-se de processo judicial de natureza peculiar.

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PONTO 17

DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA

Buscando primeiro demonstrar a relevância da matéria, faremos a leitura de dois arestos do Tribunal de São Paulo, que se encontra na obra de S.R. pág. 132.

“No primeiro aresto, julgou aquela Corte parcialmente procedente a ação promovida pelos vizinhos de uma serraria contra esta, na qual reclamavam a cessação de suas atividades, pois os ruídos e a trepidação, oriundos do exercício normal do trabalho da ré, eram insuportáveis. Entendeu o Tribunal que, em se tratando de fábrica situada em zona mista, os moradores de prédios residenciais vizinhos tinham que suportar os ruídos normais produzidos no período diurno; mas, não eram obrigados a suportá-los durante a noite; de modo que ordenou a cessação das atividades da fábrica no período noturno” (Rev. dos Tribunais, 228/115).

“No segundo acórdão, os vizinhos de importante hotel da cidade de Santos reclamavam contra as fumaças, fuligens e partículas emitidas por chaminé de aquecimento de água do referido estabelecimento, que não só ameaçam a saúde dos autores, como sujavam e danificavam os móveis e alfaias que guarneciam suas residências. A Corte cominou multa à ré para o caso de não instalar aparelhos antifuligínicos, capazes de evitar incômodo” (Rev. dos Tribunais 277/413).

Da leitura das decisões do Tribunal de São Paulo, nós chegamos as seguintes conclusões:1. o direito de vizinhança visa regular os conflitos de interesses que podem ocorrer na convivência decorrentes da proximidade ou interferência entre prédios;2. não precisam necessariamente ser imóveis contíguos, ou seja, divisórios;

Quando estudarmos o direito de propriedade, nós vimos que ela sofre numerosas restrições, entre elas avultam as ditadas relações de vizinhança.

As regras de vizinhança visam harmonizar a vida em sociedade e o bem-estar de todos. A propriedade deve ser usada de tal maneira que torne possível a coexistência social. Se assim não se procedesse, se os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimitado, não poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam no entrechoque de suas várias faculdades.

O art. 1.277 “O proprietário, ou possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha”.

O dispositivo legal, visa reprimir o uso abusivo da propriedade, que pode exteriorizar-se de três formas: ofensa à segurança pessoal ou aos bens, ofensa ao sossego e ofensa à saúde.

São ofensas à segurança pessoal, ou dos bens, todos os atos que possam comprometer a estabilidade e a solidez do prédio, bem como a incolumidade de seus habitantes.

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Ex. indústrias perigosas: como a de explosivo e inflamáveis, o funcionamento de indústrias que provoquem trepidações excessivas, capazes de produzir fendas no prédio, e armazenamento de mercadorias excessivamente pesadas, acarretando o recalque do terreno, as escavações muito profundas, a existência de árvores de grande porte, que ameaçam a tombar na propriedade.

São ofensas ao sossego ruídos exagerados que perturbam ou molestam a tranqüilidade dos moradores, como gritarias e desordens, diversões espalhafatosas, bailes perturbadores, artes rumorosas, barulho ensurdecedor da indústria vizinha, emprego de alto-falantes de grande potência nas proximidades de casas residenciais para transmissão de programas de radiofônicos.

LER. DECISÃO – S.R. – pág. 128 – rodapé 132.

São ofensas à saúde as emanações de gases tóxicos, as exalações fétidas, a poluição de águas pelo lançamento de resíduos, a presença de substâncias putrescíveis ou de águas estagnadas e o funcionamento de estábulos ou de matadouros.

Resumindo, tudo que possa, de modo geral, afetar a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos representa uso nocivo da propriedade. Preferiu nosso legislador a comodidade de um texto genérico e amplo – que se traduz pela expressão “interferências prejudiciais”-.

Há de se registrar de que mesmo o uso lícito, desde que prejudicial pelo seu exagero, pela deformação, vindo assim causar malefícios, incide a proibição legal.

W.B.M. (pág. 131) adverte de que os limites da normalidade entra na categoria dos encargos ordinários da vizinhança. Porém, o que seria limite normal? Como se afere essa limitação?

S.R. (pág. 126) diz: O juiz é que, tendo em vista a gravidade do incômodo, deverá julgar se ele é normalmente tolerável, ou não. E, para assim decidir, cumpre ter vista um homem normal, sem a dureza de pugilista, nem a hipersensibilidade de um Marcel Proust.

W.B.M. em sua obra – pág. 131 – transcreve, resumidamente, vários julgados, os quais a leitura nos fará melhor compreender o nosso estudo.

pág. 128/129. S. R. AÇÃO MOVIDA CONTRA UM CABARET – SP.

Essa decisão nos dá idéia de pré-ocupação – trata-se de se considerar quem primeiro ocupou o local. Dando a ele uma destinação. De maneira que as pessoas vieram mais tarde instalarem-se em tal vizinhança, cientes dos inconvenientes que as ameaçariam, nada podem reclamar.

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Tal concepção, em sua generalidade, é falsa, pois não se pode admitir que um proprietário tenha o direito de impor, aos ocupantes posteriores, a sua atividade prejudicial, fixando a todo um bairro, ou zona, determinada atividade.

O jurista SAN TIAGO DANTAS sobre o tema adverte. “A teoria da pré-ocupação teve crédito nos tribunais durante longo tempo e foi adotada por grandes autores, mas a reação contra o seu emprego como regra teve forças para desacreditá-la. De fato, é admissível que em alguns casos a anterioridade de ocupação seja levada em consideração por um juiz ao medir a tolerância que certo vizinho deve ter em relação ao incômodo que se queixa. Mas, daí a fazer da anterioridade um título, fundado no qual um proprietário impõe aos ocupantes posteriores a sua atividade prejudicial, vai grande distância tanto teórica como prática”.

Na análise de uma questão envolvendo o direito de vizinhança contido no artigo 1.277 do CC, ensina a doutrina que vários deverão ser sopesados. A saber:

1. O bairro que a indústria se situa (se residencial ou não);2. Quem primeiro chegou no local (pré-ocupação);3. A natureza do incômodo (se atinge a esfera interna do prédio adjacente);4. O grau de tolerabilidade;5. A possibilidade de sua atenuação ou remoção; e,6. O interesse público.

Nesse sentido, o parágrafo único do art. 1277 determina: “Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança”.

Os “limites ordinários de tolerância” serão analisados no caso concreto, ou seja, mais uma vez, depende do bom critério adotado pelo magistrado. Desse modo, por ex., um nível de ruído que é tolerado próximo uma avenida de trânsito intenso não é o mesmo daquele em bucólica paisagem de campo.

obs. a ação pode ser proposta: proprietário, locatário, usufrutuário e de maneira geral a todo aquele que possui, detém o utiliza a coisa.

Ensina a doutrina que “os julgados buscam no conceito de exercício normal do direito os fundamentos para solução dos conflitos de vizinhança. Foi esse conceito trazido expressamente para o novo Código. O princípio do uso normal é aplicação da teoria o abuso do direito, sem dúvida. É critério válido. Nem sempre, porém, a nocividade ou anormalidade decorrerá de uso abusivo de direito. Pode ocorrer uso anormal, mas socialmente necessário. A interferência é justificada pelo interesse público, como anota o artigo 1..278 do novo Código. O uso anormal, sem justificação e sem interesse coletivo, deverá ser coibido (Wald, 1991:158)8”.

8 Venosa, Silvio de Salvo. Direito Civil : direitos reais. v. 5, 2ª ed. – São Paulo : Atlas, 2.002, p. 330.

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“Art. 1.278. O direito a que se refere o artigo antecedente não prevalece quando as interferências forem justificadas por interesse público, caso em que o proprietário ou o possuidor, causador delas, pagará ao vizinho indenização cabal”.

Conforme determina o dispositivo legal, havendo interesse coletivo o incômodo continuará, porém, paralelamente deverá o causador de tal situação indenizar sua vizinhança para remediar o transtorno causado.

Desse modo, na atividade de vizinhança há duas premissas o interesse público e o social. Existindo, assim, dois aspectos que se interpenetram em sede vizinhança: regras de direito privado e de direito público.

Entretanto, independente da origem, o interesse nunca se afastará do verdadeiro equacionamento da utilização efetiva e eficiente da propriedade individual em um contexto de proteção social ampla, almejado pela Constituição.

Cabe destacar que, a manutenção do incômodo, prevista no artigo 1.278 do CC, somente pode ser autorizada em ÚLTIMA HIPÓTESE, quando se torna impossível sua paralisação ou mitigação. Destarte, por ex., os efeitos da emissão de gases poluentes podem ser mitigados com filtros e técnicas mais modernas.

Nessa direção, é que preceitua o artigo 1.279: “Ainda que por decisão judicial devam ser toleradas as interferências, poderá o vizinho exigir sua redução, ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis”.

Assim, quando o desenvolvimento tecnológico o permitir, o proprietário pode, a qualquer momento, exigir a redução ou eliminação do incômodo, não se levando em conta, nesse aspecto, a coisa julgada, como em tantas outras situações nas quais há alterações de fato relevantes a serem consideradas.

Preceitua o artigo 1.280. “O proprietário ou possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente”.

Tal dispositivo contempla a hipótese de prédio que se encontra em ruína e cuja ameaça de desabamento, parcial ou total, possa causa dano ao prédio vizinho.

Na preservação do direito ameaçado, a lei confere ao seu titular ação para exigir do proprietário a demolição, a reparação ou a caução pelo dano iminente. Trata-se, portanto, da possibilidade e potencialidade da ocorrência do dano, e não do dano consumado.

O artigo 1.281 é um desdobramento do dano infecto e vem aclarar dúvidas que por vezes se levantou na jurisprudência. Diz o citado artigo que:

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“O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra os prejuízos eventuais”.

Ler decisão de S.S.V. p. 335 – nota de rodapé.

Das árvores limítrofes.

A lei prevê três diferentes hipóteses de conflitos derivados de árvore limítrofes, nas relações de vizinhança: na primeira, cuida das árvores nascidas nos confins (na divisa) entre dois prédios; na segunda, figura o caso de invasão de um prédio pelos ramos e raízes da árvore pertencente ao prédio contíguo; e, na terceira, regula, a questão da propriedade dos frutos caídos de árvore situada em terreno vizinho.

Obs. Os dispositivos referem-se indistintamente às árvores semeadas ou plantadas, ou que nasçam espontaneamente. Alude ainda não só às árvores propriamente ditas, como aos arbustos, trepadeiras e outras vegetações. Por fim diz, respeito a qualquer espécie de árvore, frutífera ou infrutífera.

O artigo 1.282 estabelece presunção de condomínio da árvore cujo tronco estiver na linha divisória de prédios confinantes.

“Art. 1.282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes”.

Nesse artigo a lei dá a solução para árvore situada na divisa. Pontes de Miranda chama esta figura de árvore-meia, de maneira que a cada proprietário, dos prédios confinantes, pertence a metade da coisa. Desse princípio legal, decorrem as conseqüências seguintes: a) – cortadas ou arrancadas, devem ser elas repartidas entre os proprietários confinantes; b) igualmente se partilham os frutos pela metade, quer tombem naturalmente, quer provocada sua queda, quer haja colheita; c) também são comuns os dispêndios com o corte da árvore, desde que necessário, assim com a respectiva colheita; Se a sua presença estiver causando prejuízo, pode o proprietário prejudicado reclamar-lhe o talho.

O nosso sistema legal vem a ser o seguinte: se o tronco se acha na linha divisória, a árvore é comum; se se encontra, todavia, num dos imóveis, exclusivamente, pertencerá ao proprietário respectivo, ainda que as raízes penetrem na propriedade contígua. No direito romano, o sistema era diferente; a penetração das raízes na propriedade contígua tornava a árvore comum.

O artigo 1.283 reza: “As raízes e ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido”.

A solução da lei é rigorosa, nesse artigo, pois abriga um dos poucos casos de defesa direta de direitos; com efeito, o dono de prédio invadido é

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dispensado não apenas de dar ciência ao seu confinante, a lei não leva em conta as conseqüências de seu procedimento.

É irrelevante que do corte das raízes ou ramos invasores resulte a morte da árvore, pois, quer isso aconteça, quer não, escapa o proprietário que as podou da obrigação de indenizar.

Ensina Pontes de Miranda que o vizinho tem não apenas o direito de cortar os ramos e raízes invasores, como o de apropriar-se dos mesmos. Eis sua frase: “Os galhos e raízes da árvore, que o vizinho cortou, são seus e só seus”.

No mesmo sentido S.S.V. adverte: “... É direito imprescritível potestativo, exercitável enquanto durar a situação de fato. (...). Não somente cortar ramos e raízes, mas também deles tornar-se proprietário. Cuida-se de outra modalidade originária de aquisição de propriedade”.

“Art. 1.284. Os frutos caídos de árvore no terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular”.

O dispositivo legal atribui o domínio dos frutos caídos da árvore em terreno vizinho, não ao proprietário da árvore, mas, do solo onde tombaram. Tal solução foge à lógica do sistema do Código e desobedece a regra, segundo a qual o acessório segue o principal.

Nós vimos lá no art. 1.232 de que “os frutos e mais produtos da coisa pertencem, ainda quando separados, ao seu proprietário, salvo se, por preceito jurídico especial, couberem a outrem”.

A exceção prevista no art. 1.284 do CC visa evitar contendas, que certamente se apresentariam cada vez que o dono da árvore quisesse entrar no terreno confinante para apanhar os frutos ali caídos. Se estes, por disposição de lei, pertencem ao dono do solo onde caírem, a questão não mais se propõe.

O dono da árvore, para evitar prejuízo, pode apanhar os frutos antes de naturalmente tombarem.

Obs. o dono do prédio vizinho só tem direito aos frutos caídos naturalmente. Não pode ele, assim, colher os frutos que se mantenham presos ao galho, ainda que deite para o seu lado. Não lhe assiste, outrossim, direito de sacudir a árvore para provocar a queda dos frutos.

Há de se registrar, se os frutos tombarem, porém, em propriedade pública, como um rio, por ex., não mais existe perigo de contendas e por isso o proprietário da árvore conserva a propriedade dos frutos caídos.

Passagem Forçada.

Considerando, que o imóvel sem acesso a via pública não pode ser explorado economicamente e, tampouco, utilizado, a lei defere ao seu proprietário o direito de reclamar do vizinho que lhe deixe uma saída.

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O art. 1.285 reza: “O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”.

A passagem forçada constitui uma prerrogativa para se utilizar, parcialmente, do imóvel de outrem. Para que o direito de obtê-la se manifeste, preciso se faz, como pressuposto básico, a inexistência de acesso a via pública do prédio do autor, pois só se defere a passagem forçada ao prédio sem saída.

A fixação da passagem, em caso de desavença entre as partes, será feita judicialmente. Deve o juiz, se orientar no sentido de impor o menor ônus possível ao prédio serviente, possibilitando o maior proveito possível ao prédio dominante.

Ampliação da idéia da passagem forçada. Discute se o encravamento deve ser absoluto, ou seja, quando o imóvel não tem qualquer saída, ou pode se estender para os casos em que há comunicação com via pública, porém, tal saída é precária, difícil ou perigosa.

Para uns a passagem forçada só beneficia ao prédio absolutamente encravado. W. B. M. só existe encravamento (imóvel sem saída para via pública) , para os fins do art. 1.285, quando o prédio se acha inteiramente desprovido dos meios de comunicação”.

Já S.R. criticando tal posicionamento afirma que assim pensa esquecem o sentido social da passagem forçada, que visa, criar condições que facilitem a produção, a exploração e o aproveitamento da riqueza imobiliária.

Segundo S.S.V. a tendência jurisprudencial é no sentido de considerar encravado o prédio com acesso inseguro, perigoso e insuficiente para utilização econômica e social da propriedade.

Na indenização levará em conta a diminuição do valor da propriedade pela passagem e a moléstia por ela ocasionada, conforme dicção do art. que expressamente diz que deverá haver indenização cabal. O ressarcimento representa a compensação outorgada ao dono do imóvel por onde se estabelece a travessia, pelos incômodos a que se sujeitará.

A fixação da passagem deve ser fixada no caminho mais curto, no prédio mais próximo e de forma menos onerosa para ambas as partes. Nesse propósito, dispõe o §1º do art. 1.285:

“Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem”.

A matéria como se vê pode dar margem à discussão no caso concreto. Mas, o fato é que, objetivamente, na definição da passagem, existindo conflito entre proprietários, essa deverá ser estabelecida no imóvel mais fácil e natural. Convencionalmente, podem os interessados dispor como desejarem, pois haverá negócio jurídico.

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obs.: Mais, uma vez, a lei disse menos do que pretendia, pois não é só o dono que pode pleitear a passagem forçada, estão, também, legitimados para a passagem o usufrutuário, usuário, habitador ou possuidor (p. 339, S.S.V.).

Com relação ao encravamento deve ser natural e não procurado. Se o proprietário, por ato seu, força o encravamento, por ex., pela venda da parte que dava comunicação, não tem direito de passagem pelas propriedades vizinhas. Como, entretanto, não deve permanecer encravado, só pode voltar-se contra o adquirente do trecho em que primitivamente existia passagem, a fim de obter o necessário acesso para via pública.

Nesse sentido, é a determinação do § 2º do artigo 1.285: “Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem”.

Seria injusto que, como decorrência desse encravamento procurado, se onerasse o prédio pertencente a terceiros. A passagem deve ser resolvida entre os partícipes do negócio jurídico.

Caso já exista antes da alienação, uma passagem anteriormente fixada no imóvel, o proprietário não é obrigado a dar outra, consoante dicção do §3º do art. 1.285:

“Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através do imóvel do vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra”.

Não se pode confundir passagem forçada que é regulada pelos artigos 1.285 e §§., com a servidão prevista no artigo 1.378 e ss. do CC., são, portanto, institutos distintos.

Resumidamente, pode destacar as seguintes:

1) A passagem forçada é direito de vizinhança, enquanto a servidão, porventura, concedida pelo proprietário do fundo serviente ao dono do prédio dominante, constituiu um direito real sobre coisa alheia;

2) Na passagem forçada surge uma limitação ao direito de propriedade, decorrente de lei e imposta ao interesse social, para evitar que um prédio fique inexplorado ou sem possibilidade de ser usado, em face de ser impossível o acesso ao mesmo. Na hipótese de servidão, a limitação de plenitude do domínio decorre da vontade das partes, e não da lei.

Da Passagem de Cabos e Tubulações.

Trata-se de uma inovação. O Código Civil anterior não regulava a matéria. O artigo 1.286 preceitua que o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa. (ler decisão p. 341, nota de rodapé S.S.V.).

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Diz o “art. 1.286. Mediante recebimento de indenização que atenda, também, à desvalorização remanescente, o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa”.

Trata-se de “um típico direito de vizinhança que cada vez mais se torna necessário no mundo moderno, tendo em vista o sem-número de dutos que conduzem dados eletrônicos”.

O Parágrafo único do artigo 1.286 dá ao proprietário atingido o direito que a instalação seja feita do modo menos gravoso, bem como seja removida à sua custa, para outro local do imóvel, se assim for conveniente.

“Parágrafo único. O proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja feita de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel”.

O artigo 1.287 preceitua: “Se as instalações oferecerem grave risco, será facultado ao proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança”.

obs. Se o titular dos cabos e dutos for a Administração ou seu concessionário, poderão ser aplicados os princípios de direito administrativo, mormente os que regem a desapropriação.

Das Águas

No estudo sobre as águas faz-se necessário conjugar o CC com o Código das Águas, pois este alterou algumas disposições daquele e, ainda, considerando o princípio da especialidade.

Nessa direção, S.S.V. adverte “a água, bem maior de sobrevivência, tem seu regime regulado pelo Código das Águas, Decreto nº 24.643, de 10-6-1934. Nessa lei, são apresentadas conceituações de águas públicas, comuns e particulares....”

Nesse estudo torna-se mais nítida a distinção entre a serventia convencional e a legal. Em todos os casos em que se apresenta um interesse geral a lei impõe o sacrifício de um prédio em favor do outro, e entre nós encontramos a matéria disciplinada no campo dos direitos da vizinhança.

Noutros casos, em que há o interesse do proprietário de um prédio, no sentido de melhorar a condição do mesmo, pode seu dono estabelecer com o dono do prédio vizinho a concessão de algumas regalias sobre este último. Então, e registrado o ajuste, surge um direito real sobre a coisa alheia, ou seja, servidão.

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O art. 1.288 – “O dono ou o possuidor do prédio inferior é obrigado a receber as águas que correm naturalmente do superior, não podendo realizar obras que embaracem o seu fluxo; porém a condição natural e anterior do prédio inferior não pode ser agravada obras feitas pelo dono ou possuidor do prédio superior”. Essa disposição é repetida no art. 69 do Cód. das Águas.

O legislador, neste dispositivo, leva em conta a conformação do solo e considera a necessidade das águas que se encontram no alto, fluírem normalmente. Mas o referido ônus (obrigação) só se entende com águas que corram por obra da natureza, como pluviais e as nascentes, por outras palavras, águas que brotem do solo e as que provenham das chuvas.

Não se incluem no incômodo do prédio inferior águas extraídas de poços, cisternas, piscinas ou reservatórios, as oriundas de fábricas e usinas, as elevadas artificialmente entre outras.

A água que está obrigado o prédio inferior receber são as que defluam naturalmente, em virtude da inclinação do terreno.

Se o dono do prédio superior fizer obras para melhor escocar as águas, não poderá estas piorar a condição natural do prédio inferior. Também, não pode desviar o curso das águas, para ser agradável ao vizinho, fazendo-o que o seu escoamento se processe pelo o imóvel de outrem. LER – DECISÃO – S.R. –pág. 147 – RODAPÉ 154.

O proprietário do prédio inferior, por sua vez, não pode efetuar barragens, fazendo com que as águas retornem ao prédio superior. LER DECISÃO – S.R. – pág. 146 – Rodapé 153.Determina o art. 1.289 que: “Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste (reclamar que os desviem), ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer”.

Risquem do CC – reclamar que os desviem – pois, tal parte encontra-se derrogada pelo o artigo 92 do Código das Águas – que dispõe: “Mediante indenização, os donos dos prédios inferiores, de acordo com normas da servidão legal de escoamento, são obrigados a receber as águas das nascentes artificiais.

O Parágrafo único do artigo 1.289 reza: “Da indenização será deduzido o valor do benefício obtido”.

Consoante dispõe o Código das Águas, o proprietário do prédio inferior possui o direito de receber indenização, não podendo exigir o desvio das águas. Porém, segundo S.S.V. ele não está obrigado a receber águas impróprias, somente as naturais. O art. 1.290. reza: “O proprietário de nascente, ou do solo onde caem águas pluviais, , satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir o curso natural das águas remanescentes pelos prédios inferiores”.

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O proprietário do prédio inferior, ao mesmo tempo que tem a obrigação de receber as águas que descem naturalmente do prédio superior, tem o direito aos sobejos. Note-se, porém, que o direito do prédio inferior é apenas de receber as sobras. O dono da nascente pode usá-la inteira, e nesse caso não há sobejo, nem, portanto, qualquer direito a ele. Mas, se houver sobras, o dono do prédio inferior tem o direito de recebê-las e de recebê-las limpas, consoante dicção do art. 1.291.

O problema fundamental é o da hermenêutica (interpretação) da locução satisfeitas as necessidades de seu consumo. Por ex., o vizinho pode consumir toda a água da nascente, alegando que o fez para satisfazer às necessidades de seu consumo, quando na realidade, só o moveu o espírito de emulação (competição, rivalidade) ou o propósito de vingança.

Ora, esta última atitude é abusiva e o dono da nascente que impedir o curso das águas, ou de consumi-las além de suas necessidades ordinárias, pode ser compelido não só a reparar o dano causado, como também a cessar os atos prejudiciais. Isso porque o uso anormal do direito constitui ato ilícito (CC, art. 187), que pode ser removido através do processo cominatório.

Tem-se entendido que o preceito em análise abrange também águas nascida de outras formas, mas que ingressa em forma corrente no prédio superior. LER DECISÃO S.R. PÁG. 149 – RODAPÉ 158.

“Art. 1.291. O possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso da água artificial”.

Protege-se, assim, a água como um bem maior da coletividade, no sentido amplo, não se permitindo que o seu uso seja egoístico ou exclusivo, sem essencial utilidade.

“Art. 1.292. O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as represadas invadirem prédio alheio, será seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido”. (CA 119 c/c 117).

“Art. 1.293. É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável a agricultura e à indústria, bem como o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos.

“§1º. Ao proprietário prejudicado, em tal caso, também assiste direito a ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.

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“§2º O proprietário prejudicado poderá exigir que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais.

“§3º O aqueduto será construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos, e a expensas do seu dono, a quem incumbem também despesas de conservação”. (CA 117 (caput), 121 1ª parte (§1º), 131 (§2º), e 124 c/c 126 caput (§3º)

Segundo o CA, o aqueduto será permitido, também, para : as primeiras necessidades de vida; para o serviço da agricultura e indústria; para o escoamento de águas superabundantes; para o enxugo ou bonificação de terrenos.

Essa modalidade de canalização independe do consentimento do vizinho, pois se busca a utilização social da propriedade. Além da indenização. o §1º estabelece a possibilidade de ressarcimento de danos que de futuro os canais venham causar, por infiltração ou irrupção de águas.

Ler decisão 5. p. 346 S.S.V.

Em seu art. 38 estendeu aos meios urbanos = “as servidões urbanas de aquedutos, canais, fontes, esgotos sanitários e pluviais, estabelecidos para serviço público e privado das populações, edifícios, jardins e fábricas, reger-se-ão pelo que dispuserem os regulamentos de higiene da União, ou dos Estados, e as posturas municipais”.

A matéria tem o interesse de atender a coletividade, propiciando a harmonia social indispensável ao Estado. De forma que aquele que quiser poderá canalizar água, utilizando-se de prédios alheios. Se não houver acordo entre os interessados, o juiz determinará a natureza, a forma e a capacidade do aqueduto e o valor da indenização. E o proprietário que sofrer os percalços terá direito a uma prévia indenização, o mesmo ocorrendo se vier sofrer prejuízos com infiltrações de águas e com a deterioração das obras do aqueduto ( art. 12 do C. das Águas).

“Art. 1.294. Aplica-se ao direito de aqueduto o disposto nos arts. 1.286 e 1.287”. (correspondência parcial CA 117 c/c 120§3º c/c 124 (1.286 caput); CA 123 (CC 1.286 par. ún.); CA 121 in fine (CC 1287).

Em virtude da analogia existente determina o dispositivo legal aplicação dos arts. 1.286 e 1.287.

“Art. 1295. O aqueduto não impedirá que os proprietários cerquem os imóveis e construam sobre ele, sem prejuízo para a sua segurança e conservação; os proprietários dos imóveis prejudicados poderão usar das águas do aqueduto para as primeiras necessidades de vida”.

Os proprietários prejudicados além de receberem indenização podem utilizar a água para suas necessidades essenciais, como higiene e alimentação. Não poderão, em princípio, é evidente, utilizar para atividades voluptuárias.

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Havendo sobra de águas outros poderão canalizá-las para atividades de primeira necessidade, mediante pagamento aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto. A preferência para essa utilização será dos proprietários atravessados pelo aqueduto.

Conforme dispõe o art. 1.296: Havendo no aqueduto águas supérfluas, outros poderão canalizá-las, para os fins previstos no art. 1.293, mediante pagamento de indenização aos proprietários prejudicados e ao dono do aqueduto, de importância equivalente às despesas que então seriam necessárias para a condução das águas até o ponto de derivação.

Parágrafo único. Têm preferência os proprietários dos imóveis atravessados pelo aqueduto.

Trata-se como se vê da leitura do artigo da possibilidade de se construir um aqueduto derivado. A existência de águas supérfluas será apurada no caso concreto, essa construção será um direito do interessado que não pode ser negado.

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Ponto 18

DOS LIMITES ENTRE OS PRÉDIOS E DO DIREITO DE TAPAGEM.

Os institutos que agora iremos estudar eram tratados separadamente no Código anterior. E para nosso aprendizado nós vamos abordá-los um de cada vez, ou seja, de forma isolada. Iniciaremos pelo limites entre prédios, destacando no artigo a parte que se refere a esse tema.

Diz o Artigo 1.297. O proprietário tem direito de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.

A convivência de se extinguirem incertezas e dúvidas, fonte de dissídios e querelas, entre prédios vizinhos, levou o legislador a declarar que:

“Todo proprietário pode obrigar o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas” – (essa era a redação do art. 569 – CC 1.916).

Trata-se da previsão legal da ação de demarcação. A primeira discussão que surge com relação ao artigo 1.297 – na parte destacada - é se a propositura da demanda demarcatória só é possível a quem detém o título dominial.

Para o W.B.M., M.H.D. e Darcy Bessone o termo proprietário deve ser entendido no seu sentido amplo atribuindo legitimidade a quem seja titular do direito real, como o enfiteuta, usufrutuário e o condômino. Não se estende, porém, ao possuidor de boa-fé, não tem qualidade de promovê-la.

Discordando desses doutrinadores, o Prof. S.S.V. e Humberto Theodoro Júnior afirmando que : “a disputa dos limites não é privilégio dos detentores do domínio. Podem perfeitamente dois possuidores limítrofes se deparar com a necessidade de definir os extremos de suas posses. A demarcação terá cabimento, e não será demarcação de domínio, mas demarcação de posse”.

Desse modo, com relação ao possuidor utilizar-se da ação de demarcação não é pacifica. Cabe ainda, registrar que o art. 950 do CPC exige que se instrua a petição inicial com títulos de propriedade.

Os objetivos desta ação são: a) estabelecer a linha divisória entre dois prédios; b) aviventar rumos apagados; c) renovar marcos destruídos ou arruinados.

O CPC resumiu a duas apenas as finalidades da demarcatória: a fixação de rumos novos e a aviventação dos existentes, a doutrina, contudo, sustenta que aviventação dos rumos compreende tanto a restauração da linha apagada,

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como a renovação dos marcos destruídos ou arruinados, ou seja, os objetivos tanto no direito material como no processual são os mesmos.

A demarcatória comporta duas espécies a simples e qualificada. É simples , quando o objetivo é fixação de rumos novos e aviventação dos existentes; qualificada , quando cumula qualquer dessas finalidades com o pedido de restituição de glebas indevidamente ocupada.

Para S.R . os pressupostos para a propositura da demarcatória são: a) que haja necessidade de se fixarem marcos divisórios; b) que os prédios sejam confinantes; c) que os prédios pertençam a donos diversos.

W.B.M. adverte que é preciso que haja confusão nos limites na linha divisória. Havendo entre os imóveis lindeiros limites certos, conhecidos, determinados e respeitados há muito tempo, ainda que não correspondam exatamente aos títulos dominiais, incabível se tornará a demarcatória. A presença de linha de confrontação, embora inexata, ou arbitrária, acompanhada de posse exclusiva das partes, preclui o uso da demarcatória.

Decisão TJPR – pág. 347 S.S.V.

A demarcatória tem duas fases distintas, a contenciosa e a executória . Na primeira, cumpre o autor provar seu direito real, a contigüidade de prédios a confusão de limites e qual a linha separativa que deve prevalecer.

A situação de confinância é contínua e, assim, enquanto perdurar a vizinhança pode o proprietário propor ação de demarcação, ou seja, ela é imprescritível.

Após analisar a posição do autor, passaremos a examinar a defesa que o réu pode alegar para resistir a pretensão autoral.

Segundo o W.B.M. poderá ser suscitado: a) falta de domínio do autor; b) inexistência de confusão de limites; c) desnecessidade de aviventar os rumos existentes; d) prescrição aquisitiva sobre a área que se pretende demarcar. Não cabe, porém, a invocação de prescrição extintiva. Sob esse aspecto, a demarcatória é imprescritível.

O Prof. S.S.V. adverte: “transferida a discussão para a posse, pode vir à tona a alegação de usucapião sobre a área em discussão. O que se alega é, portanto, a prescrição aquisitiva , porque uma vez persistente a vizinhança, o direito continuativo impede o curso da prescrição extintiva. Conquanto reconhecido o usucapião, nessa hipótese a matéria de defesa obstará a demarcação. O que o juiz deve julgar é a impropriedade da ação demarcatória no caso (Miranda, 1971, v. 13:371). O usucapiente deverá recorrer à ação própria”.

O legislador no art. 1.298 do CC prevê critérios os quais deve o Juiz seguir quando os títulos dominiais forem insuficientes para a demarcação.

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Preceitua o art. 1.298 do CC:

“Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro”.

“No caso de confusão, os limites, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se repartirá proporcionalmente entre os prédios, ou não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao proprietário prejudicado” (redação do CC 1.916 art. 570)

Comentando o dispositivo legal S.R. ensina:

1) Para fixar os rumos de dois prédios, deve o julgador, atentar para os títulos dominiais .Aliás, determinando o art. 950 do CPC que na ação de demarcação a petição inicial será instruída com os títulos de propriedade, mostra ser neles que deve, primordialmente, basear-se o juiz decidir o conflito;

Só se os títulos forem colidentes, ou inadequados para provar aquelas circunstâncias, é que fica o magistrado autorizado a recorrer a outro critério, ou seja, à posse justa.

2) Se a prova da posse também for incompleta , ou se tal prova for colidente , sem que nela possa o julgador firmar sua convicção, o próximo critério é a divisão do terreno contestado por partes iguais entre os prédios;

3) Não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro.

As soluções acima referidas devem ser aplicadas em ordem hierárquica, uma em falta da outra, não ficando aberta ao julgador a porta para escolher o caminho que bem entender. Não pode, assim, ordenar a adjudicação da coisa litigiosa a uma das partes mediante indenização à outra, se se provar que tal área se encontrava na posse deste contendor; da mesma forma que não pode julgar pela posse, se os títulos provarem em sentido contrário.

S.S.V. pág. 351 = cita a lição de Humberto Theodoro Júnior ....

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A divisão do terreno contestado em partes iguais, segundo S.S.V. deve ser interpretado que será a divisão somente da área do litígio.

O novo CC veio encerrar a discussão existente com a expressão proporcionalmente, contida no dispositivo 570 do CC anterior.

Na interpretação deste dispositivo legal, a controvérsia existente é com relação a divisão proporcionalmente se reparta o terreno contestado entre os proprietários confrontantes. Mas, o proporcionalmente a quê ?

Clóvis Bevilacqua entende que “o terreno contestado deve ser repartido em partes iguais”.Tal solução é criticada porque partes iguais não correspondem a partes proporcionais. S.R. adverte que a aplicação indiscriminada da expressão proporcionalmente pode conduzir à injustiça, como, por ex., na hipótese de prédio cem ou duzentas vezes maior do que outro. Se o terreno litigioso fosse dividido proporcionalmente às áreas dos prédios em conflito, um receberia cem ou duzentas vezes mais do que outro, o que decerto não corresponderia à solução justa.

W.B.M. afirma que o melhor critério é a partilha na proporção da respectiva testada dos prédios confinantes.

S.S.V. alega que na verdade relega-se a decisão do fato concreto ao bom senso do julgador.

DO DIREITO DE TAPAGEM.

Um dos atributos do direito de propriedade é ser exclusivo. Para garantir essa exclusividade, a lei outorga ao proprietário o direito de cercar, tapar, ou murar o seu prédio, quer seja rural ou urbano.

Traz o Artigo 1.297. O proprietário tem direito de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas. (a parte destacada corresponde ao art. 588 do CC 1.916).

§1º Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presume-se , até prova em contrário, pertencer a ambos proprietário confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais , para as despesas de construção e conservação.

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Os dois proprietários têm interesse em cercar sua propriedade; justo, portanto, se suponha haver sido a obra divisória construída de comum acordo, bem como colocada por metade no terreno de cada um.

Há presunção de comunidade entre os tapumes divisórios, assim se um dos proprietários não conseguir provar propriedade exclusiva sobre o tapume, prevalecerá a mencionada presunção.

A lei determina que os proprietários são obrigados a concorrer em partes iguais, para as despesas de construção e conservação dos tapumes.

A doutrina adverte que a repartição das despesas deverá ser previamente combinada entre os proprietários contíguos. Na falta de acordo, cabe ao proprietário interessado na obra ajuizar a competente ação contra o confrontante, a fim de obter o reconhecimento judicial da obrigação de contribuir pecuniariamente para a construção do tapume.

W.B.M. afirma “Se o proprietário não cuida de obter antecipadamente o consentimento do outro confrontante, ou se não promove a referida ação e, apesar disso, levanta o tapume, presume que o faz por conta exclusiva, não podendo cobrar do outro sua quota nos dispêndios.

S.S.V. diz “O proprietário tem possibilidade de cobrar a quota do confinante que não concorreu com as despesas. Não poderá fazê-lo, porém, se apenas por sua iniciativa efetuou a divisória, provado não haver interesse do confinante, bem como se efetuou obras ou despesas desnecessárias ou voluptuárias na separação, o que deve ser apurado no caso concreto”.

Nota-se que há divergência entre os posicionamentos dos professores, pois o S.S.V. assevera que mesmo não realizando a notificação poderá cobrar as despesas do muro desde que prove o interesse do confinante; já W.B.M. não admite tal cobrança.

O art. 1.328, por sua vez, confere ao proprietário o direito de adquirir meação da parede, vala, valado ou cerca do vizinho, embolsando-lhe metade do valor da obra e do terreno em que se assenta. Este art. visa facilitar o estabelecimento de uma comunhão dos marcos divisórios. Daí a lei presumir a compropriedade deles.

O questionamento que surge em relação ao uso em comum do muro divisório é o seguinte:

a) se a comunhão de uso é corolário da presunção do condomínio do mesmo ou se, ao contrário, b) é um direito de vizinhança autônomo, deferido em virtude da mera circunstância de existir um muro estremando um prédio.

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Prevalecendo a solução “a”, no momento em que a presunção de compropriedade do tapume ficar ilidida por prova em contrário, o que vimos ser possível, fica um dos vizinhos sem direito de usar o muro divisório.

Prevalecendo a solução “b”, o direito de usar o muro divisório nada tem haver com a questão dominial.

Na doutrina a solução adotada é a utilização do muro ou equivalente divisório é direito autônomo de vizinhança, portanto, o confinante que não é comproprietário do muro tem direito de usá-lo. (S.R. p. 158 e S.S.V. 352).

§ 2º do artigo 1.297reza: “As sebes vivas, as árvores, ou plantas quaisquer, que servem de marco divisório, só podem ser cortados, ou arrancadas, de comum acordo entre os proprietários”.

O marco divisório traz aos proprietários confinantes a certeza de exclusividade de sua propriedade, sendo assim, a lei determina que qualquer modificação no mesmo necessita de acordo entre os proprietários confinantes.

§3º. preceitua: “A construção de tapumes especiais para impedir a passagem de animais de pequeno porte, ou para outro fim, pode ser exigida de quem provocou a necessidade deles, pelo proprietário, que não está obrigado a concorrer para as despesas”.

Quem possuir animais que exijam maior proteção, deve responder pela construção e despesas dos chamados tapumes especiais. Se a utilidade desses tapumes for de ambos os confinantes, justo que se repartam os custos.

No entanto, como regra geral, os tapumes especiais são de propriedade do dono do terreno obrigado a construí-los.

obs. S.S.V. embora a lei não diga, é justo que se pague o equivalente à metade de tapumes comuns, que de qualquer modo deveriam ser erigidos para utilidade conjunta.

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Ponto 19

DIREITO DE CONSTRUIR

É necessário destacar que se deve entender como construção toda realização material sobre o imóvel decorrente da atividade humana. Desse modo, também é construção a edificação ou a reforma, a demolição, o levantamento de muros, a escavação, o aterro etc.

O artigo 1.299 do CC adverte: “O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”.

Analisando a 1ª parte do artigo nota-se que a liberdade de construir é a regra. Desse modo, qualquer limitação nesse direito, em virtude de ser uma exceção, deverá vir exposta pelo ordenamento.

Há de se registrar, que limitações contidas no CC são mínimas, porém, não se pode esquecer de que o proprietário deverá obedecer ao direito edilício administrativo.

Com relação às restrições administrativas no direito de construir, segundo W.B.M, tem-se entendido que ao Judiciário não se permite apreciar a justiça ou injustiça dos dispositivos regulamentares.

Trata-se de respeitar a INDENPÊNCIA CONSTITUCIONAL DOS PODERES, assim, se a municipalidade, no exercício de suas atribuições legais, entende que a construção há de obedecer a certo tipo, ou conservar determinado recuo lateral ou do alinhamento da rua, não pode o juiz dispensar o proprietário da observância desses preceitos.

A utilização da propriedade deverá respeitar, também, a regra geral de vizinhança do art. 1.277, que reprime o mau uso da propriedade, quando ocasiona, prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança.

obs: o loteador pode impor restrições edilícias a determinada área, que ganham natureza real com o registro (art. 45 da Lei 6.766, de 19-12-1979) S.S.V. p. 353.

Na atualidade, as regras civis são aplicadas subsidiariamente, pois as restrições administrativas são mais numerosas e importantes.

Essas limitações administrativas são de ordem pública, gerando o direito subjetivo aos vizinhos para exigir o cumprimento. O que se considera é o direito coletivo, por isso, está o vizinho legitimado a acionar aquele que não cumpre as imposições administrativas (Hely Lopes Meirelles).

A infração aos princípios estabelecidos no capítulo a respeito do direito de construir, bem como aos regulamentos urbanísticos administrativos, gera, em

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princípio, a obrigação de demolir as construções feitas, além de indenização por perdas e danos. Essa regra vem expressa no artigo 1.312 do CC.

Reza o “Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos”.

S.S.V. adverte que: “Cabe à Municipalidade estabelecer normas urbanísticas, seu plano diretor, complexo de normas técnicas caracterizadoras dos direitos e limitações de construir. Ao Município cabe criar a divisão em zoneamentos industriais, residenciais e mistos, com subdivisões, impondo exigências edilícias próprias para cada zona. Ao Estado em geral cabe também preservar o patrimônio histórico e artístico. Pelo tombamento proíbe-se que edifícios de valor histórico ou artístico sejam destruídos ou alterados sem autorização. Lembre-se, a propósito, de que a Lei nº 10.257/2001, autodenominada Estatuto da Cidade, é norma que regulamenta os arts. 182 e 183 da CF e estabelece diretrizes gerais de política urbana.

“As construções devem seguir o gabarito determinado pela Administração,

Conclusão: os dispositivos regulamentadores de construções no bojo do CC são apenas supletivos das leis administrativas.

A doutrina faz uma advertência no sentido de que a demolição de uma obra irregular deve ser a última solução. Há de se buscar, primeiro, a possibilidade de adaptação da obra ou da edificação aos regulamentos administrativos e às restrições de vizinhança.

Discordando desse posicionamento, W.B.M. sustenta “se a infração for de caráter secundário, poderá o juiz consentir que a obra permaneça, desde que possível se torne pô-la em consonância com os regulamentos edilícios. A construção sobreviverá então com essas modificações.

“Mas se a infração é de caráter primário, se a construção apresenta, exemplificativamente, vícios insanáveis, não há como senão decretar-lhe o desfazimento, pois não seria currial que a teimosia e a obstinação de alguns proprietários viessem a comprometer o plano de urbanização e aformoseamento da cidade, empreendido pelo poder público”.

No artigo 1.300 o CC começa a regulamentar as limitações do direito de construir, oriundas das relações de vizinhanças.

Diz o artigo: “O proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho”.

S.S.V esclarece que não importa que o prédio receptor das águas seja ou não edificado. Nada impede, porém, que as partes estabeleçam servidão em sentido contrário, de tolerância e recebimento de águas vindas do outro prédio.

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obs. a disposição refere-se unicamente a águas pluviais, não podendo o despejo de águas provenientes de uso do prédio.

W.B.M. ensina que a lei proíbe que se faça cair água pluvial no prédio vizinho. É este obrigado a receber a que para o seu prédio escorra naturalmente. Mas, não se acha adstrito de recebê-la, quando derivada artificialmente por meio de calhas ou beiras. Águas pluviais devem convergir para o solo do próprio dono do prédio e não para o do vizinho.

Complementando o dispositivo legal o art. 1.301, caput, reza: “É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho”.

Os dispositivos legais proíbem que a construção deite goteira sobre o imóvel vizinho, bem como se abra janela, ou faça eirado, terraço, ou varanda, a menos de metro e meio.

Com essa proibição visa o legislador a salvaguardar a vida íntima das famílias, resguardando-as, dentro de suas casas, do indiscreto devassamento dos vizinhos. Se não existe, porém, a possibilidade de ocorrer tal fato, prevalece a liberdade de construir.

A distância de metro e meio deve ser contada a partir da linha divisória e não do outro prédio adjacente. Essa distância é a mínima e nada impede que a administração municipal imponha recuo lateral maior, em considerações estéticas e urbanísticas.

Ainda, regulamentando a matéria os §§1º e 2º do artigo 1.301 dispõem:

“§1º As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros.

“§2º As disposições deste artigo não abrangem as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura do piso”.

Como se nota, os §§ do art. 1.301, também, protegem a privacidade dos ocupantes.

Analisando o §2º, contrario sensu, chega-se à conclusão que toda abertura superior a 10 centímetros de largura e 20 centímetros de comprimento deve ser considerada janela para os fins da lei. A dimensão caracteriza a janela e não a destinação da abertura.

As disposições acerca de janelas e assemelhados não abrangem as aberturas de luz ou ventilação não maiores de dez centímetros de largura e vinte centímetros comprimento e construídas a mais dois metros de altura de cada piso.

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S.R. afirma que tais vãos são insuficientes para observar, com relativa comodidade, aquilo que se passa no prédio vizinho.

Quando alguém constrói sem observar a distância de metro e meio exigida pela legislação, ou despeje goteira no imóvel vizinho, cabe ao proprietário prejudicado impugná-la dentro de ano e dia, conforme dispõe o artigo 1.302 e parágrafo único rezam:

“1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado esse prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.

“Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade”.

Segundo W.B.M. tal prazo é decadencial, “cabendo ao proprietário lesado com infração intentar contra o vizinho-infrator o competente processo judicial. Para tal ato, o Código concede-lhe o prazo de ano e dia, a partir da conclusão da obra (e não da abertura da janela, sacada, terraço ou goteira). Se o proprietário, porém, durante o referido lapso de tempo, se conserva inativo, firma-se o direito do vizinho, transformando-se em verdadeira servidão, adquirida pela posse e decurso do tempo.

“Decorrido, porém, o prazo de ano e dia, sem que o lesado se mova na defesa de seus direitos, o infrator adquire a servidão, e, daí por diante, aquele não poderá levantar construção em seu terreno, que vede tais vãos ou aberturas”.

No mesmo sentido, S.R. adverte: “construída a servidão de luz, o proprietário experimenta enorme prejuízo, pois seu prédio fica oneradíssimo, visto que não pode mais erguê-lo, se assim prejudicar a iluminação do vizinho”.

Discordando de tais posicionamentos, S.S.V. ensina: “Passado o prazo de ano e dia, consolida-se o direito do construtor da janela ou similar em mantê-la. Não nasce, porém, a servidão de luz, porque não estão presentes os requisitos desse instituto. DESSE MODO, NÃO FICA IMPEDIDO o proprietário prejudicado pelo transcurso de ano e dia de construir integralmente em seu terreno, junto a divisa. O curto prazo de ano e dia não perfaz usucapião e não permite a conceituação de servidão (RTJSTF 83/559, RT 557/188). Após esse prazo, o vizinho não pode mais reclamar, mas pode edificar em seu imóvel que “todo tempo, levantar sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade””. (pp. 356/357)

O novo CC dispõe ainda que, na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno vizinho (art. 1303). O artigo 1.303 traz restrição semelhante à contida no artigo 1.301.

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“Art. 1.303 – Na zona rural, não será permitido levantar edificações a menos de três metros do terreno do vizinho”.

Não é possível, assim, nas zonas rurais, edificar a menos de três metros da propriedade vizinha.

O artigo 1.304 traz: “Nas cidades, vilas e povoados, cuja edificação estiver adstrita a alinhamento, o dono de um terreno pode nele edificar, madeirando na parede divisória do prédio contíguo, se ela suportar a nova construção; mas terá que embolsar ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondentes”.

A lei outorga ao proprietário o direito de madeirar na parede divisória do prédio contíguo, caso ela suporte nova construção. Esse direito está subordinado a duas condições:

a) que a nova construção se levante em cidade, vila ou povoado; b) que a edificação esteja obrigada a determinado alinhamento. Se não existe este, pode o proprietário edificar pouco mais à frente, ou pouco mais atrás, evitando assim madeiramento no prédio contíguo, a ser usado no último recurso. Desde que o proprietário venha, porém, a madeirar no prédio adjacente, terá que embolsar o vizinho o meio valor da parede e do chão correspondente.

M.H.D. afirma que o proprietário construtor passa a ser condômino.

Ao estudarmos os limites entre prédios, vimos que o §1º do art. 1.297 do CC presume pertencer em comum, aos proprietários confinantes, qualquer marco divisório. No campo dos direitos de construir, encontramos a regra do artigo 1.305 que se afina com aquele dispositivo, pois cria elementos para que o domínio da parede divisória se torne comum.

O art. 1.305 reza:

“O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito de haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade alicerce”.

Dispõe, inicialmente, o legislador que o confinante que primeiro construir pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo; o que vale dizer que está autorizado a invadir o terreno vizinho. A construção, embora os vizinhos a possam utilizar, continua, não obstante, a pertencer ao construtor, ressalvado, entretanto, ao dono do prédio invadido, o direito de adquirir a meação, mediante pagamento de metade do valor da obra, nos termos do artigo 1.328 do CC. Todavia, se o dono do prédio invadido meter trave na parede divisória, aquele que a construir pode cobrar meio valor dela. Neste caso, não só o uso como a propriedade da parede se torna comum.

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Em suma: enquanto não travejar a parede divisória, o dono do terreno invadido pode, se quiser, adquirir meação da mesma; após havê-la travejado não tem mais escolha, podendo ser obrigado a adquirir meação, se quem construiu o muro assim desejar.

É o invasor do terreno vizinho quem tem o arbítrio de marcar a largura e a profundidade do alicerce cavado em terreno alheio.

Verifica-se, assim, que o proprietário pode construir não só em seu terreno, como também no do vizinho, até meia espessura da parede. Ultrapassado tal limite, assiste ao vizinho prejudicado o direito de embargar a construção, socorrendo-se, para isso, de nunciação de obra nova, prevista nos arts. 934 e ss do CPC.

Entretanto, se a construção invade o terreno alheio em parte mínima e não lhe prejudica a utilização, o invasor não deve ser condenado a demoli-la, mas apenas indenizar a parte invadida, segundo o seu justo valor.

O parágrafo único do artigo 1.305 preceitua:

“Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior”.

A caução exigida por lei, ocorre em virtude da possibilidade de desmoronamento da parede divisória.

Reza art. 1.306: “O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou separação dos dois prédios....”

Neste dispositivo legal, edita o legislador norma relativa ao condomínio de paredes divisórias ou parede-meia.

Cada condômino pode utilizá-la até o meio da respectiva espessura, desde que: 1) não ponha em perigo a segurança ou a separação dos dois prédios;2) e ao proprietário vizinho faça a devida comunicação das obras que pretende realizar.

Não pode, porém, sem consentimento deste, fazer na parede-meia, armários ou obras semelhantes, correspondendo a outras da mesma natureza, já feitas do lado oposto. Não pode, outrossim, demolir parede-meia sem expresso consentimento do vizinho.

O artigo 1.307 prevê a possibilidade de se aumentar a altura da parede divisória, dispondo:

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“Qualquer dos confinantes pode altear a parede divisória, se necessário reconstruindo-a, para suportar o alteamento; arcará com todas as despesas, inclusive de conservação, ou com metade, se o vizinho adquirir a meação também na parte aumentada”.

O artigo 1.308 do CC reza: “Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho.

Parágrafo único. A disposição anterior não abrange as chaminés ordinárias e os fogões de cozinha”.

“Art. 1.309. São proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes”.

S.S.V. comentando o artigo diz que a regra é branda porque não prevê sanção expressa. Em nosso país ainda existe vasta população que depende de água de poços ou nascentes. Quem edifica em suas proximidades tem o dever e a obrigação de preservar a qualidade da água.

Adverte, ainda, o prof. que as normas administrativas devem ser rigorosas contra o infrator, que pode ser obrigado a repor a situação anterior, além de indenizar por perdas e danos.

Complementando o artigo 1.309, o artigo 1.310 preceitua:

“Art. 1.310. Não é permitido fazer escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água dispensável às suas necessidades normais”.

O artigo 1.311 guarda relação com a ação de dano infecto e com a prevenção de danos que podem ser ocasionados por obras vizinhas.

Diz o art. 1.311.

“Não é permitida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, senão após haverem sido feitas as obras acautelatórias.

Parágrafo único. O proprietário do prédio vizinho tem direito a ressarcimento pelos prejuízos que sofrer, não obstantes haverem sido realizadas as obras acautelatórias”.

O artigo 1.313 obriga que o proprietário ou ocupante do imóvel tolere o ingresso de vizinho no imóvel, mediante prévio aviso, em duas hipóteses:

1ª para usar temporariamente do prédio do vizinho, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou muro divisório;

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2ª para apoderar-se de coisa suas, inclusive animais que se encontrem casualmente no outro prédio. O §1º acrescentar que o disposto no artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva. O §2º dispõe que uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida sua entrada. O §3º volta enfatizar a regra geral no sentido de que se o vizinho visitante ocasionar dano, deve indenizar.

O ingresso de estranho em uma propriedade sempre será motivo de inconveniências, senão dissensões e desentendimentos. O termo “casa”, utilizado no inciso I, deve ser visto de forma ampliativa, pois diz respeito a qualquer prédio ou edificação.

Cabe destacar que, somente forma excepcional exige-se essa tolerância de se permitir entrada de um vizinho em prédio alheio. Por motivo de proximidade entre os imóveis, às vezes é necessário que o vizinho pessoalmente ou por preposto, ingresse na outra propriedade para efetuar reparos decorrentes de defeitos em seu prédio, mormente quando as tubulações são comuns ou muito próximas, além das hipóteses de divisórias e parede-meia.

obs. a situação aplica-se tanto a imóveis urbanos como a imóveis rurais, sendo muito freqüente nos condomínios edilícios, em situações de infiltrações e vazamentos.

Nestes casos, o proprietário ou possuidor é obrigado a tolerar a visita; que deverá ser regulamentada entre as partes e provir de um aviso prévio como está na lei.

Não havendo permissão de ingresso necessário ao imóvel vizinho, poderá o prejudicado buscar o Judiciário, que deverá assegurar o direito conforme as necessidades apontadas.

Com relação ao §2º do artigo 1.313 segundo a doutrina parece inútil, pois uma vez entregue as coisas buscadas ao vizinho, não há que se permitir seu reingresso no imóvel.

obs. qualquer prejuízo ocasionado pelo visitante deverá ser ressarcido.

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Ponto 20

CONDOMÍNIO EM GERAL.

S. R. afirma que ocorre o “condomínio quando, em uma relação de direito de propriedade, diversos são os sujeitos ativos”, ou seja, há vários proprietários daquele bem.

S.S.V. sustenta que condomínio é espécie do gênero comunhão. Segundo este autor, “há comunhão de direitos quando várias pessoas possuem direitos idênticos sobre a mesma coisa ou conjunto de bens. Nem sempre, existindo mais de uma pessoa com direito sobre o mesmo bem, existe comunhão. Havendo várias hipotecas sobre o mesmo imóvel, por exemplo, os vários credores hipotecários não têm comunhão de interesses entre si, uma vez que seus respectivos direitos são excludentes. A comunhão de interesses pressupõe a existência de direito de idêntica graduação, harmônicos e compatíveis, de modo que sejam exercidos pelos comunheiros individualmente, sem exclusão dos demais.

“A comunhão de direitos pode ocorrer, por exemplo, no direito de família, quando se estabelece a comunhão conjugal; no direito obrigacional, nas obrigações indivisíveis e na solidariedade; no direito sucessório, com a transmissão da universalidades de bens aos herdeiros, e no direito das coisas, NO CONDOMÍNIO OU COMPROPRIEDADE. Na comunhão, os sujeitos exercem os direitos de forma simultânea e concorrente.

“Desse modo, O CONDOMÍNIO é modalidade específica do direito das coisas. Trata-se de espécie de comunhão. Para que exista condomínio, há necessidade de que objeto do direito seja uma coisa; caso contrário, a comunhão será de outra natureza. No entanto, é evidente que existem regras aplicáveis a todas as modalidades de comunhão. Outras são específicas de determinada espécie, como ocorre com o condomínio. O condomínio não é exclusivo da propriedade. Pode ocorrer também entre os titulares de enfiteuse, usufruto, uso e habitação.

A natureza jurídica do condomínio é modalidade de propriedade em comum com partes ideais. O condomínio não tem afeição de pessoa jurídica ou sociedade. O que existe é diversas pessoas proprietárias do mesmo bem, sendo tal situação regulada pelo ordenamento jurídico. A existência ou não de uma sociedade estabelecida para administrar este bem não se confunde com o condomínio.

Segundo S.R. o condomínio, de certa forma, choca-se com o princípio de exclusividade da propriedade contido no artigo 1.231 do CC, sendo necessário para conciliar a aparente contradição, entende-se que o “direito de propriedade é um só, do qual cada um dos co-proprietários tem uma parte ideal. No referente a essa parte ideal, o direito do condômino é absoluto, exclusivo e perpétuo”.

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Modalidades Fontes do Condomínio.

O condomínio pode ter origem:

1. voluntária (ou convencional): duas ou mais pessoas adquirem o mesmo bem.

2. sem ou contra a vontade dos sujeitos: o recebimento de coisa indivisa por vários herdeiros, a comistão e confusão, os muros, cercas e valas comuns etc. Assim, há diferença entre o condomínio voluntário daqueles que têm origem forçada, necessária ou eventual.

A divisão acima é realizada por S.S.V., contudo na mesma pág. (233) ele adverte que a herança é diferente do condomínio, pois naquela o objeto é uma universalidade de bens, todo o patrimônio do falecido. Já o condomínio recai sobre coisa determinada, seja ela divisível ou indivisível.

O artigo 1.314 reza: “Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.

“Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse a estranhos, sem o consenso dos outros”.(correspondência legislativa (parcial). CC/ 1916 623 (caput), e 628 c/c 633 (par. ún.)

Ler W.B.M. p. 198

S.R. “cada comunheiro, em face de terceiros, atua como proprietário exclusivo e ordinário; mas, em face de seus consortes, seu direito esbarra com igual direito dos destes, de maneira que sua atividade, no desfrute da coisa comum, só é permitida enquanto não invadir a área de interesses daqueles”.

S.S.V. diz que a utilização livre da coisa, conforme sua destinação, é conseqüência do direito de propriedade, que encontra limitação apenas no direito dos demais consortes.

No direito de condomínio o uso da coisa (desfrutá-la, emprestá-la ou alugá-la) é decidido pela maioria. É, assim, que se harmoniza a convivência condominial. E, nesse sentido, que se deve entender o termo usar livremente.

Para obtenção da maioria leva-se em consideração a fração das quotas ideais.

Preceitua o “Art. 1.315: O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer com as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estive sujeita. art. 624 CC 1916

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Parágrafo único. Presumem-se iguais as partes ideais dos condôminos”.

Como vimos a maioria é computada considerando as quotas ideais do consorte, assim, é evidente, que pode haver diferenciação entre o valor do voto dos condôminos.

Do mesmo modo, que a fração das quotas ideais influenciam no momento de decidir a utilização do bem, elas também, são preponderadas na repartição de despesas com a coisa, ou seja, os consortes arcarão com os pagamentos conforme suas quotas, exceto, caso haja discriminação Não havendo estipulado presumem-se iguais as partes ideais dos consortes.

Os artigos 1.316 e 1.317 (art. 626, ler N.N.J - decisão) 1.318. e 1.319 (ler decisões N.N.J.).

O artigo 1.320 do CC prevê a possibilidade de divisão do condomínio. Há casos em que o condomínio perdura indefinidamente. Assim, acontece nos casos de condomínio forçado, em que a lei não permite divisão, ou está é naturalmente excluída, por impossível; é o que sucede no caso prédio indivisível, bem como no de tapume divisórios, quando comuns.

Em se tratando, porém, de condomínio ordinário, objetivando coisa divisível, é transitório o estado de comunhão e a qualquer condômino assiste o direito de exigir , a todo tempo, a divisão da coisa comum. Esse direito é assegurado pelo artigo 1.320 que reza:

W.B.M. sustenta que este art. (629), baseia-se na lição da experiência e segundo a qual condomínio constitui sementeira da discórdia.

S.R. “o condomínio, (...), como fonte de demandas e ninho de brigas, situação anômala, cuja existência não se pode negar, mas que fora melhor que não existisse”.

Preceituam os parágrafos do art. 1.320.

W.B.M. adverte que em diversos preceitos legais, timbra o legislador em ressaltar o seu desapreço pela comunhão:

a) quando estabelece a imprescritibilidade da ação divisória, uma vez que, segundo se expressa a lei, a todo tempo, pode ser promovida a divisão;

b) quando dispõe que se a indivisão for estabelecida pelo doador ou testador, não poderá exceder de cinco anos;

c) quando dispõe que estado de indivisão não podem exceder de um qüinqüênio embora suscetível de prorrogação ulterior.

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obs. embora a propositura da ação divisória seja imprescritível, existe a possibilidade de ocorrer a prescrição aquisitiva sobre a coisa em favor de um dos consortes. Para tanto, basta que cesse o estado de comunhão pela posse exclusiva de um dos condôminos, por lapso temporal suficiente, consumada a prescrição aquisitiva este imóvel não pode ser objeto de divisão. O mesmo acontecerá quando diversos condôminos possuírem as respectivas porções materialmente determinadas no solo, como se tivesse efetivamente divisão entre eles. Em qualquer dessa hipóteses, a ação divisória esbarrará no usucapião já consumado.

A divisão pode ser amigável ou judicial. Efetua-se a primeira por escritura pública, em que intervenham todos os condôminos, desde que maiores e capazes. Basta que seja um deles incapaz, ou não acordo, para se imponha a divisão judicial.

Tanto a divisão amigável como a judicial têm por finalidade precípua declarar a porção real de propriedade, que corresponde à quota ideal de cada condômino. Seu objetivo é a obtenção da autonomia de cada quinhão, de modo a constituir um todo independente, perfeitamente individuado, livre da ingerência dos demais condôminos e estranhos.

A ação de divisão, como a demarcatória, apresenta duas fases distintas, a contenciosa e administrativa, ou divisória propriamente dita. Regula-se seu processo pelos arts. 967 e seguintes do CPC.

A petição inicial, segundo dispõe o art. 967, cumpre ao autor ou promovente indicar, primacialmente, a causa ou origem da comunhão, bem como a designação da propriedade comum, com os seus característicos, situação, denominação e limites.

Esses requisitos tornam-se indispensáveis para que a ação atinja o seus fins e para que os réus e terceiros interessados possam defender-se.

Em segundo lugar, é dever do promovente comprovar o seu direito sobre a coisa, prova a ministrar-se na primeira fase da ação. Só pode pedir divisão quem tiver direito real sobre o imóvel dividendo.

Art. 1.321 ......

Caso seja o condomínio em virtude de direito hereditário, primeiro deverá ser processado com a respectiva partilha. Antes desse inventário, não assiste direito ao herdeiro em pedir divisão.

Por outro lado, só se admite divisão quando o promovente, ou algum dos condôminos, esteja na posse do imóvel a dividir-se. Se está é de terceiros, cumpre, antes do mais, reivindicá-la.

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“Art. 1322 – Quando a COISA FOR INDIVISÍVEL, e os consortes não quiserem adjudicá-la a um só, indenizando os outros, será vendida e repartido o apurado, PREFERINDO-SE, na venda, EM CONDIÇÕES IGUAIS DE OFERTA, o condômino ao estranho, e entre os condôminos aquele que tiver feito benfeitorias mais valiosa, e, não as havendo, o de maior quinhão .

Parágrafo único. Se nenhum dos condôminos tem benfeitorias na coisa comum e participam todos do condomínio em partes iguais, realizar-se-á LICITAÇÃO entre os estranhos e, antes de adjudicada a coisa àquele que ofereceu maior lanço, proceder-se-á à LICITAÇÃO entre os condôminos, a fim de que seja adjudicada a quem afinal oferecer melhor lanço, preferindo, em condições iguais, o condômino ao estranho”. (correspondência legislativa (parcial) art. 632 (caput).

Para aplicação do dispositivo legal acima, faz-se necessário que a coisa seja INDIVISÍVEL.

W.B.M. ensina que “coisas indivisíveis, mencionadas no artigo 53, do Código, são as que não se pode partir em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito e as que, embora naturalmente divisíveis, se considerem indivisíveis por lei, ou vontade das partes.Serão, pois, indivisíveis um prédio residencial de pequenas proporções, uma fábrica, um quadro, um automóvel e um imóvel rural que, pela divisão, impróprio se torne ao seu destino”.

obs. O Código Civil que passará vigorar em 2.003, no artigo 87 define o que seja bens divisíveis. Contudo, o texto legal não regulamenta, como fez o Código Civil de 1.916 – art. 53 - os bens indivisíveis. Porém, o conceito destes pode ser obtido, indiretamente, através da definição dos bens divisíveis.

Tratando-se de bem indivisível, desde que não convenha mais a continuação do condomínio, a sua extinção pode ser pedida por qualquer condômino.

DA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO

Defende S.S.V. de que “havendo vários titulares da coisa comum, é necessário que se estabeleça uma gerência, sob pena de o bem perder sua finalidade coletiva e social. Em qualquer corpo social coletivo, há necessidade de alguém assumir a direção, ainda que inexista hierarquia”.

O artigo 1.323 reza: “Deliberando a maioria sobre a administração da coisa comum, escolherá o administrador, que poderá ser estranho ao condomínio; resolvendo alugá-la, preferir-se-á, EM CONDIÇÕES IGUAIS, o condômino ao que não o é”. (correspondência legislativa (parcial). art. 635 §2º (caput 1ª parte); 635 §1º. c/c 636 (caput 2ª parte).

A lei não obriga que os condôminos contratem um administrador, ou seja, é um ato de vontade dos consortes. Porém, quando estes não conseguem o uso em

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conjunto da coisa em comum, pode a maioria optar em contratar um administrador que, inclusive, pode ser um terceiro com relação ao condomínio.

No entanto, caso a maioria decida a alugar a coisa preço por preço o condômino terá preferência.

Cabe ressaltar que a administração pode ocorrer sem que haja ato específico de nomeação; um dos condôminos, por sua própria iniciativa, assume a gestão da coisa comum.

Tal hipótese vem regulamentada no “art. 1.324 O condômino que administrar sem oposição dos outros presume-se representante comum”. (cor. leg. art. 640 CC).

W.B.M. afirma que “por mandato tácito, passa ele a representar os demais consortes. Mas, como é óbvio, sujeitar-se-á a prestação de contas, assegurando-se-lhe direito de reembolso do que vier a despender com a administração da coisa”. Há de registrar que esse condômino só tem poderes para simples administração. Assim, não por ex., alienar a coisa. Atos dessa natureza não obrigam os demais consortes. Ele também não pode, sem prévio consentimento dos outros consortes, dar posse, uso ou gozo da propriedade a estranhos. Ao mandatário tácito assiste o poder de disposição ordinário, como alienar frutos ou produtos de uma propriedade rural.

O mandato tácito é exercido gratuitamente; qualquer retribuição depende de prévio entendimento entre os interessados.

Preceitua o artigo 1325. A maioria será calculada pelo valor dos quinhões.

§ 1º As deliberações serão obrigatórias, sendo tomadas por maioria absoluta.

§2º Não sendo possível alcançar maioria absoluta, decidirá o juiz, a requerimento de qualquer dos condôminos ouvido os outros.

§ 3º Havendo dúvida quanto ao valor do quinhão, será este avaliado judicialmente.(cor. leg. (parcial) 637§§ 1º e 2º e 639 §3º).

O Código Civil de 1916 exigia que “a maioria para as deliberações sejam tomadas por maioria absoluta, isto é, por votos que represente mais de meio valor total (§1.º art. 637 CC).

Porém, o CC de 2.003 não traz a expressão “maioria absoluta”, apenas “maioria”.

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Determina o artigo 1.326 Os frutos da coisa comum, NÃO HAVENDO EM CONTRÁRIO estipulação ou disposição de última vontade, serão partilhados na proporção dos quinhões. (cor. leg. art. 638 CC).

DO CONDOMÍNIO NECESSÁRIO

Regula a seção II do Código Civil, o condomínio em paredes, cercas e muros e valas. Nessas hipóteses, a lei prevê situações específicas de condomínio decorrente do direito de vizinhança.

A essa conclusão chega-se pela leitura do artigo 1.327. O condomínio por meação de paredes, cercas, muros e valas regula-se pelo disposto neste Código (arts. 1.297 e 1.298; 1.304 a 1.307). (cor. leg. 642 do CC 1.916)

O dispositivo legal cita artigos contidos no “Capítulo V, Dos Direitos de Vizinhança”, desse modo, é inquestionável que esse assunto é disciplinado por este instituto.

As obras divisórias são comuns aos proprietários confinantes, salvo prova em contrário. Consagra essa presunção o § 1º do art. 1.297 do CC.

Por conta desses proprietários correrão sempre as despesas com a tapagem das propriedades limítrofes. O interessado em tapar sua propriedade deverá pôr-se em contato com o vizinho e com este avençar a confecção do tapume divisório. Caso não haja acordo, deve ingressar em juízo com a competente ação, a fim de ver reconhecida a obrigação do vizinho de concorrer para a obra art. 1.297 do CC. Se omitir tais cautelas e, não obstante, efetuar a tapagem, presumir-se-á que a fez à sua custa. Assiste, porém, ao vizinho assim beneficiado direito de adquirir meação nas obras divisórias, desde que embolse o seu autor da metade do respectivo valor, bem como do terreno correspondente.

É o que expressamente preceitua o art. 1.328. O proprietário que tiver direito a estremar um imóvel com paredes, cercas, muros, valas ou valados, tê-lo-á IGUALMENTE A ADQUIRIR MEAÇÃO NA PAREDE, muro valado ou cerca do vizinho, embolsando-lhe metade do que atualmente valer a obra e o terreno por ela ocupado (art. .1.297).

Caso os confinantes não consigam chegar em um consenso com relação ao valor da obra, esse será arbitrado por peritos, conforme determina o artigo 1.329. Não convindo os dois no preço da obra, será este arbitrado por peritos, a expensas de ambos confinantes.

Sendo construída a tapagem por um dos confinantes o outro não pode dela utilizar enquanto não pagar a meação.

Art. 1.330 – Qualquer que seja o valor da meação, enquanto aquele que pretender a divisão não o pagar ou depositar, nenhum uso poderá fazer na parede, muro, vala, cerca ou qualquer outra obra divisória.

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DO CONDOMÍNIO EDILÍCIO.

Segundo W.B.M. “essa modalidade especial de condomínio surgiu depois da guerra de 1914-1918, em conseqüência da crise de habitação, que fez desaparecer o equilíbrio entre a oferta e a procura e se agravou com a legislação de emergência sobre o inquilinato, indefinidamente prorrogada, restringindo-se o número de construção.

“Amenizando a situação, apareceu o condomínio em edifícios de apartamentos, que teve, desde logo, franca aceitação, em virtude de vários fatores. Em primeiro lugar, devido ao melhor aproveitamento do solo, redundando, destarte, indiretamente, no seu barateamento. Em segundo lugar, porque se torna mais econômica a edificação, combatendo assim a elevação do custo de vida mercê da aquisição de grandes quantidades de materiais. Em terceiro lugar, porque facilita a obtenção da casa própria, que a todos interessa fomentar, como poderoso elemento de coesão familiar. ...”.

O Código Civil brasileiro de 1.916, embora promulgado na época em que surgia essa modalidade de condomínio não teve intuição do que viria a acontecer em tal assunto. Por isso, não se encontra nele qualquer referência ao condomínio em prédios de muitos pavimentos.

Os primeiros prédios construídos regiam-se pelos usos e costumes, bem como pelas disposições análogas do condomínio em geral. Mas, em virtude de sua importância social e econômica estava a exigir intervenção legislativa. E, assim, surgiu, em 25-6-1928, o Decreto nº 5.481, posteriormente modificado pelo Decreto-lei nº 5.234, de 8-2-1943, e pela Lei nº 285, de 5-6-1948.

Organizou-se desta forma seu ordenamento jurídico, completado por outras disposições avulsas, depois revogado pela Lei nº 4.591, de 16-12-1964, com as alterações da Lei nº 4.864, 29-11-1065.

Diferente do Código Civil de 1916, o novo CC regula a matéria. O assunto encontra-se inserido a partir do artigo 1.331.

Porém antes de estudarmos os artigos, faz-se necessário definir a natureza jurídica do condomínio em edifícios, bem como, sua personalidade jurídica.

Natureza Jurídica

S.S.V. sustenta que “existe nítida e distinta duplicidade de direitos reais”. O direito de propriedade da unidade autônoma é amplo, como na propriedade em geral.

Prossegue o doutrinador que com relação às restrições impostas a convivência material da coisa no plano horizontal, não se distingue muito do direito de propriedade comum que também sofre restrições de uso e gozo, tendo em vista o direito de vizinhança em geral.

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“O direito de usar da unidade autônoma encontra limites apenas nos princípios de ordem natural de vizinhança, de um lado, e de outro nos ordenamentos particulares do condomínio”.

Coexistem, no mesmo espaço, direito de propriedade exclusivo e direito de propriedade comum, para este aplica-se a lei específica e subsidiariamente os artigos de condomínio em geral. Há, desse modo, conjunção dessas duas modalidades de propriedade que se “completam e se interpenetram: um novo direito regulado de forma especial. O titular da unidade autônoma é, portanto, proprietário de um direito complexo”.

Personalidade Jurídica: “Essa comunidade condominial de natureza dúplice não pode ser considerada simplesmente pessoa jurídica, pois de fato faltam-lhes vários requisitos, e a lei não se manifesta expressamente nesse sentido”. (ler decisão S.S.V. 248)

Entre os condôminos falta a afeição de sociedade, contudo, o condomínio age como pessoa jurídica no campo negocial. Assim, o condomínio de edifícios possui o que S.S.V. denomina de personificação anômala.

O CPC adverte:

“Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:

“IX – o condomínio, pelo administrador ou síndico”.

Essa situação causa “conseqüências práticas por vezes desastrosas”. Por ex., quando o cartório imobiliário se recusa a transcrever unidade autônoma em nome do condomínio.

Ora, pode a comunidade condominial decidir ser proprietária de lojas, estacionamento no edifício, locando tais espaços, por conseguinte, reduzindo as despesas condominiais.

Comentando tal situação, João Batista Lopes, citado por S.S.V., sustenta que existe “personificação do patrimônio comum. Se, ao espólio e à massa falida, entidades com personificação transitória se permitem atividades similares, com maior ao condomínio que tem conteúdo amplo de permanência inerente aos direitos reais”. Arrematando a discussão S.S.V. enfatiza que o condomínio não possui personalidade jurídica, por falta de fundamento legal. Mas, personificação anômala conferida pela própria lei condominial e pelo CPC, bem como decorrente de fato social.

Preceitua o artigo 1.331 Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos. (cor. leg. (parcial) ao art. 1º da L 4591/64) (Ler W.B.M. art. 1º p. 216)

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W.B.M. afirma que “Realmente, deparam-se nos edifícios de andares ou apartamentos pertencentes a proprietários diversos uma propriedade comum e uma propriedade exclusiva ou privativa”.

Constituem propriedade comum: o solo em que se constrói o edifício, suas fundações, pilastras, teto, escadas, elevadores, corredores, morado do zelador, em resumo, todos os efeitos e utilidades destinados ao uso comum.

Já a propriedade exclusiva ou privativa constitui-se pelas unidades autônomas, delimitadas pelas paredes divisórias. Cada proprietário tem domínio único e exclusivo sobre suas dependências. Sobre essas seus direitos são quase tão completos, quanto os do proprietário único de sua casa.

Reza o § 1º do artigo 1.331 “As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas, sobrelojas ou abrigos para veículos, com as respectivas frações ideais do solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários”. (cor. leg. (parcial) ao art. 4º da Lei 4.591/64)

§ 2º. O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente ou divididos. (cor. leg. (parcial) ao art. 3º da Lei 4.591/64).

§ 3º A fração ideal no solo e nas outras partes comuns é propor....(cor. leg. (parcial) ao art. 1º, §2º (§3º)

§ 4º Nenhuma unidade imobiliária....

§ 5º O terraço de cobertura.... (CC1344)

O condomínio horizontal pode ser instituído de várias maneiras.

Diz o Art. 1.332 Institui-se o condomínio edilício por entre vivos....

Incisos I, II e III (cor. leg. (parcial) 4.591/64 7.º)

Na constituição do condomínio em planos horizontais, leva-se em conta, por conseguinte, o elemento subjetivo inicial da vontade e o elemento objetivo, ou seja, a edificação atenda os requisitos legais. Ao contrário do condomínio tradicional, não existe condomínio desse teor contra a vontade dos titulares ou decorrente de lei. A esses dois acrescenta-se o terceiro elemento que é o registro imobiliário, o qual lhe confere existência legal (art. 167, I, 17 da Lei nº 6.015/73).

Qualquer que seja a modalidade de constituição, ao lado da instituição do condomínio propriamente dita, deve vir a especificação, que é a essencial descrição e identificação das unidades autônomas, áreas comuns e frações

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ideais do terreno. Tudo isso constará do registro imobiliário. É garantia fundamental do direito dos adquirentes e condôminos.

Convenção de Condomínio. Regimento Interno

O objetivo da convenção de condomínio é regular os direitos e deveres dos condôminos e ocupantes do edifício ou conjunto de edifícios. Trata-se de lei básica do condomínio. É ato normativo imposto a todos os condôminos presentes e futuros.

Dispõe o art. 1333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, ....

Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção ...(cor. leg. (parc.) L 4591/64 art. 9º §2º (caput); 9º, §1º (par. ún.)

Art. 1334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os...

Incisos I, II, III, IV e V. §§ 1º e 2º. (cor. leg. 4591/64 9º §3º (caput); 9º §3º. a,b,d e j (I); 9º §3º e,f e g (II); 9º §3º h, i,l e m (III); 9º §3º c e 21 caput (IV); 9º §3º m (V); 9º caput (§2º).

Segundo S.S.V. a convenção pode incluir quaisquer outras disposições não conflitantes com a lei e o seu espírito. Pode criar, por ex., um Conselho Disciplinar e estabelecer regras das partes comuns etc.

obs. tudo o que não é essencial à constituição e funcionamento do condomínio, mas de cunho circunstancial e mutável, deve ser relegado para o Regimento (ou regulamento) Interno. Por isso, é conveniente que esse regimento à parte, e não juntamente com a convenção, como permite a lei. O regimento está para a convenção como o regulamento administrativo está para lei. Deve completar a convenção, regulamentá-la, sem com ela conflitar. Ocorrendo conflito deve prevalecer a convenção. Ao regimento é conveniente que se releguem normas disciplinadoras de uso e funcionamento do edifício. O regulamento é também fruto de deliberação coletiva, sendo igualmente ato normativo.

Art. 1.335 São direitos do condômino: Incisos I, II e III (cor. leg. 4591/64 19 caput 1ª parte (I); 19 caput 2ª parte c/c 20 (II) ; e 24 (III).

Art. 1.336.....

Ensina S.S.V. que “convivendo em comunidade restrita, embora desfrutando da autonomia de seu direito de propriedade sobre a unidade autônoma, aos condôminos cabem direitos e deveres”.

O principal dever do condômino é concorrer com a sua quota-parte no rateio das despesas do condomínio.

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O condômino é obrigado a obedecer à convenção e ao regulamento. A transgressão deve pagar multa. Qualquer que seja a modalidade de imposição de multa ou penalidade, REQUER QUE SEJA CONFERIDO O DIREITO DE DEFESA AO CONDÔMINO. Para evitar nulidades, o regimento interno deve fixar procedimento administrativo para imposição de penalidades, nos moldes de uma sindicância.

Art. 1.337 O condômino ...

Parágrafo único. O condômino ... (não há correspondência legislativa)

Art. 1.338. Resolvendo o condômino alugar área no abrigo para veículos, .... (não há correspondência legislativa).

Art. 1.339. Os direitos de cada condômino .... (corresp. leg. (parcial) L. 4591/64 3º (caput).

(Ler S.S.V. p. 255 1º § - questões controvertidas).

Art. 1.340. As despesas .... (não há cor. leg.).

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Direitos e Deveres dos Condôminos.

Gera discussão se pode imposta a penalidade de proibição transitória de certas atividades ao condômino. S.S.V. afirma que tanto o condômino ou ocupante, pode ser punido com a suspensão temporária de freqüentar a piscina ou salão de festas do edifício, em razão de comportamento inconveniente.

Sustenta, ainda, S.S.V. que, a convenção e o regulamento condominial pode impor a supressão de serviços essenciais, como água, telefonia e energia elétrica por falta de pagamento. Mas, uma imposição desse nível deve ser medida extrema.

Outra questão que na atualidade deve-se equacionar é a proibição ou restrição de uso do direito da propriedade condominial a determinadas pessoas.

Pode, por ex., a convenção estabelecer que o condômino (ou locatário, comodatário, ocupante a qualquer título, enfim) condenado por certas modalidades de crime fica proibido de residir ou ingressar no edifício?

Segundo o S.S.V. não se pode dar uma resposta conclusiva, contudo, sua inclinação é para aceitar tal imposição, porém, adverte o professor que se faz necessário que lei futura regulamente a matéria, pois a atual legislação não lhe dá respaldo expresso.

Outra questão é saber se convenção ou o regulamento pode impedir que pessoas grande fama, artistas, políticos e outros do mesmo grau também podem ser repelidos da comunidade condominial. A permanência de pessoas nesse nível atrai inevitavelmente a atenção popular e órgãos da imprensa para o edifício.

As associações corporativas e esportivas em geral estabelecem um julgamento prévio para a admissão de seus membros. A situação é analógica no condomínio. Essas pessoas requerem constante vigilância, presença permanente de segurança e guarda-costas o que por si só é inconveniente.

“J. Nascimento Franco e Nisske Gondo (1988:93) lembram da situação em que foi colocado o ex-presidente Richard Nixon, já falecido, que não conseguiu mudar-se para apartamento que adquira na Park Avenue, região mais nobre de New York, porque a convenção de condomínio vedava a ocupação por pessoas dessas graduação, o mesmo tendo sucedido com a cantora Barbra Streisand e com um príncipe saudita. Não se argumente, pois, contra essa proibição com a alegação da amplitude do direito de propriedade e com a garantia constitucional, pois a decisão emana do maior exemplo de democracia do século XX, em que mais se preservam os direitos individuais e sociais”. (S.S.V. p. 255/256).

A conclusão de S.S.V. é no sentido de que a permanência abusiva ou potencialmente perigosa de qualquer pessoa no condomínio deve possibilitar a sua exclusão mediante decisão assemblear, submetendo a questão ao Judiciário.

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JUSTIFICANDO o posicionamento aduz S.S.V. “entender-se diferentemente na atualidade é fechar os olhos à realidade e desatender ao sentido social dado à propriedade pela própria Constituição. (...) deve estabelecer-se ou residir em local apropriado conforme sua condição, estado e personalidade. A situação no caso concreto, contudo, exigirá o diligente cuidado do julgador, pois estarão em jogo dois interesses de elevado grau axiológico, quais sejam, o direito individual do proprietário e o direito do corpo coletivo condominial. Sopesando-se devidamente esses valores, atingir-se-á a solução jurídica justa. (ler p. 256, parte em itálico).

“A lei é omissa, porém, é evidente que os princípios dos direitos de vizinhança e o direito condominial permitem a solução. Prevalecerá sempre o critério do julgador”.

O meio processual para o condomínio fazer cessar o mau uso ou turbação da vida condominial é a ação de obrigação de fazer ou não fazer, com cominação de multa. (decisão pp. 257 e 258).

Há de se registrar que não somente o condômino submete-se aos ditames da convenção, do regimento interno e das regras de vizinhança, mas também o ocupante a qualquer título.

A imposição de multa deve ser aplicada ao responsável ou ao condômino, sendo conveniente que a convenção ou regulamento estabeleça a solidariedade nessa obrigação. Em última análise, o condômino deve ser sempre o responsável pelas obrigações emergentes da vida condominial.

Presença de Animais

A questão deve ser objeto de disciplina na convenção ou regulamento. A jurisprudência propende para a permissão de animais de pequeno porte, que não incomodem a vizinhança, nem se utilize das áreas comuns (Pereira, 1993:171). (ler p. 258 “Tudo dependerá...)

É proibido ao condômino alterar a forma externa da fachada. Isso inclui pintura de cor diferente do padrão do edifício, diferentes luminárias, inclusão de cartazes, etc. O condômino poderá altera, no entanto, alterar a fachada com a “AQUIESCÊNCIA UNÂNIME DOS CONDÔMINOS. A questão atina primordialmente a questão estética do prédio e também segurança.

Há equipamentos de segurança que podem ser colocados nos apartamentos, sem prejuízo dessa proibição, como, por ex., redes de proteção de janelas. O mesmo não se diga de toldos e vidraça de tonalidades diversas, que deverão obedecer a padrão aprovado.

Vagas de Garagem e Áreas de Lazer e de Utilização Comum

A disciplina dessas áreas deve cabe à convenção ou regulamento. Nada impede, antes aconselha, que a utilização de certas dependências e facilidades

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postas à disposição dos condôminos e ocupantes sejam remuneradas, revertendo-se o benefício em prol da administração da coisa comum.

O problema mais crucial nesse aspecto, no entanto, diz respeito às garagens e sua respectiva utilização numa sociedade cada vez mais dependente das quatro rodas.

A garagem pode está ligada à unidade autônoma pode ser considerada também unidade autônoma se corresponder fração ideal do terreno. Além desse aspecto, deve ser demarcada e identificada em planta detalhada presente no memorial e registrada no cartório imobiliário com descrição na especificação do condomínio (Lopes, 1994:64).

Se não preenchidos os requisitos acima, as garagens são consideradas áreas comuns do edifício, tipicamente uma garagem coletiva (Franco e Gondo, 1988:46). Não é lícito ao condômino demarcar sua vaga se se trata de local de uso comum.

A proteção possessória do espaço da garagem individualizado é possível contra quem turbe a posse, contra outro condômino, terceiros ou o próprio condomínio. Tratando de garagem comum, a possessória também é possível contra quem turbe a utilização da coisa comum de forma geral. Não existe possibilidade de usucapião nessa garagem indivisa, porque se trata de posse simultânea (Viana, 1981:45).

Transgride regra convencional e regulamentar o condômino que pretender estacionar maior número de veículos, ou veículo de maior porte, do que lhe assegura o título aquisitivo. Da mesma forma, é transgressor aquele que pretende utilizar espaço da garagem para outra finalidade que não o exclusivo estacionamento de veículos.

A convenção deve fixar a responsabilidade civil referente a furtos, roubos ou danos ocorridos nas garagens e partes comuns do edifício. (ler decisão p. 261).

Inquilino na Unidade Autônoma. Lei do Inquilinato

A vigente Lei do Inquilinato, preocupada com abusos contra locatários de apartamentos, introduziu a possibilidade destes participarem de assembléias, em assuntos pertinentes a despesas que lhes dizem respeito.

Como geralmente as despesas ordinárias são de responsabilidade do inquilino, o locador na maioria das vezes não se preocupa com a votação delas. No entanto, a participação do locatário em assembléia nem sempre será tranqüila, a começar pelo que se entende por despesa ordinária e extraordinária.

A Lei de Locação estabelece o que venha a ser despesas ordinárias e extraordinárias (art. 22 e 23). Verifica-se que o elenco legal não é exaustivo. Sempre haverá zona cinzenta sobre a natureza das despesas do condomínio. A questão, no entanto, sempre se resolverá no nível contratual da locação.

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Perante o condomínio, será sempre o condômino, e nunca o inquilino, responsável pelo pagamento de despesas de qualquer natureza.

Assembléia Geral de Condôminos.

É o poder legislativo do instituto condominial. É órgão deliberativo do condomínio, devendo ser convocado todos os condôminos. A falta de convocação geral idônea sujeita a assembléia a nulidade. O síndico exerce o poder executivo no prédio.

Para efeito de comparecimento às assembléias, a lei refere-se também aos compromissários compradores e cessionários promitentes da unidade.

Haverá uma assembléia ordinária anual, convocada pelo síndico na forma da convenção. Além de qualquer matéria que possa ser colocada na ordem do dia, essa assembléia tem a missão de aprovar as verbas do condomínio, conservação e manutenção. As deliberações da assembléia, tomadas pelo quorum exigido em cada caso, obrigam a todos os condôminos.

Poderão ser realizadas assembléias extraordinárias sempre que houver necessidade, convocadas pelo síndico, ou por condôminos que representem um quarto, no mínimo, do condomínio, observada a representatividade em frações ideais.

Caso não se realize a assembléia devidamente convocada, ou qualquer óbice seja oposto para sua instalação, a matéria deve ser submetida ao Judiciário.

A lei não estabelece a forma de convocação para a assembléia, contudo, ela deve ser escrita, ainda porque dela deve constar a ordem do dia. Não há limite para a discussão de assuntos administrativos e corriqueiros, ainda que da convocação não constem assuntos gerais.

Na contagem dos votos nas assembléias, não se computa o escrutínio por cabeça, mas proporcionalmente às frações ideais de cada condômino. O voto é proporcional, portanto, ao conteúdo e extensão do direito condominial.

Administração do Condomínio. O Síndico.

O síndico desempenha o papel mais importante no condomínio, não só porque o representa ativa e passivamente em juízo, mas também porque exerce as funções executivas de administrador. Da administração deverá o síndico prestar contas à assembléia. Cabe-lhe impor multas na forma da convenção e do regulamento, além de cumprir e fazer cumprir tais atos normativos.

O síndico pode contratar administrador, pessoa natural ou jurídica, delegando-lhe funções administrativas. Deve submeter a aprovação do administrador à assembléia. A convenção pode estabelecer recurso à assembléia contra atos do síndico.

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Será eleito na forma da convenção por mandato não excedente a dois anos, permitida a reeleição. A convenção pode proibir a reeleição por mais de um mandato.

A lei permite que o síndico seja pessoa estranha ao corpo condominial. Em caso de pendência judicial quando se torna inviável a administração por condômino, é facultado ao juiz nomear pessoa estranha para exercer a função de síndico. É a assembléia que estabelece a remuneração do síndico neste caso. Sendo condômino, cabe a convenção ou assembléia disciplinar se mandato será gratuito ou remunerado.

As contas do síndico devem ser prestadas perante a assembléia anual e necessariamente quando findar o seu mandato, sempre perante a assembléia.

A atividade do síndico não caracteriza relação de emprego nem locação de serviço. Ele é representante da comunhão. Não faz jus a remuneração se não estiver prevista.

Extinção do Condomínio Horizontal

Embora seja criado por prazo indeterminado, o condomínio edilício pode extinguir-se.

Apontam-se como causas principais de extinção a desapropriação do edifício, o perecimento do objeto e a alienação de todas as unidades a um só titular.

Na desapropriação, os valores das unidades autônomas caberão a cada titular, repartindo-se por rateio o equivalente às partes comuns. Divide-se a indenização pelas respectivas quotas.

No caso de destruição de menos de 2/3 da edificação, o síndico promoverá o recebimento do seguro e a reconstrução e reparos. (p. 269).

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Ponto 21

Da Propriedade Resolúvel.

Essa modalidade de propriedade contraria o princípio geral que “uma vez dono, sempre dono”, pois nessa hipótese a propriedade pode findar-se, resolver-se com o implemento da condição ou do advento do termo.

Diz o “artigo 1.359. Resolvida a propriedade pelo implemento da condição ou pelo advento do termo, entendem-se também resolvidos os direitos reais concedidos na sua pendência, e o proprietário, em cujo favor se opera a resolução, pode reivindicar a coisa do poder de quem a possua ou detenha”. (cor. leg. art. 647 do CC 1916).

A condição e o termo são institutos regulamentados na parte geral do CC. Os princípios decorrem dos artigos 128 (condição resolutiva) e 135 (termo inicial e termo final, aplicando-se neste último os princípios das condições resolutivas).

O fenômeno diz respeito à propriedade sob a condição resolutiva e sob termo final, porque impensável o instituto sob a condição ou termo suspensivo (Miranda, 1971, v.14:114, citado por S.S.V).

W.B.M., citando, Clóvis Bevilacqua, define propriedade resolúvel como “aquela que no próprio título de sua constituição encerra o princípio que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou vindo o termo extintivo, seja por força de declaração de vontade, seja por determinação da lei”.

Prosseguindo W.B.M. sustenta que: “realmente, na aquisição de determinado bem, móvel ou imóvel, pode-se incluir cláusula resolutória, por força da qual, num dado tempo, o domínio ficará resolvido. Essa cláusula resolutória pode constituir em termo ou condição. Verificado o advento do primeiro, ou implemento da segunda, julga-se resolvido o domínio”.

Ex. Pacto de Retrovenda – art. 505 CC. p. 205; Substituição Fideicomissária – art. 1951 – p. 636 N.N.J. (sobre fideicomisso, S.S.V. p. 221).

Nessa hipótese, existe um proprietário atual e um proprietário diferido = (adiado), com mero direito eventual.

Assevera S.S.V. de que esse proprietário diferido possui direito eventual porque já pode dispor de meios para proteger o seu futuro direito, como exigir caução contra riscos de perda ou deterioração da coisa. Desse modo, não se trata de mera expectativa de direito, cuja existência não confere qualquer tipo de ação, pois não há direito subjetivo a ser defendido, como sucede na expectativa de se receber uma herança. Propriedade resolúvel ou revogável, segundo definição de Clóvis Bevilacqua, “é aquela que no próprio título de sua constituição encerra o princípio que a tem

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de extinguir, realizada a condição resolutória, ou vindo o termo extintivo, seja por força de declaração de vontade, seja por determinação de lei”.

Conclusão: nos casos de propriedade resolúvel, o domínio é CONDICIONAL, com produção de efeitos retroativos – ex tunc.

Propriedade Resolúvel por Causa Superveniente

A revogação do direito de propriedade pode advir de causa posterior, neste caso, “não existe a semente da resolubilidade na origem do domínio”. Essa é estranha ao título de transmissão da propriedade.

Preceitua o art. 1.360 Se a propriedade se resolver por outra causa superveniente, o possuidor, que a tiver adquirido por título anterior à sua resolução, SERÁ CONSIDERADO PROPRIETÁRIO PERFEITO, restando à pessoa, em cujo benefício houver a resolução, ação contra aquele cuja propriedade se resolveu para haver a própria coisa ou seu valor. (cor. leg. art. 648 CC 1916).

“Quando se resolve o domínio por fato alheio ao título, a solução legal é recorrer à ação de reivindicação da coisa, se esta ainda estiver em mãos do adquirente, ou à simples indenização, se com terceiros de boa-fé”.

O exemplo característico é a revogação de doação por ingratidão do donatário. Essa ingratidão decorre do numerus clausus do art. 557. No entanto, na própria disciplina da doação o artigo 563 resguarda o direito adquirido de terceiros. Destarte, se a coisa foi alienada a terceiro de boa-fé, a revogação gera apenas o direito à indenização pelo valor da coisa.

No caso em estudo, o efeito é ex nunc.

DA PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

S.S.V. sustenta que a necessidade crescente de dinamizar e facilitar o crédito, bem como a circulação de riqueza, fez surgir a alienação fiduciária em garantia introduzida originalmente em nossa legislação para dar substrato aos contratos de financiamento de bens móveis duráveis, inserindo, assim, mais um direito real de garantia, com características próprias.

Cabe destacar que a Lei nº 9.514, de 20-11-97, dispondo sobre o Sistema Financeiro imobiliário, institui a alienação fiduciária de IMÓVEIS. Assim, é possível a utilização do instituto para aquisição tanto de móveis como imóveis.

Há de se registrar, ainda, que a alienação fiduciária para os imóveis possui a mesma concepção material do instituto original, embora os procedimentos sejam diversos.

S.R. definindo esta modalidade de propriedade ensina “a alienação fiduciária em garantia é o negócio jurídico mediante o qual o adquirente de um bem transfere o domínio do mesmo ao credor que lhe emprestou o dinheiro para

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pagar-lhe o preço, continuando o alienante a possuí-lo pelo constituto possessório, resolvendo-se o domínio do credor quando for pago de seu crédito”.

Prosseguindo S.R. diz “trata-se de um negócio que tem por escopo garantir um empréstimo, feito pelo financiador ao adquirente, para que este pague o preço da aquisição. Para garantir o reembolso da quantia mutuada o adquirente transfere ao financiador o domínio da coisa comprada, que a conserva até ser pago do preço”.

Nesse sentido preceitua o art. 1.361 Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1º. Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, ...

§ 2º. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa.

§ 3º A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária.

Alienação Fiduciária, tal como descrito em nossa lei, tem como objetivo principal facilitar a aquisição de bens, e garantia mais eficaz ao financiador, protegido pela propriedade resolúvel da coisa financiada enquanto não paga a dívida, munindo-lhe o legislador de instrumentos processuais eficientes.

A expressão fiduciária deriva da palavra fidúcia que se traduz ‘confiança’, no direito romano realmente o negócio fiduciário era baseado na confiança, não havia o intuito de garantia como ora existe. A nossa alienação fiduciária em virtude dos mecanismos rigorosos de proteção ao credor desmentem à evidência a rotulação conferida ao instituto.

Na garantia fiduciária encontramos a seguinte situação: a) o credor mantém a propriedade do bem até o final do pagamento do valor financiado; b) o devedor mantém a posse direta, mas não a propriedade, não tendo disponibilidade da coisa.

A TRANSCRIÇÃO DO CONTRATO no Registro de Títulos e Documentos é imprescindível para prevalecer com relação a terceiros. Com relação a veículo automotor deve constar do CERTIFICADO DE REGISTRO exigido pela legislação de trânsito. Nesse sentido, a orientação da jurisprudência a entender que a alienação fiduciária, tratando-se de veículo, há de ser consignada no respectivo certificado, não bastando o arquivamento no Registro de Títulos e Documentos, ao contrário do que ocorre com outros bens.

A lei confere ao alienante fiduciário de coisa móvel o status de depositário, sujeitando-o aos encargos civis e penais dele decorrentes. Esse aspecto de depositário é enfatizado, inclusive, pelo artigo 1.363 do Código Civil, que reza:

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“Antes de vencida a dívida, o devedor, a suas expensas e risco, pode usar a coisa segundo a sua destinação, sendo obrigado, como depositário:

“I – a empregar na guarda da coisa a diligência exigida por sua natureza;

“II – a entregá-la ao credor, se a dívida não for paga no vencimento”.

Na alienação fiduciária o bem é transferido para fins de garantia, distinguindo-se dos outros direitos reais de garantia (hipoteca, penhor e anticrese), porque nestes existe direito real limitado, enquanto naquele opera-se a transferência do bem. No penhor e na hipoteca, o credor tem direito real sobre a coisa alheia, enquanto na garantia fiduciária, possui direito real sobre a própria coisa.

Distingue-se a alienação fiduciária do negócio denominado venda com reserva de domínio, cuja propriedade permanece com o vendedor até liquidação integral do preço financiado ou devido.

Garantia Fiduciária dos Bens Móveis. Requisitos e Alcance. Sujeitos.

Com o negócio, o CREDOR FIDUCIÁRIO passa à condição de proprietário dos bens alienados pelo DEVEDOR FIDUCIANTE. Todavia, o credor fiduciário não é proprietário pleno, mas detém a propriedade resolúvel nos termos do artigo 1.359. Uma vez extinta a dívida, opera-se a resolução da propriedade, que se torna plena para o devedor alienante.

Na hipótese de alienação fiduciária, tanto para móveis como para imóveis, a causa de extinção é o pagamento integral da dívida. Não se trata de causa superveniente, mas da própria razão de existência do instituto.

O art. 1.365 proíbe que o credor fiduciário, mesmo tornado-se proprietário pleno, fique com o bem.

“Art. 1.365. É NULA a cláusula que autoriza o proprietário fiduciário a ficar com a coisa alienada em garantia, se a dívida não for paga no vencimento”.

Comentando o dispositivo legal diz S.S.V. “de certa forma, há incongruência entre o fato de o credor tornar-se proprietário pleno do bem pelo não-pagamento da dívida e a impossibilidade de ficar com a coisa. Contudo, a construção legal visou impedir abusos, POIS A FINALIDADE É EMINENTEMENTE GARANTIDORA DA OBRIGAÇÃO, não se tratando de contrato de alienação de bens”.

O parágrafo único do art. 1365 preceitua: “o devedor pode, com a anuência do credor, dar seu direito eventual à coisa em pagamento da dívida, após vencimento desta”.

O artigo 1.364 dispõe que “vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor”.

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A venda a terceiros faz surgir a questão do preço justo da alienação, que sempre pode ser discutido pelo interessado. Como a venda não necessita ser judicial, não se impondo também o leilão, pode dar margem a abusos.

Caio Mário da Silva Pereira (1993:310), citado S.S.V., “qualifica como ilógica a solução do legislador, que se teria deixado levar pelos princípios dos demais direitos em garantia. Defende, em razão da natureza da garantia fiduciária, a possibilidade de o credor ficar com o bem financiado, entendendo que o direito do devedor está assegurado pela possibilidade de purgar a mora em duas oportunidades, quando é intimado para pagar e nos três dias da citação na ação de busca e apreensão”. “A crítica mantém-se também para a estrutura do instituto nos imóveis”.

O artigo 1.362 e seus incisos trazem os requisitos necessários do contrato:

“Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I – o total da dívida, ou seja estimativa;

II – o prazo, ou a época do pagamento;

III – a taxa de juros, se houver;

IV- a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.

A transmissão fiduciária não implica em compra e venda e com esse contrato não se confunde. Trata-se de negócio que visa garantir uma obrigação. Na realidade, ocorre uma transmissão abstrata, simbólica da coisa, pois o alienante continua na posse imediata.

Para figurar como alienante fiduciário, a legitimação e capacidade são dos atos civis em geral.

Como o instituto vinha disciplinado na lei de mercados e capitais, a primeira dúvida surgida foi quanto à legitimação para figurar como adquirente fiduciário. A princípio, fixou-se a idéia de que apenas as instituições financeiras poderiam concluir o negócio. Os instrumentos materiais e processuais postos à disposição do credor reforçavam esse entendimento.

A jurisprudência alargou essa interpretação, no sentido de permitir os consórcios de financiamento.

S.S.V. que “doravante a propriedade fiduciária de bens móveis disciplinada pelo Código Civil, torna-se evidente que qualquer pessoa poderá valer-se do instituto do direito material, salvo proibição expressa que venha ocorrer”.

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Todavia, adverte o professor que “os princípios que regem os procedimentos da lei especial continuarão a ser aplicáveis apenas às instituições financeiras e assemelhadas, até que outra norma disponha diferentemente. Se o proprietário fiduciário não for instituição financeira, deverá valer-se dos meios processuais ordinários, não podendo se utilizar da ação de busca e apreensão, mas, a nosso ver, não se lhe frustra a ação de depósito, pois o art. 1.363 é expresso a esse respeito. Com a palavra o legislador e a jurisprudência”.

Conseqüências do Inadimplemento na Alienação Fiduciária de Bens Móveis

Havendo inadimplemento da obrigação, a lei especial abre ao credor, que no caso será instituição financeira ou assemelhada, quatro possibilidades:

1) a alienação da coisa para haver o preço do débito em aberto, se esta lhe for entregue efetivamente pelo devedor (§4º do art. 66 e art. 2º do Decreto-lei nº 911/69);

2) ação de busca e apreensão, que autoriza a apreensão da no início da lide (art. 3º do Decreto-lei nº 911/69);

3) ação de depósito na hipótese de o bem não ter sido encontrado na busca e apreensão que em pedido de depósito poderá ser convertida (art. 4º);

4) ou em propositura autônoma de ação executória (art.º 5º).

A execução também persiste para a cobrança de saldo em aberto quando o preço da venda não for suficiente para extinguir a dívida (§5º do art. 66).

Em tese, o credor fiduciário nesse sistema de lei especial pode optar por uma dessas medidas. Entretanto, é a ação de busca e apreensão regulada pelo decreto-lei que fornece o meio mais eficaz de realização do valor da dívida.

A mora decorrerá do simples vencimento do prazo de pagamento (§2º do art. 2º), podendo ser comprovada por carta registrada expedida pelo cartório de títulos e documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor. A mora ou inadimplemento antecipado permite que se considere vencida de pleno direito a dívida integral (§3º).

O proprietário fiduciário ingressará com a ação de busca e apreensão contra o devedor ou terceiro. A eficácia real do direito permite buscar a coisa em mãos de quem se encontre. Apresentada em termos o pedido e comprovada a mora ou inadimplemento, a liminar será concedida de plano. A citação ocorre apenas após a efetivação da apreensão do bem (art. 3º). No prazo de cinco dias após executada a liminar o devedor pode pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário (§2º do art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69) (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004 – em vigor desde 3.8.3004). No prazo de quinze dias DA EXECUÇÃO DA LIMINAR, o réu pode responder A DEMANDA.

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A resposta poderá ocorrer ainda que devedor tenha se utilizado da faculdade do §2º caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar a restituição (Redação da Lei 10.931/04).

Ao contrário da ação decorrente da venda com reserva de domínio, essa busca e apreensão independe de avaliação do bem. Não havendo purgação da mora e sendo insubsistente a contestação, o decreto de procedência consolidará a propriedade e a posse plena e exclusiva nas mãos do proprietário fiduciário (§5º do art. 3º).A procedência do pedido da ação de busca e apreensão é o único meio legal de a propriedade consolidar-se a favor do credor. A apelação dessa sentença terá apenas o efeito devolutivo e não impedirá a venda extrajudicial do bem alienado, que é obrigatória.

Caso o pedido de busca e apreensão seja julgado improcedente, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinqüenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado. (§6º do art. 3º do Decreto 911/69) (Redação da Lei 10.931/04).

O pagamento da multa não exclui a responsabilidade por perdas e danos (§7º, art. 3º - Redação dada pela Lei 10.931/04).

Qualquer outra matéria que o réu pretenda discutir somente poderá fazê- lo em processo autônomo, que não terá o condão, como regra, de impedir o prosseguimento da ação de busca e apreensão.

Se o bem não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, processando-se nos mesmos autos, na forma dos arts. 901 e ss. do CPC.

O réu será citado para, no prazo de cinco (5) dias, entregar a coisa ou pagar o equivalente, com cominação de pena de prisão até um ano. Julgado procedente o pedido de depósito, o juiz expedirá mandado para a entrega em 24 horas da coisa ou equivalente em dinheiro (art. 904 do CPC). Não entregue a coisa, decretará a prisão, matéria hoje que é discutível. Existe jurisprudência que vê obstáculos legais para essa prisão.

Na garantia fiduciária o equivalente em dinheiro da ação de depósito é o valor do débito em aberto, com juros, multa, correção monetária e acréscimo contratuais cabíveis. A jurisprudência é pacífica que na expressão deve ser entendido não o valor do bem, mas o saldo devedor em aberto (RT 611/118, JTCSP 104/102).

“A Constituição Federal de 1988 manteve a possibilidade de prisão depositário infiel (art 5º, LXVII). O devedor fiduciário assume o compromisso de fiel depositário da coisa alienada. Em que pese os argumentos em contrário, não vemos razão naqueles que sustentam a insubsistência de prisão do devedor decorrente dessa ação de depósito. Não se trata de prisão de dívida, mas de

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prisão por quebra da confiança decorrente do depósito. A prisão não decorrente do inadimplemento, mas do fato de o devedor não estar mais na posse do bem”.

A orientação mais recente do STJ é no sentido de que o dispositivo da Lei nº 4.728/65 e Decreto-lei nº 911/69 não foi recepcionado pela CF, não mais estando autorizada a prisão do depositário nessa hipótese (HC 5.583/DF). Contudo, não há ainda uma posição definitiva.

A alienação e cessão de posição contratual do adquirente fiduciário somente podem ocorrer com a imprescindível aquiescência do credor. Porém, o art. 1,368 autoriza que terceiro pague a dívida.

“Art. 1.368 – O terceiro, interessado ou não, que pagar a dívida, se sub-rogará de pleno direito no crédito e na propriedade fiduciária”.

Segundo S.S.V. essa disposição visa atender a situações que ocorrem com freqüência, nas quais o credor fiduciário, perante o inadimplemento do devedor, transfere a sua posição contratual a terceiro, geralmente pessoa jurídica especializada em cobranças nesse campo. Desse modo, o cessionário pode figurar como autor nas ações decorrentes da alienação fiduciária.

Cabe ressaltar que, de qualquer modo, essa sub-rogação legal descrita no artigo 1.368 aplica-se a qualquer hipótese de pagamento de dívida por terceiro.

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DA SUPERFÍCIE – Ponto 22

Segundo S.S.V “a superfície é instituto de origem exclusivamente romana. Decorreu da necessidade prática de permitir a construção em solo alheio, principalmente sobre bens públicos. Os magistrados permitiam que comerciantes instalassem tabernas nas ruas, permanecendo o solo em poder do Estado. Entre particulares, o instituto estabelecia-se entre contrato. É consagrado como direito real em coisa alheia na época clássica. Permitia-se a plena atribuição do direito de superfície a quem, sob certas condições, construísse em terreno alheio. Assim, passou-se a permitir que o construtor tivesse obra separada do solo. No entanto, no direito romano, o direito de superfície somente era atribuído a construções, não se aplicando às plantações em terreno alheio”.

CONCEITO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE.

N.N.J. “É direito real autônomo, distinto do de propriedade, de construir ou de plantar em terreno alheio por prazo determinado. Pode ser instituída em propriedade urbana ou rural. A superfície confere a propriedade ao superficiário (propriedade superficiária), de natureza resolúvel, pois se resolve decorrido o tempo determinado no contrato (...).

S.S.V. “Trata-se, (...), de uma concessão que o proprietário faz a outrem, para que se utilize de sua propriedade, tanto para construir como para plantar...”

O Código Civil Brasileiro introduziu o direito de superfície, regulamentando a matéria nos arts. 1.369 a 1.377. O instituto também está disciplinado no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/01, nos arts. 21 a 23.

Analisaremos, assim, a regulamentação tanto no CC como no Estatuto da Cidade.

Dispõe o art. 1.369: “O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

“Parágrafo único: O direito de superfície não autoriza obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão”.

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Adverte S.S.V. que o CCB refere-se apenas ao direito superficiário de construir ou plantar, não mencionando o direito correlato, mencionado pelo Código português, o de manter no local as plantações ou construções já existentes.

Entretanto, em seu entendimento, é também possível essa possibilidade em nosso direito, não havendo razão para a restrição. Cita como exemplo, a hipótese de um prédio inacabado que o superficiário propõe a terminar. (tal fato é denominado no direito português de sobreelevação). Inclusive, o Estatuto da Cidade é nesse sentido. Na lei citadina “o direito concedido é para superficiário utilizar o solo, subsolo ou espaço aéreo, de forma geral.

A escritura pública gera apenas efeitos pessoais entre as partes. O efeito de direito real somente é obtida com o registro imobiliário.

N.N.J. adverte que “o direito real de superfície se constitui mediante escritura pública, que deverá ser registrada no cartório de registro de imóveis. A forma é prescrita expressamente na lei, de modo que a escritura pública é da substância do ato. Não tem validade a instituição de direito real de superfície de outra forma que não a de escritura pública (CC 104 III e 108)”.

Segundo S.S.V. embora o Código Civil seja omisso é possível impor, através de testamento, ao legatário ou ao herdeiro a obrigação de constituir o direito de superfície em favor de alguém.

S.S.V. afirma que o Estatuto da Cidade entrou em vigor noventa dias após sua publicação, portanto antes do CC. Então, é de se perguntar se, no conflito de normas, o CC, como lei posterior, derroga os princípios do Estatuto. Entretanto, ele sustenta que não, pois o Estatuto é um microssistema, tal como o CDC e a Lei do Inquilinato, assim, o Estatuto, em princípio, vigorará sobre as demais leis, ainda que posteriores. A matéria, todavia, é polêmica, e longe está a unanimidade. O legislador não nos ofertou uma diretriz.

O Estatuto da Cidade como demonstra sua autodenominação dirige-se aos imóveis urbanos. O CC se aplicará aos imóveis rurais.

Preceitua o art. 21:

“O proprietário poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis.

§1º O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

§2º A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa”.

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O CC só permite a concessão do direito de superfície por prazo determinado, todavia, o Estatuto admite também por prazo indeterminado. Assim, S.M.J. a definição do conceito do direito de superfície do Prof. N.N.J. merece ser excluída a expressão prazo determinado, para que tal definição esteja em harmonia tanto com o CC como com Estatuto da Cidade.

S.S.V. adverte que admissão do prazo indeterminado é inconveniente, porque o Estatuto não disciplina o prazo razoável para resilição.

Nota-se, assim, que há dois tratamentos diferenciados para o mesmo direito de superfície. Sendo o prazo indeterminado, o contrato será desfeito pela denúncia vazia e, assim, é conveniente que os contratantes estipulem um prazo razoável para a mesma.

S.S.V. diz caso não haja estipulação de prazo razoável para a denúncia vazia, “haverá querela a ser dirimida pelo Judiciário, que levará em conta o art. 473, parágrafo único do novo Código”.

“Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e vulto dos investimentos”.

Caramuru Afonso Francisco, citado por S.S.V. ensina que na denúncia imotivada, o superficiário terá direito à retenção por benfeitorias e acessões até a satisfação da indenização, salvo se se tratar de hipótese de cumprimento contratual.

Logo, portanto, para evitar discussões é melhor que as partes contratantes convencionem o prazo de duração do direito de superfície ou estipulem o destino das benfeitorias e construções.

A regra no CC é não utilização do subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão, o Estatuto da Cidade já traz que o direito de superfície abrange o direito de usar o solo, subsolo e o espaço aéreo.

Comentando o assunto, S.S.V. assevera que “em qualquer situação, no entanto, deve ser analisado se a utilização do subsolo é essencial ao direito de superfície que foi constituído, mesmo porque, pela própria denominação do instituto, a utilização deve ser da superfície do solo. É claro que as fundações para a edificação devem ser consideradas necessárias para o exercício do direito. Da mesma forma, se foi contratada a construção de garagens ou pavimentos no subsolo, essa utilização deve ser admitida.

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“Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel”.

O pagamento dos tributos refere-se tanto aos relativos ao solo quanto da superfície.

O Estatuto no § 3º do art. 21 preceitua:

“O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo”.

Com relação à parte grifada, S.S.V. pondera que há uma confusão no Estatuto (pág. 386).

“DIREITOS DAS PARTES. PAGAMENTO. TRANSMISSÃO DO DIREITO. PREFERÊNCIA”.

O contrato que constitui a superfície pode ser gratuito ou oneroso. Na dúvida presume oneroso, pois se trata de cessão de parcela importante da propriedade (S.S.V.).

“Art. 1.370. A concessão da superfície será gratuita ou onerosa, se onerosa, estipularão as partes se o pagamento será feito de uma só vez, ou parceladamente”.

Esse pagamento é denominado cânon superficiário (S.S.V.) para N.N.J. solarium.

Não há indicação de que forma será estipulado o parcelamento, sendo este mais prolongado o direito de superfície aproximará de um arrendamento e mais se afastará da enfiteuse.

A falta de pagamento ensejará a propositura da ação de cobrança ou de extinção da concessão, por infração contratual.

“Art. 1.372. O direito de superfície poderá transferir-se a terceiros e, por morte do superficiário, aos seus herdeiros.

“Parágrafo único. Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela transferência”.

O §§ 4º e 5º do art. 21 do Estatuto da Cidade rezam – pág. 1193 N.N.J.

Nota-se, que, com a morte o direito de superfície é transmitido aos herdeiros. Com relação alienação a terceiros o parágrafo único do art. 1372

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expressamente veda o pagamento de qualquer valor pelo ato, contudo, o Estatuto da Cidade é omisso nesse pormenor, podendo dar margem à discussão, de que tal proibição não se aplica às concessões de superfície urbana.

S.S.V. pondera que a proibição contida no CC, aplica-se também ao direito superficiário urbano, pois supletivamente ele é empregado no que for a lei especial omissa.

O direito de preferência é também previsto para o direito de superfície tanto para alienação do imóvel como para o direito de concessão de superfície.

“Art. 1373. Em caso de alienação do imóvel ou de direito de superfície, o superficiário ou o proprietário tem direito de preferência, em igualdade de condições”.

“Art. 22. Em caso de alienação do terreno, ou de direito de superfície, o superficiário e o proprietário, respectivamente, terão direito de preferência, em igualdade de condições à oferta de terceiros”.

“A finalidade desse direito de preempção é consolidar a propriedade em um único titular, quando possível”.

Afirma S.S.V. que em virtude do CC não inserir no capítulo específico o modo que se exercerá o direito de preferência, deve-se utilizar do direito de preempção regulada no CC, nos arts. 513 ss. (pág. 387).

“Quando não for concedido esse direito de preferência, responderá aquele que deixou de concedê-la por perdas e danos, respondendo também, solidariamente o adquirente, se tiver agido de má-fé (art. 518). Não existe a possibilidade de o preterido na preempção depositar o preço e haver para si a coisa, como autoriza a lei do inquilinato”. (S.S.V. p. 387)

EXTINÇÃO

Há vários motivos que levam a rescisão da concessão do direito de superfície.

1) “A falta de pagamento do cânon é motivo de rescisão, levando em conta o que estiver estabelecido no contrato. Há que se verificar se é dado ao superficiário purgar a mora. A resposta como regra geral, deve ser afirmativa. A discussão se transfere até que momento pode a mora ser purgada.

2) “Estabelecido por prazo determinado, o advento do termo final extingue o direito”.

2.a) Todavia, “questão que logo se planta no pacto estabelecido por prazo determinado é se o instituto se prorroga por prazo indeterminado se as partes não se manifestarem no final e se, também, a situação da superfície permanecer inalterada. (...). A melhor solução é entender que no silêncio das

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partes o contrato passa a vigorar por prazo indeterminado, assim como direito real. O caráter do direito não permite outra solução. obs. “enquanto não cancelado o registro imobiliário, o instituto prossegue gerando efeitos erga omnes. O art. 24, § 2º, do Estatuto da Cidade, dispõe que a extinção do direito de superfície será averbada no cartório de registro de imóveis. Essa extinção também pode decorrer de sentença em processo no qual a matéria é discutida”.

3) “o direito de superfície também pode ser extinto por infração às cláusulas contratuais”. (art. 1374 e 24, § 1º, CC e Est. da Cidade, respectivamente).

“Não é a única possibilidade, porém, de denúncia motivada. A superfície pode ser rescindida igualmente, por exemplo, se o imóvel é deixado em estado de abandono, permitindo o superficiário sua deterioração”. Sendo extinta concessão, “o proprietário readquirirá a propriedade plena sobre o terreno, construção e plantação, independentemente de indenização, salvo estipulação o contrário (art. 1375, Estatuto da Cidade, 24). A presença do superficiário ou de seus prepostos ou familiares no imóvel, após extinta a concessão, caracteriza posse injusta, que autoriza a reintegração de posse”.

Art. 1.376; e 1377.

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DAS SERVIDÕES – Ponto 23.

Resumo histórico

O Código de 1916, trazia o título de “Servidões Prediais”, a fim de distingui-las das servidões pessoais (usufruto, uso e habitação), sendo a utilização do adjetivo criticado pela doutrina.

W.B.M. “o qualificativo constitui, porém, resíduo inócuo da terminologia tradicional”.

S.S.V. “..., no Código Civil de 1916 encontra-se a epígrafe Das servidões prediais, na verdade servidões propriamente ditas, porque usufruto, uso e habitação não merecem mais a denominação de servidões pessoais. O novo Código se reporta ao título “servidões”. No entanto, no direito romano encontravam-se princípios comuns a ambas as categorias. Cuida-se de direitos reais sobre coisa alheia e assemelham-se de muitas as formas em seus modos de constituição, defesa e extinção (Alves, 1983:397). Destarte, verifica-se que nosso direito não acolhe as denominadas servidões pessoais”.

Nota-se, assim, que a servidões são direitos reais que advém do direito romano, W.B.M. adverte que “são os direitos reais mais antigos, talvez os únicos existentes, ao lado da propriedade, no primitivo jus civile dos romanos”.

Conceito

Servidões são restrições impostas a um prédio para uso e utilidade de outro prédio, pertencente a proprietário diverso (W.B.M., pág. 271)

Lafayette citado por S.R. define a servidão predial como “o direito real constituído em favor de um prédio (o dominante), sobre outro prédio (o serviente), pertencente a dono diverso” (pág. 277)

S.R. diz, ainda, que esse tal conceito pode ser complementado “com a idéia de que a servidão tem por fim aumentar a utilidade do prédio dominante e implica restrições trazidas ao prédio serviente” (pág. 277).

O art. 1.378 preceitua:

“A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constituiu-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

Comentando o artigo, S.S.V. adverte que “poderíamos inferir que os sujeitos ativo e passivo emergentes nas servidões seriam efetivamente os prédios e não seus proprietários, o que obviamente é inadmissível, pois não há relação jurídica sem sujeitos. As servidões estabelecem-se nos

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prédios em prol dos proprietários (ou possuidores, enfiteutas, usufrutuários etc.) presentes e futuros”.

Elementos da servidão

A primeira advertência que a doutrina faz é que não existe servidão sobre a própria coisa. Desse modo, para existir servidão é necessário que os dois prédios envolvidos na relação jurídica material sejam distintos, que se traduz, no sentido que os proprietários de ambos os prédios têm de ser diferentes. Caso os imóveis sejam do mesmo dono, não há de se falar de servidão, pois o proprietário exerceria os seus direitos de retirar da coisa todas as utilidades que ela produzisse.

W.B.M. sustenta que “...em todas as servidões, apenas serve a coisa, não o dono. Essa regra distingue servidão de obrigação, porquanto o dono do prédio serviente não se obriga à prestação de um fato positivo ou negativo, mas apenas assume o encargo de suportar certas limitações instituídas em favo do dominante. Como esclarece SAVIGNY, a obrigação restringe a liberdade natural da pessoa, a servidão restringe a liberdade natural da coisa”. (pág. 272)

S.R. admite que “..., em matéria de servidão, tem-se afirmado imprecisamente, que ela se estabelece entre prédios, para sugerir que, uma vez criado esse direito real, ele se transmite a quem quer seja o proprietário do prédio dominante, e onera o prédio serviente, seja quem for seu dono.

“Porque as obrigações do proprietário do prédio serviente são propter rem,isto é, decorrem da relação da pessoa com a coisa, seguem esta última, vinculando seu dono, seja ele quem for”.

Entretanto, S.R., ao contrário do que pensa o Prof. W.B.M., sustenta que “a servidão envolve uma obrigação negativa, ou seja, não consiste, ordinariamente, no dever de efetuar uma prestação, (...), mas num ônus imposto ao dono de um prédio, em benefício de outro, e representado pelo dever daquele de não se opor a que o primeiro possa desfrutar de vantagem sobre o seu imóvel....” (pág. 279)

Geralmente no estabelecimento da servidão os prédios são confinantes, contudo, há possibilidade da restrição alcançar prédios separados como o caso de servidão de aqueduto e com a servidão de passagem. O Código Civil de 1916, em seu art. 696, determinava não se presumir a servidão. Esse dispositivo legal não foi repetido pelo atual CC. Todavia, o que se presume é o direito pleno de propriedade, por isso, qualquer restrição deverá ser provada. A pessoa que alegar a servidão terá o ônus de provar a maneira legal que a obteve.

“No conflito de provas apresentadas pelo autor e pelo réu, quanto à servidão, decide-se, na dúvida, contra esta, porque neste campo a interpretação é sempre restrita (cf. julgado do Tribunal de São Paulo, RF, 82/363) (S.R., p. 282).

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Natureza jurídica da servidão.

“A servidão é um direito real sobre coisa alheia, de caráter acessório, perpétuo e indivisível”. (S.R. pág. 280).

Comentando suas características se diz que é real porque o titular da servidão possui as prerrogativas exercer o seu direito erga omnes e há de considerar o seu direito de seqüela. É alheio pois o exercício de tal prerrogativa dá-se sobre a propriedade de outrem. A servidão é acessória, porque existe um direito principal – a propriedade -, pois se concede ao proprietário do prédio dominante. A servidão é perpétua, no sentido de que é irresgatável sem anuência do proprietário do prédio dominante. Portanto, sua tendência é durar indefinidamente, a menos que ocorra uma causa de extinção daquelas compreendidas na lei. Ademais, a servidão se diz indivisível, como de resto proclama o art. 1.386 do Código Civil. Isso significa que subsiste, no caso de partilha, em benefício de cada um dos quinhões do prédio dominante, e contínua a gravar cada um dos quinhões do prédio serviente, salvo se, por natureza ou destino, apenas se aplicar a certa parte de um, ou de outro. (S.R. págs. 280/281).

Portanto, a servidão não se desdobra. Ela constitui um todo único, que remanesce a gravar o prédio serviente, ainda que este, ou o dominante, seja dividido; e só se extinguirá, em face de alguns dos quinhões, se por sua natureza, ou por seu destino, não puder a eles aproveitar.

“Art. 1.386. As servidões prediais são indivisíveis, e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio serviente, salvo, se por sua natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro”. (decisões nº 3, pág. 398 S.S.V.).

“As servidões ligam-se por vínculo real a imóvel alheio. Destarte, não podem ser destacadas dos prédios, sob pena de tornarem-se instituto diverso da servidão. As servidões são direitos reais acessórios, que não subsistem sem os prédios. É sua característica, portanto, a inseparabilidade. A servidão vem ligada ao prédio dominante. Pode ocorrer que existam servidões que gravem prédios de toda uma área rural ou de todo um bairro, sem que sejam limitações administrativas, porque constam de título constitutivo emergente da vontade. Cada prédio atravessado por um aqueduto ou por um caminho é considerado prédio serviente. Existem várias servidões nessa hipótese. A servidão também pode-se estabelecer em favor da enfiteuse ou do usufruto (Miranda, 1971, v. 17: 189) (apud S.S.V. pág. 397).

Classificação das servidões

Há várias classificações realizadas pela doutrina. S.R., adota duas que segundo ele se destacam “pelo interesse teórico e prático. São as que separam as servidões em contínuas e descontínuas, de um lado; e aparentes e não aparentes de outro”.

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“A servidão ser diz contínua quando se exerce ou pode exercer-se ininterruptamente, como é o caso das servidões de aqueduto, ou de passagem de energia elétrica, ou de iluminação e ventilação”.

“Descontínua, quando o seu exercício é intermitente, sofrendo interrupções. Todas as servidões que dependem de fato do homem são, necessariamente, descontínuas”, (...), tais como direito de passagem, de pastagem, de tirar água e outros semelhantes.

“Servidões aparentes são as que se revelam por obras exteriores, indispensáveis ao seu exercício, como a servidão de caminho por uma estrada que conduz ao prédio dominante, ou a de aqueduto...”

“Não aparentes são as que não se revelam por obras externas, e seu exemplo clássico é a servidão (...) da não construir acima de certa altura”.

S.R. adverte que “essa classificação conserva considerável importância porque há regras que só se aplicam às servidões contínuas e aparentes”.

“As servidões contínuas e aparentes podem ser objeto de posse; as descontínuas e não aparentes não podem. Se a posse é exteriorização do domínio, tal exteriorização só se pode ser manifestar, no concerne às servidões, quando estas são aparentes e contínuas; pois a falta de um desses pressupostos impede que ocorra exteriorização de poderes inerentes ao domínio”. Nesse sentido, é o preceito do artigo 1213 do CC. (Decisão nº 2, pág. 395 S.S.V.)

Nota-se, assim, que a servidão não aparente e descontínua não pode ser objeto de usucapião. O art. 1379 do CC, reza:

“Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

“Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião SERÁ DE VINTE ANOS”.

A parte destaca do artigo choca-se com o disposto no art. 1238 que estabelece o prazo de quinze anos para a usucapião ordinária.

S.S.V apresenta outra classificação das servidões:

Servidões urbanas que devem ser entendidas as que se referem à utilidade de prédio edificado e não porque localizadas zonas urbanas.

Servidões rurais são as que proporcionam maior utilidade ao solo do imóvel.

Essas mesmas servidões podem ser classificadas em positivas e negativas.

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Qualificam-se como positivas as servidões que se traduzem em permissão da prática de atos sobre o prédio serviente. Assim, por exemplo, a servidão de passagem.

As servidões negativas implicam abstenção ao titular do prédio serviente, como a proibição de construir.

Depois assevera S.S.V. que é importante diferenciar as servidões aparentes das não aparentes. Essa distinção refere-se à exteriorização do direito real. As servidões aparentes manifestam-se materialmente, são perceptíveis à vista, como, por exemplo, o aqueduto. Servidões não aparentes são as imperceptíveis, não visíveis, que não se manifestam por sinais externos, como no exemplo da servidão de não construir.

“A servidão de caminho poderá ser considerada aparente se deixar resquícios materiais, como marcas de rolamento no solo, pavimentação, sarjetas etc”. (ver decisões nº 1, pág. 395, S.S.V.).

Adverte o Prof. que “as servidões devem harmonizar-se com as regras de direito de vizinhança, não podendo invadir a esfera de normas cogentes. Servidões podem ser estabelecidas como supletivas e complementares ao direito de vizinhança”.

Por último, S.S.V., traz a classificação em contínuas e descontínuas. Servidão contínua é a que, após estabelecida, persiste independente do ato humano, como ocorre com a de passagem de água. Descontínua é a que depende da atividade humana atual, como a servidão de trânsito e a de retirar água.

Há de se destacar que “essas classificações combinam-se entre si” podendo ser:

a) servidão contínua e aparente – ex. como aqueduto

b) contínua e não aparente – ex. como a de abrir janela ou porta;

c) descontínua e aparente – ex. caminho marcado no solo;

d) descontínua e não aparente – como a de caminho sem qualquer marca visível. Servidão sobre condomínio

Nós vimos que para se estabelecer o direito de servidão é necessário que os donos dos prédios sejam distintos, pois “não existe servidão em prédio próprio, a qual, no que se refere ao aspecto material, é vista como simples serventia do imóvel, pois o direito de proprietário sobre coisa sua é ilimitado como regra geral. Qualquer caminho ou canalização de água que o proprietário tenha em seu imóvel traz utilidade a sua própria coisa, dentro do exercício inerente a seu

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direito de propriedade. Destarte, quando o dono de prédio dominante adquire o imóvel serviente, extingue-se a servidão.

“Dúvida surge sobre a possibilidade de constituição de servidão sobre imóvel do qual o titular do prédio dominante é condômino, ou vice-versa. Havendo dois imóveis vizinhos, em um deles há um proprietário comum, Como a propriedade não é exclusiva e o condomínio pode sempre se extinguir, a existência de servidão nessa hipótese não viola a regra geral de impossibilidade de servidão sobre coisa própria, ainda porque se resguarda a utilidade do prédio dominante para o não-condômino. A servidão tem sempre um caráter duradouro e não serve este ou aquele proprietário, mas quem quer que se coloque como tal” (S.S.V. 396).

Da constituição da servidão

Nós sabemos que a regra é o direito de propriedade pleno. Assim, qualquer limitação ou restrição deverá ser provada. Como já dissemos, o CC 1916 expressamente dizia que a servidão, como limitação ao direito de propriedade, não se presumia. Embora o novo CC não repita tal preceito, é entendimento doutrinário que a servidão não pode ser presumida.

Nesse sentido, categoricamente, leciona S.S.V.

“As servidões não se presumem. Exigem o registro imobiliário. Podem ser constituídas por contratos, ato de última vontade, destinação do proprietário e por usucapião. “A instituição de servidão por contrato requer escritura pública quando acima do valor legal, exigindo o registro para converter-se em direito real. Somente quem dispõe de imóvel pode constituir servidão, a título gratuito ou oneroso. Nessa situação se colocam o proprietário e o enfiteuta. Não pode fazê-lo o condômino isoladamente, porque, para estabelecer restrição na coisa comum, necessita da autorização dos demais comunheiros, nem o nu-proprietário, se não autorizado pelo usufrutuário”. (pág. 403).

S.R. adverte que a servidão não se presume (pág. 284). Ele enumera os modos de constituição das servidões, da seguinte forma: “I – ato jurídico; II – sentença judicial; III – usucapião; IV – destinação do proprietário.

“O ato jurídico constituidor da servidão pode ser causa mortis ou entre vivos.

No primeiro caso, a servidão decorre de testamento. O proprietário, ao testar um prédio, impõe ao beneficiário o encargo de uma servidão, em favor de outro prédio.

Contudo a servidão tem por fonte mais freqüente o ato entre vivos, de caráter bilateral, ou seja, o contrato. Embora se possa concebê-la a título gratuito, o seu estabelecimento a título oneroso é mais correntio.

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Através do contrato de constituição de servidão, e contra determinada paga, o dono do prédio serviente concordar em atribuir ao dono do prédio dominante algumas vantagens que passam a onerar aquele prédio, em benefício deste. Registrado no Cartório de Registro de Imóveis o título constitutivo, surge o direito real, que ultrapassa a pessoa atual dos contratantes, para vincular seus sucessores, quaisquer sejam eles.

II – O Código de Processo Civil, nas ações de divisões, contempla a hipótese de se fazer necessário o estabelecimento de servidões, a fim de possibilitar a utilização dos vários lotes em que foi repartido o imóvel. Determina, assim, o legislador que no plano da divisão sejam instituídas as servidões que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros (CPC 979, II). Homologada a divisão e devidamente registrado o título, fica constituída uma servidão, que teve sua origem em sentença judicial.

“Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos artigos 963 e 964, as seguintes regras:I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro”.

III – “...O exercício incontestado e contínuo (abrange, portanto, só as servidões contínuas)” de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do artigo 1242 autoriza o interessado registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumada a usucapião” art. 1379 CC. “O processo será o mesmo já referido para a aquisição da propriedade plena, através da prescrição aquisitiva, e constante dos arts. 941 e seguintes do CPC.

Diz o “Art. 941. Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se lhe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial ” . (ler nota de rodapé – S.R. pág. 286) Em virtude da necessidade da posse para a propositura da ação usucapienda, a doutrina tem afirmado de que o manejo da tal ação só é possível nas servidões contínuas e aparentes, pois só elas são suscetíveis de posse. Todavia, a jurisprudência tem reconhecido a servidão de trânsito que é descontínua. (S.S.V. pág. 395 – dec. nº 1, b).

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S.R. é favorável a esse posicionamento jurisprudencial, diz o doutrinador que “com efeito, se o possuidor da servidão não esconde os atos possessórios que pratica; se estes ao contrário, revelam-se por sinais externos de incontestável evidência, sem esbarrar com oposição do proprietário serviente, é razoável que se reconheça a sua condição de possuidor da servidão.

... RECONHECIDA A POSSE GERA ELA OS SEUS DOIS PRINCIPAIS EFEITOS, OU SEJA, DIREITO AOS INTERDITOS E À USUCAPIÃO”.

IV – Destinação do proprietário. Sustenta S.R. que “a servidão se constituir por destinação do proprietário quando este estabelece serventia em favor de um prédio sobre outro, ambos de sua propriedade, ou entre duas partes do mesmo prédio que lhe pertence. Sem dúvida, no momento em que a serventia é estabelecida não se trata de servidão, pois é elementar ao conceito desse direito real pertencerem os prédios dominante e serviente a pessoas diversas.

Entretanto, no momento em que o domínio dos dois prédios sair das mãos do mesmo dono, quer por o antigo proprietário alienar um deles, quer por vender ambos a donos distintos, a serventia anteriormente estabelecida, se for aparente, transforma-se em servidão, podendo ser inscrita para se constituir direito real”.

LAFAYETTE citado por S.R. pondera que “Se o senhor de dois prédios estabelece sobre um serventias visíveis em favor do outro, e posteriormente aliena um deles, ou um e outro passam por sucessão a pertencer a donos diversos, as serventias estabelecidas assumem natureza de servidões, salvo cláusula expressa ao contrário”.

“O requisito da aparência é fundamental, porque a solução jurisprudencial se funda no propósito de proteger a boa-fé do adquirente do prédio dominante, que, vendo-o beneficiado pelas serventias estabelecidas pelo proprietário anterior, tem justa expectativa de imaginá-lo titular daquelas vantagens, a título de servidão. Assim, se as serventias não são aparentes, não se transformam em servidões, por destino do proprietário”.

Do exercício da servidão

A servidão como se nota é uma restrição ao prédio serviente, por isso, as obras de conservação da servidão e uso pertence ao titular do prédio dominante. Sendo mais de um titular do direito de servidão tais despesas devem ser rateadas entre eles.

Preceitua o art. 1.380 do CC:

“O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão despesas rateadas entre os respectivos donos”.

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As partes envolvidas nessa relação jurídica, no entanto, podem estabelecer que a manutenção e conservação serão realizadas pelo dono do prédio serviente, desde que tal fato conste do título.

“Art. 1.381. As obras a que se refere o artigo antecedente devem ser feitas pelo dono do prédio dominante, se o contrário não dispuser expressamente o título”.

Segundo S.S.V., “nessa hipótese, a doutrina entende que são obrigações acessórias da servidão, o que não a desnatura, pois podem decorrer do próprio interesse do prédio serviente. É o exemplo da obrigação do titular do prédio serviente em manter a água do aqueduto limpa e fluente (Borda, 1984, v. 2:125) ou pavimentada e florida a servidão de passagem. Todavia, tornando-se gravosa essa obrigação para o proprietário do prédio serviente, a lei faculta-lhe a exoneração, abandonando”, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante. (obs. pequena alteração na redação do prof. S.S.V. para ficar em consonância com art. 1382 do CC – pág. 397).

Reza o art. 1.382 do CC que

“Quando a obrigação incumbir ao dono do prédio serviente, este pode exonerar-se, abandonando, total ou parcialmente, a propriedade ao dono do dominante.

Parágrafo único. Se o proprietário do prédio dominante se recusar a receber a propriedade do serviente, ou parte dela, caber-lhe-á custear as obras”.

S.R. citando Clóvis Bevilacqua adverte que a servidão como restrição ao direito de propriedade deve ser exercida, “evitando-se, quanto possível, agravar o encargo do prédio serviente e limitando-se às necessidades do prédio dominante. Qualquer excesso praticado pelo dono deste constitui ou ato contra o direito, se exceder os limites do título constitutivo da servidão, ou ato abusivo de direito se, embora não excedendo aqueles limites, contrariar os fins para que a servidão foi constituída.

Assim, se o proprietário do prédio dominante retira do prédio serviente 15.000 litros d’ água, quando seu direito, de acordo com o título constitutivo de servidão, era retirar 5.000, seu ato é contra o direito, por colidir com os termos do contrato. Mas, se embora sem dela necessitar, retira os 5.000 litros d’água que o contrato lhe conferia, para desperdiçá-la, seu ato é apenas abusivo de direito. Nem por isso, porém, deixa de ser ilícito, pois de acordo com o art. 187 do CC, pratica ato ilícito quem usa de seu direito de modo irregular”.

“Art. 1.385 Restringir-se-á ....

A servidão, em virtude de seu caráter restritivo, “não pode ser ela ampliada, mediante interpretação extensiva, pois tal procedimento iria chocar-se com a regra já apontada, de que a servidão não se presume” (S.R. pág. 290).

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Entretanto, se ao titular de servidão se impõe o dever de usá-la de maneira modera e racional, e dentro dos termos de seu título, ao dono do prédio serviente também se impõe, paralelamente, o dever de não embaraçar, de modo algum, o uso legítimo da servidão.

“Art. 1.383. O dono do prédio serviente...

O entendimento é que a servidão maior inclui a de menor ônus. Essa regra, é expressa para servidão de trânsito (§ 2º, do art. 1.385 do CC), e é aplicável quando possível, às demais servidões.

Ex. se o proprietário tem direito de passar com um automóvel, naturalmente pode passar a pé, pois isto representar menor ônus para o prédio serviente.

Porém, não poderá ampliar a servidão. se a servidão é para transitar a pé não pode transformar em estrada, isso equivaleria aumentar o ônus e a lei veda (§1º do art. 1.385 do CC).

O parágrafo 3º do art. 1.385, prevê a “ampliação compulsória da extensão da servidão” que de certo modo refoge a sistemática do instituto que, em regra, se estabelece “por ato de vontade: expressa, nas hipótese de advir de negócio jurídico; presumida, nos casos de usucapião ou destinação do proprietário.

O § 3º do art. 1.385. determina: “Se a necessidade da cultura, ou da indústria, do prédio dominante ...

O legislador, em tal hipótese, “vai permitir um aumento da servidão mesmo contra a vontade do dono do prédio serviente, para facilitar a exploração do prédio dominante. Trata-se, portanto, de um caso de expropriação por interesse particular, pois é para satisfazer ao interesse do prédio dominante que a lei obriga o dono do prédio a sofrer restrições em seu domínio.

“Indiretamente, entretanto, o preceito visa atender a um interesse social, de desenvolvimento da produção,...”. (pág. 291, S.R.).

Remoção da servidão

“Sempre inspirado na idéia de que o ônus representado pela servidão deve ser o mais leve possível, permite o legislador, ao dono do prédio serviente, a remoção do encargo de um lugar para outro, contato que o faça a sua custa e não diminua, de qualquer forma a vantagens do prédio dominante” (S.R. 292).

“Art. 1.384.

S.S.V. sustenta que “o critério da utilidade da remoção deve demonstrado e depende do caso concreto. Podem as partes contratar essa mudança”. Contudo, caso não consiga um consenso, faz-se necessário buscar a tutela jurisdicional. “O pretendente deve provar necessidade e não pode diminuir a utilidade proporcionada pela servidão, nem diminuir as vantagens, como está

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na lei. Pode necessitar alterar o trajeto da servidão de caminho para construir no local e impedir a invasão de sua privacidade, por exemplo. Por vezes, a diminuição de vantagens do prédio dominante será inevitável, como maior extensão de percurso na servidão de trânsito, por exemplo. O dispositivo não pode ser aplicado, desvinculado das regras de vizinhança, tão próximas das servidões. Tudo dependerá do bom-senso na decisão do caso concreto”. (ver decisão, pág. 402)

Extinção da servidão.

“Como a servidão só se constitui através do registro, é normal que sua extinção ocorra, ordinariamente, por meio do cancelamento de tal registro”. Nesse sentido, é comando do artigo 1.387 do Código Civil:

“Salvo nas desapropriações, a servidão, uma vez registrada, só se extingue, com respeito a terceiros, quando cancelada”.

“Parágrafo único. Se o prédio dominante ...”

O credor hipotecário é um interessado ou proprietário em potencial e a extinção da servidão pode diminuir o valor do imóvel, por isso, se mencionar a servidão no título hipotecário será necessário para o seu cancelamento a anuência do credor.

A extinção da servidão é regulamentada em dois artigos separados. “No primeiro – art. 1.388 - , defere ao dono do prédio serviente o direito de promover o cancelamento do registro da servidão, ainda que o dono do prédio dominante lho impugne, nas hipóteses que consigna. No segundo – art. 1389 -, figura como causas extintivas do direito real”.

Cabe ressaltar, que “a causa extintora seja autônoma, ela deve ser complementada pelo cancelamento do registro. O que – repito – ajusta-se à lógica do sistema: a servidão se constitui pelo registro e se extingue pelo cancelamento do registro”.

Pode o dono do prédio serviente promover o cancelamento – art. 1388.

I – quando o titular houver renunciado a sua servidão;

“A renúncia é ato jurídico unilateral, expresso, através do qual o titular de um direito declara seu propósito de afastá-lo de seu patrimônio. É nisso que a renúncia se distingue do abandono”. II – quando tiver cessado, para o prédio dominante, a utilidade ou a comodidade, que determinou a constituição da servidão;

A doutrina crítica a redação desse inciso, afirmando que a hipótese é de prédio encravado, sendo, portanto, matéria disciplinada pelo direito de vizinhança. “A situação é de extinção de passagem forçada e como tal deveria ser tratada e colocada na lei” (S.S.V. – 407). “Se o prédio não era propriamente encravado,

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mas a passagem servia para aumentar a utilidade do prédio, a abertura de acesso à via pública por si só não permitir extinguir a servidão”.

Cabe ressaltar, que não é só a servidão de passagem que pode ser cancelada quando perde a razão de ser, mas, também, por exemplo, a servidão de colher água, se no prédio dominante surgiu uma nascente.

III – quando o dono do prédio serviente resgatar a servidão;

“O resgate, em matéria de servidão, não é compulsório, só podendo ser levado a efeito se houver anuência do dono do prédio dominante”.

Art. 1.389. Também se extingue ....”

I – pela reunião dos dois prédios no domínio da mesma pessoa;

Trata-se do fenômeno denominado de confusão, “quando um único proprietário passa a ser dono do prédio dominante e do prédio serviente”. A servidão passa a condição de serventia.

II – pela supressão das respectivas obras para efeito de contrato, ou de outro título expresso;

III – pelo não uso, durante dez anos contínuos;

“Vimos que a servidão é estabelecida sob o critério de utilidade para o prédio dominante. Cessada a utilidade e não fazendo seu titular mais uso dela, não há por que se manter a restrição ao prédio serviente. Para a consumação do não-uso, é irrelevante a causa que o motivou. Só é relevante o fato da inércia do titular. Sendo vários os titulares de uma servidão, o não-uso por alguns não implica não-uso legal, se outros titulares continuam exercendo o direito”.

A de se observar que nas servidões negativas, “o não-uso caracteriza-se pelo erguimento de obra ou pela atividade que o dono do prédio serviente estava comprometido a não fazer, como, por exemplo, não construir. O prazo do não-uso, nesse caso, é contado do início da atividade contrária à abstenção. Nas servidões positivas, o não-uso concretiza-se pela não-utilização: não se utiliza mais a servidão de trânsito; não se vai buscar mais água no terreno do vizinho, por exemplo. O prazo de não-uso flui a partir do último ato praticado. Tal como na prescrição extintiva, permite-se a interrupção e suspensão do prazo, regendo-se por seu princípios”.

Ações relativas à servidão

“Sendo a servidão direito real suscetível de posse, pode o seu titular defendê-la através dos interditos possessórios.

“A ação confessória, cujo escopo é alcançar o reconhecimento judicial da existência de uma servidão”. Trata-se de denominação advindo do direito

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Justiniano. Tramita pelo rito ordinário, é busca-se provar “esse direito real sobre a coisa alheia, se contestado pelo dono do prédio serviente. Nessa ação, discute-se o fundamento da servidão. Seu cunho é petitório”.“De outro lado, o proprietário de qualquer prédio tem a ação negatória, igualmente de procedimento ordinário e de natureza petitória, contra quem se arvore em tentar a existência de servidão que o autor repute inexistente. Seu objetivo precípuo é provar que sua propriedade está livre e desembaraçada de qualquer servidão, quando um vizinho pretende defender sua existência”.

Em ambas as hipóteses – confessória ou negatória – podem a ação possessória ser o remédio mais eficaz. Na primeira, contra quem esteja impedindo o exercício da servidão. Na segunda, é impedir o exercício da servidão tida como inexistente.

Negada pelo proprietário a existência de qualquer servidão, o ônus da prova transfere-se todo ao réu, não somente porque os fatos negativos independem de prova, como também porque a propriedade presume-se livre de qualquer gravame. Supõe-se que ao domínio nada restringiu ao se compor o direito real.

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Ponto 24 - USUFRUTO

Origem:

O usufruto é originário do direito romano, sendo definido como “o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e perceber-lhe os frutos, ressalvada a sua substância”. (W.B.M. p. 292).

“Embora a propriedade tivesse em Roma feição absoluta e exclusiva, reconheciam-se, contudo, a vantagem e a utilidade de ceder a outrem o gozo de uma coisa, conservando o dono, para si, a propriedade de sua substância”.

S.S.V. sustenta que o nascimento do usufruto “está relacionado com o direito de família. No casamento, a mulher não ingressava na família do marido, não se tornando herdeira. Para evitar que em seu falecimento ficasse em penúria, o varão designava usufrutuária de certos bens de seu patrimônio, independente de testamento”.

Conceito:

“Usufruto é um direito real transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertecentes a outra pessoa, a qual conserva a substância” (S.S.V. 411).

Clóvis Beviláqua, citado por S.R., define “o usufruto como o direito real, conferido a uma pessoa, durante certo tempo, que autoriza a retirar da coisa alheia os frutos e utilidades que ela produz”.

S.R, afirma que essa definição encontra-se incompleta, pois não contém a idéia de preservação da substância, que é elementar à noção de usufruto.

Lafayette, segundo S.R., define o instituto como “o direito real de retirar da coisa alheia durante um certo período de tempo, mais ou menos longo, as utilidades e proveitos que ela encerra, sem alterar-lhe a substância ou mudar-lhe o destino”.

W.B.M. afirma que se vê, pela definição “que o usufruto pressupõe a coexistência de dois sujeitos: o usufrutuário e o nu-proprietário. Ao primeiro confere o uso e o gozo da coisa, e a segundo pertence a substância da coisa. Tem este a nua-propriedade, o domínio despojado de seus elementos vivos, os quais se atribuem ao primeiro, usufrutuário”.

S.S.V. adverte que o usufruto na atualidade tem pouca utilidade prática restringindo-se “quase exclusivamente às hipóteses de doação por ascendentes a descendentes com reserva de usufruto vitalício aos primeiros. Nas separações conjugais e no direito testamentário também é útil para acomodar situações de partilha, em o juiz não possa concedê-lo de ofício, como em outras legislações. Fora dessas hipóteses, não mais encontrará a utilidade original do Direito Romano, embora nosso ordenamento desça às minúcias tradicionais de todas as legislações para regulamentá-lo”.

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Natureza jurídica e classificação do usufruto

O usufruto sendo um direito real “exige sua transcrição imobiliária no respectivo registro, averbando-se junto à matrícula (salvo para o resultante de direito de família), quando se tratar de imóveis. É afastada qualquer relação pessoal ou obrigacional nesse instituto. Possui, portanto, direito de seqüela, acompanhando o bem com quem se encontre ou onde se encontre. Uma vez estabelecido, a discussão que se estabelece sobre sua existência e reivindicação é de natureza petitória, embora os remédios possessórios também o protejam nas premissas conhecidas”.

A determinação de se registrar o usufruto, está contido no art. 1391 que reza

“O usufruto de imóveis, quando não resulte de usucapião, constituir-se-á mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

“Esse registro (...) é indispensável, não importa o modo de constituição do direito real (inter vivos ou mortis causa). Claro, porém, que o registro é apenas necessário para usufruto relativo a bens imóveis. Tenha-se presente ainda que o decorrente de direito de família – art. 1.689, inc. I - não depende de registro. Esse usufruto não constitui direito real, mas relação de natureza especial, regulada pelo direito de família. Profundamente diversas em sua essência, não se confundem as duas modalidades. Ao usufruto legal não se aplicam absolutamente as normas previstas nos arts. 1.390 e seguintes do Código Civil de 2003, por não se tratar de direito real”. (W.B.M. pág. 298, inclusão do art. 1689, I, nossa).

No mesmo sentido, S.S.V. adverte que “o usufruto decorrente de lei, encontrável no direito de família e no direito das sucessões, deve ser colocado à margem do instituto tradicional, ao menos quanto à forma de constituição. (...). O usufruto paterno (preferível utilizar a expressão familiar, pois o CC, atual, falar em poder familiar) distancia-se flagrantemente do usufruto decorrente de ato de vontade...” (pág. 417). Em virtude de ser um direito estabelecido sobre coisa alheia, “pressupõe a convivência harmônica dos direitos do usufrutuário e do nu-proprietário. Os elementos que distinguem os direitos de ambos são o proveito da coisa em benefício do usufrutuário e a substância da coisa que permanece com o nu-proprietário. O caráter alimentar originário em favor do usufrutuário permanece no instituto, como percebemos na prática de reserva de usufruto feita pelos ascendentes nas doações, instrumento jurídico comum no universo negocial”.

“O usufrutuário mantém a posse direta do bem. O nu-proprietário é possuidor indireto”. Importante relembrar que o primeiro, ou seja, possuidor direto, pode defender sua posse, pelos meios possessórios inclusive contra o nu-proprietário.

Ao usufrutuário é reservado o direito de fruir da coisa, auferindo seus frutos civis ou naturais. “O usufrutuário pode, portanto, ceder a coisa terceiros, dá-la

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em locação e comodato, ou qualquer outro negócio jurídico atípico para essa finalidade”.

“A finalidade e essência do usufruto nasceram direcionadas às coisas duráveis, móveis ou imóveis, não fungíveis”. Contudo, às vezes, o usufruto recai sobre coisas consumíveis, cujo uso importa destruição imediata da própria substância. Neste caso, quando o usufruto incida sobre bens consumíveis se denomina usufruto impróprio ou quase-usufruto. “Trata-se de modalidade que contraria a própria essência do instituto, a conservação da coisa pelo usufrutuário, a fim de entregá-la ao nu-proprietário. Ora, não se pode conservar a coisa consumindo-a ou destruindo-a. Demais, nessa espécie de usufruto, não se verifica a simultaneidade de sujeitos (usufrutuário e nu-proprietário). Existe, em verdade, um único titular, o usufrutuário, ressalvando-se apenas ao nu-proprietário o direito de reclamar oportunamente a restituição do equivalente”. (W.B.M, pág. 304). “O usufrutuário é o verdadeiro proprietário, que tem pela frente um credor da restituição ...” (Fulvio Maroi, apud W.B.M., pág. 304). “Ou ainda, como diz CARVALHO SANTOS, em vez de se falar em usufruto, que se diga uso especial”. (W.B.M., pág. 305).

O usufruto impróprio ou quase-usufruto, ou uso especial, como quer Carvalho Santos, está previsto no §1º do art. 1.392, que preceitua

“Se, entre os acessórios e os acrescidos, houver coisas consumíveis, terá o usufrutuário o dever de restituir, findo o usufruto, as que ainda houver e, das outras, o equivalente em gênero, qualidade e quantidade, ou, não sendo possível, o seu valor, estimado ao tempo da restituição”.

Adverte S.S.V. que o legislador disse menos do que pretendia, pois o disposto no parágrafo acima se aplica, também, “aos bens fungíveis em geral, embora nem sempre o que é fungível seja consumível”. Ex. os móveis que guarnecem a casa são bens fungíveis, mas não consumível. O usufruto pode recair sobre bens individualizados ou sobre o patrimônio, conforme se infere do art. 1390 do CC, que reza

“O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis , em patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo em parte, os frutos e utilidades”.

Nós vimos que a primeira classificação do instituto é: usufruto próprio e impróprio, sendo próprio quando recai sobre coisas inconsumíveis e infungíveis; impróprio, quando incide sobre consumíveis e fungíveis.

A segunda classificação ocorre pelo objeto que pode ser de coisa certa e determinada ou poder constituir-se usufruto universal, total ou parcial do patrimônio. “O testador pode instituir herdeiro em todo o seu patrimônio ou fração dele. Os pais, por exemplo, têm usufruto universal dos bens dos filhos menores – art. 1.689, inc. I -. Ao referir-se ao patrimônio, a lei objetiva a universalidade de direito. Não obstante, a universalidade de fato, como

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rebanho ou biblioteca, pode da mesma forma ficar sujeita ao usufruto”. (obs. inclusão do dispositivo legal).

S.R. adverte que “o usufruto tem um campo de incidência muito maior que a enfiteuse e as servidões, que recaem somente sobre bens imóveis”.

Características do usufruto

Para S.R. “encarando o usufruto pelo ângulo do usufrutuário, fácil e fixar suas características fundamentais: trata-se de direito real, sobre coisa alheia, de uso e gozo, temporário, e, em nosso sistema, inalienável.

“Trata-se de um direito real, pois se reveste de todos os elementos que marcam os direitos dessa natureza.

“Recai diretamente sobre a coisa, não precisando o seu titular, para exercer o seu direito, de prestação positiva de quem quer que seja. Vem munido de direito de seqüela, ou seja, a prerrogativa concedida ao usufrutuário de perseguir a coisa nas mãos de quem quer que injustamente a detenha, para usá-la e desfrutá-la como lhe compete. É um direito oponível erga omnes e sua defesa se faz através de ação real.

“(...)

“O usufruto é um direito real sobre coisa alheia, pois, se fosse sobre coisa própria, confundir-se-ia com o domínio. No usufruto, alguns dos direitos elementares do domínio, ou seja, o direito de uso e gozo, se destacam para se incorporar ao patrimônio do usufrutuário.

“Ao usufrutuário, como disse, competem os direitos de uso e gozo. Uso significa a utilização pessoal da coisa, pelo usufrutuário ou seus representantes; gozo representa a prerrogativa de retirar e fazer seus os frutos naturais e civis da coisa. Por isso que o usufrutuário tem o gozo da coisa, compete-lhe não só o direito de consumir ou vender os frutos naturais, como também o de dar a coisa em locação, fazendo seus os algueres. Isso é o que distingue o usufruto do direito real de uso, em que o usuário tem o direito de utilizar, mas não o de ceder, o exercício de sua prerrogativa.

“O usufruto é, por índole, temporário. A lei determina sua extinção, de maneira inexorável, pela morte ou renuncia do usufrutuário (art. 1410, I), ou, findo o prazo de trinta anos, se aquele for pessoa jurídica (art. 1410, III).

“Ainda sob esse aspecto, o usufruto se distingue da enfiteuse, que é perpétua.

“Aliás, examinando os fins da enfiteuse e os do usufruto, ver-se-á que eles justificam a perpetuidade daquela e a temporariedade deste. De fato, na enfiteuse tem-se em vista não só a proteção do enfiteuta, que põe a terra inexplorada a produzir, como o interesse da sociedade, que reclama melhores condições para a exploração de sua riqueza imobiliária. No usufruto, ao contrário, visa-se apenas à proteção do usufrutuário; ora, assim sendo, essa

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proteção só se justifica enquanto o protegido viver; daí a razão de sua transitoriedade.

“Pode-se mesmo dizer que o usufruto é um direito real em benefício de um indivíduo. Talvez isso explique o fato de os antigos chamarem o usufruto, o uso e a habitação de servidões pessoais.

“Finalmente, o direito do usufrutuário é inalienável, e, ainda aqui, encontramos outra diferença entre o usufruto a enfiteuse. A regra não é, contudo, peculiar à índole do instituto, é a própria lei que a consigna...”.

O artigo 1.393 reza

“Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso”.

Assim, a alienação é vedada, contudo, pode usufrutuário, por exemplo, arrendar a propriedade que lhe foi deixada em usufruto, recebendo o valor do arrendamento, em vez de ser obrigado a, ele mesmo, colher os frutos e assumir o risco do empreendimento.

S.S.V. comentando o artigo ensina que “o direito do usufrutuário é intransmissível e assim expresso no artigo 1.393 do novo Código. Fosse isso permitido, estabelecer-se-ia usufruto sobre outro usufruto (subusufruto), que contraria sua índole. Ademais, o usufruto extingue-se com a morte do usufrutuário (... 1.410, I), o que reafirma sua intransmissibilidade. Como geralmente é ato benéfico, a permissão da alienação suprimiria sua finalidade.

“Pela mesma razão, o usufrutuário não pode gravar seu direito, que é inalienável, com a hipoteca, penhor ou anticrese”, consoante dispõe o art. 1.420, caput, do CC, “só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese...”. (pág. 424 e 425 S.S.V.).

Desse modo, somente o direito de usar e gozar da coisa que pode ser cedido. Essa cessão pode ocorrer a título gratuito ou oneroso, independente da anuência do nu-proprietário.

O Código Civil de 1916, previa a possibilidade do usufrutuário alienar o seu direito de usufruto para o nu-proprietário. O novo CC não repetiu tal determinação, contudo, S.S.V. admite tal alienação. Assevera o Prof. “o direito de usufruto somente pode ser alienado ao nu-proprietário, possibilitando-se a consolidação da propriedade (art. 717). O princípio se mantém. Desse modo, o usufruto é exclusivo do usufrutuário”. A regra contida no artigo 1.393 e completada no art. 1.399 que preceitua

“O usufrutuário pode usufruir em pessoa, ou mediante arrendamento, o prédio, mas não mudar-lhe (sic) a destinação econômica, sem expressa autorização do proprietário”. (obs. não atrai o pronome lhe)

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Comentando o artigo S.R. afirma que no caso é vedado mudar o gênero de cultura, sem licença do proprietário ou autorização expressa do título.

S.S.V., além das características acima mencionadas, acrescenta outras, a seguir expostas:

Manutenção da finalidade da coisa , ou seja, “ao usufrutuário é vedado praticar qualquer ato que transforme a coisa a ponto de desfigurar, alterar sua finalidade, seus elementos e qualidades constitutivas (Borda, 1984, v. 2:13, apud S.S.V.). O conceito de substância não se refere apenas à individualidade da coisa, mas a seu próprio destino. Quem recebe por exemplo um automóvel não pode desmontá-lo para transformá-lo em escultura de vanguarda. O destino econômico da coisa não pode ser alterado, como regra geral, salvo expressa menção no título constitutivo”. (pág. 419).

Divisibilidade do usufruto , significa que ele pode “ser atribuído simultaneamente a mais de uma pessoa, mais de um usufrutuário, estabelecendo-se o co-usufruto”. Todavia, “não pode ser atribuído a vários titulares de forma sucessiva. Será facultado o uso e o gozo a mais de um usufrutuário sempre simultaneamente, situação que o distingue do fideicomisso, como apontaremos”.

Tal possibilidade está inserta no art. 1.411 que reza

“Constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão couber ao sobrevivente”.

W.B.M. adverte que “tal norma só se aplica, porém, a usufrutos instituídos por ato inter vivos, pois, quanto aos estabelecidos por ato causa mortis , existe preceito especial, o do art. 1.946 e seu parágrafo único.

obs. “para os testamentos, quando o usufruto é instituído por legado, é aplicado o art. 1.946. Se o legado foi concedido em conjunto a mais de um legatário, a parte do que faltar acresce aos demais. Não se extingue parcialmente o usufruto nessa modalidade, salvo se o testador foi expresso na negativa do direito de acrescer ou não fez disposição conjunta. Nos legados, portanto, a regra geral é o acrescimento no usufruto, que se mantém íntegro, até o falecimento ou qualquer outra modalidade de extinção que atinja o último usufrutuário”.

S.S.V. diz que “... o instituidor do usufruto deve ser expresso sobre o acrescimento. (...). Se o instituidor não for expresso quanto ao direito de acrescer, o usufruto extingue-se parcialmente em relação ao usufrutuário falecido. Nessa hipótese, nasce o estranho estado jurídico de conviver usufrutuário em comunhão com o nu-proprietário, que exerce direito de propriedade plena sobre parte ideal do bem sobre a qual foi extinto o usufruto”.

W.B.M. assevera que “questão interessante e de ordem prática é a de saber se lícito se torna aos pais, fazendo doação aos filhos, com reserva de usufruto,

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estipular o direito de acrescer para o doador sobrevivente. A jurisprudência tem repelido semelhante estipulação, extinguindo-se assim o usufruto com relação ao doador falecido. Tem-se entendido, em tal hipótese, que o direito de acrescer vulnera a legítima do herdeiro” (pág. 311).

Quando o usufruto é estabelecido em favor de duas ou mais pessoas o que se tem é a comunhão de usufrutuários, originando situação análoga ao condomínio, sendo as disposições de tal instituto aplicadas no que forem compatíveis; “cada usufrutuário é titular de uma quota indivisa do usufruto e pode usar e gozar tal qual o condomínio. Deve utilizar forma compatível com o exercício do mesmo direito pelos outros co-usufrutuários, devendo receber os frutos correspondentes a sua quota, concorrendo proporcionalmente para a administração da coisa comum, cuja orientação é submetida à vontade da maioria. Não pode um usufrutuário, por exemplo, dar posse ou fruição da coisa a terceiros, sem prévio consentimento dos demais”, por força do artigo 1.314, parágrafo único do CC).

Há uma relativa dependência entre o usufrutuário e o nu-proprietário, pois “entre eles permanece o dever recíproco de respeitar o âmbito do exercício jurídico alheio. A própria lei estabelece limites de direitos recíprocos entre os titulares”.

Extensão do usufruto aos acessórios

Dispõe o art. 1392 que “salvo disposição em contrário, o usufruto estende-se aos acessórios da coisa e seus acrescidos”. “Assim, se se trata de usufruto de prédio residencial, o usufrutuário tem direito a desfrutar amplamente de todas as utilidades, como parque, pomar e piscina; se se trata de imóvel agrícola, o usufruto abrange, além da sede, lavouras, animais, águas e outras serventias. Os acrescidos, a que se refere o texto, são produtos da acessão, ressalvando-se a hipótese do tesouro, regulada pelo art. 1.392, §3º, do Código Civil de 2002”.

Finalidade do usufruto

A finalidade primordial do usufruto é assistencial. “Por seu intermédio procura-se, desmembrando o domínio, pôr nas mãos do usufrutuário os direitos de uso e gozo, para assegurar-lhe os meios de prover sua subsistência. Daí o fato de o usufruto, por via de regra, resultar de negócio gratuito”.

Analogias com outros institutos

W.B.M. sustenta que o usufruto possui analogia com outros institutos jurídicos, sobretudo o fideicomisso, a enfiteuse e a locação.

“No fideicomisso, como no usufruto, existem igualmente dois titulares, o fiduciário e o fideicomissário. Consiste a diferença em que, no fideicomisso, primeiro se chama o fiduciário à propriedade da coisa, para transmiti-la, depois de sua morte, ou decurso de certo prazo, ao fideicomissário” – art. 1951 do CC. “No fideicomisso, o domínio não se fragmenta e a propriedade toca por

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inteiro ao fiduciário, primeiro, ao fideicomissário, depois. Já no usufruto ambos os titulares, usufrutuário e nu-proprietário, exercem simultaneamente seus direitos sobre as parcelas em que se fraciona o domínio”.

S.S.V. afirma que “o fiduciário recebe a propriedade plena. Poderá até mesmo aliená-la, se na disposição testamentária não for imposta a cláusula de inalienabilidade. Ocorrendo a hipótese de extinção da propriedade do fiduciário, o fideicomissário torna-se titular do domínio da coisa, com direito de seqüela (...). O fiduciário mantém a propriedade resolúvel”.

Desse modo, a principal diferença é que “no fideicomisso os titulares exercem sucessivamente seus direitos, um depois do outro; no usufruto, eles exercem simultaneamente os direitos as diferentes parcelas desmembradas do domínio”.

Adverte W.B.M. que se deve apurar é se o direito será exercido sucessivo ou simultaneamente, não se importando com o vocábulo empregado e, sim, considerando o exercício do direito em si.

A enfiteuse e o usufruto apresentam semelhança, pois “em ambos coexistem, igualmente, em caráter simultâneo, dois titulares, mas os direitos do enfiteuta se revelam mais amplos, pois pode alienar a coisa, o que não sucede com o usufrutuário. Além disso, a enfiteuse caracteriza-se pela sua perpetuidade, ao passo que usufruto, por sua natureza, é temporário. Ademais, há possibilidade de instituir-se usufruto sobre móveis, ao passo que a enfiteuse versa exclusivamente sobre imóveis (terras não cultivadas e terrenos não edificados). Por último, o usufruto prima pela gratuidade, enquanto o pagamento do foro é da essência da enfiteuse”.

O usufruto “não se confunde com o condomínio. Neste, os comunheiros exercem em conjunto todos os poderes da propriedade, a propriedade plena, em idêntico nível, apenas limitados pela existência de sujeitos com direitos iguais”.

Do modo de constituição do usufruto

O usufruto decorre de ato jurídico ou de lei. No caso de ato jurídico, ele pode ser “oneroso ou gratuito, entre vivos ou causa mortis. Raro, embora possível, é o usufruto constituído a título oneroso. No mais das vezes surge a título gratuito, ou na doação com reserva de usufruto, ou na doação da nua-propriedade a um beneficiário, e na do usufruto a outro. Contudo a fonte mais freqüente do usufruto é o testamento”.

S.S.V. cita a possibilidade de se alienar a nua-propriedade, reservando-se ao alienante o uso e gozo de usufrutuário. Ato contínuo, que seria um contrato atípico que leva em conta princípios de compra e venda e da permuta, entre outros. O contrato estabelecendo usufruto sobre imóveis, enquanto não registrado no Cartório Imobiliário, não há direito real (art. 1391 do CC).

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Quando o usufruto recair sobre coisas móveis, a tradição é indispensável para aperfeiçoá-lo.

S.S.V. ensina que não existe possibilidade de instituir usufruto por sentença, pois não pode o juiz decretar usufruto contra o interesse e a vontade do dono, salvo a hipótese de execução, no usufruto sobre empresa ou imóvel. Contudo, no processo executório não há atos decisórios de conhecimento, somente atos materiais satisfativos do credor. O usufruto determinado na execução é de direito processual e não de direito material.

“Tratando-se de ato de disposição de direitos, é exigida plena capacidade para a instituição do usufruto por ato de vontade, assim como capacidade de adquirir por parte do beneficiário. Tratando-se de doação pura, independe da aceitação expressa do beneficiário”.

Modalidades de usufruto

O usufruto pode ser estabelecido de forma exclusiva ou em co-usufruto a vários beneficiários, que exercem o usufruto simultaneamente. È vedado o usufruto sucessivo.

Não é permitida a sua instituição além da vitaliciedade da pessoa natural e além de 30 anos da pessoa jurídica (art. 1.410, III).

Nós vimos o quase-usufruto ou usufruto impróprio dirigido a coisas consumíveis. O art. 1.395 prevê o usufruto de título de crédito, que é outra hipótese de quase-usufruto.

“Art. 1.395. Quando o usufruto recai em títulos de crédito, o usufrutuário tem direito a perceber os frutos e cobrar as respectivas dívidas.

“Parágrafo único. Cobradas as dívidas, o usufrutuário aplicará, de imediato, a importância em títulos da mesma natureza, ou em títulos da dívida pública federal, com cláusula de atualização monetária segundo índices...”

S.S.V. sustenta que “ trata-se (...) de hipótese de quase-usufruto, porque tem por objeto bens consumíveis. Raro que se aceite usufruto exclusivo nessa hipótese, em que o risco é muito grande para o usufrutuário, dada a faculdade do nu-proprietário não aceitar os novos títulos por aqueles adquiridos. O novo Código procurou minimizar o risco, já apontando a destinação das importâncias recebidas”.

“O artigo 1.397 refere-se ao usufruto de um rebanho, portanto, uma universalidade de fato:

“Art. 1.397. As crias dos animais pertencem ao usufrutuário, deduzidas quantas bastem para inteirar as cabeças de gado existentes ao começar o usufruto”.

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“O usufrutuário, findo o usufruto, deve devolver igual número de cabeças, podendo supri-lo com as crias . Entendemos, que o mesmo princípio é aplicado ao usufruto de árvores, na falta de dispositivo expresso em nosso direito a respeito. Não será utilizado o critério de universalidade se na instituição do usufruto individualizou-se cada membro do rebanho. O usufrutuário de rebanho tem direito a seus frutos – leite e seus derivados e às crias que ultrapassarem o número original de cabeças atribuído. Trata-se, pois, de usufruto de coisas fungíveis”.

Direitos e deveres do usufrutuário

O direito fundamental do usufrutuário encontra-se previsto no art. .1394 que reza

“O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”.

1. “A transferência da posse é elementar ao usufruto, pois o usufrutuário, titular que é de um direito real exercitável diretamente sobre a coisa, tem, naturalmente, o mister de havê-la à sua disposição. Sua posse, justa e direta, é protegida pelos interditos”.

2. “O usufrutuário pode usar pessoalmente a coisa, como também pode ceder tal uso, a título oneroso ou gratuito. E nisso o usufruto se distingue do direito real de uso, em que o usuário apenas pode fruir pessoalmente da utilidade da coisa, quando o exigirem as necessidades pessoais, e de sua família.

3. “O terceiro direito do usufrutuário é o de administrar a coisa sem ingerência do proprietário. Sua administração é direta e só lhe é subtraída se, através dela e por causa dela, a coisa se deteriora. Ainda, perde o usufrutuário a administração se não puder ou não quiser dar caução”, quando exigida.

O art. 1.400 reza que

“O usufrutuário, antes de assumir o usufruto, inventariará, à sua custa, os bens que receber, determinando o estado em que se acham, e dará caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes pela conservação, e entregá-los findo o usufruto. (fidejussória = fiança, garantia pessoal).

“Parágrafo único. Não é obrigado à caução o doador que se reservar o usufruto da coisa doada”.

“O inventário é feito a expensas do usufrutuário e consiste no levantamento pormenorizado dos bens objeto do usufruto, bem como o estado em que se encontram. (...). Revela o que deve a final ser devolvido e o estado em que deve ser devolvido”.

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W.B.M. assevera que “a falta do inventário não acarreta sanção; apenas estabelece presunção de que o usufrutuário recebeu os bens em bom estado de conservação,...”.

A caução, real ou fidejussória, visa garantir o nu-proprietário dos prejuízos resultantes das deteriorações da coisa, bem como assegurá-lo da sua tempestiva devolução.

S.S.V. sustenta que o inventário deve ser elaborado descrevendo os bens de forma mais detalhada possível, sendo recomendável, inclusive, a atribuição de valores, embora não essencial. A caução seja ela real ou fidejussória deve ser suficiente para garantira o valor da coisa.

Não prestando caução o usufrutuário perde o direito de administração, que permanecerá com o nu-proprietário. Nessa hipótese, inverte-se a posição e o nu-proprietário deverá prestar caução – art. 1.401 do CC-.

No caso do doador a caução não é exigida, porque, tendo praticado liberalidade, não seria razoável sujeitá-lo à prestação de garantia. Corresponderia a dar com uma das mãos e tirar com a outra.

4. “...Compete ao usufrutuário a percepção dos frutos. Este é o principal direito e consiste na fruição da coisa, colhendo os frutos naturais e civis por ela produzidos.

“Quanto aos frutos naturais, o usufrutuário faz seus os pendentes ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as despesas de produção; mas, perde, em compensação, os frutos pendentes ao tempo que cessar o usufruto, sem ter, por sua vez, direito a reembolso das despesas efetuadas para produzi-los”.

Nesse sentido, é a determinação do art. 1.396 e parágrafo único do CC:

“Art. 1.396. Salvo direito adquirido por outrem, o usufrutuário faz seus os frutos naturais, pendentes ao começar o usufruto, sem encargo de pagar as despesas de produção.

“Parágrafo único. Os frutos naturais, pendentes ao tempo em que cessar o usufruto, pertencem ao dono, também sem compensação de despesas”.

Quanto aos frutos civis, ao proprietário pertencem os vencidos na data inicial do usufruto; e, ao usufrutuário, os vencidos na data em que cessa o usufruto (art. 1.398).

Questão de “grande atualidade é o de saber se a locação, estabelecida com o usufrutuário, se rescinde em virtude da extinção do usufruto”.

Os que respondem que afirmativamente, sustentam que “o contrato de locação gera meros direitos pessoais entre as partes, ou seja, entre o inquilino e o usufrutuário; assim, não pode o nu-proprietário, que não é sucessor do usufrutuário, ficar vinculado a um negócio de que não participou.

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“A tese contraria recorre à idéia da finalidade das atuais leis do inquilinato, leis de ordem pública, cujo fim precípuo é proteger o inquilino, só permitindo o seu despejo naqueles casos nelas contemplados.

“A primeira posição, que me parece mais justa, tem sido algumas vezes acolhidas pelos tribunais, (...). Todavia a posição contrária, ao que sei, tem logrado maior aceitação pela jurisprudência brasileira”. (S.R.)

O usufrutuário possui “obrigações gerais, respeitantes a qualquer modalidade de bens, são duas: a) gozar da coisa frutuária como bom pai de família b) gozar dela segundo a destinação que lhe deu o respectivo proprietário. Não pode o usufrutuário, destarte, gozar da coisa de modo arbitrário ou desordenado; ao inverso, dela deve servir-se de sorte a conservar-lhe a substância, com o desvelo natural de quem cuida do que lhe pertence. Por exemplo, se se trata de casa, não pode demoli-la; se de propriedade agrícola, não deve permitir se lhe arruínem as culturas. Ao contrário, deve melhorá-las e aperfeiçoa-las”. (W.B.M).

S.R. adverte que a “principal obrigação do usufrutuário, decorrente da própria natureza do instituto, é a de gozar da coisa com moderação, poupando-lhe a substância, como bom pai de família”. (W.B.M. 305)

S.S.V. assevera que “como possuidor, deve defender a coisa de turbações ou reivindicações de terceiros, comunicando sempre ao nu-proprietário. Caso permita a perda ou deterioração da coisa por inércia sua, deve responder perante o nu-proprietário.

“Deve zelar pela manutenção da substância da coisa, como bônus pater familias, de molde a estar apta para ser devolvida ao dono, findo usufruto”.

O desgaste natural da coisa é admissível como ocorre no contrato de locação, não devendo onerar o usufrutuário.

Diz o “art. 1.402. O usufrutuário não é obrigado a pagar as deteriorações resultantes do exercício regular do usufruto”.

As despesas ordinárias são de responsabilidade do usufrutuário.

“Art. 1.403. Incumbe ao usufrutuário:

I- as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu;

II- as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimentos da coisa usufruída”.

As despesas extraordinárias e as que não forem de custo módico, que refogem à simples manutenção e administração da coisa, são de responsabilidade do nu-proprietário.

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“Art. 1.404. Incumbem ao dono...

Caso o nu-proprietário venha realizar despesas necessárias ou aumentar o rendimento da coisa usufruída, fica o usufrutuário obrigado a pagar os juros do capital despendido.

Segundo S.S.V. procura a lei, assim, evitar o injusto enriquecimento. Desse modo, a responsabilidade pelas melhoras na coisa ficam, portanto, atribuídas ao nu-proprietário.

O legislador procurou definir o que se considera como despesa módica, fazendo-a de forma indireta no §1º. do artigo 1.404 do CC, que reza:

“Não se consideram módico às despesas superiores a dois terço do líquido rendimento em um ano”.

Assim, sendo as despesas inferiores a dois terço do líquido rendimento anual estaremos diante de despesas módicas.

“§2º. Se o dono não fizer as reparações a que está obrigado, ...”

Adverte S.S.V. que neste ponto é que geralmente pode desenvolver contenda complexa entre o nu-proprietário e usufrutuário.

Caso a coisa esteja segurada, cabe ao usufrutuário pagar o prêmio (art. 1.407). Pode, também, o nu-proprietário exigir o contrato de seguro, em substituição ou complemento da caução. O §1º do art. 1.407 do CC, estabelece a lei que se o usufrutuário fizer o seguro, ao nu-proprietário caberá o direito dele resultante contra o segurador. Pelo §2º, estabelece-se que em qualquer caso o usufrutuário fica sub-rogado no valor eventual indenização securitária.

obs.: a lei não cria obrigação de segurar a coisa tida em usufruto. Porém, o seguro convém a ambas as partes. Se a coisa estiver segura, deve ser mantida neste estado, incumbindo ao usufrutuário pagar, durante o usufruto, os prêmios devidos. Entretanto, se não estiver, não é ele obrigado a segurá-la. Pode, contudo, fazê-lo. O nu-proprietário realizando o seguro, e, neste caso, ocorrendo o sinistro, o usufrutuário não se beneficia com a indenização. (S.R. 309).

S.R. afirma que “se um edifício sujeito a usufruto for destruído sem culpa do proprietário, extingue-se o usufruto, não sendo ele obrigado a empreender a reconstrução. E se o proprietário, a suas expensas, o reconstruir, o usufruto não se restabelece.

“Todavia, se a destruição advier de culpa de terceiro, condenado a indenizar, o usufruto se sub-roga na importância da indenização. De modo que os frutos civis, por esta produzidos, caberão ao usufrutuário.

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“A mesma solução se dá no caso de o prédio destruído estar no seguro, e no de ser desapropriado. Em ambas as hipóteses, como na anterior, o direito de usufrutuário fica sub-rogado no valor do seguro, ou na indenização recebida do expropriante”.

No mesmo sentido, S.S.V. diz que ocorrendo a desapropriação, “a indenização paga fica sub-rogado o usufruto, que pode ser utilizado para aquisição de outro bem, para onde se transfere o direito. Igual situação é aplicada quando há indenização paga por terceiro, no caso de deterioração ou perda (art. 1.409). Com essas indenizações não se extingue o usufruto, modificando-se apenas seu objeto”.

“A obrigação final do usufrutuário é restituir a coisa, findo o usufruto. Se a extinção decorre da morte, a obrigação é do espólio”.

Direitos e obrigações do nu-proprietário

“Os direitos e obrigações do nu-proprietário são os mesmos contrapostos aos do usufrutuário. Exerce domínio limitado à substância da coisa, podendo utilizar os remédios jurídicos a ela relativos. Pode valer-se da ação reivindicatória e das ações possessórias contra terceiros, porque mantém posse indireta.

“Sua primeira obrigação é entregar a coisa para desfrute do usufrutuário.

“Não pode turbar a posse do usufrutuário nem intervir na administração, se esta não lhe foi conferida. Não pode, enfim dificultar o exercício do usufruto. Como vimos, é direito seu exigir caução antes da entrada do usufrutuário na posse dos bens, podendo tomar medidas acautelatórias no curso de seu exercício, a fim de resguardar o que a lei denomina de substância do bem. Ao mencionar o art. 1.404, vimos que a ele incumbem as despesas extraordinárias e as que não forem de custo módico”.

“A nua-propriedade não fica fora do comércio. Pode ser alienada, gravada, sem que com isso se altere o direito do usufrutuário.

“..., o nu-proprietário mantém permanentemente o direito de fiscalizar a coisa, sua manutenção e destinação, a fim de que possa tomar oportunamente as medidas de proteção para a devida restituição do bem”.

Usufruto de pessoa jurídica e sobre patrimônio

Ensina S.S.V. que “o usufruto surge historicamente para finalidade alimentar da pessoa natural. Por sua natureza vitalícia e temporária, ao ser estendido à pessoa jurídica, incumbia fixar prazo de existência”.

O novo CC estabeleceu o prazo de trinta anos (art. 1.410, III). “Findo esse prazo, somente pode ser repristinado (= restituir ao valor, caráter ou estado primitivo) o usufruto com nova institutição”. (obs. significado da palavra nosso).

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“Se antes do prazo legal for extinta a pessoa jurídica, também será extinto usufruto. Questão interessante pode surgir nos casos de fusão, cisão ou incorporação da pessoa jurídica. Se o título foi silente a respeito, importar verificar a vontade do instituidor, porque, em princípio, nesses três fenômenos pode (sic) não ocorrer exatamente a extinção da pessoa jurídica para as finalidades do dispositivo legal. Na hipótese de cisão, caberá às empresas decidir para qual ficará o direito de usufruto”.

“O usufruto por outro lado, pode recair sobre o fundo de pessoa jurídica, sobre estabelecimento comercial ou empresa. Trata-se de usufruto sobre universalidade. Cabe ao usufrutuário usar e fruir da pessoa jurídica, recebendo os proventos, frutos, como se dono fosse. Na realidade, o usufruto é concedido á universalidade que constitui a empresa, um patrimônio, composto por móveis e imóveis, direitos e obrigações, bens corpóreos e incorpóreos. Assumindo a administração da empresa, o usufrutuário dá início ao exercício do direito. São aplicados os princípios gerais, inclusive no tocante à exigência de caução. Sua falta pode determinar a nomeação de administrador estranho ao negócio entre o dono e usufrutuário. Este não pode mudar o ramo de produção, por exemplo, sem autorização do nu-proprietário. Deve conservar a destinação e manter o patrimônio fixo íntegro. O ato constitutivo deve fixar o âmbito de atuação do usufrutuário, inclusive disciplinando a responsabilidade por débitos de origem anterior ao usufruto”.

O usufruto sobre o patrimônio tem previsão legal no art. 1.405 do CC. Aqui se faz necessário definir o que se entende por patrimônio.

Segundo S.S.V. patrimônio é o conjunto de direitos reais e de direito obrigacionais ou pessoais, ficando ao lado do direito de família que não têm valor pecuniário nem podem ser cedidos, como o estado de filiação. “O patrimônio é o conjunto de direitos reais e obrigacionais, ativos e passivos, pertencentes a uma pessoa. O patrimônio engloba tão-só os direitos pecuniários. Os direitos puros de personalidade, (...), não devem ser considerados como de valor pecuniário imediato”.

“Cuida-se das universalidades, tal como estabelecimento comercial e a pessoa jurídica. Esse usufruto de todo um patrimônio ou de parte dele (indivisa) pode resultar de negócio jurídico ou do direito de família ou das sucessões. Se constituído negocialmente em prejuízo de credores, há fraude contra credores, que autoriza ação pauliana. Não se anula o usufruto, apenas se declara ineficaz no volume que prejudicar os credores anteriores a sua constituição.

“Quando se cuida de usufruto de patrimônio, o ato é uno, há um só usufruto e não tantos quantos o número plural de bens que o constituem”.

Da extinção do usufruto

Sustenta S.R. que “examinando as causas capazes de extinguir o usufruto, algumas dizem respeito à pessoa do usufrutuário; outras, à coisa sobre que recai o usufruto; e, finalmente, certas causas se referem à própria relação jurídica.

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“I Causas de extinção do usufruto, relativas à pessoa do usufrutuário. O usufruto extingue-se pela morte do usufrutuário (art. 1.410, I do CC). Esta é uma causa inexorável de extinção do usufruto e se justifica na hostilidade do legislador aos usufrutos sucessivos, capazes de afastar do comércio, indefinidamente, determinado bem. Para assegurar a temporariedade do usufruto, o legislador determina sua extinção com a morte do usufrutuário e limita sua duração, quando o usufrutuário for pessoa jurídica, a trinta anos”.

No mesmo sentido, S.S.V. adverte que “a regra básica dirigida ao usufruto da pessoa natural é que não pode durar além de sua existência. A morte do usufrutuário extingue-o, não sendo transferida a seus herdeiros”. O nosso ordenamento jurídico não admite a modalidade de usufruto sucessivo. “A morte do nu-proprietário não altera a relação, pois seus sucessores assumem a posição idêntica de proprietários”.

Com a relação a extinção do usufruto por morte, S.R. diz que “o art. 1.411 do Código Civil insere uma exceção à regra, permitindo que, constituído em favor de duas ou mais pessoas, extinga-se a parte de cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão do pré-morto couber ao sobrevivente.

“Por conseguinte, admite o legislador a hipótese de a morte não extinguir o usufruto, se este for instituído em favor de vários, e tiver ajuste em que se convencionou o direito de acrescer entre os sobreviventes”. (pág. 310, ver decisão do Tribunal SP, sobre a possibilidade acrescer dos pais).

“O usufruto extingue-se pelo termo de sua duração (art. 1410, II). Comentando o inciso S.S.V. sustenta que o usufruto estabelecido sob prazo resolutivo, e o decurso do termo extingue-o. Sob certa causa ou condição, extingue-se o usufruto com seu implemento”.

Extingue-se, também, “por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação (art. 1.410, VII).

“II – Causa de extinção do usufruto, relativas ao seu objeto. O usufruto com a destruição da coisa”. (S.R.). (art. 1410, V)

S.S.V. diz que “o perecimento da coisa faz desaparecer o objeto e, conseqüentemente, o usufruto. O dispositivo ressalvar, porém, as hipóteses de existência de seguro (art. 1.407), destruição e reconstrução do prédio (art. 1.408) e indenização ou reparação paga por terceiro (art. 1.409), situações em que pode ocorrer sub-rogação do usufruto sobre o preço. Se a destruição ou perecimento da coisa for parcial, o usufruto permanece sobre o remanescente. A modificação da coisa a ponto de alterar-lhe as características fundamentais equivalerá ao perecimento. Se para isso concorreu com culpa o usufrutuário, deve indenizar”.

“III – Causas de extinção do usufruto, que incidem sobre a relação jurídica. O usufruto se extingue pela consolidação, fenômeno que se apresenta quando na

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mesma pessoa se encontram as qualidades de usufrutuário e nu-proprietário (art. 1.410, VI). A doutrina sustenta que o usufrutuário somente pode alienar o seu direito ao nu-proprietário, consolidando-se, desse modo, a propriedade plena.

Extingue-se, outrossim, pela cessação da causa que o origina, como no caso de usufruto dos pais, sobre os bens do filho menor sob o poder familiar. O filho tornando-se maior, ou se os seus pais decaírem do poder familiar, o usufruto termina. No primeiro caso, ou seja, na maioridade a propriedade se consolida.

(ler – sobre prescrição aquisitiva – S.R. pág. 311)

Contrário a mencionada prescrição, S.S.V. sustenta que “o usufruto como direito real em si não prescreve”. Adverte que “em boa hora, o novo Código corrigiu a impropriedade, mencionando corretamente o não-uso ou a não-fruição da coisa (art. 1.410, VII).

O inciso VII do art. 1.410 não estabeleceu o prazo de extinção do usufruto pelo não-uso ou a não-fruição da coisa, entende S.S.V. que “a melhor orientação será entender que o prazo será o de 10 anos, segundo o art. 205, embora seja sustentável o prazo de usucapião extraordinário do art. 1.238. Vejamos qual será o posicionamento da futura jurisprudência, embora as questões sejam raras nos julgados”.

“O processo de extinção de usufruto vem mencionado no art. 1.112, VI, do CPC, que regula os procedimentos de jurisdição voluntária, importante quando se trata de imóvel. Quando resulta de morte do usufrutuário, porém, prescinde-se de decisão judicial (ver decisão, p. 436 SSV), bem como quando resulta de acordo conjunto dos interessados (art. 250, II e III da Lei dos Registros Públicos), procedendo-se mediante requerimento de averbação junto ao registro imobiliário. Quando se trata de extinção de usufruto legal, desnecessário, em regra, qualquer procedimento”.

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Ponto 25 – USO

S.R. de forma mais concisa diz que “o uso é uma espécie de usufruto de abrangência mais restrita, pois é insuscetível de cessão e é limitado pelas necessidades do usuário e de sua família”.

Nesse sentido determina o art. .1412 “o usuário usará a coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família”.

S.S.V. sustenta que se permite que o usuário extraia da coisa frutos naturais. O §1º preceitua a forma que será apurada as necessidades do usuário:

“§1º Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver”.

E, “por outro lado, §2º do art. 1.412 restringe o conceito de família do usuário:

“§2º. As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico”.

Assevera S.S.V. que na atualidade o companheiro e a companheira deve ser inserido no conceito de cônjuge para a finalidade de uso, pois o ordenamento constitucional e ordinário nem mesmo exclui a filiação ilegítima,

“No ato constitutivo, o concedente pode delimitar e descrever o direito de uso, sem privá-lo da essência procurada por lei. Pode, por exemplo, que ao usuário é facultado retirar lenha do local, dentro de determinado limite. Não há restrição, podendo ser atribuído a imóveis rústicos ou urbanos. Permite, pois, ao usuário perceber porção de frutos da coisa limitadamente, pois a lei refere-se ao uso dentro das necessidades do usuário”.

“Se o título constitutivo houver ampliação do direito de uso, sua interpretação pode levar à conclusão da existência do usufruto.

“Pode ser atribuído a móveis e imóveis. Como direito real sobre imóvel, deve ser registrado no cartório imobiliário. É instituto inútil como direito real, se objetivar a coisas consumíveis, pois nesse caso se transferiria a propriedade”.

Aplica-se ao uso os mesmos dispositivos do usufruto, consoante dispõe o art. 1.413 “são aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto”.

Desse modo, a ele se aplica “as regras da caução e administração da coisa, bem como as atinentes ao direito de restituição”.

HABITAÇÃO

“O direito real de habitação, ainda mais restrito que o de uso, consiste na faculdade de residir num prédio, com sua família” (S.R.).

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“O direito real de habitação é ainda mais restrito. É atribuído ao habitador o direito personalíssimo e temporário de residir em imóvel, não podendo ser cedido nem mesmo o seu exercício. Cuida-se de direito real sobre coisa alheia, porque o titular reside em imóvel que não é seu. Pode fazê-lo, evidentemente, com sua família” (S.S.V.).

“Art. 1.414. Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família”.

O artigo 1.415 “permite que o direito seja conferido a mais de uma pessoa conjuntamente”.

“Art. 1.415. Se o direito real de habitação for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que sozinha habite a casa não terá que pagar aluguel à outra, ou às outras, mas não as pode inibir de exercerem, querendo, o direito que também lhes compete, de habitá-la”.

“Os co-habitadores não necessitam pagar aluguel aos outros, ainda que não residam todos no imóvel, mas esse direito de co-habitação não pode ser impedido; não pode ser exercido exclusivamente. De total inconveniência a concessão de habitação conjunta. É estabelecida uma comunhão entre vários co-habitadores, cujos os princípios devem ser regidos, no que couber, pelas normas do condomínio”.

Aplica-se subsidiariamente a disciplina do usufruto, consoante dispõe o art. 1.416 “São aplicáveis à habitação, no que não for contrário à sua natureza, as disposições relativas ao usufruto”.

O legislador, no direito sucessório, institui o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente. Preceitua o art. 1.831 que

“Ao cônjuge sobrevivente, qualquer seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.

“Esse direito real sucessório estabelece-se no momento de abertura da sucessão, de modo que desde então tem o cônjuge as ações próprias para exercê-lo”. (ver decisão p. 439 S.S.V.).

“A renúncia pelo cônjuge desse direito deve ser expressa, pois se trata de direito hereditário, não se admitindo renúncia tácita. O ato depende de escritura pública, por se tratar de imóvel, ou termo nos autos.

“Tal como usufruto, é direito temporário, tendo por limite máximo a vida do habitador. Estabelecido por ato de vontade, também são aplicados os princípios referentes à caução. Uma vez conferido o direito real de habitação, torna-se incompatível a instituição de usufruto sobre o mesmo imóvel.

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“Salvo o direito legal de habitação que surge com a abertura de sucessão, embora passível de registro do respectivo formal de partilha para eficácia erga omnes, o direito de habitação somente torna-se direito real com o registro imobiliário. Enquanto não registrado, existe mera relação obrigacional entre instituidor e instituído, sem eficácia real.

O direito real de habitação é estendido também ao companheiro de união estável.

17027220 – UNIÃO ESTÁVEL – VIDA MORE UXORIO – PROLE COMUM – DISSOLUÇÃO ANTERIOR A VIGÊNCIA DA LEI Nº 9278/96 – APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 380 DO STF IRRETROATIVIDADE DA LEI ESPECIAL – 1. A Constituição Federal elevou a união estável entre o homem e a mulher ao status de entidade familiar, outorgando a proteção do Estado. 2. A Lei nº 8971/94 regulou o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão. 3. A Lei nº 9278/96 tratou dos efeitos inter vivos do concubinato, definindo direitos e deveres dos conviventes, criando a presunção da comunhão dos aquestos, conferindo direito aos alimentos e atribuindo direito de habitação. 4. A Lei nova e especial não retroage, para atingir os fatos consumados antes da sua vigência. 5. Desprovimento dos embargos infringentes. (AC) (TJRJ – EI-AC 200/2001 – (2001.005.00200) – 8ª C.Cív. – Relª Desª Letícia Sardas – J. 10.01.2002)

16146278 JCCB.1576 – USUFRUTO – COMPANHEIRA – MEAÇÃO – HABITAÇÃO – O companheiro que tem filhos não pode instituir em favor da companheira usufruto sobre a totalidade do seu patrimônio, mas apenas sobre a parte disponível. Art. 1576 do CC. – A companheira tem, por direito próprio e não decorrente do testamento, o direito de habitação sobre o imóvel destinado à moradia da família, nos termos do art. 7º da Lei 9278/96. (STJ – REsp – 175862 – ES – 4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – DJU 24.09.2001 – p. 00308)

A falta de pagamento dos tributos não enseja a extinção do direito real de habitação. 202562 – JCCB.676 DIREITO DE HABITAÇÃO – Contrato vitalício registrado. Falta de pagamento dos tributos incidentes sobre o imóvel. Fato não extintivo do direito real. Hipótese em que não se cuida de contrato de direito obrigacional resolúvel por inadimplemento. Débito cobrável pela via processual própria. Aplicação dos arts. 676, 733, II, c/c o art. 748, 739 e 746 do CC. (TJRJ – AC 3.802/88 – 6ª C. – Rel. Des. Sérgio Mariano – J. 14.02.1989) (RT 643/166) (RJ 149)

Tanto o uso, como a habitação têm cunho eminentemente alimentar, embora a lei não proíba que decorram de negócios onerosos”.

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PONTO 26 – Do Direito do Promitente Comprador

compromisso de compra e venda = promessa de compra e venda = contrato preliminar de compra e venda = promessa bilateral de compra e venda, denominações utilizadas nessa modalidade de contrato.

“Antigamente, os compromissos de compra e venda de bens imóveis constituíam mera obrigação de fazer, de caráter exclusivamente pessoal. Celebrado o compromisso, obrigava-se o promitente-vendedor a outorgar ao compromissário-comprador a escritura definitiva referente ao bem compromissado, uma vez integralmente pago o preço avençado”. (W.B.M., pág. 324).

No mesmo sentido, S.S.V. afirma que “o compromisso de compra e venda de imóveis conferia aos adquirentes apenas direitos obrigacionais. Findos os pagamentos das parcelas, extinta a obrigação, se o imóvel não fosse entregue ao adquirente, apenas lhe restaria a via indenizatória”. (pág. 555).

Em virtude do seu caráter pessoal o descumprimento do contrato resolvia-se em perdas e danos. “O comprador não adquiria nenhum direito sobre o bem. Não dispunha de meios para compelir o vendedor a outorgar-lhe escritura prometida”, não lhe sendo possível a utilização da adjudicação compulsória do bem compromissado.

A solução jurídica – perdas e danos – para os contratos de compromissos de compra e venda de bens imóveis mostrou-se deficiente no campo prático, pois os vendedores ao perceber a extraordinária valorização imobiliária do bem, recusava-se a outorgar a escritura definitiva, e o comprador, por sua vez, não possuía mecanismo hábil para obrigá-lo, restando, para este, tão-somente a ação indenizatória.

O CC de 1916 assegurava o direito de arrependimento, para não concretizar a venda (art. 1.088.)

Nessa época muitos compradores foram lesados; principalmente, no caso de loteamento, pois na venda de lotes utilizavam-se, comumente, dessa espécie de contrato.

Visando coibir tal situação, foi editado o Decreto-lei nº 58/37, “permitindo eficácia real ao compromisso de imóveis loteados, foi estendida, em diplomas posteriores, à generalidade dos imóveis”.

O Decreto-lei nº 58/37 “tornou obrigatório o registro dos loteamentos. Sem o registro, o proprietário somente pode vender partes ideais, ou mesmo concreta, mas não subdividas em lotes. Registrado o empreendimento, os lotes ganham autonomia”.

Com a edição do decreto 58/37 o legislador criou outra modalidade de direito real, fora do elenco do CC de 1916.

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O direito do compromissário comprador entre os demais direitos reais, encontra-se disciplinado nos arts. 1.417 e 1.418 do CC.

Do contrato

S.S.V. comentando sobre o contrato de compra e venda afirma que se trata de contrato preliminar objetivando a conclusão de um contrato principal e definitivo.

O motivo de se realizar um contrato preliminar, na maioria das vezes, visa proporcionar ao alienante maior garantia de pagamento, não concluindo definitivamente a venda enquanto não for pago o preço. Nesse sentido, é que surge “a efetiva utilidade da promessa de compra e venda que ganha contornos de contrato quase definitivo quando nela se inserem as cláusulas de irretratabilidade e irrevogabilidade”.

A promessa de compra e venda é contrato perfeito e acabado, pois preenche todos os requisitos de um contrato, assim gera efeitos, não sendo um contrato preliminar típico. Essa modalidade de contrato “traz em seu bojo a obrigação de contratar definitivamente, cuja natureza é obrigação de fazer. As partes obrigam-se à conclusão do contrato definitivo sob certo prazo ou condição”.

Nota-se que no compromisso de compra e venda a intenção dos contratos não é a realização de outro contrato, mas a compra e venda do imóvel de forma definitiva. “O nexo contratual de alienação da coisa é o aspecto primordial desse compromisso. Essas as razões, entre outras de ordem sociológica, que levaram o legislador a conceder eficácia real à promessa de compra e venda de imóveis”.

Considerando o objetivo principal do compromisso de compra e venda, chega-se à conclusão do seu afastamento de outros “contratos preliminares, pré-contratos propriamente ditos, ou mera carta de intenções e acordo de cavalheiros”.

Tratando-se a promessa de compra e venda de contrato com escopo de alienar imóvel faz-se necessário, sendo vendedor casado, que sua esposa participe do ato jurídico.

34021718 – CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS – AUSÊNCIA DA MULHER DE PROMITENTE – VENDEDOR CASADO – IMPOSSIBILIDADE DE OUTORGA DE ESCRITURA – DIREITO APENAS PESSOAL DO COMPRADOR, TANTO MAIS QUANDO O IMÓVEL AINDA PERTENÇA A TERCEIRO – A promessa de compra e venda de imóveis quando casado seja o promitente-vendedor, sem a outorga uxória no pré-contrato, confere, ante o incumprimento da obrigação de outorga da escritura definitiva pelo vendedor, só direito pessoal, não legitimando o promitente-comprador a uma ação cominatória para obrigar o vendedor, restando bem extinto o processo sem apreciação do mérito, tanto pelo argumento acima, quanto por encontrar-se o imóvel em nome de terceiro no Registro imobiliário. – Duas, portanto, as impossibilidades para a outorga de

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escritura, sobrando ao comprador, somente uma ação para reposição de perdas e danos comprovados por ele. – Em suma, trata-se de direito pessoal, e, jamais, de direito real. (TAMG – AC 0301896-6 – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Quintino do Prado – J. 13.04.2000)

S.R. adverte que “ser oponível a terceiros significa que, uma vez inscrita a promessa de venda, perde o proprietário o direito de dispor da coisa prometida, pois sobre elas se prende o direito do promissário comprador de torná-la sua, uma vez pago o preço”.

A oposição a terceiros mune o comprador da prerrogativa da seqüela, possibilitando a ele buscar “a coisa nas mãos de quem quer que a detenha, para sobre ela exercer o seu direito real”.

“O direito à adjudicação compulsória é outra das prerrogativas que constituem o conteúdo desse direito real. Ele consiste na possibilidade de obter declaração judicial, ordenando a incorporação do bem objeto do negócio ao patrimônio do adquirente. De modo que se o alienante se recusa injustificadamente a outorgar a escritura de venda, conta o comprador com um meio compulsório para se sobrepor a tal recusa”.

O art. 1.418 do CC reza que “O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem o direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”

Natureza Jurídica

O promitente vendedor, até pago o preço, conserva apenas a nua propriedade. Assim, “o direito de dispor não é transferido de todo, mas vai esmaecendo e esvaziando-se à medida que o preço é pago até desaparecer com a quitação integral. Pago o preço, os poderes do domínio enfeixam-se no patrimônio do adquirente”.

Na promessa de compra e venda depara-se com uma relação obrigacional, advinda dos deveres das partes, mas com eficácia real atribuída a esses contratos por uma construção legal. “A intenção do legislador é colocar a salvo os direitos do comprador que cumpre integralmente suas contratuais, ficando indene de ameaças de terceiros. Como direito real limitado, todavia, ainda não se constitui propriedade. No entanto, à medida que diminui o débito com a amortização do preço, mais e mais o direito do adquirente se aproxima do domínio, até finalmente abraçá-lo na integralidade”.

134000481 – PROMESSA COMPRA E VENDA – IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO – RESTITUIÇÃO DE PRESTAÇÕES PAGAS – COMPRADOR INADIMPLENTE – CODECON – DIREITO DE RETENÇÃO – JUROS DE MORA – CORREÇÃO MONETÁRIA – Nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis, ocorrendo a inadimplência involuntária do promitente

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comprador, tendo em vista os elevados valores a que chegaram as prestações contratadas, enquanto que a renda do adquirente não acompanhou a evolução e o crescimento dos valores das prestações convencionadas, pode a parte, mesmo inadimplente, pleitear a restituição da quantia paga, devidamente atualizada e acrescida de juros, desde cada desembolso, autorizada a retenção, na espécie, de dez por cento (l0%) do valor pago, em razão do descumprimento do contrato. (TAMG – AP 0342251-3 – Uberlândia – 4ª C.Cív. – Rel. Juiz Paulo Cézar Dias – J. 26.09.2001)

34025200 – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LOTEADO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – CONSTITUIÇÃO EM MORA – Em se tratando de promessa de compra e venda de imóvel loteado, regida pela Lei nº 6.766/1979, não há que se exigir a prévia interpelação prevista no art. 1º, do Decreto-Lei nº 745/1969, porque este diploma legal remete-se ao comando do art. 22, do Decreto-Lei nº 58/1937, que regula a promessa de compra e venda de imóveis não-loteados. RESCISÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS – Em casos de rescisão de promessa de compra e venda, nas quais o promitente vendedor recupera o imóvel prometido, a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de garantir ao promissário comprador a devolução de parte do preço pago, independentemente de reconvenção, como forma de indenizar o promitente vendedor pelas perdas e danos por este suportadas, sem com isso permitir o enriquecimento sem causa, intolerável para o direito. (TAMG – AC 0330418-7 – 5ª C.Cív. – Rel. Juiz Brandão Teixeira – J. 05.04.2001)

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Ponto 27 – DO PENHOR, DA HIPOTECA E DA ANTICRESE.

“Notícia histórica

“O direito, numa fase mais primitiva, desconhecia a existência de garantia real. O devedor insolvente respondia com a própria pessoa pelo pagamento de suas dívidas. Assim, no antigo Egito, ele era adjudicado ao credor e entre os hebreus, reduzido à condição de escravo, juntamente com a mulher e os filhos. Em Roma, nos primeiros tempos, podia ser encarcerado pelo credor, que tinha o direito de vendê-lo e até de matá-lo.

“Tais idéias não poderiam evidentemente resistir à civilização e ao progresso da ordem jurídica. A vida e a liberdade deixaram de responder pelos débitos contraídos pelo devedor; seus bens passaram a constituir a garantia comum dos credores. Por outro lado, entretanto, verificou-se que essa garantia genérica não se mostrava suficiente, porquanto, de várias formas, podiam fraudá-la os devedores, ou involuntariamente, devido a maus negócios, ou intencionalmente, mediante simulação de dívidas e venda por preço vil dos bens componentes de seu patrimônio.De mister, portanto, o aparecimento de garantia mais concreta e eficiente, que viesse completar a decorrente do crédito pessoal do devedor.

“Duas garantias surgiram, então: a primeira, de caráter pessoal, quando terceira pessoa se obrigava, por meio de fiança, a solver o débito, não satisfeito pelo devedor principal, e a segunda, de natureza real, pelo qual o devedor, ou alguém por ele, oferecia todo ou parte de seu patrimônio para assegurar o cumprimento da obrigação.

“... Historicamente, a fiducia foi a primeira surgir no cenário jurídico. Por intermédio dela, o devedor transmitia ao credor a propriedade da coisa que lhe pertencia e que lhe seria restituída, quando resgatado o débito.

“Essa garantia real resguardava satisfatoriamente o credor, porém não amparava o devedor, que não só se via desapossado da coisa, como não tinha meios de impedir que o credor alienasse o bem, frustrando assim sua restituição ao devedor.

“Para evitar tais inconvenientes, criou a prática de outra figura jurídica, o pignus, por via do qual se conferia ao credor, em garantia, a posse da coisa, protegida pelos interditos. Mas, por sua vez, o credor não ficava completamente salvaguardado, já que não podia alienar a coisa, enquanto o devedor, por seu turno, sofria a deslocação da respectiva posse.

“Tornava-se preciso, por conseguinte, descobrir meio que coibisse esse inconveniente bilateral, a retirada da coisa da posse do devedor e a insuficiente tutela dos direitos do credor. Esse meio veio a ser a hipoteca,...

“O direito romano conheceu ainda outra modalidade de garantia real, o pacto anticrético, pelo qual o credor se utilizava de coisa pertencente ao devedor,

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dela retirando os respectivo frutos, como compensação de seu capital, existente em mãos do devedor.

“Essas ainda, excluída a fiducia (que não logrou sobrevivência), as garantias subsistentes nas legislações contemporâneas e no direito brasileiro, conforme se vê do art. 1.419 do Código Civil de 2002. (W.B.M. 337/338).

“O problema do crédito e da garantia”.

No direito obrigacional nós encontramos a regra de que o patrimônio do devedor responde por sua dívida. Neste caso, a universalidade de bens do devedor é que garante o débito, contudo, pode ocorrer que a dívida exceda ao patrimônio, sendo, portanto, insuficiente para quitação da dívida. Ocorrendo tal situação, é “no processo de execução, em que se recorrerá a rateio, cada um dos credores receberá apenas uma percentagem de seu crédito”. (S.R. 332).

O credor procurando resguardar o seu direito, busca maiores garantias, podendo ser essas pessoais ou fidejussória; como também reais.

“A garantia fidejussória é a que deriva do contrato de fiança e se caracteriza, nos termos do art. 818 do CC, quando uma pessoa se obriga por outra, para com o credor desta, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não cumpra. É uma garantia de limitada valia, pois tanto é possível que o devedor não consiga fiador, como também pode ocorrer que o fiador, solvável no momento da fiança, torne-se insolvente por ocasião do vencimento.

“A garantia real se apresenta quando o devedor separa do seu patrimônio um bem e o destina, primordialmente, ao resgate de uma obrigação. Três são as espécies de garantias reais admitidas, a saber: o penhor, a hipoteca e a anticrese; no caso de hipoteca, ou do penhor, ocorrendo a impontualidade, o bem dado em garantia é oferecido à penhora e o produto, por ele alcançado em praça, destina-se, preferencialmente, ao pagamento da obrigação garantida; por conseguinte é por força da preferência, o credor hipotecário ou pignoratício é pago com todo o produto da venda, excluídos os demais credores, que só terão direito às sobras do preço, se as houver; no caso de anticrese, o bem dado em garantia se transfere para as mãos do credor que, com as rendas pelo mesmo produzidas, procura se pagar”. (SR. 334).

S.S.V. adverte que “a regra geral é que todo o patrimônio do devedor responde por suas dívidas. Quando há direito de garantia especializa-se um bem, isto é, individualiza-se e determina-se o que a princípio era indeterminado, respondendo ele preferencialmente por determinada dívida. (...). O bem dado em garantia suportará primeiramente a obrigação contraída. Trata-se do direito de prelação. A regra geral é que o crédito com garantia real prefere o crédito meramente pessoal (art. 961 do CC)” (pág. 454).

Com a mesma visão de S.S.V. o Prof. Marco Aurélio Bezerra de Melo, adverte que o parágrafo único do art. 1.422 do Código Civil determinou que credores privilegiados recebem antes dos credores com garantia real. Sustenta que os

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964 e 965 “da lei civil elenca os créditos que gozam de privilégio especial em relação aos créditos pignoratícios e hipotecários”.

O Prof. W.B.M. ao discorrer sobre o assunto afirma: “Em regra, pois,o crédito real prefere ao pessoal, ainda que privilegiado. A lei é expressa a respeito (Cód. Civil de 2002, art. 961)”. Ato contínuo, o Professor passa enumerar as exceções ao princípio de preferência ao direito real: a) em favor das custas judiciais... (pág. 339); Em todos esses casos, o credor de garantia real cede o passo, cabendo preeminência ao credor privilegiado, ...”.

Salvo melhor juízo, a realidade é que o crédito privilegiado se sobrepõe ao crédito de garantia real.

O parágrafo único do art. 1.422. “Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude outras leis, devem ser pagas precipuamente a quaisquer outros crédito”.

Conceito do direito real de garantia.

S.R. define que “o direito real de garantia é o que confere a seu titular a prerrogativa de obter o pagamento de uma dívida com o valor ou a renda de um bem aplicado exclusivamente à sua satisfação.

Segundo S.R. os direitos reais sobre coisa alheia se dividem em direitos reais de gozo e direitos reais de garantia.

Nos direitos reais de gozo o titular do direito real desfruta da coisa, aproveitando-se total ou parcialmente das vantagens que ela propicia, como, por exemplo, no caso do usufruto e das servidões. Nos direitos reais de garantia o credor apenas visa, na coisa, ou ao seu valor ou à sua renda, para pagar-se de um crédito que é o seu principal interesse, e do qual o direito real não passa de acessório.

S.S.V. conceitua que “os direitos de penhor, hipoteca e anticrese são direitos reais limitados de garantia. São utilizados para assegurar o cumprimento de obrigação, mas com ela não se confundem”.

O artigo 1.419 do Código Civil preceitua: “Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação”.

Prosseguindo em sua lição S.S.V. diz “como direitos reais limitados, restringem o âmbito de atuação da propriedade, a exemplos de outros já estudados. Nos direitos de garantia, a restrição traduz-se no direito à realização de um crédito em favor de um credor. Sujeito ativo titular do direito de penhor, hipoteca e anticrese é o credor. Sujeitos passivos na verdade são todos que travam relação jurídica com a coisa, em razão da eficácia erga omnes. (...). O penhor somente se conclui pela tradição, forma importante de publicidade para os bens móveis, embora existam situações de exceção. Sua eficácia com relação

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a terceiros é alcançada com o registro no cartório de Títulos e Documentos (art. 127, II, da Lei de Registros Públicos).

“O dever do proprietário do bem gravado é suportar o ônus do titular do direito real de garantia”.

No mesmo sentido S.R. afirma que o direito real de garantia “afeta um bem do devedor, sujeitando-o precipuamente, e por via de um laço real, ao resgate da dívida garantida.

“Os dois principais direitos reais de garantia, ou seja, penhor e a hipoteca, vêm munido de preferência.

“A preferência consiste no direito, conferido ao seu titular de pagar-se com o produto da venda judicial da coisa dada em garantia, excluídos os demais credores, que, dessa forma, não concorrem com o primeiro, no que diz respeito a essa parte do patrimônio do devedor. Somente após pagar-se ao preferente é que as sobras, se houver, serão rateadas entre os demais credores”.

É o que dispõe o art. 1.422. “O credor hipotecário e pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.

Cabe ressaltar que “o fato de o crédito ser assegurado por penhor ou hipoteca não significa que o bem dado em garantia constitua a garantia única do credor. Seu crédito continuará a ser também, assegurado por todo o patrimônio do devedor, mas principal e preferencialmente pelo bem que constitui a garantia. Se, excutido (= executar judicialmente) o penhor ou executada a hipoteca, o produto obtido em praça não bastar para o pagamento da dívida, o credor continuará a ser credor do saldo; apenas, quanto esta parte, a sua condição será a de quirografário” (= diz-se dos atos e contratos destituídos de qualquer privilégio ou preferência).

“A preferência, contudo, não beneficia o credor anticrético. Este conta, em compensação, com o direito de reter a coisa dada em garantia, enquanto a dívida não for paga, direito que se extingue, entretanto, decorridos quinze anos do dia de sua constituição”. É o que expressamente reza no art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição. Natureza jurídica.

O penhor, a hipoteca e a anticrese são direitos reais, pois neles se apresentam todos os caracteres dos direitos dessa natureza (oponível a terceiros, seqüela), ou seja, são direitos que se prendem ao bem, liga-se a ele e o persegue na mão de quem quer que o detenha.

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No próprio art. 1.419 do CC reza que se trata de um vínculo real. É, sem dúvida um direito real acessório, pois sua existência só se compreende a par da existência de uma relação jurídica obrigacional, cujo resgate visa assegurar. A dívida é o principal; a garantia, o acessório. Por conseguinte, esta segue o destino daquela, extinguindo-se, a segunda, com a extinção da primeira. (S.R. 338).

Os direitos reais de garantia são acessórios, pois eles visam assegurar o cumprimento da obrigação, extinta esta, “ainda que não cancelado o registro, esvazia-se e perde a eficácia a garantia real, ao menos entre as partes, (...), pois sua razão de ser é a existência da obrigação”. (S.S.V. 453).

Indivisibilidade

“Os direitos reais de garantia são indivisíveis, no sentido de que o pagamento parcial da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda a vários bens”.

“Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondentes da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título de quitação.

“Ainda que exista pagamento parcial, toda coisa onerada permanece em garantia. Ou seja, o ônus permanece íntegro até a extinção completa da obrigação. Trata-se de uma ficção da lei criada para beneficiar o credor, porque, se excutido o direito, evidentemente somente será satisfeito o débito remanescente. No entanto, à medida que o débito vai sendo amortizado, não existe a correspondente paulatina extinção da garantia. Isso ainda que o bem seja divisível e vários os bens dados em garantia. Nesse último caso, a liberação de um ou de alguns dos bens onerados dependerá de disposição expressa na origem da obrigação, ou quando da quitação. Desse modo, conquanto a execução seja de parte do débito, a penhora irá constranger todo o bem dado em garantia.

“Essa indivisibilidade estende-se também aos sucessores do devedor, que não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção de seus limites. A lei autoriza que qualquer deles o faça pelo total do débito (art. 1.429). No entanto, o herdeiro ou sucessor que fizer essa remição se sub-roga legalmente nos direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito (parágrafo único do art. 1.429).

“Remir nessa dicção tem o sentido de extinguir, apagar, fazer desaparecer o gravame com o pagamento integral do débito (ver pág. 518 e 519). Não há remição parcial do direito real de garantia em razão de sua indivisibilidade. Remição no direito obrigacional tem o sentido de perdão da dívida. No direito real, implica liberação da coisa gravada. Esse direito é primordialmente do próprio devedor, embora esse último dispositivo refira-se a

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herdeiros e sucessores. Terceiros também podem extinguir o débito, remindo a hipoteca. Aplicam-se as regras do pagamento feito por terceiro. Embora não o diga a lei, os mesmos princípios de remição aplica-se à anticrese.

“A indivisibilidade, no caso de condomínio, gera a conseqüência que se um condômino hipotecado paga sua parte no débito, não obstante, todo o imóvel continua gravado pelo ônus real”.

A lei permite que a coisa em condomínio seja dada em garantia, conforme dispõe o §2º do art. 1.420: “A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver”.

Comentando o referido §, S.S.V. sustenta que o legislador alterou permitindo que “...divisível ou indivisível a coisa, o condômino pode dar em garantia, fazendo-o exclusivamente sobre sua parte ideal, sem necessidade do consentimento dos demais condôminos. Com isso, pretendeu o legislador facilitar a utilização da propriedade pelo condômino, tantos eram os problemas que surgiam quando um deles pretendesse dar em garantia sua parte. Se, por outro lado, pretender o condômino dar em garantia toda a coisa, persiste a necessidade de autorização dos demais consortes”.

Requisitos para validade contra terceiros.

“Para que os contratos em que se estipulam direitos reais de garantia valham contra terceiros – e os direitos reais de garantia só existem como tal se valerem contra terceiros – mister se faz a especialização e a publicidade.

“A especialização do penhor, da hipoteca e da anticrese consiste na enumeração pormenorizada, no contrato constitutivo, dos elementos caracterizadores da obrigação e da coisa dada em garantia. O art. 1.424 do Código Civil determina que no instrumento figure o total da dívida ou sua estimação, o prazo fixado para pagamento, taxa de juros, se houver, e a coisa dada em garantia com todas suas especificações.

Reza o art. 1424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, SOB PENA DE NÃO TEREM EFICÁCIA:I – o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;II – o prazo fixado para pagamento;III – a taxa dos juros, se houver;IV – o bem dado em garantia com as suas especificações.

“A finalidade da especialização é caracterizar a posição do devedor, colocando terceiros, porventura interessados em com ele negociar, conhecedor de sua situação econômica. Com efeito, se no contrato figura o montante da responsabilidade do devedor, e se nele se declaram quais os bens destinados preferencialmente ao resgate daquele débito, quem quer que tome conhecimento do conteúdo dessa convenção não pode queixar-se quando tais bens ficarem excluídos da execução, promovida pelos quirografários.

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“A publicidade do contrato é dada primacialmente pelo registro e, subsidiariamente, pela tradição, quando se tratar de bem móvel.

“Nos casos de anticrese e hipoteca, o direito real só se constitui, por ato entre vivos, por meio do registro do título constitutivo no Cartório de Registro de Imóveis, em obediência ao tão citado art. 1.227 do Código Civil.

“Quanto ao penhor, embora possa ser constituído por instrumento particular, ele só se aperfeiçoa pela tradição, o que já se constitui um elemento importante de publicidade; além disso, sua eficácia em face de terceiros só se alcança após o registro do contrato na forma do art. 221 do CC...”(S.R. 339/340).

Os pressupostos dos contratos de penhor, anticrese e hipoteca”, inserto no art. 1.424 do CC, constituem a especialização dos direitos reais de garantia. “Além de outros elementos, comuns a todos os atos (Cód. Civil de 2002, art. 104), exige a lei, quanto ao penhor, anticrese e hipoteca, menção dos referidos requisitos. Observe-se, no entanto, que a omissão deles não induz nulidade do contrato. A relação jurídica, conquanto não possa ser então oposta a terceiros, valerá, todavia entre as próprias partes contratantes. Assim, apenas não gera o direito real, passando a valer apenas como direito pessoal e, por conseguinte, vinculando somente as partes que intervêm na convenção. De modo que, nessa hipótese ficar o credor privado da seqüela, da preferência e da ação real, nada lhe restando senão entrar no concurso de credores, na condição de quirografário. O preceito do art. 1.424 tem por fim estabelecer que todos quantos desejem transigir com o devedor fiquem sabendo ou conhecendo suficientemente sua situação financeira.

“Em tais condições, para que exista direito real de garantia, oponível a terceiros, cumpre, em primeiro lugar, se mencione no ato o total da dívida ou sua estimação, quer dizer, o total inicial, expresso em cifras. Há casos, porém, em que impossível se torna a menção de quantia exata, como acontece nos contratos de financiamento para construção, ou de abertura de crédito em conta corrente. Em qualquer dessas hipóteses, basta se estime o máximo de capital mutuado, que ficará garantido; se ultrapassado, com fornecimento de novas somas, o mutuante tornar-se-á mero credor quirografário pelo excedente.

“Deve ser mencionado também no contrato o prazo para o pagamento da dívida. Omitido tal requisito, prevalecerão as regras gerais de direito civil, notadamente as consubstanciadas nos arts. 331, 332 e 134”. (W.B.M.345/346).

Capacidade para constituir ônus real

O artigo 1.420 preceitua que “Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; SÓ os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca”.

Neste artigo, o legislador elenca duas condições para que esteja presente a capacidade ativa para constituir o ônus real. A primeira quanto a pessoa e

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segunda quanto ao objeto. Assim, há que está presente a capacidade de alienar e o que o bem seja alienável. Ausente um dos elementos faltará capacidade para constituição do ônus real.

Justificando a determinação da lei, S.R. diz “Nos dois casos se estriba o legislador na idéia de que o estabelecimento de um direito real de garantia constitui um começo de alienação, de fato, estabelecido o penhor ou a hipoteca, e não paga a dívida, pode o credor proceder à penhora e praça do bem dado em garantia, donde resultará, inexoravelmente, sua venda judicial; assim, compreende-se ser condição do surgimento desses direitos reais de garantia a capacidade do agente de alienar, e que o bem seja suscetível de alienação”.

Assim, não pode ser objeto de garantia os bens aos quais se apõe a cláusula de inalienabilidade, nas doações ou testamentos. Ninguém pode gravar os próprios bens. Só nos atos de disposição mencionados o interessado poderá gravá-los, mas tais bens irão para as mãos de terceiros.

Todavia, isso não significa dizer que os incapazes não possam, por meio de seus representantes, e alcançando autorização judicial, oferecer bens em garantia real de seus débitos.

Antecipação de vencimento da obrigação garantida

O legislador com escopo de reforçar a garantia do credor, prevê situações em que ocorre a antecipação das dívidas de garantia real. O art. 1.425 preceitua: “A dívida considera vencida:I – se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;II – se o devedor cair insolvência ou falir;III – se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento...

As hipóteses inserta no art. 1.425 possuem semelhança as contidas no art. 333 do CC. Em ambos os casos, se o credor tivesse que aguardar o vencimento estipulado no contrato ou na lei, provavelmente, não encontrará mais nenhum bem no acervo do devedor, que possa satisfazer o crédito.

“Tanto nas hipóteses do art. 333 como nas do art. 1.425 do CC, aparentemente cessaram as condições de solvabilidade do devedor ou a perspectiva de resgate normal da obrigação, com que o credor podia contar. De modo que a lei, para reduzir o seu risco, considera vencida a dívida antes do termo convencional”.

No inciso I, – se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir.

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O que ocorre é uma depreciação superveniente do bem, de modo que a garantia, suficiente para resgatar a dívida por ocasião do contrato, tornou-se insuficiente em virtude da deterioração ou depreciação. Nessa hipótese, tornar-se insuficiente a garantia é condição indispensável para o vencimento da dívida, e a prova de tal circunstância incumbe ao credor.

II – se o devedor cair insolvência ou falir;

Diz S.R. que “em rigor, esta causa de antecipação não devia incidir, pois como o credor tem garantia real e preferência, seu direito se encontra aparentemente resguardado. Mas o processo concursal implica o vencimento de todos os débitos do insolvente, o que constitui vantagem de ordem geral, porque pode-se desde logo proceder ao inventário e à divisão do ativo, pelos credores.

III – se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento.

A lei presume que a impontualidade encobre a insolvência do devedor. Assim, havendo a impontualidade considera-se vencida a dívida. No entanto, como tal presunção pode não corresponder a realidade, essa regra é mitigada pelo recebimento posterior da prestação atrasada importa em renúncia do credor ao seu direito de execução imediata.

No caso da hipoteca, há, também, uma razão prática para considerar vencida a dívida pelo atraso de uma prestação, pois não seria possível excutir a coisa, se a dívida não fosse considerada vencida por inteiro.

Nessa hipótese, a execução só poderá ser feita pelo montante da prestação não paga; ora, arrematando o imóvel, a hipoteca extinguir-se-á, e o preço, deduzida a prestação vencida, deve ser entregue ao devedor, não estando ele obrigado as prestações vincendas.

IV – Se perecer o bem dado em garantia e não for substituído.

O direito real, neste caso, se extingue, pois o objeto pereceu. Desse modo, estando o credor desamparado de sua garantia real, a lei o autoriza citar o devedor para substituir a garantia, sob pena de considerar vencida a dívida.

Assim, o entendimento doutrinário é que a dívida só será considerada vencida se o devedor não oferecer outra garantia real adequada. Logo, o vencimento da dívida não é automático, podendo o devedor evitá-la, com a indicação de um bem para substituir o que pereceu.

V – Se se desapropriar o bem dado em garantia. Ocorrendo essa hipótese da indenização se retirará o necessário para pagar o credor, que fica, desse modo, satisfeito, extinguindo-se a relação jurídica.

Do pacto comissório – Pacto comissório é a convenção acessória, autorizando o credor da dívida garantida por penhor, anticrese ou hipoteca a

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ficar com a coisa dada em garantia, se a prestação não for cumprida no vencimento.

O artigo 1.428 do CC reza que “É NULA a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto de garantia, se a dívida não for paga no vencimento”.

Destarte, “constitui nulidade textual, ou seja, prevista expressamente em lei, conforme prevê o artigo 166, VII, do CC, o pacto comissório nos contratos que configurarão, com o registro competente, os direitos reais de garantia. Assim é que não produz efeito a cláusula que autorizaria o credor a ficar automaticamente com o objeto de garantia se a dívida não fosse paga no vencimento. A proibição se justifica, pois se a cláusula contratual pudesse produzir efeito, estaria o ordenamento jurídico referendando um possível enriquecimento sem causa e incentivando a usura, em detrimento dos legítimos interesses do devedor e da própria sociedade, uma vez que totalmente possível que o bem dado em garantia supere, em muito, o montante da dívida. Outra razão justificadora da proibição pode ser encontrada no princípio constitucional processual do devido processo legal, de vez que o art. 5º, LIV, da CRFB veda a perda forçada de bens sem o devido processo legal” (Marco Aurélio Bezerra de Melo, novo Código Civil anotado (arts. 1.196 a 1.510), 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p.302/303).

Sílvio Rodrigues, defendendo a nulidade inserta no art. 1.428 sustenta que “com efeito, no mútuo, é o credor quem dita a lei do contrato, nada restando ao devedor senão concordar com as condições que lhe são impostas. De modo que, não fosse a proibição legal, e o pacto comissório se tornaria cláusula de estilo, visto que o credor exigiria, sempre, do devedor, a declaração de que abriria mão do bem dado em garantia, em caso de não cumprir o contrato. Com o intuito, portanto, de proteger o devedor, parte mais fraca do contrato, é que o legislador proíbe a convenção de perda do objeto da garantia, em caso de inadimplemento”.

O parágrafo único do art. 1.428 autoriza ao devedor dar a coisa em pagamento da dívida após o vencimento da mesma.

Trata-se de uma inovação do Código Civil, que é uma exceção do caput, possibilitando que, após o vencimento da dívida, o credor aceite como pagamento o bem objeto da garantia. Nesse caso, o que ocorre é a hipótese de dação em pagamento, cuja natureza é a de ato negocial que enseja a extinção da dívida, mediante entrega de objeto diverso do que era devido.

Contudo, cabe ressaltar, que não pode no contrato inserir cláusula prevendo a obrigação de dação em pagamento, sob pena de nulidade da disposição.

Caráter quirografário do saldo devedor, se a execução não der para total resgate –

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O direito real de garantia tem caráter acessório, pois o que interessa ao credor é o pagamento da dívida, está sim é a causa principal do contrato. Havendo o pagamento extingue-se o direito real de garantia.

Todavia, se o devedor não cumpre com a sua obrigação principal – pagamento da dívida – ao credor outra caminho não resta senão proceder a execução da dívida, a fim de receber o seu crédito com o produto da venda do objeto dado em garantia.

Porém, pode acontecer que o bem dado em garantia, por exemplo, em uma dívida de R$ 100.000,00 (cem mil reais) seja arrematado por valor inferior. Neste caso, estará extinto o direito real de garantia, mas o devedor continuará obrigado a realizar o pagamento do remanescente da dívida só que está deixa de ser real e passa a configurar como dívida quirografária.

É a determinação do art. 1.430: Quando excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para o pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.

DO PENHOR

O artigo 1.431. preceitua: Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.

Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

Marco Aurélio Bezerra de Melo afirma que no penhor comum referido no art. 1.431 a incidência ocorre sobre bem móvel e se constitui pela tradição do objeto em favor do credor, fato que torna o contrato real. Em outras palavras a tradição real é elemento de formação do contrato, sem o qual o mesmo inexiste, sendo certo que antes da tradição do objeto, teríamos apenas um pré-contrato de penhor. A incidência sobre o bem móvel e a transferência da posse ao credor pela tradição efetiva do bem são os dois traços mais característicos do instituto.

Na mesma direção, S.S.V. sustenta que “a apreensão possessória da coisa empenhada, ou seja, a tradição corresponde à função genérica de publicidade requerida pelos direitos reais imobiliários no tocante ao registro”.

Existem penhores especiais que incidem sobre bens imóveis como o penhor industrial e mercantil (art. 1.447), assim como podem submeter-se a hipoteca bens móveis, conforme sucede com navios e aeronaves (art. 1.473, VI e VII).

O penhor comum enseja o desdobramento da posse, figurando o credor pignoratício como possuidor direto e o devedor como possuidor indireto (art.

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1.197), merecendo destacar que a posse do credor é apenas para fins de garantia, atuando como mero depositário da coisa (art. 1.435, I), sendo-lhe defeso, portanto, a utilização do bem.

O penhor típico, em face da necessidade de transmissão da posse, não admite, em princípio, um segundo penhor sobre a coisa. Contudo, quando a posse permanece com o devedor, não há obstáculos para que isso suceda. A Lei nº 492/37, reguladora do penhor rural, autoriza que o devedor institua novo penhor sobre os bens ou animais já empenhados, sem consentimento do credor, ressalvada a prioridade (art. 4º, §1º).

Diferença entre penhor e penhora. Penhora é o termo técnico do processo civil que se constitui na constrição judicial de determinado bem na primeira fase da execução por quantia certa contra devedor solvente. Destarte, se a dívida não for paga no vencimento, poderá o credor, tendo em vista o direito de excussão da garantia, requerer em juízo a penhora do bem empenhado.

Art. 1.432. O instrumento do penhor deverá ser levado a registro, por qualquer dos contratantes; o penhor comum será registrado no Cartório de Títulos e Documentos.

O contrato de penhor é formal, devendo ser lavrado em instrumento público ou particular e os requisitos para a sua constituição válida e eficaz são a especialização e o registro. Pela especialização, especifica-se a dívida e o bem dado em garantia (art. 1.424) e com registro cria-se o terreno possível para que se justifique a seqüela caracterizadora das garantias reais, ganhando o penhor a eficácia erga omnes típica dos direitos reais.

O instrumento do penhor deve descrever o bem com todas as suas características, como determina o princípio da especialização, discriminando o valor do débito, na forma usual dos contratos, com os detalhes necessários referentes às cláusulas de juros, índices de correção etc.

O penhor comum (art. 1.431 a 1.437) e o penhor de direitos e títulos de crédito serão registrados no cartório do registro de títulos e documentos, o penhor rural (art. 1.438 a 1.446) e o penhor industrial e mercantil (art. 1.447 a 1.450) no registro de imóveis e o penhor de veículos (art. 1.461 a 1.466) no cartório do registro de títulos e documentos e no certificado de propriedade do veículo.

A lei ao falar que qualquer um dos contratantes pode levar o contrato a registro estabelece um ônus para as partes. O credor tem interesse no registro do contrato, pois a partir deste ato, o seu crédito contará com uma garantia real, fato que lhe concede inúmeras vantagens, com a execução e a preferência (art. 1.422), além dos específicos arrolados no art. 1.433 do Código Civil. O devedor tem interesse em que os seus direitos de devedor pignoratício sejam preservados. Estes direitos do devedor correspondem às obrigações do credor pignoratício e encontram-se elencados no art. 1.435 do Código Civil.

Direito do Credor Pignoratício.

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O principal direito do credor pignoratício é excutir o bem, realizando o valor da dívida, na hipótese de inadimplemnto (art. 1.422). O penhor é direito de realização de valor. O processo é o executório. O penhor atribui ao credor o direito de prelação sobre a coisa empenhada.

Art. 1.433. O credor pignoratício tem direito:I – à posse da coisa empenhada;II – à retenção dela, até que o indenizem das despesas devidamente justificadas, que tiver feito, não sendo ocasionada por culpa sua;III – ao ressarcimento do prejuízo que houver sofrido por vício da coisa empenhada;IV – a promover a execução judicial, ou a venda amigável, se lhe permitir expressamente o contrato, ou lhe autorizar o devedor mediante procuração;V – a apropriar-se do fruto da coisa empenhada que se encontra em seu poder;VI – a promover a venda antecipada, mediante prévia autorização judicial, sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, devendo o preço ser depositado. O dono da coisa empenhada pode impedir a venda antecipada, substituindo-a, ou oferecendo outra garantia real idônea.

A posse inserta no inciso I, é a posse direta, contudo, sem o direito de usar a coisa, havendo na doutrina quem defenda que o credor pignoratício seja mero depositário da coisa.

Direito de retenção. Na análise do art. 1.219 do Código Civil vimos que o possuidor de boa-fé faz jus à retenção do bem em decorrência de benfeitorias que tiver realizado na coisa. Aqui, o direito de retenção é deferido ao credor pignoratício a fim de lhe assegurar o recebimento das despesas realizadas com conservação da coisa.

Responsabilidade civil pelo fato da coisa. O devedor responde pelos danos causados ao credor em razão do vício da coisa empenhada.